Revista Festival 2014

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Revista

Publicação anual do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes — Edição 04 — 2014 — Ano IV

Festival de Inverno | Ouro Preto e Mariana | Fórum das Artes 2014


Foto: Nathalia Torres

Foto: Ă?ris Zanetti


Festival:

um fantástico laboratório de prática acadêmica Marcone Jamilson Souza Freitas Reitor da UFOP

Vivemos uma nova edição do Festival de Inverno Ouro Preto e Mariana, na qual fortalecemos e ampliamos a discussão acerca do papel de uma universidade pública em seu contexto, em face das rápidas transformações do mundo em todos os seus aspectos. Sabemos que são cada vez mais fortes os investimentos no mercado dos meios de comunicação, em especial os de desenvolvimento de sistemas inteligentes para facilitar nossa vida. Hoje, a tecnologia nos permite comunicarmos com qualquer pessoa do Planeta em questão de segundos. Podemos comprar qualquer produto a distância e recebê-lo comodamente em casa. Podemos divulgar uma opinião e ela alcançar um número imensurável de pessoas, as quais jamais seriam atingidas se o contato fosse pessoal. Esses avanços possibilitados pela tecnologia nos fazem refletir sobre o nosso papel nesta vida. Falamos da globalização. Pensando-a como um processo em curso, como tendência de longo prazo, que aprofunda a integração econômica, social, política e cultural – ao mesmo tempo em que aumenta, promove e ressalta as diferenças entre os povos –, a diver-

sidade assume proporções incalculáveis. Como realmente sair do discurso e tentar entender, viver e interferir, de fato, nesse mundo desafiador? Quando realizamos um Festival com a temática Entrecorpos, acredito que caminhamos nessa direção. O tema nos remete à interdisciplinaridade, à interculturalidade e, mais importante, ao respeito às diferenças. Expõe, a todo momento, crises e oportunidades em uma espécie de “Babel” ciberespacial, com a virtude, contudo, de trazer para o chão, para o local essas reflexões acerca dos caminhos que se apresentam em nossos destinos. A um olhar menos atento, diante das mudanças flagrantes que ocorrem a todo instante nesse universo, podemos pensar que essa onda nos leva a uma vida de pensamentos e valores unificados. Não, ao contrário, quando vivemos um Festival como esse, experimentamos no local, no corpo a corpo, quão complexa e maravilhosa é a vida, que sempre nos mostra possibilidades de contramão ao pensamento totalitário. Quando promovemos encontros dessa natureza com os alunos de nossas escolas de Ouro Preto e Mariana, com os moradores de nossas cidades e distritos, e também com os que aqui chegam para

Célia Maria Fernandes Nunes, vice-reitora da UFOP.

participar do evento, experimentamos no local a dimensão dessa complexidade. Portanto, sempre e sempre, não podemos pensar que temos um modelo pronto e ideal para nossas vidas. Entrecorpos é uma prova dessa saudável incerteza. Entrecorpos promoveu também uma excelente oportunidade de diálogo entre nossos professores e alunos, tornando-se um laboratório fantástico de prática acadêmica, de vivência artística, de tolerância; enfim, de sabedoria e maturidade para quem pensa em educação como um instrumento de transformação para um mundo melhor. Devemos, com esse espírito, com uma visão sempre aberta, nos preparar para o próximo Festival, corrigindo eventuais falhas, melhorando processos e mostrando, sobretudo, que a Universidade, por sua natureza autônoma, laica e diversa, é um espaço legítimo para se trabalhar as diferenças e abrigar eventos e ações de tal grandeza.

Marcone Jamilson Freitas Souza, reitor da UFOP.

Editorial



Foto: Bruno Arita


UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO FESTIVAL DE INVERNO DE OURO PRETO E MARIANA FÓRUM DAS ARTES 2014

Reitor: Professor Marcone Jamilson Freitas Souza Vice-reitora: Professora Célia Maria Fernandes Nunes Pró-reitor de Extensão e Coordenador Geral do Festival: Professor Rogério Santos de Oliveira Pró-reitora adjunta de Extensão: Professora Ida Berenice Heuser do Prado Coordenador executivo: Professor Ricardo Gomes Assessor executivo: Ricelli Piva Coordenador de Produção: Paula Gotelip Coordenador Técnico: Ricardo da Mata Curadores de Artes Cênicas: Professor Éden Peretta e Professor Ricardo Gomes Curador de Artes Visuais: Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP)

Sobre Entrecorpos

Entrevista com Matheus Nachtergaele

Os preparativos

Em construção

Festival na história

Curador de Audiovisual: Professor Adriano Medeiros Curadora do Festival com a Escola: Professora Marlice Nogueira Curadoras de Infantojuvenil: Professora Juliana Bergamini e Marilene Marinho Curadores de Literatura: Professora Cilza Bignotto e Professor Alexandre Agnolon Curadores de Música: Professor Bernardo Fabris e Professor Guilherme Paoliello Curadora de Patrimônio: Simone Fernandes, Casa do Patrimônio de Ouro Preto – IPHAN Transporte: Projet – Empresa Júnior do curso de Engenharia de Produção da UFOP Hospedagem e Alimentação: Judith Andrade Coordenadoras Financeiras: Beatriz Moreira e Flávia Helena de Faria Assessores Jurídicos: Edineia P. Lopes, Clara Helena Amaral e Maciel Narcísio Gonçalves Maciel Cerimonial, Receptivo e Central de Informação: Completur Jr. – Empresa Júnior do curso de Turismo da UFOP Coordenadora de Jornalismo – TV UFOP: Erica Vieira Coordenadora de Conteúdo – TV UFOP: Fernanda Luiza Coordenadora Técnica – TV UFOP: Yura Almeida Jornalismo – Rádio UFOP: João Felipe Lolli Supervisor de Programação – Rádio UFOP: Danilo Nonato Supervisor Técnico – Rádio UFOP: Simei Gonderin Suporte de TI: Professor Ricardo Augusto Rabelo Oliveira, Labortório Imobilis FOTOGRAFIA

Internet

O corpo e as cidades | O corpo nas cidades

O Festival toma as ruas

Universos que se encontram

Dos encantos de um velho novo Estado

FÓRUM DAS ARTES

Oficinas: relações com o entorno

Poéticas

O corpo como instrumento para as artes

Coordenador: Professor André Luís Carvalho Profissionais: Nathalia Torres e Íris Zanetti Trainees de Fotografia: Biel Machado e Elisa Rodrigues Trainee de Planejamento: Lídia Ferreira Monitores de Fotografia: Bruno Arita, Osmar Lopes e Aprígio Vilanova Monitores de Planejamento: Rolder Wangler, Laís Diniz e Stênio Lima Revista

Coordenador de Comunicação Institucional: Chico Daher Coordenador de Comunicação do Festival de Inverno: Rondon Marques Assistente de Comunicação: Richard Dias Nunes Assessora de Imprensa do Festival de Inverno: Ana Paula Martins – MTB 12.533 Editora e Jornalista Responsável (Revista Festival): Verônica Soares da Costa – MTB 13.093 Redatores: Adriana Aparecida Moreira (MTB 14.850), Aldo Damasceno, Amanda Sereno, Ana Elisa Siqueira, Ana Paula Martins, Anna Clara Antoun, Carol Antunes, Fernanda Mafia Guimarães, Fernanda Marques Veiga, Flávia Gobato, Tamara Pinho Revisora: Magda Salmen Projeto Gráfico e Diagramação: Mateus Marques Foto de Capa: Nathalia Torres Impressão: MJR Editora Gráfica Tiragem: 2.000 unidades

Qual é a sua deficiência?

Música para sentir

Humano – O corpo delineado

O mundo infantojuvenil e a arte

O internacional se tornou mineiro

O digital na relação Entrecorpos

Um sentimento que transcende

Falou o público


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20 23 27 29 32 34 36

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Sempre sãos Sempre caos Sempre o não Sempre – corpos Siga linhas Siga curvas Siga vindas Siga – corpos Veja cores Veja luas Veja dores Veja – corpos Devore arte Devore o todo Devore parte Devore – corpos Viva telas Viva cores Viva artes Viva – corpos Exercite possibilidades Exercite caminhos Exercite habilidades Exercite – corpos Ensaie passados Ensaie o porvir Ensaie poder Ensaie – corpos Sinta festivais Sinta diversidades Sinta cidades Sinta – corpos Entre cenas Entre sons Entre lugares Entrecorpos

Rondon Marques

E N T R E C O R P O S

Entre vãos Entre bens Entre mãos Entre – corpos

Foto: Elisa Rodrigues


Ilustrações: Mateus Marques

Sobre Ent 10

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Anna Clara Antoun

Corpos físicos, virtuais, conceituais ou temporais. Corpos sensíveis e abertos a todo tipo de diálogo. Corpos de arte e de cultura, que vibraram em teatros, casas e ruas de Ouro Preto e Mariana entre os dias 4 e 20 de julho. Em 2014, a proposta do tema Entrecorpos trouxe à tona a relação dos corpos com vários meios: as cidades, as ferramentas da nova mídia, as relações com o seu entorno e com outros corpos. O corpo foi posto como epicentro das manifestações artísticas e das reflexões do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana - Fórum das Artes, propondo aos participantes e organizadores do evento vários entendimentos e significações acerca do que é o Corpo. Os corpos celestes, os corpos como forma de saber dos bens históricos e o corpo como forma de expressão, com todos os seus símbolos, signos e ritos provocaram diversos questionamentos e reações em quem participou das atividades do Festival. Rogério Santos de Oliveira, coordenador geral do Festival de Inverno e pró-reitor de Extensão da UFOP, destaca que a grande questão e diferencial deste ano foi o cruzamento que as curadorias consegui-

ram fazer com base no tema Entrecorpos: “Além de ser um espaço de formação, a ação extensionista cumpre com sua missão institucional de transformar o que é desenvolvido na Universidade em cultura para as cidades e seus entornos”. Trabalhar essas relações entre os corpos possibilitou ampliar o tema de 2013, Em Tempos Diversos, projetando a diversidade na experimentação, no próprio corpo, estabelecendo uma relação dialética na constituição da identidade. Devido à ambivalência do tema deste ano, foi possível pensar práticas artísticas de diferentes culturas que nos apresentaram outros corpos: os corpos como potência das culturas no espaço e no tempo do Festival de Inverno. A proposta, segundo Rogério, é uma discussão que deve ser reforçada a cada ano, sem, necessariamente, abandonar as questões anteriores, como o barroco e as tradições: “O Entrecorpos veio com o propósito de investigar as diversas possibilidades de expressão da arte, os conflitos, as produções, os vãos que surgem em todas as formas de corpos”, conclui.

Arte contemporânea dentro do espaço barroco A identidade visual do Festival de Inverno buscou aperfeiçoar o conceito de arte contemporânea dentro do espaço barroco das cidades de Ouro Preto e Mariana. Nesse contexto, o Festival interage com o cotidiano e com o tempo presente das cidades mineiras cosmopolitas, que vivem e vibram arte. Além de se inspirar no espaço entre os corpos, o projeto optou pelo corpo hu-

mano como ícone do tema. Por se tratar de um assunto tão à flor da pele, tão próximo, tão tocante, a arte deste ano traz corpos que sofrem intervenções ao mesmo tempo em que deixam suas marcas, cores fortes, contrastantes e complementares. Responsável pela coordenação de Comunicação do Festival, Rondon Marques, aponta

que a arte é uma mistura de gestos, ritmos e matizes que remetem à força transformadora da Pop Art, que marcou um grande momento de transformação da sociedade e suas formas de se comunicar, durante os anos 1950. Os corpos que estamparam todo o material gráfico do Festival são de alunos de Artes Cênicas da UFOP.

“O Entrecorpos veio com o propósito de investigar as diversas possibilidades de expressão da arte, os conflitos, as produções, os vãos que surgem em todas as formas de corpos.” Rogério Santos

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Entrecorpos e entreprosas com Matheus Nachtergaele 12

João Grilo, Cintura Fina, Pai Helinho e muitos outros. Em 25 anos de carreira, Matheus Nachtergaele já interpretou dezenas de personagens no teatro, na TV e no cinema. Depois de dirigir o filme A Festa da Menina Morta, agora ele estreia como diretor de teatro com espetáculo O País do Desejo do Coração, do poeta irlandês Willian Blake, encenado pelo grupo de Tiradentes Entre&Vista. E foi essa peça que o artista trouxe para o Festival de Inverno, lotando o

Teatro Ouro Preto do Centro de Artes e Convenções da UFOP. Nachtergaele também abriu o Fórum das Artes ao lado do coordenador geral do evento, Rogério Santos de Oliveira, com a palestra Entrecorpos, tema central da edição do Festival deste ano. Nesta entrevista, o artista aborda o corpo como instrumento do ator, a importância do teatro, espaço de libertação e integração direta com o público.

Foto: Elisa Rodrigues

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


“O teatro é o último lugar livre para se pensar”

Por Ana Paula Martins, com Tamara Pinho e Vitor Secchin

Como você se sente sendo uma das atrações principais da edição 2014 do Festival? Eu não sabia que nós éramos um destaque dentro do Festival e é claro que termos sido recebidos com tanto carinho é algo muito gratificante. Mas a programação tem espetáculos muito interessantes. O Entre&Vista de Tiradentes, um grupo de teatro amador, ter aberto as atrações cênicas do Festival é uma super-responsabilidade, uma grande honra e eu agradeço imensamente o convite e a confiança da direção do Festival em começar os trabalhos com a nossa peça. Estamos muito honrados. Para o grupo, é uma responsabilidade grande estar num palco cuja plateia está acostumada a ver teatro, com muitos estudantes e professores da área. Tem sido muito interessante. Imagina o que é para este grupo de pessoas simples de Tiradentes abrirem um Festival da importância que é o de Ouro Preto e Mariana, com o teatro lotado. A temática do Festival deste ano é Entrecorpos. Você como ator/diretor usa muito do corpo. Como é discutir o Entrecorpos? Talvez, de todas as artes, o teatro é a que mais utiliza o corpo do artista. É quase uma redundância dizer isso, mas o único instrumento do ator é o seu corpo, com suas memórias, seus movimentos, seus gestos, sua voz e suas emoções. O corpo é a base do teatro, uma peça pode não ter luz, não ter texto, nem palco, mas ela precisará do corpo de um ator. Como é adaptar esse corpo para as várias formas artísticas? A modernidade foi chegando com novidades para o ator. Inicialmente, ele era só de teatro, depois se tornou um ator cujo corpo passou a ser gravado em imagem, mas a base é a mesma. Obviamente técnicas vão sendo elaboradas, existem atores que desenvolvem toda uma técnica de cinema para que a interpretação seja bem impregnada na película e toque o público. Com o corpo sendo a base de tudo, qual a importância de um Festival como o de Ouro Preto e Mariana trazer essa discussão para o público? Eu acho maravilhoso, nos ajuda a pensar “que corpo é este do artista?”, não apenas no tocante à forma técnica. O que acontece com esse corpo quando é colocado em oferenda, conforme acontece no teatro? Como a gente utiliza as técnicas para ampliar o poder de expressão desse corpo? Essa é a minha preocupação como artista hoje em dia, depois de aprender as técnicas, como abrir mão disso tudo para poder deixar novamente o corpo e a alma visíveis de verdade, sem grandes maquiagens? É isso que eu almejo como ator e como

