Jornal O CATARINO do AESC - Junho.2020

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AESC *OPINIÃO *CRÓNICAS * CURIOSIDADES *ATIVIDADES*NOTÍCIAS*BIBLIOTECAS* DESPORTO

*ROBERTO IVENS JOSÉ MARTINS

ARMANDO GUERREIRO

D.PEDRO V * GONÇALVES ZARCO

AMÉLIA REY COLAÇO

AGRUPAMENTO ESCOLAS SANTA CATARINA Linda-a-Velha - OEIRAS

Junho 2020


AESC VOZ ao

DIRETOR

COVID - 20

Quando nos pomos a adivinhar, prever, antever… há sempre um enorme risco de, à posteriori, virmos a cair no ridículo. Pois, que assim seja. Vamos então a 20/21, uma vez que o 19/20 está quase arrumado, graças a termos tido 7 meses de percurso normal e apenas 7 ou 8 semanas de aulas atípicas que deverão ter um peso muito relativo no momento da verdade, que será o da sentença dos Conselhos de Turma, hoje mais do que nunca, mas, como até aqui, senhores e soberanos das notas dos alunos. Com o passar do verão/outono e a previsível chegada das chuvas e do arrefecimento das temperaturas, é expectável que volte a colocar-se a questão do confinamento, certamente em modo parcial, uma vez que os economistas já alertaram que o país não aguenta a repetição do isolamento domiciliário de março/abril. Assim, supõe-se que se manterão as medidas de distanciamento nas escolas e o ano letivo poderá desenvolver-se em regime semi-presencial, com as cargas horárias divididas em sessões presenciais e aulas à distância. Será a única possibilidade de as escolas assegurarem algum distanciamento em sala de aula pois nos recreios, diga-se o que se disser, arranjem-se as estratégias mais rocambolescas, tal será possível apenas na teoria. Por exemplo, uma disciplina com 5 tempos por semana poderá vir a ter 2 tempos + 2 tempos para o professor, em regime presencial, com meia turma de cada vez (portanto 1 tempo + 1 tempo para os alunos), ao que se poderá somar mais 1 tempo para o professor, à distância (½ tempo + ½ tempo para os alunos). Assim, o que se dava em 5 tempos, terá que dar-se em metade, se bem que o facto de se trabalhar com meia turma permite uma melhor rentabilização do tempo. O professor mantém assim os 5 tempos para cada turma e o orçamento de estado para a educação nem é beliscado com a crise. Umas turmas terão aulas de manhã, outras à tarde, ou então vão intercalando (uns à 2ª, 4ª 6ª à tarde e terça e 5ª de manhã, outros vice-versa), ou ainda a possibilidade de 3 turnos diários. Claro que com isto acabam-se as tardes de 4ª e 6ª para reuniões, desporto escolar, apoios, etc., para os quais também se hão-de arranjar uns espacinhos. Nem sequer se pode considerar que a alternativa a isto será o Ministério da Educação abrir os cordões à bolsa, contratando mais professores (o que nunca iria acontecer), uma vez que as escolas não têm

salas disponíveis para dividir as turmas e mantê-las todas na escola. Inevitavelmente terá que recorrer-se aos turnos até para evitar muita aglomeração nos recreios.

Será que vou errar por muito? Hernâni Mealha Pinho Diretor

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ARC medidas de seguranรงa

Aulas Presenciais (disciplinas de EXAME)

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EDITORIAL

Professor Amandio Fontoura

Esta edição do nosso jornal não pode ser descontextualizada do momento surreal e das dificuldades dramaticamente sentidas que estamos a viver. A escola reproduz naturalmente e por osmose o meio social. Assim será uma edição essencialmente temática, teremos menos páginas e um aspeto gráfico baseado em duas cores, o preto, de pandemia, confusão e morte, e o verde, de esperança de uma normalidade de novo viva e sôfrega. Temos páginas recolhidas virtualmente e que são os contributos possíveis de quem se posiciona pessoalmente e a partir da referência do seu papel - professor, aluno, funcionário, diretor de turma, encarregado-de-educação perante a situação escolar insólita que vivemos também no nosso Agrupamento. Atentem nos textos fabulosos que são apresentados. Embora o augúrio de deuses enfadados nas previsões pessimistas vaticinem este vírus como o primeiro de muitos que nos farão desembocar num fim biologicamente mortífero e mentalmente apocalíptico, eu não acredito. Não vamos acreditar nisso. Espero que este jornal transpire esta atitude. A nossa evolução científica e tecnológica dar-nos-á em breve uma solução. Talvez já em Setembro. Se recordamos o séc. XX com os marcos de duas Guerras Mundiais, iremos recordar este surto como um biosusto terrível de apenas alguns meses. Que nos sirva de aprendizagem para valorizarmos o que é verdadeiramente bom na nossa vida: liberdade e responsabilidade. E partilha. O resto é acessório. E como dizia Charles Chaplin a vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe. Entretanto cuidem-se. Isto já passa. Boa leitura

Amandio Fontoura Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Aulas Presenciais (disciplinas de EXAME)

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Crónica

Coordenadora dos DT’s Secundário Professora Luísa Nunes

Como ser DT do Secundário em tempos de Pandemia? Quando se fala em ser Diretor de Turma, há uma multiplicidade de funções associadas a este cargo. Umas mais fáceis, outras mais difíceis. Dependendo de cada pessoa e das suas características, as funções burocráticas são, de entre todas, mais ou menos agradáveis. E como ser DT, à distância, em consequência da COVID 19? Bem, não está a ser nada fácil. Falo por experiência de muitos anos, de alguém já habituada a estas andanças como Diretora de Turma. De repente, os alunos, os pais, os professores, os diretores, os governantes ficaram “sem chão”. Longe da escola, os alunos precisam de um apoio ainda mais individualizado do que presencialmente. Se é fácil, a propósito das inscrições de exame, “perder” uma aula a explicar tudo certinho e direitinho, neste contexto, tornou-se deveras complicado. Para além das dúvidas dos alunos, tínhamos as dúvidas dos pais. Quando, finalmente, os alunos estavam todos inscritos, com as alterações dos normativos e das condições de acesso, foi um sem número de email recebidos e enviados. As inscrições para exames tiveram de ser todas refeitas. Se é bem mais fácil cara a cara, olhos nos olhos, esclarecermos alguém, à distância e envolvendo, algumas vezes, a Secretaria e a Direção, foi deveras difícil. Se não se conseguiu? Claro que sim! Todos nós nos adaptamos a novas circunstâncias e é nessa nossa capacidade de adaptação que crescemos enquanto indivíduos. Outro problema de estarmos à distância teve a ver com a utilização de ferramentas pelos DT e alunos para as quais não haviam sido treinados. O Cisco Webex Meeting para o encontro presencial com os alunos revelou-se uma boa opção porque, por vezes, as dúvidas de uns alunos são as dos outros e permitiu, igualmente, o falar com a DT de forma mais próxima. Porque, todos sabemos que, por mais informal que seja o email, é mais difícil pôr por escrito aquilo que oralmente se pode dizer. De qualquer forma, alunos que não estavam habituados a enviar e receber emails de pessoas mais velhas, até que se desenvencilharam bem. Mais uma vez, é tudo uma questão de adaptação. Também para os pais se tornou difícil o contacto com os DT. Muitos já habituados a usar, habitualmente, email continuaram a fazê-lo na procura de resposta para alguma dúvida, ou para fazerem algum esclarecimento. Alguns, poucos, quereriam ter feito o contacto telefónico. Mas, foi entendimento da escola, o contacto ser via email entre DT e pais. Pode não ser a opção de contacto mais imediata, porém, é aquela que permite que o professor, nas funções de DT, possa gerir o seu tempo da melhor forma possível. Sim, porque parecendo termos todo o tempo do mundo para tudo, de repente, vimo-nos confrontados com o estarmos horas a fio a responder a emails, mais ou menos simpáticos, e não deixarmos ninguém sem resposta. Termino com uma nota de esperança. Pode ser que tenhamos todos aprendido com esta situação a privilegiar o que é mais importante e a desvalorizar o que não tem importância de maior. Se é o facto de haver aulas presenciais, ou sessões online, ou trabalhos à distância, ou exames, que parece estar nas preocupações de alunos e pais, é a aprendizagem que foi feita em tão pouco tempo e a tantos níveis que se revelou uma mais-valia para estes jovens, adultos de amanhã. Serão eles que serão os futuros governantes, decisores, cidadãos em diferentes áreas e funções que se recordarão de que no ano 2020 passaram por uma situação que, sendo difícil, lhes trouxe tanto em termos de aprendizagem.

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Aulas Presenciais (disciplinas de EXAME)

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CIMEIRA das DEMOCRACIAS Universidade Católica Portuguesa

Delegação da nossa Escola: Sara Napoleão, M.ª João Costa e Ricardo Novikov Supervisão: Amandio Fontoura

Este ano, e pela 3.ª vez, a nossa escola Amélia Rey Colaço fez-se representar na Cimeira das Democracias organizada pela Universidade Católica Portuguesa. A delegação foi reduzida a 3 elementos devido ao contexto restritivo que vivemos e a própria Cimeira teve de realizar-se via zoom e não presencial, portanto. Coube-nos a tarefa de representar o Brasil e apresentamos a seguir o nosso Democracy Scorec3ard

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CIMEIRA das DEMOCRACIAS Universidade Católica Portuguesa

Delegação da nossa Escola: Sara Napoleão, M.ª João Costa e Ricardo Novikov Supervisão: Amandio Fontoura

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Crónica

Encarregada de Educação Dr.ª Filomena Tiago

Primeiro dia de confinamento-7h50 Estou a entrar na autoestrada para me dirigir ao Hospital. Tenho uma vontade enorme de chorar, um Vírus que está a devastar o Mundo obriga toda a gente a permanecer em Casa. Nunca em toda a minha vida tinha visto algo assim! Toda a Humanidade a esconder-se em casa com medo de perder a Vida. Pensei :”isto não pode ser só o medo de ficarem doentes!” Parece que tudo foi orquestrado para nos assustar tanto, que temos de correr a esconder-nos com medo do "papão" e deixar o caminho aberto para a seguir nos atacarem e ganharem a guerra sem nenhum esforço. Ninguém na rua aquela hora! Não havia carros! Tinha a autoestrada só para mim! Senti-me subitamente sozinha e apeteceu-me chorar! Uma lágrima apareceu ao canto do olho, porém pensei: não vou chorar! Vou trabalhar! Podemos morrer mas vamos lutar! Tinha deixado em casa a minha filha mais nova que no dia anterior me tinha pedido : “Mãe não vás trabalhar, tu tens asma , hipertensão. Pede para ficares em casa”. Não fiquei em casa. Não era altura de virar costas aos problemas e lá fui. Cheguei ao hospital, fui ao bar onde costumo tomar o pequeno almoço e aí a disposição melhorou ao ver os 3 ou 4 colegas que habitualmente encontro aquela hora. Sem cumprimentos mas contentes por nos vermos , com máscara e pouca conversa lá tomámos o pequeno almoço e cada um seguiu para o seu local de trabalho. Em casa a filha de 17 anos - fez os 18 anos durante o confinamento - tinha ficado sozinha, pois os irmãos mais velhos já vivem nas suas próprias casas com a família. Foi difícil no inicio perdeu as rotinas . De repente as aulas , os professores ,tudo tinha desaparecido ! Era a televisão , as séries da Netflix , as notícias do coronavírus , as mortes em Itália , em Espanha na China e tudo a fechar ,os aviões a parar : “Meu Deus para onde estávamos a caminhar ?!” As duas primeiras semanas foram de interrogação , perplexidade. Nunca tinha vivenciado nada assim ! Nem ela nem os colegas nem nós os mais velhos. Mas lentamente as rotinas começaram a voltar. Na escola os professores começaram a enviar fichas e trabalhos e a seguir iniciaram-se as aulas online. A vida foi recomeçando. De uma forma diferente, é verdade, mas recomeçou e apesar de não ser a mesma coisa e haver limitações no relacionamento com os outros sempre é melhor que nada e pelo menos não é arriscado. Agora já é com prazer que ouço durante a tarde risos alegres, quando um grupo de 2 ou 3 se juntam online para estudar Matemática, Físico- química etc. Quase parece que estão todos juntos no escritório. Entretanto a esperança começa a voltar , o número de casos de COVID a diminuir , o medo começa a diminuir e as pessoas podem começar a sair e algumas aulas presenciais a recomeçar. Foram dias difíceis para todos, para quem ia para a "Guerra " ,para quem ficava em casa , para as crianças , para os idosos, sobretudo para as empresas, que começavam a ir abaixo, mas com calma tudo se irá resolver. Infelizmente, este vírus não vai desparecer de um dia para o outro, muito menos as consequências que já deixou. Temos por isso de nos adaptar a esta nova vida. Aceitar que a vida mudou mais ainda assim tirar proveito disso. Seguir o exemplo dos que têm estado na rua por todos nós, dos que sem medo modificaram toda a sua rotina e tiveram de aprender novamente para poderem ensinar, como por exemplo os professores. Temos de ter todos os cuidados de segurança nesta nova vida, mas não podemos deixar de viver…


