Verbivocovisualidades: a poesia concreta do grupo Noigandres e as monotipias de Mira Schendel

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Verbivocovisualidades: a poesia concreta do grupo Noigandres e as monotipias de Mira Schendel PROF. WALACE RODRIGUES FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

Resumo Este artigo tenta exemplificar a estreita relação entre artes literárias e plásticas brasileiras, algo que pode ser notado quando analisamos a história cultural do Brasil. Estas relações artísticas podem ser tão próximas, no caso brasileiro, que chegam mesmo a se mostrarem como rebatimentos. Este artigo busca evidenciar os relacionamentos entre a obra literária da Poesia Concreta e a criação de monotipias pela artista plástica Mira Schendel. Através da análise relacional do poema concreto “Nascemorre” de Haroldo de Campos e de duas Monotipias da série dos “As” de Mira Schendel busco aspectos verbivocovisuais, tão característicos das experimentações concretas da época e que se notam também nas artes plásticas. Palavras-chaves: Poesia concreta, metalinguagem, Mira Schendel. Abstract This article aims to exemplify the close relation between Brazilian literary arts and Brazilian plastic arts, something that can be noticed when analysing Brazil`s cultural history. These artistic relationships can be so close, in the Brazilian specific case, that it can, sometimes, be seen as rabattements. This article tries to show the relationships between the literary work of Concrete Poetry and the creations of monotypes by plastic artist Mira Schendel through the relational analysis of the concrete poem “Nascemorre” by Haroldo de Campos and two Monotypes from the séries “As” by Mira Schendel. In these specific artworks I look for verbal-vocal-visual aspects, so characteristic of the concrete experimentations of the time and that can be noticed also in the

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plastic arts. Keywords: Concrete Poetry, metalanguage, Mira Schendel.

Introdução Nos últimos anos tenho voltado minha atenção às relações possíveis entre algumas obras brasileiras de literatura e de artes plásticas. Obviamente os trabalhos específicos que aqui analiso participam de um mesmo zeitgest, porém, enquanto técnicas de expressão artísticas são muito distintos, porém relacionáveis e até certo ponto complementares. No entanto, aproximações são possíveis entre trabalhos destas formas de arte (literatura e gravura). Aproximações como a da Poesia Concreta com as Monotipias de Mira Schendel parecem-me extremamente relevantes para um melhor entendimento das artes brasileiras de vanguarda do século XX. Nessa ordem de ideias, posso afirmar que o final da década de 1950 e o começo da década de 1960 viram grandes e importantes mudanças no âmbito das artes brasileiras. A poesia concreta causava furor no campo da literatura; Hélio Oiticica e Lygia Clark buscavam o sentido de suas criações artísticas no contato sensorial com o público; e Mira Schendel questionava o vazio em atividade na sua obra, empregando signos próprios para formar uma linguagem particularmente única. Movimentos que, apesar de parecerem contraditórios, tinham bastante em comum. A grande maioria dos questionamentos no campo das artes plásticas, visuais e musicais de dita época foi muitíssimo influenciada pela movimento da poesia concreta do grupo Noigandres. Formado inicialmente por Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari, seus mais importantes representantes, e , mais tarde, com adesões de Ferreira Gullar, Ronaldo Azeredo e José Lino Grunewald, entre outros, este grupo buscava o mesmo aspecto verbivocovisual das obras do poeta James Joyce, por exemplo, em um compromisso com a inovação estética na literatura brasileira. Neste artigo tenho a intenção de aproximar a poesia concreta do grupo Noigandres da obra de Mira Schendel, buscando explorar, em ambos os casos,

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a situação onde a fronteira entre o verbal e o visual se tenciona e desaparece. Pretendo buscar a relação íntima que vejo entre a estética particular das Monotipias de Mira Schendel e o método poético utilizado na poesia concreta do grupo Noigandres, e tentarei reconhecer essa correspondência apoiado na dimensão verbivocovisual que encontro em ambos movimentos estéticos e que os fazem dialogar entre si sem parar e intimamente.

Desenvolvimento Em primeiro lugar, gostaria de explorar a poesia concreta do grupo Noigandres e tentar mostrar sua ligação de influências e espelhamentos com as artes plásticas nacionais: A criação de algo novo em artes pode estar ligada à revolta com o que existe ou com a uma busca de realmente criar algo inusitado. Pois assim o fizeram os participantes do movimento de poesia concreta, eles criaram uma forma nova de fazer poesia baseada em uma tradição de vanguarda que os precedia e incluindo elementos formais novos e utilizando uma criatividade sem par. Para exemplificar essa criação de algo inusitado em artes, seja que tipo de expressão artística for, utilizo aqui uma passagem de Assis Brasil (1984) sobre a inquietude de pensamentos e compreensões dos artistas e que pode exemplificar bem a criação de uma realidade inovadora em arte: O belo perde, assim, suas características estanques do idealismo grego, passando os valores estéticos a se concentrarem na expressão propriamente artística, seja ela configurada em linhas harmoniosas ou em deformações vitais, denunciadoras. Muitas vezes, diante das deformações da própria sociedade, o artista se torna um indignado e parte para criar uma nova realidade, ou em termos críticos ou simplesmente para apaziguar a revolta. (BRASIL, 1984, p. 31).

