

IDE EM ENTREVISTAS
50 ANOS
Organizadores
Alexandre Socha
Alessandra Susie Quesado Nicoletti
Bruna Paola Zerbinatti
Gilca Zlochevsky
Pedro Ernesto de Souza Sang
Rita Andréa Alcântara de Mello
ide em entrevistas: 50 anos
© 2025 Alexandre Socha, Alessandra Susie Quesado Nicoletti, Bruna Paola Zerbinatti, Gilca Zlochevsky, Pedro Ernesto de Souza Sang, Rita Andréa Alcântara de Mello (organizadores)
Todas as entrevistas apresentadas neste livro são de propriedade da SBPSP.
Editora Edgard Blücher Ltda.
Publisher Edgard Blücher
Editor Eduardo Blücher
Coordenação editorial Rafael Fulanetti
Coordenação de produção Ana Cristina Garcia
Preparação de texto Lígia Alves
Diagramação SB Nigri Artes e Textos
Revisão de texto Equipe editorial
Capa Tiago Dela Rosa
Imagem da capa Revista ide, n. 34, 2001 – SBPSP
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel.: 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br
Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 6. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, julho de 2021.
É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora.
Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Heytor Diniz Teixeira, CRB-8/10570
ide em entrevistas : 50 anos / organizadores Alexandre Socha, Alessandra Susie Quesado Nicoletti, Bruna Paola Zerbinatti, Gilca Zlochevsky, Pedro Ernesto de Souza Sang, Rita Andréa Alcântara de Mello. – São Paulo : Blucher, 2025
254 p. : il.
Bibliografia
ISBN 978-85-212-2752-6 (Impresso)
ISBN 978-85-212-2747-2 (Eletrônico - Epub)
ISBN 978-85-212-2748-9 (Eletrônico - PDF)
1. Psicanálise. 2. Psicanálise e Cultura. 3. Psicanálise –Entrevistas. I. Título. II. Socha, Alexandre. III. Nicoletti, Alessandra Susie Quesado. IV. Zerbinatti, Bruna Paola. V. Zlochevsky, Gilca. VI. Sang, Pedro Ernesto de Souza. VII. Mello, Rita Andréa Alcântara de.
CDU 159 964 2
Índice para catálogo sistemático: 1. Psicanálise CDU 159.964.2
Conteúdo
Prefácio
Entrevistas
1. Caetano Veloso (1976)
2. Wilfred R. Bion (1978)
3. Leyla Perrone-Moisés (1978)
4. André Green (1986)
5. Joyce McDougall (1988)
6. Betty Joseph (1989)
7. J.-B. Pontalis (1989)
8. Anne Alvarez (1995)
9. Pierre Fédida (1995)
10. Antonino Ferro (1996)
11. Christopher Bollas (1997)
12. Paulo Mendes da Rocha (1998)
13. Maria Rita Kehl (2003)
14. Marilia Aisenstein (2006)
15. Isaías Melsohn (2007)
16. Luiz Tatit (2012)
Prefácio
Breve histórico para uma psicanálise
em movimento
Alexandre Socha
“Uma publicação está nascendo”, anunciou o primeiro editorial da ide. Como tende a ocorrer em todo nascimento, este vinha carregado de esperanças, mas também de muitas incertezas: “apesar do grande empenho, de todo o nosso esforço nesses sete meses, não sabemos qual será a evolução do nosso periódico”, continuou o texto inaugural. A dúvida não era de todo infundada. A mera existência de uma publicação como a ide é um fato raro no meio psicanalítico. Se hoje em dia são poucas as revistas dedicadas prioritariamente às intersecções entre psicanálise e outras formações da cultura, em 1975 – ano de sua fundação – esse número era ainda mais restrito. Propomos, neste breve texto de abertura, oferecer algumas notas históricas que sirvam para contextualizar a originalidade do projeto editorial e sua trajetória.
Sobre começos...
