Saúde Silvestre Importa 1

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Panorama da Saúde Silvestre

Uma síntese de agentes zoonóticos em mamíferos silvestres no Brasil, com recomendações para tomadores de decisão no contexto da Uma só Saúde

PANORAMA

DA SAÚDE SILVESTRE: UMA SÍNTESE DE AGENTES ZOONÓTICOS EM MAMÍFEROS SILVESTRES NO BRASIL, COM RECOMENDAÇÕES PARA TOMADORES DE DECISÃO NO CONTEXTO DA UMA SÓ SAÚDE

Copyright ©2024, Winck G., Rocha F.L., Cruz G.L.T., D’Andrea P. & Andreazzi C. (Org.)

ISBN No.: XXXXXXXXXXX

Reprodução

Esta publicação pode ser reproduzida integral ou parcialmente, em qualquer formato, para fins educacionais ou serviços sem fins lucrativos, sem necessidade de permissão especial do detentor dos direitos autorais, desde que seja feito o reconhecimento da fonte. Os(as) organizadores(as) agradecem o envio de uma cópia de qualquer publicação que utilize este documento como fonte. Nenhuma utilização desta publicação pode ser feita para revenda ou qualquer outro propósito comercial sem permissão prévia por escrito dos(as) organizadores(as). As solicitações para tal permissão, com uma declaração do propósito e extensão da reprodução, devem ser dirigidas ao grupo de organizadores(as). Não é permitido o uso de informações desta publicação relacionadas a produtos para publicidade ou propaganda. Formato de direitos autorais: CCBY-NC.

Isenção de Responsabilidade

Este relatório técnico, resultado das pesquisas conduzidas por diversas instituições e pesquisadores(as) associados(as), visa fornecer uma análise imparcial e fundamentada sobre dados empíricos e avaliações legislativas e regulamentares específicas. A responsabilidade pelas conclusões e recomendações contidas neste documento são exclusivamente dos(as) autores(as), não refletindo necessariamente a posição oficial das instituições às quais estão vinculados(as).

Para informações adicionais, contate:

Dra. Gisele R. Winck ou Dra. Cecilia S. Andreazzi

Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios (LABPMR)

Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Pavilhão Lauro Travassos, Sala 74.

Avenida Brasil, 4365 - CEP 21040-360, Rio de Janeiro - RJ, Brasil.

Telefone: +55 (21) 25621325

Email: gwinck@gmail.com cecilia.andreazzi@ioc.fiocruz.br

Créditos das Fotos

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Suporte Técnico

Thiago Ribeiro (IOC/Fiocruz)

Vinícius Ferreira (IOC/Fiocruz)

Design Gráfico

Andrea Carolina Camargo Castro Direção de arte, figuras, layout

Oficinas do Projeto “SinBiose - Redes Socioecológicas” organizadas por:

Gisele Winck

Fabiana Lopes Rocha

Cecilia Siliansky de Andreazzi

Paulo D’Andrea

Thiago Ribeiro IOC/Fiocruz

Apoio

IUCN SSC Grupo Especialista em Planejamento de Conservação / Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil.

Marisa Mamede

Gestora do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mmamede@cnpq.br

Edição do relatório

Alessandra Ferreira Dales Nava

Fundação Oswaldo Cruz Amazônia

Ana Carolina Figueiredo Lacerda Universidade Federal da Paraíba

Ana Paula Lula Costa

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

André Aguirre

Fundação Oswaldo Cruz (RO)

Cecilia Siliansky de Andreazzi

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Plataforma Internacional de Ciência

Tecnologia e Inovação em Saúde

Universidad Complutense de Madrid

Eduardo Krempser

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Fabiana Lopes Rocha

IUCN SSC Grupo Especialista em Planejamento de Conservação / Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil

Gabriella Lima Tabet Cruz

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Gisele Winck

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Jonathan Gonçalves-Oliveira

Hebrew University of Jerusalem

José Joaquin Carvajal-Cortés

Fundação Oswaldo Cruz Amazônia

Jorge Luiz do Nascimento

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Como citar esse documento

Maria Carmelinda Gonçalves Pinto

Secretaria de Estado da Saúde do Acre

Marco Vigilato

Pan American Center for Foot and Mouth Disease and Veterinary Public Health

Marília Lavocat Nunes

Ministério da Saúde

Marina Galvão Bueno

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Paulo D’Andrea

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Renata Oliveira

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Ricardo Sampaio

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Rosana Gentile

Fundação Oswaldo Cruz (RJ)

Winnie Brum

Ministério da Agricultura e Pecuária

Vivyanne Magalhães

Ministério da Saúde

Winck G.R., Rocha F.L., Cruz G.L.T., Andreazzi M.A., Bacellar A.E., Brum W., Bueno M.G., Costa A.P.L., Fernandes J., Fernandes-Ferreira H., Gentile R., Gonçalves-Oliveira J., Gonçalves M.C., Krempser E., Lacerda A.C.F., Lavocat M., Nascimento J.L., Oliveira R., Sampaio R, Andreazzi C.*, D’Andrea P.* (2023). Panorama da Saúde Silvestre: Uma síntese de agentes zoonóticos em mamíferos silvestres no Brasil, com recomendações para tomadores de decisão no contexto da Saúde Única. IOC/ Fiocruz: Rio de Janeiro. xxxp.

(*) Estes autores contribuiram de forma equivalente.

Este relatório pode ser acessado e adquirido em www.arca.fiocruz.br

O Panorama da Saúde Silvestre: Uma Síntese de Agentes Zoonóticos em Mamíferos Silvestres no Brasil, com Recomendações para Tomadores de Decisão no Contexto da Uma só Saúde foi possível devido ao recurso financeiro recebido do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), via processo no. 442410/2019-0. Os(as) organizadores(as) também agradecem os recursos financeiros da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e Instituto Serrapilheira. Apreciamos a contribuição da Dra. Louise Maranhão nas informações sobre a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE:

Uma síntese de agentes zoonóticos em mamíferos silvestres no Brasil, com recomendações para tomadores de decisão no contexto da Uma só Saúde

Organizado por:

Gisele Winck

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

Fabiana Lopes Rocha

Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil (SSC), União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN)

Gabriella Cruz

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

Paulo D’Andrea

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

Cecilia Siliansky de Andreazzi

Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

Plataforma Internacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde

Universidad Complutense de Madrid (Espanha)

DESENVOLVIMENTO

DO DOCUMENTO

Este relatório foi produzido de forma participativa a partir de duas oficinas, no âmbito do Projeto Redes Socioecológicas (processo no. 442410/2019-0), vinculado ao Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A lista de participantes pode ser acessada na seção “Participantes das oficinas”, em anexo a este documento, que inclui pesquisadores e profissionais de órgãos federais, estaduais, municipais e ONGs que atuam nas áreas ambiental, agropecuária e da saúde pública no país e no exterior.

A elaboração deste documento ocorreu ao longo de dois anos, a partir da primeira oficina, ocorrida em agosto de 2022, e contou com a participação de 33 profissionais, vinculados a 20 instituições. As oficinas tinham por objetivo principal avaliar o histórico e evolução até o estado atual dos regulamentos e legislações que envolvem a saúde de animais silvestres nos diferentes órgãos administrativos brasileiros, em todas as escalas governamentais. O presente relatório traz as informações levantadas pelos profissionais, bem como recomendações de políticas públicas visando a conservação das espécies de mamíferos silvestres e prevenir o surgimento de doenças infecciosas de origem zoonótica, utilizando a abordagem de Uma só Saúde (One Health). Adicionalmente, apresentamos os conjuntos de dados formados pelos pesquisadores vinculados ao projeto Redes Socioecológicas, de acesso público, e que podem ser utilizados para análises estatísticas sobre saúde silvestre, saúde pública, e sua interseção com a saúde ambiental. O documento foi concluído em dezembro de 2023, e passou por fases de revisão e contribuições dos participantes das oficinas.

É necessário título?

SUMÁRIO

Panorama da Saúde Silvestre

Desenvolvimento do Documento

Sumário

Prefácio

Declarações de Parceiros-Chave

Apresentação dos Coordenadores do projeto Redes Socioecológicas

Box 1. Para quem é esse relatório?

Panorama da Saúde Silvestre:

Contextualização

Por que a Saúde Silvestre importa?

BOX 2. A definição de Uma só Saúde e seus princípios fundamentais

Por que a Saúde Silvestre requer atenção imediata?

Como a Saúde Silvestre é abordada nas políticas públicas do Brasil?

Considerações de relevância em Saúde Silvestre

A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos são pilares centrais da abordagem de Uma só Saúde

Áreas naturais conservadas são imprescindíveis para Uma só Saúde

A perda da biodiversidade pode levar à emergência de zoonoses

O comércio e o consumo de fauna silvestre são um risco importante para ocorrência de zoonoses

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BOX 3. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá

A vigilância ativa em saúde e a sustentabilidade da cadeia produtiva de animais de produção são peças chave para evitar fluxo de zoonoses

A participação social na gestão pública é fundamental na manutenção da biodiversidade e promoção da Uma só Saúde

O estabelecimento de um sistema de vigilância de agentes infecciosos e de estruturas para manejo em animais silvestres é essencial para enfrentamento de zoonoses

A disponibilidade de bancos de dados abertos e diversos é fundamental para o estudo e previsão de ocorrência de zoonoses no país, como base para o enfrentamento de possíveis surtos

BOX 4. Vigilância em Febre Amarela: Integração entre SINAN e SISSGeo

A vigilância em saúde silvestre deve incorporar os saberes dos povos originários e tradicionais de forma participativa, e fomentar a qualificação dos comunitários

Recomendações para a Saúde Silvestre no Brasil

Saúde Silvestre na biodiversidade e conservação

Saúde Silvestre no comércio e consumo de animais silvestres

Saúde Silvestre na saúde e sustentabilidade da cadeia produtiva de animais de produção

Saúde Silvestre e os bancos de dados

BOX 5. Os Sistemas de Informação em Saúde (SIS) no Brasil

Saúde Silvestre na Vigilância epidemiológica

Saúde Silvestre e Sociedade

Saúde Silvestre e a saúde dos povos originários e tradicionais

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PREFÁCIO

A SAÚDE VOLTANDO À ECOLOGIA

Fui surpreendida pelo convite de Paulo D´Andrea, coordenador do relatório

PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE: UMA SÍNTESE DE AGENTES ZOONÓTICOS

EM MAMÍFEROS SILVESTRES NO BRASIL, COM RECOMENDAÇÕES PARA

TOMADORES DE DECISÃO NO CONTEXTO DA UMA SÓ SAÚDE, a escrever este prefácio. Foi uma honra e enorme privilégio ter acesso a este rico trabalho e ter participado do evento em 2023 que apresentou seus resultados à comunidade da Fiocruz, parte do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sou profundamente grata aos autores pela oportunidade de debruçar sobre o texto e as informações a ele associadas, que retratam a riqueza de dados recolhidos e analisados pela equipe multidisciplinar, com muitos jovens pesquisadores.

Ligando dados, construindo conhecimentos em atividades participativas, o grupo construiu o que sugiro como modelo para outras sínteses de conhecimento no âmbito da saúde, em especial para as zoonoses e arboviroses. Essas sínteses serão fundamentais para identificar lacunas, desafios e soluções para o cenário de rápida transformação atual, marcado pelas alterações ambientais e do uso do solo, das mudanças e extremos climáticos em curso, das vulnerabilidades humanas nos mais diversos contextos sociais, culturais e econômicos.

