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3.5. O consumo do grafite além dos muros na rua

Figura 23 - Painel publicitário realizado por um letrista. Zona Norte do Rio de Janeiro, 2018 Fonte: Arquivo pessoal

De modo geral, mesmo que mensagens e textos possam ficar na memória coletiva dos cariocas e que o grafite, que contém escrita, permita em muitos casos a leitura direta da mensagem, este tipo de grafite tem menos aceitação que o grafite que inclui figuras e personagens. Alguns grafiteiros, como o Marcelo Jou, se mantêm ainda dentro dessa forma do grafite: “No grafite a letra é essência”. São poucos os artistas que se mantêm na intervenção com letras. Outros misturam letras e palavras como o grafiteiro Marcelo Ment, que faz uma mistura de letras e palavras com seus desenhos, ou o grafiteiro Airá Ocrespo, que inclui textos como texturas na composição dos trabalhos. Mesmo assim e, apesar de ser a maioria das intervenções, as escritas são menos aceitas, especialmente quando não permitem a leitura. A comunicação entre observador e arte é mais fluida quando há desenhos figurativos. Alguns grafiteiros entenderam que existe uma aceitação muito maior deste tipo de pintura mais do que com a letra, e que isso gera maior possibilidade de renda para quem sobrevive com o trabalho a partir do grafite, então o autor deixa de fazer e se dedica mais às artes com personagens e figuras. Segundo Marcelo Jou “Fazer letra não dá dinheiro, quem faz letra é porque gosta e porque quer, mas não tem a mesma aceitação nem possibilidades de trabalho”24 .

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3.5. O consumo do grafite além dos muros na rua

Independentemente de falarmos nas formas diferentes de fazer grafite, o fato de as pinturas estarem expostas na rua faz com que elas estejam à disposição do espectador. Atualmente, grafites e pichações ultrapassam o espaço físico dos muros

24 Entrevista realizada ao no dia 12/12/2018

e podem ser encontradas também dentro do espaço virtual graças às tecnologias digitais, o que faz com que sejam vistos não só no local onde são feitos, mas também pela internet, principalmente graças a ações e interações compartilhadas em redes sociais, uma maneira de mostrar o portfólio de obras, que possibilita o contato para a realização de trabalhos de forma legal e autorizada.

Figura 24 - Um dos grafites do Circuito das Casas-Tela do MUF com seu respectivo texto explicativo em literatura de cordel, no Morro do Cantagalo Fonte: Arquivo pessoal

No Rio de Janeiro esta forma de uso e aplicação do grafite não é diferente; os grafiteiros são chamados para fazer trabalhos contratados por entidades públicas e privadas. Seja com fins particulares ou sociais, este tipo de intervenção é usado na revitalização e ressignificação de espaços, dando valor agregado aos lugares onde é aplicado. Dentre as finalidades, a aplicação de grafites é aproveitada para mudar positivamente o visual de lugares que são negligenciados e marginalizados, transformando a opinião da comunidade ao deixarem de ser pinturas que sujam as fachadas e, pelo contrário, se convertem em símbolos de cultura, lazer e aproveitamento para o empoderamento de comunidades e áreas marginais. No Rio de Janeiro, vemos alguns projetos que se destacam como, por exemplo, um deles é o Museu de Favela (MUF) no Morro do Cantagalo, na Zona Sul da cidade, onde o grafite ajuda a dar visibilidade e relevância para a comunidade do lugar. O projeto começou em 2009 e foi liderado pelo grafiteiro Acme, nascido e criado nesse lugar, e teve como princípio criar uma forma de integrar a arte de rua ao cotidiano da comunidade, construindo um roteiro atrativo para turistas e visitantes, trazendo assim pessoas de fora para conhecerem a realidade de quem ali mora. Para criar o

