Jornal da UFOP | N. 198

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Jornal da Universidade Federal de Ouro Preto

Edição 198 - novembro e dezembroo de 2014

Consciência negra

Páginas 4 e 5 Foto: Elias Figueiredo

O negro na Universidade! Conheça as políticas de cotas e discussões sobre a importância do combate ao preconceito racial

Um espaço para escritores refugiados e pesquisadores visitantes

Prevenção: a luta contra a Aids continua

Riscos oriundos de resíduos da pedra-sabão

Pesquisa: ferramenta identifica spams em aplicativos

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Bicentenário de Aleijadinho: mito ou verdade?

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Entrevista:

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Kassandra Muniz: O negro na sociedade atual

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EDITORIAL 45 anos e muitos avanços para comemorarmos Em 2014, a UFOP celebrou seus 45 anos de existência enquanto Universidade e temos realmente muito a comemorar. Com os cursos tradicionais das Escolas de Farmácia e de Minas, fomos determinantes para o desenvolvimento de nosso País, sobretudo nas áreas farmacêutica e minero-metalúrgica. Várias das principais lideranças brasileiras nessas áreas passaram por nossos bancos escolares. Passamos à condição de Universidade ao aglutinarmos, em 1969, a Escola de Farmácia, com seu curso de Farmácia, a Escola de Minas, com seus quatro cursos (Engenharia Civil, Engenharia Geológica, Engenharia de Minas e Engenharia Metalúrgica), e o Instituto de Ciências Humanas e Sociais, com os cursos de História e Letras. Eram sete cursos de graduação e nenhum de pós-graduação. Crescemos muito desde então. Atualmente, são 46 cursos de graduação em todas as áreas do conhecimento, e 25 cursos de mestrado e 10 de doutorado em quase todas as áreas do conhecimento. Em relação a 2013, iniciamos cursos de mestrado em Artes Cênicas, Química e Matemática em rede nacional. Neste ano, submetemos à Capes propostas de cursos de mestrado em Direito, Comunicação e Engenharia Mecânica, bem como doutorado em Ciência da Computação e Engenharia Mineral. Tivemos o nosso primeiro Programa de Pós-graduação com conceito 6 pela Capes, o de Ciências Biológicas, o que significa desempenho equivalente ao alto padrão internacional. Fomos pioneiros entre as instituições públicas no Estado de Minas Gerais no Ensino a Distância. Formamos nessa modalidade até então aproximadamente 7000 alunos. Hoje, somos responsáveis pelo segundo maior número de matrículas de graduação na educação a distância. Contribuiu para essa conquista o fato de termos um conjunto de professores exclusivos para essa modalidade de ensino. Encaminhamos, de 2012 até agora, mais de 1000 alunos para intercâmbio acadêmico internacional, grande parte deles pelo Programa Ciência sem Fronteiras. Temos ampliado consideravelmente o número de convênios com instituições estrangeiras, em alguns casos firmando convênios que possibilitam a dupla diplomação. Passamos a emitir históricos escolares em inglês e com certificação digital. Fortalecemos o nosso Núcleo de Inovação Tecnológica e Empreendorismo (Nite), vinculado à Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação, procurando não somente registrar as ideias, mas também que elas se convertam em produtos, com a devida transferência de tecnologia para a indústria. Outra ação importante do Nite foi promover a cultura empreendedora na nossa instituição, por meio de programas de incentivo à inovação, de estímulo à propriedade intelectual nas empresas incubadas e aproximação com o setor produtivo. Essas são algumas ações que procuram colaborar para a melhoria da formação de nossos alunos. É preciso estar sempre em sintonia com o mundo para cumprirmos nossa missão institucional, a de formar pessoas mais qualificadas, que contribuam para o crescimento científico, econômico e social de nosso País. Agradecemos a todos os envolvidos nesses avanços: graduandos, pós-graduandos, docentes e técnico-administrativos. Juntos, conseguiremos evoluir ainda mais. Marcone Jamilson Freitas Souza Reitor da UFOP

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Espaço para liberdade literária Carol Antunes

Ouro Preto abrigará a primeira Casa Refúgio para Escritores da América do Sul. Com a carta de intenção assinada na abertura do Fórum das Letras 2014, a primeira Casa Refúgio para Escritores da América do Sul terá seu teto em terras mineiras. O espaço tem por intuito abrigar escritores perseguidos culturamente e já existe em vários lugares do mundo. Agora será a vez de Ouro Preto fazer sua parte e devolver a voz aos que não tiveram suas ideias aceitas. A Casa Refúgio para Escritores é idealizada pela International Cities of Refuge Network (Icorn), que é uma rede de cidades que abrigam os refugiados. No Brasil, ela tem o apoio da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), do Pen Clube, do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e da Casa Brasileira de Refúgio (Cabra) - fundada pela represente na Icorn no Brasil, Sylvie Debs. Carlos Magno de Souza Paiva, coordenador de Assuntos Internacionais da UFOP e responsável pela produção da carta de intenção, ressalta que “em um momento em que jornalistas estão sendo ameaçados e degolados em partes do mundo, é importante que a Universidade ajude na inclusão desses escritores”. Com o projeto ainda em andamento, a UFOP se comprometeu a ceder moradia e alimentação para os escritores. Inicialmente, a Instituição se dispôs a abrigar