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diretor do meu elenco. Eu quero a verdade! Eu não estou falando apenas da interpretação, nem do corpo em cena, mas da verdade do que a gente diz, estou com saudade de uma coisa que eu nunca vi, de ver as pessoas dizerem a verdade umas para as outras. Não a verdade de gente perversa, que gosta de falar “verdades”, essa é maldosa. Os políticos não falam a verdade, os padres não falam a verdade, os pais não dizem a verdade para os filhos. Os atores devem dizer a verdade com seu corpo e sua alma. Você cita que o teatro é a última cerimônia de libertação. Libertação do quê? O teatro é o último lugar livre para se pensar, para a gente se investigar e estar junto. Sinto que perdemos o lugar de sinceridade coletiva. Para mim, o teatro é o lugar mais precioso para isso, ou talvez o último lugar desligado de um dogma religioso. É claro que as pessoas se encontram com sinceridade para alguma religião, fazer algum ritual, mas de qualquer maneira, em qualquer religião você está ligado a um dogma. As pessoas se reúnem no estádio para assistir aos jogos de futebol, mas não é para pensar o ser humano. É uma energia diferente. Acho que o teatro é o único lugar que para para pensar em pessoas juntas em uma cerimônia laica, sem dogma religioso. O teatro é o avesso de uma religião, é um ritual. O palco é um lugar de discussão? Para mim, é um lugar de ritual. De discussão ritualística, é um lugar de catarse, do elenco, do ator e do público. A discussão é algo que também acontece junto do espetáculo, todas as sensações que o espetáculo causa, os momentos de identificação e de repulsa. Isso tudo é muito próprio do teatro, do ser humano, através dos atores que estão ali você se identifica com os heróis e você renega o que você não quer para a sua vida. Então você pensa moralmente também no teatro, ele é o grande lugar para nós pensarmos em que realmente somos. Você é de São Paulo, mora no Rio de Janeiro, tem uma casa em Tiradentes, o que o faz ter uma relação muito próxima com Minas Gerais, mas muita gente acha que você é nordestino. Como que é ter esse Brasil como um todo em uma só pessoa? Como é ter essa “cara brasileira”? Apesar de ter nascido em uma cidade tão cosmopolita como São Paulo e ter sido criado em uma família majoritariamente belga, tenho o tipo físico extremamente brasileiro. Eu tive essa honra de poder viver personagens de vários lugares do Brasil. Apesar de ser belga, sardento e branco assim como eu sou, é muito difícil me chamarem para fazer

o papel de um nobre, o rico, é mais comum as pessoas me colocarem na pele de um guerrilheiro de esquerda, de um travesti mineiro, um amarelinho do Cariri (CE), tipos comuns brasileiros. Acho que o meu tipo físico tenha favorecido esse meu encontro com a brasilidade, é um grande aprendizado, uma grande honra. Eu fui conhecendo o Brasil por meio do trabalho. Não sou uma pessoa que faz turismo, fico muito em casa, mas fui levado, pelo cinema, a conhecer o Brasil por meio dos meus personagens. Chegar a um lugar e entender como as pessoas falam, por que elas falam assim, como são suas casas, qual a relação com o dinheiro, com Deus, com a comida. A minha profissão me dá essa chance de conhecer o Brasil por dentro. Comente a sua relação com Minas Gerais. Eu sou muito encantado com as cidades históricas do Brasil, principalmente as mineiras. Eu tenho casa há dez anos em Tiradentes, uma casa de veraneio, um lugar que eu adoro, que eu escolhi para descansar. Saio de São Paulo e do Rio para ir a Tiradentes relaxar, ver as montanhas, a água doce, as cachoeiras, as igrejas barrocas. Já conhecia Ouro Preto, já tinha vindo outras vezes apresentar trabalhos como ator e como diretor de cinema. Adoro Ouro Preto, é uma cidade maravilhosa. Fiquei encantado com Ouro Preto, Mariana e Tiradentes. Imagina, paulistano que sou, ver essas cidades preservadas, todo esse patrimônio histórico! O que há de Matheus Nachtergaele em seus personagens? Todos os personagens têm Matheus. Acho impossível fazer um personagem se você não estiver com a alma absolutamente identificada com ele. Eu não sou um ator que constrói de fora pra dentro. É claro que o personagem tem características e histórias diferentes da minha, mas todo personagem que faço é como se fosse eu naquela circunstância, eu compro a história de cada um e, obviamente, trabalho o sotaque, a cor da pele... Com o passar dos anos, a gente vai abrindo frestas para os personagens e vai se expondo, e o público começa a nos ver por meio dessas fendas. E eles [os personagens] vão deixando marcas em mim. Essa fenda é uma cicatriz. Você fica com uma experiência dilatada de vida que talvez você não fosse viver se não fosse ator. Isso alarga um pouco alguns horizontes, alguns preconceitos que você tem vão caindo por terra. Por outro lado, você fica uma pessoa meio louca [risos] com algumas experiências que não combinam com a vida comum. Os atores têm essa beleza, essa delicadeza, de vez em quando dão um defeito porque são obrigados a estar disponíveis para viver muita coisa para que as pessoas se emocionem.

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Os preparativos 14

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Anna Clara Antoun

Em meados de março, o corredor estreito da Pró-Reitoria de Extensão da UFOP já estava bastante movimentado: bem antes das apresentações cênicas, concertos e oficinas do Festival de Inverno, o evento já começa a ser planejado. Cada edição é idealizada com quase um ano de antecedência, fazendo com que o tema seja explorado de uma forma ampla e profunda por curadores e membros da organização. As curadorias, responsáveis por selecionar os artistas que irão se apresentar no Festival, trabalham a programação quatro meses antes do evento. Toda a parte conceitual é discutida e cada um é responsável por suas respectivas áreas temáticas, bem como pelo Festival como um todo. Neste ano, a programação foi construída totalmente em conjunto, caracterizando uma hibridização das curadorias. Esse movimento surgiu de maneira espontânea, espelhando-se na arte contemporânea, na qual as fronteiras entre as diversas modalidades do fazer artístico são cada vez mais imprecisas. Ricardo Gomes, coordenador executivo do Festival, conta que os desafios da equipe são muitos. Mas a

principal questão é pensar o Festival como uma intervenção na cidade, um grande espetáculo que acontece durante vários dias nas duas cidades, além da necessidade de analisar como é estabelecido o diálogo entre a contemporaneidade e a história, a tradição e o moderno. “O interessante em Ouro Preto e Mariana é o fato de serem cidades cheias de história e tradição, mas que são vivas, com uma Universidade, com jovens, onde as pessoas vivem e trabalham”, acrescenta. A um mês de sua realização, o Festival de Inverno é oficialmente lançado para todo o público e à imprensa, contando com a presença de patrocinadores, do reitor da UFOP, dos curadores, da equipe de coordenação, da assessoria de imprensa e dos representantes das prefeituras de Ouro Preto e Mariana. É nesse momento que são expostos o conceito, a aplicação do tema na atualidade e os primeiros destaques da programação. Além disso, o Festival apresenta as atividades realizadas com as comunidades, reafirmando sua missão como ação extensionista.

O Festival em constante evolução O Festival trouxe como tema central a questão do corpo e suas articulações entre os variados espaços, tanto existenciais como afetivos, culturais e de mediação com a realidade cotidiana das pessoas envolvidas nos processos criativos, sempre buscando repensar como essas relações se expandem num mundo contemporâneo e de alta tensão entre os atores culturais. O Festival avançou conceitualmente no seu pensamento estruturante, sendo considerado cada vez mais como objeto de construção simbólica e de construção de conhecimento entre as várias áreas que contempla. Para 2015, a ideia é trazer as múltiplas realizações artísticas e culturais que estão sendo gestadas pelo País, dentro do espaço das universidades brasileiras. Rogério Santos de Oliveira, coordenador geral do Festival e pró-reitor de Extensão da UFOP, explica que “ao trazer esses múltiplos acontecimentos artístico-cul-

turais para uma zona única, provocaremos um positivo pulsar criativo que potencializará não apenas as múltiplas formas de criação já gestadas na Universidade Federal de Ouro Preto e nas outras instituições de ensino superior do Brasil, como também estabeleceremos um promissor espaço de discussão desses projetos que hoje são produzidos no âmbito da academia brasileira”. Rogério Santos ressalta, ainda, a função importante e fundamental da ação extensionista universitária no contexto do ensino superior brasileiro. “Entendemos ser este um território propício para uma discussão de fundo do acontecimento artístico e cultural na contemporaneidade, já que se encontra livre para realizar a articulação entre o pensamento e o fazer prático, sem as necessidades imediatas desse tipo de ação quando inseridas no mundo cotidiano do trabalho comercial e de mercado.”

Foto: Bruno Arita

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Em construção “Grandes eventos proporcionam uma grande experiência” O ambiente de trabalho dos bastidores Apelidado com o nome carinhoso de “QG”, a Assessoria de Imprensa do Festival tem a cara da comunicação: despojada e animada. Com intervenções de palhaços para animar os dias, um pouco de música, alguns momentos para fotos, a ideia é se divertir trabalhando. Café é a bebida preferida dos jornalistas e, na sala da comunicação, não pode faltar. Anna Clara Antoun, estudante de Jornalismo da UFOP, foi assistente da Assessoria de Imprensa mas, em 2013, já havia participado da cobertura pela

Rádio UFOP Educativa. Sua participação começou bem antes de julho, acompanhando as reuniões de planejamento e movimentando as mídias sociais. Paralelamente, ia montando textos-base para o site, com história das cidades e dicas aos turistas, dentre outros temas. A um mês do início do Festival, preparou releases para a imprensa sobre os destaques da programação, os números do Festival e também o conceito do tema Entrecorpos. “Trabalhar na assessoria é uma experiência incrível para quem estuda Jorna-

lismo. Pude conhecer melhor os projetos de extensão da Universidade, o seu funcionamento, e aprendi a lidar com a imprensa. Colocamos em prática o que aprendemos na faculdade”, conta. Com grande repercussão, o Festival saiu na capa de importantes jornais impressos, em programas de televisão e de rádio, e teve destaque nas mídias sociais, onde as pessoas falavam com carinho sobre o evento. “Com certeza, hoje sou uma profissional mais preparada para o mercado de trabalho”, finaliza.

A arte de receber bem Em torno de 51 pessoas, dentre elas monitores, assessores e coordenadores, fizeram parte da equipe do Receptivo. O coordenador Pedro Hagá, estudante do 7° período de Turismo, havia trabalhado como monitor em 2012. Apesar de já ter experiência na área, ser responsável pela coordenação foi algo novo para ele. Com diversas funções, coordenou trabalhos como montagem de kits, elaboração de cartas de boas-vindas, confecção de crachás, distribuição de materiais e certificados, confecção de senhas de espetáculos, recepção de con-

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vidados no aeroporto... Ufa! “Nossa função no receptivo era bem dinâmica, atendemos demandas diversas. Nossa equipe operacional esteve em boa sintonia e o trabalho fluiu muito bem. Trabalhar no Festival é sempre uma experiência nova e contribui para o crescimento pessoal e acadêmico”, aponta Pedro. O cargo exigiu muita atenção na execução das tarefas, pró-atividade, espírito de equipe e jogo de cintura. “Tenho um carinho especial pelo evento e isso fez com que eu tivesse sido mais exigen-

te comigo mesmo e com minha equipe para darmos o nosso melhor e fazer do evento um sucesso”, completa. Já Ana Cristina Ribeiro, foi assessora do Lounge. Cursando o 8° período de Turismo, ela cuidou da divulgação no Centro de Convenções, informando as pessoas sobre as atrações. A experiência foi significativa, pois o evento acrescentou muito no currículo. “A gente trabalha em equipe, cresce bastante, aprende a dividir, a se comunicar”, finaliza.

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Fotos: Bruno Arita e Biel Machado

Assessoria de imprensa, receptivo, lounge. Monitores, coordenadores, assessores. Esses são exemplos do que está por trás de toda a organização do Festival. Nos bastidores, as pessoas aprendem a trabalhar em grupo e a organizar um grande evento. Estudantes se colocam nos seus cargos do futuro e experimentam um pouco do mercado de trabalho. Em um ambiente agradável, participantes do Festival conhecem novas pessoas, trocam ideias e, acima de tudo, se divertem.

Carol Antunes

Aprendizado de primeira Para os conhecedores de informática, os desafios foram interessantes. Acostumados a estar à frente do computador e a toda a galáxia de programas e internet, os bolsistas que experimentaram (muitos pela primeira vez) a responsabilidade de lidar com um grande evento, aprenderam muito e cresceram como pessoa. A equipe de estudantes de mestrado e de graduação em Ciência da Computação precisou aprender novas tecnologias: desde linguagens de programação à criação de sistemas de alta confiabilidade. Coordenador da área de TI e responsável pelo site e

banco de dados de gestão das informações de eventos do Festival, o professor Ricardo Rabelo contou que os desafios técnicos encontrados nesse trabalho foram equivalentes aos encontrados em sistemas de grandes empresas de tecnologia da informação, como Facebook ou Google. “A formação dos alunos que participaram dessa organização foi diferenciada.” Ricardo e sua equipe perceberam que o site teve um acesso acima do esperado, atingindo a impressionante marca de 200 usuários por segundo em al-

guns momentos. No todo, mais de 30 mil pessoas acessaram o site em 15 dias, obrigando-os a melhorar os servidores, lançando mão de técnicas de Cloud Computing recomendadas para sites com acessos gigantescos. “Houve o desafio. A melhoria teve que ser feita durante o Festival sem que o site saísse do ar. Além disso, os aplicativos para celulares e tablets passaram por várias evoluções durante o Festival, tornando-os mais atrativos e responsivos aos frequentadores do Festival”, afirma.

Em estado de arte “Em estado de arte permanente e com vontade de continuar”, foi assim que Gael Morais respondeu à pergunta “Como você definiria o Gael antes e depois do Festival?”. Estudante de Artes Cênicas da UFOP, Gael participou pela terceira vez do evento: começou como monitor, depois foi assistente de produção de rua e, em 2014, trabalhou na produção do Teatro Ouro Preto. Entre suas funções, cuidou de receber as informações sobre os eventos que

aconteceriam no espaço, conferir checklists e organizar todas as demandas em planilhas para melhor organização. A maior dificuldade encontrada durante o evento aconteceu no espetáculo “País do desejo do coração”: a equipe precisava de um piano digital em cena, pois o instrumento havia queimado justamente no ensaio geral, poucos minutos antes do meio-dia de um sábado. “Todo o comércio fecha aos sábados

depois de meio-dia. Ligamos para diversos contatos da cidade para saber se alguém tinha um piano disponível, sem sucesso. Como havíamos alugado um piano de cauda um dia antes, entramos em contato com a empresa, que nos indicou outros que poderiam alugar e fazer o transporte. Graças à equipe e à coordenação, conseguimos fazer ‘nascer’ um piano no palco às 16h, quatro horas antes do espetáculo”, explicou Gael, alividado.

Treinamento para o mundo O reitor da UFOP, professor Marcone Jamilson Freitas Souza, considera fantástica a oportunidade oferecida aos estudantes durante o Festival de Inverno. Segundo ele, o evento é um verdadeiro

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laboratório para a formação dos alunos, que só têm a ganhar com a participação. “Poderia ficar aqui enumerando possibilidades de atuação dos alunos que participam do Festival. O certo é

que todos ganham conhecimento e experiência prática na sua área de atuação profissional. O mais gratificante de tudo é que, além dessa experiência, os alunos se divertem”.