Os resultados apresentados neste relatório são amplos e de múltiplas interfaces, tal como indica a proposta do Projeto Simbiose. Espera-se, no entanto, que estes resultados cheguem aos tomadores de decisão nos diversos níveis institucionais e à sociedade com a devida urgência. Estes precisam se

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apropriar dos temas e subtemas tratados e não esgotados, compreender que estudos da ecologia geral e da ecologia de parasitos são fundamentais para apoiar políticas de Estado, para melhorar a vigilância em saúde humana e de animais silvestres, domésticos e de criação, implementar ações integradas de prevenção e controle e para a efetividade da conservação da biodiversidade, dependente de áreas naturais. A Uma só Saúde ou como recentemente trata o Ministério da Saúde “Uma só Saúde”, representa um caminho a ser percorrido que por si só precisará também ganhar e manter força política e se materializar em estratégia factível nos territórios. O pilar “ecossistema” de onde nasce efetivamente a proposta da Uma só Saúde, tem sido aquele mais difícil de se integrar à prática e nas políticas, pois é tratado na superficialidade dos estudos ambientais e carece de teoria ecológica.

Espero que os leitores possam aproveitar a riqueza das informações geradas, que as bases de dados promovam novas e incríveis sínteses, que o conhecimento apresentado apoie políticas públicas de qualidade e que gestores, tomadores de decisão e a sociedade tenham sempre na mente e nas suas decisões: A Saúde Silvestre importa, sim!

Marcia Chame

Pesquisadora Titular (Fiocruz-RJ)

Coordenadora da Plataforma Institucional Biodiversidade e Saúde Silvestre (PibsS)

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DECLARAÇÕES DE PARCEIROS-CHAVE

Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior

Coordenador Geral de Vigilância de Zoonoses e de Transmissão Vetorial, Departamento de Doenças Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA,) Ministério da Saúde (MS).

A saúde silvestre é crucial para a saúde pública, pois a interação entre humanos, animais silvestres e ambiente tem implicações diretas na ocorrência de doenças zoonóticas no Brasil e no mundo, como febre amarela, raiva, e hantavirose. Assim, é imperativo que órgãos, entidades públicas, e atores da sociedade dos diferentes setores, como saúde, ambiente e agricultura, alinhem e integrem ações baseadas na abordagem de Uma Só Saúde para predição, prevenção, preparação e resposta a doenças endêmicas, (re)emergentes ou potencialmente pandêmicas. Também é fundamental estabelecer uma governança sólida que defina uma agenda consensual entre setores nos âmbitos federal, estadual e municipal. Essa agenda deve contemplar temas importantes nas diferentes escalas, com diretrizes que promovam a colaboração e a cooperação entre as diferentes partes interessadas de forma perene. O Ministério da Saúde lidera a criação de uma instância colegiada intersetorial e interdisciplinar na esfera Federal, com representantes de diversos setores como Saúde, Agricul-

tura e Ambiente, além dos conselhos de algumas profissões. Um objetivo desse colegiado é elaborar e apoiar na implementação de um Plano de Ação Nacional de Uma Só Saúde, que serviria como guia para ações coordenadas. Porém, é essencial que a Uma Só Saúde seja incorporada à cultura das instituições, introjetando no seu cotidiano a cooperação intersetorial e interdisciplinar. Isso requer investimentos em capa-citação, sensibilização e comunicação para promover a compreensão e o comprometimento com essa visão. Com estratégias envolvendo colaboração e coordenação entre diferentes setores, podemos fortalecer nossa capacidade de detectar, prevenir e controlar doenças zoonóticas de forma sustentável, protegendo a saúde pública e a biodiversidade.

12 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

Coordenação de Uma só Saúde e Boas Práticas (CSBP), Coordenação-Geral de Aperfeiçoamento da Qualidade do Serviço Veterinário Brasileiro (CGASV), Departamento de Saúde Animal (DSA), Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

A Organização Mundial de Saúde

Animal ressalta que a saúde da vida silvestre é essencial para a vida na Terra.

A sobrevivência de animais, pessoas e plantas depende da saúde dos seus ecossistemas que, estando saudáveis, viabilizam a biodiversidade que neles existe: morcegos e as abelhas são polinizadores essenciais, os pequenos mamíferos mantêm a saúde do solo, os recifes de coral produzem oxigênio e capturam carbono, os frugívoros dispersam sementes e os predadores ajudam a controlar as populações de outras espécies.

A Organização Mundial de Saúde

Animal ressalta que a saúde da vida silvestre é essencial para a vida na Terra.

A sobrevivência de animais, pessoas e plantas depende da saúde dos seus ecossistemas que, estando saudáveis, viabilizam a biodiversidade que neles existe: morcegos e as abelhas são polinizadores essenciais, os pequenos mamíferos mantêm a saúde do solo, os recifes de coral produzem oxigênio e capturam carbono, os frugívoros dispersam sementes e os predadores ajudam a controlar as populações de outras espécies.

Os humanos, os animais domésticos e os silvestres partilham os seus ecossistemas com numerosos microrganismos. Muitos fornecem apoio essencial à manutenção da vida, mas alguns são

prejudiciais, causando doenças, e assim perturbando o equilíbrio dos ecossistemas. Principalmente nos últimos anos, o número crescente de eventos de doenças emergentes tem sido associado à vida silvestre. Contudo, as ações humanas, como alterações do clima, comércio de vida silvestre, desmatamentos e determinadas práticas agrícolas são igualmente importantes para as infecções em humanos. Paradoxalmente, os animais e a biodiversidade tornam-se vítimas esquecidas de doenças.

Como ampliar os esforços para a saúde silvestre? Parcerias entre serviços de saúde animal e de saúde humana, no Brasil e na maioria dos países, nem sempre incluíram o serviço responsável pela gestão da vida silvestre, ignorando este componente importante da cadeia de vigilância de doenças, ainda que a saúde da fauna silvestre esteja profundamente interligada com a saúde dos animais domésticos, do ambiente e dos humanos. Ao proteger a saúde silvestre, salvaguardamos um futuro sustentável em longo prazo.

13 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

Ministério do Meio Ambiente

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Et re nis ant quae et arum, ut dolorest, qui dolupta tiaerum que iderum di reperei ctorposandi aciusandent harions equunt pre, quos id et odist dolendit int volorepudae volo conseni hicillandi cus eos exceror ehenimin corepud aepeles et et oditas intesenda prem ipidi velit hitatempore nos acerum dolupides qui offic temquata velia qui dolut et eic tem rehent facero voluptat officimuscit pa cones con culpa cus, quidunt.

Vellit maxim re, sandae re santur se perovit aecusdanto offic tem verrore rsperum quamusd anisque sum ium aut aut aut enimodias arum qui ut reptur, nisimus quodi dolupta temporessi nonserovides estet volor atumqui te nonsedi caborehenia sita consedit quo optatat usantem ut eaqui bla volum dit velicil mincti il modit, occae ressin nosapedi quidenis enisciis vel int. Occum nesti unt. Excesti uribusdam rae sae nonet, consendae volore ipsandae. Aquo odipsae vel illecus, ventur?

Giat landit harum quae eumquundia cus molorum eaquos esedign iendam estius, conem voluptas magnihitium volupictur mincia vidunt quatestem vide por magni te deligenti dolor solorit venim volum que et occabor poresecae nienis doluptaturem et occum rae conem fugit ent laut quassequia vollitatur reribustio. Hil illenih itiunt.

Offictus quos molut ommodio nsedisintum facia core ressit, aut quis mil

estiam susae dolora exerorp oraest eaquos a aut et ut mod quamenis eossint iaspeles modis aut voloris essint doluptatur?

Sit represt venis eos quid ullabor ibusae volore dellat.

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Occum nesti unt. Excesti uribusdam rae sae nonet, consendae volore ipsandae. Aquo odipsae vel illecus, ventur?

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Marisa de Araujo Mamede

Gerente de Projetos SinBiose - PO 349/2020

Analista em C&T

Coordenação Geral de Cooperação Internacional (CGCIN/DCOI)

Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq)

Excelente visão geral dos resultados do projeto Redes Socioecológicas, desenvolvido no contexto do programa SinBiose/CNPq. O olhar amplo sobre a saúde silvestre no Brasil é peça valiosa para o avanço do conhecimento no tema. Demonstra um grande e necessário esforço na estruturação e disponibilização pública de bases de dados muito relevantes para a ciência e para a sociedade. O conhecimento produzido e disponibilizado pelo projeto Redes Socioecológicas será fundamental para um melhor entendimento e possibilidade de prevenção de surtos de doenças zoonóticas no nosso país. Trata-se de ciência estratégica para a sociedade em busca de uso e convívio sustentável com a biodiversidade. Louvável a atitude do grupo de pesquisa em estabelecer diálogo transdisciplinar e interinstitucional, reunindo os olhares necessários a uma compreensão das relações entre ecologia, saúde dos ecossistemas, bem estar humano e animal e formas de produção. Faz lembrar a lenda indiana dos sábios cegos que buscavam entender um elefante tocando em suas partes, competindo por afirmar cada um a sua verdade particular sobre o animal. Quando então chega o último sábio, também cego, mas acompanhado por uma criança capaz de enxergar e trazer a visão nova e integradora da questão

complexa representada pelo elefante, e decifra o todo.

O SinBiose/CNPq orgulha-se de fazer parte dessa história, estimulando e promovendo a mudança de um paradigma científico, em prol da Uma só

Saúde, e de uma ciência aberta em diálogo permanente com a sociedade, na construção de um futuro comum possível e sustentável.

15 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

APRESENTAÇÃO DOS COORDENADORES DO PROJETO REDES SOCIOECOLÓGICAS

As mudanças globais representam um desafio para os cientistas, exigindo o desenvolvimento de conhecimento transdisciplinar que una teoria, métodos e big data para sustentar o gerenciamento integrador da biodiversidade, serviços ecossistêmicos, bem-estar socioeconômico e saúde silvestre. Nesse contexto, a Uma só Saúde se torna uma abordagem essencial para enfrentar os desafios relacionados à saúde silvestre, pois reconhece a interconexão entre os ecossistemas naturais, a saúde animal e a saúde humana.

Promover esforços multi-institucionais e transdisciplinares para entender e prever surtos de doenças tropicais negligenciadas (DTNs) oferece uma excelente oportunidade para combinar abordagens das ciências biológicas e sociais em sistemas complexos. Ao reconhecer a importância da saúde silvestre nessa dinâmica, podemos aprimorar nossa capacidade de prevenir e responder a surtos de doenças, bem como desenvolver estratégias mais eficazes para a conservação da biodiversidade, bem como uso sustentável de seus recursos para uma relação saudável entre o ser humano e os ecossistemas. Nossos esforços dentro do projeto Redes Socioecológicas/SinBiose/CNPq visam investigar a interface entre biodiversidade, saúde pública e saúde silvestre no Brasil, utilizando modelos ecológicos baseados em redes de interações entre parasitos e hospedeiros. Ao fazer isso, nosso objetivo é sintetizar os determinantes biológi-

cos, socioeconômicos e ambientais dos surtos de DTNs.

