Jornal Frente & Verso - Agosto 2018 #001

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F R E N T E V E R SO CINEMA: Um bom

cartaz alimenta a

vontade de assis-

tir um filme. Quase

sempre nos impressionam com uma

frase do tipo “Seu

único pecado foi amar loucamente”. - PG 10

PU BL ICAÇÃO P O LÍTICO- CU LTU RA L , GAS TRONÔMICA E LITERÁ RIA DE ARM AÇ ÃO DOS BÚ ZIOS

ag o sto 2 01 8

#001

MEMÓRIA BUZIANA: Há alguns anos eram comuns o que

os pescadores chamam de “comedio”: um lugar onde um cardume de sardinhas aflora à superfície e, como não podia

&

deixar de acontecer, é dizimado. - PG 12

PRETO NO BRANCO:

O visitante pode não dar

muito valor ao senhor de jeito simples que é visto

com facilidade passean-

do pelo comércio e pelos bares de Búzios. Quem é da cidade conhece e sabe que Antônio Câmara, mais conhecido como Toninho Português, é uma enciclopédia viva. - PG 06

Paisagem buziana com a escultura “Os Três Pescadores” de Christina Motta


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EDIÇÃO 001 – ANO 01 – AGOSTO 2018

EDITORIAL

traços & troços MATTIAS

Chargista

VERSANDO E PRA FRENTE O barco zarpou. Lançamos uma nova publicação com o desafio de nutrir a expectativa de Búzios por um conteúdo de leitura reflexiva, com artigos e opiniões diferentes sobre a nossa cidade e os nossos tempos. A primeira edição foi distribuída em mais de 40 pontos incluindo bancas, estabelecimentos comerciais, contando com o apoio de parceiros valiosos para circular e se tornar realidade. A partir de agora, a responsabilidade é fortalecer essa iniciativa, prezar pela qualidade e o equilíbrio no debate de ideias, além de ratificar os valores que nos fizeram sair da gráfica para o papel. Vamos em frente. O ano de 2018 já deixou sua primeira metade. Entre as curvas do percurso, o Brasil já atravessou uma Copa do Mundo e aproxima-se das eleições presidenciais mais incertas de todo o período democrático após a ditadura civil-militar encerrada em 1985. No mundial de futebol, o desempenho do país entre as quatro linhas foi bem menos horrível do que o comportamento de alguns brasileiros do lado de fora. A imagem repugnante e machista da humilhação de uma mulher russa, cercada por eles, fala por si. Na política, os reflexos da recente convulsão na democracia não podem deixar que o mesmo tipo de mediocridade civilizatória avance sobre os principais cargos de poder. Os retrocessos dos últimos anos, principalmente sobre os mais pobres, ficariam bem terminando por

aqui. Para Búzios e o estado do Rio, que as eleições tragam um horizonte de boas notícias para a educação pública, o emprego, a saúde, os direitos humanos, a qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras. Daremos nossa colaboração fomentando a discussão em alto nível sobre esses e outros temas. Já nesta edição temos uma nova coluna voltada à realidade da população quilombola e as comunidades tradicionais na região, assinada por Gessiane Nazario. Também está aberto o espaço para as questões da psicanálise e da saúde mental, com a colaboração de Sheila Saidon, uma seção de charges inaugurada pelos traços do premiado Mattias e a primeira de várias entrevistas periódicas com personagens que nasceram em Búzios ou escolheram a cidade para morar. Aproveitamos também para anunciar, nas próximas páginas, a nossa campanha de financiamento coletivo para manter e ampliar a ideia do Frente e Verso. Somos uma publicação independente, que precisa da colaboração de quem acredita no acesso à informação, na mídia livre e na diversidade de opiniões como um caminho certo para sermos pessoas melhores em um mundo melhor. Leia o Frente o Verso, financie o Frente e Verso, faça parte. Boa leitura.

