PROVÉRBIOS DE BURRO

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PROVÉRBIOS DE BURRO Olírio do Rio (Monólogo animalesco)

ADVERTÊNCIA:

1. A obra Provérbios de Burro é liberada para reprodução! Pode copiar, compartilhar, distribuir, fazer pôster, estampar na camiseta ou até tatuar se estiver realmente inspirado.

2. Mas, antes de sair por aí esbanjando sua criatividade com ela, dá uma passadinha para conversar com o autor lá na página @oliriodorio ou pelo email oliriodorio@gmail.com

3. É rápido, indolor, e quem sabe até rola uma boa conversa sobre a obra (ou qualquer outra coisa). Resumindo, faça o que quiser, só lembre de dar um “alô” antes. O autor agradece e promete que não vai te cobrar nada por isso...

“Há quem esteja disposto a morrer para fazer com que morram os seus inimigos.”
-Esopo

1. É MELHOR NÃO DIZER NADA DO QUE TER UM DIÁLOGO COM OS BÍPEDES.

O BURRO:

Ai, ai, ai de mim!

O que será do meu destino agora!

Desgraçado que sou.

Galopa! Galopa!

É só o que faço!

Ai, Desgraçado!

Estou cansado!

Tá vendo não?

Mas é claro que não!

Não posso ficar cansado!

Ainda bem, ele parou!

Ai!

Açoitou-me outra vez!

Desgraçado!

Que sorte eu tenho!

Que destino será o meu?

Ele fala o tempo todo!

Mas finjo que não escuto nada!

Graças!

Obrigado!

A minha fingida surdez animalesca é benção neste mundo de homens.

E só de rejeitar conversar com a voz deste homem.

É santidade!

É divindade!

Paraíso celestial.

Já que este ser aparenta maldade.

Pura maldade.

Fala barbaridades.

Puras vaidades.

Eloquentes obscenidades.

Obrigado!

Ainda bem que eu sou assim.

Só assim, pra gente viver juntinho...

Ele, um homem...

Eu, um animal...

E paz!

Paz celestial!

Reinando sobre nós!

Ai! Ai! Ai!

Quer me deixar cego?

Bateu no meu olho!

De que serve um animal cego?

Só por que fui teimoso?

Olha essa cara.

Velha de condoer!

Só parei por que estava com fome.

Fome!

Muita fome!

E que fome!

Preciso comer,

Vês minha cara de fome não?

Dá-me qualquer coisa.

Faz tempo nada como.

Mesquinho!

Avarento!

Usurpador!

Sim, usurpador!

Roubaste-me!

Pensas que não sei!

Esse animal aqui sabe de tudo!

Mão de vaca!

Mão de vaca, não!

É mão de homem mesmo.

Ladrão sem coração.

Ai!

Mais um açoite.

O que fiz dessa vez?

Empaquei de novo.

Sou assim.

Empaco do nada, pra te fazer parar.

Estou com fome!

Sou um animal tão bom pra ti crápula!

Faço tudo o que queres!

Do jeito que queres.

Vai me amarrar aqui agora?

Ah, quisera eu gritar e falar contigo!

Amarrar aqui?

Nesta árvore seca?

Sem sombra.

Sol escaldante!

Minhas orelhas queimando?

Meus pelos derretendo...

Amarra!

Velho desgraçado!

Deixar-me aqui?

Cadê ele?

Olha ali...

Falando sozinho de novo!

Velho atarantado!

Parece amaldiçoado!

Com esses dotes de riqueza.

Suas roupas cheias de estribilho..

Roupa de grandeza.

Sapatos de seda.

Anéis de ouro.

Cordões de prata.

Brincos de pérolas.

Alforje de couro...

Cheio de diamantes.

Só que eu sei de tudo.

Eu vi tudo o que você fez...

Pra conseguir toda essa riqueza.

Riqueza...

Tanta riqueza...

Riqueza...

Tanta riqueza...

Nesse sol escaldante.

2. PALAVRA DE BURRO É COICE?

O BURRO:

Sonho.

Subindo o telhado.

Dorso latejando.

Olhos embaçados.

Pelos ensanguentados

Subindo o telhado.

Respiração ofegante.

Patas trôpegas fustigantes.

Subindo o telhado.

Telhas de barro.