Assim, a poesia concreta do grupo Noigandres nasce da junção de novidade (criação de novos signos e inovação artística) e criatividade relacionada às várias formas de expressão artísticas, principalmente as artes plásticas e musicais. Uso aqui uma passagem de Edward Lucie-Smith (1993) sobre essa

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estreita ligação da poesia concreta com criações das artes visuais brasileiras do período: A complicada metafísica do Neoconcretismo brasileiro também o faz um antecessor do movimento de Arte Conceitual nos Estados Unidos e na Europa. Esta conexão é reforçada pelo fato de que o Neoconcretismo estava muito ligado ao movimento de Poesia Concreta que floresceu no Brasil pela mesma época e que conseguiu uma disseminação internacional muito mais abrangente.(LUCIE-SMITH, 1993, p. 137, tradução nossa).

A passagem acima mostra a ligação da poesia concreta com o movimento neo-concreto das artes plásticas, referindo-se ao espírito de vanguarda nacional de ambos movimentos e à importância da poesia concreta para as artes brasileiras e internacionais. Nessa ordem de ideias, vale informar que o grupo Noigandres (Noigandres é uma palavra de um poema de Ezra Pound), buscando uma revitalização nas artes literárias brasileiras, fundou um método próprio de criação, um método identificado com sistemas artísticos anteriores (exemplo: as obras de Mallarmé, Joyce, Pound, entre outros) para criar uma estética poética particular. Também, para confirmar a importância do movimento de poesia concreta do grupo Noigandres no Brasil e no mundo como um movimento progressivo em sua época uso uma passagem do filósofo Max Bense (1910-1990) citado por Assis Brasil (1984): Têm-se freqüentemente razões para distinguir entre um conceito de literatura convencional (clássico) e outro progressivo (não-clássico). O conceito convencional de literatura aferra-se, na evolução da literatura, àqueles elementos e características de cunho permanente, persistente, mais ou menos constante; orienta-se, portanto, pelo herdado, pelo tradicional. O conceito progressivo de literatura esteia-se no entendimento de que é plenamente cabível transferir para o campo do trabalho literário o conceito de progresso; refere-se aos novos elementos e características que vão emergindo e

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inclui a descoberta e a experimentação dos mesmos na atividade literária. (BENSE apud BRASIL, 1984, p. 235).

Essa relevância da poesia concreta no campo das artes nacionais e internacionais e seu caráter de inovação dentro do campo literário, vale a pena repetir, se devem muito aos três iniciadores do movimento e criadores do grupo Noigandres, sendo eles: Haroldo de Campos (1929-2003), Augusto de Campos (1931) e Décio Pignatari (1927). O movimento concreto na literatura, criado por esses três poetas, buscava inoperar a língua, extrapolando seu uso, almejando uma não-discursividade do poema, tratando o poema concreto com um objeto em si mesmo, um objeto que não tivesse a intenção de interpretar coisas exteriores ou sensações de pessoas. Assim, utilizando uma poética verbivocovisual eles levaram ao extremo o uso da língua portuguesa e de suas possibilidades sonoras, verbais e visuais. Ainda, o movimento da poesia concreta começou a ficar conhecido a partir da publicação da revista Noigandres, em 1952. Nela encontram-se os primeiros poemas pré-concretos de Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. Cinco números da revista Noigandres foram lançados. O Plano-Piloto para Poesia Concreta, uma sorte de “manifesto”, saiu publicado na revista número 4, e era onde se achava a base teórica do movimento. Tal plano-piloto (nome que refere à criação de Brasília, a inovadora e planejada capital do Brasil e marco da arquitetura moderna nacional), deu as linhas diretivas do movimento, explicando o plano de ação dos poetas e suas referências11. Tais referências para os poetas concretos seriam, de acordo com o PlanoPiloto para Poesia Concreta os seguintes artistas e obras: Mallarmé (Un Coup de dés, 1897), Pound (The Cantos), Joyce (Ulisses e Finnegans Wake), Cummings, Futurismo, Dadaísmo, Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto, música de Webern, a série Boogie-Woogie de Mondrian, Max Bill,