EXPEDIENTE FRENTE E VERSO É UMA PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS. JORNALISTA RESPONSÁVEL: Artênius Daniel - Contra Regras (DRT/MG 08816JP) COLUNISTAS: Alexandre Santini, Bento Ribeiro Dantas, Gessiane Nazario, Gustavo Guterman, Hamber Cannabico Carvalho, Leandro Araújo, Léa Gonçalves, Luisa Barbosa, Manolo Molinari, Pedro Campolina, Sandro Peixoto, Sheila Saidon, Tiago Alves Ferreira, Tonio Carvalho. CHARGE: Mattias TIRAGEM: 3.000 – Distribuição gratuita PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Vinicius Lourenço Costa - Vico Design ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: Contra Regras Produção e Comunicação ENDEREÇO: Feira Livre Periurbana de Búzios, Praça da Ferradura, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 FALE COM A FRENTE E VERSO: frenteverso@contraregras.com.br

Palco do leitor

SUBA NESSE PALCO O palco é o espaço da fala, da expressão, da atenção ao que se diz e ao que se quer dizer. O palco é nosso, é o lugar que abrimos para os leitores subirem com suas opiniões, reflexões, críticas, devaneios e liberdades, desde que sempre prezando pelo respeito incondicional aos direitos humanos e ao debate democrático de ideias. Esta seção foi criada após a cobrança de algumas pessoas que receberam a primeira edição do Frente e Verso e reivindicaram o seu lugar de falar por aqui. Muito justo. Por isso, mande a sua contribuição para o Palco do Leitor por e-mail, no endereço eletrônico frenteverso@contraregras.com.br até no máximo o dia 20 de cada mês. Cada carta deverá ter, no máximo, 500 caracteres. Escolheremos aquelas que julgarmos mais interessantes e representativas para a provocação e a reflexão crítica sobre os temas que trazemos nas nossas colunas. Na última década, a sublimação do espaço das redes sociais e dos comentários da internet tem mostrado que todos têm opinião para tudo. Essa é uma vantagem quando se quer construir uma sociedade po-

lifônica e, ao mesmo tempo, uma desvantagem quando os limites do opinativo são rompidos em direção ao preconceito, ao machismo, racismo, LGBTfobia, os discursos de ódio e o fascismo. Por isso, não reservaremos nem um centímetro do nosso tablado a quem flertar com essa gritaria que, infelizmente, é uma realidade nas publicações online. O cenário aqui será do jogo limpo, das trocas e enfrentamentos construtivos, das desconstruções que valem a pena, das divergências saudáveis e edificantes. O cenário aqui será o das politizações e não das polêmicas vazias. Dos encontros de opostos, ao invés do seu choque. Como diz um mestre chamado Gilberto Gil, suba neste palco, traga sua banda, vale o quanto pesa, pra quem preza o louco bumbo do tambor. O microfone está aberto.


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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

Educação

ESCOLA SEM MORDAÇA LUISA BARBOSA

Professora doutora de filosofia e sociologia do C. M. Paulo Freire e do C. E. João de Oliveira Botas

No dia 14 de julho de 1789, caía a monarquia absolutista da França. Inspirada nos ideais iluministas, a Revolução Francesa é um marco da modernidade. A tolerância religiosa foi colocada em oposição aos dogmas fixos da Igreja Católica. A razão como forma de explicar o mundo e o convite ao “atreva-se a conhecer” quebravam as estruturas medievais que restringiam a liberdade do pensar. Como lembrou-me um amigo, as palavras de ordem desta Revolução “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” são indivisíveis e inseparáveis. Isso quer dizer que não pode haver liberdade entre desiguais. Também que só haverá mais liberdade com menos desigualdade social. Da mesma forma não pode haver igualdade social sem liberdade. São todas faces da mesma moeda. Do século XVIII até a vitória da colorida seleção bicampeã na Copa de 2018, muita coisa mudou, mas há entraves que insistem em perdurar mundo a fora. No Brasil, em pleno século XXI, entramos numa guerra ideológica digna da Idade Média, contra um retrocesso que se concretiza no Projeto da Lei (PL) da Mordaça, o “Escola sem Partido”. Projeto que é sobretudo uma afronta ao pensamento crítico e científico na escola e à liberdade de pensamento. “Escola sem Partido” é um termo da pós-verdade: um neologismo que descreve a situação na qual, na hora de criar e modelar a opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência que os slogans, apelos às