AESC Professora Alexandra Filipa Nunes Professor em Confinamento

Crónica

Quando recebi um email cujo título era “colaboração para o Jornal”, de imediato pensei que, neste terceiro período, não se justificaria a realização desta edição, pois a partilha das atividades escolares, tal como estamos habituados a vivenciá-las, não poderia ser feita, uma vez que nem professores nem alunos estiveram presentes na escola. A reação imediata foi uma resposta formatada que quase oprimiu o pensamento “fora da caixa”. No entanto, ao ler o conteúdo do email, onde nos era proposto escrever para o jornal da escola, mesmo em tempo de confinamento, rapidamente percebi a sua pertinência (até porque tenho alguma dificuldade em dizer que não a um desafio), sentindo a vontade de partilhar a minha experiência como professora, num período atípico como o que estamos a passar, pois considerei muito importante ficar algum registo escrito sobre as alterações drásticas e repentinas que todos nós (professores, alunos e famílias) estivemos sujeitos e às quais respondemos de forma empenhada e até mesmo heroica. Como em tudo na vida, há prós e contras nas mudanças que somos obrigados a fazer e as derivadas da pandemia da Covid-19, provocada pelo Corona Vírus, não foram exceção. Como pessoa, e consequentemente como profissional, tento sempre retirar o que de mais positivo podemos ter com as situações com as quais nos deparamos (quer sejam impostas ou por escolha própria). Desta forma, considero que consegui olhar para este período (que desejo que seja ultrapassado rapidamente) como algo que permitiu: - Confirmar que há sempre formas diferentes de fazer seja o que for. - Evoluir em termos informáticos, nomeadamente na utilização de plataformas de comunicação que anteriormente apenas via aplicadas em videoconferências empresariais. - Conseguir organizar o dia de trabalho com maior flexibilidade (fora do horário das aulas síncronas), ajustando-o às exigências familiares e ao ritmo de trabalho de cada um. - Evitar o desperdício de tempo que se gasta nas deslocações entre a casa e a escola e vice-versa. - Perceber que os alunos apresentam uma excelente capacidade de realizar aulas em videochamada, interagindo, mostrando interesse e mantendo-se concentrados ao longo de toda a aula. - Estreitar a ligação com as famílias dos alunos (quando estas estão empenhadas no processo educativo dos seus filhos), tendo havido necessidade de maior partilha e interajuda, através de telefonemas, emails e videochamadas. Foi muito gratificante receber fotos e vídeos de alunos a realizarem atividades que lhes propusemos e ouvir os encarregados de educação a relatar que se divertiram com os filhos na realização das tarefas. - Reforçar os laços entre colegas, com os quais sentimos necessidade de ajuda mútua, quer através da partilha de materiais, quer através da partilha de informações sobre conteúdos novos ou descobertas realizadas que facilitam o sucesso do nosso trabalho. - Poder fazer formação através de Webinars, com formadores e participantes em diferentes partes do país e até mesmo no estrangeiro. - Realizar as reuniões de Conselho de Docentes e de Conselho de Turma através de videoconferência, que, para além de totalmente eficazes, se traduziram numa maior eficiência. Sugiro vivamente que esta prática se possa adotar depois do confinamento. É claro que nem tudo é positivo quando vivemos uma situação destas e o que sinto mais falta do que considero ser um dos benefícios de ser professora é dos abraços e da partilha de afetos com os meus alunos, e isso não há nenhum telefonema nem videochamada que consiga substituir.

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Crónica

Professora Lara Madureira de Carvalho

Lições do século XXI para a Vida Foi-me solicitado que escrevesse um artigo para o Jornal da Escola Secundária Amélia Rey Colaço. Tendo em conta que este foi o ano letivo mais atípico da minha vida, tanto como estudante como professora, venho focar-me no breve relato de como fomos confrontados com o inesperado e/ou desconhecido, na forma como este ano fomos postos à prova; não a prova formal feita na sala de aula de papel e caneta na mão, mas a prova da Vida. Lições que aprendemos: 1º Num abrir e piscar de olhos, a vida pode mudar de forma inesperada e drasticamente. Isso não acontece apenas com a perda de um ente querido ou um acidente. 2º As questões mais simples, aquelas que considerávamos tão óbvias e que, por isso, nem pensávamos nelas, podem tornar-se cruciais: O que é realmente essencial para as nossas vidas? Que prioridades devemos ter perante a mesma? 3º Aprender a viver o momento presente, parece-me que foi importante para todos nós, embrenhados sempre num conjunto abrupto de circunstâncias e exigências. De repente, a exigência é a de pararmos. 4º Como nos protegermos de algo que não conhecemos? Como selecionar a informação fiável acerca desse mesmo assunto? Assistimos a uma panóplia de notícias através da televisão e internet, uns fazem piadas, outros levam o assunto mais a sério. Neste aspeto continuo a pensar como os gregos: sejamos prudentes. A prudência e a temperança são virtudes. Numa das minhas últimas aulas os meus alunos disseram: professora, não sabe que andaram à luta no supermercado por umas latas de atum e feijão frade? Realmente, o medo pode ser uma reação perante o desconhecido. O medo pode desorientar e bloquear a ação humana. Mas tem uma função: a função de estar alerta para situações de perigo. Aprendemos a lição do medo, mas também a da coragem e a da confiança. 5º Quando passamos por situações que nos podem causar algum receio ou desespero devemos manter a Esperança; não é por acaso que tanto se desenhou um arco-íris, símbolo de esperança. Na Bíblia, no livro de Génesis, este representa a aliança de Deus com todos os seres vivos na Terra. (…) Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Crónica

Professora Lara Madureira de Carvalho

Lições do século XXI para a Vida (cont.) (…)

6º Uma vez decretado o estado de emergência aprendemos também a lição da humildade e, com isso, tornamo-nos mais humanos. Tendo em conta diferentes circunstâncias e histórias de vida que nos tornam únicos, singulares e especiais, podemos também compreender que todos somos iguais. Todos somos filhos de alguém… todos participamos na vida coletiva e fazemos a diferença. 7º Estar online versus offline, as aulas em altura de pandemia e a utilização da tecnologia pode ter sido um fator de proximidade; muitos também utilizaram este meio para visualizar o seu ente querido e se despedir do mesmo. Chocante. Controverso. Não nos esqueçamos da importância do que está para além do ciberespaço. Os cheiros, os sons, o toque e o conforto de uma mão. Um professor que apoia delicadamente o braço do aluno. As conversas reais e não virtuais. As reações naturais dos amigos com piadas ou gargalhadas, não é substituível por um Chat. Temos um corpo, rico em sentidos, devemos cuidar do mesmo e zelar pelo contacto humano. 8º As crianças e os jovens do século XXI estão de Parabéns, porque tiveram a capacidade de receber estas lições de vida, na “escola da vida”, sem reclamar, sem contestar, revelaram uma atitude de resiliência que muito admirei e que faço questão de deixar registado neste Jornal e de dizer a todos os alunos, colegas, pais e aqui também incluo os meus filhos. É notável o respeito que manifestaram pelo esforço contínuo dos professores, estes também largados num conjunto especial de circunstâncias, bem como a colaboração paciente e o cumprimento para com as indicações e propostas dadas pelo estabelecimento de ensino e a direção geral de saúde. 9º O momento mais importante será aquele em que, num futuro que se espera próximo, possamos voltar a dar um abraço sem receio e ver esboçado nas vossas faces um enorme sorriso. Despeço-me deste ano letivo de uma forma diferente, com uma certa tristeza por não ter festejado com os meus alunos a lição número cem, por não ter cantado mais os Parabéns nos meses que passaram, por não ter acompanhado em direto os seus progressos, lutas e dificuldades, mas sei que estes alunos receberam uma lição para a vida. Lara Madureira de Carvalho Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Crónica

Professora Luísa Nunes

Como viver longe de quem se ama? Certamente, que perante este título todos nós temos uma resposta que, atualmente, não estará desligada da Pandemia que nos afeta e que forçou as pessoas ao distanciamento. Casos há em que essa distância não se verifica em consequência dessa situação, mas que teve origem bem diversa. Com a abertura de Portugal ao mundo, os nossos jovens começaram a viajar, estudar, viver em locais mais ou menos distantes dos seus progenitores. Será fácil, para uns e para outros? Por experiência própria, mãe de duas jovens a viverem em diferentes países, direi que não! Mas, como em tudo na vida, aprende-se a viver à distância. Agora, com tudo o que nos está a acontecer, com as imagens nos media, ou com as partilhas nas redes sociais, vemos as queixas, a tristeza de quem, de repente, ficou sem poder estar com filhos e netos. Sobretudo para os mais velhos, menos habituados às novas tecnologias, está a ser muito difícil não estar em presença com os familiares mais próximos. No meu caso, há já alguns anos que estou a viver à distância de muitas horas de voo de ambas as filhas: uma no Dubai e outra na Austrália. Se em relação ao primeiro destino temos uma viagem de avião de oito horas, coisa pouca. Em relação à outra, a viagem demora 23 horas, no caso de serem apenas dois voos. Como convivo com isso? Vivo intensamente os momentos que partilho presencialmente, bem como as partilhas através dos meios à distância. É fácil? Não, mas há que encarar e continuar a viver da melhor forma possível. Em todos os países, há realidades diferentes e a forma como se guarda distanciamento ou não tem a ver com a maneira de ser dos povos. Se nalguns, se determinou o afastamento das famílias, noutros continuou o convívio intergeracional. E a proximidade ou o afastamento condicionaram o número de infetados. Nós portugueses somos do abraço, do beijo, do aperto de mão…Somos do contacto físico, da proximidade, da ternura, daí ser muito mais difícil para nós do que para outros o estarmos afastados. Ainda a minha experiência: na Austrália, não há a prática do beijo. Quando os familiares se encontram, levantam a mão e dizem “Hi”. Nós temos dificuldade em viver sem o contacto físico. Está a ser, portanto, muito dura a separação das famílias e dos entes mais queridos. Termino, dizendo que, muito antes desta Pandemia, já aprendera a viver longe de quem amo. A vida vai-nos dando a oportunidade de nos voltarmos para nós e de nos conhecermos, não só a lidar com o mais positivo como com o mais negativo. Positivo, no meu caso, é saber que a família de coração está bem. Negativo é desconhecer o momento em que nos voltaremos a abraçar e a ter nos meus braços,

sentindo o cheirinho de bebé, do elemento mais jovem, recém-chegado à família: a minha neta. Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Crónica

Professora Ana Torres

Ser professora de Educação Física na Época Covid-19 É substituir a tática habitual pela tática do quadrado; É aperfeiçoar capacidades e aprender novos skills para desenvolver novas estratégias de ataque e defesa; É driblar as dificuldades que o campo de jogo vai apresentando, pois nem sempre o relvado está nas melhores condições; É realizar saltos mortais para evitar as quebras de velocidade; É lançar desafios; É dançar com os nossos parceiros muito afastados de nós; É correr várias provas de velocidade e uma prova de resistência; É chutar para canto as bolas difíceis e transformá-las em remates certeiros; É utilizar novos métodos de treino para que a motivação da equipa se mantenha em alta; É também realizar mais preparação física do que nas últimas épocas e acabar a aula a suar, cansada, mas satisfeita;

É sentir que, às vezes, jogo sozinha e sentir que o jogo é à porta fechada sem o pulsar da retribuição de olhares e de sentimentos que, tantas vezes, numa aula ao vivo, nos faz alterar a estratégia de jogo para motivarmos o nosso público.