1 Essas referências são as obras de artistas chamados por eles, no plano-piloto, como “precursores”.

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Albers e a linguagem ideogramática. As experimentações dos poetas concretos buscavam o mais extremo das obras dos artistas mencionados, os questionadores e abstratos espaços em branco, a dimensão do acaso e o uso dos vários recursos tipográficos de Mallarmé; o método ideogramático de Ezra Pound; a palavra ideograma de Joyce como interpretação orgânica do tempo e espaço, apelando a uma não-linearidade temporal e espacial; a atomização de palavras, a tipografia fisionômica e a valorização expressionista do espaço de Cummings; as contribuições para a vida do problema no Futurismo e Dadaísmo; o vanguardismo de Oswald de Andrade; e João Cabral com sua linguagem direta, econômica e arquitetura funcional do verso. A ideia de ideograma toma não somente a dimensão do signo-novo, mas todo o poema concreto com um novo signo. De acordo com o Plano-Piloto para Poesia Concreta, publicado na revista Noigandres (Rio de Janeiro), de número 4, de 1959, as definições de ideograma e de poema concreto seriam as seguintes: “Ideograma: apelo à comunicação não-verbal. O poema concreto comunica sua própria estrutura: estrutura-conteúdo. O poema concreto é um objeto em si e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou menos subjetivas”. (ADES, 1997, p. 335). Os ideogramas já não são mais de domínio exclusivo das línguas isolantes, como por exemplo o Chinês e o Japonês, mas firmam-se na poesia concreta e criam ai raízes, participando efetivamente do trabalho de construção da abstração na poesia concreta. Também, o conceito de isomorfismo (identificação entre o conteúdo e a forma) ajudou aos poetas concretos a reforçar a visão do poema como objeto em si mesmo, e, aqui, nos auxiliam a identificar o poema concreto como uma obra, também, de valor plástico. Se pensarmos que o ideograma é também uma forma de arte plástica em idiomas como o Chinês e o Japonês (lembremo-nos da força das artes da caligrafia e da poesia nessas culturas), poderemos compreender melhor as experiências da poesia concreta nesta direção da análise de caráter plástico. Uso aqui uma passagem de Assis Brasil (1984) exatamente sobre este ponto:

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As culturas milenares da China e do Japão, como que se revelam através de sua poesia, com uma vantagem sobre a poesia ocidentalista: eles têm uma escrita também poética, e fala-se em uma arte caligráfica (ideogramas) quase como uma atividade estanque ou um gênero, pois ela também se reflete na pintura. (BRASIL, 1984, p. 175).

Essa nova perspectiva em relação à criação de poesia no ocidente criada pelo grupo Noigandres se relaciona, como vimos, com outras formas de arte do passado e também com movimentos que surgiam no mesmo período, o que Guy Brett (1997) chama de movimento multidisciplinar: No Brasil, por exemplo, o salto radical nas artes visuais fez-se paralelamente ao movimento da poesia concreta (na realidade, dificilmente se poderia estabelecer uma linha divisória entre uma coisa e outra). O Manifesto Neoconcreto foi escrito por um poeta, Ferreira Gullar, ao mesmo tempo que em São Paulo se formava o Grupo Noigandres (Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari) constituindo o que poderíamos classificar de movimento multidisciplinar. (BRETT, 1997, p. 278).

Assim, esse aspecto multidisciplinar se fará notar nas artes plásticas, muito claramente nos trabalhos de Mira Schendel, Oiticica e Lygia Clark. Também, essa absorção das pesquisas anteriores dos vários artistas-referências pelo grupo Noigandres nos deixa ver a multidisciplinaridade do movimento. Ainda, os poetas concretos somente puderam produzir os poemas que produziram porque conheceram os trabalhos de Joyce, Pound, Mallarmé, Oswald de Andrade, João Cabral, Mondrian, Cummings, entre outros artistas e escritores, e puderam, assim, formular novos pensamentos sobre os mecanismos verbivocovisuais de composição poética. Por exemplo, os usos e desdobramentos dos vazios de Mallarmé foram expandidos na poesia concreta para uma fisicalidade visual quase arquitetural. Podemos aqui lembrar a ligação com a construção de Brasília. Podemos, também, considerar a poesia concreta como produto de uma evolução crítica desde Mallarmé até Joyce-Pound-Cumming, com as mais

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variadas referências ligadas aos artistas que utilizaram a arte para questionar a própria arte, buscando os limites extremos da linguagem (visual, vocal e verbal). E um desses artistas-pesquisadores que trabalharam com a metalinguagem na área visual foi Mira Schendel. Ainda, critica-se a poesia concreta por uma certa frieza na composição dos poemas, diferentemente de uma certa tradição sentimental e sensual brasileira. No entanto, o que os poetas concretos fizeram foi utilizarem-se de uma técnica de criação mais racional e apurada, porém não menos sensorial e rica de sentido artístico. Uso aqui uma passagem de Assis Brasil (1984) para exemplificar sobre o uso da técnica rígida e super-racional e seus perigos na criação de obras de arte: ...a Arte chega à plena realização com a ajuda da Técnica, que organiza, planeja, e serve de argamassa para o equilíbrio da sua estrutura. Assim, o grande artista, acaba por ser também um grande artífice. O risco que ele corre é o de, adquirindo habilidade e técnica, a perícia do fazer, ficar restrito ao manuseio do material (tinta, pedra ou palavra), pura e simplesmente, sem acrescentar-lhe algo mais, aquele indizível da Arte. (BRASIL, 1984, p. 214).