emoções e às crenças religiosas ou pessoais. Cria-se uma “verdade” que não existe mas passa a “existir” ao ser propagada pelas redes sociais. O termo surfa nesta onda e apela a um tema que tem lastro na sociedade brasileira, em virtude do descrédito aos partidos políticos. Afinal quem é a favor de uma escola com partido? Desde 2004 uma ONG intitulada “Escola sem partido” usa de atos não verídicos para disseminar o ódio nas redes sociais e fomentar leis em todo país com características conservadoras. O caso de Alagoas é ilustrativo neste sentido. Neste Estado, uma apostila falsa intencionalmente divulgada como sendo do MEC, continha imagens de estímulos a práticas sexuais. A Secretaria de Educação provou que o material era mentiroso, mas o estrago já estava feito.[i] Diversos vídeos na internet divulgam ainda hoje o material como se ele fosse verdadeiro. Os que o propagaram se diziam contra a chamada “ideologia de gênero”, mais um termo da pós-verdade. Gênero, como sabemos, está longe de ser uma ideologia.[ii] O mesmo ocorreu na cidade de Contagem onde uma possível prova conteria questões sobre a prática de sexo grupal. A Justiça também investigou o caso e constatou que - na verdade as perguntas sobre sexo tinham sido realizadas pelas próprias crianças numa curiosidade natural da idade. No entanto, mais uma vez, o boato suscitado pelas redes sociais já havia se tornado “verdade”. A professora, por outro lado, vítima de um tribunal cibernético popular.[iii]

O fato preocupante é que a mentira com máscara de verdade inspirou e inspira diversas legislações. Na mesma Alagoas, personagem do boato mais famoso, o termo “gênero” foi retirado do Plano Estadual de Educação e um Projeto de Lei, inspirado na Lei da Mordaça, foi aprovado. Em 2015 surgiu o PL 867 de autoria Izalci Lucas Ferreira do PSDB-DF, com o mesmo teor. O Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União já entraram com ações pela inconstitucionalidade destas Leis, que ferem o artigo 206 da Constituição Federal, sobre liberdade de expressão, mas elas continuam inspirando legisladores de todo o país. Em setembro/2017 a Câmara Municipal de Búzios aprovou um PL que baseia-se nessas mesmas referências, o PL 27/2017, que proíbe a divulgação e acesso à imagem, música e textos pornográficos ou obscenos pela escola e determina que as suas famílias sejam previamente informadas do material pedagógico adotado no ambiente escolar. O PL foi sancionado no mesmo mês, tornando-se a Lei 1367/2017, que faz um chamado importante à sociedade buziana: “pais, mães e responsáveis participem da vida escolar”. Num município onde nem o prefeito e nem vereadores confiam na escola pública para a educação dos seus filhos, é fundamental aos que acreditam, atuar pela educação de qualidade na cidade. O Projeto, entretanto, deixa uma brecha perigosa à limitação da autonomia fundamental do profissional de educação na sala de aula, um desestímulo ao espírito crítico. Para o escritor José Saramago, militante da liberdade e dos direitos sociais e ainda o único Nobel de literatura da nossa língua portuguesa, não há nada mais obsceno que a fome, assassina de milhões no mundo. Concordo com ele. E para você? Obsceno é o quê? i. “Secretaria de Maceió desmente boato sobre cartilha de ideologia de gênero” g1.globo.com/al/alagoas . ii. Em 1955 o pesquisador J. Money introduziu a distinção terminológica entre sexo biológico e gênero como um papel social, a distinção é amplamente adotada nas ciências sociais e pela Organização Mundial de Saúde. Até hoje a relação homossexual é crime em 73 países. 13 preveem pena de morte. iii. MG: escola é criticada por trabalho ‘pesado’ sobre sexualidade” terra.com.br/ noticias/educacao .