Para atingir essa meta, seguimos um roteiro composto por três etapas cruciais. Primeiramente, realizamos a síntese de grandes volumes de dados biológicos, socioeconômicos e ambientais existentes, a fim de parametrizar modelos de rede que englobam as interações entre espécies e levam em consideração a estrutura da biodiversidade (que sustenta os serviços ecossistêmicos), bem como a rede de instituições públicas (que sustenta o bem-estar social) em diferentes escalas geográficas.

Em seguida, integramos uma abordagem teórica transdisciplinar, construída com base na análise de redes para sistemas complexos. Desenvolvemos modelos empiricamente informados, que nos permitem prever surtos de DTNs e compreender as interações entre agentes zoonóticos, fatores ambientais e socioeconômicos.

Ao mesmo tempo, buscamos estabelecer uma rede multi-institucional ao longo do desenvolvimento do projeto, reunindo pesquisadores das áreas de biodiversidade, computação, saúde pública e saúde silvestre, a fim de promover o planejamento estratégico e integrado de políticas públicas. Essa abordagem cooperativa e colaborativa fortalece a pesquisa científica, possibilitando a análise conjunta de grandes conjuntos de dados biológicos, socioeconômicos e ambientais, e contribui para a construção de uma estrutura preditiva transdisciplinar.

16 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

Ao avançar na construção da teoria transdisciplinar na interface entre biodiversidade, saúde pública e saúde silvestre, disponibilizamos publicamente essas informações valiosas. Esses dados permitem o desenvolvimento de estratégias eficazes para a prevenção de doenças, a proteção da saúde pública e a conservação dos ecossistemas naturais. Nossa abordagem mescla ciência, governança e práticas sociais, fortalecendo os serviços ecossistêmicos e as políticas de saúde, enquanto valoriza a importância da saúde silvestre na manutenção do equilíbrio ecológico global.

Agradecemos a todos os especialistas e pesquisadores, assim como aos nossos financiadores e outros dedicados parceiros que se uniram no espírito da Uma só Saúde para contribuir com seu tempo e energia neste relatório. Em essência, este documento não se trata apenas da implementação de uma abordagem de Uma só Saúde, mas reflete o compromisso coletivo de utilizar essa abordagem multissetorial e multidisciplinar para enfrentar doenças zoonóticas e ameaças à saúde relacionadas.

Esperamos que este relatório seja útil e prático, e estamos ansiosos por discussões adicionais sobre como ele pode ser aprimorado e fortalecido no futuro. Através da colaboração contínua e do compartilhamento de conhecimentos, podemos avançar no campo da saúde silvestre e pública, fortalecendo a prevenção e o controle de doenças, bem como a conservação da biodiversidade. Ao considerar a saúde silvestre como parte integrante desta equação, fortalecemos ainda mais nossa capacidade de enfrentar os desafios de saúde global. Juntos, podemos criar um futuro mais saudável e sustentável para as gerações presentes e futuras, protegendo não apenas a saúde humana, mas também a saúde dos ecossistemas naturais que sustentam a vida em nosso planeta.

Cecilia S. Andreazzi, Gisele Winck e Paulo D’Andrea Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ)

PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

BOX 1

PARA QUEM É ESSE RELATÓRIO?

Este relatório é o produto conjunto dos resultados alcançados no projeto “SinBiose - Redes socioecológicas” e das valiosas contribuições fornecidas por especialistas durante duas oficinas participativas sobre a importância da saúde silvestre. Acreditamos que seja fundamental que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) inclua o tema da saúde silvestre como pauta central para a conservação de espécies e para a saúde do ambiente. Temos expectativas semelhantes quanto ao Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Agricultura e da Pecuária (MAPA), que devem incluir a saúde silvestre como componente essencial das ações de saúde pública, juntamente com a saúde ambiental e dos animais domésticos. Além desses ministérios, há outros que também desempenham um papel relevante na temática, seja de forma direta ou indireta. Ministérios como o da Fazenda, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, das Cidades, da Integração Nacional, do Desenvolvimento Agrário, dos Povos Indígenas, do Turismo, do Desenvolvimento Social, da Casa Civil, da

Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação, das Minas e Energia, e a Secretaria de Relações Institucionais, são todos importantes devido às suas potenciais associações com a saúde silvestre. Além dos ministérios, também é fundamental incluir instituições vinculadas a essas políticas públicas, como o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), e outras organizações afins. Essas instituições desempenham papéis essenciais na implementação de medidas de conservação, pesquisa científica e proteção dos povos originários e tradicionais, que estão intrinsecamente relacionados à saúde silvestre. Reconhecemos a importância da colaboração e coordenação entre esses órgãos e instituições para abordar efetivamente as questões de saúde silvestre, preservação da biodiversidade e saúde pública. A participação síncrona, ativa e coordenada de todas essas entidades é fundamental para uma abordagem abrangente e eficaz nessa área.

19 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

CONTEXTUALIZAÇÃO POR QUE A SAÚDE SILVESTRE IMPORTA?

A biodiversidade e os ecossistemas desempenham serviços ecossistêmicos que têm um papel crucial na regulação de processos ecológicos essenciais, como a purificação da água, a polinização de cultivos, a decomposição de resíduos e a regulação do clima. Esses serviços ecossistêmicos são vitais para sustentar a vida e manter a nossa saúde. Segundo a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), a saúde de animais silvestres está interligada com ao menos sete dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela instituição em 2015: Fome Zero e Agricultura Sustentável (ODS 2); Saúde e Bem-Estar (ODS 3); Trabalho Decente e Crescimento Econômico (ODS 8); Indústria Inovação e Infraestrutura (ODS 9); Consumo e Produção Responsáveis (ODS 12); Vida em Água (ODS 14); e Vida Terrestre (ODS 15).

As pessoas e animais compartilham muitos microorganismos. Essa coexistência natural, comum e importante para a saúde. Apenas alguns desses microorganismos causam doenças. As doenças transmissíveis de origem zoonótica (zoonoses) são enfermidades que podem ser transmitidas entre animais e humanos. Aproximadamente 60% das infecções humanas são estimadas como tendo origem animal (Woolhouse & Gowtage-Sequeri, 2005), e dentre todas as doenças infecciosas humanas emergentes, cerca de 70% tem animais silvestres como reservatórios (Jones et al. 2008). Segundo o relatório das nações unidas sobre prevenção de pandemias (ONU 2020), dentre os principais fatores relaciona-

dos com a emergência de zoonoses estão a utilização insustentável dos recursos naturais acelerada pela urbanização, mudanças no uso da terra, indústrias extrativas e o aumento do uso e exploração da vida silvestre. Isso porque a diversidade de espécies em um ecossistema contribui para o chamado “efeito de diluição”, no qual a presença de uma variedade de espécies reduz a propagação de doenças (Johnson & Thieltges 2010, Civitello et al. 2015). A diversidade de espécies diminui as chances de um único parasito se espalhar rapidamente, tornando mais difícil a sua transmissão entre os hospedeiros. Portanto, a conservação da biodiversidade é essencial para manter a saúde dos ecossistemas e controlar naturalmente o surgimento e a propagação de doenças.

A compreensão destes problemas e a busca por soluções requer informações sobre a distribuição e diversidade de espécies, e também sobre as interações ecológicas em comunidades e ecossistemas em diversas escalas de espaço e tempo (Johnson et al., 2015). A Saúde Silvestre é um eixo da Uma só Saúde (Box 2, Figura 1), que é uma abordagem que reconhece que a saúde dos seres humanos, animais domésticos e silvestres, plantas e o meio ambiente em geral (incluindo ecossistemas) estão intimamente ligados e interdependentes. Nessa tríade, apesar de a saúde dos animais silvestres ser um componente fundamental da saúde planetária, ainda não é rotineiramente considerada e tampouco interconectada nas políticas públicas para a saúde humana, animal e ambiental, até que

20 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

um surto zoonótico de doenças proeminentes ocorra. E, ao ocorrer, as espécies silvestres são muitas vezes erroneamente consideradas como uma ameaça à saúde humana, quando também são fortemente impactadas, geralmente, um reflexo de ambientes e sistemas microbióticos perturbados. A saúde silvestre tem sido negligenciada como um importante indicador da saúde ambiental e preditor de surtos e emergência de zoonoses nas populações humanas e dos próprios animais. Esse cenário de negligência da saúde da vida silvestre, com raras exceções, também se aplica quando consideramos a vigilância eco - epidemiológica de zoonoses e a conservação da vida silvestre, sendo subdesenvolvida e desconectada entre as diversas esferas da gestão pública e entre os diferentes setores da saúde, do ambiente e da agricultura. De fato, as atuais políticas públicas que envolvem animais estão relacionadas com zoonoses, mas nenhuma possui relação direta com os animais silvestres, apenas com animais de produção, no intuito de proteção dos rebanhos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e prevenção ou enfrentamento de surtos na saúde pública pelo Ministério da Saúde (MS). O monitoramento da ocorrência de doenças nas populações silvestres pode fornecer alertas precoces de zoonoses e riscos potenciais de infecções emergentes que podem afetar a saúde humana, animal e ambiental, e também são um importante componente para o desenvolvimento de estratégias de conservação de espécies. Não se trata apenas de catalogar quais parasitos circulam em animais silvestres. Os dados adquiridos devem ser interpretados sob a perspectiva de Uma só Saúde, considerando os impactos potenciais das perturbações dos sistemas parasito-

hospedeiro na interface humanoanimal - ambiental. Para isso, é necessário aumentar os esforços para preencher lacunas do conhecimento, desenvolver capacidade e formação de recursos humanos e estrutura para a detecção de situações de risco e rápido diagnóstico para vigilância, desenvolvimento de sistemas integrados de base de dados de qualidade e informação e manejo em animais silvestres envolvidos nas situações de risco de emergência e/ou de ocorrência de de surtos zoonóticos, além de desenvolver sistemas de gestão da informação e comunicação dos dados e estabelecer colaborações e parcerias multissetoriais é extremamente urgente e necessário para subsidiar a análise da situação de saúde no Brasil e para implementar políticas de saúde pública, animal e de conservação da biodiversidade. Existem oportunidades para prevenir doenças infecciosas e reduzir a perda de biodiversidade, incluindo seus fatores comuns por meio de uma abordagem sinérgica. Ao considerarmos a saúde de animais silvestres, preservamos a biodiversidade e investimos em um futuro mais saudável e sustentável.

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BOX 2

A DEFINIÇÃO DE UMA SÓ SAÚDE E SEUS

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

A Uma só Saúde - ‘One Health’ é uma abordagem integrada e holística que busca alcançar um equilíbrio sustentável e uma saúde ideal para humanos, animais e ecossistemas (Figura 1). A abordagem reconhece que a saúde dos seres humanos, animais domésticos e silvestres, plantas e o meio ambiente em geral (incluindo ecossistemas) estão intimamente ligados e interdependentes.

