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EM BUSCA DA EXCELÊNCIA NAS OPERAÇÕES DE VOO
Muitospilotos,apoiando-senofatodemanterem suashabilitaçõestécnicasemdia,entendemsatisfazeremasexigênciaslegaisparaoperarumaaeronave.Isto éverdade.Mastambémdeveserclaroparatodosque umvooanualdechequegaranteapenasquecertos requisitosmínimosforamatingidos.
O piloto que tem esta percepção reconhece que ainda existe muito a ser desenvolvido, embora possa não saber exatamente por onde começar. Existe uma frase em aviação que diz que sua licença de piloto é uma licença para aprender. Que a nova licença significa que o piloto atingiu apenas o nível mínimo para exercer aquela atividade e que ainda existe muito a conhecer e a dominar para ser um bom piloto. Justamente com este objetivo de mostrar como o piloto pode buscar o seu aperfeiçoamento profissional além dos mínimos requeridos, um referencial de excelência em aviação foi delineado pelo Dr Tony Kern em seu livro Redefining Airmanship. Fazendo analogia com a construção de uma edificação, Kern propõe um modelo composto por uma sólida base, pilares de sustentação e uma estrutura superior, que permitiria ao piloto se avaliar e identificar as áreas que precisa desenvolver.
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Disciplina
A primeira e a mais importante das fundações é o compromisso pessoal com a disciplina. Por definição, disciplina pode ser entendida como a observância e o cumprimento das normas. Na maior parte do tempo, os pilotos operam sem uma supervisão direta e depende muito do indivíduo ter integridade para seguir as normas sem ninguém fiscalizando.
Em uma visão mais internalizada, disciplina pode ser entendida como a força de vontade para exercer um julgamento sensato quando existirem tentações e pressões para fazer o contrário. Na aviação, sempre existirão pretextos para se afastar dos procedimentos preconizados: pressa, pressões comerciais, vaidade, preguiça, exibicionismo ou mesmo a falsa noção de que as regras existem para proteger os menos capacitados. Desculpas não faltam, mas nenhuma delas justifica o alto preço que se paga, mais cedo ou mais tarde, por desviar-se das normas e regulamentos.
Opilotodevecomprometer-seincondicionalmentecom adisciplina.Asviolaçõesderegrassãocontagiosase degradamsorrateiramenteacapacidadedejulgamento. Aaceitaçãodeumdesvioabreespaçoparadesvioscada vezmaisfrequentesemaisgraves,semqueapessoase dêcontadisto.Ahistóriadaaviaçãoestárepletade pilotoscomexcelenteshabilidadesdevoo,masque foramtraídospordecisõesfalhasdecorrentesdafaltade disciplinaindividual.Semestabasefirmementeassentada,todoorestantedaestruturaestarácomprometidopor maishabilidosoqueopilotoseja,pormaisqueconheçaa suaaeronave.
Habilidades
A segunda fundação do modelo é formada pelas habilidades de pilotagem. Existem níveis crescentes em que um aviador poderia se encaixar. O primeiro é o da segurança e neste estágio geralmente estão os pilotos que terminaram sua qualificação inicial e acabaram de fazer seu cheque no equipamento. Operam com um nível mínimo que evite consequências adversas por falta de habilidades motoras.

Os que não se acomodam, tentam subir para o patamar da eficiência, onde desenvolvem técnicas que permitem a realização do voo despendendo menos recursos. Neste estágio, atingem os objetivos propostos e ainda economizam tempo e recursos, com o cuidado de não comprometer a segurança.
Finalmente, o grau mais elevado de habilidade é o da precisão. O piloto tem um senso de autoavaliação altamente refinado e se motiva a um aperfeiçoamento constante. Nunca se satisfaz com os padrões existentes e busca a perfeição em todo voo, em cada detalhe. Embora difícil de ser alcançada, mais importante que a perfeição em si é o desejo constante de se aprimorar.
Proefici Ncia
Voar um avião, ainda que por diversão, é assunto sério e o piloto deveria estar constantemente se avaliando quanto ao seu nível de proficiência, a próxima base do modelo de excelência. Proficiência pode ser definida como a competência para execu- tar com maestria uma tarefa específica. Existem inúmeras tarefas que o piloto precisa ter proficiência, mas normalmente ele domina apenas as atividades que executa no dia a dia e deixa de lado aquelas menos usuais ou até os procedimentos de emergência. Mesmo quando trabalha sob a estrutura de uma companhia aérea, com programas de reciclagem para mantê-lo atualizado, só o próprio piloto conhece realmente seu grau de competência. Alguns se submete aos cheques anuais desejando secretamente que o examinador não descubra suas fraquezas O lado negativo desta atitude é que elas vão aparecer no momento mais impróprio.