Guanabara

LEANDRO ARAÚJO

Publicitário

TORCEDORES DE IDH “A Suíça nos ganha de goleada em segurança, saúde, educação, impostos, liberdades, renda per capita, representação popular. Em compensação, conseguimos empatar com ela em futebol.” Assim comentou o jornalista Alexandre Garcia no Twitter, após a estreia da Seleção na Copa do Mundo. Apesar do enorme potencial, somos um país com baixos índices de desenvolvimento, ex-colônia estropiada, explorada e roubada até o talo. Boa parte do espólio do roubo está depositado em contas suíças e gera dividendos que sustentam as boas políticas sociais de lá. E sabe o que isso tem a ver com futebol? Nada. Ainda assim alguns sabichões cismam em forçar uma relação entre o desempenho na bola e o desempenho no IDH, como se nossa vocação para futebol e festa fosse um entrave para a superação das nossas misérias (ou mesmo um agravante delas). Durante a Copa pipocaram matérias sobre a febre verde-amarela na Índia e Bangladesh: telões, ruas pintadas, carreatas, videoclipes produzidos por fãs. Nas redes sociais, vídeos de torcedores tomando as ruas de países como Jamaica, Síria, Haiti, Líbano, Indonésia e Nepal para comemorar a vitória canarinho sobre a Sérvia. Não me recordo de alguma vez ter visto pessoas de outros países vestindo as cores e a bandeira do Brasil para celebrar aumento do IDH ou crescimento do PIB. Quem não compreende o valor do futebol e da festa como contribuição positiva do Brasil para o mundo não entende mais é nada.

O projeto Cidade Biblioteca é uma iniciativa sem fins lucrativos de promoção da cultura, da leitura e do acesso ao conhecimento em Búzios. Nosso sonho é que os livros estejam sempre ao alcance das mãos, seja na procura do ócio, na espera do café, do transporte público ou do pôr-do-sol. Os livros transformam o intelecto e a sensibilidade, fazem do mundo um lugar melhor. O Cidade Biblioteca promove ações como saraus, clubes de leitura, distribuição de livros pelos espaços públicos, bibliotecas itinerantes.

DOE SEU TEMPO. DOE SEU LIVRO @cidadebiblioteca cidadebiblioteca@gmail.com

SÁBADOS

SÁBADOS

1a QUARTA-FEIRA DO MÊS - 01/08

Feira Livre Periurbana de Búzio

Feira Livre Periurbana de Búzio

Praça Santos Dumont

11h às 12h

8h às 13h

19h às 21h


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EDIÇÃO 001 – ANO 01 – AGOSTO 2018

CRÔNICA BUZIANA SANDRO PEIXOTO

Empresário e jornalista

A DISTOPIA BUZIANA Não sei se por utopia, falta de conhecimento histórico ­- e talvez até por pura e simples abnegação, ou seja, por renúncia ascética - a sociedade buziana quando se viu diante da novidade do turismo de massa, tenha aceitado acreditar que a chegada de gente da capital e de diversos rincões do mundo não seria traumática. Decerto no início de tudo, a convivência tenha sido agradável para ambos. Os sortudos que nasceram e cresceram no paraíso mais que felizes ficaram ao receber os novos visitantes que em busca de paz e diversão, traziam em seus bolsos aquilo que move o mundo. Dinheiro! E aqui não vai nenhuma crítica. Quem não gosta de dinheiro? A chegada dos turistas mudou e moldou para sempre o destino da antiga aldeia de pescadores que, só se emancipou de Cabo Frio graças ao empenho e a grana dos “de fora” que, já se sentindo “de dentro”, ou seja, buzianos, resolveram que era chegada a hora de ter o destino do lugar em suas mãos. Essa união com os nativos, ou melhor, os minhocas da terra (como se autodenominavam os antigos aqui nascidos) foi benéfica e Búzios deixou de ser um reles distrito e passou a ser cidade. Um adendo: Acho que essa denominação, “minhoca da terra” quase