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Foto: Nathalia Torres

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Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


: a i r ó t s i h a Festival n o n a a d a c a a v o n e r e s e u q tradição

Tamara Pinho

Há 10 anos, a Universidade Federal de Ouro Preto, com o intuito de promover um evento de extensão universitária que consolidasse as artes, difundisse a cultura e integrasse a comunidade ouro-pretana, passou a coordenar e a organizar o Festival de Inverno - Fórum das Artes. Porém, o Festival já tinha uma vida longa e muita história na bagagem. Em meados de 1967, professores e colaboradores da Fundação de Educação Artística (FEA), de Belo Horizonte, tinham o projeto de oferecer cursos de férias ligados à música, e Ouro Preto foi a cidade escolhida para receber o evento, devido à sua forte presença cultural. Em julho daquele ano, o primeiro Festival de Inverno foi realizado, e uma parceria com a Universidade Federal de Minas (UFMG) possibilitou que cursos de artes plásticas também fossem oferecidos. A programação cultural, que envolvia palestras e apresentações de teatro, estava voltada ao tema do Festival naquele ano: o barroco. Durante 47 anos, com algumas interrupções, Ouro Preto foi palco de manifestações artísticas, culturais e musicais promovidas pelo Festival de Inverno. Grupos conhecidos de teatro e música foram formados

durante oficinas do Festival, como o Grupo Corpo e o Grupo Oficcina Multimédia. O músico argentino radicado no Brasil, Rufo Herrera, foi responsável pela formação do grupo: “Durante anos, ministrei a oficina de Arte Integrada, que sempre tinha os mesmos participantes. A partir disso, foi criado o Grupo Oficcina Multimédia, que participou de diversos Festivais de Inverno e outros eventos no Brasil e também no exterior”. Para o coordenador geral do Festival e pró-reitor de Extensão da UFOP, Rogério Santos de Oliveira, a origem do evento na década de 1960, em Ouro Preto, já trazia em sua essência um pensamento de troca e experimentação, uma abertura para a multiplicidade, a diversidade, a busca de novas identidades. “Além do fazer, o debate sobre as formas de pensar a arte também era constante, gerando, com tal reflexão, a propagação dessa união que remonta ao sentimento grego de ir para as ruas em comemoração, quando o vinho e a carne eram alimento e oferenda, desejo e combustão, objeto e o próprio ser”. A partir do momento em que o Festival passou a ser um projeto de extensão da UFOP, iniciou-se uma

busca para resgatar alguns aspectos essenciais do conceito de um festival de artes, dialogando com as tradições locais, o popular e o histórico. O curador de Música, Guilherme Paollielo, acredita que o desafio do Festival é pensar e produzir arte que tenha significado social relevante e, ao mesmo tempo, reflita a complexidade do mundo atual. “Como curador, entendo que o desafio está em compreender qual papel pode cumprir um festival de arte e cultura mediante a precariedade de todos os aspectos da vida atual: relações interpessoais deterioradas, mobilidade urbana limitada, violência e o excesso do consumo e do espetáculo. Mas hoje, o Festival não apenas recupera pouco a pouco sua essência como celebração da arte e da cultura como forças sociais transformadoras, como também avança, explora novas possibilidades, buscando articular produções artísticas contemporâneas extremamente variadas em termos de conceito e identidade”, destaca Paoliello. A partir de 2004, o Festival se consolidou como proposta diferenciada para a reflexão sobre arte e cultura. Em 2005, além da UFOP, as prefeituras de Ouro Preto e Mariana passaram a colaborar na organiza-

ção do evento, que incluiu atrações a fim de integrar maior parcela da comunidade, como shows de bandas e músicos em evidência na mídia nacional e internacional. O nome do Festival também foi alterado, e se tornou Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana - Fórum das Artes. Na busca constante por sua essência, o Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes fez algumas mudanças na edição de 2014. Fugindo do formato do circuito comercial, apostou em uma pegada mais contemporânea, que permitiu trabalhar temas que esquadrinham as manifestações locais, regionais, nacionais e de outros países. Rogério Santos de Oliveira explicou o processo como a retomada do espaço do debate: “A reflexão se tornou pouco presente em eventos dessa área nos últimos tempos, adquirindo mais uma característica de mostra artística. É importante resgatar esse lado da reflexão, da troca de ideias, de construção de algo permanente, da contribuição efetiva para o campo da cultura”, conclui, fazendo referência às ações das mesas de debate do Fórum das Artes.

Perdas O ano não foi só marcado pelos 10 anos do Festival de Inverno como projeto de extensão da UFOP. Duas personalidades que contribuíram para a realização do Festival faleceram em 2014. Erna Nunes, artista plástica iugoslava naturalizada brasileira, estava entre o grupo de idealizadores do Festival de Inverno

Revista Festival • ano 4 • número IV

e participou da sua primeira edição. Genival Alves Ramalho, prefeito de Ouro Preto em 1967, foi um dos responsáveis para que o evento acontecesse na cidade. Ambos morreram antes da realização do Festival de Inverno em 2014.

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Internet:

mídias e redes auxiliam na interação com o público 20

julho de 2014 -

Festival de Inverno

Fernanda Marques

julho de 2014 -

Interação e identificação, palavras que traduzem a relação entre as redes e mídias sociais digitais, os veículos informativos e o público que utilizou essas ferramentas para acompanhar as principais notícias do Festival de Inverno. Além do site festivaldeinverno.ufop.br, a equipe do Festival apostou no uso de plataformas como Facebook, Twitter, Flickr e Instagram, que ajudaram a atingir o maior número de pessoas e a proporcionar ao público a cobertura completa da programação cultural do evento. Rede social mais acessada da contemporaneidade, o Facebook tem, atualmente, mais de 1,2 bilhão de usuários ativos, tornando-se ferramenta indispensável para a comunicação, buscando estreitar relações e apresentar em seu feed o mais próximo reflexo do que as pessoas vivem no seu dia a dia. Importante no processo de divulgação antes e durante o Festival, a página facebook.com/festinverno cresceu em quase 100%, chegando, ao final do evento, a mais de 30 mil fãs. Nele foram disponibilizadas informações sobre a programação, curiosidades sobre as principais atrações e textos de cobertura jornalística diária. Valorizando o conteúdo produzido pela equipe de fotografia do Festival, o Flickr contou com cobertura fotográfica todos os dias, hospedando quase 2,5 mil fotos. Os usuários do Instagram também acompanharam o evento pela internet: de 150 seguidores, o instagram/festinverno chegou a mais de 800, totalizando um aumento de mais de 500% de acompanhamento da rede. O Twitter @festinverno, utilizado como canal de comunicação direta com o público, fechou o Festival com mais de 2 mil seguidores. A cobertura em tempo real foi o grande diferencial do Festival 2014. Durante os 17 dias, o público teve acesso a descrições e a fotos em tempo real nas redes, contando, também, com a possibilidade de interação. A diversa programação cultural oferecida pelo evento pôde, por meio da internet, ser compartilhada, comentada e curtida pelas pessoas que participaram dela. Enquanto apreciava os espetáculos, o público teve a possibilidade de se ver marcado em fotos e dar depoimentos para as redes e mídias. Essas ações, vinculadas ao envio de conteúdo colaborativo, ajudaram a construir, por quem participava, uma nova imagem do Festival.

Ilustração: Mateus Marques

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Curtir · Comentar · Compartilhar Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Festival em Fotos: Nathalia Torres

núm3r05 Foram 417 atividades culturais divididas entre Artes Cênicas:

Shows e concertos de música:

39 Exibições de filmes e curtas:

45 Palestras, mesasredondas e rodas de debate:

95 Oficinas Festival com a Escola:

32 Oficinas de artes:

32 Festival com a Escola:

540 Revista Festival • ano 4 • número IV

32 Caravana Festival:

vagas

12

distritos

Exposições de Artes Visuais:

19 Atividades da Caravana Festival:

34 Intervenções urbanas:

79 A estimativa de público presente no evento foi de aproximadamente 170 mil pessoas. Foram distribuídas 8390 senhas para peças e concertos fechados. 21


O corpo e as cidades Cidades construídas ao sabor do vento, respeitando curvas, morros, subidas e descidas, desenhando um caminhar torto e sinuoso para onde quer que se pretenda ir. Livre para andar por diferentes caminhos e chegando, de surpresa, nos lugares pelos quais já passou. É assim que o caminhante que circula pelas ruelas, ladeiras e igrejas de Ouro Preto e Marina se sente: um desbravador. Ocupar a cidade com seu corpo, caminhar e sentir suar as costas, doer as pernas, confundir a cabeça; com tantas igrejas, fica uma dúvida: já passei por aqui

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hoje? As cidades são para os corpos uma oportunidade para a descoberta, ao sabor do vento do inverno. Já dizia Sérgio Buarque de Hollanda, no clássico Raízes do Brasil, que a formação das colônias portuguesas desenvolveu-se como se o acaso tivesse sido o responsável por construir as cidades, já que a preocupação da Coroa cuidou menos de construir, planejar ou plantar alicerces, preferindo a riqueza fácil que estava quase ao alcance das mãos. Se, na

América espanhola, o esforço em vencer os traços da natureza resultou nas capitais marcadas pelas linhas retas e praças de plano regular, no “triunfo da aspiração de ordenar e dominar o mundo conquistado”, a América portuguesa, da qual Ouro Preto e sua arquitetura colonial é exemplo ímpar, o esforço foi, predominantemente, o do caráter de exploração comercial. Se foi do caos da extração das riquezas que nasceram Ouro Preto e Mariana, hoje a beleza dos

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Foto: Elisa Rodrigues

O corpo nas cidades centros históricos preservados encontra-se justamente no que, um dia, não teve nada além do desejo de extração. Nos idos do século XVII, o ouro foi uma das poucas motivações para que Portugal colocasse um pouco de ordem em sua colônia - e, nessa mistura de ordem e desordem, ocupamos as cidades, descobrimos e extraímos nossas riquezas. Em pleno século XXI, as riquezas são outras. O casario barroco e as igrejas centenárias continuam de pé para serem admirados, mas há algo mais

encantador nas vilas de Minas, especialmente durante o inverno. Nessa época, Ouro Preto e Mariana se enchem de turistas que buscam respirar história e resgatar a cultura. E o Festival de Inverno é o espaço-tempo que traz a seu público a arte em suas mais diversas manifestações. O ano de 2014 foi diferente para o Festival: depois de 10 anos sob a organização da Universidade Federal de Ouro Preto, o evento incorporou em sua programação atrações mais distantes da

Fernanda Mafia e Verônica Soares

realidade barroca das cidades-sede. Música contemporânea, danças e performances asiáticas, exposições e mostras fotográficas modernas e reveladoras de um Brasil que sofre influências de diversas partes do mundo, como o México, de Frida Kahlo, e a França, de Daniel Hourdé. As atrações do Festival sofrem, também, influência direta de Mariana e de Ouro Preto, transformando-se em arte híbrida e mutante, que dialoga o velho com o novo, o clássico com o contemporâneo, o moderno e o tradicional.

Foto: Nathalia Torres

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Ouro Preto Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a ser declarada, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, no ano de 1980. O último censo do IBGE, de 2010, aponta que sua população é de mais de 73 mil habitantes, distribuídos em uma área territorial de 1.245.865 km² - incluindo a sede e seus 12 distritos. Foto: Biel Machado

Foto: Íris Zanetti

Assim como Mariana, a cidade tem a área territorial maior do que a capital Belo Horizonte, o que nos diz muito sobre como se deu o processo de esvaziamento das cidades históricas em fins do século XIX, quando BH foi, oficialmente, declarada capital do Estado. A ocupação de Ouro Preto, após a mudança da capital, resultou no fortalecimento da cultura universitária que até hoje se mantém viva e pulsante nas duas cidades: as repúblicas federais que hoje pertencem à Universidade são resquícios desse esvaziamento, locais que foram ocupados pelos estudantes da Escola de Minas que permaneceram no local. Além da tradição da vida em república, suas festas e manifestações culturais contemporâneas, Ouro Preto é marcada por uma forte vivência religiosa. Em sua maioria católicos – 58 mil declarados no último censo, os ouro-pretanos mantêm vivos rituais da cultura local, como a Semana Santa e seus tapetes devocionais. Essa forte relação com a religião influencia intensamente as formas de entendimento do conceito de corpo, tema central do Festival de Inverno 2014. Na tradição católica, o corpo é frequentemente associado à culpa, ao pecado e aos flagelos que abrem caminho para o Reino dos Céus. Promover o diálogo entre as tradições da cidade e as mais variadas manifestações artísticas é, portanto, um dos maiores desafios e também o grande objetivo do Festival de Inverno.

Foto: Íris Zanetti

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Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Mariana Os menos acostumados quando chegam a Mariana podem até se incomodar com o constante toque dos sinos. Na primeira cidade e primeira capital de Minas Gerais é assim, o que marca o tempo é o badalar deles; e, para os moradores da cidade, é comum contabilizar as horas de acordo com os sinos. Para cada ocasião, os sinos soam sentimentos diferentes: hora para convidar os fiéis para as missas, para as festas religiosas, e, em toques tristes, comunicar sobre o falecimento de alguém da comunidade. Os sinos só se calam durante a Quaresma, período de penitência e arrependimento dos pecados. Semelhante à vizinha Ouro Preto, Mariana tem a maioria de sua população de 57 mil habitantes declaradamente católica. São pelo menos 43 mil marianenses, de acordo com o último censo. A forte presença do catolicismo remonta ao período da colonização, em que existia a necessidade de se apegar às crenças religiosas, a fim de prosperar, encontrar novas terras e riquezas, buscar proteção contra as doenças e epidemias. Com o passar dos séculos, os templos multiplicaram e fortaleceram-se, e a cada descoberta de uma nova terra, ela era batizada com o santo daquele dia.

Foto: Íris Zanetti

Em uma cidade em que o catolicismo acompanhou o crescimento das vilas, as artes também foram apoiadas no dobrar dos sinos e pelas preces que ecoavam nas igrejas barrocas. Isso significa que a Igreja Católica foi a grande mecenas das artes naquele período, já que ela financiava os artistas que iriam enfeitar os santuários. “Os templos religiosos foram adornados com a melhor arte possível. E a religião inspira os seres humanos a ornar a Casa de Deus!”, afirma a historiadora e folclorista Maria Agripina Neves, que acompanha de perto as manifestações religiosas em Mariana e Ouro Preto. Ainda segundo a historiadora, o processo religioso na cidade se desenvolveu bastante apoiado no folclore, e, nas festas sacras, a fé e a devoção se misturam à cultura popular. “E onde o povo atua, o folclore logo se manifesta, na confecção dos enfeites, no andar das procissões, nos cantos, danças, levantamento de mastro e até no ‘beber o santo’. É dessa forma que o folclore se mantém vivo e atuante na cultura do povo mineiro e marianense”. Exemplo disso é a confecção dos grandes tapetes de serragem pelos moradores durante as comemorações de Corpus Christi, e na passagem das procissões acompanhadas pelas matracas, instrumento que anuncia a caminhada silenciosa dos fiéis.

Foto: Nathalia Torres

Durante o Festival de Inverno, o tradicional barroco abre as portas para o contemporâneo. A arquitetura das igrejas transforma-se em cenário para os espetáculos que ocupam as ruas da cidade; as exposições com traços surrealistas ficam lado a lado aos altares pintados por Mestre Ataíde, nascido em Mariana, quando a cidade era apenas uma freguesia e os louvores cristãos misturam-se aos concertos. Foto: Nathalia Torres

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Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Revista Festival • ano 4 • número IV

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Maria de Lurdes do Amaral, aposentada de

Ouro Preto e Mariana foram presenteadas diariamente com diferentes intervenções: Rubro Negro, Entre Passos, Sons de Ouro Preto, Tecendo a Cidade, Raízes, Fluxo Andante, Frida e Nariz que Dança. Atrações que encantaram, chocaram, impressionaram, divertiram e emocionaram os espectadores que iam surgindo repentinamente. Corpoética foi uma apresentação em que uma bailarina e um violinista iam andando pelas ruas das cidades encantando a todos com a harmonia plena da dupla.

Acordar, tomar café, pegar o ônibus para ir trabalhar. Trabalhar, almoçar, correr para pagar as contas, ir ao banco, lotérica, vendinha, devolver o livro na biblioteca... Foi entre essas e outras tarefas das mais diferentes rotinas que o Festival proporcionou aos moradores de Ouro Preto e Mariana encontros com a arte. Foi na correria do dia a dia que o Festival invadiu as ruas, trazendo beleza aos olhos de quem, por sorte, pôde deliciar-se com as intervenções que davam cores às cidades.

Fernanda Bacha, a bailarina de Corpoética, assume que tem satisfação muito grande de fazer a arte chegar a pessoas e lugares distintos. “Quando se está na rua, o contato com o espectador é direto. A relação com as pessoas

“Tudo lindo, surpreendente. Trabalho aqui no centro histórico e os atores e toda a sua produção trouxeram vida ao cotidiano, como se a cidade pulsasse em diferentes pontos. É muito divertido você ouvir ou ver interpretações. Acredito que essa seja a maneira que mais integra a comunidade às atividades do Festival”, comenta Letícia Marinho, vendedora de 25 anos, nascida e criada na cidade de Ouro Preto.

