

Ressonâncias da estética na experiência emocional
Cerejeiras em flor
Celia Blini
RESSONÂNCIAS DA ESTÉTICA
NA EXPERIÊNCIA EMOCIONAL CEREJEIRAS EM FLOR
Celia Blini
Ressonâncias da estética na experiência emocional: cerejeiras em flor
© 2025 Celia Blini
Editora Edgard Blücher Ltda.
Publisher Edgard Blücher
Editor Eduardo Blücher
Coordenação editorial Rafael Fulanetti
Coordenação de produção Ana Cristina Garcia
Produção editorial Juliana Midori Horie
Revisão de texto Denise Pisaneschi
Diagramação e capa Equipe editorial
Imagem da capa Julia Blini
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Blini, Celia
A ressonância da estética na experiência emocional : cerejeiras em flor / Celia Blini. – São Paulo : Blucher, 2025.
160 p. : il.
Bibliografia
ISBN 978-85-212-2698-7 (Impresso)
1. Psicanálise. I. Título.
CDU 159 964 2
Índice para catálogo sistemático: 1. Psicanálise CDU 159.964.2
PARTE I – A CHEGADA
PARTE II – A ENTREGA
PARTE III – DE VOLTA PARA CASA
O sonho encontra a realidade
Nosso primeiro dia em Tóquio foi magnífico! Estávamos hospedadas num lugar lindo, ao lado do Parque Nacional. Saímos para caminhar, eu já caçadora das cerejeiras-em-flor. Observando cada detalhe que surge, ao atravessarmos uma grande avenida, em direção ao Parque Municipal, diante do lago que o antecede, surge a primeira cerejeira! Ela era galho, salpicado de flor rosa! Ao prender meu olhar nela, ela entrou direto e atingiu o meu coração, como se o balançar de seus galhos, repletos de flores, já me acariciassem por dentro. Eu queria poder descrever tudo que aconteceu dentro de mim – meus olhos marejados, as lágrimas caindo e a voz que não saía, era a revelação do que acontecia no meu interior. Senti imensa gratidão à vida por me permitir estar ali naquele momento embaixo da cerejeira iniciando sua florada, com minha filha ao lado.
Acho que se aproximou do que eu senti quando vi minha filhinha pela primeira vez, só emoção! Linda, miúda e delicada, florescendo para a vida, trazendo seu encanto! Minha filha logo se aproximou, sentindo a minha emoção e nos abraçamos. Com certeza me deu seu colo, como eu lhe dei o meu assim que ela nasceu – tão bela, de olhos abertos para mim, encontrando os meus abertos para ela! Sempre!
A emoção era tanta que tudo parecia não ser de verdade, parecia ser um sonho! Por que será que, quando o que vivemos é tão bom, colocamos “o vivido” no sonho e não na realidade? Será que pensamos que o bom só está no sonho, o que sonhamos acordados ou dormindo, ou na infância? A descoberta desse mundo real, onde se pode viver tão bons momentos, nos ajuda a tirá-los do sonho e colocá-los na vida que vivemos acordados, da mesma maneira que os momentos ruins, aqueles que parecem os pesadelos no sonho e a gente acorda, nos ajudam a ver que, em outros momentos, a vida é melhor que o sonho. Bendito sonho que me trouxe ao Japão! E isso está sendo agora.
O que o olho vê e o coração sente
E, com tanta emoção, entramos no parque, cheio de pequenas, médias e grandes cerejeiras, algumas perto umas das outras, tudo era lindo e tão especial, como eu imaginava o Japão – pura harmonia em ação! E aquela combinação mágica de alamedas, flores, lagos, pedras, árvores e peixes tingindo o lago de cor e movimentando as águas, junto com o vento, que soprava leve para dar mais graça às cerejeiras em seus suaves balanços, que permitiam a quem passasse por elas sentir um leve toque de seus galhos-flor e para fazer ondinhas, movimentar o lago. A vida acontecendo em sua delicadeza!
O enlevo era esse caminhar, um encanto a cada passo, encontrando novos espaços de magia e que vem sem parar: flores, árvores de pequenas folhas, esse meu maior gosto, minhas árvores favoritas: aquelas que deixam entrever o outro lado no seu entremeio, tal qual uma renda, de folhinhas delicadas, saindo de seus galhos, permitindo vislumbrar a luz do outro lado, os diferentes tons de verde e outras cores. Essas árvores delicadas são a figura central, que permitem ver seu fundo de múltiplas cores; não são como as montanhas ou as árvores de folhagem densa que interrompem o nosso olhar, impedindo que vejamos o outro lado. É a natureza ora propondo abertura, ora fazendo ponto, em seu existir.