Em segundo lugar, gostaria de analisar a estética de Mira Schendel em suas obras denominadas Monotipias em relação à poesia concreta: Começo esta parte do artigo apresentando a artista, que é pouco conhecida do público brasileiro: Mira Schendel (ou Myrrha Dagmar Dub) nasceu em Zurich (1919 - 1988), estudou pintura e filosofia na Itália na década de 30, não chegando a terminar o curso de filosofia. Em 1949 se muda para o Brasil, fixando-se, primeiramente em Porto Alegre e, mais tarde, em São Paulo. Na década de 60 produz mais de dois mil desenhos com a técnica de monotipia em papel arroz. Estes trabalhos de extrema delicadeza são divididos em linhas, arquiteturas (linhas em forma de u), letras (utilizando signos alfabéticos e matemáticos) e escritas (em várias línguas). Esses são os trabalhos mais divulgados de Mira Schendel, por terem sido os trabalhos produzidos em maior número por ela (representam cerca de 2000 trabalhos,

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2/3 de sua obra total). Schendel participou da primeira Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, e produziu várias séries de trabalhos, sendo os mais significativos as suas Monotipias (1964 até 1966), as Droguinhas (em 1966, mostrando estes trabalhos na Galeria Signals, em Londres, por indicação do crítico de arte Guy Brett), Objetos Gráficos e Toquinhos (a partir de 1968), 150 cadernos (entre 1970 e 1971) e Sarrafos (década de 1980). Também, conheceu o filósofo e semiólogo Max Bense com quem trocou experiências e correspondência. Em suas Monotipias Mira Schendel trabalha com as potencialidades plásticas das linhas, dos vazios, dos elementos matemáticos e das línguas. Os seus trabalhos feitos com a técnica da monotipia foram realizados de acordo com o processo descrito a seguir por Guy Brett (1997) e na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais: Mira Schendel produziu uma fantástica série de obras gráficas durante a década de 1960, cuja existência é praticamente desconhecida fora do Brasil. Os desenhos, feitos com um método que transfere as marcas e ranhuras sobre um vidro banhado de tinta para um papel japonês extremamente fino e frágil, surpreendem pelo seu despojamento. (BRETT, 1997, p. 275).

E ainda: Ela os realiza entintando uma lâmina de vidro sobre a qual o papel é pousado para, então, traçar sobre ele as linhas, pelo avesso, usando a unha ou algum instrumento pontiagudo. A opção em desenhar pelo verso tem uma importância conceitual para a artista, que pesquisa assiduamente um meio de chegar mais próximo da transparência. (Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais).

Esse era um dos objetivos de Schendel, a transparência, a abstração total dos signos e a utilização dos vazios. Ela trabalha muitíssimo com signos, tais como letras e palavras, como que buscando o que estava escondido atrás da transparência, o que estava sob o véu. A delicadeza da técnica

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empregada contrasta com o uso simbólico de linhas, vetores, círculos, letras e vazios. Ela compõe sua obra, algumas vezes, com o uso extremo e árduo de apenas uma letra, esgotando as possibilidades pictóricas e, por que não dizer, sonoras de um signo. Analisar sua obra não é algo fácil, pois seus trabalhos nos desorientam, nos fazem explorar o vazio, as linhas, o uso do(s) signo(s), e nos levam a essa fronteira entre o verbal, o vocal e o visual, recodificando o alfabeto e as palavras, reinterpretando-os de diferentes maneiras sensíveis. Desta forma, Mira cria uma linguagem toda sua para interrogar o uso das letras, símbolos, caligrafias, números, traços, linhas, vetores e palavras. Ela cria sua própria metalinguagem. No sentido da utilização de uma metalinguagem e da preocupação com o vazio estrutural, podemos começar a verificar que Mira Schendel trabalha com processos de investigação similares aos dos poetas concretos, compartilhando da mesma lógica, explorando a mesma área de pesquisa entre linguagem, sonoridade e visualidade. Neste jogo, a poesia incorpora a dimensão visual (mais usual nas artes plásticas) e o desenho ganha sentido com as palavras e letras e torna-se passível de leitura. Haroldo de Campos, com quem Schendel teve contatos profissionais e era um apreciador de sua arte, dedicou-lhe um poema em 1966, publicado pela Universidade de Stuttgart e usado no catálogo da mostra de Schendel em Nuremberg, em 1974. Nas experimentações de Mira Schendel há uma inquietude dinâmica e aberta gerada por suas pesquisas sobre linguagem e sobre a relação entre palavra e imagem. Seus trabalhos poderiam ser definidos como poemas-quadros ou quadros-poemas, justamente pela ambiguidade em definir o escrito do visual. Desta maneira, ela utiliza-se, assim como os poetas concretos, dos mecanismos de isomorfismo, onde não se pode definir com exatidão as fronteiras entre forma e conteúdo, entre o visual e a escrita, como que tentando unir o real com o abstrato. Sua arte demonstra a busca de uma abstração total do signo gráfico. As letras, palavras, círculos e todos os outros elementos compositivos usa-