66 anos que vive em Mariana, achou a apresentação linda: “Eu me emocionei quando vi a bailarina e o violinista transformando a correria do centro da cidade em um palco. Como se a música pedisse para você parar um pouco e respirar, enquanto observa a leveza e a calma de todos os movimentos da dançarina. Eles iam acalmando a vista e o coração, de quarteirão em quarteirão”.

“A instauração de um espaço cênico em um contexto cotidiano possibilita uma ressignificação dos espaços da cidade”. É o que o curador de Artes Cênicas, Éden Peretta, acredita. “Ao assistirmos a uma intervenção teatral em uma praça, uma esquina ou uma ponte pelas quais passamos todos os dias de forma desatenta, temos a possibilidade de ressignificá-la, adicionando a ela um elemento extracotidiano, ou melhor, uma outra realidade possível.” Para

é muito mais próxima, acredito que o atravessamento da arte (como ela chega ao outro) é muito mais intenso. Os sorrisos e os olhares são, sem dúvida, muito gratificantes. O espaço urbano é cotidiano e comum a todas as pessoas. Com práticas artísticas acontecendo na rua, abrangemos um número maior de espectadores, chegamos a pessoas que não têm acesso ao espaço do teatro convencional, muitas vezes por falta de oportunidade, informação e, até mesmo, por hábito. Existe também uma quebra na rotina das pessoas, modificando a atmosfera de um dia comum”.

Ruas direitas, praças centrais, ladeiras, morro acima, morro abaixo, largos, igrejas, comunidade, pessoas, turistas, mentes, corpos. Foi assim que a edição 2014 do Festival invadiu as ruas e encheu de vida os olhos de quem estava por perto.

A artista Bernadete Fiorini, que faz parte da Cia Fiorini de teatro e apresentou um espetáculo de bonecos em plena Praça Tiradentes, conta que, quando teve acesso à temática do Festival Entrecorpos, ficou imensamente animada com a proposta. “Pelo fato de trabalharmos com teatro de rua, o contato é mais verdadeiro: mente com mente, coração com coração, corpo com corpo, arquitetura do espaço, estrutura palco”. Motivada com a perspectiva de trabalhar com o tema, Bernadete destacou a sintonia que envolve emocional, física, psicológica e ludicamente o público com a apresentação.

o curador, a percepção do espectador que vivenciou alguma experiência em determinado ponto do espaço urbano sofreu mudança. “A cidade nunca mais será a mesma”.

Flávia Gobato

O Festival toma as ruas


Foto: Bruno Arita

Foto: Bruno Arita

Foto: Biel Machado

Foto: Omar Lopes Foto: Omar Lopes

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Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Universos que se encontram: o Festival de Inverno ultrapassa fronteiras Fernanda Mafia

Foto: Elisa Rodrigues

Patrimônio Humano Grandiosas fotografias ocuparam as calçadas da praça Gomes Freire, carinhosamente chamada de Jardim, em Mariana. Apesar da sua dimensão, de 4m x 2m, talvez não fosse capaz de expressar o quão importante era o que estava retratado ali. O projeto Moradores - A Humanidade do Patrimônio Histórico, uma realização do coletivo NITRO + ALICATE, pretendeu fazer dos moradores das cidades os protagonistas de sua própria história e da sua cidade, em um movimento de valorização da identidade cultural e da memória. O processo começa com um convite às pessoas que desejam contar suas histórias. “No come-

ço, elas não entendem ou ficam com vergonha, mas à medida que vão falando (e se escutando), vão se empolgando e sentindo orgulho daquilo que estão contando. Sem perceberem, elas começam a sentir um orgulho imenso de pertencer àquela cidade”, conta Gustavo Nolasco, um dos autores do projeto, e “gaveteiro”, como são chamados os nascidos em Mariana. Em seguida, os retratos em preto e branco viravam grandes painéis ou iam parar em um “varal fotográfico” na cidade e, nesse momento, as pessoas eram como patrimônio da cidade. “Lutamos para que as pessoas tenham orgulho de sua história”, finaliza Gustavo.

Educar(te) Refletir sobre as funções da arte não é tarefa simples, porém, uma das suas mais nobres utilidades é a de transpor fronteiras e proporcionar encontros. Nesse sentido, o Festival de Inverno contou com ações que permitem a aproximação e a valorização do que Ouro Preto e Mariana têm de melhor: as pessoas. A Caravana Festival, que passou por 12 distritos, cumpriu seu papel de levar cultura e arte para além das cidades-sede, e o Festival com a Escola não apenas ofereceu oficinas para os alunos da rede pública, como também procurou ser um espaço de debate sobre docência. Dessa forma, o Festival se juntou aos moradores das cidades durante os 17 dias de evento, manifestando-se em espetáculos, música, fotografia, aprendizado e alegria. Levado pela Caravana Festival, o Festival de Inverno chegou, naquela tarde de 15 de julho, à Escola Municipal Sinhô Machado, em Santa Rita Durão, distrito de Mariana que fica a 35km da sede, fazendo com que o dia se tornasse especial. Antes mesmo de as imagens da exposição “Corpo e Revista Festival • ano 4 • número IV

Arte” estarem nos cavaletes, prontas para serem observadas, a curiosidade se fazia presente: “O que vai ter aqui hoje, tia?”, “Vai ter teatro?”. Já era o prenúncio de que algo mágico estava prestes a acontecer. Logo depois do almoço, em um piscar de olhos, o pátio da escola estava cheio. Era uma centena de crianças, algumas professoras e moradores do distrito que esperavam pelo palhaço Confusão e seu tradicional espetáculo de mágica “El Demonio de La Baraja”, deixando crianças e adultos curiosos com os truques de cartas de baralho e a multiplicação de garrafas. O espetáculo é pautado pelo encontro de troca de olhares, gargalhadas, e o desejo de ser, por um instante, “o assistente do mágico”. O que se percebe é que quem tem o controle da apresentação são as crianças. Professora e moradora de Santa Rita Durão, Elisângela de Carvalho garante que ações como a Caravana Festival contribuem na sociabilidade das crianças: “O distrito é carente de atividades culturais, e momentos como esses proporcionam

diversão. As crianças interagem e isso torna os alunos mais comunicativos”. Por fim, os curtas-metragens projetados na parede de uma sala escura encerraram a Caravana daquele dia. Sobre a influência da arte no processo educacional, o professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto Davi de Oliveira Pinto é otimista. “Uma pessoa que tenha espaço, tempo e estímulo para se expressar artística e culturalmente, a meu ver, tende a ficar mais ligada às coisas, a estabelecer mais conexões entre fatos, conceitos, procedimentos e atitudes. Quanto à sociabilidade, pode haver um forte estreitamento de laços afetivos na construção de objetos artísticos, na execução de projetos culturais”. O aprendizado por meio da arte também se fez presente no Festival com a Escola, com oficinas oferecidas exclusivamente para as escolas da rede pública de Mariana e Ouro Preto. Uma delas, a oficina de Pinhole, método em que se usa uma lata para produzir fotografias, foi ministrada pelos alunos

de Jornalismo e Letras da UFOP Marília Ferreira, Ana Clara Oliveira, Inaê Martins e André Jimenez, que buscaram instigar as crianças a um olhar diferente sobre o mundo em que vivem e sua própria ocupação do espaço. “Nossa proposta foi aliar a fotografia pinhole à educação visual das crianças, encarando o processo como uma forma lúdica e diferenciada de aprendizado, além de desenvolver o olhar crítico delas. Não focamos apenas o aprendizado relacionado ao processo da fotografia em si, mas a tudo que envolve a forma de encarar a própria realidade e o mundo que os cerca”, esclarecem os idealizadores do projeto “Mariana na Lata”. O Festival de Inverno possibilitou encontros e trocas consigo mesmo, com o outro e com o mundo, no momento em que universos distintos se unem a fim de transformar realidades. “As pessoas necessitam de arte e beleza. Quando você dá isso a elas, a retribuição vem em forma de alegria”, reflete Ewerton Martins, atendido pela alcunha Confusão. 29




Dos encantos de um velho novo Estado

Foto: Biel Machado

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Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Foto: Biel Machado

Tamara Pinho

Na linha que passa pela agulha de tricô, nos versos e nas notas musicais, nas fotos penduradas pelas esquinas, no sotaque do “Uai”. “Minas são muitas”, disse Guimarães Rosa. Rica em beleza, em história, em cultura, atrai milhares de turistas e desperta paixão em brasileiros e estrangeiros. No mês de julho, o Estado recebe um atrativo a mais, o Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana - Fórum das Artes. As cidades que abrigam o Festival, por si só, são sinônimos de Minas. Mariana, a primeira vila, cidade e capital de Minas Gerais, e Ouro Preto, famosa internacionalmente por sua arquitetura barroca. As fotos expostas no salão Diamantina do Centro de Artes e Convenções da UFOP revelavam Minas pelas lentes de amantes da fotografia. Da simplicidade da carroça na estrada de terra à grandiosidade da Catedral de Montes Claros, partindo das cidades históricas e chegando às metrópoles, o que prevalecia em cada clique era a facilidade de se encantar pela beleza do Estado. Em sintonia com as fotos da exposição Paisagens Mineiras - uma

ação do jornal Estado de Minas, estava o ateliê aberto Devoções, composto por trabalhos realizados por artesãs e bordadeiras de Ouro Preto e região. Nos lençóis com poemas que exaltam o Estado ou nos detalhes dos bordados, a cultura e a religiosidade do local se faziam presentes. As bordadeiras resumiram alguns dos principais traços da Minas do interior, o artesanato mineiro tão elogiado e que enche os olhos dos visitantes, com beleza e nostalgia. Além de belo, o trabalho das artesãs é de uma delicadeza única, fruto de meses dedicados ao ofício. Márcia Almeida conta que um tapete de arraiolo demora em média seis meses para ser confeccionado. “Às vezes, quem está de fora pode pensar que é muito tempo, mas se prestar atenção nos detalhes você vai perceber que cada tapete, além de ser peça única, dura a vida toda. Para nós, artesãs, seis meses é rápido para um produto que não tem validade”. Minas, que é berço de expoentes da música, da política e das artes, é cha-

mariz de artistas de diversas partes, como a cantora Juliana Cortes que, apesar de curitibana, em sua primeira apresentação em Minas Gerais, sentiu-se em casa com o clima acolhedor do local: “Minas tem isso de unir o histórico com o contemporâneo e deixar uma mistura gostosa que envolve e encanta os visitantes, além desse frio, que é bem parecido com o de Curitiba”. Para mineiro tudo é logo ali, Ouro Preto e Mariana são tão “pertim” uma da outra, com aproximadamente 12 km de distância, que com o Festival de Inverno essa distância parece nem existir. As atrações são divididas entre as duas cidades, o que contribui para que os visitantes sempre deem uma “passadinha” de lá para cá. O engenheiro paulista Paulo Castro estava com sua esposa Marcela Castro, na intervenção The Project: Todos Podem Ser Frida, em Mariana, quando ela o chamou para assistir a um filme que seria exibido ainda naquele dia em Ouro Preto. “Somos de São Paulo e consideramos Ouro Preto e Mariana lugares fascinantes”. O filme assistido

foi o documentário Estradas Gerais, que conta a história de caminhoneiros, motoristas e outras pessoas que percorrem as estradas do Estado, que possui a maior malha rodoviária do País. O filme também esteve entre as várias atrações do Festival de Inverno que se destacaram por levar ao público um pouco mais sobre Minas Gerais. O curador de Artes Cênicas, Éden Peretta, destaca a Caravana como outra forma de divulgar a cultura de Minas. “A existência da Caravana Festival, girando pelos distritos, também acaba divulgando as características e as especificidades das diversas comunidades que constituem essa pluralidade que denominamos de cultura mineira”. Ele acredita que o Festival propicia uma troca cotidiana e bidirecional entre os artistas e o público, tanto turistas como a comunidade de Ouro Preto e Mariana. A cultura mineira, ou a diversidade que compõe a cultura mineira, interage com as culturas do mundo que transitam pelas ladeiras históricas.

Mineiro de qualquer lugar Não é preciso ter nascido aqui para ser considerado mineiro. O “mineiro” está na alma de quem se sente assim e na acolhida das pessoas que, na generosidade e na simplicidade, fazem com que qualquer pessoa, independentemente de estado ou país, apaixone-se por Minas Gerais. A fotógrafa paulista Camila Fontenele foi convidada a expor seu trabalho durante o Festival e chegou sem conhecer muitas pessoas, mas foi embora cheia de novos amigos, o que a fez querer voltar em outras oportunidades. “As pessoas aqui são muito acolhedoras, amorosas, estou aproveitando a minha primeira passagem por Minas, mas não deu tempo de fazer muita coisa. Com certeza vou voltar para conhecer e aproveitar mais daqui”. Foto: Elisa Rodrigues

Revista Festival • ano 4 • número IV

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nverno • Ouro Preto e Mariana •

FÓRUM DA Anna Clara Antoun

O Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana é espaço-tempo de cultura, artes e diversas atrações musicais e cênicas. Também é espaço para debates e reflexões, reunindo professores, estudantes, coordenadores e estudiosos das áreas de patrimônio, música, audiovisual, educação, literatura, artes visuais e artes cênicas no Fórum das Artes. Em 2014, o Fórum promoveu cerca de 30 atividades, fortalecendo a cada ano a sua relevância como espaço de fomento às discussões acadêmicas em Ouro Preto e Mariana.

Foto: Elisa Rodrigues

De palestras a demonstrações de trabalho, toda a programação do Fórum focou no tema desta edição, o Entrecorpos, trazendo a reflexão entre a interação do corpo com a cultura, a arte, o patrimônio e a educação. A maior parte das curadorias possui sua vertente acadêmica no Festival, que compreende mesas de debate, seminários e palestras. O Fórum das Artes é o eixo do Festival e propõe novas questões a serem discutidas e redimensionadas a partir do fazer cultural em seu momento atual. Seu papel é ser também um espaço de crítica ao estado da cultura, visando ampliar as articulações das várias áreas dentro do Festival.

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A curadoria de Patrimônio, sob responsabilidade do Iphan de Ouro Preto, concentra boa parte das suas atividades no Fórum das Artes. Com o Seminário Corpo e Patrimônio Cultural, que é um ciclo de debates dedicado à reflexão das relações entre expressão artística, técnicas corporais, práticas rituais e gênero nas culturas populares, buscou também ações que promovessem um diálogo mais direto entre o patrimônio, o corpo e a cidade. A historiadora Simone Fernandes, curadora de Patrimônio, afirmou que o evento foi bem satisfatório: “Correspondeu bem à nossa proposta de promover debates que ajudaram os participantes na reflexão sobre as relações dos corpos como forma de saber dos bens históricos e dos

corpos nas suas expressões, de uma forma ampla e heterogênea”. Além das curadorias, integraram a programação do Fórum das Artes 2014 o 4º Encontro de Arte/Educação e o Fórum do Núcleo de Educação Inclusiva (NEI). Com o tema Corporeidades, Memórias e Encruzilhadas no Ensino das Artes, o 4º Encontro de Arte/Educação, que se constitui como mais um lugar do fazer científico, no qual pesquisadores apresentaram trabalhos e trocaram experiências sobre o desenvolvimento da Arte e da Educação no Brasil, contou com a participação de profissionais de diferentes áreas. O professor do Departamento de Artes da UFOP Davi de Oliveira Pinto ressaltou que “no encontro há um espaço destinado para a discussão da arte e da educação fora da Universidade, o que é muito relevante”. Pensando na temática contemplada este ano pelo Festival de Inverno, o Núcleo de Educação Inclusiva da Universidade Federal de Ouro Preto propôs um debate sobre aspectos relativos ao corpo das pessoas com deficiências, que muitas vezes são rejeitados na produção, difusão e socialização cultural. Apesar dos desafios a serem superados, o reitor da UFOP, Marcone Jamilson Freitas Souza, e a vice-reitora, Célia Maria Fernandes Nunes, destacaram na roda de conversa Entrecorpos: o lugar do corpo da pessoa com deficiência na produção que a Universidade é atualmente referência em educação inclusiva. A oferta de disciplinas que tratam da temática em cursos como Museologia, Letras e Pedagogia e a disciplina eletiva de Libras são exemplos de ações inclusivas. “O curso de Medicina manifestou uma demanda para aprendizagem de Libras, o que demonstra uma preocupação dos nossos alunos em proporcionar um atendimento de qualidade aos seus pacientes”, comemora o reitor.