A força da contemplação
Ali sentadas na grama que se espalhava pela amplitude do campo, que separava o lado de cá do de lá, em pleno deleite e descanso, no silêncio e na beleza, algo branco e grande se destacava. Era ela que reinava já de longe, a cerejeira branca nos chamando até ela, tal qual a força de um ímã puxa um metal, era um caminho reto. Hipnotizadas pela beleza e pela grandiosidade dela, fomos caminhando em sua direção, nos aproximando cada vez mais. E ela se tornou branca de flores que balançavam ao vento, nem se podiam ver seus galhos e tronco. Um verdadeiro esplendor! Suntuosa, mas delicada, como isso é possível? Será uma contradição? Porque o volume era grande, ela era imensa, mas suas flores eram flores-de-cerejeira, pequenas petalinhas umas juntas às outras, formando cachos como os cabelos de uma menina. De uma delicadeza só!
Ao me aproximar, percebi que não era possível fotografá-la em sua plenitude. Eram muitas pessoas a admirá-la, o que me impediu de fazer a foto dela de perto. De perto, só pude focar partes dela, que compunham seus lindos cachos. Imortalizá-la por inteiro numa foto, naquele momento, só se eu incluísse os contempladores. Lembrei-me então da Monalisa de Leonardo da Vinci no Louvre, que também só pude fotografar de longe com todos os admiradores, mesmo voltando lá em momentos diferentes. Eu não sei se a árvore de cerejeira é a mesma todo ano, pois elas vão e vêm a cada estação, são obras transitórias. O quadro da Monalisa penso que se conserva em sua originalidade. Apesar das diferenças que encerram em si, as duas obras serão sempre belas! Únicas no existir de sua magnitude, colocadas lado a lado, representam a obra de arte da natureza e do homem.
A cerejeira branca não era uma árvore, era um buquê gigante, só flor! A vontade era de entrar embaixo dela, no meio dela, olhar de longe, olhar de perto, não sair de perto dela, sentir o seu perfume, sua maciez, misturar-se com ela e ficar ali na contemplação do gosto. E ela reinava sozinha ao lado de outras menores, trazendo ainda a minha lembrança o Tom Jobim e sua canção: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”..., que eu completo com minha inspiração... em seu doce balanço, enche o parque de graça, por causa de seu fulgor.
Não pensei, até aquele momento, que seria possível haver destaque de beleza em meio a tantas belezas!
観賞の力
「手前側」と「向こう側」がはっきりわかるほど広がってい た芝生の上に座って、静けさと美しさの中に快適にくつろい でいたら、向こう側にあった白くて大きいものが目立ってい た。遠くから君臨していたあの桜の木が、磁石のように私た ちの目を引き寄せた。その壮大さと美しさに魅了され、私た ちは桜の木に呼び出されていたみたいに、桜の木に向かって 近くの直線の道を歩き出した。遠くから見えた「白い何か」 近づいていくたび、「桜」に変化していったあの木の、風に 揺れてはっきり見えた花びらと、花に覆われていて見えなか った幹と枝が、なんと素晴らしかった!あれほど豪華な桜の 木が、有り得ない矛盾のように質素でもあった。木そのもの が立派で大きかったが、花びらが小さく群がり房を作り、細 かく束ねる巻き毛の少女のように繊細だった。
近づいて写真を撮ってみたら、その美しさを完全に伝わった 写真をとるのが不可能だったことに気づいた。私みたいにあ の木を近くで観たかった観賞者が何人か集まっていて、その 人たちが写らざるを得ないのが条件だった。ダ・ヴィンチの モナ・リザをルーブルで観に行った時も同じような経験があ ったことを思い出した。あの時も、来客者が多すぎて遠くか らの写真しか撮れなかった。公園にあったあの桜の木には、 モナリサのような壮大さがあった。
木というより巨大なブーケといえるほど花ばっかりだったあ の木の下に、というよりその中に入りたかった。遠くから観 たかった、近くから観たかった。ずっと近くにいたかった。 その香りと柔らかさを感じたかった、あの木と一つになっ て、長く味わいたかった。比較的大きくなかった周りの木の 中で、女王のように君臨しているその姿を観て、トム・ジョ ビンの「イパネマの娘」が頭に浮かんだ。「なんて美しいも のだ、なんて優雅なものだ」の次に、私は加えた:「甘味な 揺らぎで輝き、公園を照らした」。
公園に美しいものが山ほどあったが、中で更に美しいものが 存在できるとは、あの木を見た瞬間まで想像できなかった!