A fundação da ide surge a partir de uma proposta de Laertes Moura Ferrão, então presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), para a criação de um Boletim que divulgasse as atividades e notícias societárias. Em maio de 1975, a Diretoria instituiu uma comissão denominada “Boletim da Sociedade”, composta por Chaim José Hamer – que havia se tornado membro efetivo naquele mesmo ano – na função de editor, e por Deodato Curvo de Azambuja e Arlindo J. A. da Cunha como redatores (ambos também recém-admitidos como membros associados). Essa comissão formou uma equipe de colaboradores
1. Caetano Veloso: “Onde medra a magia”1 (1976)
Parte I
Uma entrevista realizada sob o signo da magia do poeta e compositor Caetano Veloso, onde a discussão sobre a inspiração surge como proposta para exprimir o funcionamento real do pensamento. Parte inicial de uma longa conversa com Luiz Tenório Oliveira Lima – do Instituto de Psicanálise e amigo de longos anos – esta entrevista, a que pretendemos dar sequência no próximo número, foi realizada na casa de Caetano, no Rio de Janeiro, no Sábado de Aleluia, 17 de abril de 1976, e interessa a todos que se perguntam sobre o lugar do sonho e do jogo desinteressado do pensamento na criação humana:
TENÓRIO – Partindo da suposição de existir uma experiência inconsciente, como você veria, enquanto poeta e artista, a relação entre a criatividade que se expressa através de um trabalho poético, e esta experiência inconsciente, esta parte oculta, obscura, que não é referida ao saber consciente da pessoa?
CAETANO – Eu não sei bem, porque quando a gente faz as coisas a gente se encontra fazendo, não é? Esse negócio de criar objetos de arte é uma coisa que, desde menino, me parece uma coisa que eu tendo a fazer. Que me parece fácil, como se fosse, dentre as coisas que são oferecidas pra se fazer, algo que eu sei fazer. Então, pra mim, é fazer e querer mostrar que sei. Isso que estou dizendo é o máximo de consciência que eu tenho sobre a criação artística em mim. Pra falar mais sobre qualquer coisa que revele o modo como o inconsciente aparece na criação artística, e que papel isso que a gente chama de inconsciente desempenha no ato da
1 Entrevista original publicada em ide, n. 2, 1976 (parte I) e em IDE, v. 2, n. 3, 1976 (parte II).
2. Wilfred R. Bion: “O homem”1 (1978)
Foi bem excitante e, ao mesmo tempo, assustador, saber que em poucos minutos eu estaria conversando com o Dr. Bion. Foram-me enviadas do Brasil algumas perguntas que eu deveria fazer. Curiosamente, já sabia de antemão que essas perguntas não seriam de nenhuma utilidade. Como planejar com antecedência um encontro com aquele homem? Impossível. Pois bem, a conversa simplesmente aconteceu; creio ser muito difícil descrever o encontro com clareza, mas vou tentar.
BION – Apenas vá em frente. Esqueça as perguntas, vamos conversar sobre o que você estiver com vontade.
IDE – Bem, eu gostaria que esclarecesse algumas coisas que ouvi falarem sobre o senhor. Ouvi dizer que o senhor nasceu na Índia, é isso mesmo?
BION – Sim.
IDE – E por quantos anos o senhor viveu lá?
BION – Oito.
IDE – Oito anos e então foi para a Inglaterra. E que efeitos o senhor acredita que isso teve? Onde o senhor viveu na Índia?
BION – Bem, nós vivíamos não muito longe de Benares2, perto do Rio Jelum. O Rio Jelum é o velho Hidaspes, das Odes de Horácio. Contudo, eu não sabia disso
1 Entrevista original publicada em ide n. 6, 1978. Realizada por Marcia Mello e Silva em Los Angeles, no dia 03/09/1978. Tradução: Liana Pinto Chaves. Revisão: Alexandre Socha.
2 N.E.: Cidade atualmente denominada Varanasi.
3. Leyla Perrone-Moisés: A louca navegação da psicanálise na arriscada travessia da linguagem
(1978)1
IDE – Como você situaria o papel da psicanálise no quadro da teoria e da crítica literária, hoje?
PERRONE-MOISÉS – Uma resposta satisfatória a esta pergunta seria nada menos do que uma tese ou um tratado. Responderei, portanto, de modo muito sintético e incompleto.
Os estudos atuais sobre a linguagem não podem prescindir da consciência do inconsciente e, portanto, da ciência do inconsciente. Todo estudo de linguagem que ignore esse dado, em linguística como em teoria e crítica literárias, corre o risco de ser ingênuo. A racionalidade da linguagem é um mito do humanismo clássico que se está desfazendo em todas as reflexões atuais sobre o homem e seus discursos.