Ana Torres

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Bibliotecas

Professoras Cristina Gala e Carolina Tomé

As Bibliotecas Escolares e o Ensino @ Distância As Bibliotecas, como espaço físico, encerraram para os alunos no dia doze de março, por decisão da Direção do Agrupamento, a que se seguiu a interrupção das atividades letivas, segundo orientação do Ministério da Educação, por motivo da pandemia de Covid-19. Face a toda esta situação, logo no final do segundo período, após receber informação da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) para a prestação de apoio online e para a disponibilização de materiais digitais, a Coordenadora da Biblioteca da EBSARC estabeleceu contacto com outros professores bibliotecários do Concelho de Oeiras a fim de se encontrar estratégias comuns de resposta. Posteriormente, em articulação com a Professora Bibliotecária da EBJGZ, foi criado o documento “A Biblioteca está ON”, publicado na página do Agrupamento, informando todos os elementos da comunidade escolar de que poderiam entrar em contacto com as bibliotecas através do correio eletrónico e também via Facebook. Na sequência, foi também criado um email conjunto para as duas Bibliotecas (bibescaesc@gmail.com), uma sala virtual da Biblioteca no Google Classroom e lançada uma agenda semanal em formato Padlet com propostas de atividades visando todos os níveis de ensino, desde o Pré-Escolar até ao Secundário e contemplando áreas do conhecimento das diferentes disciplinas sob a forma de - Jogos Didáticos - Livros para Escutar - Contos e Contadores de Histórias - Visitas Virtuais a Museus, a Monumentos e a Exposições - Filmes de Animação - Desafios de Kahoot sobre o Meio Ambiente, Português, Segunda Guerra Mundial, União Europeia, Sir Arthur Conan Doyle, Golpe de Estado de 28 de Maio, Personagens da Disney. Desde o passado dia vinte de abril, todas as semanas são publicados novos links, distribuídos pelos dias da semana, de segunda-feira a domingo, com propostas de atividades dirigidas aos alunos, que as podem realizar de forma autónoma, em família ou com os seus professores. Algumas das propostas são apresentadas com desafios, curiosidades e dicas que procuram motivar os alunos para a pesquisa e descoberta do conhecimento, de uma forma lúdica e pedagógica. A transição do regime presencial para o ensino à distância implicou um grande esforço por parte dos professores, dos alunos e das famílias, que tiveram que se adaptar e aprender a funcionar numa nova realidade e com uma nova metodologia de trabalho, num curto espaço de tempo. Embora fossem desenvolvidos contactos com os professores, procurando realizar atividades colaborativas à distância, não houve grande recetividade. Por esse motivo, o trabalho colaborativo entre a Biblioteca e as diferentes disciplinas acabou por não ter lugar com exceção das que envolveram a produção e aplicação de Kahoots, do Padlet “Projeto de Leitura” e de um wakelet “Biblioteca de Turma”., Este período de confinamento serviu também para refletir, planificar e programar atividades a realizar no próximo ano, estando a Biblioteca a preparar ferramentas que lhe darão uma presença online de maior destaque, disponibilizarão conteúdos nos diferentes âmbitos e possibilitarão a concretização de atividades colaborativas no novo normal. (…) Jornal Agrupamento Escolas

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Bibliotecas

Professoras Cristina Gala e Carolina Tomé

As Bibliotecas Escolares e o Ensino @ Distância (cont.) (…) De referir o apoio prestado pela Coordenadora Interconcelhia Ana Carolina Cruz, sempre disponível para esclarecer dúvidas, dar formação nas diferentes áreas, com grande sentido prático e consciente de todas as limitações. Nas diferentes sessões online apresentou propostas como o Wakelet que serviu de exemplo para o que foi criado pelas Bibliotecas do Agrupamento, dividido em várias secções (a título de exemplo: Artes e Expressões, Ciências Sociais, Literacia) reunindo diferentes links e sites de interesse e que será disponibilizado na página do Agrupamento. Neste momento, está a pensar-se na criação de uma página de Internet para a própria Biblioteca Escolar do Agrupamento que congregue os seus documentos estruturantes, horário de funcionamento, atividades a

desenvolver e público alvo, notícias, entre outras rubricas, que seja, de fácil acesso a toda comunidade escolar. Estamos ON e esperamos contar com a colaboração de todos. Cristina Gala e Carolina Tomé

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Coronavírus

Professora Ana Lopes

Atividade. É assim que os alunos do 1.º A da D. Pedro V imaginam o Coronavírus

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Crónica

Mariana Pereira do 12G da Escola Secundária de Ponte de Lima

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É importante manter a calma De momento, encontramo-nos a viver um cenário inimaginável, um cenário que só parecia existir nos livros de história. O surgimento do Covid-19 veio, não só criar um clima de terror e medo entre a população mundial devido ao risco de contágio, mas também “infetar” a nossa rotina e a nossa vida futura. Claro que podemos falar acerca do impacto deste vírus na economia ou na população mundial, no entanto, é igualmente importante ter em atenção as implicações que tem ao nível psicológico. Efetivamente, a quarentena foi e é uma medida necessária para resolver ou, pelo menos, atenuar toda esta situação. Contudo, a quarentena é dura, a quarentena sufoca e frustra. De repente, darmos por nós “presos” em casa sujeitos a conviver 24/7 com as mesmas pessoas e, por vezes, ainda pior, com nós mesmos, é algo que pode ser realmente difícil de lidar. Parece que estamos presos a um aborrecimento contínuo, circular, sem fim. Chega a um ponto em que nada é suportável. Todas as coisas que temos ao nosso dispor fazer tornam-se intoleráveis, cansativas, monótonas. A sensação de claustrofobia parece acompanhar a curva de crescimento dos infetados. E o pior de tudo, a incerteza. O facto de estarmos todos nas mãos de uma eventual melhoria e posterior extinção do vírus, tão difícil de prever, é frustrante. A nossa vida está em espera. É duro, para todos. E por isso é importante termos consciência que esta situação afeta toda a gente negativamente, e por isso temos de ser responsáveis e seguir as indicações dadas. As circunstâncias em que nos encontramos ultrapassam qualquer coisa, daí ser tão importante não achar que é tudo uma farsa. Não, isto é sério, e quanto mais tempo demorarmos a ultrapassar maiores serão as consequências. Fiquem em casa! Informemse! Protejam-se! Não deixem a ignorância voluntária pôr em risco toda uma nação. Por mais dura que a quarentena seja, são ainda mais duras as implicações que esta pandemia acarreta. Aproveitem para cuidar de vocês, aproveitem esta pausa para fazer um ponto de situação na vossa vida. Estudem, leiam, façam planos, apanhem sol no jardim, brinquem com os vossos animais de

estimação, façam uma introspecção pessoal. É um sacrifício comum que todos temos responsabilidade de cumprir, por mais sozinhos que nos sintamos, porque lembrem-se: estamos todos sozinhos, juntos. Cuidem-se!

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Texto redigido pela aluna Mariana Pereira do 12G, da Escola Secundária de Ponte de Lima, ao abrigo de uma parceria entre as EEPE’s ES Ponte de Lima, Agrupamento Leal da Câmara de Sintra e Amélia Rey Colaço de Linda-a-Velha/Oeiras.

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Crónica

Aluna 11.º Sara Napoleão

Memento Vivere quia Memento Mori Momento pandémico enuncia o “mundo” e tudo o que me surge na mente é uma célebre frase latina. “Memento Vivere quia Memento Mori” (lembra-te de viver, pois lembra-te que és mortal). A pandemia desperta e reforça nas mentes comuns a ideia de mortalidade. Nestes tempos o descentramento ontológico constitui uma vivência. Esta compreensão que não somos (humanidade) o centro do mundo, somos frágeis, e a possibilidade de morrer devido a um vírus invisível e inesperado é real. Rebenta assim uma nova perspetiva, pois a nossa vida ficou condicionada devido a um evento destes, somos abalados pela ideia de mortalidade e impotência. Devemos encarar esta nova realidade como uma oportunidade, pois ainda que sejamos capazes de listar os efeitos nefastos e perniciosos de toda esta deprimente situação existe sempre um outro sumo mais saboroso. A “oportunidade” a que me referia é a chance de perpetuar esta ideia, subjacente à frase latina, que facilmente é deixada a viver no esquecimento e ignorância dos intelectos terráqueos. Uma explicação para tal acontecimento é o facto de o medo ser temporário, ou seja, o medo associado à morte desvanece daí a necessidade de adotar novas perspetivas mais vantajosas. Reconheço que o esquecimento que somos meros mortais, no quotidiano, se deve em grande medida à herança evolucionária. Se esta noção estivesse presente permanentemente, talvez nos tornássemos numa espécie menos operacional e mais deprimida. No entanto, enquanto criaturas dotadas de capacidades racionais devemos destacar os benefícios que determinadas ideias podem ter na conduta das nossas vidas. Embora sejamos invadidos por um sentimento de fragilidade e de impotência, não devemos reduzir a proximidade imprevisível da morte a meros constrangimentos inferiores. Existe algo mais estimulante capaz de avivar toda a minha existência e por isso daqueles que eu “influencio”, ou seja, por me permitir à renovação, fruto da provocação que a ‘mortem’ carrega, transformo a rede universal de influências e desencadeamentos em algo mais excitante. Os efeitos das minhas palavras, ações e decisões ganham uma nova força, fragmentando-se em espertamentos imbuídos em significado naqueles que cruzam o meu caminho e são cruzados. Contudo, antes de isto ser possível é necessário colocar perguntas e individualmente procurar respondê-las. Como devemos encarar a morte na nossa vida? De que forma a devemos honrar e será que é digna de honras? A minha proposta de Práxis é a seguinte: Que a morte esteja presente na mente para assim sentirmos o valor da vida. Esta presença não é algo distorcido e macabro. Não encorajo a recorrer a mecanismos depravados como o cheiro a morte dos hospitais para ter presente a morte. (…) Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Aluna 11.º Sara Napoleão

Memento Vivere quia Memento Mori (…) A lembrança reside apenas na consciencialização de que é inevitável, não devemos imbuir a ideia em medo, mas antes em possibilidade. Determinadas ideias conferem novo impulso. Talvez, o impulso de que as nossas vidas necessitam passa por em vida enunciar na mente algumas vezes ao dia de que a mesma terá um fim. Quando estabelecidas estas condições fulcrais e simples, outras reflexões poderão inundar a mente. Como desejamos ser lembrados? Desejo morrer sabendo o quê? De que forma pretendo morrer? Um ser livre ou uma alma sofrida e limitada? Devemos expandir a consciência através de reflexões mais alargadas possibilitadas por questões mais vastas e elevadas. A morte não é simples, pois desencadeia um conjunto de sensações e emoções e reflexões complexas. O que é simples é a verdade. Que verdade carrega a morte? O que a torna tão poderosa ao ponto de despertar no ser imediatamente algo, a alma vislumbra o fim, a alma identifica o fim, a alma reconhece a inevitabilidade do fim e a alma é movida por esse poder, que é o fim da experiência neste plano como a conhecemos. A que se deve o poder da verdade da morte? Que havemos nós de fazer, se não corresponder às provocações da morte?! Socorro-me da corrente filosófica Estoica para embelezar algumas noções dignas de “internamento” pelas nossas estruturas mentais. A base do estoicismo centra-se na identificação e diferenciação daquilo que se controla e daquilo que não se controla, ou seja, do que podemos mudar ou não. Surge uma questão relevante fruto da compreensão desta premissa essencial e servidora de sustento à “filosofia das virtudes”. De que forma podemos trazer o enunciado em cima para a situação vivida atualmente? Uma coisa é certa não podemos terminar a epidemia, não controlamos isso, o que controlamos é a atitude que tomamos perante este cenário. Esta atitude pode cingir-se a nível de respeito de regras e procura de informação credível. Alarguemos a aplicação da frase. Embora não possamos sair de casa, devido à ordem de confinamento, tendo em mente que cada caso é um caso, cada um de nós pode e deve utilizar o tempo de “prisão” da forma mais frutuosa possível e não deixar que este se torne no chamado ‘tempo morto’. Por mais difícil que a situação possa ser, quer a nível económico, social, familiar, etc., o foco deve sempre residir no que controlamos. Lembremos que um “simples” vírus pode reduzir a humanidade a pó. Lembremos que devemos todos os dias viver de forma virtuosa e procurar uma vida com significado, que passa por ser fonte de algo benéfico neste mundo. Desfrutemos das bênçãos que nos rodeiam. Que a gratidão nos inunde o espírito quer pelas pessoas que amamos e que permanecem na nossa vida, quer pela

própria dádiva que a vida é. Tudo isto para um dia morrermos não com medo, mas satisfeitos e consumidos pela saudade. Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Aluno 11.º Ricardo Novikov