Subindo o telhando.

Telhas a arrebentar.

Telhas a cair.

Telhas a trucidar.

Telhas na jugular.

Massacrar.

O velho,

Dono do telhado

Por me espancar.

Acordo.

Ainda permaneco preso no mesmo lugar.

3. AS VEZES NÃO SE RESPEITA O

BURRO MAIS A CORDA A QUE ELE

ESTÁ AMARRADO...

O BURRO:

Que ruído é esse?

Reconheço de longe...

Perscrutando em meus ossos...

Minhas orelhas abanam.

Inflam ao som.

De temor!

Lira!

Eu sabia.

O velho ama tocar lira!

Maldito seja.

Desgraçado.

Eu te odiava

Agora...

Meu ódio por ti é mortal.

Só és meu dono por ladroagem.

Pilantragem.

Maldição.

Pura maldição.

Para onde irei?

Se tu me torturas com essas cordas.

Para onde irei?

Se tu me atormentas com essas notas.

Para onde irei?

Se tu me amedrontas com tuas músicas.

Para onde irei?

Preso, indefeso, sou obrigado à tua toada.

Maldito sejas.

Indecoroso o teu divertimento.

Ah, pai dos céus...

Formoso. Insatisfeito. Frondoso. Desgostoso.

Ah, pai dos céus,

Que perverso.

Ah, pai dos céus.

Já não podes me escutar?

Os fardos pesados.

Das fadas.

Fizeram-me brotar.

Sempre perseguiram-me.

Ao ruído dessa lira minha vida desatina.

Quiseste um filho pai.

Teves um burro.

Quiseste um filho pai.

Teve o mulo.

Ai de mim, três vezes ai.

Que desejo me fez assim?

Jerico.

Jumento.

Burrico.

Asno.

Que história a minha.

Meu pai e minha mãe.

Não podiam ter filhos.

Suplício e tomento.

Família em desalento.

Suplicaram as fadas.

Veio os feitiços e magias raras.

Mas havia um preço.

Lançou-se o fado:

Para ser...

Singelo e paciente.

Forte e disposto.

Esperto e decoroso.

Há um preço.

Não quero lembrar!

Quero esquecer!

Esquecer.

Essa é a sua vida agora.

Liro!

Calado.

Amordaçado.

Espancado.

Roubado.

Não tens para onde fugir.

Não tens para onde ir.

Não tens o que fazer. Esperar.

Quisera eu falar novamente.

Quisera eu ouvir novamente.

Mas eu apanhei tanto da vida.

Apanhei tanto deste homem,

que hoje finjo ser assim.

Surdo e mudo.

Antes eu falava.

Antes eu escutava.

Antes eu até tocava.

Mamãe fez questão de eu ir pra escola. Um burro na escola.

Imagine só.

Aprendi coisas.

Ouvi coisas.

Vi coisas.

De resto, só não conseguia escrever.

Minhas lindas patas não permitiram.

Eu era bom em escutar.

E decorar.

Decorei, decorei e memorizei.

Tantas coisas.

Mas que calor!

O que é aquilo?

Meus pelos estão coçando.

Minha visão está embaçando.

Estou com sede.

Muita sede.

Sede...

4. A JULGAR MORREU UM BURRO?

O BURRO:

Sonho.

Vejo uma sombra. No deserto.

Vindo em minha direção. Chegando mais perto.

Vindo em minha direção.

Mais perto.

Tão perto.

Minha mãe

Carrega-me no colo.

Estou em panos.

Sangue trespassado. Acordo.

Ainda permaneço preso no mesmo lugar.

5. BURRO COM FOME CARDOS COME.

O BURRO:

Ai! Ai! Ai!

Por que me fustigas agora. Já não surrou-me de mais?

Olha para o caminho.

Se não vamos ficar perdidos.

Parou.

Graças.

Vais a onde?

Ei...

O que é isso?

Uma flor!

Queres me dar uma flor.

Queres que eu coma essa flor?

Que gentil.

Finalmente uma atitude honrada.

Inusitada.

Como sabias disso?

Sim.

Adoro comer flores de jardim. Flores são deliciosas.

Doces.

Amargas.

Azedas.

Tem a cor.

O cheiro.

O formato.

Pela manhã são mais macias. A tarde quentinhas.