Qualquer enunciado linguístico traz as marcas do inconsciente, em seus ditos e em seus não ditos. E os enunciados poéticos, que se caracterizam exatamente por uma enunciação forte, carregada de afetos, não só se prestam a, mas exigem um ouvido afinado para o inconsciente.
A obra literária tematiza lembranças, sonhos, desejos, frustrações. De um modo ou de outro, o crítico tem de tratar desses fenômenos psíquicos e se, ao fazê-lo, ignorar a descoberta freudiana, recorrerá forçosamente a um psicologismo caduco que, além de vago, tende ao moralismo.
1 Entrevista original publicada em ide, n. 6, 1978. Realizada por Luiz Tenório Oliveira Lima e José Miguel Wisnik.
4. André Green: Simplificação envenena a teoria analítica (1986)1
MEYER – Gostaríamos que falasse, de maneira rápida e concisa, da sua trajetória na psicanálise, como da sua localização na psicanálise atual.
GREEN – Creio que, refletindo sobre o meu percurso analítico, eu ficaria tentado a recortá-lo em vários períodos. Houve um primeiro período que foi aquele dos anos de formação, paralelos à minha formação psiquiátrica, que vai de 1956 a 1960. Há um segundo período, que vai de 1960 a 66/67, e que foi marcado sobretudo por minha relação com Lacan. Eu jamais fiz parte de alguma instituição oficial dirigida por Lacan, mas tive uma relação interessante e livre com ele; interessante porque nós discutíamos muito, e livre pelo fato de não fazer parte da sua instituição e, sobretudo, por não ter estado em análise com ele. Um terceiro período começou em 1967 e foi caracterizado por minhas relações com analistas de Londres. De fato, isso já havia começado durante meu período lacaniano, pois desde 1961 eu estava vivamente interessado pelo que havia escutado em Londres e no Congresso de Edinburgo. Quando deixei de me relacionar com Lacan, naturalmente me voltei para Londres, para analistas que agora se tornaram meus amigos. Os kleinianos – Hanna Segal, Rosenfeld; em seguida, estabeleci um relacionamento pessoal com Bion, que estava à parte de tudo isto; depois, Winnicott, com quem falei uma vez; Masud Khan, Marion Milner e outros analistas ingleses.
Foi nesse momento que se cristalizaram em mim, de maneira absolutamente definitiva, algumas posições. Eu acho que a melhor mistura psicanalítica possível é a interfecundação do espírito crítico inglês com o pensamento teórico francês. Com isso, eu não quero dizer que não haja teóricos ingleses ou que os franceses
1 Entrevista original publicada em ide, dez. 1986. Realizada por Alan Victor Meyer e Luiz Carlos Menezes. Transcrição e tradução de Ana Maria Amaral.
5. Joyce McDougall (1988)1
Acreditamos que será de interesse para os nossos leitores a transcrição da conversa informal que tivemos com J. McDougall, quando ela nos visitou em setembro do ano passado. Nesta entrevista, tivemos a oportunidade de ouvi-la falar sobre sua formação, iniciada na Inglaterra e desenvolvida na França, e de conhecer o seu pensamento acerca das tendências e dificuldades da prática psicanalítica nos diversos países que tem visitado.
IDE – A senhora poderia falar de sua experiência com a psicanálise e com os psicanalistas do Brasil?
MCDOUGALL – Desde que meus livros foram traduzidos tenho sido convidada para ir a vários países. Tenho observado que ocorrem, em geral, os mesmos problemas, e em cada país há maneiras específicas de interpretá-los. Quanto à impressão de minha experiência com os psicanalistas brasileiros, tenho trabalhado tanto que ainda não me foi possível refletir sobre ela. Ainda não vi aqui o que observei em outros países: um enorme conflito que cresce no interior da sociedade psicanalítica, e que leva a um divisor, com o surgimento de novas sociedades. Isto me parece um fenômeno interessante, e posso imaginar que exista também aqui. Deve fazer parte da Psicanálise, algo que rompe a Sociedade Psicanalítica. Quando cheguei à França, em 1953, eu era jovem e havia uma só sociedade a ponto de se cindir.
IDE – O que ocorria?
1 Entrevista original publicada em ide, n. 16, 1988. Realizada por Alan Victor Meyer, Chulamit Terepins, Eva Teperman Ocougne, Leopold Nosek e Plínio K. Montagna. Editoração: Eva Teperman Ocougne e Yonne Giannetti da Fonseca. Tradução e transcrição de fitas: Sonia S. Terepins.