um escritor - que será sugerido pela Icorn - por quatro meses em uma casa funcional da UFOP, localizada na rua das Flores. A casa Pesquisador da UFOP foi reformada a fim de hospedar pesquisadores visitantes, e uma de suas vagas será destinada a um escritor perseguido. Além disso, a Universidade apoiará o autor em atividades acadêmicas, minicursos e eventos, a fim de que ele tenha espaço para expressar suas ideias. Um nome cogitado para vir para a cidade barroca é Koulsy Lamko, do Chade, na África, que vive em uma casa refúgio no México. Uma iniciativa que garantirá a liberdade de expressão àqueles que se veem perseguidos por regimes políticos. Para Guiomar de Grammont, coordenadora do Fórum das Letras, a escolha de Ouro Preto para abrigar a residência significa a consagração da cidade no âmbito da literatura, como um grande símbolo da liberdade de expressão, uma tradição que vem desde a Inconfidência Mineira. “É uma emoção enorme conseguir uma disposição como essa, de acolher escritores que foram obrigados a deixar seus países por terem ideias contrárias aos regimes totalitários. Escritores, cuja única arma é a palavra, que foram obrigados a se silenciar por causa do autoritarismo. Isso a gente não pode permitir no mundo”.

Coluna do Museu Pirita (FeS2) Entre as coleções do Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas da UFOP, destaca-se a de minerais com mais de 20 mil amostras. O mineral pirita (Classe dos Sulfetos), devido ao seu brilho metálico e à cor amarelo-dourada, é conhecido como “ouro dos tolos”, pois muitos exploradores desavisados ao encontrar esse mineral supunham ser ouro. Um dos principais empregos da pirita é a fabricação do ácido sulfúrico, utilizado no refino de petróleo, em fertilizantes, tintas e explosivos. De forma geral, a pirita pode ser transformada também, a partir de processos hidrometalúrgicos e pirometalúrgicos, em produtos comerciais como sais de sulfato férrico. Excepcionalmente, o ferro da pirita pode ser usado na fabricação de aço. Os setores de Mineralogia, História Natural, Mineração, Metalurgia, Química e Física/Ciência Interativa do Museu estão abertos à visitação pública de terça a domingo, das 12h às 17h. O Observatório Astronômico funciona aos sábados, das 20h às 22h. O Setor de Transporte Ferroviário recebe visitação de terça a domingo, das 9h às 17h, na Estação Ferroviária de Ouro Preto do Projeto Trem da Vale. Já o Setor de Siderurgia, localizado no Parque

Foto: Leo Homssi

Metalúrgico Augusto Barbosa - Centro de Artes e Convenções da UFOP, atende ao público mediante agendamento. Escolas e grupos podem agendar visitas pelos contatos: (31) 3559-3118 e museu@ufop.br. Confira também o site:

www.museu.em.ufop.br

PUBLICAÇÃO OFICIAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO Reitor: Prof. Dr. Marcone Jamilson Freitas Souza

Coluna do Museu: Prof. Gilson Nunes

Vice-reitora: Profª Drª Célia Maria Fernandes Nunes Coordenador de Comunicação Institucional: Chico Daher

Núcleo Administrativo: Pedro Alexandre de Paula, Marco Antônio do Nascimento, Jeiniele Souza

Coordenadora da Assessoria de Comunicação Institucional:Verônica Soares

Revisão: Lucimar Mandes (Estagiária) Tiragem: 600 unidades

ACI: Adriana Moreira, Filipe Barboza, Rondon Marques

Impressão: MJR Editora Gráfica

Edição: Ana Paula Martins (MTb 12533) Bolsista Assistente do Jornal: Carol Antunes

Coordenadoria de Comunicação Institucional (CCI)

Projeto Gráfico: Mateus Marques

Campus Morro do Cruzeiro, Ouro Preto – MG – CEP 35400-000

Diagramação: Flávia Gobato, Ralf Soares e Mateus Marques

Tel: (31) 3559-1222/1223

Redação: Adilson Pereira dos Santos, ‘Adriana Moreira, Carol Antunes, Júlia Pinheiro, Fernanda Mafia e Tamara Pinho,

E-mail: aci@ufop.br

Colaboração: Aldo Damasceno, Ana Amélia Maciel, Ana Carolina Vieira, Ana Elisa Siqueira, Daniella Andrade, Daiane Bento, Gabriela Ramos, Luísa Campos, Ticiane Alves, Túlio dos Anjos

Site: www.ufop.br

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Aids:

a prevenção ainda é o melhor combate

“Todo mundo acha que não vai acontecer com a gente, mas quem tem vida sexual ativa está exposto ao risco” Carol Antunes

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids, ainda é uma doença sem cura. Apesar dos tratamentos que podem proporcionar aos infectados pelo vírus HIV boa qualidade de vida, a prevenção é fundamental. As famosas frases “comigo não vai acontecer” e “uma vez só não tem problema” são as maiores desculpas para não se usar o preservativo, o que dificulta o combate à doença. Segundo recente pesquisa do Programa das Nações Unidas para HIV e Aids (Unaids), o número de infecções com o vírus HIV aumentou 11% no Brasil entre 2005 e 2013, ao contrário de outros países do mundo que apresentaram queda nesse período. Em Ouro Preto e Mariana, a médica infectologista e coordenadora do Ambulatório-escola da UFOP, Carolina Ali, informa que não possui os dados de quantas pessoas têm o vírus, já que as duas cidades abrigam uma população muito flutuante. O número de estudantes naturais de outras localidades contribui para que não se saiba o número exato.