A Uma só Saúde mobiliza vários setores, disciplinas e comunidades em níveis variados da sociedade para trabalhar em conjunto para promover o bem-estar e combater as ameaças à saúde e aos ecossistemas, abordando a necessidade coletiva de alimentos saudáveis, água, energia e ar, levando em consideração as ações sobre as mudanças climáticas e contribuindo para o desenvolvimento sustentável.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

SUBJACENTES, INCLUINDO:

1. Equidade entre setores e disciplinas;

2. Paridade sociopolítica e multicultural (a doutrina de que todas as pessoas são iguais e merecem direitos e oportunidades iguais) e inclusão e engajamento de comunidades e vozes marginalizadas;

3. Equilíbrio socioecológico que busca um equilíbrio harmonioso entre a interação homem-animal-ambiente e reconhece a importância da biodiversidade, acesso a espaço e recursos naturais suficientes e o valor intrínseco de todos os seres vivos dentro do ecossistema;

4. Governança e responsabilidade dos seres humanos para mudar o seu comportamento e adotar soluções sustentáveis que reconheçam a importância do bem-estar animal e a integridade de todo o ecossistema, garantindo assim o bem-estar das gerações atuais e futuras; e

5. Transdisciplinaridade e colaboração multissetorial, que inclui todas as disciplinas relevantes, formas de conhecimento modernas e tradicionais e uma ampla gama representativa de perspectivas.

22 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

One Health - Uma só Saúde em direção a um futuro saudável e sustentável, baseado no Painel de Especialistas de Alto Nível (OHHLEP et al. 2022).

23 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE
Figura 1

POR QUE A SAÚDE SILVESTRE REQUER ATENÇÃO

IMEDIATA?

OHHLEP, Adisasmito, W.B., Almuhairi, S., Behravesh, C.B., Bilivogui, P., Bukachi, S.A., Casas, N., et al. (2022). One Health: A new definition for a sustainable and healthy future. PLOS Pathog., 18, e1010537.

As mudanças globais causadas pelo homem, como desmatamento, estão impulsionando o surgimento e a disseminação de doenças infecciosas e parasitárias, bem como a perda de biodiversidade, através de atividades como indústrias extrativas (incluindo extração de madeira e mineração), introdução de espécies invasoras e desenvolvimento urbano. Ao mesmo tempo, as relações entre humanos, animais silvestres, domésticos e de produção têm crescido em uma escala cada vez maior, gerando um risco acentuado do aumento de doenças transmissíveis. Atualmente, temos como exemplo a influenza aviária (H5N1), que tem uma alto potencial de transmissão entre as aves silvestres e de produção, impactando diretamente a economia pelo setor agropecuário (Karesh et al. 2012). Globalmente, as relações mais próximas entre humanos-animaisambiente resultaram em um aumento significativo dos eventos conhecidos de doenças zoonóticas emergentes provenientes da vida silvestre nos últimos 80 anos (Smith et al. 2014), gerando preocupações de saúde pública, econômicas, sociais e ambientais, como exemplificado pela pandemia de COVID-19: gerou um gasto econômico 98% maior do que o que seria necessário em medidas preventivas (Dobson et al. 2020). Apesar das zoonoses emergentes acarretarem impactos significativos na saúde e

na economia, é importante ressaltar que elas também têm o potencial de se tornarem endêmicas, causando impactos duradouros. Doenças transmitidas por vetores e causadas por parasitos, cuja prevalência está associada às mudanças na biodiversidade (que aumentam à medida que a biodiversidade diminui), têm evidenciado a tendência de perpetuar o ciclo de pobreza em determinadas regiões. O declínio da biodiversidade, assim como o desequilíbrio da dinâmica parasito-hospedeiro-ambiente é refletido diretamente na saúde silvestre. A expansão das atividades humanas sobre os habitats naturais resulta na formação de mosaicos de paisagens, nos quais fragmentos florestais isolados são cercados por populações e atividades humanas. Como consequência, as populações animais desses fragmentos de habitat possuem maior propensão a desencadear epidemias, devido principalmente aos efeitos negativos da degradação do habitat na nutrição e imunologia animal (McCallum et al. 2002, Lloyd-Smith et al. 2009).

Ao mesmo tempo, os agroecossistemas atraem mamíferos silvestres generalistas e espécies sinantrópicas, como roedores e porcos, que se alimentam de lavouras em regeneração ou vegetação, além de carnívoros que predam animais domésticos e de criação. Essas interações criam as condições necessárias para eventos de transmissão de doenças entre animais silvestres, animais domésticos e de criação, e seres humanos (transbordamento) (Plowright et al. 2017). Além disso, atividades socioeconômicas predominantes, como extração de madeira, caça (legal ou

24 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

legal), expansão urbana, agricultura e pecuária, também influenciam as condições para o surgimento de surtos de doenças zoonóticas. Por exemplo, o desmatamento apresenta correlação significativa com a incidência de malária e leishmaniose (Bauch et al. 2016), enquanto em áreas desmatadas e savanizadas, as atividades florestais e agrícolas favorecem a transmissão de hantavírus, febre amarela e febre maculosa (Luz et al. 2019). Como a megadiversidade de todos os biomas brasileiros se estende a espécies parasitas, há um grande conjunto de potenciais doenças zoonóticas emergentes (DZs) (Keesing et al. 2010).

Neste contexto, a Saúde Silvestre entra como ferramenta necessária e urgente

de monitoramento e compreensão de agentes infecciosos emergentes e reemergentes, sendo base para a articulação entre a biodiversidade, agricultura e saúde pública. Trabalhando como um índice sintético da biodiversidade, a saúde silvestre traz um alerta precoce à gestão pública sobre a emergência de doenças, diminuindo os altos custos financeiros e sociais dos surtos zoonóticos. Assim, além de ser um indicador fundamental da saúde ecossistêmica, responsável por serviços essenciais aos seres humanos, sistemas agrícolas e meio ambiente, também é imprescindível na previsão de emergência de zoonoses e na conservação dos ambientes naturais.

PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

COMO A SAÚDE SILVESTRE É ABORDADA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO BRASIL?

No Brasil, embora existam iniciativas esparsas com pontos fortes em diferentes esferas e instituições, é importante destacar que atualmente não existe uma legislação específica que contemple a saúde silvestre, e nenhuma instituição governamental tem mandato ou atribuição que abranja completamente a saúde da vida silvestre.

De modo geral, as doenças zoonóticas consideradas como de potencial impacto à saúde pública estão listadas na portaria de notificação compulsória (Portaria GM/MS no. 420 de 02/03/2022), o que permite a atuação do Ministério da Saúde frente a ocorrência de surtos. A notificação compulsória consiste na comunicação obrigatória à autoridade de saúde, sendo realizada por médicos, profissionais da saúde ou responsáveis por estabelecimentos de saúde, sejam eles públicos ou privados, quando há suspeita ou confirmação de doença, agravo ou evento relacionado à saúde pública. Essa notificação pode ocorrer de forma imediata (ex., hantavirose, febre amarela) ou semanal (ex., leishmaniose, Doença de Chagas), conforme especificado pela Portaria GM/MS no. 1.102 de 13/05/2022. Há também a notificação compulsória imediata de algumas epizootias, que são listadas na Portaria no. 782 de 15/03/2017: febre amarela, raiva, febre do Nilo Ocidental, outras arboviroses de importância em saúde pública (encefalomielite equina do Oeste, do Leste e Venezuelana, Oropouche, Mayaro), peste e influenza. O mesmo documento também padroniza os procedimentos normativos para a notificação compulsória, através da

vigilância animal, focando em doenças ou morte de animais ou grupo de animais que possam representar riscos para a saúde pública, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS).

Para o cumprimento e operacionalização das ações previstas na Portaria no. 782 de 15/03/2017, a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA/ MS) é o órgão responsável pelas normas complementares, funcionamento dos sistemas de informação e demais orientações técnicas. Apesar deste documento representar um avanço na regulação em direção ao tema de saúde silvestre, apenas estipula e estimula a criação de mecanismos para a obrigatoriedade de notificação de casos de algumas poucas doenças infecciosas, e eventos de saúde pública, como morte de primatas não humanos, aves, canídeos, roedores e animais silvestres de modo geral, sem no entanto atribuir ações de manejo e vigilância ativa em populações silvestres. Uma ação com potencial de melhorar a situação da temática no nosso país é a criação do Grupo de Trabalho Interinstitucional em Uma só Saúde (decreto de oficialização ainda não publicado), cuja proposta principal é o desenvolvimento de um Plano de Ação Nacional de Uma só Saúde, e une representantes de diversos setores, como MS, Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Empresa

26 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Conselhos Federais de Biologia (CFBio), Enfermagem (Cofen), Medicina (CFM), Medicina Veterinária (CFMV), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), dentre outros. Caso tal GTI realize o trabalho cooperativo que se propõe, na prevenção e controle das ameaças à saúde na interface homem-animal-ambiente, poderá dispor do poder político necessário para instituir e regulamentar as questões relativas à saúde silvestre que discutimos no presente relatório. No Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), há o Departamento de Saúde Animal (DSA), especificamente relacionado à saúde animal. O DSA é responsável por diversas áreas de atuação, tais como formulação de diretrizes governamentais para garantir a saúde dos animais, fiscalização e controle da qualidade dos produtos veterinários e materiais utilizados na reprodução animal; planejamento, coordenação, acompanhamento e avaliação das atividades de vigilância zoossanitária, prevenção, controle e erradicação de doenças animais (Decreto no. 11.332 de 01/01/2023). Atualmente, o MAPA desenvolve dez programas sanitários relacionados diretamente com a saúde animal: (1) Programa Nacional de Vigilância para a Febre Aftosa (PNEFA); (2) Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal (PNCEBT); (3) Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros (PNCRH); (4) Programa Nacional de Sanidade Avícola (PNSA); (5) Programa Nacional de Sanidade Apícola (PNSAb); (6) Programa Nacional de Sanidade dos Equídeos (PNSE); (7) Programa Nacional de Sanidade de Caprinos e Ovinos (PNSCO); (8) Programa Nacional de

Sanidade dos Suídeos (PNSS); (9) Programa Nacional de Sanidade dos Animais Aquáticos (Aquicultura com Sanidade); (10) Programa Nacional de Prevenção e Vigilância da Encefalopatia Espongiforme Bovina (PNEEB). Alguns desses programas possuem interface com os animais de vida livre, normalmente relacionados com vigilância passiva, além de listar algumas espécies silvestres como susceptíveis e, portanto, passíveis de notificação para o serviço veterinário oficial em casos de mortalidade excepcional. Assim, quando casos suspeitos notificados são caracterizados como prováveis, são coletadas amostras, realizada investigação epidemiológica e adoção de medidas de proteção dos plantéis de produção da região afetada. Existem também algumas iniciativas de vigilância ativa, como o Plano Integrado de Vigilância de Doenças dos Suínos, que conta com um componente de vigilância sorológica em suínos asselvajados. Entretanto, o MAPA não pode atuar diretamente em animais de vida livre sem a prévia autorização do órgão ambiental competente (Lei no. 5197 de 03/01/1967), com exceção nos casos em que determinadas espécies sejam caracterizadas como sinantrópicas (Instrução Normativa IBAMA no. 141 de 19/12/2006). Um exemplo é o Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros (PNCRH) que, dentre as suas estratégias de ação, inclui o controle de morcegos hematófagos da espécie Desmodus rotundus, quando houver risco de transmissão da raiva aos herbívoros de criação (Instrução Normativa no. 5 de 01/03/2022). Portanto, o MAPA é acionado no caso de evento de transbordamento para animais de criação, mas não possui atribuição para o tratamento das populações de animais silvestres envolvidas nos surtos,

27 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

exceto em casos de raiva (morcegos). Nos casos de raiva em humanos ocorrendo em áreas rurais, os animais de produção são utilizados como sentinelas, e o órgão vinculado à agricultura (ex., Secretaria de Agricultura do município) comunica à secretaria de saúde local, para realizar a investigação em pessoas expostas. Dadas as atribuições do MAPA, portanto, as populações silvestres poderiam ser incluídas na vigilância ou no estudo do ciclo da cadeia epidemiológica afetando os animais de produção, caso interesse à alta gestão ministerial. No entanto, o MAPA atualmente não possui competência para atuar sobre a fauna ou na saúde silvestre.