6.
Betty Joseph (1989)1
Betty Joseph veio ao Brasil em agosto de 1988 a convite da SBPSP para realizar conferências e seminários clínicos. Em conversa informal com os colegas da ide, falou a respeito de sua trajetória psicanalítica e sobre temas polêmicos relacionados com a prática clínica e a formação de analistas. O uso de contratransferência, o ecletismo em psicanálise, análises mais ou menos profundas foram alguns dos pontos abordados. Também foram objeto de sua reflexão questões mais amplas sobre a formação de novos analistas e as consequências decorrentes da expansão da psicanálise, bem como questões relacionadas à interação entre as instituições psicanalíticas e a comunidade.
NOSEK – Gostaríamos que nos falasse sobre a sua formação psicanalítica.
JOSEPH – Eu era assistente social e pretendia especializar-me na área de psiquiatria. Julgava, porém, que isso só seria possível se iniciasse uma análise.
Não cogitava fazer formação psicanalítica, porém meu analista sugeriu-me que a fizesse. Eu vivia nessa época em Manchester.
Fui entrevistada por Elia Sharpe e Susan Isaacs, que me aprovaram como candidata. Iniciei então minha análise com Michael Balint, e, como ele se mudou para Londres, decidi também ir para lá e iniciar minha formação. Muitas vezes duvidei se teria condições de ser uma boa analista e duas ou três vezes pensei em desistir.
1 Entrevista original publicada em ide, n. 17, 1989. Realizada em São Paulo por Leopold Nosek, Alan V. Meyer e Elias M. da Rocha Barros. Transcrição e tradução: Sonia Terepins – Edição: Cássia Aparecida Barreto Bruno e Chulamit Terepins.
7. J.-B. Pontalis (1989)1
J.-B. Pontalis apresenta-se de maneira espontânea e rica, falando, entre vários assuntos, sobre sua experiência como aluno e amigo de Sartre, Lacan, Merleau-Ponty e outros, bem como de seu relacionamento com psicanalistas ingleses.
Discute o problema da difusão da psicanálise fora do meio analítico, a questão do ensino isolado da experiência de análise e outras questões como a noção da pulsão de morte e a utilização das teorias psicanalíticas em obras literárias.
IDE – O senhor ocupa um lugar de mestre no panorama da psicanálise francesa, no sentido de que com sua coleção da editora Gallimard, “Connaissance de l’Inconscient” “La psychanalyse dans son Histoire”, o senhor colocou ao alcance do público francês textos essenciais para a compreensão da psicanálise, bem como com sua revista Nouvelle Revue de Psychanalyse, que é a que tem a mais ampla divulgação entre as inúmeras revistas psicanalíticas. O senhor representa, pois, esse papel essencial, e, no entanto, tenho a sensação de que o faz com muita discrição. É uma escolha de sua parte manter essa discrição, esse afastamento da mundanidade psicanalítica. É uma posição de princípio?
PONTALIS – Eu gostaria muito que sua impressão tivesse fundamento. O que você quer dizer exatamente? Que eu não luto pelo meu espaço?
IDE – Sim, e também quando se pensa no que levava Lacan a se rodear, na sua compulsão, de centenas de pessoas que vinham ouvi-lo, ou quando se pensa em
1 Entrevista original publicada em ide, n. 17, 1989. Realizada por Luiz Eduardo Prado de Oliveira. Tradução: Gilce Mercadante e Mauro Mercadante. Edição: Eva Teperman Ocougne. Colaboração: Ana Maria Amaral.
8. Anne Alvarez (1995)1
IDE – Para começar gostaríamos que a senhora nos contasse um pouco da sua história pessoal, como se aproximou da psicanálise e do seu percurso dentro dela.
ALVAREZ – Nasci em Toronto, no Canadá, em 1936, fui filha única. Suponho que uma das coisas que contribuíram para o meu interesse em bebês foi o fato de que minha mãe perdeu muitos bebês, só eu sobrevivi, e tanto ela como meu pai tinham muito carinho por bebês.