E a noite um otimo sonífero.

Que flor é essa

Desconheço.

Não vou ficar aqui parado.

Cavalo dado não se olha os dentes.

Já que a fome é o melhor tempero.

Croc!

Espinho!

Mastiga!

Regurgita!

Mastiga.

Outro espinho!

Mastiga!

Mais um espinho.

Mastiga!

Eu era feliz!

Mastiga!

Muito feliz!

Mastiga!

Comida de sobra!

Mastiga!

Na casa do meu antigo dono.

Mastiga!

Nunca iria comer.

Mastiga!

Flores com espinhos.

Mastiga!

Que vida levada...

Mastiga!

Essa de beira de estrada.

Mastiga!

Estás a sorrir pra mim?

Mastiga!

O que será de mim agora?

Mastiga!

Com minhas entranhas

Mastiga!

Remoendo espinhos

Mastiga!

De flor estranha?

6. QUEM NÃO AGUENTA O TROTE NÃO MONTA O BURRO!

O BURRO:

Sonho.

Em um País das Maravilhas.

Fim de tarde,

Desliza o sol ao longe.

Na estrada.

Remexo meus cascos cansados

Aparece um céu dourado.

Sonhadoramente uma menina aparece.

Seu nome é Alice.

Sombra no céu.

Um passáro voa longe.

Ela pergunta,

O que é o amor benevolente senão sonho?

Luzidia memória.

Sinto avidez e esperança.

Parece um cenário da minha infância.

Ela Simpatia.

Eu Benevolência.

Eu Afeição.

Eu Amizade.

Ela Cordialidade.

Alice minha amiga criança.

Saudades.

Acordo.

Ainda permaneço preso no mesmo lugar.

7. SE EU FOSSE BURRO, NÃO SOFRIA

TANTO...

O BURRO:

É noite ainda.

O velho tem cara que sonha.

Vontade de fugir.

Posso quem sabe.

Roendo com meus dentes desgastados.

A corda que me ata.

Mas foi o que sempre fiz.

Fugir.

Quando tinha três anos de idade.

E não aguentava mais a sociedade.

As crianças.

Os jovens.

Os adultos.

Os velhos.

Meu pai.

Minha mãe.

Resolvi ir embora de casa.

Não voltar.

Esquecer.

Me esquecer.

Esquecer o que supostamente eu queria ser.

Pra me tornar o que sou.

O que sou?

Animal?

Era o que as pessoas viam.

Animal?

Era o que elas diziam.

Animal?

Era o que elas cochichavam.

Animal?

Era o que elas pensavam.

Animal?

Era o que elas silenciavam.

Animal?

Nasci para ser:

Animal?

Bicho?

Besta?

Animalejo?

Animália?

Alimária?

Grosseiro?

Grosso?

Estúpido?

Bruto?

Ignorante?

Malcriado?

Só sei que nasci pra ser cavalo.

Na história que os humanos inventaram e nos contavam na sociedade.

Veja só.

Se um cavalo falasse na história deles.

Provavelmente as pessoas o escutariam.

Talvez ouviriam.

Quem sabe com toques de grandeza e satisfação.

Mesmo sendo ele um animal como eu.

Agora se um burro falasse...

Ah se um burro falasse...

Na história que os humanos inventaram e nos contavam na sociedade.

Teria grande chance de pessoas os desprezarem.

Talvez ouviram abismadas um burro...

Sim um burro

Ter alguma capacidade.

Já que na sociedade.

Os cavalos deuses.

Os burros mortais.

Os cavalos príncipes.

Os burros serviçais.

Os cavalos cuidados.

Os burros trucidados.

Os cavalos descansam.

Os burros trabalham,

Os cavalos amam

Já os burros sofrem

Pelo que estudei.

Pelo que memorizei.

Na escola

Já dava para saber.

O mundo entre cavalos e burros era assim.

Cavalos ricos.

Burros pobres.

Cavalos jovens.

Burros velhos.

Cavalos à vida

Burros à escravidão.

Cavalos nobres.

Burros vassalos.

Cavalos chefes.

Burros empregados.

Cavalos professores.

Burros alunos.

Cavalos mestres.

Burros discípulos.

Cavalos inteligentes.

Burros ignorantes.

Cavalos.

Burros.