Diversos pilotos passam anos sem simular um tráfego de emergência ou uma aproximação IFR com painel parcial. Alguns não sabem de memória os itens críticos do checklist de falha de motor ou não têm autoconfiança para fazer uma aproximação com vento cruzado. Elevar seus níveis de proficiência depende muito da vontade do próprio indivíduo.
Um dos métodos mais simples e mais eficientes, tanto para preservar quanto para adquirir proficiência, é o chamado “voo mental”. Consiste em uma combinação de técnicas de visualização, prática de procedimentos e condicionamento cognitivo. Pode ser feito na cabine do avião ou sentado na sala de estar. É um simulador virtual barato. Munido apenas de um checklist, uma poltrona e sua imaginação, o piloto deve visualizar passo a passo as fases de operação que deseja aperfeiçoar. Os movimentos físicos dos procedimentos devem ser executados da mesma forma que faria se estivesse na cabine em voo. Ao simular procedimentos de emergência, suas mãos devem se mexer como se estivessem atuando nos sistemas necessários. Isto condiciona a resposta motora e torna a reação mais rápida e instintiva quando a situação exigir uma resposta rápida.

Alguns pilotos, talvez iludidos pela sua vasta experiência, podem acreditar que o voo mental seria útil apenas aos novatos. Grande engano. É uma técnica que deve ser levada a sério e é, talvez, o melhor \recurso, depois do simulador, para treinar procedimentos, técnicas e habilidades requeridas para um voo.
Pilaresdoconhecimento
Além dos princípios básicos de disciplina, habilidades e proficiência, o exercício da profissão de aviador exige uma série de conhecimentos específicos para sustentar suas decisões operacionais.
O primeiro pilar é o conhecimento de si próprio, de suas limitações físicas e psicológicas. Questione um piloto sobre decolar em uma aeronave com problemas mecânicos e a resposta seria um óbvio não. Mas se a pergunta for para o campo pessoal, sobre assumir os controles de voo sem estar em condições ideais, gripado, cansado ou estressado, a resposta pode variar. Existe uma tendência humana, muita nítida entre a comunidade de pilotos, de se achar acima dessas limitações fisiológicas ou psicológicas. Admitir para si próprio e para os outros que não está em boas condições é um espelho da sua autocrítica. Um piloto que se permita fazer um voo sem estarem sua melhor forma, não está considerando que, em eventuais situações anormais e de emergência, ele será exigido ao máximo e pode não ter condições de responder a altura. Mais importante ainda é o indivíduo estar alerta às suas reações quando for submetido a pressões externas ou internas, como pressão de horários ou uma tendência ao exibicionismo. A capacidade de resistir a estas forças é uma clara indicação do seu nível de maturidade.

