22 | a cabra | 17 de Março de 2009 | Terça-feira
OPINIÃO
A CRISE, O ENSINO SUPERIOR E OS ESTUDANTES João Pita * PEDRO CRISOSTOMO
O apoio social e as suas mudanças são importantes pilares na valorização do ensino superior e na equidade no seu acesso e frequência
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1. As mudanças sociais no ensino superior: os mecanismos de acção social são o mais importante garante da equidade na frequência no ensino superior. O apoio do Estado via bolsas, residências, cantinas ou serviços médicos tem alvos e objectivos diferentes mas sempre com a igualdade de oportunidades como primeira aposta. Os números e estatísticas sobre a condição socioeconómica dos estudantes do ensino superior são esmagadores: é três vezes mais provável um filho de licenciados estar no ensino superior do que alguém sem pais licenciados. Esta reprodução social é inaceitável e está mitigada com a presença do sistema de bolsas a estudantes (mais de 20 por cento dos estudantes recebem bolsa). A crise económica mundial com reflexos claros em Portugal vem potenciar o aumento das desigualdades. Para situações extremas exigem-se medidas à altura. Assim, tem vindo a ser proposta pelas associações académicas e de estudantes medidas que podem ajudar em momentos de crise: a extensão do Passe Escolar 4_18 ao ensino superior; a criação de um período suplementar de candidatura a bolsas de estudo, com efeitos retroactivos, para todos aqueles que tenham visto a sua condição económica alterada, nomeadamente pelo desemprego dentro do agregado familiar; a manutenção do preço das cantinas ou mesmo a sua redução para os valores de 2008; o aumento das contribuições com a educação na declaração anual de IRS. As associações tem sido activas nas propostas, exige-se do Estado acções claras e coerentes com a afirmação sempre repetida de mais e melhor formação e qualificação nacional como motor de desenvolvimento. 2. A crise como oportunidade de mudança: as épocas de crise servem como oportunidades para mudanças estruturais que sirvam para melhorar as condições de partida. No caso do apoio social há a necessidade de alterar o regime de atribuição de bolsas, abolindo os escalões e passando a ter uma fórmula de atribuição mais justa e eficaz. No mesmo sentido, é fundamental que seja implementada a contratualização de bolsas, ou seja, o aluno entregaria os docu-
mentos apenas uma vez sendo a bolsa renovada automaticamente caso nada tivesse sido alterado no agregado familiar. Conseguir-se-ia um aumento de eficácia dos serviços de acção social e um início do pagamento das bolsas mais rápido. 3. Qualificação como desafio de futuro: o apoio social e as suas mudanças são importantes pilares na valorização do ensino superior e na equidade no seu acesso e frequência. Contudo, é preciso mais para que o desenvolvimento nacional seja de facto assente no aumento da qualificação profissional. Diversificação das formações no ensino superior que vão ao encontro das ambições e necessidades dos estudantes em idade escolar e para os regressos ao ensino; mais flexibilidade curricular e a verdadeira reforma funcional do Processo de Bolonha; mais ensino nocturno e pós-laboral que vá ao encontro dos trabalhadores-estudantes em especial no segundo ciclo de estudos; aposta determinante no ensino com recurso às novas tecnologias. Mais e melhor qualificação é o futuro de Portugal e a aposta certa no debelar de longo prazo do nosso atraso estrutural. Isso só se consegue fornecendo aos estudantes e às instituições os meios financeiros e funcionais que lhes permitam ambicionar a excelência. À sociedade exige-se que avalie de forma séria, autónoma e independente o sistema de ensino superior como garante que a formação ministrada é de qualidade e que todos os que se inscrevem num curso estão a efectuar uma escolha acreditada a nível nacional. Em resumo a crise que atravessamos exige de todos medidas fortes e destemidas: dos governos acções concretas que avaliem o sofrimento das famílias; aos estudantes o interiorizar de que a sociedade precisa deles como motores do desenvolvimento económico e social de Portugal. Estes momentos de crise podem ainda potenciar reformas duradouras que permitam ir mais longe no que era feito até então. Também no Ensino Superior tal pode e deve acontecer, haja opções políticas condizentes com a eterna paixão pela educação. *Estudante da UC e membro do Conselho Nacional da Educação PUBLICIDADE