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


AS ARTES

• Festival de Inverno • Ouro Pre

Fotos: Biel Machado

“O tema Arte/Educação precisa sair das universidades e ganhar os festivais e as ruas” Amanda Sereno e Flávia Gobato

Com o tema Corporeidades, Memórias e Encruzilhadas no Ensino das Artes, o IV Encontro de Arte/ Educação de Ouro Preto foi promovido dentro das atividades do Fórum das Artes. O evento, que aconteceu entre os dias 17 e 18 de julho, contou com a participação de profissionais de diferentes áreas. A ideia de incluir o debate sobre arte e educação no Festival foi do professor Flaviano Souza, curador de Artes Cênicas em 2010. “O evento insere no Festival de Inverno a discussão e a análise das práticas da Arte/Educação no ensino formal e não formal, por meio de palestras, debates e comunicações. Constitui-se como mais um lugar do fazer científico, em que pesquisadores podem apresentar seus trabalhos e trocar experiências sobre o desenvolvimento da Arte/Educação no Brasil”, afirma o coordenador geral do encontro em 2014, Emerson de Paula. Segundo um dos palestrantes, o professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Vicente Concilio, um modelo educacional foi criado no século XIX e é usado até hoje. É difícil mudar um pensamento e uma cultura herdada, mas é justamente por isso que as mudanças, pequenas que sejam, não ocorrem. Uma dessas possíveis mudanças é a discussão que o encontro propõe: ampliar a importância da arte, do corpo, das manifestações artísticas, teatrais e musicais na formação dos indivíduos. Essas manifestações estão diretamente ligadas ao corpo. Até um desenho nasce entre os corpos, passando primeiro pela mente e, em seguida, pela mão.

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A palestrante Adriana Batista, que é mestre em Terapia Ocupacional, falou sobre O registro imagético como representação plástica da memória e suas contribuições no processo de aprendizagem. A terapeuta exibiu um vídeo que mostra a evolução do homem, desde a época da pedra lascada até a atualidade. “Mesmo antes de existir a forma verbal da comunicação, os homens primitivos já se comunicavam por meio de registros”. Além disso, ela explicou que o distanciamento de experiências sensíveis com o mundo externo, como a falta de afetividade e de espiritualidade, leva o sujeito a procurar isso dentro de si. “À medida que o sujeito se distancia daquilo que pode dar a ele o potencial de descoberta das suas curas internas, ele vai se esvaziando desse sentido da vida”, afirmou. O encontro não se limitou a abrigar apenas palestras: promoveu também a intervenção artística do grupo de Câmara Doce Acorde Madrigal, na qual os integrantes tocaram tambores e cantaram no intervalo entre uma palestra e outra. “Eu gostei muito do Fórum das Artes e acho que o tema Arte/ Educação precisa sair das universidades e ganhar os festivais e as ruas, se aproximar da população”, afirma o estudante de Artes Visuais Gil Santiago que veio de Goiânia para ver, sentir e participar do Festival. Aumentar a visibilidade da arte no modelo de educação no Brasil é uma proposta oportuna e necessária, e esse debate deve ser fomentado para que avanços sejam conquistados.

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Oficinas: relações com o entorno Ana Elisa Siqueira Foto: Bruno Arita

Foto: Biel Machado Foto: Nathalia Torres

Foto: Biel Machado

Foto: Biel Machado

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Foto: Elisa Rodrigues

Foto: Nathalia Torres

Foto: Biel Machado

O Festival de Inverno se articula em três etapas: o momento de formação do público por meio das oficinas, o espetáculo propriamente dito, como a Caravana Festival e as apresentações de shows e peças de teatro e o pensar sobre arte e cultura proporcionado pelas atividades do Fórum das Artes. Divididas em curadorias de Música, Artes Cênicas, Audiovisual, Artes Visuais, Literatura, Patrimônio e Infantojuvenil, as oficinas são responsáveis pelo diálogo sobre o fazer artístico, entre iniciantes e pessoas mais experientes nas diversas áreas. No total, foram oferecidas 45 oficinas, incluindo as do projeto Festival com a Escola. O público pôde escolher entre as seguintes atividades: criação de composições audiovisuais, treinamento de atores, estudo de estilos de danças urbanas, improvisação em dança, construção de livro-objeto, desenvolvimento de olhar poético para o cinema, criação de stop motion, atividades criativas de desenho, modelagem, dentre outras. As atividades contemplaram o tema Entrecorpos. O reitor Marcone Jamilson Freitas Souza ressalta que o evento e, principalmente, as oficinas cumpriram sua missão institucional de transformar o que é desenvolvido na academia em cultura: “O Festival é um canal de comunicação entre a UFOP e a população. A ação possibilita a mediação e a interação entre os jovens das cidades e dos distritos com a Universidade”. O Festival com a Escola é um exemplo disso: 12 oficinas foram ministradas para alunos de escolas estaduais e municipais de Ouro Preto e Mariana. Ações como essa também proporcionaram o estreitamento da relação da comunidade acadêmica com a comunidade local. O coordenador geral do Festival, Rogério Santos de Oliveira, relata que a intenção foi trabalhar a relação dos corpos com os vários meios que eles possuem, ou seja, a cidade, as ferramentas da nova mídia, o corpo e as relações com o seu entorno e com outros corpos. “Foi possível concentrar atenção nas diferenciadas manifestações artísticas e culturais que tiveram o corpo como epicentro de suas reflexões e práticas”, conclui.

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Poéticas Amanda Sereno

Entre as mãos, entre os dedos, entre as letras, entre as vozes, entre as linhas. Entre todos esses corpos, a Literatura se fez presente desde a Idade Média até a atualidade. Antes, a escrita era feita em pergaminhos e lida em alto e bom som para que uma multidão ouvisse. Hoje, um pedaço de papel, uma tela de computador ou um tablet substituem esse pergaminho, e cada indivíduo pode ter a sua própria plataforma, tanto de leitura quanto de escrita. Para legitimar essa presença, o Festival de Inverno contemplou diversos debates e conversas sobre a atuação dos corpos na Literatura nos diferentes períodos da história. Um dos temas incorporados pelas atividades de Literatura foi a representação dos corpos nos textos literários da Grécia antiga e da Idade Média. Na mesa em que foi apresentada uma tradução de Pigmálion, do autor romano Ovídio, e a tradução de algumas novelas de Decameron, do autor do século XIII, Bocaccio, a curadora de Literatura, Cilza Bignotto, afirmou que “é muito importante haver esse bate-papo, justamente para popularizar a Literatura considerada clássica. O que parece ser difícil, chato e inacessível torna-se extremamente interessante e engraçado, em alguns casos. As pessoas percebem que, embora sejam de outra época, os textos podem ser atraentes”. A forma como os corpos homossexuais, negros e femininos são e foram representados na Literatura foi outra questão debatida nas atividades do Festival. De que maneira os personagens negros aparecem nos textos? De duas formas: ou no estereótipo de negra sensual, ou no da negra escrava ou subordinada, conta a professora que compunha a mesa O corpo à margem do cânone, Kassandra Muniz. O professor Adail Sebastião, que também participou da mesa, expôs como os corpos homossexuais são representados e não são

representados na Literatura. Além disso, falou sobre os rastros que esses corpos deixam e sobre como cada pessoa interpreta a presença (camuflada ou não) e a ausência (camuflada ou não) deles. “Ainda se carece muito de discussões, conversas e diálogos em torno da representação dos corpos homossexuais na Literatura. Esse tema é de grande relevância, sobretudo porque o alcance é amplo. E o evento, por ter um caráter extensionista, torna o debate mais popular e acessível, sem deixar de ter um olhar criterioso sobre o assunto”, relatou Adail. Também fez parte das atividades do Festival um fator muito importante no processo de produção de textos literários: a interpretação, a performance. A verbalização do escrito, o “fazer a poesia acontecer a partir do corpo”, segundo o professor Lúcio Agra, é essencial no processo de criação de uma obra. É possível ler o mesmo texto de diversas formas, com diferentes entonações, vozes e interpretações. Para provar isso, Lúcio, durante a sua oficina, leu poemas de todos os participantes e depois comparou a sua leitura com a do próprio autor. Foi possível notar a importância da performance e o poder de transformar que o corpo tem. Tudo está Entrecorpos. “Nós tendemos a crer que a leitura está descolada do corpo, mas, na verdade, nós lemos com o corpo. O que está no cérebro está dentro do corpo, portanto, conhecimento é corpo, leitura é corpo”, afirmou Lúcio. Os vários corpinhos que compõem um grande corpo, como as mãos, os braços, as pernas e os olhos, vibram todos em um só ritmo quando alguém lê uma poesia, por exemplo. Tudo está interligado. O corpo é a ação independentemente da época. Cilza Bignotto completou que “a possibilidade de fazer a diferença no mundo por meio da palavra e utilizando a voz, as mãos, o corpo, em geral, é fascinante”.

Foto: Nathalia Torres

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O corpo co O mês de julho é tradicionalmente marcado pela efervescência cultural nas históricas Ouro Preto e Mariana. Nesse período, as cidades coirmãs, também conhecidas pelo rigor da estação mais fria do ano, aquecem-se com a intensa programação do Festival de Inverno – Fórum das Artes. Em 2014, Entrecorpos foi a temática utilizada para pautar as atividades do evento. Nas telas, nos palcos e nas fotografias, em todas essas esferas, o corpo esteve presente e pôde ser apreciado das mais diferentes formas. “Entendemos o tema como a afirmação da diversidade na própria dimensão corporal. O corpo como epicentro da experiência da diversidade humana e como os espaços que possibilitam a relação do ser humano com os outros e com o mundo. Por isso, pensamos diferentes espetáculos e oficinas de teatro e dança, que buscaram afirmar o corpo como centro da experiência humana, essencialmente relacional”, destaca o professor Éden Peretta, responsável pela Curadoria de Artes Cênicas. Já Celmar Ataídes Júnior, da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop), responsável pela Curadoria de Artes Visuais, explica como o tema foi tratado nas atividades desenvolvidas pela área. “Apresentamos uma programação consistente, com exposições, residência artística, oficinas, intervenções e vivências, na qual se evidenciou o corpo diverso da produção e do pensamento artístico na atualidade. Convocando o público à experimentação, ao desafio e ao risco na interação com a arte para além dos espaços expositivos”.

Foto: Bruno Arita

Destaques internacionais:

corpos de outros continentes

Representantes da cultura oriental foram os destaques internacionais presentes nos palcos e espaços das duas cidades. Um deles foi o japonês Min Tanaka, 69 anos, que brindou o público com sua performance. O dançarino desenvolve um trabalho autoral em que afirma o corpo na relação de sua carnalidade com o espaço no qual habita. Em sua participação no Festival, Tanaka expressou a curiosidade em saber como é o corpo dos moradores da região. “Gostaria de sentir como são as pessoas que moram e vivem nas duas cidades históricas há mais tempo, como é o corpo de quem já se habituou aos morros e ladeiras, já que o ambiente e o cotidiano é que fazem o corpo”. Destacou as paisagens da região que achou simplesmente incríveis, dizendo que nunca havia estado em um lugar como este antes, com chão coberto de “pedrinhas”. Outro destaque internacional foi Rahul Acharya [foto], 30 anos, dançarino de Odissi - dança indiana milenar, proveniente do estado de Odisha - e estudioso do Natyashastra – considerada a bíblia do teatro-dança indiano. O indiano vem se afirmando como um dos mais talentosos e articulados representantes da nova geração de gurus do teatro-dança clássico indiano. “Tivemos um jovem representante de uma tradição cênica milenar e um experiente representante da ruptura com a tradição”, aponta Éden Peretta. O artista francês Daniel Hourdé, que pela primeira vez expôs no Brasil, trouxe para Ouro Preto a Paradise in Progress. Pinturas, desenhos e esculturas moldadas em ferro com características únicas copuseram o trabalho do artista. “Ele trata as questões do corpo, pensando na estrutura corporal ligada à precariedade humana. As limitações desse corpo são trazidas à tona nas obras”, detalha Celmar.

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Foto: Íris Zanetti

Múltiplos olhares para uma mesma história Crianças, mulheres, homens, jovens e adultos: não houve quem não se rendesse à proposta inusitada de Camila Fontenele, fotógrafa que trouxe para o Festival a exposição The Project: Todos podem ser Frida. O visitante teve a oportunidade de se transformar em um novo corpo, em outra pessoa: a importante pintora mexicana do século XX, Frida Kahlo. “Quando as pessoas estão vestidas de Frida, elas se transformam e fazem uma performance diante da minha câmera para se parecer com a pintora ou para fazer uma Frida diferente”, analisa. Sobre a reação dos participantes, Camila destaca: “O quanto a pessoa sabe a respeito da Frida interfere muito em como elas reagem. Muitas pessoas riem delas mesmas, outras dizem que o sonho é ser Frida. Com os homens, eu consigo quebrar um pouco o machismo, já que a maioria passa batom e coloca as flores na cabeça. É bem diversificado e tudo permeia em cima do permitido, de se permitir”, finaliza a fotógrafa. Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


omo instrumento para as artes Adriana Moreira

Artistas e espaços alternativos da região são valorizados

Foto: Biel Machado

Cenário para debates importantes

Quem veio de longe apreciar a programação ressalta a importância do Festival, como um todo, para as cidades que o abrigam. “O evento compõe o cenário de Ouro Preto e Mariana. A programação, que é acessível ao público, dialoga muito bem com o patrimônio cultural, motivando, inclusive, quem mora longe a sair de casa para curtir a programação. Sem dúvidas, um requinte a mais para essas duas belas cidades”, assinala o ator Peter Ricardo, que saiu de Campinas, em São Paulo, para participar de algumas atividades. A professora Leandra Ramim, de Sorocaba (SP), também acompanhou as atividades do Festival e aprovou a utilização de espaços alternativos, como o Morro da Forca, em Ouro Preto. “O que me trouxe aqui foi o espaço. E saber que ele está sendo usado para a arte. Fundamental o Morro da Forca ser utilizado para vários fins, ainda mais culturais. O Festival de Inverno foi fantástico, sempre agregando informações à comunidade ouro-pretana”, finaliza.

Estar em duas cidades históricas importantes para o País e, além disso, participar de eventos que ofereçam atividades interessantes. Foi dessa forma que a professora Mônica Nepomuceno, que também trabalha com mídias móveis, definiu as atividades do Festival. “O Coletivo Construtores de Imagem (CCI), do distrito de Cachoeira do Campo, faz um trabalho sobre corpo e cidade, com experimentação audiovisual. O Festival tem me inspirado para essa atividade. A apresentação do Min Tanaka, por exemplo, prendeu a minha atenção e me deu várias ideias para o projeto. Além disso, pude ver como o corpo se mistura com todos os elementos da natureza”. No Festival, o corpo foi usado como suporte para as artes, dialogando com todos os espaços, comunidades, palcos, público. “No meu entendimento, o corpo, ou nossa dimensão corporal, apresenta-se como sede de percepção e de ação do sujeito no e com o mundo. Entendemos o corpo também como patrimônio cultural até as grandes revoluções estéticas que as artes vivenciaram no século XX. Com a centralidade do corpo no pensamento moderno, podemos constatar uma inerente dimensão política na materialidade da vida. Nesse sentido, acredito que também os espetáculos e oficinas propostos por nossa curadoria buscaram contribuir com a ampliação desse entendimento do corpo, isto é, o corpo como fundamento da experiência, essencialmente tecido nas suas relações com o ambiente e com os outros corpos. Um corpo relacional que, paradoxalmente, ao afirmar a sua materialidade reafirma as dimensões abstratas que o compõe: a sua potência criativa, política e transformadora”, ressalta o professor Éden.