Um instante criativo de alegria
Foi andando pelas inúmeras belezas no jardim do museu a céu aberto em Higashiyama-Ku, Kyoto, que abrigava lindas esculturas, que batizei um pé de flor de pé-de-flor-de-brincos, brancos e pendentes caiam em cachos, em pencas e balançavam ao vento, fazendo graça. Não a graça das cerejeiras-em-flor em balanço. A graça deles! E ainda, para minha alegria, tirei do rosto lindo da minha filha, que é uma joia e que desenha joia, o sorriso mais espontâneo, seguido do comentário “parece mesmo”! Olhando para as flores, vimos que tínhamos companhia: lá estava ela, uma abelhinha pequenina tirando da flor seu néctar. Ela também não deve ter resistido ao seu perfume e beleza. Estava em tal idílio que nem se importou com nossa aproximação. Suas asinhas batiam tanto para mantê-la flutuando, que ela parecia não ter asinhas. Pensei: naquele momento na sua semelhança com um beija-flor, tão miúda, mas se sustentando no ar, quase perdida dentro do cacho de flores. Um espetáculo que só é possível assistir se houver disponibilidade para o tempo que dura uma experiência como essa: a relação entre a flor e a abelhinha.
Momento consagrado pela criatividade, minha, dela, da natureza bela! Mas não foi a primeira flor que vimos lá. A primeira flor que vimos lá foi a flor-de-cerejeira, que se apresentava logo na entrada do museu, a céu aberto. De cor rosa forte, vibrante em sua delicadeza, carregadinha de flores, lá estava ela a dar as boas-vindas. Sem grande exuberância, parecia ser uma jovem púbere em crescimento, mas prometia ser linda mais tarde.
Era uma tarde de sol, que dava um ar de esplendor no entremeio das árvores e esculturas especiais a se espalharem entre a cidade e as montanhas, bem no alto de uma colina, fazendo composição com o céu de um azul claro, mesclado por nuvens ralas e brancas. Foi lá que encontrei a escultura de uma mulher, de Kyoko Asakura, 1970, a mais elegante de uma figura feminina que já vi, de pernas cruzadas com
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leveza e vestimentas muito femininas, que se dobravam como se fossem de tecido leve a se ajeitar em seu corpo. Parada obrigatória para contemplação e para nos fazer sonhar!
Eram muitas esculturas que, apesar de feitas na pedra, traduziam a leveza em sua exposição! Não sei dizer se por elas mesmas ou pela posição, ou por se estenderem pelo espaço e para cima, sendo as estrelas do palco entre o céu, a terra e o ar, se por estarem entre árvores ralas que deixavam entrever o outro lado e por ficarem em alamedas que subiam e desciam, criando movimento.
Um encanto a surpresa de encontrar as zebrinhas esculpidas e dispostas em bando, em meio ao jardim, fazendo graça! O preto e branco, criando o listrado em meio ao jardim verde e de flores! Aqui as montanhas compunham ao longe a paisagem, fazendo contraste de cores – o marrom, o verde, o amarelo que cobriam a terra e faziam cena com o azul do céu.
Fui percebendo que encontraria mais que cerejeiras-em-flor nesse passeio ao Japão... E tudo fazia o coração vibrar de emoção!

Nos dias atuais, estamos submetidos a situações de desencontros, conflitos, confrontos e predomínio da negatividade, que despertam sentimentos de insegurança e medo, já que se trata de um momento em que as informações nos chegam com facilidade e de modo rápido, por ação de um mundo virtual que nos mantém em certo isolamento, como ouvintes sem acesso ao diálogo, que nos sugere mudanças e pensamento. Este livro vem na contramão desse movimento, oferecendo uma oportunidade de imersão, de fazer pensar na importância do uso da sensibilidade e do encontro com um outro, com a paz, a beleza e a profundidade, num cenário de harmonia e estética trazidos pelo encanto das “cerejeiras-em-flor”. Um momento para refletir, usar nossa capacidade para pensar, ir em busca da nossa singularidade, da nossa essência. Todo encontro é, em potencial, um espaço inspirador que conecta o nosso interior com o que existe fora, colocando quem se deixa tocar pela experiência diante de emoções marcantes, que revolvem o seu íntimo. Somos um antes de viver essas experiências e outro depois de sermos transformados por elas. Essas experiências emocionais constituem a matéria-prima da nossa intuição, uma companhia viva interna.
PSICANÁLISE