A opressão do desvio Um pensador como Byung-Chul Han – que teorizou acerca da pandemia e das suas consequências - pretende encontrar uma resposta para o sucesso dos países asiáticos no combate à pandemia, contrastando com o fracasso da resposta ocidental. Antes de analisar o cenário orwelliano que deriva do uso das tecnologias da informação de forma intrusiva, centralizada e autoritária, convém ilustrar um ponto que Han aborda de forma superficial: a questão dos legados culturais. O que distingue a atuação dos países asiáticos e o comportamento das pessoas não é a localização geográfica, a nacionalidade ou o grupo étnico. Em termos comportamentais o fator mais importante é a cultura. Não será controverso afirmar que os legados culturais são forças poderosas que persistem, geração após geração, até mesmo quando as condições económicas, sociais e demográficas que os geraram se extinguiram. Ora, a cultura de países asiáticos como o Japão, China, Coreia do Sul, Hong Kong e Singapura assenta em fortes estruturas hierárquicas. Isto está patente, em termos linguísticos, no facto de o idioma coreano (à semelhança de outros idiomas asiáticos) possuir seis níveis de tratamento diferente consoante a relação entre o recetor e o emissor. As hierarquias fortemente demarcadas estão igualmente presentes na vida familiar e profissional. Este facto é um indicador inegável de um forte Índice de Distanciamento do Poder (IDP- de acordo com o conceito formulado por Geert Hofstede), o que indica que nos países asiáticos as atitudes para com as hierarquias são pautadas por um elevado grau de valorização e respeito em relação à autoridade superior. A obediência que Han refere e que podemos verificar na forma como, nos países asiáticos, a população acata, quase cegamente, as ordens das autoridades políticas, está radicada num legado cultural que desempenha um papel central na orientação das atitudes e dos comportamentos da população, e particularmente este comportamento de culto da autoridade. Claro que, quanto maior o respeito pela autoridade maior o poder e legitimidade dessa mesma autoridade para agir assertivamente, e as orientações tendem a ser imediatamente cumpridas e respeitadas, o que cria condições propicias para uma resposta coordenada. É o que observamos na China, Taiwan, Singapura e Coreia do Sul. Esta perceção é diametralmente oposta à que verificamos no Ocidente, particularmente desde o período Iluminista, que criou a ideia de soberania do individuo como fim a atingir pela ordem política. A par disto verificamos uma crescente desconfiança no modelo de democracia liberal, o que produz crescentes atos de desobediência civil. O “individualismo” que Han refere é acentuado por uma perda de elementos agregadores no tecido social dos países ocidentais. O enfraquecimento do conceito de Estado-Nação é, neste sentido, relevante. Os Estados, por exemplo, da União Europeia cedem cada vez mais a sua soberania nacional em prol de um projeto de cooperação transnacional. Este cosmopolitismo, baseado na abertura das fronteiras, pode ter o efeito de eclipsar o sentido de identidade nacional, especialmente num contexto de enorme diversidade cultural. Tendo em mente todas as consequências positivas que isso acarreta (e também as tragédias a que os nacionalismos exacerbados já nos conduziram) é incontornável reconhecer que isto é tudo aquilo que não se deseja para um combate a uma pandemia. De facto, nos países asiáticos, o sentimento de identidade nacional é bastante forte, alicerçado num passado histórico comum, tradições partilhadas e uma forte cultura de honra patriótica. Este grau de identificação coletiva é impraticável no ocidente, particularmente quando os países pertencem a “organizações” tão abrangentes como a União Europeia. O resultado direto disto, nos países asiáticos, é uma sociedade que tem um propósito e um sentido coletivo, que extravasa as considerações de caráter individual. (…)

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Aluno 11.º Ricardo Novikov

A opressão do desvio (cont.) (…) Quando há este grau de compromisso para com os interesses nacionais torna-se fácil para os líderes políticos explorarem e capitalizarem este traço exercendo a sua autoridade. Torna-se também fácil para a população cumprir as medidas impostas, porque estas têm um significado superior e a coesão social leva a um sentimento de pertença coletivo que favorece a ação coordenada que permite conter a propagação de uma pandemia. Nos países do ocidente não há este sentimento tão forte de identidade coletiva. As pessoas estão mais desligadas da mentalidade coletiva e tendem a agir de acordo com o que convém à sua compreensão subjetiva de moralidade. Num contexto de soberania do individuo, obedecer a uma ordem superior é um ato de relutância. E antes de o fazerem exigem que lhes expliquem a razão subjacente a essa obrigação. Este “instinto de razão prática”, útil em vários domínios da vida, não é compatível com a resposta a uma pandemia. A distância entre obedecer a uma ordem e ser persuadido a fazê-lo pode sair muito cara. Han, de acordo com a minha perceção do conceito, vê o excesso de positividade como consequência do excesso de liberdade e da passagem do dever para o poder. Nas sociedades atuais, profundamente digitalizadas, esta liberdade, argumenta Han, acaba por se virar, paradoxalmente, contra nós. A positividade é, por definição, o oposto de negatividade. Desta forma, o excesso de positividade traduz-se no uso da liberdade orientado para a procura daquilo que nos satisfaz, contornando o que nos ameaça ou que nos deixa desconfortáveis. As redes sociais potenciam este pensamento estreito e seletivo. Só vemos o que nos agrada, integramos bolhas sociais digitais e um rápido movimento de polegar elimina o que é, para nós, desagradável. O problema é que esta lógica se assemelha a querer obter o benefício sem suportar o custo, a querer chegar a um fim desprezando os meios. Esta lógica não funciona na vida real. Nem sempre podemos obter o que é positivo e a liberdade de que gozamos leva-nos a perseguir uma ilusão virtual que nos pretende dar o benefício das relações sociais sem o custo de termos de analisar, compreender e entrar em conflito com as pessoas. A nossa posição recôndita atrás do ecrã dá-nos uma falsa sensação de segurança. A liberdade, que devia expandir os nossos horizontes, acaba por nos aprisionar naquilo que é positivo. O problema aqui é que não temos liberdade suficiente para decidir sobre se queremos ser afetados por um vírus ou não, e a negatividade é, neste caso, inevitável. É claro que esta tendência é menos saliente nos países asiáticos, que respeitam padrões mais rígidos de obediência e que veem a sua vida digital mais controlada por uma entidade central (particularmente na China), pelo que podemos argumentar que o “entorpecimento” causado pelo excesso de positividade, que conduz a um choque quando nos deparamos com um fenómeno de negatividade, é menos intenso nos países asiáticos, porque, fruto da sua condição de obediência, estão mais expostos a situações que colidem com a satisfação dos seus desejos intrínsecos. Ora isto cria uma resistência mais forte nas populações a fenómenos extremos de negatividade, como é o caso da pandemia viral que vivemos, por contraste com a reação no ocidente, cujas populações estão excessivamente inebriadas, numa positividade que se fecha em torno de si mesma. Han refere que o principal trunfo dos países asiáticos no combate a esta pandemia é o uso das tecnologias da informação e da comunicação, por vezes de forma intrusiva e como elemento de coerção. Será que, no contexto desta crise, é mesmo um trunfo? Não há dúvida de que este policiamento digital, usado para fazer engenharia social, é a arma perfeita para um combate a uma pandemia. (…)

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Aluno 11.º Ricardo Novikov

A opressão do desvio (cont.) (…) Suprime qualquer desvio comportamental e ataca as raízes do problema. Mas esta forma de atuar revela-nos a natureza das instituições políticas dos países em que é aplicada. Peguemos no exemplo da China. Novamente, o sistema orwelliano de controlo dos cidadãos imposto na China funciona para conter a pandemia. Porém, a concentração de poder e, particularmente, a centralização do controlo dos dados informáticos nas mãos do Governo Chinês impediu que qualquer informação sobre os desenvolvimentos iniciais da epidemia fosse veiculada. Claro que é inútil especular, mas é plausível pensar que, se a “liberdade investigativa” da imprensa fosse respeitada e se os cidadãos se pudessem exprimir livremente, haveria uma maior probabilidade de conter o surto na sua fase inicial de propagação. O controlo despótico que o Governo chinês tem sobre os seus cidadãos, particularmente ao nível dos dados informáticos (compreendido no conceito de “Big Data”), pode ter sido, simultaneamente a causa e agora a solução para esta crise, pelo menos numa fase inicial. Han levanta ainda uma importante questão acerca da definição de soberania dos países no futuro e que pode moldar o equilíbrio de forças no plano global. No passado o ativo mais importante para um país exercer a sua soberania era a extensão do seu território. No futuro, o ativo mais importante será o controlo do fluxo de dados informáticos. Se antigamente a ditadura era exercida através do controlo de toda a terra por parte de uma minoria, no futuro, o significado de ditadura será o controlo de todo o fluxo de dados por parte de uma minoria que está no poder. E é esse o caminho que a China tem trilhado paulatinamente, e que se está a revelar útil, pelo menos a curto prazo, no combate a esta pandemia. Ao contrário do que pensa Han, não me parece que, se a China tentar “vender” este modelo de governo ao ocidente ele tenha, pelo menos no curto prazo, uma forte adesão. E caso a supervisão governamental por via informática aumente nos Estados Ocidentais, será contrabalançada pela distribuição deste poder de forma mais descentralizada, não tendo o caráter opressor e persecutório que tem tido na China. No curto prazo, parece-me mais plausível que este modelo vá ser contestado pelos países ocidentais, e não acentuado pela displicência que o Governo Chinês parece ter revelado na fase inicial desta crise. A própria natureza das instituições políticas no Ocidente não permitiria tal grau de vigilância dos seus cidadãos. Seria necessário desmontar completamente todos os pilares do modelo de democracia liberal para o fazer e, mais difícil ainda, pulverizar a noção que os cidadãos têm dos seus direitos. Caso contrário, poderíamos ver fortes movimentos de contestação social. É uma questão que fica inevitavelmente em aberto, mas a curto prazo não me parece plausível. No entanto, há uma tendência que se pode revelar preocupante. Pelo facto de o equilíbrio de forças no futuro depender cada vez mais do controlo dos dados informáticos, a China pode usar o seu poder informático para interferir na vida política, social e económica no Ocidente. Por outro lado, esta redefinição dos termos de poder e soberania parece retirar alguma relevância política ao Continente Europeu, obrigando a um grande esforço no desenvolvimento do poder informático, controlo de dados e inteligência artificial nos países Europeus, ainda um tanto atrasados a este respeito.

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Aluna 11.º Beatriz Geraldes

Psicologia invertida Esta pandemia veio testar os limites de todas as populações, governos, economias do globo. Para começar, ninguém é imune ao vírus, alguns podem ter maior resistência e não sofrer tanto, mas todos podem ficar infetados; não afeta só os pobres, como o flagelo da fome, e talvez por isso exista este pânico generalizado, talvez por isso exista a urgência em resolver o problema que está a afetar os gigantes da economia, os países desenvolvidos, que até têm recurso a cuidados médicos decentes e é desses que se fala nos meios de comunicação. Nos “gigantes” que estão a sofrer no isolamento, nas economias que receiam uma crise semelhante à de 2008, que receiam a rutura dos sistemas de saúde, que receiam a “dizimação” da população. Os meios televisivos e não só, exprimem a preocupação com esta nova “praga”, esquecendo que todos os anos a fome mata milhões de pessoas, mas isso não parece importante. Chamam ao novo coronavírus o “inimigo invisível” nesta guerra que se faz sem armas bélicas. No entanto, os campos de batalha encontram-se em estado caótico, os hospitais que se diziam “preparados” estão neste momento a entrar em rutura, já não há médicos suficientes, não há camas para todos os doentes, nem tão pouco ventiladores, que é um dos meios essenciais para a manutenção da vida de um infetado. O que se faz nestas situações é optar-se pelo doente que ao recuperar pode trazer mais benefícios ao país, ou seja, os mais jovens. É isto correto? Se pensarmos racionalmente, pondo de lado todos os sentimentos, pode parecer que sim, passa por pensarmos na recuperação da nação. Ma se não houvesse escassez de recursos médicos, se os serviços de saúde estivessem bem preparados, se a população tomasse as devidas precauções, não era necessário chegar a este ponto, num mundo perfeito nada disto aconteceria. Ou será que este vírus não tem realmente apenas um “alvo”, que é a população idosa, que muitos consideram a fonte das maiores despesas a nível mundial, aqueles que apenas “consomem”, não produzem riqueza? O que é certo é que quando o vírus chegou à Europa tomou proporções inacreditáveis, fez parar literalmente o continente, fez com que se fechassem novamente fronteiras, levou a que fossem tomadas medidas para testar os vários organismos nacionais, para ver até que ponto é que estes conseguem reagir de forma a precaver a situação no pior cenário. Numa altura em que se assiste à contaminação em massa, ao aumentar do número de infetados e de óbitos por toda a Europa, América, África, bem como alguns países asiáticos, parece que a China (de onde é originária a pandemia) recuperou a economia a olhos vistos, o número de infetados encontra-se controlado, mantendo as precauções. No entanto, é a China que agora fabrica tudo aquilo que é necessário para o combate à doença. Os países Europeus acharam que era secundária a produção de bens como, máscaras, luvas, batas, ventiladores e outros materiais; sendo assim explicável que agora estejamos sujeitos à vontade do mercado chinês, ao seu ritmo de produção, de entrega e aos custos. (…)