Como eu me interessei por psicanálise? Quando eu tinha quinze anos mais ou menos, eu assisti a um filme, provavelmente um filme ruim, em que uma mulher analisava uma criança com alguns sintomas histéricos. A criança recuperou algumas lembranças perdidas e eu achei essa uma ideia absolutamente fascinante, a possibilidade de haver uma parte da mente que era inacessível e depois recuperável. Acho que o filme desempenhou um papel muito importante na minha escolha pela psicanálise. Além disso, meu pai era uma pessoa complicada e deprimida, e com certeza eu tinha muitas fantasias de salvação, que a maioria de vocês compreenderá que exerceu certa influência na minha teoria.
Cursei psicologia na universidade e o interessante sobre esse departamento é que estava se tornando behaviorista, mas ainda não o era completamente, como a maioria dos departamentos de psicologia das universidades americanas. Uma das razões pelas quais isso não estava ocorrendo é que o departamento havia sido fundado pelo pai de Elizabeth Bott Spillius, que era filósofo e iniciou o departamento de psicologia com forte orientação filosófica. Na verdade eles se interessavam por discutir ideias, por saber o que era essa coisa chamada mente, e havia bons pensadores no departamento. Importavam-se mais e mais psicólogos behavioristas
1 Entrevista original publicada em ide, n. 26, 1995. A gravação da presente entrevista estava muito falha, o que pode acarretar erros de interpretação nas ideias expressas pela entrevistada.
9. Pierre Fédida (1995)1
MEYER – Qual é, professor Pierre Fédida, a relação entre Psicanálise e Arte, uma vez que a presença da Arte em seus trabalhos é bastante constante?
FÉDIDA – A Arte sim, mas também todas as produções culturais. Eu creio que é indispensável considerar uma primeira ideia, que é uma ideia cara a Freud, isto é, que a exploração dos objetos da cultura, das produções culturais, é, ao mesmo tempo, uma espécie de possibilidade de verificar as hipóteses da Psicanálise, do ponto de vista principalmente da evolução da psicologia dos povos e, ao mesmo tempo, é também um modo de colocar os objetos da cultura no interior da Psicanálise, isto é, no interior, como diz Freud, do interesse da Psicanálise pela literatura, pela estética, pelas ciências, eventualmente. O interesse também de que esses objetos da cultura estivessem no interior da Psicanálise e no horizonte disso que representa a formação do psicanalista. Se Freud tinha essa ideia de que era necessário inventar um instituto que comportaria linguística, mitologia, história das religiões etc., é porque ele estava convencido de que somente a formação clínica não seria suficiente, que seria necessário pensar que a formação do psicanalista passaria pela frequentação, a mais íntima – e também a mais técnica –, dos objetos da cultura. Porque isso poderia ser um modismo, de frequentemente evocar a Arte, por exemplo, no horizonte da Psicanálise; isso poderia ser chique, de algum modo, isto é, que o psicanalista se interesse pelo pintor, se interesse pelo escultor, se interesse pela história da arte, mas eu creio que isso seria um certo contrassenso. Para mim, pessoalmente, a frequentação dos objetos da cultura é qualquer coisa de absolutamente essencial dentro da prática analítica. Essencial quer dizer que a curiosidade em relação a esses objetos da cultura é uma curiosidade que recebe – vai procurar e que recebe – isso que a criação dos pintores, dos artistas, que nessas criações dos pintores e dos escultores, pode contribuir para desenvolver o
1 Entrevista original publicada em ide n. 26, 1995. Realizada por Alan Meyer, Luiz Carlos Menezes e Sandra Schaffa, em 17 de abril de 1994. A gravação foi transcrita e traduzida por Sandra Schaffa.
10. Antonino Ferro (1996)1
MEYER – Nós gostaríamos de saber algo a respeito de seu histórico biográfico.
FERRO – Eu nasci em Palermo. E isso é bastante significativo, no que se relaciona ao pensamento de Bion na Itália. Eu diria que lá há várias orientações que coexistem. Há um enorme grupo freudiano, um consistente grupo kleiniano, e especialmente aquilo que poderíamos denominar “desenvolvimentos kleinianos”. E há alguns lugares onde o pensamento de Bion se desenvolveu de uma maneira particular. Um desses lugares é exatamente Palermo. Porque lá havia um analista chamado Francesco Coral, que nos anos 60 foi o primeiro tradutor de Bion na Itália, e foi também o primeiro a importar operativamente suas ideias. Esse Coral tem uma história particular, ele foi analisado pela princesa Tomaso de Lampedusa, não me recordo se ela era da Estônia ou da Lituânia, mas era da parte oriental da Europa. Ela era mulher do príncipe Tomasi de Lampedusa, que escreveu O leopardo. Eu fiz análise com um analista que havia feito sua análise com Coral, e que havia se transferido para Milão, como eu me transferi. Portanto, em Milão, organizou-se um pequeno grupo interessado em Bion, além do grupo de Palermo, mais consistente, do meu ponto de vista. E há um pequeno grupo que se desenvolveu em Roma, porque Francesco Coral era um analista didata do Instituto de Roma. Depois a Parthenope Bion foi para Turim, e aí a história evoluiu.