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dos por ela terminam por tornarem-se linhas e vazios em uma busca pelo mais sutil do pensamento plástico. O signo ortográfico real, utilizado na escrita, vivo nas escolas, é levado à sua experimentação máxima de plurissignificação, resultando em algo ultra-abstrato, não mais reconhecível somente como letra ou palavra. Pode-se ver uma relação entre a técnica utilizada por Schendel para suas Monotipias e a confecção de um poema concreto, sendo ambas as maneiras de confecção do trabalho artístico muito delicadas e que necessitam de extremado trabalho e estrutura. Assim como os poetas concretos se preocupavam com o verbal-vocal-visual, em um trabalho minucioso de composição, assim também o fazia Schendel. Ela buscava, na fragilidade do papel arroz, a significação que se dava em ambos os lados do papel, num trabalho, também, minucioso e multifacetado de composição da obra, como na passagem a seguir do catálogo da exposição Mira Schendel na Galerie Nationale du Jeu de Paume: “O papel arroz, translúcido, suporta bem o mais indefinido que os materiais da pintura de densidade forte, tornar-se-á um campo ideal para reter os brilhos do cotidiano e lhes dar uma significação”. (2001, p. 12, tradução nossa). A estética frágil do suave (do dinamicamente visual), ligada ao vazio e à uma negatividade produtiva potencializada ajuda a significar o trabalho de Schendel. O jornalista Bruno Moreschi (2009, p. 448) acredita que seja a transparência o ponto mais recorrente nas obras de Schendel. Acredito que esta transparência seja uma experiência de (in)visibilidade através dos vazios dos trabalhos. Assim como os poetas concretos viam nas escritas ideogramáticas um valor distinto dos valores das línguas ocidentais, Mira Schendel trabalha, em suas Monotipias, com uma lógica dos vazios e dos signos e que pode ser comparada à lógica dos ideogramas, remitindo-nos, com suas suaves referências, à visualidade oriental, à uma forma de ver distinta daquela do ocidente. Schendel trabalha com o mínimo, o quase-nada, com os aspectos da simplicidade. Suas obras fazem referência a uma constante dimensão subjetiva, pode-se dizer, quase sagrada. Uso aqui uma passagem de Rita Lenira de Freitas Bit-

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tencourt (2005) sobre isso: “Na trama visual, os trabalhos de Mira Schendel, muito simples na aparência, encerram uma cifra que os desloca, no tempo e no espaço, e suas escrituras, de letras e línguas mescladas, produzem um efeito encantatório e ambíguo”. (BITTENCOURT, 2005). E é exatamente esse deslocamento não-linear e orgânico do tempo e espaço que aproxima, uma vez mais, a obra de Mira Schendel à poesia concreta. Em terceiro, e último, lugar, gostaria de fazer as análises estéticas de aproximação entre o poema Nascemorre, de Haroldo de Campos, de 1958 (já que este é um poema característico do movimento da poesia concreta), e de duas Monotipias de Schendel da série dos “As”: O poema Nascemorre, de 1958, de autoria de Haroldo de Campos, mostra claramente os mecanismos utilizados para a criação da poesia concreta: utiliza os verbos nascer e morrer em várias formas, mesclando, adicionando, expandindo e contraindo tais verbos, criando novas palavras. Haroldo, longe de esgotar as possibilidades combinatórias das fontes, utiliza leis de probabilidade para criar o poema. Não há uma lógica temporal linear. Há a criação de signos novos, tendendo ao isolamento, sendo ininteligível à primeira abordagem, provocando um estranhamento; “...esse signo novo ganha significado crítico, tendendo para a metalinguagem”, como diz Pignatari (1997, p. 53). Também, o famoso eu lírico é completamente apagado no poema concreto em geral. A forma visualmente distinta do poema dá uma sensação de expansão e contração, como se fosse uma forma viva, pulsante. A sonoridade do poema é bastante particular e pouco convencional. Ainda, o poema demonstra seus efeitos acústicos, visuais, não-discursivos e de escape de uma semântica e sintaxe lineares. No poema concreto a linguagem não escorre, dura. Tempo torna-se, então, uma importante categoria para a poesia concreta, fazendo com que o poema se abra em sua duração.