Teatros tradicionais, ruas e espaços alternativos foram utilizados para que o público diverso pudesse prestigiar os espetáculos, como sinaliza Éden. “As atrações foram representantes de altíssimo nível dentro de suas linguagens específicas - dança, máscaras, bonecos - oferecendo ao público diferentes possibilidades de fruição. O retorno do público foi excelente, tanto em um âmbito quantitativo quanto qualitativo: as pessoas frequentaram assiduamente todos os espaços, demonstrando grande satisfação”.

Foto: Biel Machado

Durante os dias em que o frio do inverno ganhou reforço com a programação do Festival, os artistas da região também tiveram o trabalho integrado à programação do evento. “O público pôde vivenciar uma programação que prestigiou os artistas de Ouro Preto e Mariana, além de artistas brasileiros e internacionais. Uma diversidade que ocupou galerias, ruas e fachadas das casas em diálogo constante entre a arte contemporânea, patrimônio, arquitetura e o corpo”, ressalta Celmar. Uma das artistas locais que integrou a programação do Festival foi a artista plástica Emiliana Marquetti. “Muito importante para o meu currículo e portfólio participar do Festival com essa comovente exposição. Muitas pessoas prestigiaram, dentre as quais pessoas representativas”, comemora. Foto: Íris Zanetti

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Foto: Biel Machado


Qual é a sua deficiência? Ana Elisa Siqueira

“Eu queria saber quem não tem deficiência neste mundo”, questiona Júlio César Francisco Gonçalves, deficiente visual que participou do Festival de Inverno. O Núcleo de Educação Inclusiva (NEI) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em parceria com o evento, buscou pensar quais são os espaços reservados para as pessoas que apresentam algum tipo de deficiência e qual a participação delas na sociedade - ou se há ausência dessa participação. O questionamento de Júlio Gonçalves salienta a discussão sobre os padrões do “diferente” e do “normal”, que reforçam o preconceito ao invés de promover a diversidade. Marcilene Magalhães da Silva, pedagoga do NEI e responsável pelas atividades do Núcleo, diz que a “diversidade tem que ser compreendida para ser 42

respeitada”. Ela acredita que o Festival atinge um público diverso e, por isso, é essencial pensar em estratégias que proporcionem o acesso às atividades, oficinas, fóruns e debates, mas, principalmente, que proporcionem acesso às informações. O Núcleo ofereceu duas atividades dentro do Fórum das Artes com objetivo de refletir sobre a sociedade como um todo: a oficina de audiodescrição Imagens que falam e a roda de conversa Entrecorpos: o lugar do corpo da pessoa com deficiência na produção, difusão e acesso a cultura. “Acredito que é a partir da inquietação que vamos avançar e buscar saídas para resolver os entraves e obstáculos que são postos na vida das pessoas que têm algum tipo de limitação, fazendo com que elas tenham acesso de fato à cultura e à educação” , afirma Marcilene. Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Acessibilidade para deficientes audiovisuais “Estou sempre sendo monitorado, mas a maioria das pessoas não tem noção de como guiar um cego”, confessa Júlio Gonçalves. Para aprender a maneira mais adequada de orientar as pessoas que o conduzem, ele participou da oficina sobre audiodescrição, ministrada pelo professor Francisco Lima, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que também é deficiente visual. O docente ensinou a traduzir imagens em palavras de modo que aqueles que não enxergam ou têm baixa visão possam entender o evento visual. A audiodescrição está prevista em leis, como a Lei 10.098 de 2000, o Decreto 5296 de 2004 e o Decreto 6949 de 2009. Em 2011, o serviço passou a ser obrigatório para as emissoras com sinal aberto e transmissão digital. “O problema é que hoje o serviço é oferecido apenas na TV digital e sabemos que ela ainda é para a elite brasileira”, lamenta Francisco. Para uma sociedade ser inclusiva, segundo o professor, é preciso uma mudança no comportamento das pessoas e o cumprimento das leis para que os deficientes tenham garantia de seus direitos: “Deixar de dizer para um cego o que está acontecendo em um dado espaço é excluí-lo, essa é uma barreira atitudinal que impede que o deficiente desfrute do bem maior que é o convívio social”.

Acessibilidade e cultura O Festival de Inverno tem como característica ocupar diversos espaços das cidades e dos distritos com exposições, intervenções, cortejos e apresentações em praças, ruas e museus. Considerando as particularidades de uma cidade histórica e suas passagens estreitas, ladeiras, calçadas e ruas com pedras escorregadias, são muitos os desafios de um evento nesse ambiente e grandes as dificuldades a fim de que o Festival se torne 100% acessível para quem tem uma limitação, seja ela temporária ou não.

Foto: Biel Machado

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Se não é possível adaptar ruas, calçadas e prédios de Ouro Preto e Mariana – em função da própria peculiaridade de seus relevos – museus, galerias de arte, teatros e cinemas podem ser lugares acessíveis, com a inserção de dispositivos para cada tipo de necessidade, além de inclusão na estrutura de atendimento de pessoas qualificadas para, por exemplo, guiar um deficiente visual em uma visita a um museu. A temática foi discutida durante as atividades do NEI e, segundo Gilson Nunes, professor do Departamento de Museologia da UFOP e diretor do Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas, o Festival está, ano a ano, incluindo ações dessa natureza e abrindo espaço para discussão desses temas. “Estamos avançando, mas precisamos avançar mais”, comenta. Porém, Marcilene Magalhães defende que é preciso estender essa perspectiva para além de uma oficina ou de um fórum, levando a discussão para toda a programação do Festival: “A pessoa com deficiência tem o direito de participar de qualquer atividade, não só naquela destinada a ela”.

Inclusão no Festival de Inverno Inclusão e exclusão são processos que não acontecem isolados. A construção de uma sociedade inclusiva pode ser demorada, mas algumas ações podem, pouco a pouco, alterar a realidade. Pensando nisso, o Festival de Inverno apresentou o Movimento Mergulhão, do município de Ferreiros, em Pernambuco, e a Cia Teatral Ueinzz da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como parte da programação. O projeto nordestino trabalha o resgate da cultura popular do interior pernambucano com crianças e adolescentes carentes. Durante o cortejo Cavalo Marinho, os cidadãos ouro-pretanos conheceram os ritmos afro-brasileiros, com destaque para o maracatu baque solto e baque virado. Michelle Brito, coordenadora do grupo, defende que as crianças devem ser inseridas e motivadas a participar de projetos culturais desde cedo: “Essa moçada que está

Foto: Nathalia Torres

aqui é prioridade para a cultura”. A vice-reitora da UFOP, Célia Maria Fernandes Nunes, explica que esse projeto tem o mesmo foco de ações desenvolvidas pela Universidade, e essa interação possibilita que o Festival não perca o objetivo de trazer a arte nas suas diferentes formas de manifestação. “Possibilita, também, o resgate de populações e grupos que muitas vezes estão excluídos”. Já o grupo Ueinzz tem como proposta a inserção daqueles que possuem transtornos mentais em atividades lúdicas. O grupo foi criado nos anos 1990 pelo professor e filósofo Peter Pál Pelbart, dentro do Núcleo de Estudos da Subjetividade da Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP. Peter diz que o grupo é composto por atores profissionais, loucos, terapeutas, filósofos, existências singulares e normopatas. Ricardo Gomes, coordenador executivo do Festival e professor do curso de Artes Cênicas da UFOP, elogia a forma como o grupo trabalha: “Eles estão em condição de igualdade, os ditos terapeutas e os ditos pacientes estão todos no mesmo barco, sem hierarquia”, destaca. Érika Inforsato é terapeuta ocupacional e faz parte da coordenação da Cia Teatral Ueinzz. Ela participou de um diálogo sobre a trajetória da Cia e da criação do espetáculo Cais de Ovelhas, apresentado no Festival. Na ocasião, um grupo do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Ouro Preto também integrou o debate, permitindo a interação e a troca de experiências entre os grupos. A inclusão é uma via de mão dupla, é dever da sociedade possibilitar acesso aos bens culturais, seja por meio de grupos organizados como o NEI ou ações isoladas, e a população excluída deve usufruir desses espaços de convívio social. “De repente, essa é a primeira vez de muitas que a gente vai se encontrar. Sempre participo de eventos como este e isso faz parte da inclusão. Eu me sinto incluído e as pessoas da nossa cidade estão me incluindo, elas sempre me convidam para esse tipo de evento”, finaliza o deficiente visual Júlio César Francisco Gonçalves.

Foto: Biel Machado

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Quando consultei a programação e percebi que a maioria dos shows seria instrumental, fiquei com um pé atrás. Eu, que me considero eclética, sempre me orgulhei de ouvir de tudo, menos músicas sem letra, que não pudesse cantar. Acreditava que, sem as frases, as músicas não teriam sentido. Caí do cavalo! Desde o primeiro show, do pandeirista Túlio Araújo, que tocou canções inspiradas em um viagem pelo mundo, inesperadamente tocou um pandeiro dentro de mim. Percebi que a música não cantada também fazia sentido. Também fazia meu corpo se mover inconscientemente. E quando eu chorei porque o Duo Qattus tocava violoncelo em conjunto de percussão, eu soube que podia sentir a música sempre, desde que fosse boa. Quando o corpo mexe sem querer ou uma lágrima cai sem você nem pensar, está a prova do que é sentir a música. Entrecorpos! Não há palavras, o corpo só fala. Você sentiu.

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Foto: Nathalia Torres

Foto: Íris Zanetti

Música para sentir: Bernardo Fabris, um dos curadores de Música do Festival de Inverno, define que a apreciação musical está ligada à experiência estética. A fim de proporcionar a ampliação do universo de referências musicais no Festival na modalidade de música instrumental, a curadoria quis que o público pudesse ter experiências musicais mais abrangentes, incluindo na programação produções de autores que nem sempre têm a oportunidade de se apresentar na região.

“A música instrumental, por estar dissociada do texto poético - ao menos de maneira flagrante - incentiva o ouvinte a apreciá-la através de outros parâmetros, nos quais a ação de recepção da música lida com o sensitivo de maneira íntima”, explica Fabris. Acreditando que o ouvir transcende os mecanismos da audição, o curador, que também é professor do Departamento de Música da UFOP, defende que, quando ouvimos, ouvimos com o corpo todo, inclusive com nosso arcabouço de experiências e referências de nossa própria história. Para ele, a música se insere como um agente entre os ouvintes, com o corpo reagindo de maneira íntegra na ação de escuta: “Nós nos tornamos também ‘corpos sonoros’ e essa ideia tem uma íntima relação com o tema do Festival deste ano, o Entrecorpos”.

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


a experiência estética do som Foto: Íris Zanetti Foto: Biel Machado

Carol Antunes

“A música é indissociável do corpo”, é assim que Guilherme Paoliello, também curador de Música do Festival, define a relação entre música e o tema do Festival: “O corpo é, ao mesmo tempo, o produtor do ato sonoro, aquele que toca o instrumento e canta, e também o receptor do som”. Segundo Paoliello, a recepção do som é fundamentalmente corporal, sendo assim, os ouvidos recebem o fenômeno sonoro que é codificado seguindo nossos padrões culturais de julgamento e apreciação. “O corpo reage ao som, vibra ao seu impulso”. Se cada indivíduo reage à música conforme seus padrões de julgamento, seus condicionamentos culturais e seu repertório, Paoliello argumenta que raramente alguém pode se tornar indiferente à música. “Ocorre que, muitas vezes, o que julgamos uma escolha individual ou gosto, trata-se de um condicionamento. Esse condicionamento é construído pela indústria cultural, que molda os gostos e restringe as escolhas. O que parece um ato individual de liberdade é um condicionamento coletivo, daí as semelhanças de comportamento frente a certas manifestações musicais”, acrescenta.

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O “sentir” em ritmos diferentes “Para você, o que é sentir a música?”. A pergunta suscitou dúvidas e trouxe dificuldade na hora de responder. Teve gente que falou que era inexplicável. Quando o corpo fala, a voz cala e a gente sente. Ao discutir o tema Entrecorpos, a programação do Festival discutiu a relação entre o corpo e a música e promoveu ao público espaços e momentos dedicados a sentir a experiência musical. Uma das atrações, Renato Borguetti Quarteto, com sua música instrumental, levou toda a praça da UFOP para um cenário do sul, onde o público podia se imaginar tomando um chimarrão no inverno. O Grupo Semente trouxe o samba da Lapa e o ritmo quente do Rio de Janeiro, dando ao corpo o impulso de se mexer. Já o Duo Qattus tocou mais que percussão e violoncelo: tocou a alma. Observando o público e as diversas formas do corpo expressar o que está sentindo,

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entre risos e ombros tímidos se mexend o,

cada qual teve seu jeito único de sent

ir. “A música está muito relacionada ao corpo, a como você está naquele mom ento em que ouve o som e o que faz com ele. Depende de como você está para sentir. Uma mesma música pode traz er sentimentos diferentes e isso tam bém sofre influência de quem está tocando e de quem está ouvindo”. É assim que Adriano Goyatá, baterista da banda Todos os Caetanos do Mundo define seu sentir a música. Profissional do mei o, influenciado pelo tropicalismo e pelas músicas de Caetano Veloso, Adr iano sente a música que toca e con fessa: “Tem um significado muito grande porque estou superenvolvido na obra dele”. Túlio Araújo, pandeirista que fez seu show de lançamento do CD East dur ante o Festival, falou também sobre sua defi nição do que é sentir a música: “Beetho ven era um cara que falava que a música ‘tá’ aí, a gente não cria a música, a gen te é apenas um canal por onde ela passa. Dep ende de como você está, se está preparado musicalmente, tecnicamente, de mau humor ou bom humor. A música entr a de um jeito e sai de outro. Isso acontece com todo ser humano, nós somos ape nas canais condutores da música”. Tocand o pandeiro como quem toca a felicidad e, Túlio toca de olhos fechados. Ficou claro que, naquele corpo, a música entr ou e saiu de um jeito bonito. Mais uma vez o corpo falou mais que mil palavras. Na edição 2014, muitos foram os grup os dedicados à música contemporânea , como o Grupo de Percussão da UFM G, o Abstrai ensemble e o Duo Qattus. Tais concertos tiveram o intuito de aguçar os sentidos do público e, para quem não

está acostumado a receber a música de maneiras diferentes das conside radas “normais”, a ideia da programação foi justamente expandir a linguagem mus ical. O corpo tentou entender a mensagem dos concertos que fugiram do cotidian oe a música provou que pode ser sentida até mesmo no âmbito de não saber o que sentir.

Fórum das Artes

Ao dar oportunidade a estilos mus icais que não são comumente ouvidos nas rádios, o Festival provou que o “diferen te” pode ser muito bom e bem aceito pelo público. O tema também foi explora do nas diversas mesas do Fórum das Artes, que debateu o fenômeno sonoro que afeta o corpo e ao qual nossa sensibili dade reage. Guilherme Paoliello explica que esse é também um fenômeno históric o, social, cultural, e por isso é campo de disputa ideológica. “O que a música expressa é uma visão de mundo, é um entendimento da existência que tran scende o significado das palavras”. Para o curador, a linguagem musical atua e elabora significados que podem ter uma dimensão terapêutica. Paoliello ex plica que a escuta do som é, ao mes mo tempo, um prazer e um trabalho, pois exige um esforço de atribuir significa do a uma linguagem abstrata, relação sim ilar à leitura de um livro, no qual o leito r reconstrói com sua experiência a hist ória proposta pelo autor.

