Painel - Nova metodologia de avaliação do conhecimento ecológico tradicional

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA LABORATÓRIO DE NECTOLOGIA

NOVA METODOLOGIA PARA AVALIAR O CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL EM PROCESSOS DE CRIAÇÃO DE ÁREAS PROTEGIDAS MARINHAS João Batista Teixeira1; Agnaldo Silva Martins1; Hudson Tércio Pinheiro1; Maria Elisa Tosi Roquetti 1 Fernando P. M. Repinaldo Filho1 1Universidade

Federal do Espírito Santo, Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras, Vitória – ES. jboceano@gmail.com INTRODUÇÃO

A criação de uma Unidade de Conservação Marinha em uma região onde a pesca, além de ser uma arte tradicional, representa uma importante fonte de renda para a população, gera uma série de dúvidas por parte dos moradores, que se sentem no direito de conhecer as alterações que essa implantação poderá trazer para rotina de suas vidas. Dessa forma, faz-se necessário um trabalho que levante informações sobre a atividade pesqueira para analisar os possíveis impactos junto aos pescadores e demais moradores da região e que instaure a necessidade de se proteger o ambiente e seus recursos, garantindo a extração consciente e sustentável destes (Teixeira et al., 2005). Este trabalho veio atender à demanda de obtenção de informações para subsidiar a tomada de decisão com relação a que tipo e em que área uma Unidade de Conservação poderá ser implantada e se a comunidade local tem conhecimento do que se trata. Para isto, foi desenvolvida uma nova metodologia que registrasse o conhecimento ecológico local de maneira integrada e abrangente para englobar as comunidades diretamente envolvidas com a região em quatro municípios do sul do Espírito Santo, sendo eles: Anchieta, Piúma, Itapemirim e Marataízes (Figura 1). MATERIAIS E MÉTODOS

Figura 1: Área de estudo compreendendo quatro municípios do sul do Espírito Santo.

Em uma primeira etapa do trabalho foi realizada uma pesquisa intensa de campo abordando os aspectos técnicos, ecológicos e sócio-econômicos da atividade pesqueira nas comunidades. Adicionalmente foram levantadas informações para identificar informantes privilegiados (chaves), também denominados de stakeholders, para participar da fase posterior. Esta identificação foi realizada a partir de um procedimento sistemático de indicação pelos próprios usuários do sistema, seguindo a metodologia proposta por Davis e Wagner (2003) - Who Knows? On the Importance of Identifying “Experts” When Researching Local Ecological Knowledge. A metodologia da oficina participativa foi conduzida por uma equipe de pesquisadores que, num primeiro momento, fez uma separação das pessoas em grupos de 4-6 e cada grupo produziu 4 mapas em transparências que continham um mapa base de fundo com limites territoriais, linhas de costa, rios, isóbatas, cotas batimétricas, escala em quilômetro e milhas náuticas, além de uma rosa dos ventos com norte magnético e geográfico, que serviram de referência para as pessoas se localizarem (Figura 2 e 3). Ao final dessa dinâmica, as transparências foram projetadas num retroprojetor e discutidas entre os participantes em forma de assembléia, e um outro mapa final foi elaborado a partir da discussão (Figura 4). Cada comunidade então, produziu 4 mapas finais.

Figura 5: Mapa do fundo integrado resultante dos mapas confeccionados durante as oficinas do conhecimento ecológico tradicional.

RESULTADOS

Figura 2: Apresentação do mapa base para orientação dos pescadores.

O primeiro nível de informação do conhecimento ecológico tradicional adquirido nas oficinas foi o tipo de fundo marinho, em que os pescadores identificaram as áreas de lama, areia, cascalho/calcário e pedras/recifes (Figura 5). O mapa resultante foi validado em campanhas com sonar de varredura lateral, em que se pôde comprovar a precisão das áreas para a escala de 1:250.000, ou seja, os mapas produzidos pelos pescadores representaram bem a realidade dos tipos de fundo marinho. As áreas de pesca foram mapeadas para cada tipo de pescaria existente em cada comunidade avaliada, desde áreas utilizadas para extração de mariscos, até as áreas de linha de mão, redes e arrastos. Cada polígono mapeado acompanhou metadados contendo o número de pescadores e de barcos atuantes, o que permitiu a confecção de um mapa de intensidade de uso, com o somatório do número de pescadores nas diversas áreas sobrepostas (Figura 6). Os conflitos existentes na região, que podem ser amenizados ou resolvidos definitivamente com ações de manejo costeiro, também foram identificados e mapeados durante as oficinas. Foi possível perceber, através do mapa integrado, que os conflitos vão desde atividades portuárias, até o turismo desordenado e a pesca predatória de barcos de fora (outros municípios e estados). Outra informação extremamente importante que foi coletada refere-se às áreas reconhecidas pelos pescadores como de “Relevância Ambiental”. Essas áreas foram apontadas durante as oficinas e entrevistas, identificando as regiões chamadas de “berçário”, “refúgio”, “criadouro”, concentração e reprodução de peixes, polvos, camarões e lagostas (Figura 7). Este mapa também foi integrado e resultou num mapa contendo áreas sobrepostas (apontadas em mais de uma oficina/comunidade), o que aumenta consideravelmente a importância da região, pois grupos de pescadores distintos a reconhecem como relevante ambientalmente.

Figura 6: Área de pesca separadas por tipo de pescaria, sendo: rede, arrasto, linha de mão e pesca de lagosta/peixes ornamentais, respectivamente.

CONCLUSÃO Figura 3: Grupo trabalhando na confecção dos mapas durante a oficina de Itaipava.

A metodologia “Mapeando e Valorizando o Conhecimento do Pescador” atendeu diversas necessidades referentes à validade das informações obtidas em oficinas participativas com pescadores, que são comumente alvo de críticas relacionadas a abrangência e integração das informações. Através desta metodologia, foi possível extrair de maneira global o conhecimento comunitário referente às áreas de pesca, mapa dos tipos de fundo marinho, conflitos e áreas de relevância ambiental. Estas informações são extremamente importantes nos processos de criação de unidades de conservação e geralmente são muito difíceis de se obter, devido à complexidade e dinâmica da atividade pesqueira, além da heterogeneidade das comunidades que exploram áreas comuns próximas à costa. A partir dos resultados obtidos com a aplicação desta metodologia, os órgãos gestores terão condições e subsídios para discutir tecnicamente, junto com os demais atores sociais, o interesse de cada região, buscando soluções de conservação integradas e participativas. Os resultados desta avaliação fornecem elementos importantes para as definições de áreas e categorias de unidades de conservação marinhas, já que agrupou o conhecimento tradicional de todas as comunidades com validade garantida e comprovada pelo quorum presente nas oficinas. REFERÊNCIAS

Figura 4: Projeção dos mapas confeccionados nos grupos para elaboração do mapa final (oficina de Marataízes).

Davis, A.; Wagner, J. R. 2003. Who knows? On the importance of identifying "experts" when researching local ecological knowledge. Human Ecology, 31(3): 463-489. Teixeira, J.B.; Oliveira, B.D.L.; Secchin, N.A.; Oliveira, F.R.A. 2005. Conflito entre pontos de pesca e área proposta para a unidade de conservação marinha de Santa Cruz, Aracruz/ES. In: II Congresso Brasileiro de Oceanografia, 9 a 12 de outubro de 2005 (Resumos). Vitória, ES.

Figura 6: Áreas de Relevância Ambiental identificadas durante as

oficinas com os pescadores. As frases que identificam as áreas no mapa são originais e descritas pelos pescadores.


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