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A linguagem utilizada pelos poetas concretos reflete sobre si mesma, tornase, assim, metalinguagem. Utilizo aqui uma explicação de Décio Pignatari (1997) que será bastante útil para definir o conceito de metalinguagem e para confirmar as influências da poesia concreta: No estudo da linguagem, uma última distinção se faz necessária: entre linguagem-objeto e metalinguagem. Linguagem-objeto é a linguagem que se estuda; metalinguagem é a linguagem com que se estuda, é a linguagem instrumental, crítico-analítica, que permite estudar a linguagem-objeto sem com ela se confundir. Ou ainda: quando a linguagem-objeto se volta sobre si mesma, ela tende a ser metalinguagem, beneficiando-se da fenomenologia. Este fenômeno é particularmente notável nas revoluções artísticas e de design (Dada, neoplasticismo e pop, nas artes visuais; dodecafonismo, música serial e eletrônica, na música; nouvelle vague, no cinema; Mallarmé, Joyce, Pound, poesia concreta, na literatura; a revista Mad em relação às linguagens dos meios de comunicação de massa; Mies Van Der Rohe, na arquitetura). Segue-se daí que metalinguagem é marcadamente sintática, formal, estrutural. (PIGNATARI, 1997, p. 40).

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Poema Nascemorre, de Haroldo de Campos:

Assim, podemos ver mais claramente que o exemplo escolhido de poesia concreta se encaixa perfeitamente no modelo de metalinguagem definido por Pignatari. O poema reflete sobre os verbos nascer e morrer dentro de uma dimensão linguística, joga com a composição gráfica e sonora desses verbos e, numa reflexão do existir enquanto pessoa no mundo, cria novos signos e novas reflexões, aproximando a palavra-signo de um sentido ideogramático, de uma ideia, de um pensamento abstrato não relacionado originalmente aos verbos. Novas formas são criadas através de mutações originais, usando-se a linguagem para pensar acerca da linguagem, das palavras (conhecidas e novas) e de seus sentidos (conhecidos e novos). O poema de Haroldo de Campos se desdobra entre o nascer e o morrer, se desenrola neste período de vida, num período de tempo. Há mais que vida, há o espaço em movimento entre o nascer e o morrer. Enquanto utiliza as palavras nascer e morrer e agrega sufixos e prefixos, as une, as separa, as desmantela, ele nos dá a ideia de escolha do se e do fatalismo do se. O movimento entre viver e morrer trabalha com a medida do tempo, como um pêndulo de um relógio de parede, porém não se refere a um tempo linear, mas a um tempo mais abstrato, o tempo do desmorrer e do desnascer. Notam-se formas geométricas dentro e fora do poema. Se somente a forma importasse, o poema não seria tão interessantemente original. O poema nos faz pensar, imaginar, refletir sobre as imagens expostas. A vocalização também não pode ser a mesma de um poema tradicional. Os silêncios se tornam mais profundos no poema de Haroldo, há uma necessidade urgente de pausa, pois o que se faz também se desfaz, nos torna melancólicos. O movimento do nascer até o morrer acompanha o movimento das Monotipias de Schendel, onde o escrito sai do papel, morre, foge, apaga-se no nada de um movimento para fora do papel. As duas Monotipias de Mira Schendel (as duas com título Sem Título, ambas de 1964, medindo 51 x 27 cm. Ver ilustração.) são da série dos As, onde a

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artista emprega muitíssimo a letra A para compor suas obras. Também, as imagens das Monotipias apresentadas aqui deixam claramente explícito o uso do vazio feito por Schendel. Ela se utiliza mais dos vazios que dos cheios, mais da ausência que da presença. As letras bailam em um campo de transparências e vazios, de ausências poéticas (como na obra de Mallarmé, por exemplo). Uso aqui uma passagem de Guy Brett (1997) exatamente sobre este uso dos vazios e uma certa relação com o orientalismo zen budista, assim como na poesia concreta: Até certo ponto análogo ao buraco de [Lúcio] Fontana, o papel em branco na obra de Mira Schendel é o cenário de desorientação, da indeterminação – e da liberdade: mais como uma expressão de possibilidade do que de necessidade. A linha atua sobre este vazio de diferentes modos: como uma fronteira, como uma mola energética, ou então espalhando ou juntando uma poeira cósmica de palavras. O sentido do vazio/branco na folha de papel faz-nos lembrar os princípios de inspiração zen da pintura chinesa, sugestivos, como observou Bertold Brecht, de que o artista, respeitosamente, de ter o completo domínio do observador, cuja ilusão jamais pode ser total. (BRETT, 1997, p. 276).