Fique Sabendo Para ajudar a diminuir essas porcentagens da pesquisa feita pela Unaids, Carolina Ali acredita na importância de campanhas para facilitar o acesso da população a exames e prevenção. Em agosto de 2013, por

exemplo, foram feitas orientações, testes e aconselhamentos com a campanha Fique Sabendo – uma ação do governo que incentiva a realização de testes de Aids e, por meio de propagandas, procura conscientizar a população sobre a importância do sexo seguro. Com a disponibilização de materiais do Ministério da Saúde, os testes foram realizados de forma rápida, com apenas uma picada no dedo e o resultado em 20 minutos. A docente e sua equipe estão empenhadas para que essa campanha volte a acontecer na Universidade, agora de forma permanente. “A ideia é montar aqui um serviço de referência, por meio de uma parceria da UFOP com o município. Estamos tentando viabilizar um serviço de atenção especializada, com o Centro de Testagem e Aconselhamento, onde toda pessoa que procurar poderá ser testada”, explica a médica. Hoje, o Ambulatório-escola da UFOP ainda não oferece à população o teste rápido, apenas encaminha para a Unidade de Pronto Atendimento ou à Escola de Farmácia para realizar os exames de sangue. Carolina acredita que esse tipo de exame não deve demandar um agendamento prévio, mas sim um tratamento de urgência. “O programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Ministério da Saúde já é bom e reconhecido no mundo inteiro, então acho que é preciso apenas criar centros novos, facilitando cada vez mais os testes para a população”.

Prevenção precoce Para a médica, outro método que poderia ajudar é uma abordagem mais multidisciplinar, com interação entre médicos de qualquer área e outros profissionais da saúde; a ideia é abordar o tema em todos os ambientes. “Todo mundo acha que não vai acontecer com a gente, mas quem tem vida sexual ativa está exposto ao risco. Eu acho que é fazer com que outros profissionais da área médica incentivem o teste. Ainda existe aquela visão de que falar na escola sobre o HIV estaria incentivando os alunos a terem relações sexuais. Temos que acabar com esse tabu. Nós sabemos, por índices informais, que o

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início da atividade sexual é em torno de 13 anos; a gente choca, mas aos 13 anos as pessoas nem sempre têm a informação que necessitam. E somos nós que devemos informá-los”, afirma. O exame deve ser feito sempre que a pessoa tenha estado em situação de risco, como sexo desprotegido, compartilhamento de agulhas e seringas contaminadas, transfusão de sangue e mães portadoras do vírus que podem transmiti-lo para o filho durante a gestação. Depois é avaliado o risco, e, se for alto risco, é indicado o antirretroviral, fármaco usado para o tratamento de infecções por retrovírus, principalmente o HIV, que ajuda a impedir a contaminação pelo vírus. É a chamada prevenção pós-exposição, mas não deve ser usada como substituto dos preservativos, no caso do sexo desprotegido. A pessoa tem até 72 horas para começar a tomar a medicação, mas preferencialmente deve acontecer nas primeiras duas horas. Por último, são pedidos os exames novamente após um mês, três e seis meses, respectivamente. A repetição é necessária pelo risco da janela imunológica, quando a pessoa pode ter contraído o vírus e o exame ainda não der positivo. Já com seis meses, o exame tem quase 100% de resultado correto. “A gente reforça sempre a questão do sigilo nesses exames. Todos que lidam com pacientes que têm HIV são orientados a não divulgar de forma alguma, nem para família, nem para namorado, nem para amigos”, garante. Carolina explica também que, toda vez que é feito o teste, a pessoa passa por um aconselhamento, tanto prévio quanto no pós-teste. No préteste, é falado sobre a questão do sigilo, os procedimentos no caso de positivo, as chances de dar falso positivo ou falso negativo. Depois do teste, o paciente é orientado, no caso positivo, sobre o que fazer, onde procurar o tratamento, as opções; no resultado negativo, o mote é sempre a prevenção.

Quebrando preconceitos No dia 1° de dezembro comemora-se o Dia Mundial da Luta contra a Aids, e as campanhas de conscientização têm um papel fundamental na luta contra o HIV também na redução do preconceito. “O foco é mostrar que qualquer pessoa pode correr o risco de infecção se tiver uma relação insegura, é tentar diminuir o estigma. Se eu tenho o vírus, não quer dizer que sou uma pessoa promíscua, mas que eu vacilei em algum momento e isso não

“As infecções com o vírus HIV tiveram um aumento de 11% no Brasil entre 2005 e 2013” me difere dos demais universitários e do restante da população. Devemos lembrar que a pessoa que vive com o HIV não tem cara de doente, são indivíduos saudáveis, e todos que têm vida sexual precisam se prevenir mesmo”, alerta a médica. É importante ressaltar que o HIV não é transmitido pelo beijo, toque, abraço, aperto de mão, divisão de toalhas, talheres, pratos, suor ou lágrimas. A forma mais comum de transmissão é por meio da relação sexual, sem preservativo com alguém infectado. O vírus só pode entrar no organismo via vagina, pênis, ânus ou boca durante o ato sexual, além do contato do organismo com sangue contaminado.

Projeto de extensão O Projeto de Extensão Ambulatório de Doenças Infecciosas e Parasitárias, coordenado por Sônia Figueiredo, professora da Escola de Nutrição da UFOP, trata os pacientes com Aids nas áreas de Farmácia, Psiquiatria, Ginecologia, Psicologia e Nutrição. Participam da iniciativa 37 pacientes, que são encaminhados para cada especialidade de acordo com a demanda, e cada uma tem um professor especialista junto a alguns alunos. Sônia conta que o objetivo do projeto é criar uma forma de assistir melhor os portadores das doenças infectoparasitárias na região de Ouro Preto, em especial o HIV. “Temos um banco de dados com todas as informações dos pacientes, que é alimentado pelos estudantes. Trabalhamos em conjunto e temos reuniões mensais para discutir os casos e artigos relevantes e mais recentes”, completa.