Finalmente, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) tem como missão desenvolver e executar políticas ambientais nacionais de forma coordenada e consensual com entidades públicas e a sociedade, visando promover o desenvolvimento sustentável. Atualmente, suas competências incluem (Decreto 11.349 de 01/01/2023): (1) política nacional do meio ambiente; (2) política nacional dos

recursos hídricos; (3) política nacional de segurança hídrica; (4) política nacional sobre mudança do Clima; (5) política de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, biodiversidade e florestas; (6) gestão de florestas públicas para a produção sustentável; (7) gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em âmbito federal; (8) estratégias, mecanismos e instrumentos regulatórios e econômicos para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais; (9) políticas para a integração da proteção ambiental com a produção econômica; (10) políticas para a integração entre a política ambiental e a política energética; (11) políticas de proteção e de recuperação da vegetação nativa; (12) políticas e programas ambientais para a Amazônia e para os demais biomas brasileiros; (13) zoneamento ecológico-econômico e outros instrumentos de ordenamento territorial, incluído o planejamento espacial marinho, em articulação com outros Ministérios competentes; (14) qualidade ambiental dos assentamentos humanos, em articulação com o Ministério

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das Cidades; (15) política nacional de educação ambiental, em articulação com o Ministério da Educação; e (16) gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, em articulação com o Ministério da Pesca e Aquicultura. Na sua estrutura, o MMA conta com a Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais (SBio), cujas competências incluem propor políticas e normas e definir estratégias em diversos temas, dentre eles destacamos dois que poderiam abarcar o tema de saúde silvestre de forma específica (Decreto no. 11.349 de 01/01/2023): (i) a proteção e a recuperação de espécies da flora, da fauna e de microorganismos ameaçados de extinção; e (ii) a promoção da proteção, defesa, bem-estar e direitos animais. De fato, o MMA atua nas espécies silvestres ameaçadas através do estabelecimento dos Planos de Ação Nacional (PAN) (Portaria MMA no. 43 de 31/01/2014) com parcerias, mas ações específicas de saúde silvestre entram na agenda apenas de forma indireta. Os PANs são instrumentos de gestão atribuídos ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e são construídos de forma participativa com a finalidade de definir ações in situ e ex situ para conservação e recuperação de espécies ameaçadas de extinção e quase ameaçadas, cujos objetivos são estabelecidos em um período de tempo definido. Nos PANs são elencadas as principais ameaças para a conservação das espécies ameaçadas, onde podem ser incluídas as zoonoses, e ações prioritárias para mitigar seus efeitos.

Atualmente, medidas relacionadas a saúde silvestre podem ser exemplificadas em dois planos: (1) PAN Ungulados (Portaria no. 356 de 25/07/2019),

na Ação 1.5, que prevê “sensibilizar e informar MAPA e Agências Estaduais de Defesa Agropecuária sobre o risco de doenças infecciosas para a conservação de ungulados silvestres, a importância do manejo sanitário adequado do rebanho e do monitoramento da saúde dos ungulados domésticos, para a conservação da biodiversidade”; e (2) PAN Canídeos (Portaria no. 664 de 06/07/2018), nas ações 2.1, 2.6, 2.7 e 2.8, que preveem, respectivamente, “levantar e mapear a ocorrência de patógenos e agentes tóxicos nos carnívoros silvestres e em cães domésticos nas áreas de populações conhecidas”; “realizar estudo piloto dos impactos epidemiológicos e realizar ações mitigatórias em duas áreas de interface doméstico/silvestre”; “elaborar protocolo de atenuação de riscos sanitários para locais de recebimento e para destinação das quatro espécies de canídeos silvestres”; e “encaminhar protocolo de atenuação de riscos sanitários às instituições receptoras e mantenedoras”. Além disso, dentre as atribuições do ICMBio, está incluído o monitoramento da biodiversidade em longo prazo, para avaliar as respostas de populações ou ecossistemas às práticas de conservação e aos impactos de fatores externos (ex., perda de habitat, as alterações da paisagem) (Programa MONITORA; Instrução Normativa ICMBio no. 3/2017). Embora os protocolos de monitoramento não incluam avaliar se os declínios populacionais são resultantes de zoonoses, seus dados podem fazer tais indicações. Em um passo além, esta iniciativa poderia ainda acomodar um protocolo sanitário de baixo custo e alta replicabilidade para avaliar a a ocorrência de doenças-chave em animais silvestres em uma escala nacional.

29 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

As informações sobre os parasitos e possíveis zoonoses ocorrendo na fauna silvestre também se faz necessária especialmente ao ICMBio (e ao MS), devido a prática da caça de subsistência por populações tradicionais e em estado de necessidade, comumente realizada em unidades de conservação (UCs), principalmente na Amazônia. Embora esta atividade seja legalmente permitida por povos originários e tradicionais, não há uma política específica que reconheça o manejo desta atividade no Brasil (Antunes et al. 2019). Portanto, devem ser priorizadas políticas públicas para o manejo sustentável desta atividade, visando não apenas a proteção das espécies caçadas, mas também a segurança alimentar destas populações, que ao mesmo tempo possa discernir a caça de subsistência da caça predatória/ comercial, incorporando um protocolo de monitoramento da saúde silvestre das espécies consumidas localmente. De modo geral, o MMA poderia abarcar o tema da saúde silvestre na sua estrutura atual de diversas formas, principalmente quando consideramos a possibilidade da atuação conjunta com outros órgãos do poder público, como o MS e MAPA. Quando avaliamos as demais esferas do poder público, percebemos que o tema da saúde silvestre poderia ser contemplado de diversas formas. Considerando apenas os órgãos de saúde, as políticas públicas municipais são regidas pela Programação Anual de Saúde (PAS), cujas ações de vigilância relacionadas às zoonoses seguem o estabelecido pelo Plano Estadual de Saúde (PES) e pelas resoluções do Ministério da Saúde (MS). Normalmente, as iniciativas empregadas são reativas, ou seja, dependem do cenário local de doenças infecciosas e do tipo

de agravo emergente, e são realizadas a partir do interesse do gestor e de parcerias com outras instituições, geralmente a mente a partir de convites de órgãos estaduais (e.g., Secretaria de Saúde do Estado). Por exemplo, no município de Posse (GO), existem ações voltadas para o controle da Doença de Chagas (tripanossomíase) com foco nos vetores (besouros), mas não para os mamíferos silvestres reservatórios do parasito Trypanosoma spp. No mesmo município, apesar de ocorrerem casos humanos de leishmaniose visceral e tegumentar e raiva, não são realizadas ações para controle dos parasitos em cães domésticos (principais reservatórios de leishmaniose visceral), nem o controle de populações de morcegos (principais reservatórios do vírus da raiva). Mesmo quando existem ações relacionadas às zoonoses previstas no PAS, a falta de garantia na execução prejudica o planejamento orçamentário do ano subsequente. Na esfera estadual, os planos de saúde dos estados (Plano Estadual de Saúde - PES) podem incluir medidas de prevenção, controle e vigilância de zoonoses, como a vacinação de animais domésticos, a implementação de estratégias de monitoramento epidemiológico, e ações de conscientização pública, educação em saúde e treinamento de profissionais de saúde. De forma geral, os PES podem abordar a saúde silvestre por meio de ações como a pesquisa de patógenos em animais silvestres, a fiscalização do comércio desses animais e a promoção de boas práticas de manejo e conservação dos ecossistemas. Entretanto, apesar de apenas alguns estados brasileiros possuírem um plano estadual de vigilância em epizootias, eles incluem apenas raiva e febre amarela (ex. Ceará; SESA-CE 2018).

30 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

CONSIDERAÇÕES DE RELEVÂNCIA EM SAÚDE SILVESTRE

A BIODIVERSIDADE E OS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS

SÃO PILARES CENTRAIS DA ABORDAGEM DE UMA SÓ SAÚDE

• Serviços ecossistêmicos e bem-estar humano:

Os ecossistemas saudáveis fornecem uma variedade de serviços ecossistêmicos essenciais para a saúde humana, como a polinização, manutenção do clima, o fornecimento de alimentos nutritivos, água limpa, ar puro e um ambiente propício para atividades recreativas e de relaxamento. A conservação da biodiversidade é fundamental para manter a integridade dos ecossistemas e garantir o equilíbrio dos sistemas naturais, dos quais dependem a saúde humana e animal.

• Proteção contra doenças emergentes: A diversidade biológica nos ecossistemas contribui para regular as populações de organismos, incluindo vetores e reservatórios de patógenos, os próprios patógenos, e outros microorganismos.

A perda de biodiversidade pode levar ao desequilíbrio ecológico, aumentando o risco de emergência e propagação de doenças, como zoonoses.

• Biodiversidade parasitária: Os parasitos têm papel fundamental na natureza, representando quase metade das espécies já descritas no mundo. Eles podem contribuir para a manutenção de ecossistemas saudáveis, aumentando a biodiversidade de espécies hospedeiras e modulando processos de competição e predação, podendo atuar como indicadores da qualidade ambiental.

• Medicina baseada em ecossistemas: A biodiversidade é uma fonte valiosa de recursos medicinais. Muitos medicamentos e tratamentos são derivados de plantas, animais e microorganismos presentes nos ecossistemas. A preservação da biodiversidade é essencial para garantir a continuidade desses recursos medicinais e o desenvolvimento de novas terapias.

• Resiliência e adaptação:

A biodiversidade aumenta a resiliência dos ecossistemas diante de mudanças e perturbações, como mudanças climáticas e eventos extremos. Ecossistemas saudáveis e diversificados são capazes de se adaptar e se recuperar mais rapidamente, o que também beneficia a saúde humana e animal.

• No Brasil:

É considerado o país mais biodiverso do mundo pela Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, com mais de 103.000 espécies animais e mais de 43.000 espécies de plantas conhecidas no país, o que representa de 15 a 20% do total de espécies do mundo; tal conhecimento encontra-se em expansão, e em média 700 novas espécies de animais são descritas por ano (Convention on Biological Diversity, 2023).

32 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos desempenham um papel essencial na abordagem da Uma só Saúde, integrando a saúde humana, animal e ambiental. A conservação da biodiversidade e a proteção dos ecossistemas são fundamentais para promover a saúde e o bem-estar de todas as formas de vida no planeta.

ÁREAS NATURAIS CONSERVADAS SÃO

IMPRESCINDÍVEIS PARA UMA SÓ SAÚDE

• Preservação da biodiversidade: As áreas naturais conservadas, como as unidades de conservação e terras indígenas, abrigam uma ampla variedade de espécies animais e vegetais, contribuindo para a preservação da biodiversidade. A biodiversidade das áreas preservadas está associada também à diversidade cultural desenvolvida por populações que, em alguns casos, residem nesses locais.