A primeira monotipia de Schendel apresentada aqui utiliza a letra A em forma minúscula e de maneira progressiva e ritmada. A letra é riscada várias vezes de maneira rápida e continua. Há um movimento bastante nervoso, mostrando a importância do impulso da escrita. A escrita sai dos movimentos de Schendel como forma vital, natural. A letra vem sem o sentido literal, a letra como marca de um alfabeto outro, ultra-abstrato. As várias letras formam um aaaaaa… que pode ser lido, sonorizado, mostrando a possibilidade de vocalização dos signos da monotipia e sua associação com a poesia concreta. O circulo central da obra mostra o nervosismo da busca da forma e a presença de seu vazio interior. A forma, quase-guache, da mancha sob/sobre o escrito mostra a área de trabalho sobre o papel. Também a maior parte do papel em branco nos faz ver mais a fundo o que nele marcado está e o que

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Monotipias da série dos “As”, ambas intituladas Sem título (1964), tinta e papel arroz, 50.5x26.5 cm.

nele em branco está. Os brancos vazios nos remetem às ausências poéticas de Mallarmé. A letra já não é somente letra. A associação de letras já não forma somente palavras. O circulo pode ser um o. O alfabeto se ativa na obra de Schendel, brinca, joga com o todo. A obra explora o vazio dentro do vazio, o algo dentro do marcado, a letra-nãoletra, a marca que nos confunde e nos guia em direção à uma estética super-reflexiva acerca dos signos e as várias possibilidades interpretativas destes signos. A segunda Monotipia mostra varias letras A em maiúscula, traços, curvas, marcas, todas dentro de uma mancha. Esta mancha é um objeto dentro de

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outro. A monotipia nos instiga a ler do mais ilógico ao mais lógico, de cima para baixo, do mais lógico ao mais ilógico, de baixo para cima. E essa sensação de ilogicidade nos é dada pela utilização do signo A de maneira incomum, com outro significado, outro uso, ao qual não estamos acostumados. Essa Monotipia também pode ser vocalizada, sendo um quadro-poema e um poema-quadro. O nervosismo das marcas nos deixa a impressão de pressa, de caos sendo organizado, em um movimento sempre para à direita, como quando escrevemos algo. As formas se mostram em sua simples e mais complexa natureza, assim como no poema de Haroldo de Campos. Se encaramos a monotipia como objeto em si, como um poema, podemos relacioná-la ao poema de Haroldo de Campos sem nenhum problema. A Monotipia de Schendel é também uma coisa em sua inteireza, um objeto, assim como o poema concreto. Os mesmos elementos formam tanto as Monotipias como o poema: letras, espaços, vazios, a possibilidade da vocalização, a natureza visual de ambos, a possibilidade de expressar o mais interno do alfabeto e das palavras e a busca incessante do pensamento ultra-reflexivo. E esse pensamento ultra-reflexivo se baseia, a meu ver, em uma fragilidade bela e mínima das letras sobre o papel finíssimo, em uma expressão rápida do movimento artístico criador dos signos de Schendel, e em uma reflexão sobre o próprio fazer artístico com o uso dos vazios, das ausências tão presentemente instigantes nas Monotipias desta artista. Nas Monotipias de Mira Schendel se pode notar o desgaste do signo utilizado. Ela, algumas vezes, utiliza tanto um signo que o esvazia de sua significação original. Por exemplo, a letra a minúscula da primeira Monotipia. Essa redundância acaba por criar um signo novo, um signo similar às várias as que podemos tentar ler (perceber). Na redundância das formas utilizadas pela artista podemos verificar o que diz Décio Pignatari (1997) sobre a criação de uma informação nova, o que acontece com os quadros de Mira: ...redundância não pode ser entendida apenas como a maior frequência de

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ocorrência de certos sinais, pois, como foi indicado, a forma, a ordem e a própria quantidade em que ocorrem pode contrariar a expectativa inerente ao sistema, ir contra os padrões relacionais previstos ou previsíveis, constituindo, assim, informação nova... (PIGNATARI, 1997, p. 30).