A minha história pessoal é a de ter feito uma análise com um analista que se inspirava em Bion, mas eu não sabia. Minhas primeiras supervisões foram todas de
1 Entrevista original publicada em ide n. 29, 1996. Foi realizada por ocasião do simpósio Bion em São Paulo: Ressonâncias, em novembro de 1996. Estiveram presentes toda a equipe da revista Ide (cf. lista de comissões editoriais) mais colegas convidados: Antonio Carlos Eva, Cassia Bruno, Evelise de Souza Marra, Fernando Giuffrida, Izelinda Garcia de Barros, Julio Frochtengarten, Liana Pinto Chaves, Renza Birolini e Marta Petricciani. Tradução: Marta Petricciani. Edição: Luciana Estefno Saddi Mennucci.
11. Christopher Bollas: Expansão ou psicanálise1 (1997)
Ide entrevista Christopher Bollas, psicanalista inglês de passagem por São Paulo. Estamos interessados em saber sua opinião sobre a questão da inserção do psicanalista no mundo, sobre sua experiência em outro país.
IDE – Uma questão que nos é colocada frequentemente se refere à possibilidade de se pensar o mundo contemporâneo segundo as formulações de Freud, da primeira metade do século. Será que a expansão da teoria freudiana com Lacan, Bion e as noções de função alfa, infinito, desconhecido seriam mais condizentes com a descrição do mundo atual?
BOLLAS – Penso que Winnicott, Lacan, Klein e Bion não representam avanços em relação a Freud. Não acho que sejam um desenvolvimento que deixa Freud para trás. Essa é uma maneira hierárquica de ver as coisas.
Acredito que a crise na psicanálise tem a ver com a teoria de Freud da horda primitiva, em que os irmãos se juntam, matam o pai e depois o devoram; é o canibalismo. É uma teoria que explica o que aconteceu com o pensamento freudiano no campo psicanalítico. Winnicott tomou uma parte de Freud, Bion tomou outra, Klein idem, e todos eles se retiraram para suas respectivas tocas. Até certo ponto, estenderam Freud, desenvolvendo sua teoria de maneiras interessantes, mas como objetos parciais, tirando uma parte do todo, e insistindo que se tratava de algo representativo do total. Isso é um ato de violência edipiana; é um movimento destruindo a psicanálise como um campo de pensamento. Se eu tivesse escolha, portanto, diria volte para Freud e esqueça todo o resto. Esqueça Lacan, Winnicott,
1 Entrevista original publicada em ide n. 30, 1997
12. Paulo Mendes da Rocha: Engendrando o humano (1998)1
Homenageamos aqui o professor Paulo Mendes da Rocha, um dos maiores arquitetos brasileiros. Em uma conversa informal, ele nos fala de suas experiências de vida e de sua obra, resultando na sua noção de ser humano que explicita e sintetiza nosso momento cultural.
IDE – Acabamos de ver em seu escritório a maquete do Museu de Escultura (MUBE) e, então, poderíamos iniciar nossa entrevista partindo desse seu trabalho. O que você leva em conta ao realizar essa obra? Com quem você está dialogando? A que qualidades do homem você se dirige? Por que o MUBE nos toca tanto?