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Aluna 11.º Beatriz Geraldes

Psicologia invertida(cont.) (…). A riqueza chinesa parece florescer agora que a Europa e os EUA “pararam”. A recuperação chinesa pode ser resultado da sua “ditadura digital”, esse controlo massivo da população chinesa através dos meios digitais, controlando cada pesquisa, cada movimento nas redes sociais, cada deslocação. É a forma que o governo chinês arranjou para controlar a sua população de um modo muito mais eficaz. Assim, não só consegue saber onde a sua população se encontra e que locais frequenta, como consegue saber o que eles pensam, publicam e pesquisam na internet, podendo a partir de aí saber quem é opositor ao regime e tomar as devidas medidas. Saber quem é “obediente” (e recebe os seus “bónus”). Isto revela-se impensável para a população do ocidente, pois aqui aplica-se a política da proteção de dados e as pessoas sabem ao que têm direito, mesmo que um governo ou partido tivesse essas ideias, as pessoas certamente não o aceitavam, não querem ver a sua privacidade invadida. É aceite no oriente não pela população ser apática, apenas são mais obedientes e menos relutantes, características que já estão enraizadas há séculos na sua cultura; também os chineses que ocupam o topo da hierarquia no país são a favor desta forma de exercer poder, o confucionismo, em que o país funciona como se fosse uma família, em que o povo são os filhos que devem obedecer aos pais (governo) sem críticas ou oposição ao regime. A partir daí têm de aceitar tudo aquilo que lhes é imposto ou sofrem os “castigos”. É também notório o medo que grande parte dos chineses tem do regime, receando que ao darem a sua opinião contrária à dos ideais impostos percam o seu emprego e possam ser presos. Como já atrás referi, os países ocidentais não correm o risco de adotar este modelo de controlo e isso deve-se ao facto da nossa forma de pensar ser muito diferente da oriental; conhecemos bem os nossos direitos e deveres enquanto cidadãos, sabemos que temos direito à privacidade e à liberdade de expressão. O nosso modelo político não permite o controlo massivo dos dados dos cidadãos, pelo menos perante os nossos olhos, e, caso isso aconteça, nós cidadãos temos forma de nos manifestarmos. Aparentemente no oriente, nesta fase de pandemia, esse controlo mostrou-se benéfico, pois a partir de cada dado recolhido sobre um infetado foi-se construindo uma lista de locais “a evitar” e quem podia estar ou não infetado, tendo a pandemia sido contida mais depressa dentro do país apesar de ainda conseguirem espalhar a doença pelo resto do mundo antes de serem tomadas as devidas precauções. Vivemos na era digital e, por esse mesmo facto, as notícias que são escritas agora correm o mundo com imensa facilidade mesmo sendo falsas, ainda para mais com a agravante de serem escritas diariamente milhões de notícias e muitas delas não serem verdadeiras, mas são essas que chegam mais depressa aos ouvidos de todos, são as que causam mais impacto. Hoje vemos uma sociedade que se foca mais em dar as más noticias do que as boas, mais de 2/3 dos noticiários são guerras, fome, manifestações, desemprego, falta de dinheiro, etc. Não seria mais benéfico que nos dessem boas noticias, que nos focássemos naquilo que de bom acontece para evitar que as pessoas pensem que apenas o mau é que causa efeito, que faz mudar mentalidades? É verdade que muitas vezes é necessária a existência de uma fatalidade ou um desastre para que mudem mentalidades, mas isso também só se dá porque o Homem tem tendência a fazer mais facilmente o errado do que o certo, logo aprende muito mais facilmente a partir dos erros. (…)

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Crónica Psicologia invertida

Aluna 11.º Beatriz Geraldes (cont.)

(…). É uma sociedade positiva? Não, começamos logo a ver isso a partir das queixas constantes de toda a gente, sejam os têm mais que não estão satisfeitos, querem mais ainda, ou os que têm menos que querem mais do que o pouco que têm, se estamos na rua (trabalho, escola, etc.) queremos regressar a casa, se estamos em casa queremos ir para a rua. A humanidade vive numa insatisfação constante, queremos só aquilo que não temos e queixamo-nos do pouco que temos. Vivemos as 24h do dia a pensar, a falar, a sonhar com aquilo que não temos, a pensar em como seria bom ter mais e mais e isto não se revela muito benéfico pois começamo-nos a tornar pessimistas, vendo apenas o lado negativo das situações. Para tentar atenuar estas dificuldades que sentimos são criadas formas de dar a volta às mesmas, como as apólices de seguro, os cuidados médicos; mesmo com estas “soluções” os que têm menos posses sentem-se vitimizados perante as classes mais abastadas, que neste caso sentem-se seguras e confiantes; torna-se impossível agradar a todos, pois se quem for privilegiado forem as classes mais baixas serão as mais altas a sentirem-se prejudicadas, nenhum patrão quer dar mais um mês de férias remuneradas aos seus empregados, por exemplo. Concluímos assim que a nossa sociedade não é positiva, nem realista, é muito negativa e deve manter-se assim daqui por diante porque não será agora que uma pandemia irá reverter essa situação. Nem sequer duas guerras mundiais puseram fim a essa corrente de negatividade. Tal como a negatividade da sociedade também o individualismo deve-se manter em muitas sociedades, não é um comportamento que vá desaparecer tão depressa, mas vai-se agravar com o passar deste período. A meu ver, numa primeira fase, as pessoas mostram-se altamente individualistas, egoístas até, preocupam-se apenas consigo próprias e quanto muito com os mais chegados, não pensam sequer nas consequências que poderão causar nos que o rodeiam, querem tirar o máximo de proveito da situação para si, mas numa segunda fase os mesmos que foram egoístas são acometidos por uma onda de solidariedade e de entreajuda, esta segunda fase é mais notória nos países latinos (Portugal, Espanha e Itália), onde os impulsos solidários são despoletados com mais facilidade, bem como os agradecimentos, fruto da nossa tradição, da nossa ligação com os nossos compatriotas que apenas aparecem em alturas de extrema necessidade. As pessoas encontram-se agora privadas de algo que tomavam por garantido, a liberdade de circulação, encontraremse com quem querem, onde querem a que horas querem, e só agora que perderam isso é que dão valor ao que tinham, ouve-se agora “antes tinha tudo para ser feliz e nem sabia”, se não estivessem tão focados naquilo que não tinham teriam reparado que não lhes faltava nada para se sentirem completos. Acredito que esta situação irá funcionar como uma psicologia invertida, as pessoas perderam temporariamente a sua “liberdade”, ficaram confinadas às suas quatro paredes e distantes umas das outras pelo que acredito que a situação acabará por “aquecer” a relação entre as pessoas pois, aperceberam-se que de um momento para o outro podem ficar sem o que tomam por certo. O distanciamento social não irá agravar-se e acredito que possa até vir a diminuir como disse antes, o Homem tem tendência a aprender com o erro e se antes da pandemia se encontrava distante dos seus por inúmeras razões, com o passar da fase pandémica acabará por deixar de encontrar tantas desculpas para não manter uma vida socialmente ativa. Não me refiro às redes sociais porque essas dão uma falsa ilusão de socialização; muito do que vemos é completamente irreal e as publicações são por vezes inúteis, se temos um problema não é numa rede social que o vamos resolver, nem é no Instagram ou no Facebook que vamos ter jantares de família ou amigos. É necessário outro tipo de socialização que não seja virtual, e que realmente aproxime as pessoas.

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Professora Ana Gregório

É o que temos… Temos que nos adaptar, que nos reinventar! Aperfeiçoámos o nosso desempenho e permitimo-nos ir mais além! Os efeitos desta pandemia tiraram-nos muito, muito mesmo… Tiraram-nos o regozijo de estarmos com os outros… Tiraram-nos… Tiraram-nos… Mas também nos trouxe muito… O eu e o outro passou a ter um significado diferente, uma dimensão imensurável… Despertou em nós a capacidade de dar maior valor ao que outrora eventualmente até desprezávamos, por nunca termos sido privados de tal… Despertou em nós capacidades que desconhecíamos conscientemente que as tínhamos. Vamos pesar na balança?! Não. Não, porque de nada serve. É aprender com o que temos que viver, extraindo o melhor de nós, extraindo o melhor que temos para dar ao outro… É o que temos… Temos que nos adaptar, que nos reinventar! Ana Gregório ______________________________________________________ Embora a dinamização do Projeto Mochila Leve já tivesse uma abordagem incidente em recursos digitais, à luz do modelo de ensino atual, foram feitos alguns ajustes. Ainda assim, continuámos a privilegiar a articulação dos conteúdos com as vivências / necessidades dos alunos. De acordo com as características do texto poético estudadas nas aulas de Português, alguns alunos escreveram poemas da sua autoria no âmbito da temática atual:

O Bicho Apareceu o bicho E a escola fechou Fomos para casa E parece que tudo acabou. A escola voltou, pela televisão Mas com ela a nossa solidão! Com os amigos quero estar E com eles brincar! Trabalhos e mais trabalhos, Não param de chegar. E nós, Tentamos não falhar!

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Professora Ana Gregório

Para mim a quarentena A quarentena para mim Está até a correr bem Mas sinto saudades dos meus amigos E dos familiares também.

Gostava de sair E abraçar os meus amigos Mas nesta situação Não posso ir! Tenho saudades De poder ir à escola e aprender Sem ter de ficar em casa Sem espaço para correr. A quarentena está a ser Um pouco complicada Mas vão resolver o problema E encontrar a vacina daqui a nada! Até nem é assim tão mau Eu estou a dar-me bem Preferia estar lá fora Mas é melhor fazer o que convém. Maria Santos 5.º B

Na quarentena Mais de centenas de pessoas cheias de fome Até atormenta Ninguém vai à praia, não existe uma morena Com isto, não se junta mais de uma dezena Maria Chagas 5.º B 29


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Professora Ana Gregório

Pandemia Foi em Março que tudo começou, Surgiu esta pandemia que nos atacou. Vírus terrível que nos levou ao confinamento, Após tantos dias estou cansado deste isolamento. Com esta situação muitas regras foram impostas, Após estes meses ainda procuramos respostas. Distanciamento social, desinfetar as mãos e máscaras usar, São os cuidados a ter para o Covid não apanhar. Para mim o pior é o distanciamento social, Estar longe da família e amigos Faz-me sentir muito mal.

O Classroom e o Zoom que ninguém utilizava, Passou a ser a ferramenta mais desejada. O coronavírus deu-nos um alerta, Que se nada mudar é morte na certa. O coronavírus vai acabar, E num instante estamos todos a celebrar. Martim Ferreira – 5.ºC

Pandemia Covid-19 Do Oriente ao Ocidente Este vírus veio de repente Fecharam escolas e trabalhos Para este vírus ultrapassarmos Fechados em casa Sem poder sair E o mundo a cair Não me consigo abstrair! Este momento horrível que estamos a viver! Num Estado de Emergência Tivemos de saber viver. Com aulas por videoconferência E amigos sem ver! Com os meus amigos não irei brincar, Mas este problema iremos ultrapassar Máscaras postas teremos de ter, Graças a esta pandemia que estamos a viver. Salvador Moura 5.º C

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Professor Francisco Figueira

A janela da quarentena No período de maior confinamento foi solicitada aos alunos do 11º ano de Português a redação de pequenos textos diarísticos que refletissem a estranha experiência do enclausuramento doméstico. A liberdade de resposta a este desafio era grande: tanto poderia ser uma descrição do espaço habitado ou do que se alcançava através duma janela, como uma reflexão ou um desabafo mais emotivo. De certo modo era sempre uma janela, um modo de cada um se libertar ou, pelo menos, desanuviar do constrangimento sentido. O resultado impressionou pela adesão dos alunos e pelos testemunhos variados e sinceros. O projeto acabou por se tornar numa ocasião extraordinária de prática de escrita e de ilustração dum singular período da vida, o da adolescência complexa, rica e formadora de futuros adultos. Do significativo acervo constituído a partir desta atividade, foram escolhidos seis textos que procuram exemplificar a diversidade da produção escrita dos nossos alunos. Francisco C. Figueira ______________________________________________________

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“Caros Oeirenses, sejam agentes de saúde pública, fiquem em casa, fiquem em casa,

fiquem em casa...”, apregoou a voz robótica, seca e impessoal no seu segundo turno diário. Num ímpeto, todos se ergueram e abandonaram a hibernação provisória. Acorreram às janelas e testemunharam os rostos ávidos que desfilavam diante dos seus olhos. De janela para janela, deu-se um daqueles momentos de clareza exuberante na fração de segundo em que trocaram olhares, mas ninguém se atreveu a verbalizá-lo. O entendimento repentino de que o vírus ia corroendo os critérios que regem a forma como distribuímos a nossa atenção foi camuflado e afogado com sorrisos amarelos e conversa de circunstância. Completaram a evasão ao problema com o reconhecimento mútuo, mas implícito, de que o vírus extravasa o domínio biológico e expurga, paulatinamente, a vida do seu significado. Expurga ainda a palavra “certeza” do seu significado. Tudo é provisório e incerto. A verdade é que há uma lei oculta e subjacente a todos os acontecimentos prováveis que insiste em escapar-nos e teima em não entrar no nosso raio de compreensão. Dá-nos a breve e agradável sensação de que detemos o controlo, de que temos margem de manobra, até o leme se despedaçar, revelando que, na verdade, são os números que ditam as regras e é a eles que nos sujeitamos, na esperança de não sermos, nós próprios, adicionados a uma pilha crescente de números. Qualquer verdade universal é um logro, tirando a de que temos que ficar em casa e participar, involuntariamente, neste teste à nossa saúde mental. Enquanto continuamos neste compromisso sem fim e que caminha para uma inevitável renovação, ocorre-me uma ideia que me foi incutida pelo desporto, de que algo só tem significado quando há uma relação muito forte entre o esforço e a gratificação. Resta-nos, tendo isto em mente, manter o esforço e aguardar pacientemente pela gratificação... Ricardo Novikov Jornal Agrupamento Escolas

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Professor Francisco Figueira

A janela da quarentena (cont.)