Esta passagem de Pignatari define exatamente o que acontece com a utilização dos signos usados por Schendel: ela os extrapola, os retira do âmbito do previsível, contrariando as expectativas em relação a estes signos por nós conhecidos e criando sua própria gramática, num trabalho de abstração total dos signos, deslocando esses signos de seus usos diários e ordinários. E desta mesma forma trabalha a poesia concreta. A Monotipia também joga o jogo do nasce e morre. Ela faz nascer e morrer interpretações, visões, inter-relações. Talvez o mantra dos aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaas seja mais que uma relação linguístico-significante (zen budista ?!), mas um mantra que se relaciona diretamente com o tempo, com o fazer, com o cantar, com o pensar. O ritmo das marcas e letras também nos dá a sensação de tempo, de movimento, de pressa, de vida que pulsa entre o nascer e o morrer. Uso aqui uma passagem de Wassily Kandinsky (1996) sobre a relação entre as diferentes artes para iluminar este ponto onde o poema de Haroldo de Campos e as Monotipias de Schendel se refletem: …é possível obter a mesma ressonância interior, no mesmo momento, por diferentes artes. Cada uma delas, fora dessa ressonância geral, produz então o “mais” que lhe é próprio e corresponde ao que tem de mais essencial, aumentando assim a força da ressonância interior geral e o enriquecimento de possibilidades que superam os recursos de uma única arte. Que desarmonias iguais em força e em profundidade a essa harmonia tornar-se-ão assim possíveis? Que infinitas combinações, onde dominará ora uma só arte, ora o contraste de artes diferentes, e onde outras artes misturarão suas próprias ressonâncias silenciosas? Deixo a cada um a tarefa de o imaginar. (KANDINSKY, 1996, p. 101).

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As Monotipias de Schendel criam imagens novas, nos fazem sair do normal, do conhecido, do alfabeto da leitura. Neste sentido, uso uma passagem de Gaston Bachelard sobre as imagens completamente novas que cria a poesia, imagens que nos surpreendem: Vivem a vida da linguagem viva. As reconhecemos, em seu lirismo ativo, por um sinal íntimo: renovam o coração e a alma…” (2003, p.11). E isso é exatamente o que fazem tanto o poema concreto de Haroldo de Campos quanto as Monotipias de Schendel. Suas criações nos impulsionam a abstrair, a tentar perceber suas estéticas fora do corriqueiro. Estéticas excitantes e inspiradoras. Há uma ação direta da imaginação criativa sobre o uso da linguagem tanto nas Monotipias quanto no poema Nascer morrer que nos levam a pensar no ultra-abstrato, no mundo onde a arte impera e o tempo não reina senhor dos homens.

Conclusão Pode-se verificar que tanto a poesia concreta quanto as Monotipias de Mira Schendel lidam com processos similares de investigação, seja no âmbito da criação de uma metalinguagem para interrogar suas próprias obras, seja no âmbito da relação não-linear do espaço/tempo, seja no uso do isomorfismo que nos confunde em relação ao visual e verbal e desestabiliza essas fronteiras, seja na utilização de uma estética quase oriental de vazios e ideogramas, e pela originalidade e genialidade de suas abstratas criações. Verificamos, também, o caráter sempre inconcluso da poesia concreta e das Monotipias de Schendel, utilizando uma memória que opera com imagens e com a flexibilização temporal. Ambas produções questionam as bases das artes, buscam o sutil, o não-estável, o mutável, o cambiante, um sentido próprio e forte, criando informação nova, novos signos. Utilizo aqui uma passagem de Pignatari (1997) sobre signo novo, mostrando que tanto a poesia concreta e as Monotipias de Mira Schendel criam signos novos (são criativamente originais) e dependem das referências dos espectadores/leitores para significar a obra:

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...o signo novo tende a produzir isolamento, é ininteligível à primeira abordagem – por sua raridade e inesperado e pelo fato de ser mais dispendioso (para o sistema nervoso, por exemplo). Sua absorção se faz com base no repertório e na dinâmica do interpretante (podemos também entender repertório como memória e interpretante como o conjunto dos programas possíveis do receptor da mensagem)” (PIGNATARI, 1997, p. 52).

Assim, o espectador/leitor tem que olhar e ler sem medo, buscando suas próprias interpretações das obras, buscando entender a ligação da escrita com o visual, buscando as sensações e imagens provenientes das obras, buscando o que Gaston Bachelard (2003) chamaria de o aéreo da obra, o que nos dá asas e nos leva a voar. A junção do verbal com o visual em suas formas mais abstratas se dá no âmbito da investigação tanto na obra de Schendel como na poesia concreta. Como diz o catálogo da exposição Mira Schendel na Galerie Nationale du Jeu de Paume: As monotipias de Schendel combinam poesia e espacialidade, apresentando similitudes com a caligrafia oriental e a pintura abstrata gestual. (2001, p. 14). Assim, pudemos notar que a escritura nas Monotipias de Mira Schendel é pura poesia de vazios, transparências e signos gráficos e que a obra poética dos concretos é arte plástica de formas dada por palavras, letras e sentidos. Portanto, me arrisco a dizer que essas duas experiências artísticas podem ser concebidas como reflexos uma da outra, como um rebatimento, como uma junção relacional de fazeres artísticos muito próximos de técnicas, aparentemente, tão diferentes. Essas duas formas de expressão artísticas, a poesia concreta do grupo Noigandres e as Monotipias de Schendel, estabelecem relações significativas fortes, visíveis e sensíveis, além de confundirem e desconstruírem o entendimento de conceitos como textura e textualidade.

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