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Igualdade de Oportunidades Políticas afirmativas buscam a igualdade de oportunidades para os negros no ensino superior. Carol Antunes

A luta pela igualdade racial no Brasil tem no dia 20 de novembro um marco para as discussões de temas relacionados à inserção do negro na sociedade. Uma das medidas de maior impacto nesse processo, implantada há pouco mais de dois anos, são as cotas raciais e sociais. A chamada Lei de Cotas, sancionada em agosto de 2012, ainda gera discussões a respeito de sua validade e importância no contexto da atual sociedade brasileira. Há quem defenda e entenda o processo como um importante passo de remissão após os longos anos da escravidão no Brasil, mas a opinião não é unânime. Segundo o Censo da Educação Superior de 2012, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Brasil tem 103 universidades e institutos federais. Dentre essas instituições, 59 universidades federais e 38 institutos federais garantem e reservam 50% de suas vagas para alunos egressos de escolas públicas, negros, indígenas e portadores de deficiências. Dados de 2014 retratam que, em média, 20% das

vagas ofertadas a estudantes das universidades federais são para pretos, pardos e indígenas, que compõem um complexo sistema de políticas voltadas para a inclusão e para a igualdade de oportunidades. Para Felipe Freitas, coordenador do Plano Juventude Viva da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir), essa é “uma importante conquista de garantia de direitos e de igualdade de oportunidades”. Ele avalia que os sistemas de cotas já são vitoriosos e positivos para a afirmação da cidadania e da inclusão de pessoas negras. “No caso específico das universidades e institutos federais, os dados comprovam o êxito da política, que certamente tem contribuído para a entrada de pessoas negras em áreas do conhecimento nas quais a sua presença era bastante limitada antes da adoção das cotas”, explica. Taís do Rosário Aguilar faz Economia na UFOP e ingressou na Universidade por meio da cota para negros. “O passado foi extremamente injusto conosco [negros]. É necessário sim dar um suporte maior para nós, e a lei de

cotas existe para diminuir essa disparidade”, defende. Ela ressalta, ainda, que há uma porcentagem muito pequena de negros que frequentam universidades, e os negros são a grande parcela que estão à margem da sociedade e não possuem condições financeiras para custear um estudo particular de qualidade. “É necessário que todos entendam: não podemos tratar desiguais como iguais. A busca por correções históricas no País não pode ser vista como maneira de reafirmação do preconceito e sim como uma forma de diminuí-lo. Somente colocando brancos e negros em par de igualdade que poderemos exterminar o preconceito. Enquanto o branco for o patrão, e o negro, o servo, o preconceito existirá. Portanto, é fundamental que haja planos para construção de uma sociedade mais justa entre negros e brancos, e essa edificação só pode ser iniciada por meio da educação”, acredita a estudante.

59 universidades federais reservam 50% das vagas para egressos de escolas públicas, negros, indígenas e portadores de deficiência

Núcleo de Estudos espaço de Afro-brasileiros: reflexão Tamara Pinho

Desde 2008, o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFOP (Neab) promove atividades de ensino, pesquisa e extensão relacionadas à História Africana, à Cultura Afro-Brasileira e às ações afirmativas voltadas para a população afro-descendente. Sob a coordenação da professora do Departamento de Letras, Kassandra Muniz, o Neab funciona no Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) e conta com a participação de professores e alunos de diversos cursos. Trata-se de um núcleo existente em diversas Universidades e, segundo Aline Ruiz, colaboradora da iniciativa, a proposta de criação do Neab-UFOP veio em consonância com o surgimento dos consórcios de Neab no Brasil. “Os consórcios Neab surgiram com o objetivo de implementação de políticas de ação afirmativa e antirracista dentro das universidades brasileiras. A discussão sobre

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um Neab na UFOP começou ainda em 2006, mas só mais tarde as atividades foram iniciadas”. Kassandra Muniz conta que pela atuação do Núcleo os alunos acabam a procurando relatando situações que os deixam desconfortáveis, relacionadas a casos de racismo, por exemplo. “Não é um caso isolado da UFOP, mas isso revela que a universidade sempre foi pensada para um público muito específico de pessoas. A partir do momento que ela vai se democratizando por conta da inclusão da escola pública e também racial, os incômodos, as perguntas, os embates vão sendo mais frequentes, e eu acho que eles precisam ser mesmo. E o Núcleo é importante nessa discussão”, conta a coordenadora. Para conhecer mais sobre o Neab-UFOP e as atividades desenvolvidas no núcleo, confira o site www. neab.ufop.br.

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Negros no ensino superior Por Adilson Pereira dos Santos* Foto: Nathalia Viegas

O ensino superior brasileiro é marcadamente elitista. Ao longo de sua existência observamos que a presença de determinados segmentos ainda é residual. Nesse contexto, é profundamente crítica a posição dos negros.

* Doutorando em Educação (UFMG); Mestre em Educação, Cultura e Comunicação (UERJ), Adilson é pedagogo da Pró-Reitoria de Graduação da UFOP e participou do processo de implantação das ações afirmativas na Universidade. Foto: Ana Carolina Vieiro

Esse caráter elitista do ensino superior vem sendo alvo de críticas e é motivador de mobilizações na perspectiva da sua efetiva democratização. Intelectuais, organizações da sociedade civil e sujeitos em particular vêm questionando o fato de somente alguns indivíduos serem incluídos. No limiar do século XXI, tais mobilizações resultaram na concretização de algumas políticas públicas que coincidem com um momento em que organismos internacionais, como a Unesco, indicavam a necessidade de ampliação da cobertura educacional no ensino superior, sinalizando para a maior equidade. No Brasil, o Plano Nacional de Educação (PNE - 20142024), estabeleceu a meta de 33% de matrículas de pessoas de 18 a 24 anos. No que se refere ao acesso de negros no ensino superior, no ano 2000, Decelene Queiroz, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), identificou que o segmento se encontrava sub-representado em algumas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas. Esse trabalho foi emblemático e junto às orientações do Programa de Ação emanadas da Conferência de Durban, de 2001, contribuiu para subsidiar a defesa pela adoção de políticas de ações afirmativas, na forma de cotas para negros, nas universidades públicas.