MUF, juntaram-se grafiteiros de dentro e de fora da comunidade, moradores e promotores culturais para contribuir na realização de obras que contam a história do surgimento da favela, por meio de imagens e textos curtos escritos em literatura de Cordel, retratando a luta a favor da dignidade, a representatividade e a melhoria das condições sociais desse território (Figura 24). Procura-se semear a consciência do valor da favela em moradores e visitantes, considerando especialmente que algumas favelas são privilegiadas pela localização, como é o caso do Cantagalo e outras que ficam próximas ao mar, um território que em outras partes do mundo seria ocupado por pessoas de maior renda. Aproveitar a atenção que ganha o Rio de Janeiro como cidade turística para conseguir visibilidade e gerar renda a partir da arte do grafite permitiu não só alcançar os objetivos propostos, mas também repercutiu ações similares realizadas em outras comunidades, sendo, assim, um exemplo para outros lugares que buscam agregar valor ao seu lugar de moradia. Dessa forma, o grafite é usado como arte que se expressa através dos espaços públicos. Essa forma de turismo pretende mostrar a favela de forma positiva sem deixar de lado a realidade – assegura Márcia Souza, guia voluntária do MUF fazendo um roteiro turístico de forma inclusiva e não predatória, ou seja, algo diferente do turismo que aborda a lugar e seus moradores como um “safari” ou “zoológico”, aquele que transforma a pobreza em entretenimento mostrando de forma voyeurística as áreas mais pobres ou segregadas da cidade25 . (GOMES, SANTOS, SILVA, 2012).

No Centro da cidade, a Galeria Providência, que começou em 2017, propõe também a transformação de áreas marginalizadas em espaços transitáveis, visualmente agradáveis e acessíveis a todos. Graças ao trabalho de moradores, gestores culturais e grafiteiros que buscaram recursos na própria comunidade, o Morro da Providência está sendo transformado por etapas em um museu a céu aberto (Figura 25), com um visual diferenciado, que eleva a autoestima dos moradores, aproximando turistas e residentes da cidade para valorizar a comunidade, criando oportunidades de turismo e reconhecimento para a região a partir da arte de rua. (GRAFITE EM DEBATE, 2012)

25 Entrevista com Marcia Souza, do Museu de Favela em 25/01/2019

Figura 25 - Grafites da Galeria Providência, no Morro da Providência, 23/02/2019. Fonte: Arquivo pessoal

Na Praça Mauá, a perimetral, que fazia parte da zona portuária do Rio de Janeiro (e que abrigou em seus pilares os escritos do Profeta Gentileza), foi derrubada para dar lugar ao Bulevard Olímpico. Além do recondicionamento arquitetônico do lugar, grandes pinturas nos muros da frente dos píeres foram realizadas por grafiteiros e artistas de rua nacionais e internacionais –o que permitiu ao lugar o ganho de cores, reconhecimento e destaque como o museu a céu aberto (Figuras 26, 27 e 28). A nova estrutura do lugar atrai turistas e locais, que aproveitam o espaço aberto para diversas atividades de lazer junto aos museus e aos eventos realizados nos Armazéns e no próprio Bulevard. Aqui o grafite é valorizado como parte importante da paisagem e serve também de pano de fundo para selfies e fotos dos visitantes.

Figura 26 - Mural de Rita Wainer, Bulevar Olímpico, zona portuária do Rio de Janeiro. Fonte: Arquivo pessoal

Figura 27 - Mural de Leon Keer (Holanda), Bulevar Olímpico, zona portuária do Rio de Janeiro. Fonte: Arquivo pessoal

Figura 28 - Mural de Rero (França), Bulevar Olímpico, zona portuária do Rio de Janeiro. Fonte: Arquivo pessoal

O painel Contos, trabalho de Luna Buschinelli na Escola Municipal Rivadávia Corrêa no Centro da cidade, para o projeto Rio Big Walls proposto pela prefeitura do Rio de Janeiro, em 2017, é outro exemplo dessa parceria entre projeto urbanístico e grafite (Figura 29). É bem interessante como neste mural se dá uma grande importância ao processo de alfabetização das crianças, mesmo que a figura principal não saiba ler, segundo a descrição da obra feita pela autora: "A obra representa uma mãe analfabeta. Ela carrega um 'x', que é como antigamente os analfabetos assinavam. Mas, mesmo com esses empecilhos, ela consegue contar histórias muito lúdicas para os seus filhos e transmitir sonhos. São tão reais que as crianças acreditam que ela está lendo de verdade" (GAYOSO, 2017). Para a

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