PAULO MENDES DA ROCHA – É porque o MUBE é uma espécie de oficina; toda arquitetura é uma oficina de ideias e nós nos sentimos dentro da oficina. Vocês disseram: “Olha aí, o modelo do MUBE. É bonito”. Por que é bonito? E eu estou incitado a falar sobre ele? Bem, é um museu para visitação, como o arsenal de Veneza é agora. Lá se fabricavam os navios e era onde se desenvolvia a tecnologia de ponta da época, onde estavam os engenhos. Só que eles eram escondidos, pois a ciência, ao contrário da Igreja, não anunciava com pompas. Atualmente foi restaurado e hoje abriga grande parte da Bienal de Veneza, transformou-se num lugar de exibição da arte. Em relação ao MUBE, você entra lá e diz: “Isso aqui, o que é?”. E as pessoas podem dizer coisas muito diferentes. As ideias são feitas de um tanto de coisas, poderíamos dizer de modelos. Um exemplo fantástico é Einstein. Como ele descreveu a Teoria da Relatividade? Como uma equação matemática. Einstein disse em uma entrevista: “Eu tenho uma visão corpórea das coisas...”. Quer dizer, ele via um modelo. Ele precisava ver. Você faz outro ver, você mesmo também vê e corrige. É
1 Entrevista original publicada em ide n. 31, 1998. Realizada por Luiz Carlos Junqueira Filho e Roberto Kehdy e pela equipe editorial da revista.
13. Maria Rita Kehl (2003)1
IDE – Gostaríamos que você contasse um pouco de sua história, como surgiram seus interesses e como eles se desenvolveram.
KEHL – Obrigada pelo convite, fiquei muito contente. Vou tentar me apresentar rapidamente para não ocupar muito espaço com a minha história, que não tem nada de excepcional. O aspecto mais particular do começo da minha vida profissional é que, apesar de ter estudado psicologia, quando terminei a faculdade fui jornalista durante muito tempo; eu não estava interessada pela área psi. Durante sete anos fui jornalista free lancer, pois eu não tinha diploma de jornalismo para ser contratada por uma empresa. Esse período foi muito interessante, porque me deu uma visão da realidade brasileira... jornalística, é claro, mas eu acho que se eu saísse da faculdade, do jeito que era a USP nos anos 1970 – muito fechada por causa do regime militar –, me sentiria muito limitada. Fiquei muitos anos escrevendo para vários jornais e revistas e depois me engajei na militância pela participação em jornais de esquerda que faziam oposição à ditadura. Foi um engajamento político, não partidário, mas pela via do pensamento, da escrita e do debate com a sociedade. Cheguei a ser editora de cultura em dois desses jornais: o Movimento, dirigido pelo Raimundo Pereira (que hoje edita a revista Reportagem, muito boa) e o Em tempo, criado por um grupo colegiado que se desligou do Movimento por divergências políticas.
IDE – Seu interesse pelo jornalismo veio de onde?
KEHL – Eu sempre gostei de escrever. No período de faculdade, já no quarto ano eu quis sair de casa – era essa época em que os estudantes saíam da casa dos pais para morar com os amigos, não para casar. Eu tinha que trabalhar em alguma
1 Entrevista original publicada em ide n. 37, 2003 pela equipe editorial da revista, em 25 de novembro de 2003, na SBPSP.
14. Marilia Aisenstein: O antipensamento e a psicossomática1 (2006)
IDE – Você poderia nos falar de sua formação e de seu interesse pela psicossomática?
AISENSTEIN – Eu sou filósofa de formação, fiz uma análise quando era muito jovem, mas foi uma análise pessoal. Para me tornar psicanalista, fiz outros estudos. Comecei uma formação, bastante clássica, no Instituto de Paris. O meu interesse pela psicossomática veio de maneira muito particular depois de ver algumas pacientes, sempre do sexo feminino, que apresentavam características histéricas, mas que faziam verdadeiros sintomas somáticos. Não eram conversões. E comecei a questionar a qualidade dos seus caracteres histéricos. O primeiro trabalho que tive no hospital foi no Serviço de Alergias; eu apenas ficava por lá, não fazia psicoterapia. Foi nesse momento que ouvi falar de Pierre Marty. Foi nesse trabalho, com os pacientes alérgicos nos quais detectei alguns caracteres histéricos, sem serem verdadeiras neuroses histéricas, que encontrei Pierre Marty e perguntei se poderia trabalhar com ele. Na época, a equipe era pequena, composta por Pierre Marty, Michel de M’Uzan, Michel Fain e Christian David. Eles dispunham de um pequeno dispensário num ambulatório de doenças venéreas. Trabalhavam no consultório e no ambulatório, mas em 78 a ministra da Saúde da época foi convencida por essa equipe a fundar o hospital-dia da psicossomática, que então se tornou o Hospital Pierre Marty. As pesquisas dessa equipe foram iniciadas nos anos 50 e 55, e em 56 Pierre Marty e Michel de M’Uzan descreveram o pensamento operatório. Mais ou menos no mesmo momento, nos Estados Unidos, tínhamos duas pessoas que haviam feito uma descrição da alexitimia, palavra que vem do grego e que significa a não leitura dos próprios afetos. Então, pessoas diferentes
1 Entrevista original publicada em ide v. 29, n. 43, nov. 2006. Realizada por Ana M. Brias Silveira, Jassanan Amoroso Dias Pastore, José Martins Canelas Neto e Magda Guimarães Khouri, em 9 de agosto de 2006, na SBPSP.