Para você, o que significa “sentir uma m úsica”? , Ouro Preto Sheila Paiva, 28 etal, escuto heavy m eu o, pl em ex “Por úsica de escutando uma m quando eu estou que não nto uma prazer si eu o st go eu e qu u para outra di vo eu r, ve re sc de dá pra é sentir outra pessoa. Isso o ir v eu o, sã en m !” a música pra mim

Fernando Quin tino, 57, Belo Horizonte, designer gráfico

“Não há outra ar te que vá evocar tantas emoções como a música. D efinir o que é sent ir a música é o que vibra o co rpo inteiro, vibra na frequência do som. É o emocional, a mús ica te leva à lugares geniais, in imagináveis, é pu ra sensação, pura emoção!”

Tiago Borb a, 33, Porto Alegre, guit Mosh Lab arrista

da banda “Pra mim, se ntir a música é quando voc a música, que ê para de per ela faz tanto ceber parte da sua de percebê-la v ida que você ”. para

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rmino, Marcel Bela psicólogo

rizonte, 29, Belo Ho

do fato im, é ir além m ra p , ca si ú o da “Sentir a m ntido auditiv se o r ta en im er outros simples de exp imentar vários er p ex er od p ção”. música. É ouve uma can se o d n a u q os sentid

Rafaela Ribeiro , 26, Rio de Ja neiro, pedagoga estudante de T , erapia Ocupac ional na UFRJ “É você naquele momento, que vo cê está mais tris te, mais feliz, m ais alegre, e aque la música te toca. E quando você ouve ela te causa arrepi o”.

Depois da volta ao mundo em ritmos mu sicais inimagináveis, encerrei minha participação no Festiv al como outra pessoa. Depois de perguntar e ouvir tantas resp ostas sobre o que seria o tal sentir a música, fico com a resposta : ‘é viajar parado’. Simples assim. Até a próxima viagem. Depoimento de Carol Antunes Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Humano – O corpo delineado

Fernanda Mafia

O Festival de Inverno esteve Entrecorpos, e o corpo que historicamente foi classificado como objeto de pecado foi exaltado e elevado ao sublime. O que se viu em debates, exposições e apresentações foi a paixão pelas formas e possibilidades corporais, colocando a carne, o esqueleto e o espírito como epicentro das práticas e reflexões artísticas e da cultura. Corpo em metamorfose, que transforma a si mesmo e aos universos por onde circula Os movimentos precisos da dança indiana Odissi e a delicadeza do dançarino Min Tanaka ou os timbres, sons e frequências dos pandeiros de Túlio Araújo e do piano de Paulo Álvares, e as cores de Carlos Motta na exposição Great Finds, e de Emiliana Marquetti, em Partes do Corpo, fizeram da relação entre artista e público uma convivência simbiótica. Corpos dependentes, que se comunicaram pela linguagem da emoção e da arte para descobrir que o corpo pode modificar realidades. O corpo, nu e retorcido, tornou-se onipresente pelas mãos do francês Daniel Hourdé. As esculturas, expostas também na Casa dos Contos em Ouro Preto, ocuparam as ruas e por alguns dias fizeram parte da atmosfera barroca da cidade, em interação com quem passou por aquelas ladeiras. Paradise in Progress “trata as questões do corpo, pensando na estrutura corporal ligada à precariedade humana. As limitações deste corpo são trazidas à tona nas obras”, esclarece o curador de Artes Visuais, Celmar Ataídes Júnior. Já Emiliana Marquetti coloriu as Partes do Corpo para além da lógica e da razão. Em um trabalho marcado pela geométrica, a artista pinta o corpo e o espírito como elementos indissociáveis, e juntos formam o humano e todo o seu significado.

Constante metamorfose - O sentimento de transformação invadiu o Festival com as dores e cores de Frida Kahlo. Pelas mãos da fotógrafa e idealizadora do The Project: Todos podem ser Frida, Camila Fontenele, e da maquiadora Elaine Brito, o público pôde se encontrar na pele da artista mexicana e descobrir-se em identidades antes veladas. Camila conta que o projeto propiciou a ela “um estudo de como as pessoas se comportam interpretando outra”. Observando as fotos da intervenção, percebe-se pela expressão das pessoas que elas realmente encarnam a personagem. Acompanhada da intervenção a exposição de fotografias do projeto revela o lado sensível dos homens, que vestidos de Frida, vivem os fragmentos da vida e obra da artista: amor, dor, inteiro, cores e aborto. “Escolhi a imagem masculina porque naquele momento buscava retratar que os sentimentos de Frida também poderiam fazer parte do homem, e que ela por si só já representava muitas e outras pessoas”, esclarece Camila. As reflexões acerca do gênero, provocadas pela intervenção Todos podem ser Frida, também estiveram presentes no Fórum das Artes, na mesa Gênero, corpo e cultura popular. Compreender a influência das relações de poder gênero sobre as manifestações culturais, sobretudo as de raízes negras, é um movimento importante para a valorização desse patrimônio. Conhecer sua própria cultura também é um movimento de preservação, assim como para Frida Kahlo o autoconhecimento era uma forma de manter-se viva: ‘’Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor’’, registrou a pintora em seus diários.

Foto: Bruno Arita

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O mundo inf uma convers Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Flávia Gobato

“A criança enxerga a arte como extensão do corpo, como forma de expressão, como parte do mundo. Isso porque a arte não se expressa como algo distinto para a criança e sim como parte dela”, é o que afirma a curadora de Infantojuvenil, Juliana Bergamini. A programação da curadoria desta edição do Festival de Inverno contou com oficinas que tinham o objetivo de estimular o processo criativo, permitindo diálogo com toda a programação, ampliando a possibilidade de ser e fazer por meio do corpo e experimentando a arte em vários aspectos, como dança, criatividade, cores, formas e volumes. A curadoria buscou oferecer oficinas a partir do mesmo espetáculo apresentado, assim a criança ou o adolescente que assistissem ao espetáculo poderiam, posteriormente, realizar as mesmas atividades, mas com o próprio corpo. Essa foi uma forma de estimular os jovens participantes a realizar as diversas atividades produzidas pelos adultos. Gabriela Amaral, 14 anos, abriu um sorriso ao falar sobre a oficina Corpo e Objetos, entusiasmada: “Eu nunca pensei que poderia fazer bonecos com coisas tão simples! Sacolas e potes podem dar vida a personagens de todas as formas”. A oficina Corpo e Objetos - técnicas de animação de bonecos, objetos e figuras foi uma das cinco oferecidas pelo Festival ao público infantojuvenil. Ela faz parte da Cia Truks, cujo artista e ministrante Henrique Sitchin acredita que a criatividade é absolutamente natural para a criança. “A criança nasce muito mais corporal. Sua primeira infância é totalmente ligada ao corpo e aos cinco sentidos, diferente de nós, adultos, que somos seres totalmente racionais. A criança percebe o mundo por meio dos sen-

tidos, e essa relação corporal é extremamente saudável. Tem percepções muito interessantes. Nós voltamos à nossa infância para construir o espetáculo e mostramos que, nas artes, tudo é possível”. Bergamini explica que a criança passa por um processo de “(re)conhecimento” nas artes por meio do próprio corpo e do corpo do outro: “Nesse caso, somos múltiplos. Procuramos ampliar as maneiras como o corpo se apresenta e como a arte é produzida para atingir a todos. Além disso, procuramos desenvolver esses temas com espetáculos e oficinas na intenção de que as crianças conseguissem ver e produzir com o corpo, ser e estar no Festival, no mundo.” Valéria Rosa é dentista e trouxe seu filho, Bruno Rosa, pela segunda vez, para aproveitar as oficinas. Ela conta que, já na primeira vez de sua participação, notou que seu filho ficou mais espontâneo para algumas atividades. “Ele adorou participar no ano passado. Depois da oficina, notei que ficou mais criativo e proativo. Este ano, quem tomou a decisão de participar foi ele mesmo”. Bruno participou da oficina Corpo e Papel o corpo brincante, oferecido pela Cia Fiorini. As noções de sensibilidade e a percepção da criança em desenvolvimento foram pontos que a curadoria buscou entrelaçar de forma lúdica, permitindo que as crianças reconhecessem seus corpos no fazer artístico. Além disso, a curadoria conseguiu realizar apresentações livres no intuito de atingir os corpos das mais diferentes infâncias - de zero a 90 anos.

fantojuvenil e a arte: sa com o corpo Foto: Íris Zanetti

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Fotos: Camila Fontenele


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acional se tornou mineiro Fernanda Marques

Foi tomando um café que conheci o artista francês Daniel Hourdé e seu inglês arrastado. Simpático, sentava com as pernas cruzadas e o livro que reúne suas obras em cima da mesa. O cenário foi a Casa dos Contos, antiga prisão nobre de Inconfidentes e sede da Administração e Contabilidade Pública da Capitania de Minas Gerais. A singularidade de Hourdé podia ser notada pelo seu macacão de trabalho alaranjado, pelos grandes óculos amarelos e pelas suas meias coloridas com cada pé diferente do outro. A amabilidade do artista era percebida pelo seu sorriso, cordialidade e paciência com meu inglês que, com o nervosismo, se enrolou no início, mas, com a tranquilidade e a fluência da conversa, foi se tornando também solto e desenrolado. Daniel nunca tinha vindo a Ouro Preto mas se apaixonou rapidamente pela cidade. Durante a entrevista, seu olhar atravessava a janela, encantado com a grandiosidade e a beleza dos casarões da antiga Vila Rica. Ele riu quando perguntei sobre suas obras e a relação entre seu trabalho e o tema do Festival, Entrecorpos. Seu maior interesse era falar de Ouro Preto. Da comida, das ruas, das pessoas e da arte barroca. Em meio a tal encantamento, respondeu à provocação sobre o tema: “Minha ideia é explicitar a relação do corpo, da precariedade humana, da decomposição. Trabalhar e associar o corpo com a morte”. Para Hourdé, o cenário ouro-pretano é perfeito para essa discussão, especialmente pelas curvas do barroco, que são dramáticas e sensíveis. “Fiquei fascinado. Meu desejo é trazer outros trabalhos para serem expostos aqui: absorver mais da cultura de Minas e mostrar que, mesmo de países diferentes, esses trabalhos se completam, as culturas se completam”.

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Já a Índia trouxe para o Festival conceitos de suavidade, concentração, graciosidade, delicadeza e precisão nos movimentos das mãos, quadris e pernas. Rahul Acharya, conhecido como “O Dançarino Divino”, encantou o público que foi apreciar seu espetáculo. A unicidade da dança indiana foi impactante e bem recebida pelos presentes. Proveniente do estado de Orissa, no nordeste da Índia, a dança Odissi é uma tradição cênica milenar. “Trazer para o Brasil um pouco da minha dança é muito gratificante”, explicou Acharya. O dançarino acrescentou que, enquanto se apresentava, “a troca de olhares com o público se tornou uma grande inspiração”. Para ele, essa relação criou momentos em que a cultura se mistura de tal forma, que se torna uma só: “o sentimento é único”. Também na dança, a semelhança entre os movimentos do bailarino japonês Min Tanaka com a simplicidade do voo de um pássaro, atraiu a atenção. Mãos e braços trêmulos. Lentidão e determinação. Leveza nos pequenos detalhes. Ao pôr do sol, o palco de sua performance era o Morro da Forca. Em sua apresentação, nenhum movimento era coreografado ou predeterminado, e, por isso, a espontaneidade prevaleceu. Antes de cada apresentação, Tanaka analisa o local e o movimento que percebe a sua volta. Apresentar-se em Ouro Preto despertou sua atenção e trouxe questionamentos. A relação entre o corpo e os hábitos da cidade, principalmente: Tanaka surpreendeu-se com os morros e as ladeiras. “O ambiente e o cotidiano é que fazem o corpo”, afirmou, a respeito do dia a dia de esforço nas ladeiras da cidade.

Estrangeiro que se sente em casa Entre ruas, cores, cortejos e ladeiras, Monika Drankowska encontrou seu lugar. Com 23 anos, nascida em Gdansk, na Polônia, a estudante de Engenharia Civil tornou-se amante de Ouro Preto. É aluna de intercâmbio na UFOP e está na cidade há um mês. Foi acolhida na República Lumiar, casa antiga e pertencente à Universidade. A estrangeira já se sentiu em casa desde o início de sua estadia. Quis saber se ela teve a chance de conhecer museus, praças e igrejas da cidade, e me respondeu que sim: “Não sei se gosto tanto da arquitetura da cidade, mas aprecio muito a cultura daqui e a programação cultural. Ouro Preto tem coisa o tempo todo”. Monika ficou surpresa em ver como, em seus primeiros dias no Brasil, Ouro Preto recebeu tantas pessoas e tantas atrações culturais. No meio da conversa, surgiu a lembrança de uma situação engraçada: “Outro dia, saí de casa porque tinha que resolver coisas no centro. Me deparei com dois artistas em cima de pernas de pau. Achei lindo”. Era a intervenção do Festival de Inverno, Entre Passos. Ela se encantou. Ainda no ambiente das repúblicas, falemos da “caixinha de fósforo”. É essa a definição que a francesa Delphine Marie Tardif faz do seu quarto, na República Rebu em que mora, na rua do Pilar. O espaço é pouco. O quarto é pequeno e quase não se vê a cor das paredes! Delphine tem mania de colecionar objetos: mapas, fotos, embalagens, filtros do sonho, colares e frases. Tudo colado ali. O sentimento é de claustrofobia, mas ela já se acostumou: são pedaços da identidade e da vida de uma jovem que nasceu em Nancy, na França, ama viajar e fala cinco idiomas, com apenas 22 anos. Veio para Minas passear, agora mora. Estuda Engenharia Geológica na UFOP e, em sua foto de perfil nas redes sociais, está vestida de Frida Kahlo. “Foi muito divertido participar da instalação Todos podem ser Frida. Foi incrível ter a chance de me vestir e me sentir um pouco da mulher que ela é”, contou sobre a experiência. Delphine ama Minas Gerais. Sente que suas histórias estão entrelaçadas. 53


O digital na relaçã Distâncias que aproximam

Com a evolução tecnológica, o mundo tem se tornado cada vez mais digital e, com isso, homem e máquina se tornam mais integrados. Um dos principais exemplos dessa evolução é o celular, que segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), alcançou, no ano de 2013, o número de 267 milhões de aparelhos ativos no País, ou seja, a quantidade de celulares vendidos já supera o número de habitantes, cerca de 202 milhões. Já a rede social Facebook, uma das principais empresas no ramo da Internet, chegou em 2014 ao impressionante número de 1,23 bilhão de usuários ativos, que acessam suas contas pelo menos uma vez ao mês, valor que equivale à população da Índia, segundo país mais populoso do mundo. Se, por um lado, a tecnologia une e encurta as distâncias, por outro, a facilidade de interação pela rede diminui os contatos e encontros corpo a corpo. No Festival de Inverno, a exposição Estamos onde não estamos, da artista plástica Flávia de Macedo, trouxe à tona essa reflexão. Mesmo não sendo a ideia inicial da autora, sua obra, composta por 20 imagens de experimentações na área da 54

biodança, demonstra a fragilidade dos conceitos de próximo e distante. Por meio dos intérpretes Marcela Cavallini, Déia Carpanedo e Vinícius Cavatti, que apresentaram seus corpos e vestuários em forma de rede, foi possível interpretar o quanto as vidas estão adaptadas ao virtual, costuradas em redes que, de alguma forma, acabam se encontrando no mundo. O encontro dos corpos no mundo digital foi um fato notado pelo antropólogo argentino Jorge Godoy, que visitava a exposição: “Achei tudo muito interessante, passando inclusive pelo tema do Festival, Entrecorpos, que nos ajuda a pensar um pouco mais sobre as relações pessoais que só vão diminuindo com o passar do tempo. Podemos observar que, antes, o contato pessoal era bem maior e as pessoas se encontravam com muito mais frequência para conversar e compartilhar ideias. Com o passar do tempo e o avanço da tecnologia, essa relação diminuiu e, se não fizermos nada, a tendência é que diminua cada dia mais”. Além do contato pessoal, outro fator afe-

tado pelas novas tecnologias digitais é a relação entre o tempo e o espaço, aponta Flávia de Macedo. “É só olhar ao redor e perceber a quantidade de gente com o rosto voltado para o celular ao invés de curtir os encontros. Acho que essa necessidade de controle, quando excessiva, nos faz perder o acesso ao que Deleuze chama de intempestivo. Ficamos surdos e cegos diante das coisas, das cores e dos sons. Ficamos correndo o tempo todo, com uma sensação ruim de que nunca teremos tempo suficiente para tudo que o mundo nos oferece”. A autora da exposição que discute os lugares e não lugares ainda fala sobre o processo de coexistência do analógico e do digital: “Não vejo como uma substituição de um pelo outro. Existem muitos modos de existência, não é toda população da Terra que vive a mesma relação de tempo e espaço. Trabalho diretamente com uma população que passa ao largo disso tudo. Mas acho que a principal diferença é essa relação com o tempo das coisas, o analógico, um tempo mais estendido, enquanto no digital tudo é mais rápido e simultâneo”. Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