Conhecimento da aeronave é outro pilar que sustenta a execução segura da atividade aérea. Os currículos de treinamento geralmente atendem aos mínimos requeridos por lei e um conhecimento mais profundo vai bem além destes mínimos O estudo deve começar com uma leitura completa da descrição da aeronave e seus sistemas. Não adianta tentar memorizar tudo, e o piloto deve separar o que é importante do que não é. Com uma base de conhe- cimento de sistemas, o aviador deve partir para o estudo do material que assegure a sua sobrevivência: as limitações da aeronave e as emergências. Este conhecimento pode salvar vidas e deve ser memorizado, inclusive usando o recurso do voo mental para condicionar as respostas psicomotoras dos procedimentos de emergência.
Quando o piloto estiver tranquilo na execução destas ações, poderá seguir para áreas mais avançadas, utilizando ocorrências reais com aviões do seu tipo para adquirir novos conhecimentos. A internet é uma inesgotável fonte de informação Diversas páginas de órgãos de investigação de acidentes, como as do CENIPA e do NTSB, disponibilizam relatórios de eventos que podem ser usados para conhecer as vulnerabilidades do tipo de aeronave. É uma técnica excelente, porque automaticamente dá relevância ao material que está sendo estudado. A conjugação de reciclagens contínuas e estudo focado em ocorrências fornece uma sólida base de aprendizado do equipamento. Tenha em mente que aviadores que se acomodam porque conhecem o “suficiente” para voar a aeronave abrem caminho para a compla- cência e inibem a continuidade do aperfeiçoamento. Ninguém nunca vai ter certeza de que sabe o bastante para lidar com qualquer situação que apareça em voo. Mesmo os aviadores mais experientes têm dúvidas sobre sistemas e procedimentos. O receio de não saber tudo pode ser a motivação para continuar pesquisando e aprendendo. Aqueles que acham que já acumularam informação suficiente, provavelmente estão em maior risco.
Estabeleça um sistema pessoal de aprendizado que funcione para você e dedique algum tempo a ele até tornar-se um hábito.
Muitos aviadores dividem a cabine com outros tripulantes e precisam saber como se desempenhar em grupo. Uma equipe sintonizada congrega conhecimento e experiência para confrontar as novas situações de voo. Os treinamentos de gerenciamento de tripulação (CRM) abordam habilidades de relações interpessoais, de liderança, comunicação e cooperação, entre outros. Trabalhar em equipe nem sempre é fácil, mas, se feito da forma correta, pode otimizar a segurança e eficiência da operação

Sob o foco do ambiente estão o conhecimento do ambiente físico, envolvendo meteorologia e infraestrutura, bem como o ambiente regulatório, sobre as normas que orientam e que balizam nossas ações no meio aeronáutico.
O conhecimento do risco, outro dos pilares, está sempre presente nas atividades de voo. Para evitar o risco totalmente, evitaríamos o voo, o que não é nosso objetivo. Nossas decisões envolvem risco e o controle desse risco. Devemos estar preparados para os riscos conhecidos e planejar o voo de forma que eles estejam sob controle
Por fim, é de grande valor conhecer o perfil da atividade, da operação específica, as suas peculiariades e suas armadilhas. Neste ponto, também, o estudo de relatórios de acidentes com o mesmo tipo de missão acaba fortalecendo os pilares do conhecimento e aumentando a segurança operacional.
O aprendizado, qualificação e reciclagem devem se tornar um hábito do aviador.
Consci Nciasituacional
Na medida em que estes pilares estejam bem construídos, juntamente com um entendimento do ambiente, da missão e dos riscos associados, facilitam que o piloto perceba melhor tudo que passa a sua volta. Esta percepção precisa do que está acontecendo consigo, com a sua aeronave e no ambiente, tanto agora quanto no futuro próximo, é chamada de Consciência Situacional (CS). Um exemplo clássico de baixa CS é o caso daquele grande jato de passageiros que ficou mais de uma hora circulando ao lado de um aeroporto enquanto a tripulação concentrava-se em resolver uma pane no sistema de trem de pouso, e acabou caindo por falta de combustível. Focaram em um problema e perderam a visão geral da situação.
Todo piloto precisa exercitar o conceito de “estar à frente da sua aeronave”. Para isto, deve ser capaz de identificar os elementos da situação atual, compreender o seu significado e projetar as implicações em cenários prováveis.

Pode haver três diferentes níveis de CS. No nível mais básico, o piloto simplesmente percebe o que está acontecendo, como uma luz de aviso no painel ou o destino operando nos mínimos meteorológicos. No segundo nível, ele coloca o evento dentro de um contexto maior, agregando significado ao fato. Um piloto voando um pequeno monomotor sobre terreno montanhoso a noite deve interpretar uma indicação de baixa pressão de óleo de forma diferente daquela se estivesse voando um multimotor no circuito de tráfego em VMC. Ou seja, entender o significado daquela situação. No terceiro nível de CS, o piloto percebe e assimila o significado do evento, e projeta as suas implicações para o futuro, como a necessidade de pousar o mais rápido possível ou alternar para um aeroporto em melhores condições. Os inimigos da CS são a atenção canalizada, a distração e a saturação de tarefas, pois impedem que informações relevantes sejam percebidas oportunamente. Todo esforço deve ser feito para identificar o aparecimento destas condições durante o voo e na adoção de medidas para atenuar suas implicações no desempenho pessoal