2-

Estou nesta procura incessante por significado nesta quarentena que parece tirar o significado a tudo e

todos. Tentei desenho, estudos e, como referido no último texto, jogos de tabuleiro. Nada servia, nada me dava o mesmo significado que uma boa interação social. Enquanto estava nesta questão existencial, comecei a ouvir na rua o “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso. Era 25 de abril e quase todos os meus vizinhos foram à janela e seguiu-se um debate intenso sobre os temas atuais. Tudo de varanda para janela, de janela para varanda. Vi a diversão nas caras das pessoas e os seus sorrisos e apercebi-me que só mesmo uma boa interação social pode encher um ser humano de significado nestes períodos de confinamento. Decidi passar o resto dos meus dias de confinamento em vídeo chamadas prolongadas com os meus colegas de escola. Eureka, que significado encontrei!

Diogo Gomes

3-

Já não sei quantos dias passaram, desde esta ameaça perturbadora. Fico sempre em casa, nesta quarentena duradoura. Estes dias passam lentos, sem ponta de emoção. Parece um castigo divino com um toque de solidão. As tarefas acumulam, e os dias monótonos ficam. A solidão e o desejo de sair, amplificam. Os números na televisão aumentam, e com tristeza minha as pessoas se vão. Por favor fiquem em casa, Para vossa proteção. Nesta quarentena forçada, mais longa que um sermão, Amigos, deixo-vos este poema, com carinho e compaixão.

Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

Bernardo Luís


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Crónica

Professor Francisco Figueira

A janela da quarentena (cont.)

4- Nunca pensei que sem ter cometido crime algum me dessem como sentença a prisão domiciliária, muito menos que me dissessem que era para proteger aqueles que quero ter junto a mim por muitos mais anos, porque no fim de contas não é uma prisão qualquer, é uma prisão para os inocentes se protegerem do criminoso que anda pelas ruas, invisível aos olhos de todos nós, que faz sofrer e para o qual ainda não existe sentença. Até os novos policias, os investigadores, o apanharem, temos de ser nós a fugir dele. Por este mesmo motivo estou hoje, nas férias da Páscoa, em casa, a estudar, a ler e ouvir música sempre com esperança que surja nos meios de comunicação uma notícia de última hora, para o país inteiro, que dê conta da prisão perpétua do Covid-19, permitindo a libertação de todos os inocentes desta quarentena. Saí à rua passadas quatro semanas e a sensação foi estranha, as poucas pessoas que estavam nas ruas olhavam em redor desconfiadas; o ar parecia mais pesado apesar de não haver nem concentração de carros nem de pessoas; o próprio dia parecia triste, enevoado e a prometer chuva. Pensei que viesse de lá revigorada, mas cheguei ainda mais melancólica. Esta obrigação de ficar em casa tira-me a vontade de fazer seja o que for, tento me concentrar e dou por mim a pensar em como estaria melhor de férias em casa dos meus avós. Olho para os meus pais e vejo-os fartos de estar em casa, uma situação um pouco irónica pois passavam a semana a dizer que queriam o fim de semana para estar a descansar no lar, e agora estão ainda mais cansados de trabalhar em casa. Chamam a esta uma guerra contra um inimigo invisível, com outro tipo de armas, e pela primeira vez estão todas as nações aliadas com o mesmo objetivo, assim espero. Certeza apenas tenho de que um dia este acontecimento se vai dar como superado e que passará a ser relembrado nos livros de história.

Beatriz Lourenço Geraldes

5- Entre estas quatro paredes sufocantes que me julgam intensamente há já quase seis semanas, através de uma pequena janela, tenho vindo a aprender o quão bom era poder estar lá fora, a correr com a bola nos pés, a correr com a bola nas mãos, a correr só porque sim. Já perdi a conta das vezes que desvalorizei uma oportunidade de o poder fazer, ou porque estava cansado, ou porque achava que tinha algo mais interessante para fazer em casa, sendo que agora o que eu mais quero é poder sair, poder voltar a ver o mundo, mas desta vez com outros olhos: poder voltar a correr e saltar galhos, mas, principalmente, ver-me livre destes quatro cantos. JOÃO AMADOR Jornal Agrupamento Escolas 33 Santa Catarina - JUNHO 2020


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Crónica

Professor Francisco Figueira

A janela da quarentena (cont.)

6Silêncio… Avança sem medo pelas ruas dos “subúrbios” da minha cidade, antes enfeitadas com o barulho de crianças a gritar e a rir divertidas, vizinhos a passear os cães alegremente pela rua, o ruído noturno dos clientes d’O Horácio que alegremente traziam as suas cervejas cá para fora e ficavam até tarde a comer, a ver o Benfica e a rir despreocupadamente, todos com as suas famílias e amigos… Agora, apenas o riso de uma ou outro criança que, na sua bicicleta ou patins por aqui passeia tentando combater a monotonia de estar em casa, um ou outro vizinho que aspira a casa ou vem à varanda conversar com um amigo que o veio visitar mas que não pode subir e por isso ficam ambos obrigados a gritar um para o outro, do carro para a varanda e da varanda para o carro, e o Sr. Horácio que, agora sem os seus habituais clientes e sem a alegria do seu querido Benfica, passa horas sentado à porta do seu outrora ocupado e alegre restaurante, cabisbaixo e pensativo. O silêncio vai-se impondo; tenta entrar pela minha casa e apoderar-se dela. Mas eu contrario. Subo o som da música que sai pelas colunas enquanto trato das atividades domésticas que agora parecem não ter fim, ligo a amigos e familiares para, pelo menos, poder ouvir a voz de alguém conhecido, daqueles que nos são mais queridos mas com quem não estamos há quase um mês. E pergunto-me quando será a próxima vez que os verei… A próxima vez em que sentirei os braços de um amigo em meu redor apertando-me com força e alegria; a próxima vez que sentirei o beijo de um familiar na minha bochecha; a próxima vez que me encontrarei com os professores frente a frente, sem a distância de um email e de um ecrã… Penso em tudo isto... A playlist acaba, todos os amigos e familiares já receberam uma chamada, as dúvidas foram todas enviadas por email… E volta o silêncio. Pensativo, longo, incerto… Carolina Correia

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Professora Cecília Almeida

Professor e a pandemia Mudar, adaptar, inventar e por fim ensinar. Tempos difíceis, estes aqui! Os Professores foram postos numa máquina de lavar, juntaram vários meios de comunicação, acrescentaram algumas plataformas, uma pitada de imaginação, colheradas de boa vontade, bom senso quanto baste e saiu, a alta velocidade, o Ensino à Distância. Num “momento” estavam a lecionar na escola, na sala de aula, com quadro e giz, com computador e projetor e 60 olhos fixos no Professor; no “momento “seguinte estavam a lecionar em casa, por videoconferência, a comunicar por WhatsApp, E-mail e até onde a imaginação os levasse. O importante era chegar aos alunos, ensinar e levar a aprender! E os Professores adaptaram-se! O que seria há pouco tempo impossível, impensável, mesmo ridículo, aconteceu: uma Escola sem alunos, sem Professores, sem o burburinho de uma juventude agitada e feliz! A Escola ficou como um jardim sem flores. Não tardaram as reuniões, disto, daquilo e daqueloutro, as avaliações e as classificações. E os Professores adaptaram-se! Início de período e voltou o ensino à distância, agora já tudo mais conhecido, tudo mais ágil, tudo mais fácil. Não tardou em se agendar o dia de voltar à Escola. Os Professores com anos e disciplinas de exame, teriam de dar aulas presenciais. Novamente diferente; ele é máscara, é álcool gel, é distanciamento…salas grandes, alunos que não vêem o quadro, que não veem o écran…teve de se mudar o processo. E os Professores adaptaram-se! Os professores estão hoje a dar aulas presenciais, e aulas síncronas e aulas assíncronas…mas vão sempre mudando, vão-se sempre adaptando, vão sempre inventando, para, o melhor que podem e o melhor que sabem, ir ensinando! Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Professor Jorge Marrão

A hora do conto Desvalor Entardecia. Rodeado de silêncio e aridez, o roncar do motor do automóvel e a travagem a fundo não incomodaram o lugar. Viajava sem destino, sem motivo, sozinho. O viajante saiu, bateu a porta, tirou os óculos de sol e colocou outros certamente para ler a placa que anunciava a localidade: “Valor". Voltou a colocar os óculos de sol. Circunspecto, tomou o maço de cigarros, escolheu um que bateu repetidamente contra as costas da mão e, de novo, ergueu o olhar para a placa que o intrigava. “Valor”. Inspeccionava o horizonte desconfiado. O vento arrastava sacos de plástico, rotos e desbotados, e umas folhas de outono que se findava. À sua ilharga uma porta presa unicamente às aduelas no meio do nada rangeu os gonzos, como se não fosse aberta há uma eternidade. Inexplicavelmente não reagiu. Apenas uma lufada de fumo saída da boca em círculos que se sucediam em ritmo cadente se mostrava certa, dissipando-se logo de seguida como certas vidas que provavelmente habitassem o lugar. E o solitário imaginava já migrações em mole. A ideia de deserção colectiva ameaçava espectacularmente o seu pensamento. O acaso estaria a confirmar a sua tese: há-de haver um lugar deserto de homens que aborrecidos uns com os outros ou cansados de dirigentes de má índole, se foram, desertaram. Nenhuma academia aceitou que tentasse defender tal posição e vagueava crente. Uma solidão medonha apoderou-se do nosso homem que, cogitando, atirou com o cigarro ainda válido, esmagando-o intensamente com o pé esquerdo, gesto fundador e inesperado que deixou ainda mais perplexo quem sempre esmagava as priscas com o direito. Má sina, pensou sonolento. Tirou os olhos do chão e, de súbito, o ruído arrastado e dolente dos gonzos da porta despertou-o e aguçou-lhe mais os sentidos, que lhe diziam que não havia mais mundo. Então todo o seu interior se revolvia com a ressonância da sentença que o marcara para a vida: «Se o velho não morresse e o novo soubesse o mundo não se perdia». O impulso pelo desconhecido tinha sido o adubo da sua tenra vida e, animado mas cauteloso, avançou como um polícia junto ao muro restante, talvez de uma casa, paralelo ao largo, e seguiu em direcção à porta que lhe pareceria cada vez mais estreita. Atravessou o limiar, assomou finalmente, e o espectáculo que lhe oferecia aquele fim de tarde era uma entrada que acelerou mais a sua curiosidade. Uma cidade inteira vislumbra-se escorregadia e silenciosa envolta na desvida de gerações e gerações desperdiçadas, e já não se nascia há muito, segundo um velho que sobrara e se entretinha a contar para não esquecer. (…) Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Professor Jorge Marrão

A hora do conto Desvalor (cont.) (…) Primeiro encararam-se e esboçaram uma alegria breve, depois duvidaram reciprocamente, mas movidos pela humanidade aproximaram-se e inclinaram-se abraçando-se como dois náufragos, como dois passageiros de um avião que se despenhara, como dois sobreviventes de um atentado que varrera uma cidade, como fruto de um prodígio ou de uma praga que não obedecia a nenhuma lei biológica, física, matemática... - Sabia que alguém viria. - Disse o velho com serenidade e confiança. - Vem sempre alguém. - Porque o afirma? – Inquiriu surpreendido o forasteiro. - A placa ali atrás…, “Valor”, se alguém a visse não desistiria. - Mas parece-me escrita a várias mãos, e o nome? Nota-se nas camadas de letras e na tinta ainda fresca. - Como um palimpsesto. Quantas palavras não foram já gravadas na placa? Depois de termos tido tudo, passado pouco tempo só restou essa, e cada sábio, durante gerações e gerações, tinha a oportunidade de gravar nela uma só palavra. - Curiosa e intrigante, esta última, clara e legível. – Dizia por dizer o viajante, espevitando o interlocutor. Então o velho, digno de veneração, tentou explicar demoradamente o topónimo. De Os, Oris, (boca), entrada, facilmente se chegara a Valor, no tempo de vales férteis e colinas mansas bem viventes. Valor: - Vale de Entrada, - Vale da Boca, não? O velho assentiu dando avale à interpretação e retomou sabiamente a palavra: - É penoso, meu jovem, relembrar esse desagora. Considerava que a cidade já não existia. Sobrara ele, uma árvore, a tal porta de entrada no nada, uma balança. - Que está ali. – Apontou para o tronco da árvore.- Nem sei que serventia terá… O forasteiro parecia desinteressado e cada vez mais céptico, enquanto o velho prosseguia: - …Ontem à noite, com os restos de tinta, avivei a palavra que te trouxe até mim. Ninguém chega a nenhum lugar por chegar, Agora tens uma missão: gravar na placa a tua palavra. Deixar a tua marca. Já agora encontra também uma serventia para a balança… O jovem, que observava mais uma vez o longe, sentia que tinha caído no sítio certo, porém, precisava organizar aquele caos, faltava-lhe um elo, uma palavra, um número que lhe desse um princípio, uma necessidade. Voltouse, cravou intensamente o olhar na placa, as tintas a várias demãos e de gerações e gerações escorriam, o nome da localidade ia esmorecendo e quando se virou para o velho à procura de mais explicações já não estava ali. Então, sozinho, viu a sua face refletida na placa brilhante e não se reconhecia. Tinha passado muito tempo. Pegou num guiço que molhou na tinta sobrante e escreveu na placa «Desvalor».