ão Entrecorpos

Foto: Biel Machado

Aldo Damasceno

Cinema e tecnologia Coordenada pelo professor Adriano Medeiros, a Curadoria de Audiovisual trabalhou com o cine-tronco, que tem como características ser um cinema com corpo próprio, versátil e elástico, que trata da vida da ficção e da realidade. A partir desse conceito mestre, a programação audiovisual foi ampliada, contando também com a instalação Sentidos e virtualidades - Desenvolvimento de ambiente perceptivo ficcional a partir de modelo 3D, desenvolvida pela empresa 8E7 Mídias Interativas. “Nessa edição, aumentamos a programação de forma significativa, em termos de quantidade e qualidade. Uma das iniciativas de destaque nesse caminho de aproximação com o espectador cinematográfico foi a instalação Sentidos e virtualidades. A atividade, desenvolvida em 3D, mesclou elementos de percepção por meio de realidade virtual, na qual atendemos individualmente cerca de 60 pessoas por dia”, destacou Adriano. Para criar a sensação de uma experiência real em alto mar, o ambiente construído na Casa da Baronesa, em Ouro Preto, contou com recursos físicos e cinematográficos. Descalços e vendados, os parRevista Festival • ano 4 • número IV

ticipantes da atividade pisavam em uma lona colocada no chão e, em seguida, passavam por colchões infláveis. Após vestir um colete salva-vidas, dentro de um bote, colocavam o óculos de realidade virtual. “Foi uma experiência única e uma sensação muito real. Estamos acostumados em acreditar apenas naquilo que vemos, então, a partir do momento em que vendam os nossos olhos, perdemos esse sentido, e aí somos obrigados a confiar nos outros sentidos, principalmente no tato”, declarou o acupunturista de Uberlândia, Marco Antônio. “Ao pisar na lona, a sensação é de que você está no molhado, e depois, passando pelos colchões, perde-se o equilíbrio, criando instabilidade. Com o colete, a expectativa aumenta, e, já com os óculos e dentro do bote, você vive a realidade de estar em alto mar. É uma sensação incrível, que você não sabe o que é ficção ou realidade”, descreve a estudante de Dança da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Camila Oliveira. As influências da tecnologia aparecem também nas produções cinematográficas, como observa o professor de História do

Cinema da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Nazario, que apresentou o debate O corpo disforme: o monstro humano no cinema durante o Festival de Inverno. Para ele, a tecnologia tem influência direta no cinema, desde a filmagem das cenas até a escolha dos personagens: “Antes, quando havia menos recursos, as cenas de monstros não eram tão explícitas, na verdade, quase não havia, e isso exigia muito da imaginação. Porém, com o passar do tempo, a computação gráfica tornou possível assistirmos a algumas imagens, como por exemplo, uma transformação completa de um lobisomem em uma cena limpa e totalmente sem cortes”. Para Nazario, é possível perceber que os monstros do cinema têm uma ligação direta com o seu tempo, e a tendência é de que estejam cada vez mais inseridos na sociedade: “Consequentemente, os corpos desses monstros no cinema são modificados, havendo a possibilidade de que, futuramente, alguns filmes tenham robôs ou até mesmo algum tipo de dispositivo como personagem atuando”, finaliza. 55


“Para quem tem fé a vida nunca tem fim”, O Rappa

Foto: Nathalia Torres

Um sentimento que transcende Ana Elisa Siqueira

Welliton Rubens Severino da Silva é de Lagoa de Itaenga, Pernambuco, lugar onde religiões distintas se encontram: “Cultivamos a mãe Jurema, que simboliza a Terra, o Céu, o Ar e a Água, dentro do maracatu, que tem o Santíssimo, que é a fé em Jesus. O Santíssimo é da Igreja Católica, somos todos católicos, temos fé em Cristo”, explica. Já nas cidades que recebem o Festival de Inverno, as igrejas católicas do século XVIII predominam na paisagem, e a maior parte da população se diz seguidora dos preceitos católicos apostólicos romanos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, dos 54.219 marianenses, 43.038 se declararam católicos e, em Ouro Preto, 58.235 são católicos num total de 70.281 cidadãos. Os templos que compõem a arquitetura barroca das cidades mineiras atraem turistas de todos os 56

cantos e seguem em destaque nas rotas turísticas. Welliton aproveitou a vinda ao Fórum das Artes para conhecer a cidade como turista. “Eu não sou muito de olhar a arquitetura, eu acho muito lindo isso tudo, muito criativo, mas eu venho às igrejas mais pela fé”, conta.

o mundo pode ser melhor de acordo com aquilo que você faz”, explica Maurício. “A santidade do padre passa justamente por ele perceber que seria muito cruel banalizar a fé das pessoas, porque no fundo ela é o consolo para muitas coisas, como a morte”, completa Sandra.

Pensando em abordar esse viés religioso arraigado na cultura local, o Festival propôs algumas atividades que exploraram a relação do indivíduo com o divino. O teatro de bonecos São Manuel Bueno, o mártir, do grupo Sobrevento, por exemplo, levou para os palcos dilemas de Dom Manuel, um padre que carrega como estigma a dúvida de sua fé e da existência de Deus.

Maurício descreve que o grupo não tinha certeza se o público se envolveria na história devido à técnica de usar esculturas fixas, bonecos para a encenação, mas acabaram percebendo que “as pessoas se envolvem, se emocionam e, em nenhum momento, a discussão religiosa fica em voga”. O grupo atribui esse resultado ao sentimento que, de alguma forma, está presente em todas as pessoas, crenças e credos. “Acreditar nas coisas que fazemos, que criamos e que mantemos. É isso que eu acredito que seja a fé”, diz Welliton. Para ele, a relação do ser humano com a espiritualidade é muito forte: “É um grande sentimento, é a fé que nos conduz”.

Sandra Vargas e Maurício Santana, protagonistas da peça, destacam que o debate vai além da religião. “Acredito que envolva questões mais humanas, como a fé nas pessoas e a fé de que

Festival de Inverno – Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2014


Foto: Íris Zanetti

A noite pulsa Carol Antunes

O céu rosa do entardecer do inverno escurece para deixar a lua ser a luz da noite pulsante de Ouro Preto e Mariana. O frio estava presente, mas a energia das pessoas fez com que casacos e cachecóis fossem apetrechos meramente visuais, pois a alma estava quente. Misturando todos os estilos, como samba, soul, rock e black music, a noite pulsou no Bar do Festival, e teve música para ser sentida, dançada, gritada. Teve luzes piscando levando o público para um universo paralelo, onde o que importava era a diversão. Teve uma magia em que pessoas de todos os lugares puderam se encontrar em um eixo em comum. “Acho que a palavra energia resume a noite do Festival. Energia é isso!”, foi assim que Bruna Letícia dos Santos, 24, estudante de Engenharia Geológica da UFOP, definiu sua experiência noturna no Festival de Inverno. Para ela, a oportunidade de “viver” Ouro Preto sempre foi uma experiência fantástica, principalmente neste período do ano em que todos se permitem sair das casas e sentir a cidade, apesar do frio. “Sentir as ruas, sentir a arte, sentir a música, sentir a surpresa de quem chega aqui pela primeira vez e, inexoravelmente, se encanta. Tudo emoldurado pela arquitetura barroca e pelas paisagens imponentes de Minas. Não vejo melhor oportunidade para sair da rotina e viver a cidade intensamente”, conta. Após participar de várias noites no Bar do Festival, Bruna se apaixonou pela banda Todos os Caetanos do Mundo. Para ela, a energia da banda ecoou pelo galpão do Centro de Artes e Convenções da UFOP, envolvendo a plateia. Da mais antiga à mais nova melodia, não faltou movimento, não faltou som, não sobrou ninguém parado: “Até quem não conhecia a música toda vibrava no refrão famoso. Sensacional!”. Bruna confessa que nem o frio, nem a garoa impediram que as pessoas se entregassem por inteiro a cada atração. “A noite ouro-pretana tem uma energia singular. Arrisco dizer que a pulsação ocorre universalmente, como se todos estivessem conectados. A noite é vibrante, e mais, contraria os termômetros, é quente”, finaliza. Também estudante da UFOP, Eutiquio Fonseca constata que, além das tradicionais festas republiRevista Festival • ano 4 • número IV

canas, os estudantes, moradores e turistas têm uma oferta muito grande de vida noturna pra esquentar o frio durante o Festival. “O evento traz um clima diferente para as cidades, as pessoas parecem absorver o espírito cultural do Festival e até as festas republicanas mudam, até o Caem muda”, declara, referindo-se ao Centro Acadêmico da Escola de Minas que, no mês de julho, promove o Conexão Caem Festival, uma programação paralela de shows de pop rock nacional. Definindo em uma frase o que é a noite do Festival, ele diz: “É um momento para sair da rotina e se divertir em uma cidade que está respirando arte”. Frequentando o Bar do Festival, Eutiquio encontrou atrações variadas, ouviu samba-rock, música mineira, pop rock e assegurou que beber um chopp ouvindo uma boa música ao lado dos amigos e gente bonita é sempre bom. Para os moradores de Ouro Preto e Mariana que têm poucas opções de festas, o Festival chega para ampliar os horizontes. Larissa Marques Vidigal Lana, 22, e Thiago Souza Dias, 27, têm, em comum, Ouro Preto como berço. Ambos foram incentivados a participar do Festival desde pequenos. Larissa acredita que a noite do Festival é uma boa forma para interagir com turistas, estudantes e moradores, conhecendo pessoas com estilos diferentes e trocando conhecimentos. “Desde que começou o Bar do Festival, eu vou todo ano. Acho um ambiente agradável para sair com os amigos e conhecer pessoas, além de ter sempre bons shows e ser mais uma opção para a noite. Como eu sempre ouvi dizer, a noite em Ouro Preto é especial. Principalmente no Festival de Inverno que tem opções para gostos variados. A cidade tem mais do que uma certa magia. Ouro Preto é a própria magia”, confidencia. Thiago vê o Festival como uma forma de as pessoas interagirem e verem que a UFOP tem muito para oferecer à cidade. Neste ano, assistiu a dois shows de rock e um de MPB e, para ele, o ambiente é propício: “As sensações foram ótimas, saí de lá satisfeito pela diversão e o lazer”, revela. Para quem veio não de muito longe e pouco conhecia o Festival ou até mesmo as cidades-sede, a surpresa foi boa. Sílvia Trindade, 27, é de Belo Horizonte e nunca tinha participado de um Festival de Inverno. Vindo na companhia de três amigos,

eles conheceram a magia do Festival e tiveram a oportunidade de interagir com pessoas de culturas diferentes. “Foi a primeira vez que viemos. A energia da cidade já é apaixonante em dias comuns e, durante o Festival, com tanta música e gente alegre, fiquei ainda mais encantada. Adorei o Festival e pretendo voltar mais vezes”, conta. Os primos Ariane Diniz Silva e Júnior Lima, ambos de 28 anos, vieram de longe para conferir o inverno mineiro. De Sorocaba, interior de São Paulo, eles chegaram animados e preparados. Curtiram o Bar do Festival com a alma de quem se entrega pela primeira vez a algo desconhecido, mas, ao mesmo tempo, excitante. Conversaram com muitas pessoas, conheceram a receptividade do povo mineiro e até arrumaram um par de orelhas para esquentá-los. “A energia é contagiante, realmente a noite pulsa numa união de tribos muito bacana que torna a noite ainda melhor em Ouro Preto. A diversidade das pessoas que participam do Festival foi o que mais me fascinou”, descreveu Ariane. Júnior ratifica a declaração da prima: “Ficou evidente a interação social entre todos que, de alguma forma, se apegam uns aos outros, criando uma atmosfera de amizade e familiaridade”.

LINK: O BAR DO FESTIVAL Originalmente criado para ser um espaço onde a equipe que trabalha no evento pudesse se reunir e confraternizar, o Bar do Festival vem, a cada ano, firmando-se como um dos espaços mais badalados do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana. Montado no Centro de Artes e Convenções da UFOP, local onde também fica toda a infraestrutura de produção, comunicação, cerimonial, receptivo, logística e transporte, além da coordenação geral do evento, o Bar anima as noites frias do inverno ouro-pretano, com shows exclusivos que também valorizam as bandas locais.

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Falou o público

Pergaminho – Argentina “Achei tudo muito interessante, passando inclusive pelo tema do Festival que é o Entrecorpos, pois ele nos ajuda a pensar um pouco mais sobre as relações pessoais”. Eduardo Batista (bailarino) Ouro Preto – MG “O Festival é sempre interessante, principalmente pelos espetáculos que envolvem a pluralidade e o corpo. Além disso, trabalhar na campanha foi uma oportunidade única e especial”, declarou Eduardo, um dos artistas que estampou a identidade visual com imagens de corpos neste Festival.

Fernanda Amorim Malhado (professora)

Lysa Polimeni (estilista) e Sidnei Vargas (artista plástico), curtem o Festival com a família

Ouro Preto – MG “Participo de Festival há 3 anos, gosto muito do público, dos shows e dos espetáculos”.

Juatuba – MG “O Festival de Inverno é um dos pouquíssimos eventos que consegue reunir em um só lugar pessoas de diversas partes e diferentes culturas, com boas atrações e programação gratuita”. Radja dos Santos (Movimento Mergulhão) Ferreira – Pernambuco “Gostei muito do Festival. Foi muito bom poder ver as pessoas cantando e dançando com a gente. Gostaria muito de voltar outras vezes”.

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Marcia Yurie (estudante) São Paulo – SP “É a primeira vez que venho ao Festival e achei tudo maravilhoso. Acima de tudo, pude perceber que, além de trazer artistas e diversas atrações, o Festival contribui pra cultura dessas maravilhosas cidades”.

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Jorge Godoy (antropólogo)

“O Festival de Inverno agita as cidades de Ouro Preto e Mariana. Ambas precisam muito desse evento, que contribui trazendo coisas muitos boas pra gente”, destaca.

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“Viemos em um ônibus para aproveitar as atrações do Festival que, além de oferecer uma programação atrativa, traz uma estrutura e um espaço cênico muito interessantes para os nossos alunos”.

“Pra curtir o Festival, me programei pra vir e ficar uma semana na cidade de Ouro Preto, porém, são tantas atrações e atividades legais que já me arrependi. Deveria ter me programado pra ficar por muito mais tempo”.

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Rosana Pimenta (professora de desenho e atuação teatral do curso de Dança da UFV )

De Piraúba MG, morador de Mariana

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“Somos de Uberlândia e viemos a Ouro Preto pra curtir o Festival. Acabamos de chegar e já viemos direto pra Casa da Baronesa aproveitar o espaço de realidade 3D, que foi uma experiência única e sensacional”.

Rio de Janeiro – RJ

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Uberlândia – MG

Juliana Lopes (estagiária em Administração)

José dos Santos (auxiliar de serviços gerais)

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Marta de Moura Borges (empresária) e Marco Antônio (acupunturista)


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Universidade Federal de Ouro Preto


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