Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA - 194

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17 de Março de 2009 | Terça-feira | a

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CULTURA

JOÃO MESQUITA

O homem certo na profissão certa Jornalista, lutador de causas, adepto fervoroso da Académica, João Mesquita é, incontestavelmente, um homem de carácter e de princípios. Por João Miranda ra um homem de causas. De princípios. De afectos. E de muitos amigos. De um pensamento crítico e incapaz de se vergar. Não admitia fretes. A única coisa que tinha de fanático era a devoção à Académica, de quem era adepto incondicional. Queria saber sempre mais e ligar os factos, acompanhar as tendências. Convivia com gente de todas as gerações e sensibilidades sociais, políticas e culturais. Um homem da cidade. Em Coimbra nasceu quase por acidente e em Coimbra teve o seu último trabalho como jornalista. João Mesquita, o “homem certo na profiss ã o

Os anos do sindicato “Gostei muito da pinta dele, pá!”, lembra José Pedro Castanheira do encontro que teve com João Mesquita aquando do convite para integrar a

ILUSTRAÇÃO POR RAFAEL ANTUNES

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prego, que viria a conhecer mais tarde mais do que uma vez. Até que vários meses depois integrou a delegação de Lisboa do “Notícias da Tarde” como repórter parlamentar. De resto, foi o início do que definiu uma vez numa entrevista como uma “hiperespecialização”. Extinto o periódico, passou depois pelo “Jornal de Notícias”, pelo “Semanário”e cerca de um ano depois, encetou uma nova mudança quando integrou a editoria de um novo diário, o “Público”.

certa”, actualmente editor da revista Rua Larga, morreu aos 51 anos na madrugada da quinta-feira passada, 12. Os amigos recordam-no como um homem alegre, conversador, sempre disponível para se dar aos outros. Cedo despertou para a política e da política para o jornalismo foi um salto. Embora fosse uma paixão declarada desde criança, conhecia muito pouco do meio jornalístico e da profissão. Corria o rumor de que escrevia com “desembaraço” e isso, aliado à experiência que trazia do Movimento Associativo do Ensino Secundário de Lisboa, de que foi fundador, fê-lo entrar n’“A Voz do Povo” (órgão oficioso da União Democrática Popular) aos 22 anos. Aí, começou a compreender os mecanismos e as práticas inerentes à profissão, experiência que durou até 1981, quando o jornal acabou. Enfrentou então a realidade do desem-

lista concorrente ao Sindicato dos Jornalistas (SJ), como secretário. “Achei-o muito firme, muito determinado, muito combativo e percebi que poderia ser um bom elemento para a minha equipa”, acrescenta Castanheira. João Mesquita veio a recandidatarse à direcção do sindicato, desta vez como presidente, nos biénios de 1989/90 e de 1991/92. Durante os seus mandatos bateuse com algumas das mais profundas alterações no jornalismo. Foi nesta altura que começou o processo de reprivatização dos órgãos que haviam sido nacionalizados durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC) e que surgiram as primeiras rádios privadas, então com o estatuto de pirata. Foi também neste período que um grupo de jornalistas levantou a possibilidade da criação de uma Ordem profissional. “O João soube colocar a questão da forma mais de-

mocrática possível, através de um referendo em que os jornalistas foram chamados a pronunciar-se sobre a melhor forma de organização”, recorda Castanheira. Contudo, o amigo e camarada destaca como a grande luta de Mesquita o combate que levou a cabo contra politização da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

A ligação a Coimbra Desiludido com todas as alterações no sector jornalístico, abandonou Lisboa para entrar para a redacção do “Jornal As Beiras”. Estreitou então os laços que o uniam a Coimbra. No plano da intervenção cívica, foi um dos grandes motores da criação do Conselho da Cidade, empenhou-se na aprovação da Carta Constitucional da cidade e colocou uma das pedras basilares da ‘Pró-Urbe’. Era “um cidadão dos movimentos dos cidadãos”, como recorda José Manuel Pureza. Contudo, nunca deixou que esta sua vertente cívica e interventiva chocasse de alguma forma com a sua vida profissional. “O João sempre evidenciou a sua orientação política e quando lhe foi pedido que desempenhasse trabalhos jornalísticos, por exemplo, de cobertura de campanhas eleitorais, soube sempre traçar de uma maneira muito rigorosa a sua militância e aquilo que é o trabalho de jornalista”, defende Pureza. D’ “As Beiras” nunca esqueceu o facto de ter visto um texto seu censurado, motivo que o levou a abandonar o jornal e a voltar ao desemprego durante quatro meses, até integrar a delegação de Coimbra do “Independente”, da qual foi despedido com o encerramento das delegações do jornal. Passou então dois anos sem emprego, realizando alguns trabalhos de freelance. “A cidade nunca soube reconhecer a dedicação do João Mesquita. A tal ponto que teve que ir para Lisboa porque em Coimbra lhe recusaram trabalho e o afastaram”, lembra José Manuel Pureza. Contudo, o elo a Coimbra não esmoreceu e João Mesquita acabou por voltar a trabalhar para a cidade, a convite da reitoria da Universidade de Coimbra, para editar a revista Rua Larga, mesmo continuando a viver em Lisboa. De pé, manteve-se sempre a paixão da qual nunca se desligou, a Acadé-

