ALIMENTAÇÃO ANIMAL BIOTECNOLOGIA
APROVAR QUANDO SEGURO OU QUANDO É POPULAR?
Jaime Piçarra Engenheiro agrónomo e Secretário-Geral da IACA
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ALIMEN TAÇÃO AN IMAL
Depois da apresentação e de uma primeira discussão no Conselho Agrícola de maio, com resultados encorajadores, os próximos meses irão acentuar o debate sobre as conclusões de um estudo pedido pelo Conselho da UE que, basicamente, demonstra o erro de considerar a edição de genes como uma técnica inserida na legislação aplicável aos OGM. Recorde-se que vários Estados-membros, entre os quais Portugal, solicitaram uma avaliação científica desta decisão tomada em 2018 pelo Tribunal Europeu de Justiça e aguardam, com expectativa, orientações claras sobre uma matéria que poderá permitir aos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, uma ferramenta que diminui a necessidade de utilização de pesticidas e a possibilidade de cumprirem as metas das várias estratégias ambientais em curso, tal como a pequenos agricultores, em qualquer parte do mundo, a possibilidade de ganharem o seu sustento. Enquanto não se conhecem as decisões políticas acerca deste dossier perguntamo-nos: será a agricultura a única área na qual a evolução científica não pode entrar? Fará isto sentido quando, simultaneamente, se defende a carne sintética e outros sucedâneos bem menos estudados do que as novas técnicas genómicas (NTG) no melhoramento de plantas? A ciência e a aposta na investigação e na inovação foram os aspetos que mais marcaram o ano de 2020 e marcarão certamente os próximos. Os decisores políticos passaram a ouvir a ciência e integram-na nas suas decisões. Como podemos, então, acreditar na ciência para umas situações e não acreditar nessa mesma ciência para outras? Na agricultura, as NTG protegem as culturas contras vírus, fornecendo trechos de ARN que bloqueiam a síntese de proteínas que são essenciais à multiplicação viral. É esta tecnologia do ARN/ADN recombinante que permite produzir variedades cultivadas que são atualmente utilizadas em quase 15% da área arável do planeta, mas não na UE. O receio pode advir, admite-se, do facto de a biotecnologia agrícola ter surgido num período de crises alimentares (BSE, dioxinas), e certamente devido a uma política de comunicação errática, que permitiu que este dossier assumisse um vínculo mais ideológico do que científico, mas a alimentação, tal como a ciência, não deve ter ideologia. Apesar disso, a perceção é o que tem contado para os decisores políticos que têm, não raras vezes sem
coragem, contribuído para calar a ciência e dar voz a tribos vinculadas a teorias da conspiração, as mesmas que defendem que as vacinas provocam autismo. Os impedimentos à produção e à utilização de plantas geneticamente melhoradas impossibilita a alimentação de animais produtores de géneros alimentícios com a soja ou o milho que, nos principais fornecedores da UE, são maioritariamente geneticamente modificados. O contrassenso é que estas mesmas plantas são aprovadas pelas autoridades científicas, com parecer favorável da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e, assim sendo, para evitar disrupções no abastecimento da cadeia alimentar, e, sobretudo porque são seguras, a Comissão Europeia autorizou recentemente a importação de oito produções OGM. A nível mundial, segundo o último relatório International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications – ISAAA. org, a biotecnologia na produção agrícola chega já a 26 países, em 11 culturas diferentes, beneficiando mais de 20% da população mundial. Para já, as conclusões do estudo da Comissão (JRC) reconhecem o grande potencial destas técnicas para atingir os objetivos da Estratégia “Do Prado ao Prato” e os desafios colocados pelas alterações climáticas. A Ministra da Agricultura de Portugal e Presidente cessante do Conselho também se manifestou no mesmo sentido, salientando, na intervenção no quadro da Assembleia-Geral da FEFAC, em 11 de junho, a importância da biotecnologia e designadamente das NTG como instrumento de promoção da sustentabilidade, desde que esteja comprovada a segurança e aceitação públicas. O aprofundamento do debate transitará agora para a Presidência da Eslovénia, mas os Estados-membros terão aqui um papel decisivo. Não é de esperar uma unanimidade, até porque Hungria e Polónia, por exemplo, já manifestaram a oposição. No entanto, há que tomar consciência de que a Europa não pode ficar isolada e perder mais esta batalha, em nome dos avanços, do conhecimento científico e do Desenvolvimento Sustentável. Estará o populismo a impedir precisamente aquilo que advoga? Uma sociedade mais justa e mais ecológica e que lute contra a ignorância, pela decisão com base científica? Penso que sim! Devemos estar no lado certo, o da coragem, da ciência, e não continuar a alimentar a hipocrisia do costume.