Num curto espaço de tempo, várias iniciativas foram desenvolvidas nesse sentido, até que, em agosto de 2012, se deu a aprovação da lei nº 12.711 (Lei das Cotas), que estabeleceu as cotas sociais e raciais nas instituições de ensino superior, vinculadas ao Ministério da Educação. Antes dessa lei, as ações afirmativas eram uma realidade no ensino superior. Governos estaduais, IES, isoladamente, e o próprio governo federal, por meio do Programa Universidade Para Todos (Prouni), já procediam nesse sentido. Sendo assim, podemos afirmar que o cenário apontado pelo Censo Étnico-racial da UFBA vem passando por mudanças. Observamos que a composição étnico-racial do ensino superior brasileiro está sendo alterada. Os autores Calmon e Lázaro (2013) mostraram que, em 1997, os negros representavam 4% das pessoas de 18 a 24 anos que frequentavam ou já haviam concluído a graduação, índice que saltou para 19,8% em 2011. Considerando que a Lei das Cotas contempla a reserva de vagas para egressos de escolas públicas, pessoas de baixa renda, pretos, pardos e indígenas, em toda a rede federal de ensino superior e de ensino técnico de nível médio, a expectativa é que se amplie ainda mais o acesso às universidades e aos institutos federais de ensino por tais segmentos. Nossa avaliação em relação ao cenário atual é positiva, a universidade pública elitista está se tornando, aos poucos, mais parecida com o Brasil.

PEC-G Da África para o Brasil Júlia Pinheiro

O Programa de Estudantes Convênio de Graduação conhecido como PEC-G é uma iniciativa voltada para estrangeiros interessados em realizar estudos universitários no Brasil. A proposta é graduar cidadãos, preferencialmente entre 18 e 25 anos, de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos culturais e educacionais. Desde a década de 1970, a UFOP diplomou 107 alunos por meio do PEC-G. O programa não é exclusivo para negros, mas recebe um grande número de estudantes africanos. Hoje, a Universidade tem estudantes oriundos de países como Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde, matriculados em cursos de graduação e vinculados ao PEC-G. Segundo o Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP), o PEC-G se configura como uma atividade de cooperação que busca novembro e dezembro de 2014

contribuir para a formação de lideranças e de profissionais. A presença do programa na UFOP, além de proporcionar o intercâmbio de conhecimento entre os alunos, auxilia na internacionalização da Instituição. O PEC-G é desenvolvido pelos Ministérios da Educação e das Relações Exteriores, em parceria com universidades públicas e particulares. Informações sobre a atuação do Programa de EstudantesConvênio na UFOP podem ser obtidas na página da Pró-reitoria de Graduação (www.prograd.ufop.br).

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Os perigos da poeira da produção de pedra-sabão Pesquisa da Escola de Medicina da UFOP atua na prevenção, examina e trata pacientes com pneumoconiose Carol Antunes

Poucos sabem, mas a poeira de pedrasabão pode ser muito perigosa para os artesãos. Pensando nisso, a professora da Escola de Medicina da UFOP Olívia Maria de Paula Alves Bezerra desenvolveu uma pesquisa intitulada “Avaliação da pneumoconiose por exposição ao talco em trabalhadores da pedra-sabão”, uma doença respiratória causada pela inalação de poeira, mais especificamente denominada de talcose. O objetivo é acompanhar, examinar, promover a conscientização e, se necessário, tratar a doença da população exposta ao risco. “A ideia é não afastar o artesão do trabalho, mas afastá-lo da poeira, que pode ser minimizada ou eliminada do processo de trabalho”, explica. A pesquisa surgiu quando, em 1980, Olívia trabalhava no Senso Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, ao ver a situação de artesãos expostos à ameaça da doença, se incomodou muito com aquele quadro. Pensando nisso, decidiu trabalhar com o tema em seu doutorado “para tentar ajudar, de alguma forma, essas pessoas a se protegerem e a cuidar daquelas que já apresentam a doença”. No processo de construção de sua tese, que começou em 2000 e foi defendida em 2002, a docente fez contato com profissionais que já conheciam a doença, e, a partir disso, formou uma equipe interdisciplinar para que sua pesquisa fosse além do doutorado. A pesquisa foi incluída em um projeto de seguimento longitudinal dos pacientes junto a outros pesquisadores da UFOP, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do Fundacentro e, recentemente, da Université Lille Nord de France (Universidade de Lille, França). A pesquisa já dura 14 anos e tem como sua área de intervenção as comunidades de Cachoeira do Brumado (distrito de Mariana) Santa Rita de Ouro Preto e Cachoeira do Campo (distritos ouro-pretanos) e Mata dos Palmitos (subdistrito

“Pneumoconiose de uma doença respiratória causada pela inalação de poeira” 6

Foto: Carol Antunes

de Ouro Preto). “No momento, estamos trabalhando com essas populações, mas a gente vai aos poucos expandindo a abrangência”, conta a pesquisadora.