Cavalos.

Burros.

Somos o que eles querem que sejamos?

Quem quer que a gente seja alguma coisa?

Não deveria ser eu o maior interessado nisso?

Que raiva.

Esse maldito velho apertou tanto a corda.

Que ela está me ferindo.

Esse maldito velho me roubou.

Pensando que era um cavalo.

Meu dono antigo era rico.

Gostava mais de burros do que cavalos.

Já que os burros...

Trabalhavam mais.

Cansavam menos.

Carregavam peso.

Morriam mais tarde.

Comiam menos.

Que raiva.

Qual foi o motivo de eu ter fugido de casa?

Eu queria não ser humano.

Queria ser burro mesmo. É isso.

Queria ser burro mesmo.

Minha mãe.

Queria que eu tocasse lira.

Queria que eu fosse bem sucedido.

Queria que eu fosse aceito,

Ela queria muitas coisas de mim.

Eu não queria ser nada daquilo.

Achava chato esse história humana

De ser alguma coisa.

Todos aqueles assuntos.

Todos aqueles conceitos.

Todos aquele seres.

Querendo ser alguma coisa.

Não para si mesmos.

Mas para o grande teatro da vida.

Palmas para o grande teatro da vida.

Eu gostava era de ficar brincando.

Com a minha amiga Alice.

Ela era a única que me entendia.

Não me tratava de um jeito estranho.

Pelo fato de eu ser um burro...

Agora ela me olhava de um jeito estranho...

As vezes tenho a impressão que Alice não era humana também.

Me fazia perguntas sobre a vida.

Perguntas profundas.

De onde você vem?

Não sei.

O que significa tudo isso?

Não sei.

Deve significar alguma coisa.

Eu mentia pra ela as vezes.

Eu sabia o que significava, pelo menos pra mim.

Uma vez ela perguntou o significado do meu nome.

Eu disse.

Meus pais uma vez disseram.

Se fosse menina seria Lira.

Por que minha mãe gosta do som desse instrumento.

Se fosse menino seria Liro.

Por que minha mãe a todo custo queria um nome que parecesse com Lira.

Mas eu não fui menino nem menina.

Nasci um animal.

E no mundo animal dizem que tem

Macho e Fêmea.

E por amor a lira.

Deixaram Liro mesmo.

Ela simplesmente me respondeu.

Dizendo uma coisa que nunca esqueci.

O seu nome significa a forma que você tem nesse planeta.

E pela primeira vez na vida eu aceitei quem eu era aqui.

Decidi então fugir do mundo dos humanos.

Foi numa noite.

Quando todos dormiam.

Fui andando em direção a estrada. Só deixei um indício de minha partida.

Lembro de olhar-me no espelho do quarto.

E parti-lo em pedacinhos.

8. ZURROS DE BURRO NÃO CHEGAM

AO CÉU?

O BURRO:

O homem ainda dorme.

Nossa, já está amanhecendo!

O dia florescendo.

Pássaros voando.

Formigas nos formigueiros.

Cigarras cantando.

Os animais.

Cumprindo os seus papéis no mundo.

Uma grande cobra rasteja no chão.

Cobra...

Uma grande cobra rasteja no chão.

Indo em direção ao velho.

Vai estragular ele.

Vai morrer dormindo. Liro.

Você poderia deixar!

Liro.

Você poderia deixar a cobra matar o velho!

Liro.

Você poderia deixar a cobra matar o velho sim!

Assim ficaria livre dele...

Mesmo amarrado.

Você conseguiria sair.

E finalmente seria livre de novo.

Livre!

Deste odioso homem.

Lembra.

Ele merece morrer...

Sim...

Ele merece morrer e apodrecer.

Sim.

Ele merece morrer nessa estrada.

Sim!

Por tudo o que ele fez.

Sim!

Ele vai apodrecer aqui.

Sim!

Ele vai agonizar até a morte.

Sim! Sim! Sim!

Você verá com prazer isso acontecer.

Você sabe!

Ele roubou o próprio irmão.

Por poder e riqueza!

Sangue do próprio sangue.

E quando ele estuprou a esposa do irmão por capricho?

E quando ele matou na frente do irmão esposa e filhas?

E quando ele viu o irmão pedido misericódia e trucidou atirando-lhe no peito?