mica. Dono de uma devoção extrema ao futebol, é lembrado por todos os amigos por quase nunca ter perdido um jogo da Briosa. Paixão que lhe valeu uma homenagem singular, quando o cortejo fúnebre atravessou o Estádio Cidade de Coimbra a caminho da Lousã, onde foi sepultado. Aliás, em Janeiro de 2008 lançou em parceria com João Santana o livro “Académica – História do Futebol”, uma obra sobre o percurso da académica, que bateu o recorde de vendas no lançamento da editora Almedina, com mais de 400 exemplares vendidos. “Ele a escrever tinha um talento inigualável. Foi o grande responsável pela redacção, conseguia explanar as ideias muito bem e eu não podia ter arranjado um parceiro melhor”, recorda João Santana. Porém, “não cedia a tendências de encostar o futebol a realidades menos dignas de articulação com alguns poderes da nossa sociedade. E isso valeu-lhe como académico alguns dissabores na relação com algumas das figuras da direcção”, aponta José Manuel Pureza. Quando vivia em Coimbra, “porque o João era um conimbricense de gema”, lembra a amiga Natércia Coimbra, repetia os mesmos rituais. Pela manhã lia a imprensa sempre acompanhado de um café e de uma água das pedras. O almoço prolongava-se por largas horas, sempre acompanhado e geralmente no Cantinho dos Reis, como lembra a amiga Natércia Coimbra, que com ele partilhava longas horas de conversa. E depois trabalhava pela noite dentro, até de madrugada. Às vezes fazia uma pausa para ir ao bar do Botânico, porque o Noites Longas já não era o mesmo do seu tempo. João Mesquita foi até ao fim um defensor acérrimo de um ideal do jornalismo que não se vende ao sensacionalismo e às lógicas de mercado. E achava também que existia a necessidade de transmitir esses mesmos valores. E essa postura assume-se também um pouco no que é hoje A CABRA. Quando, no final de 2002, o jornal passou a quinzenal, foi João Mesquita que tomou as rédeas de todo o processo. Eduardo Brito, antigo presidente da Secção de Jornalismo, recorda a circunstância: “ele chegou-nos com aquela voz à Mesquita e disse-nos que o jornal tinha que fazer isto e isto. Duas semanas depois apareceu-nos com o jornal todo rasurado e partimos de um novo modelo”. “Um trabalho que ele prezava tanto, porque achava que era nessa fase que se deviam passar as mensagens do que era o jornalismo”, reconhece Natércia Coimbra. “O João marcou-nos mais do que ele pensaria ou desejaria”, defende Eduardo Brito.

Cartaz cultural da Queima celebra 110 anos de festa Patricia Gonçalves Filipa Magalhães Na próxima segunda-feira, 23, vai realizar-se o espectáculo “Fado, Sonho e Tradição” nos jardins da Associação Académica de Coimbra (AAC). O espectáculo integra o cartaz das actividades preparadas para a Queima das Fitas. Segundo o vice-presidente da Secção de Fado da AAC, Francisco Requicha, o concerto tem como objectivo aproximar a comunidade estudantil da cultura da cidade: “a Canção de Coimbra é indissociável da festa da Queima das Fitas. Assim, o espectáculo percorrerá as várias etapas do fado académico da sua génese até à actualidade em paralelo com o evoluir da Queima das Fitas”. A música que vai compreender temas de Artur Paredes, José Afonso, Luís Gomes e baladas mais recentes vai ser acompanhada pela projecção de fotografias das festas de queimas anteriores. O espectáculo manifesta o carácter comemorativo desta queima,

que celebra 110 anos e que tem como lema “110 anos de tradição”. Nesse sentido, a Comissão Central da Queima das Fitas apresenta um cartaz com 110 dias de actividades culturais, desportivas, solidárias e tradicionais. O comissário responsável pelas actividades culturais, André Malho, afirma que estão “calculadas duas a três actividades por semana, que se iniciaram no passado dia 10 de Março e que vão terminar a 27 de Junho”. A destacar também a exposição itinerante que começou no passado dia 10 e que vai estar dois dias em cada faculdade da Universidade de Coimbra encerrando-se no dia 17 de Abril no edifício da AAC. A exposição é composta por dez painéis ilustrativos de cartazes, programas e fotos de queimas das fitas. Há ainda outras novidades no cartaz deste ano como a mostra de “fado alternativo”, dia 2 de Junho, que apresenta bandas cujo cenário musical é a canção de Coimbra. Outra das novidades no cartaz deste ano é as olimpíadas universitárias, o “Jantar do Bigode” e ainda a iniciativa “110 anos, 110 árvores”.


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