Segurança e saúde do trabalhador Desde 2000, acompanhando esse grupo de pessoas, Olívia explica que os exames são realizados anualmente ou a cada dois anos, dependendo da situação do paciente. Nesse exame, são feitos radiografia de tórax, espirometria (exame do pulmão), o exame clínico e alguns dos pacientes fazem o acompanhamento no Centro de Referência e Saúde do Trabalhador, serviço especializado na saúde do trabalhador da UFMG. “É uma população que vem sendo acompanhada do ponto de vista do atendimento clínico porque eles têm um histórico de exposição à poeira da pedra-sabão. Nossa preocupação também é com aqueles que estão expostos e ainda não desenvolveram a doença, para que possam ficar protegidos. É uma prevenção que está sendo trabalhada de uma forma muito intensa”, comenta. A professora descreve, também, que já foram feitas várias atividades de intervenção com a população em escolas das comunidades atendidas, explicando os riscos da exposição e como minimizar o problema. Algumas recomendações para diminuir a poeira residual são que os artesãos trabalhem sempre com a matériaprima úmida, evitando manejar a pedra

seca. Segundo ela, alguns trabalhadores até usam equipamentos de proteção individual, mas não são todos que utilizam e nem todos esses instrumentos são eficazes. Às vezes são equipamentos velhos e não têm a capacidade funcional ideal. “Muitos usam equipamentos improvisados, principalmente em relação à poeira, costumam amarrar um lenço no rosto, mas isso não oferece a proteção necessária para o trabalhador”. Rita Moraes da Silva (62) é artesã há 40 anos em Santa Rita de Ouro Preto e faz exames preventivos há seis. Tímida, como a maioria dos artesãos que participam da pesquisa, ela conta que usa máscara para se prevenir e que sabe do perigo do seu trabalho se não tomar cuidado. Rita pretende continuar fazendo os exames e declara que “é muito importante esse exame e não machuca nada”, ressaltando que os procedimentos são indolores.

Desdobramentos Olívia Bezerra explica que, nos resultados de 2002, em uma população de aproximadamente 180 pessoas, foram identificados 11 casos suspeitos com sinais radiológicos iniciais da doença e cinco comprovados. Ela afirma que, recentemente, foram tomografados alguns pacientes e 11 desses trabalhadores foram comprovados com a doença. Apesar do aumento, com o tempo e as novas tecnologias, foi ficando mais fácil

tratar e examinar os artesãos. Com isso, a professora conta que foi incorporada ao grupo de pesquisa, com o apoio da equipe da Université Lille Nord de France, uma tecnologia não disponível no Brasil até então, que tem uma capacidade maior de detecção da doença ainda no nível molecular, antes de qualquer sinal ser manifestado, o que possibilita a prevenção em fases iniciais. Quando são identificadas alterações nos exames, os trabalhadores são encaminhados para tratamento na rede municipal de saúde, por especialistas que trabalham na pesquisa da UFOP, ou para o Serviço Especializado de Saúde do Trabalhador (Sest/UFMG), também sob os cuidados de sua equipe.

“A ideia não é afastar o artesão do trabalho, mas afastá-lo da poeira, que pode ser minimizada ou eliminada”

Edição 198 - novembro e dezembro de 2014


200 anos da morte de Aleijadinho Professora da UFOP pesquisou a veracidade de informações relacionadas à vida do personagem histórico Fernanda Mafia

Neste ano, em 18 de novembro, completam-se 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, cuja história de vida foi difundida com peculiaridades misteriosas, de sofrimento e fé. O artista está profundamente ligado à cultura mineiras. Professora do Departamento de Filosofia da UFOP, Guiomar de Grammont dedicou sua tese de doutorado ao personagem e questionou as características ficcionais da biografia do artista no livro Aleijadinho e o aeroplano – O paraíso barroco e a construção do herói colonial, da editora Civilização Brasileira (2008). O primeiro autor a narrar a vida de Aleijadinho foi Rodrigo Ferreira Bretas, em 1856, de acordo com informações da nora do artista. Segundo Guiomar de Grammont, “essa história foi contada com aspectos fantasiosos,

muito inspirada na biografia de pintores como Rafael e Michelangelo”. Porém, baseando-se em uma cuidadosa pesquisa documental, Guiomar contestou essas informações e outras relacionadas à paternidade de Aleijadinho, a sua doença degenerativa e até em relação a algumas obras atribuídas a ele. “A figura de Aleijadinho foi agigantada e, dessa forma, outros artistas da época ficaram no anonimato”, esclarece Guiomar. A professora também aponta que existem diferenças acerca das figuras construídas sobre Aleijadinho, fundamentadas em “necessidades históricas”: “Bretas falava de um Aleijadinho branco, filho de pai português. Já o modernismo salienta as características de um homem negro, filho de uma escrava”. Apesar dessas oposições em torno da memória do artista, para a pesquisadora

Foto: Elias Figueiredo

“não restam dúvidas de que ele produziu obras incríveis”, como os Passos da Paixão de Cristo, em Congonhas, e a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. “A figura dele é muito importante para o

Brasil, já que muitos artistas e pesquisadores se interessam pela arte brasileira a partir das obras desse personagem tão interessante”, conclui.