• Regulação do clima e qualidade do ar: As áreas naturais, como florestas, manguezais e áreas úmidas, desempenham um papel crucial na regulação do clima e na purificação do ar. Elas atuam como sumidouros de carbono, ajudando a mitigar as mudanças climáticas, e filtram poluentes do ar, melhorando sua qualidade. Isso tem impacto direto na saúde humana e animal, reduzindo os riscos de doenças respiratórias e cardiovasculares.

• Conservação de recursos hídricos: As áreas naturais conservadas desempenham um papel vital na proteção e conservação dos recursos hídricos, como rios, lagos e aquíferos subterrâneos. Elas atuam como áreas de recarga de água e regulam o fluxo dos cursos d’água, contribuindo para o abastecimento de água potável para comunidades humanas e para a manutenção dos ecossistemas aquáticos saudáveis.

• Promoção da saúde mental e bem-estar:

A natureza exerce um impacto positivo na saúde mental e no bem-estar humano. Áreas naturais conservadas proporcionam espaços para recreação, lazer, prática de atividades físicas e contato com a natureza, o que pode reduzir o estresse, melhorar o humor e promover uma melhor qualidade de vida.

• Prevenção de doenças zoonóticas:

Ao preservar os habitats naturais, evitamos a perturbação dos ecossistemas e a disseminação de patógenos entre diferentes espécies. Entretanto, há que ter especial atenção aos diferentes usos da paisagem nas zonas de amortecimento e entornos das unidades de conservação pois estas áreas têm papel importante na relação com as zoonoses do território e muitas vezes favorecem o contato entre animais domésticos, silvestres e os seres humanos e, podendo assim favorecer o compartilhamento de parasitos, muitos deles causadores de doenças.

• Sistemas-modelo:

As áreas naturais conservadas podem ser utilizadas em pesquisa como sistemas-modelo para compreender a dinâmica complexa parasito-hospedeiro-ambiente, fundamental para a previsão de eventos de transbordamento e a adoção de estratégias na

33 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

prevenção de doenças infecciosas em animais e humanos.

• No Brasil:

Atualmente possui 334 unidades de conservação federais, várias delas com grande potencial turístico, que pode ser utilizado como fonte de renda sustentável. Contudo, por serem áreas com potencial alta diversidade de parasitos e hospedeiros, a gestão e

o plano de manejo das unidades de conservação devem incluir boas práticas de uso e de visitação, com foco em Uma só Saúde. Além disso, deve incluir recomendações para os diferentes usos da paisagem nas zonas de amortecimento e entorno de forma a evitar a transmissão de parasitos zoonóticos.

Áreas naturais conservadas são fundamentais para a abordagem da Uma só Saúde, proporcionando benefícios para a biodiversidade, regulação do clima, qualidade do ar, recursos hídricos, saúde mental e prevenção de doenças zoonóticas. Investir na conservação dessas áreas é essencial para promover a saúde e o bem-estar de todas as formas de vida, incluindo humanos e animais.

A PERDA DA BIODIVERSIDADE PODE LEVAR À EMERGÊNCIA DE ZOONOSES

• Disrupção dos ecossistemas:

A degradação e destruição dos ecossistemas naturais reduzem a diversidade de espécies. Isso pode levar a uma ruptura do equilíbrio dinâmico dos ecossistemas e favorecer o aumento da abundância de determinadas espécies, incluindo aquelas que são hospedeiras de agentes patogênicos. Com menos diversidade, os parasitos têm maior probabilidade de se espalharem e infectarem outras espécies (transbordamento), incluindo os seres humanos.

• Pressão sobre a saúde humana:

A perda de habitats naturais e a fragmentação de ecossistemas levam a um aumento do contato entre animais silvestres, animais domésticos e seres humanos. Essa interação aumenta o risco de transmissão de parasitos, devido a eventos conhecidos como

transbordamento (spillover), quando os parasitos encontram novas oportunidades ao explorar outros animais devido ao aumento do contato entre hospedeiros ou à aquisição de variações que favorecem a infecção. A emergência de zoonoses representa uma ameaça direta à saúde humana, com potencial para causar surtos e epidemias, com impactos graves na saúde pública, levando a hospitalizações, perda de vidas e impactos socioeconômicos significativos.

• Impactos na conservação: Parasitos provenientes de animais domésticos e do ser humano podem causar efeitos negativos na saúde silvestre e biodiversidade, principalmente em populações de espécies silvestres ameaçadas. A introdução de espécies não nativas (espécies invasoras ou

34 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

exóticas) pode alterar a biodiversidade local, trazendo parasitos não nativos e servindo como novos hospedeiros para parasitos locais.

• Mudanças ambientais e climáticas: As mudanças climáticas e as alterações ambientais têm impactos significativos na distribuição de espécies e nos padrões de interação entre animais e humanos. Essas mudanças podem levar ao deslocamento de espécies, mudança na distribuição de parasitos e vetores, promovendo o encontro de diferentes populações e aumentando as chances de transmissão de doenças entre elas.

• No Brasil:

Dentre as principais causas da perda de biodiversidade no Brasil estão o desmatamento e a fragmentação de áreas naturais. Esses processos levam ao isolamento dessas áreas e à simplificação das comunidades de fauna, o que pode levar espécies hospedeiras e vetoras a se tornarem dominantes em paisagens degradadas. Há necessidade de se conhecer os riscos à saúde humana, animal e ambiental ao se realizar estudos de impacto ambiental e na saúde em obras, tanto em áreas de interface urbana/natural quanto em ambientes naturais, para planejar mitigação de riscos.

A perda da biodiversidade contribui para a emergência de zoonoses, destacando a importância da conservação dos ecossistemas e da adoção de medidas para prevenir a degradação ambiental e proteger a saúde humana.

O COMÉRCIO E O CONSUMO DE FAUNA SILVESTRE

SÃO UM RISCO IMPORTANTE PARA OCORRÊNCIA DE ZOONOSES

• Diversidade de hospedeiros:

A fauna silvestre abriga naturalmente uma variedade de patógenos que geralmente não são encontrados em animais domésticos. Atividades que favoreçam o contato entre eles, como mudanças do uso da terra, e o comércio e consumo de animais silvestres podem facilitar a introdução desses patógenos em animais de produção e populações humanas, ampliando assim o espectro de doenças zoonóticas.

• Transmissão de parasitos:

O contato próximo entre animais silvestres, domésticos e seres humanos durante o comércio e consumo de fauna

silvestre aumenta a probabilidade de transmissão de patógenos entre esses três grupos. Isso ocorre devido à exposição a vírus, bactérias e outros parasitos presentes naturalmente nos naturalmente nos animais silvestres, resultando em doenças zoonóticas.

• Condições de confinamento e abate: Durante o processo de captura, transporte e abate de animais silvestres para comércio e consumo, frequentemente são observadas condições precárias de higiene e bem-estar animal. Essas condições são mais propícias à transmissão de parasitos e patógenos aos seres humanos, faci-

35 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

litando a disseminação de doenças. Embora o consumo desses animais seja legal e essencial para a nutrição e o bem-estar de povos originários e tradicionais, a prática desregulada acarreta graves consequências tanto para a conservação quanto para a saúde pública. Os padrões de consumo de animais silvestres, como as espécies envolvidas, a quantidade consumida, as técnicas empregadas e a frequência de consumo, variam consideravelmente entre estados, culturas, classes socioeconômicas, distância de centros urbanos e disponibilidade de recursos silvestres e domésticos, resultando em diferentes níveis de exposição e risco regional.

• Mercados de animais vivos:

Em certos contextos, como mercados de animais vivos, a aglomeração de diferentes espécies de animais silvestres e a presença de humanos cria um ambiente propício para a transmissão de doenças, através da interação direta. A ausência de políticas públicas e regulamentações, juntamente com a falta de fiscalização adequada, contribui para o comércio ilegal de animais silves-

tres e a disseminação de parasitos. Isso resulta em um maior risco de contato humano-animal, transbordamento de patógenos e o surgimento de zoonoses.

• Resistência a antimicrobianos e antiparasitários:

Alguns estudos sugerem que o comércio de fauna silvestre contribui para o desenvolvimento e disseminação de resistência a antimicrobianos e antiparasitários. O uso indiscriminado destes fármacos em animais silvestres pode levar à seleção de cepas bacterianas e outros parasitos resistentes, representando um desafio adicional para o tratamento de doenças infecciosas.

• No Brasil:

Mais de 500 espécies silvestres de mamíferos, aves, répteis e anfíbios são utilizadas para fins alimentares (Fernandes-Ferreira 2014). Estima-se que o tráfico de animais silvestres remova mais de 38 milhões de animais da natureza no país a cada ano (Renctas 2007), impactando mais de 400 espécies, particularmente aves - cerca de 20% das aves nativas (Charity & Ferreira 2020).

Portanto, o comércio e o consumo de fauna silvestre apresentam uma séria ameaça à saúde humana, aumentando o risco de surgimento e propagação de zoonoses. A adoção de medidas rigorosas para controlar e regulamentar seu uso e comércio é fundamental para prevenir futuras epidemias e proteger a saúde pública.

36 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

BOX 3

A RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (RDS) MAMIRAUÁ

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, criada em 1990 e localizada no estado do Amazonas, entre os rios Solimões, Japurá e Auati-Paraná, é uma unidade de conservação reconhecida internacionalmente por sua importância na preservação da biodiversidade amazônica e no manejo sustentável dos recursos naturais. A organização das comunidades que residem na área é baseada em sistemas tradicionais de uso e gestão dos recursos naturais, onde a fauna silvestre desempenha um papel fundamental como fonte de subsistência e sustento. As comunidades tradicionais que habitam a RDS Mamirauá possuem profundos conhecimentos sobre as espécies da fauna silvestre da região, incluindo suas características, comportamentos, ciclos de reprodução e hábitos alimentares. Esses conhecimentos são transmitidos através de gerações, constituindo um patrimônio cultural e ambiental. Através de práticas de manejo sustentável, algumas das comunidades utilizam os recursos da fauna silvestre de forma consciente, respeitando os ciclos naturais e garantindo a conservação a longo prazo. Entretanto, os métodos de caça, tratamento, limpeza, modo de cozimento, e consumo variam de acordo com a região, comunidade e família. As mudanças sociais, fomentadas pela cultura e economia, têm afetado os padrões de consumo na

região, com moradores mais jovens deixando de consumir proteína de primatas. Além disso, o acesso a outras fontes (bovina e galinácea) são adquiridas em mercados de centros urbanos próximos, diminuindo a frequência da atividade de caça. Algumas das abordagens técnicas utilizadas na RDS Mamirauá incluem:

• Educação: são promovidas atividades no tema da educação ambiental, tanto para a população local das Unidades de Conservação e áreas circunvizinhas, quanto para líderes comunitários, Agentes Ambientais Voluntários (AAVs), Agentes de Educação Ambiental Mirins e Professores da área rural abrangida pelas Unidades de Conservação.

• Gestão Comunitária: através do programa de gestão comunitária, é promovida a gestão participativa de recursos naturais, apoiando ações de sustentabilidade e conservação da biodiversidade. Para isso, concentra esforços no fortalecimento de organizações comunitárias, incentivando o associativismo e cooperativismo. A participação ativa da população local é estimu-lada em fóruns de decisões sobre a gestão territorial e o manejo de recursos naturais em Unidades de Conservação. O principal objetivo é apoiar a conservação da biodiversidade através do manejo sustentável de recursos naturais.