JM82 Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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Professor António Caselas

O Vírus escatológico Um novo espectro assombra e ameaça devastar já não apenas a Europa e o Ocidente, mas o planeta. Não o velho espectro do comunismo assinalado por Marx e Engels na primeira frase do Manifesto do Partido Comunista, não uma ideologia ou um regime totalitário, mas um microscópico ente, menos do que um verme. Acéfalo e invisível, mas mais poderoso do que um implacável tirano. Insidioso, ameaça aniquilar não uma nação ou continente, mas a própria Humanidade e com ela, ironicamente, o seu destruidor modo de vida. Impôs de forma exemplar regras que, na urgência de assegurar a sobrevivência, poucos questionam e a maioria acata sem grandes resistências. Suspendeu todas as práticas da dinâmica social, materiais e imateriais. Decretou uma prisão domiciliária universal que nenhum tribunal poderia pôr em prática. Multiplicou por milhares de milhões a ansiedade e o medo. Olhado como uma terrível ameaça impôs, porém, uma outra visão sobre a realidade do presente e a perspetivação do futuro. Crise simétrica até certo ponto já que previsivelmente produzirá maior devastação em África, América Latina e nos países pobres, populosos e com precários sistemas de saúde. Muitas populações nesses países afirmam recear mais a fome do que a doença se não puderem trabalhar. O isolamento poderá ser recomendável, mas não se poderá perpetuar sob pena de dar lugar a manifestações de massas e rebeliões violentas. As soluções avulsas e localizadas estarão destinadas ao fracasso. Um vírus isolacionista ‘exige’ das suas vítimas medidas extensivas e globais. No meio da tragédia anunciada será o vírus não simplesmente ‘ecológico’, mas, porventura, promissor para além de todos os fatalismos? Um vírus igualitário? Destruidor de mundos ou talvez o legítimo representante de Gilgames, rei de Uruk? Originado pelo desequilíbrio entre o humano e a natureza, só pode ser controlado futuramente pela harmonização dessa relação. Urge recriar já essa relação porque o tempo se esgotou. A espera pelo efeito de medidas futuras para a gestão de recursos naturais e para a otimização da relação política soberana já não é viável. E a mobilização enganadora dos populismos é tão inútil como perniciosa. O darwinismo social foi inequivocamente assumido por dirigentes populistas de potências mundiais como os Estados Unidos e o Brasil. Defender a morte para salvar a economia desprezando a ciência são as premissas que se associam ao negacionismo ecológico. O desprezo pela ciência em nome da opinião e da superstição são a marca ideológica dos regimes populistas. A imagem de si, do regime e do líder são transformadas em ícones denotativos de uma suposta superioridade. O populismo exterioriza a negatividade elegendo um alvo expiatório com vista a minimizar as consequências dos erros e omissões governativas. As democracias puderam proteger-se seguindo ritmos e estratégias distintas de confinamento e controle dos movimentos populacionais. Raramente foi evocado o imperativo material tal como sucedeu na anterior crise financeira global. O indicador biopolítico da exceção material perdeu-se ou atenuou-se grandemente nos regimes não ideologicamente extremistas. Os dogmas mercantis foram parcialmente abandonados em nome de uma garantia futura de recuperação económica. A incerteza foi melhor acolhida em comparação com a situação anterior. As previsíveis ruturas no território social foram assumidas sem muitas hesitações.

(…)

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Professor António Caselas

O Vírus escatológico (2) (…) Porém, a mitigação ou tentativa de enfrentamento dos efeitos da recessão económica que facilmente se antecipa como mais grave do que a anterior foi dececionante: a Europa voltou ao velho modelo de divisão entre o Norte e o Sul a partir de pressupostos pseudo-económicos e morais: os governos do Sul e, em particular, Espanha foram acusados de não se terem preparado para a pandemia como se isso fosse possível numa situação de desconhecimento e incerteza generalizada. Apesar de se perceber a necessidade de controlar a pandemia, receia-se agora a incapacidade de resolver satisfatoriamente e superar as suas consequências. O Reino Unido que chegou tardiamente à perceção da crise e à necessidade de estancar a hemorragia da infeção viral adotou o confinamento e distanciamento social rigoroso, apesar de viver sob um regime ideologicamente similar a outros regimes populistas. O Ocidente seguiu, ainda que tardiamente, a estratégia asiática mesmo que condicionado por uma cultura política aberta e sem recurso ao totalitarismo digital. Ao contrário do que sucede na Ásia, no Ocidente a aceitação do decreto da emergência e as subsequentes medidas de confinamento drástico coexiste com múltiplas situações de incumprimento. Essa aceitação parece cumprir apenas o objetivo de proporcionar alguma segurança psicológica. Se a concordância com a imposição de uma medida com largas implicações políticas e vivenciais surpreende, não deixa de se verificar a resistência e o inconformismo próprio de populações habituadas a viver em liberdade. Essa ‘habituação’ já assinalada no passado por Maquiavel mantém aqui, porventura, um traço distintivo relevante por comparação com a relação soberana autoritária dos regimes que desprezam o valor maior da liberdade. O que se pode retirar desta crise sanitária pandémica? Talvez uma oportunidade para pensar a comunidade por vir. A corrida contra o tempo para aniquilar o vírus deveria proporcionar essa ponderação, mas não a garante. Não retornar à via do envenenamento e destruição do planeta depois de anulado o poder ameaçador do vírus. Não retornar à ganância e ao ímpeto irracional do crescimento sem limites num mundo limitado. Abandonar definitivamente a lógica da acumulação da riqueza em poucos e a disseminação da pobreza pelo maior número. Aproveitar o distanciamento social para criar novos padrões de entreajuda e solidariedade e não para perpetuar e agravar as múltiplas formas de discriminação e menorização do outro. Não voltar a contaminar a vida lúdica com a procura desenfreada do lucro e a vaidade. Aproveitar o confinamento social e familiar forçado para reinventar as relações humanas. Não reconstruir a autoestrada da autodestruição sobre as ruínas da sequência genética do vírus. Não retomar, manter ou reformular o fechamento securitário e a distância criada pelo medo do desconhecido tal como foi assinalado por Elias Canetti na entrada do seu livro Massa e Poder. Aproximar-se e acolher também o desconhecido no outro recusando a teimosa e recorrente xenofobia que invade os territórios mais ‘civilizados’ da Europa. Embora não pareça, o fechamento individual ou individualista (em última instância egoísta) diante do outro dissolve-se na ‘massa’ ou no grupo com o qual uma pessoa se identifica. Através dessa dissolução acede-se a um patamar de segurança que permite readquirir alguma estabilidade individual. Nas palavras de Canetti ‘De todos os lados acorrem outras pessoas, é como se as ruas tivessem um só sentido.’ Mas a massa ideologicamente homogénea e intolerante é a massa fechada. A massa inspira segurança e transmite uma tranquilidade, por vezes, ilusória, mas é sentida como indispensável para o indivíduo enfrentar o medo do desconhecido. Embora dificilmente se possa assumir que a distância criada pelo medo do vírus que se revelou (ao contrário de tantos outros) desconhecido é a metáfora do distanciamento desumano do xenófobo, a motivação parece ser a mesma: a interiorização de uma ameaça real ou, em grande parte, inexistente. Todos são vistos como uma potencial ameaça. A motivação da congregação da massa é o mais possível homogénea e obedece a referências ideológicas comuns. O indivíduo reconduzido à sua clausura atomística dificilmente se poderá defender ou adquirir a segurança que espera. Os rituais de proteção higiénica contra o vírus revelam-se, muitas vezes, inviáveis e inúteis, atingindo o paroxismo gestual. A ameaça nunca é, de facto, rechaçada e anulada para sempre como garantem, aliás, os epidemiologistas.(…)

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O Vírus escatológico (3) (…) Um pequeno ente, menos do que um verme poderá fazer aquilo que nenhum modelo político nem guia político ou espiritual conseguiram realizar: transformar num sucesso a promessa falhada do Iluminismo. Mas não se iludam. Não nos iludamos. Esta é, porventura, a última oportunidade para inverter a marcha para o abismo. O fracasso da compreensão e entendimento dessa ‘mensagem’ libertará ameaças ainda mais danosas, incluindo aquelas que outros vírus potenciarão. Uma oportunidade para compreender a ameaçadora e prodigiosa sentença daquele que sem voz, sem linguagem, sem córtex pôde fazer – ou permitir fazer – aquilo que nenhum ser racional e conseguiu. A pretexto de salvar vidas e de prevenir outras ameaças biológicas apostar na digitalização da vida ou na importação de um totalitarismo digital seria a pior das sequelas da crise sanitária. Uma vigilância totalitária e um controle político inaceitável. Pouco importa se esse controle é feito por um regime ditatorial ou democrático. Ele é politicamente indefensável e constitui a anulação da liberdade e do exercício de direitos individuais e coletivos. As liberdades que resultaram de séculos de lutas comuns seriam abolidas. O direito à privacidade seria abolido. O aproveitamento da presente crise para instaurar um controle psicobiopolítico por parte dos poderes públicos deve ser prontamente repudiado. Seria instituir um regime permanente de vigilância de todos e de controle dos ‘politicamente infetados’; seria aceitar a manipulação modelar das condutas dos potenciais ‘rebeldes’ ou dissonantes em relação ao regime político vigente. Os totalitarismos biopolíticos, as formas de dominação políticomilitar, o extermínio genocida e os padrões ideológicos extremistas deixaram marcas daquilo que é a exceção negativa na sua máxima expressão. A tentação de usar a crise para instaurar a exceção de forma permanente deve ser combatida. A sociedade por vir não pode ser capturada por um poder ilegítimo que use formas avançadas de dominação e opressão. Não pode esvaziar a existência humana relacional para cumprir a finalidade supostamente inovadora de a robotizar e digitalizar. Se é verdade que alguns países europeus como a Hungria e a Polónia se encontravam anteriormente na situação de desvio do estado de direito, a pretexto da crise agravaram essa exceção. Na Hungria Viktor Órban assumiu plenos poderes e governa por decreto pessoal. A tecnologia tem de tornar possível a convivência relacional e a coexistência entre a distância e a proximidade. Se a crise levou à anulação da identidade pelo uso massivo de máscaras de proteção facial de todo o tipo, à desconfiança, ao afastamento preventivo, ao medo e perceção do outro como um dos potenciais representantes do inimigo invisível, a sua mitigação e superação tem de permitir o abandono desses dispositivos e comportamentos. Reconstituir o individualismo egoísta, erigir em seu lugar um atomismo digital ou opor a ambos a imagem recauchutada da suposta democracia regimentar não são vias de acesso à comunidade por vir. A cedência do comum a outras formas de elitização material (económico-financeiras), dissimuladas pela democratização meramente formal da vivência comunitária induz apenas ao engano. A crise mostra abertamente a face indigna de regimes ditos democráticos. Na ‘democracia’ russa, o regime de opacidade e pressão política vigora sem limites. Na Índia e Paquistão durante o período inicial do confinamento e da imposição da quarentena, os incumpridores são sujeitos a humilhações, castigos e agressões públicas; gestos indignos são acriticamente exibidos nos ‘media’ internacionais e mostrados a título de exemplo; os incumpridores são fotografados de rosto descoberto a segurar cartazes com mensagens moralizadoras como se se tratassem de menores que devessem ser disciplinados. (…)