Na luta contra os spams Pesquisa busca facilitar a identificação dos temidos spams, favorecendo a usabilidade dos aplicativos de localização Carol Antunes e Fernanda Mafia

Um aplicativo sobrecarregado de spam pode atrapalhar a experiência do usuário, prejudicar a sua confiança com o sistema e até influenciar a migração para outra mídia. Pensando nisso, a mestre pelo programa de pós-graduação em Ciência da Computação da UFOP Helen da Costa, desenvolveu a sua dissertação “Detectando avaliações spams em uma rede social baseada em localização”. Trata-se de um sistema automatizado que permite detectar publicidade em avaliações em redes sociais georreferenciadas, como o Apontador, plataforma para avaliar positiva ou negativamente locais como bares, restaurantes e pontos turísticos e deixar sugestões e comentários sobre o estabelecimento. Com o objetivo de facilitar a identificação desses spams, a pesquisa determinou três categorias: O “comerciante local”, que posta avaliações consideradas propagandas de estabelecimentos ou serviços relacionados com o local em questão; o “boca suja”, que publica avaliações agressivas sobre o estabelecimento, geralmente com palavras de baixo calão; e

“o poluidor”, que posta avaliações com conteúdo irrelevante ou não relacionado com o local, demonstrando ser um usuário inexperiente ou que não entendeu corretamente o funcionamento e o propósito da rede. “Toda a pesquisa pode ser facilmente adaptada para outro sistema social baseado em localização”, esclarece a pesquisadora, que também ressalta as vantagens oferecidas aos usuários e às empresas. Para os usuários, o maior benefício é a eficácia do aplicativo. “Com a eliminação das avaliações que são spams, o usuário

Edição 198 - novembro e dezembro de 2014

pode focar sua atenção naquilo que vale realmente a pena ler”, explica Helen. A empresa se beneficia, pois essa filtragem era feita manualmente pelos funcionários, já o mecanismo possibilita a detecção automática dos spams. Fabrício Barth, engenheiro eletrônico, foi o contato de Helen no site do Apontador. Ele mudou de empresa no decorrer da pesquisa, mas isso não fez com que deixasse de usar o aplicativo. Fabrício conta que, com o aplicativo desenvolvido no mestrado da UFOP, foi possível identificar melhor o comportamento dos usuários no

site www.apontador.com.br. “Essa melhor identificação tem inúmeras aplicações, entre elas: aperfeiçoar o processo de moderação do conteúdo no site. É possível transformar um processo totalmente manual em um método, no mínimo, semiautomático - o que permite ao Apontador reduzir custos e melhorar a experiência do usuário. Por meio dele, também foi possível identificar subgrupos de spammers e identificar usuários que não sabiam utilizar bem o site e seriam potenciais clientes para um produto do site”, explica Barth. PESQUISA PREMIADA – Neste ano, o trabalho da professora Helen ficou classificado entre as dez melhores dissertações do Brasil no Concurso de Teses e Dissertação do Congresso da Sociedade Brasileira de Computação. A pesquisa foi apresentada em Brasília, no mês de julho. O trabalho foi orientado pelos professores Fabrício Benevenuto e Luiz Merschmann, ambos da UFOP. Atualmente, Helen é professora no Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas (Icea), da UFOP, campus de João Monlevade.

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Foto: Túlio dos Anjos

ENTREVISTA

A tal consciência negra surge com tempo e dor Kassandra Muniz Carol Antunes

Com objetos e panfletos que refletem a negritude e uma foto do Mandela – líder sul-africano que lutou contra o processo de discriminação do apartheid, na África do Sul –, Kassandra Muniz tem a sala colada de orgulho e estampa sua busca pela consciência negra no Brasil. Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco, mestrado e doutorado em Linguística pela Unicamp. Na UFOP, é professora adjunta do Departamento de Letras, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) e do subprojeto Pibid História, Literatura e Cultura Africana e Afro-brasileira. O Dia Nacional do Zumbi e Dia da Consciência Negra são comemorados em 20 de novembro. Qual a importância de celebrar a data? O Dia da Consciência Negra, como todas as datas, é uma questão de simbologia, para que possamos nos lembrar da luta, da superação e das estratégias de sobrevivência da população negra até os dias de hoje. Alguns autores diziam que, até 1970, não haveria mais negros escuros no Brasil, e você vê que essa população não apenas resistiu, mas está se reinventando culturalmente, intelectualmente, socialmente. A data tem essa importância não para a gente que é negro, mas para que um dia o mundo acadêmico reconheça essa parte da população que geralmente é muito marginalizada. Além disso, há uma questão simbólica relevante: a ideia de pensar em um herói negro. Zumbi é esse símbolo de luta e resistência, mas também simboliza nosso herói negro brasileiro. Algumas pessoas não concordam com essa comemoração, justificando que não existe um dia, por exemplo, para a consciência branca. Como defender a data? Esse tipo de afirmação é uma coisa completamente absurda, do ponto de vista histórico, social e político. As pessoas

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têm que refletir sobre o que as incomodam. A ideia é pensar a partir do pressuposto que temos um conceito chamado “branquidade” ou “branquitude”, de pessoas que são brancas e, independente se são pobres ou ricas, têm um conjunto de benefícios simbólicos e materiais simplesmente por terem nascidas brancas. Quando a gente discute cota para pessoas negras, parte-se do princípio de que elas não estão dentro desse conjunto de privilégios, pela história e formação nacional do Brasil. Mesmo com as políticas afirmativas, como o Sisu e o Enem, que democratizaram mais o espaço da universidade, ainda tem salas que são majoritariamente brancas. Se você liga a TV, vê a mesma coisa. A ideia de que somos todos iguais não se aplica às relações sociais que se estabelecem na maioria das cidades brasileiras, e Ouro Preto e Mariana não escapam. E a academia, a UFOP especificamente, como qualquer campo universitário brasileiro, reflete as relações desiguais e hierárquicas, seja na questão de gêneros, sexualidade ou racial. Nesse sentido, não se aplicaria o dia nacional do hétero, como o dia nacional do branco, porque são duas identidades que são majoritariamente estabelecidas no Brasil. Como você avalia a situação do negro na UFOP, especificamente? Eu dou aula para os primeiros períodos e tenho reparado que as salas estão com pessoas mais diversas, em termos racial e social. Todavia, é preciso analisar a questão dos estudantes que entram e como se relacionam com a Universidade de forma geral. Pela atuação do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab), que coordeno há quatro anos, os alunos acabam me procurando sobre situações que os deixam extremamente desconfortáveis, que ocorrem em sala de aula, na relação com outros colegas, e são, na verdade, casos de racismo. Não é um episódio isolado da UFOP. A partir do momento que a Universidade vai se democratizando por conta da inclusão da escola pública e também racial, os incômodos, as perguntas, os embates se tornam mais frequentes, e eu acho que eles precisam ser mesmo. Quando explicitado, a possibilidade de mudança é mais concreta do que de colocar panos quentes nessas situações cotidianas. Você acha que as pessoas hoje em dia se acham menos preconceituosas do que realmente são? Ninguém que trabalha com questões raciais tem a pretensão de tirar de dentro das pessoas o preconceito que elas

