HISTÓRIA(S) DO(S) MERCADO(S) DE CASCAIS
Nasceu a 18 de março de 1931, embora no Bilhete de Identidade se diga que faz anos a 29... “Nasci no Areeiro, onde hoje é a Avenida Marechal Carmona. Foi mesmo onde está o Espaço Memória do Teatro Experimental de Cascais que eu nasci mais o meu irmão. Fui morar para a Rua das Flores quando tinha seis anos. Até a tropa fiz em Cascais! Sou cascaense a 100 por cento e 99 por cento da Praia da Rainha”… A instrução primária foi feita na Escola João de Deus, no Monte Estoril, “uma escola de ricos”, como diz, a que teve acesso porque o pai era padeiro e fornecia para lá: “O meu pai veio de Tábua, a minha mãe é que nasceu aqui em Cascais”. Entrou ao serviço da Câmara Municipal de Cascais em 1951, aos 20 anos. Era ainda um serviço precário: “A lota fazia parte do serviço de mercados. Estava na lota três a quatro meses, se havia peixe. Se não havia, era dispensado e voltava depois”. Lembra-se, assim, muito bem do antigo mercado de ferro: “Foi demolido tinha eu 14 anos. Era em ferro com cobertura em chapas de zinco”. Recorda-se, mesmo, que “era num plano inferior em relação à estrada, do lado do mar. Do lado esquerdo ficava o mercado; no meio, as sentinas (casas de banho públicas) e do lado direito era a fruta”. Para João, a estrutura ainda estava atual e em bom estado, pelo que não guarda boas recordações da demolição... Onde hoje é habitual montar-se o palco para os concertos que se realizam na esplanada dos pescadores ficava a lota, que nesse tempo ainda era feita a céu aberto, pelo que o mais natural era que todas as atividades associadas se desenrolassem nas proximidades. Por baixo do Casino da Praia, de cuja demolição, aquando da construção da Estrada Marginal, também se recorda, havia armazéns de salga de peixe que ainda tem bem presentes na memória. A vida de um cobrador de impostos da Câmara Municipal de Cascais não era fácil naqueles tempos, sobretudo porque tinha de receber o “três por cento”, imposto pago por quem comprava na lota. “Cobrávamos às peixeiras que víamos. Das outras, pela surra, não conseguíamos dar conta”, recorda. Mas mesmo assim, feitas as contas aos vinte e cinco anos que, depois disso, passou no Mercado de Cascais, é perentório: “O trabalho da lota era mais difícil, mas dava mais luta”! Da inauguração do novo mercado, em agosto de 1952, não tem qualquer memória: “Estava na tropa” no quartel da Cidadela. Mas da construção – que aconteceu ao mesmo tempo em que se rasgou a depois apelidada Avenida 25 de Abril – guarda recordações polvilhadas de
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adivinhas: “Achávamos imensa graça a esta pala ondulada que liga o antigo pavilhão da fruta ao do peixe. Nessa altura deitávamo-nos a adivinhar o que seria aqui. Não fazia ideia nenhuma de vir para cá!”. Mas iria, em 1965. Antes disso viveu os tempos em que, até à mudança para o Mercado da Vila ainda em obras, vendedores e feirantes tiveram de passar por uma estrutura provisória, montada no terreno onde mais tarde veio a ser construído o pavilhão do Grupo Dramático e Sportivo de Cascais, entretanto demolido. “Como não cabiam todos os vendedores, alguns vinham vender para a rampa da Praia dos Pescadores. Não eram autorizados”, recorda João Ferreira, na altura já com funções de fiscalização na Câmara Municipal: “Mas aí a responsabilidade já não era nossa, mas da capitania”. Veio para o Mercado em 1965, altura em que a Lota saiu da jurisdição municipal. Mesmo a tempo de viver – na Torre do Mercado, aquela que veio a ser a sua casa durante vinte e cinco anos – as cheias de novembro de 1967. “Se subisse mais um bocadinho, a água chegava a dois degraus acima do primeiro piso”, conta. “Essas cheias foram um susto relativo. Agora as cheias de 1983 foram um susto muito grande”, recorda. Para quem não conhece o local importa explicar que o piso térreo da Torre do Mercado apenas tem uma divisão, onde, tal como antigamente, funciona o escritório do serviço de fiscalização. A casa de função que João Felício ocupou durante mais de duas décadas – onde hoje se encontram os escritórios da DNA Comércio, que assegura os serviços de gestão do Mercado a nível municipal – desenvolvia-se pelos pisos acima, divididos por lances de dezoito degraus cada. No primeiro piso estava a sala e a cozinha, no segundo um quarto e uma casa de banho e no terceiro, que apenas servia para dar acesso ao telhado, a mulher, Cândida, tinha, com muita imaginação, a máquina de costura. No terraço, que proporciona uma vista muito alargada sobre o casario envolvente, funcionava a máquina de lavar. Hoje João descreve o susto entre risos, mas naquela noite de 1983 não houve motivo para graças. Era véspera de Mercado, portanto, noite de sexta para sábado. Nessa época João arrumava o carro à entrada do Mercado, junto ao pavilhão da fruta. “Deviam ser aí umas três e pouco da manhã, ouvi um barulho e vim à janela da casa de banho para ver o que seria. A água não chegava a tapar meia roda do meu carro. Foi o tempo de pôr umas calças, camisa e