15. Isaías Melsohn: Linguagem e percepção no processo analítico1 (2007)
Isaías Melsohn participou ativamente dos primeiros tempos da institucionalização da psicanálise no Brasil e, com seu pensamento original, marcou um lugar singular na psicanálise brasileira. O núcleo de seu pensamento reside numa crítica à teoria clássica da percepção e da linguagem que suporta a concepção freudiana de representação de coisa e de palavra, exposta nos textos metapsicológicos de 1915. Em primeiro lugar ele recolhe do próprio Freud, mais precisamente de seus relatos clínicos e da análise dos sonhos, subsídios para uma reinterpretação desses e de outros conceitos correlatos da psicanálise. Funda-se em uma integração de concepções oriundas, por um lado, da fenomenologia de Husserl, da psicologia da forma, da filosofia de Ernst Cassirer e Susanne Langer e, por outro, da linguística de Jakobson para reformular as bases psicológicas da noção de representação inconsciente. É necessário ainda destacar a notável renovação da escuta analítica promovida pela sua proposta de ouvir o “dizer da fala” do paciente, deixando entre parênteses as teorias psicanalíticas. A importância de seu pensamento foi, finalmente, avaliada, extramuros, em sua extensão e inovação pelo filósofo e freudólogo Bento Prado Jr. num memorável ensaio que resenha seu livro Psicanálise em nova chave.
Esta entrevista foi sendo construída espontaneamente e se constituiu quase no estilo de uma aula com o intuito de oferecer, numa linguagem simples, para as novas gerações de analistas, um panorama de
1 Entrevista original publicada em ide v. 30, n. 44, jun. 2007. Edição: Jassanan Amoroso Dias Pastore e Marilsa Taffarel.
16. Luiz Tatit (2012)1
IDE – Você tem uma dupla relação com a MPB, como estudioso e pesquisador, como músico e compositor. Você poderia nos falar brevemente sobre esse percurso?
TATIT – A minha geração viveu o auge da Record, os festivais, a Elis Regina, a Jovem Guarda, o Tropicalismo no final da década. A canção era uma espécie de aposta que eu fazia de que eu ia lidar com aquilo de alguma maneira. Entrei na ECA, da USP, quando teve início um curso de música. Comecei a estudar música erudita, me formei em música na ECA, mas, depois, simultaneamente, comecei a cursar a faculdade de Letras e vi que dava para fazer uma associação: encontro entre melodia e letra é uma coisa; lidar com música é outra coisa completamente diferente. Foi aí que eu comecei a ter um encanto por canção.
IDE – O que é música, no seu entendimento?
TATIT – Uma canção é sempre a junção entre melodia e letra. Às vezes, não se sabe nem tocar, basta dizer para vocês que todos os cancionistas não sabem música. Há exceções que confirmam a regra, como o Tom Jobim. A maioria dos cancionistas não faz música, faz a combinação de melodia e letra que os músicos não sabem fazer. É essa a diferença. Um autor erudito que concebe uma peça pensa de um modo sonoro, em relações de motivos, de timbres, quais são os timbres utilizados numa peça, ritmo e melodia, também. Mas não pensa em letra. Ainda na faculdade, comecei a pensar: “aqui não se faz nada do que eu gosto”, que era exatamente essa questão da junção entre melodia e letra. Depois vim a saber que,
1 Entrevista original publicada em ide v. 34, n. 53, jan. 2012. Realizada por José Martins Canelas Neto, Dora Tognolli, Patrícia Cabianca Gazire, Ana Maria Rozensvaig e Rejane Cutrim, em 17 de outubro de 2011, no escritório de Luiz Tatit, em São Paulo.