podem ter sobre diversas coisas que são igualmente ruins para a nossa sociedade. Agora, quando ela externa isso e faz uma discriminação negativa, quando ela transforma em ação o que está na cabeça dela, o ódio racial, aí sim devemos tomar uma atitude, porque foi verbalizado e externalizado. No Brasil, há essa ideia que a gente vive uma democracia racial, na qual todos somos iguais. Ele foi construído discursivamente nesse sentido, o país da cordialidade. Porém, sabemos que no dia a dia não é isso.

A mídia se apropria disso para lamentar, mas não se questiona como ela acaba produzindo e ratificando esse tipo de ódio racial. O jornalismo hoje, no Brasil, precisa ser repensado urgentemente. Quando a mídia lamenta ele ter sido chamado de “macaco”, mas veicula matérias colocando pessoas que moram em morros não como moradores e trabalhadores, mas como bandido, ela vai contra o que diz. Ela julga as pessoas toda vez que criminaliza a pobreza, e a pobreza no Brasil tem cor, que é negra.

No Brasil, foi construído que a gente tivesse preconceito de ter preconceito. As pessoas sentem vergonha ou apontam quando percebem algo assim, mas elas pouco questionam de fato o que as incomoda. Por que tem que chamar o cabelo dela de ruim? Ou por que tudo o que é ruim tem que ser preto? São armadilhas da linguagem que revelam nossa dificuldade em lidar com o que as pessoas têm, como escuro, sombrio, feio. E essas questões não se referem apenas a uma cor, mas de como as pessoas negras são vistas no Brasil. Quando se vê um casal interracial, as pessoas estranham. Se somos o país da miscigenação e democracia racial, qual o problema? Mas há problemas. A gente só vai dar um passo para promover a igualdade, quando admitirmos que não somos iguais e ponto. Somos diferentes. Ao assumirmos isso, temos duas formas de encarar: ou tratamos a diferença como algo que nos constitui e que é positivo; ou como desigualdade, o que acontece geralmente quando vemos os casos de racismo pelo País.

A mídia, por mais que aparentemente se diga muito consternada com esses casos, é um lugar de produção de racismo e ratificação do mesmo cotidianamente. Há milhares de Aranhas que não tem reconhecimento no Brasil porque não têm o dinheiro que ele tem e, quando passa qualquer outra matéria no jornal, eles são colocados como marginais. Você percebe que, no mínimo, há coisas contraditórias. Você acredita que ainda existem negros que têm preconceito de si mesmo?

No caso do jogador Aranha, no qual uma torcedora no estádio o chamou de “macaco”, como você analisa esse fato e como a imprensa agiu?

Quando se fala de racismo, homofobia, machismo, não discutimos somente uma questão de não aceitação do que ela é, mas de relação de poder. Quem tem poder no Brasil são homens, brancos, heterossexuais e de classe privilegiada. Fora isso, é muito complicado falar sobre racismo reverso ou inverso, de mulher que é machista, de gay que é homofóbico. Porque a gente precisa entender as relações de força, quem pode falar e quem é falado. Não dá para dizer que a mulher tem o mesmo lugar do homem, nem que o negro está no mesmo lugar do branco, nem que o homossexual está no mesmo lugar do hétero.

Quando pensamos a questão racial e a mídia, temos alguns desencontros. Especificamente sobre esse xingamento “macaco”, há algumas pessoas, na mídia, que dizem que o mundo está ficando muito chato, porque não se pode chamar ninguém de “veado”, de “macaco”, etc. A pergunta que eu faço é “já pôde um dia?”. O que existe hoje é que todas as questões estão sendo muito mais visibilizadas pela atuação de movimentos sociais. Fico muito feliz com declarações como a do Aranha, totalmente politizada e consciente de que vive em um Brasil desigual. O Aranha pegou esse xingamento e o usou além da dor, que não é uma dor só dele, mas da população negra que já sofreu isso também. Esse xingamento não é algo fortuito ou aleatório, mas tem o teor de animalização, inferioridade, desprovido de intelectualidade.

No entanto, toda vez que escuto isso, eu fico pensando nas centenas de anos de exploração e marginalização dessa população. A gente tem uma educação que é racista, sexista, que separa menina de menino, chama os alunos gays de problema, vê as crianças não querendo brincar com boneca negra e não faz nada com isso. Isso ainda é o cotidiano da educação no Brasil. Você vai para outros espaços e pensa “será que essas pessoas se sentem representadas positivamente no mundo?”. Se você põe isso em conta e ainda quer exigir que a figura negra, marginalizada na maior parte do tempo, por si só pense “eu tenho orgulho do que eu sou”. A pessoa sofre uma violência, é excluída, está sendo lembrada que sempre é inferior. Elas têm um processo de construção para poder se assumir gay, lésbica ou negra. Essa consciência negra vem com bastante tempo e dor.

Edição 198 - novembro e dezembro de 2014


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