• Manejo da Pesca: os recursos pesqueiros na RDS Mamirauá são

38 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

fundamentais para as comunidades, sendo a principal fonte de proteína e renda para os moradores ribeirinhos. Desde 1998, o Programa de Manejo de Pesca promove a conservação dos recursos pesqueiros através do manejo participativo de todas as fases do processo. Os objetivos centrais do programa incluem a promoção da conservação dos recursos pesqueiros nas reservas, a estimulação da extração sustentável, a geração de renda e a melhoria da qualidade de vida das comunidades envolvidas.

• Caça: considera os ciclos reprodutivos das espécies, mas geralmente é realizada de forma oportunística. Devido a RDS Mamirauá situar-se em ecossistema de floresta de várzea, os animais mais abundantes possuem hábitos arborícolas e com habilidades de uso da água. São, portanto, os mais frequentemente caçados. A administração da RDS Mamirauá desempenha principalmente um papel de orientação no gerenciamento dos recursos, fornecendo suporte técnico e capacitação às comunidades locais. Através de uma abordagem participativa e colaborativa, as necessidades das comunidades são conciliadas com a preservação da biodiversidade e a saúde dos ecossistemas, garantindo a sustentabilidade das atividades de manejo na Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Assim, o manejo na RDS Mamirauá é realizado de maneira consciente, visando a conservação da saúde silvestre e a promoção do uso sustentável dos recursos naturais pela comunidade.

O Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) realiza uma variedade de atividades voltadas para a gestão, manejo e pesquisa nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, localizadas no estado do Amazonas, em colaboração com o ICMBio. Por meio de pesquisas científicas, essas atividades constituem um vasto experimento de conservação e desenvolvimento social sustentável. Os estudos integram coconhecimentos tradicionais validados com a pesquisa científica, criando e fortalecendo modelos de uso da biodiversidade embasados na ciência. Esses modelos têm sido replicados de forma participativa em diversas regiões da Amazônia, do Brasil e também internacionalmente.

Mais informações podem ser encontradas em https://www.mamiraua.org.br/.

39

ALGUNS DOS ANIMAIS CAÇADOS

PELAS COMUNIDADES LOCAIS:

Diversas espécies são alvos da pesca na região, como pirarucu (Arapaima gigas), tambaqui (Colossoma macropomum), tucunaré (Cichla spp.) e surubim (Pseudoplatystoma spp.).

Tartarugas, como a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), iaçá (Podocnemis sextuberculata), e tracajá (Podocnemis unifilis), são capturadas para consumo de carne e ovos. Os ovos de quelônios são geralmente consumidos crus (i.e., o arabu, uma mistura de ovo, farinha e açúcar). Os jacarés são caçados principalmente por sua carne - jacaré-açu (Melanosuchus niger) e jacaré-tinga (Caiman crocodilus).

A caça de mamíferos aquáticos como o peixe-boi amazônico (Trichechus inunguis), o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-tucuxi (Sotalia fluviatilis) ocorre ocasionalmente, mas são importantes principalmente pelo tamanho corporal.

Principalmente queixada (Tayassu pecari), queixadapreta (Tayassu tajacu), capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris), anta (Tapirus terrestris), onça pintada (Panthera onca), guariba vermelho (Alouatta seniculus), uacari preto (Cacajao melanocephalus), e macaco prego (Sapajus macrocephalus).

Principalmente mutum-piurí ( Crax globulosa), pato-do-mato (Cairina moschata), e papagaios (Amazona spp.).

40 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

O EXEMPLO DO MANEJO DO PIRARUCU NA RDS

MAMIRAUÁ:

Em grande parte da região amazônica, os peixes desempenham um papel significativo na alimentação da população, além de possuírem um valor cultural e econômico substancial. No decorrer dos anos, o uso intensivo desses recursos pesqueiros levou muitas espécies à escassez, tornando necessária a implementação de medidas restritivas para assegurar a preservação dos estoques de peixes. Portanto, a adoção do manejo das espécies se tornou uma alternativa crucial para garantir tanto a subsistência econômica quanto a conservação da biodiversidade (IDSM, 2018). Nesse contexto, um exemplo notável de manejo sustentável dos recursos naturais como fonte de alimento é o manejo da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) (Figura 2). Desde 1998, o Instituto Mamirauá estabeleceu o Programa de Manejo de Pesca, contribuindo para a prática sustentável dos recursos pesqueiros, que representam a principal fonte de proteína animal e renda para as comunidades rurais da Amazônia. De acordo com o

E

Instituto Mamirauá, o manejo participativo da pesca de pirarucus, desde 1999, resultou em um aumento de cerca de 427% no estoque natural da espécie nas áreas sob manejo na Reserva, proporcionando um incremento significativo na renda dos pescadores locais (https://www. mamiraua.org.br/manejo-pesca).

Além da necessidade de garantir a preservação dos estoques pesqueiros, é essencial adotar boas práticas de manipulação, contribuindo para a melhoria da conservação, durabilidade e qualidade sanitária dos produtos, assegurando um alimento de alta qualidade e promovendo a saúde dos consumidores. O Instituto Mamirauá tem apoiado o manejo do pirarucu por meio da capacitação em Boas Práticas de Manipulação (BPM) do pescado, que são procedimentos de higiene a serem seguidos por pescadores e manipuladores desde a captura até a comercialização, minimizando o risco de doenças transmitidas pelos pescadores para o pescado e prolongando a vida útil do alimento (IDSM, 2018).

Figura 2

Etapas do manejo do pirarucu. As medidas de higiene devem ser seguidas pelos manipuladores (aqueles que têm contato direto com o peixe) em todas as fases da pesca e do pré-processamento (captura e manejo antes da limpeza e evisceração do pescado). Fonte: IDSM, 2018.

41 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE
SÓ LEMBRANDO QUE O CONSUMIDOR FINAL TAMBÉM É MANIPULADOR!

A VIGILÂNCIA ATIVA EM SAÚDE E A SUSTENTABILIDADE DA CADEIA PRODUTIVA DE ANIMAIS DE PRODUÇÃO

SÃO PEÇAS CHAVE PARA EVITAR FLUXO DE ZOONOSES

• Promoção da sustentabilidade ambiental:

A sustentabilidade da cadeia produtiva de animais de criação está intimamente ligada à saúde e ao bem-estar dos animais, bem como à preservação do meio ambiente. Práticas sustentáveis, como o manejo adequado de resíduos, a redução do uso de recursos naturais e a proteção dos ecossistemas, contribuem para a prevenção de doenças e a preservação da biodiversidade, reduzindo o risco de zoonoses. Ao passo que o agronegócio representa uma das mais importantes parcelas da economia nacional, o país também abriga uma das maiores biodiversidades do mundo. Isso implica um real e potencial fluxo e transbordamento de microrganismos entre espécies silvestres e as de consumo.

• Detecção precoce de doenças: A vigilância ativa em saúde permite a detecção precoce de doenças, possibilitando uma resposta rápida e eficaz para evitar a disseminação de zoonozes Isso pode incluir o contato direto de um profissional de saúde para facilitar a interlocução entre produtor e vigilância. Ao monitorar de perto a saúde dos animais de criação, é possível identificar sinais de doenças emergentes e tomar medidas preventivas antes que se tornem um risco para a saúde humana.

• Controle de surtos: Através da vigilância ativa e da implementação de medidas de biossegurança, é possível controlar surtos de zoonoses na cadeia produtiva de animais de criação. Isso envolve a identificação e o isolamento de ani-

mais infectados, a implementação de práticas adequadas de higiene e saneamento, e a adoção de medidas de prevenção, como a vacinação.

• Monitoramento da resistência antimicrobiana:

A vigilância em saúde animal inclui o monitoramento da resistência antimicrobiana, uma vez que o uso excessivo de antibióticos na produção animal pode levar ao desenvolvimento de bactérias resistentes a medicamentos, promovendo impactos na saúde pública, animal e na conservação da fauna silvestre. O controle adequado do uso de antimicrobianos na criação de animais reduz o risco de disseminação de bactérias resistentes aos seres humanos, evitando assim o surgimento de zoonoses resistentes a tratamentos.

• Fomento a práticas agroecológicas: Tanto a pecuária quanto a monocultura de insumos destinados à criação de animais de produção são os maiores responsáveis pelos altos índices de desmatamento ilegal em todos os biomas brasileiros. A perda e fragmentação de habitat causam distúrbios no equilíbrio ecossistêmicoe,portanto,nadisseminação de patógenos, por provocar maior contato entre a fauna silvestre e os animais das criações. O uso de técnicas agrícolas baseadas em boas práticas que preservem a biodiversidade e a segurança alimentar, como a agroecologia, é essencial para a manutenção do equilíbrio ecossistêmico, social, econômico e, por consequência, sanitário.

• Educação e conscientização:

A vigilância ativa em saúde e a sustentabilidade da cadeia produtiva dependem também da educação

43 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

popular e conscientização dos produtores, trabalhadores e consumidores. Promover a capacitação em boas práticas de produção, higiene e biossegurança, bem como fornecer informações sobre os riscos associados às zoonoses, ajuda a prevenir a ocorrência e disseminação dessas doenças.

• No Brasil:

A vigilância em saúde animal é conduzida por órgãos governamentais,

como o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), e envolve a coleta de dados, análise laboratorial e acompanhamento epidemiológico. No entanto, é necessária a implementação de programas interministeriais para fortalecer a coordenação e a colaboração entre diferentes ministérios, resultando m uma vigilância mais eficaz e abrangente, considerando a saúde silvestre.

A vigilância ativa em saúde e a sustentabilidade na produção animal são fundamentais para prevenir e controlar zoonoses. Isso envolve considerar a relação entre o agronegócio, a biodiversidade, a disseminação de patógenos, o desmatamento e o uso de práticas agrícolas sustentáveis. Através do monitoramento, controle de surtos, práticas sustentáveis, combate à resistência antimicrobiana e conscientização, é possível reduzir o impacto das zoonoses e proteger a saúde pública.

A

PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO PÚBLICA É FUNDAMENTAL NA MANUTENÇÃO DA BIODIVERSIDADE E PROMOÇÃO DA UMA SÓ SAÚDE

• Conhecimento local:

A participação social permite a inclusão de diferentes perspectivas e conhecimentos locais na tomada de decisões. As comunidades locais possuem um conhecimento profundo sobre os ecossistemas e a biodiversidade da sua região, bem como sobre as interações entre os seres humanos, os animais e o ambiente. Essa sabedoria tradicional pode ser valiosa para a identificação de problemas, a formulação de políticas adequadas e a implementação de medidas eficazes de conservação.

• Engajamento da sociedade:

A participação social promove o engajamento da sociedade nas questões ambientais e de saúde. Quando as pessoas se sentem envolvidas e têm a oportunidade de contribuir com suas ideias e opiniões, há uma maior conscientização e comprometimento com a conservação da biodiversidade e a promoção da Uma só Saúde. Isso pode levar a uma maior adesão a práticas sustentáveis, apoio a medidas de proteção ambiental e maior responsabilidade na prevenção de doenças zoonóticas.

44 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

• Monitoramento e fiscalização:

A participação social fortalece o monitoramento e a fiscalização das ações governamentais relacionadas à biodiversidade e à saúde. Através do envolvimento ativo da sociedade civil, é possível identificar irregularidades, denunciar atividades ilegais, como o tráfico de animais silvestres, e cobrar ações efetivas por parte das autoridades responsáveis. Isso contribui para a redução da exploração ilegal da biodiversidade e para a prevenção de doenças decorrentes do comércio e consumo de animais silvestres.