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O Vírus escatológico (4) (…) Na Índia verifica-se um êxodo de multidões em direção às zonas rurais. No segundo país mais populoso do planeta – com elevados índices de tuberculose – milhões vivem e deslocam-se sem quaisquer condições que possam assegurar uma proteção sanitária. Na urgência da análise que esta pandemia impôs, e perante os efeitos rápidos e devastadores da infeção generalizada ao planeta brotaram do solo os previsíveis charlatães, os profetas do fim dos tempos, os ‘cientistas’ e ‘sábios’ e os comerciantes de fármacos milagrosos. A descoberta de uma vacina e da cura foram assinaladas em países ideologicamente próximos dos seus entusiastas divulgadores: China e Cuba. Filósofos de renome de forma, porventura, precipitada apresentaram as suas sínteses. No território da reflexão avisada subiram ao palco pensadores que não hesitaram em aplicar as suas consagradas matrizes de análise a uma realidade que ainda não dominam. Não tardaram a comparecer Giorgio Agamben, Alain Badiou, Slavoj Zizek, Jean-Luc Nancy, Byung-Chul Han, David Harvey, Judith Butler, Franco Berardi e outros. Não tardaram, assim, a surgir reflexões nem sempre iluminadoras. Agamben e Badiou minimizaram os riscos da pandemia comparando-a desastradamente com as outras ondas gripais ‘normais’; Nancy critica Agamben e rejeita a ideia de que esta doença viral seja idêntica a outras gripes porque a taxa de mortalidade é maior e não há qualquer vacina. Considera válidas as preocupações de que pode haver risco de controle político das populações, mas defende que já vivemos num regime de exceção viral global – exceção biológica, informática, cultural. Zizek, de forma lúcida deu conta da ameaça e considera, porventura de forma ‘idealista’, que a crise inaugura uma via de acesso a uma humanidade mais solidária que se congregará através da ideia ou do projeto de um ‘comunismo regulado’ e mais avançado do que o socialismo real que fracassou com a Revolução russa. Han constata (de forma equívoca) que vivemos numa sociedade da positividade onde impera a apatia e prevê (sem razões factuais) uma aproximação do Ocidente ao totalitarismo digital chinês; considera que o distanciamento social se irá agravar e que o capitalismo sairá incólume. Harvey assinala o facto de que a intervenção estatal para superar o colapso do sistema de saúde e do sistema económico contrariou a lógica vigente do neoliberalismo; entende ainda que a crise interrompeu os efeitos perniciosos daquilo que André designava de ‘consumismo compensatório’, ou seja, a consagração de regimes de férias para permitir a recuperação anímica dos trabalhadores alienados, perpetuando a proliferação do turismo global e dos seus efeitos negativos. Para Butler o vírus revelou a nossa necessidade de interdependência; considera que o vírus mantém um poder discriminatório já que aqueles que possuem seguros de saúde (referindo-se ao caso dos Estados Unidos) estarão mais protegidos. Considera que existe presentemente um desejo de mudança global no sentido de uma maior igualdade e cooperação e que as lutas sociais devem prosseguir para o cumprir. Torna explícito que hoje mais do que nunca há que rejeitar o pragmatismo ilusório do ‘realismo capitalista.’ Berardi ao viajar de Lisboa para Bolonha no dia 21 de fevereiro deparou com uma equipe de controle de temperatura e interrogou-se se estaríamos já numa era de mutação ‘tecno-psicótica’. Este autor antecipa os conflitos criados pela previsível recessão: morte, conflitos violentos, epidemias de racismo e guerras. Existe o risco de se produzir um controle biopolítico e expandir-se um radicalismo etnocêntrico. Refere (servindo-se de dados estatísticos) o problema causado pelo desinvestimento a que o serviço público de saúde italiano foi sujeito devido aos programas de austeridade. Pretende tornar ainda mais óbvia a necessidade de fortalecer os sistemas públicos de saúde para os dotar de meios que permitam enfrentar futuras situações de crise epidémica ou pandémica. Berardi invoca a visão pessimista de um outro pensador, Srecko Horvat que também já tinha manifestado publicamente receios de que uma das consequências mais perigosas da pandemia poderia ser o medo do outro e o controle governamental das populações pondo em causa as liberdades. Invoca Timothy Snyder que no seu livro Black Earth sentencia que não há melhor condição para o surgimento de regimes totalitários do que nos momentos em que está em jogo a sobrevivência de todos (…)

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O Vírus escatológico (5) (…) . A incerteza abateu-se sobre o planeta: ou sairemos da crise pandémica mais sós, agressivos, distantes e competitivos ou mais solidários, próximos e mais iguais. Médicos e cientistas foram chamados a dar pareceres e a fazer previsões. O clamor opinativo invadiu os Media. Contudo, dentre os economistas destaca-se uma voz rigorosa e solidária: Guntram Wolff diretor do grupo de reflexão europeu Bruegel que propõe uma solução corajosa e solidária e chega mesmo a prever a inevitabilidade da mutualização da dívida na União Europeia. A sua visão otimista contrasta, porém, com as posições de países hegemónicos do Norte centrados no habitual egoísmo dos seus interesses próprios. As conversas privadas circulam à volta do mesmo tema, intensificadas pela clausura doméstica. A ausência de estratégias comunicacionais e de empreendimentos em ambiente doméstico pode criar tensões e desalento. A incerteza abate-se sobre os efeitos da clausura na vida privada e não apenas na vivência comum. Os meios tecnológicos podem introduzir mais dispersão produtiva do que contribuir de modo válido para a harmonização comunicacional. Embora a perda da relação comunicacional seja uma realidade em ambiente aberto em que os jovens e não jovens centravam a sua atenção sobretudo nos dispositivos tecnológicos ao ponto de desprezarem a relação e comunicação regular com os mais próximos, não é certo que esse constrangimento não se agrave na presença da clausura. A cooperação deve estender-se ou perder-se tragicamente de vez. Ao distanciamento forçado em ambiente familiar deve suceder-se não uma retoma de muros e fronteiras nacionais e anacrónicos nacionalismos destinados ao fracasso, mas o esforço de cooperação numa realidade de opções e ações conjuntas. Se o individualismo supostamente liberal já não tinha lugar no momento posterior à crise financeira, deve ser agora afastado. A opção vivencial ou ‘existencial’ que urge validar e consagrar institucionalmente não é compatível com o atomismo político destrutivo disfarçado de livre iniciativa. Talvez tenha chegado o momento crucial para inventar o comum que não esteja confinado a velhas nomenclaturas como a ideia de ‘comunismo regulado’. Apesar da previsível leitura messiânica da atual crise sanitária surgir recentemente através de declarações de líderes religiosos judeus e muçulmanos, não é esse o sentido essencial de uma reflexão sobre o futuro. A crise é uma oportunidade para empoderar os serviços essenciais universais. Dotar os serviços públicos hospitalares de meios que permitam depois enfrentar novas vagas deste ou de outros vírus impedindo que retorne o pesadelo quotidiano dos profissionais de saúde e o dilema ético da escolha de quem salvar primeiro. É uma derradeira oportunidade para testar a coesão e solidariedade da União Europeia; põe à prova o sentido autêntico do projeto europeu, dos países e dos Estados federados. Repensar a harmonização do humano com a realidade social e com a natureza deve constituir precisamente numa nova exigência a instituir para além de qualquer certificação ideológica. Existe o risco de transformar o auto-confinamento ou autodisciplina numa condição de constrangimento autoimposta que pode tornar os cidadãos mais passivos e dóceis, aptos a interiorizarem as regras e comportamentos adequados às determinações do poder político ou de entidades transnacionais. O poder sobre a natureza é uma expressão do exercício despótico e desequilibrado (assimétrico) do poder dominador e, em particular, do poder político. O poder sobre os mais fracos e mais vulneráveis, o poder dos vencedores sobre

os vencidos foi a linha condutora da história. Anular ou sublimar esse poder está nas mãos dos humanos

que assim deverão parar ou inverter a marcha da destruição. Essa não é uma opção possível. É o único caminho que resta.

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RESDP

Professora Carolina Tomé

BALANÇO DO REFERENCIAL DE EDUCAÇÃO PARA A SEGURANÇA, DEFESA e PAZ (RESDP) Após a interrupção das atividades letivas presenciais, por motivos da pandemia Covid 19, as atividades do PAA programadas para o 3º período foram canceladas pela PSP, nomeadamente a Demonstração de Práticas Policiais na EBJG Zarco. Relativamente às atividades no âmbito curricular, passo a referir o trabalho realizado, por nível de ensino: - Pré-Escolar: uma vez que as atividades do RESDP estão integradas nas Orientações Curriculares, as mesmas são desenvolvidas ao longo do ano letivo e serão avaliadas no final do mês de junho. São abordados os temas da identidade nacional, com a construção das bandeiras dos países de origem dos alunos, dos direitos das crianças, das regras, comportamentos e atitudes. São comemoradas algumas datas alusivas aos valores da amizade, da solidariedade e da liberdade. - 1º Ciclo: os conteúdos do RESDP, integrados na área do Saber Estar – Oferta Complementar, foram abordados durante o 1º e início do 2º períodos, com a apreciação de Muito Bom, em todas as turmas do 3º ano do agrupamento. Foram realizados debates sobre os Direitos e Deveres dos Alunos e as regras de convivência, trabalhos sobre O Que É A Paz, na escola, e trabalhos de expressão plástica sobre a bandeira nacional, assim como jogos de expressão musical com o hino nacional. Os alunos visionaram notícias sobre os valores humanos, as diferenças culturais e étnicas, e ainda os conflitos e ameaças do mundo, no sentido de valorizar o ambiente de segurança e de paz, e a importância das ações de solidariedade. Partilharam as tradições portuguesas e de outros países de onde os alunos são oriundos, envolvendo as famílias na recolha de objetos, como trajes, bandeiras, músicas e alimentos. - 2º Ciclo: os conteúdos do RESDP estão integrados na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, no 5º ano de escolaridade e a avaliação será feita no final do ano letivo. As temáticas abordadas são os Direitos Humanos, o conhecimento de organizações que promovem a segurança, a paz e a Igualdade de Género. Durante o 2º período, foram dinamizadas Sessões com a PSP, em sala de aula, sobre As Funções dos Agentes. Carolina Tomé Coordenadora do RESDP – Pré-Escolar, 1º Ciclo , 2º Ciclo Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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AESC

Atividade

Professor José Santos

Subbuteo No dia 07 de Março realizou-se na nossa escola a última prova de Subbuteo antes de sermos obrigados a parar devido à pandemia. O Campeonato Nacional de Sub 12 e Veteranos proporcionou a estreia em competição a dois dos nossos jogadores, Clara Figueiredo e Henrique Augusto. Estiveram ainda presentes jogadores do Belenenses e Sassoeiros. A vitória foi para Bruno Lima que acabando com os mesmos pontos do jogador do Sassoeiros David Santos, teve mais um golo marcado. Esperamos reatar no próximo ano letivo esta nossa atividade. Entretanto para ficarem a saber um pouco mais sobre a modalidade podem ver esta reportagem sobre o Europeu de Clubes que se realizou em Belém em Outubro de 2019, publicada no site 8ª Colina: https://oitavacolina.escs.ipl.pt/subbuteo-a-vitoria-na-ponta-dos-dedos/?fbclid=IwAR0sbYPmZVvRlwJ7WLNpLwKHKKEyHR9Tv4YietMGNzRX5YUaA3EG3ETh1U Até lá. Cuidem-se

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AESC

Atividade

Professora Ana Lopes

Visita de Estudo à Quinta Pedagógica dos Olivais

Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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AESC

Atividade

Professora Ana Lopes

Semana dos AFETOS

Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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AESC

Férias

em perspetiva

by INSTAGRAM

Jornal Agrupamento Escolas Santa Catarina - JUNHO 2020

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AESC A todos os que colaboraram

Colaboradores:

ALEXANDRA F.NUNES AMANDIO FONTOURA ANA GREGÓRIO ANA LOPES ANA TORRES ANTÓNIO CASELAS BEATRIZ GERALDES BERNARDO LUÍS CAROLINA CORREIA CAROLINA TOMÉ CECÍLIA ALMEIDA CRISTINA GALA DIOGO GOMES FILOMENA TIAGO FRANCISCO FIGUEIRA HERNÂNI PINHO JOÃO AMADOR

© Junho 2020, AESC

JORGE MARRÃO LARA MADUREIRA CARVALHO LUÍSA NUNES MADALENA RODRIGUES MARIA CHAGAS MARIA SANTOS MARIANA PEREIRA MARTIM FERREIRA RICARDO NOVIKOV SALVADOR MOURA SARA NAPOLEÃO Paginação:

AMANDIO FONTOURA

Design do CABEÇALHO: JOÃO VERSTEEG

Revisão do texto:

Edição:

LUÍSA NUNES

AMANDIO FONTOURA


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