E quando ele roubou tudo o que achava de valor e no final ateou fogo em tudo?

Puro ciúme, inveja e rancor.

E depois se embebedou.

E quando viu não teve outra escolha a não ser fugir intuindo que você era um cavalo.

Liro!

Ele estava bêbado e não se atentou a isso.

Seguindo o caminho da estrada mais deserta possível.

Com medo de ser descoberto.

Levando você a tapas.

E quando se deu conta de que você era um burro...

Açoitou-o muitas vezes.

Pois o seu orgulho era firme.

Fúria nos olhos.

Cobiça na boca.

Terror nas mãos.

Já faz quatro anos que isso aconteceu.

Cavalgando no encalço do assasino.

Por qual motivo?

Poderia eu ter salvado meu antigo da violência?

Poderia eu fazê-lo escutar e mudar o rumo da jornada?

Poderia os seres humanos acreditarem que um bicho que fala e foi testemunha de tudo isso?

Liro!

Viste o horror acontecer.

Aconteceu.

E aqui estamos

E ele vai morrer assim?

Sim!

Pela boca de um animal?

O que eu faço?

Inhóóó!

Inhóóó!

Inhóóó! O homem acorda.

Inhóóó! Inhóóó!

Inhóóó! Assustado. Inhóóó! Inhóóó! Inhóóó!

Vê a cobra. Inhóóó! Inhóóó! Inhóóó! Olha para os lados.

Inhóóó! Inhóóó!

Inhóóó!

Ela vai te morder. Inhóóó! Corre! Inhóóó! Calma!

Inhóóó! Isso!

Inhóóó! Inhóóó! Calma! Inhóóó!. Dá um susto na cobra!

Inhóóó!

Isso! Um facão?

Inhóóó!

Inhóóó!

Prá que isso?

Inhóóó!

Não precisa matar a cobra!

Inhóóó!

Inhóóó!

Inhóóó!

Não faz isso!

Inhóóó!

Inhóóó!

Ela só estava passando.

Inhóóó!

Inhóóó!

Não!

Inhóóó!

Ei!

Inhóóó!

Inhóóó!

Inhóóó!

Vai me bater de novo?

Inhóóó!

Inhóóó!

Por que você está me açoitando agora?

Inhóóó!

Inhóóó!

Inhóóó!

O que foi que eu fiz!

Inhóóó!

Inhóóó!

Inhóóó!

Eu salvei a sua vida.

Inhóóó!

Inhóóó!

De onde vem esse ódio?

Inhóóó!

Eu não fiz nada!

Inhóóó!

Inhóóó!

Inhóóó!

Vai me matar também?

E essa cara agora?

Eu sou um burro que fala.

O velho pega a arma no alforje.

Dispara o tiro.

Vertigem.

É tarde para corrigir-se.

Uma vez que tenha dito qualquer coisa. É definitivo.

Você tem que aguentar as consequências.

9. MAIS VALE MATAR UM BURRO VELHO DO QUE ENSINÁ-LO?

O BURRO:

Embora escorram minhas últimas horas nessa estrada.

Estou bem.

Embora escorram minhas últimas horas nessa minha condição dolorosa.

Não tenho medo.

Embora escorram minhas últimas horas na terra...

Sinto que o fim dessa vida se aproxima.

Essa é a estrada que almejo agora.

O velho se foi.

Deixou-me aqui.

Libertou-me de vez.

Na beira da poeira da estrada deserta. Sozinho.

Em solitude e solidão.

Agonizo meus últimos suspiros.

Nenhum pai.

Nenhuma mãe.

Nenhum amigo.

Nenhum conhecido.

Nenhum desconhecido.

Vai ficar tudo bem agora...

Vivi o que tive que viver.

Palmas para o teatro da vida.

Na memória fui um burro.

Mas agora nesses últimos instantes...

Nessa terra...

Longa e pequena.

Vasta e estreita.

A história da minha pequena vida.

Finalmente vivida.

Fatídica?

Agora prestes a ser esquecida?

Foi um sonho...

Um breve sonho...

Quem saberá dizer...

So sei que...

O outro lado da vida me espera.

Uma chance...

De viver e encontrar...

Quem sabe o país das maravilhas.

Já não permaneço preso no mesmo lugar.

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