• Educação e conscientização:

A participação social na gestão pública permite a realização de programas educativos e campanhas de conscientização sobre a importância da biodiversidade e da Uma só Saúde. A transdisciplinaridade entre a educação ambiental e a educação popular em saúde facilita a sensibilização da popução sobre o risco zoonótico, fomentando boas práticas desde a educação básica. Através da disseminação de informações corretas e da sensibilização da população, é possível promover a valorização da biodiversidade, a conservação dos ecossistemas e o reconhecimento dos impactos positivos da saúde ambiental na saúde humana.

• Tomada de decisões mais inclusivas:

A participação social assegura que a tomada de decisões seja mais inclusiva e representativa. Ao envolver diferentes segmentos da sociedade, como comunidades tradicionais, povos originários, organizações não governamentais e acadêmicos, é possível garantir que os interesses e necessidades de todos sejam considerados. Isso resulta em políticas mais abrangentes e efetivas, que levam em conta os aspectos sociais, culturais e ambientais da conservação da biodiversidade e da promoção da Uma só Saúde.

• No Brasil:

A participação social na gestão pública é um princípio democrático reconhecido na Constituição Federal. Envolve diferentes formas de participação, principalmente por meio dos Conselhos Gestores, que são espaços de diálogo entre governo e sociedade civil. No entanto, desafios como desigualdade de acesso, falta de capacitação e necessidade de fortalecer a cultura participativa em todos os níveis de governo ainda persistem. É fundamental aprimorar esses mecanismos para fortalecer a democracia, promover uma participação inclusiva e garantir uma gestão pública transparente e responsável.

Ao envolver a sociedade de forma ativa e inclusiva, é possível aproveitar o conhecimento local, engajar a popu-lação, fortalecer o monitoramento e a fiscalização, promover a educação e a conscientização, e tomar decisões informadas e sustentáveis.

45 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

O ESTABELECIMENTO DE UM SISTEMA DE VIGILÂNCIA

DE AGENTES INFECCIOSOS E DE ESTRUTURAS PARA

MANEJO EM ANIMAIS SILVESTRES É ESSENCIAL PARA ENFRENTAMENTO

DE ZOONOSES

• Detecção precoce e resposta rápida: Animais silvestres e seus parasitos são parte da biodiversidade e não representam um risco em si. O risco ocorre quando há alterações nos ambientes naturais que favorecem a transmissão de agentes infecciosos. A vigilância sistemática de agentes infecciosos em animais silvestres permite a detecção precoce de possíveis ameaças à saúde humana e animais domésticos e silvestres. Ao identificar a presença de parasitos em animais silvestres, juntamente com conhecimento da relação hospedeiro-patógeno, é possível adotar medidas rápidas de controle e prevenção.

• Avaliação de riscos e tomada de decisões:

A vigilância de agentes infecciosos em animais silvestres fornece informações cruciais para a avaliação de riscos e tomada de decisões em saúde.

Os dados coletados podem ser usados para identificar áreas de alto risco, grupos populacionais mais vulneráveis e potenciais rotas de transmissão de doenças. Essas informações embasam a formulação de políticas de saúde, a implementação de estratégias de prevenção e o desenvolvimento de programas de educação e conscientização.

• Prevenção de doenças emergentes: Muitas zoonoses têm origem em animais silvestres e podem ser transmitidas para os seres humanos. O estabelecimento de um sistema de vigilância e manejo adequado permite identificar e monitorar possíveis reservatórios de parasitos em animais

silvestres, reduzindo o risco de surgimento de novas doenças emergentes.

• Conservação da biodiversidade:

O estabelecimento de um sistema de vigilância em animais silvestres contribui para a conservação da biodiversidade. Ao monitorar a saúde desses animais, é possível identificar possíveis impactos de doenças na população e tomar medidas para mitigar esses efeitos. Além disso, a vigilância ajuda a compreender as interações entre animais silvestres, patógenos e o ambiente, contribuindo para a conservação dos ecossistemas e a preservação da biodiversidade.

• Abordagem integrada da Uma só Saúde:

A vigilância de agentes infecciosos em animais silvestres é uma abordagem essencial no contexto da Uma só Saúde, que reconhece a interconexão entre a saúde humana, animal e ambiental. Ao monitorar a saúde dos animais silvestres, podemos identificar e abordar os riscos de doenças que podem surgir dessa interface, promovendo a saúde e o bem-estar de todos os envolvidos.

• No Brasil:

Não há iniciativa contínua ou sistemática para rastrear, monitorar e responder a eventos zoonóticos de origem em animais silvestres, seja com foco em saúde pública ou conservação, com exceção de iniciativas específicas para alguns agravos como, por exemplo, febre amarela e raiva. Um sistema de vigilância integrado e regulamentado como medida preventiva permite a criação

46 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

de planos de contingência e é menos custoso economicamente do que as medidas de enfrentamento e as con -

sequências de surtos, epidemias e pandemias na economia, na saúde e na conservação de espécies.

O estabelecimento de um sistema de vigilância de agentes infecciosos e de uma estrutura para o manejo de animais silvestres desempenha um papel crucial no enfrentamento de epizootias e zoonoses, garantindo a promoção da Uma só Saúde e a conservação da biodiversidade.

A DISPONIBILIDADE DE BANCOS DE DADOS ABERTOS E DIVERSOS É FUNDAMENTAL PARA O ESTUDO E PREVISÃO DE OCORRÊNCIA DE ZOONOSES NO PAÍS,

COMO BASE PARA O ENFRENTAMENTO DE DE POSSÍVEIS SURTOS

• Diversidade dos dados:

A diversidade de fontes e tipos de dados dos bancos de dados disponíveis é crucial para obter uma visão abrangente da situação epidemiológica das zoonoses. Bancos de dados que abrangem uma variedade de agentes infecciosos, espécies hospedeiras, e características ambientais de onde ocorrem permitem uma compreensão mais completa dos fatores de risco e da dinâmica de transmissão.

• Informações abrangentes: Os bancos de dados abertos e diversos abrangem uma ampla gama de informações relacionadas às zoonoses, incluindo dados sobre a presença de agentes patogênicos, incidência de doenças em diferentes populações e a interação entre humanos, animais e o ambiente. Essas informações fornecem uma base sólida para o estudo e compreensão dos padrões de ocorrência de zoonoses.

• Acesso amplo e informado:

A disponibilidade de bancos de dados abertos e diversos permite o acesso abrangente a conjuntos de informações relevantes sobre zoonoses, possibilitando a análise e interpretação informada dos dados para tomar medidas efetivas na prevenção e controle de surtos.

• Pesquisa e desenvolvimento: Bancos de dados abertos proporcionam uma rica fonte de informações para pesquisadores e profissionais de saúde. Esses dados podem ser usados para realizar estudos científicos, desenvolver novas abordagens de diagnóstico e tratamento, e avançar no conhecimento sobre zoonoses.

• Modelagem e previsão: Os dados disponíveis nos bancos abertos podem ser utilizados para modelagem e previsão da ocorrência de zoonoses. Por meio de análises estatísticas e modelos matemáticos é possível identificar áreas de maior

47 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

probabilidade de surtos, auxiliando na tomada de decisões estratégicas e no planejamento de ações preventivas.

• Colaboração e compartilhamento de informações:

A disponibilidade de bancos de dados abertos estimula a colaboração entre diferentes instituições, pesquisadores e profissionais de saúde (por exemplo, SISS-Geo). Isso promove o compartilhamento de conhecimentos, informações e a colaboração mútua, facilitando a implementação de medidas preventivas além de fortalecer a capacidade de resposta coletiva diante de surtos de zoonoses por meio de abordagens multidisciplinares. Porém, esse compartilhamento deve seguir padrões

pré-estabelecidos que permitam a interoperabilidade de sistemas/bancos de dados e consequentemente efetivem a integração de informações.

• No Brasil:

A ausência de bases de dados integradas e com detalhamento geográfico adequado é um obstáculo para o monitoramento, vigilância, manejo e avaliação de risco de surtos de zoonoses. É crucial que a base seja interministerial, integrada e aberta, seguindo os princípios FAIR (Localizáveis, Acessíveis, Interoperáveis e Reutilizáveis). Isso permitirá tornar os dados antes dispersos e de difícil acesso disponíveis para diferentes usuários, facilitando a análise rápida e a tomada de decisões efetivas.

Bancos de dados abertos e diversos fornecem informações valiosas que ajudam a compreender os fatores que favorecem a emergência de doenças, identificar áreas de risco, monitorar a ocorrência de surtos, e desenvolver estratégias de prevenção e controle eficazes. Portanto, investir na disponibilização e no acesso a bancos de dados é fundamental para proteger a saúde pública e mitigar os riscos associados às zoonoses.

48 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

BOX 4

VIGILÂNCIA EM FEBRE AMARELA: INTEGRAÇÃO

ENTRE SINAN E SISS-GEO

A vigilância em febre amarela no Brasil é realizada por meio de um sistema integrado de monitoramento e resposta, que envolve a utilização de diferentes sistemas de informação e inclui o processamento de amostras. Eles desempenham papeis cruciais, fornecendo dados epidemiológicos, identificando áreas de circulação do vírus e confirmando os casos positivos:

• O processamento de amostras é essencial para a confirmação laboratorial da febre amarela, através da coleta de amostras biológicas (sangue, tecidos) de pacientes suspeitos. O sistema de informações

Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) e os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN) são componentes essenciais da vigilância em febre amarela. As principais funções do GAL incluem gerenciar e acompanhar análises laboratoriais, gerar relatórios gerenciais e de produção, enviar resultados para o SINAN, subsidiar decisões das Vigilâncias e padronizar informações em laudos e pareceres técnicos. Os LACEN realizam as análises laboratoriais necessárias para diagnósticos, além de fornecer suporte técnico e capacitação para laboratórios regionais e municipais. Essa cooperação entre GAL e LACEN é crucial para garantir a qualidade e a precisão dos resultados laboratoriais. Os resultados dessas análises são comunicados aos órgãos de vigilância epidemiológica,

contribuindo para a detecção, monitoramento e controle da doença.

• O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) registra os casos suspeitos, confirmados e descartados de febre amarela. Possibilita identificação de surtos e análise de tendências. No entanto, sua principal limitação é a possibilidade de subnotificação. O departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS) é responsável pela gestão, manutenção, e atualização do SINAN, permitindo a análise e compartilhamento dos dados coletados. Além disso, existe um grupo técnico encarregado de monitorar os casos humanos e os surtos de epizootias à parte do SINAN. Em situações de surto, esse grupo utiliza uma planilha paralela, pois o SINAN não fornece informações em tempo real. Essa abordagem permite obter dados rapidamente para direcionar as ações de prevenção e controle da doença.

• O Sistema de Informação em Saúde Silvestre (SISS-Geo) é uma plataforma desenvolvida pela Fiocruz em parceria com o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC/ MCTI) e apoio do Ministério da Saúde (MS/SVSA/CGArb), baseada no conceito de ciência cidadã, e disponível via Web e aplicativos para celulares. Possui uma interface de fácil uso e acesso, utilizada para o monitoramento e registro de epizootias,

50 PANORAMA DA SAÚDE SILVESTRE

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