CIDADE

não se usa mais, pois é muito difícil encontrar alguém nascido de pai e mãe original da aldeia. Hoje está tudo misturado. Lembro que era comum nos anos 1980 ler no jornal O Perú Molhado, anúncios de casamento (obrigatórios por Lei) com as seguintes informações: irão se casar no próximo dia 20 neste cartório, Fulana de tal de Almeida Praxes (nome fictício) com Gutemberg Klaus (idem), ela, brasileira, solteira, natural de Armação dos Búzios. Ele, solteiro, alemão, natural da cidade de Berlim. Aos poucos, os chamados “de fora” como eu, fomos tomando conta do espaço e os nativos perderam não apenas a voz, como também a vez e seus espaços. O sentimento de invasão é latente em alguns. Principalmente aqueles que ainda pequenos e sem direito a veto, assistiram quietos seus pais venderem suas posses pelo preço da ocasião. Lembram o montante recebido, fazem as contas como se a cidade valesse o mesmo ontem e hoje e rangem os dentes. Essa discrepância imaginada gera muito raiva e rancor até hoje. O fato, é que cada vez mais, filhos de famílias tradicionais estão se mudando para os bairros da periferia. Seja por vontade - pois bairros como Rasa e Maria Joaquina ainda mes-

PEDRO CAMPOLINA Arquiteto

SOBRE O SEMINÁRIO NACIONAL DE POLÍTICA URBANA Aconteceu em São Paulo, nos dias 3 e 4 de julho, o Seminário Nacional de Políticas Urbanas: “Por cidades humanas, justas e sustentáveis”, promovido pelo CAU-BR, IAB-SP e CAU-SP. Participaram Especialistas de várias áreas, entre eles, grandes arquitetos e urbanistas como Paulo

Mendes da Rocha, Ermínia Maricato e Raquel Rolnik. O evento faz parte de um ciclo de debates, visando à elaboração de documentos dirigidos aos atuais gestores municipais e, posteriormente, aos eleitos em 2018. Dentre as diversas palestras, destacou-se a da Prefeita Márcia Lucena, professora, eleita em 2016 para a prefeitura do município de Conde PB. Levada ao seminário, como exemplo de boas práticas urbanas, gestão e transparência, a gestora mostra como a vontade política associada

mo que notícias de drogas e crimes tentem negar, guardam um pouco da paz de outrora - seja por falta de ambiência com a nova realidade - onde os nativos passaram ser minoria. Eis que o deslumbramento inicial se esvaiu com o tempo. Quem era visto como soma, de repente subtraiu não apenas o espaço, assim como o modo de vida. Tomamos pelo poder da grana a vista para o mar, o silêncio, o modo de viver, de comer, de se vestir e até de ganhar dinheiro. Hoje quem ganha dinheiro com turismo são os estrangeiros. Os nativos ficam apenas com uma pequena parte. Copiei e colei Em grego, a partícula δυσ (translit. “dis” ou “dys”) exprime ‘dificuldade, dor, privação, infelicidade’; a palavra τόπος (translit., topos) significa ‘lugar’. Portanto, ‘distopia’ quer dizer ‘lugar infeliz, ruim’. Já a palavra ‘utopia’ se compõe de ου (translit. ou, latinizado como u-), advérbio de negação, e τόπος, ‘lugar’. Assim, utopia significa ‘lugar nenhum’, e distopia significa ‘lugar ruim’.

ao conhecimento técnico pode obter bons resultados. Márcia diz ter promovido diversas atividades ligadas ao urbanismo no município, como reuniões semanais com os moradores para explicar tudo o que acontece na prefeitura. “A gente precisa criar mecanismos que estimulem a participação da sociedade. A revisão do zoneamento da cidade tem sido feita in loco, com a participação direta dos moradores locais”. Outra boa atitude foi a implementação da Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (Lei 11.888/2008), que visa dar assistência gratuita em parceria com o CREA, para pessoas de baixa renda na construção ou reforma de suas casas, que além de contribuir

A distopia buziana não transformou necessariamente a aldeia de lugar nenhum, num lugar ruim. Apesar dos pesares Búzios continua sendo um lugar bom de viver. Um lugar aprazível (a palavra mais bela do nosso idioma) para quem nasceu, quem chegou e para quem continua chegando. Búzios mudou para todos e nem é o imaginado para quem agora à descobre. Nada é permanente, exceto a mudança, disse um dia meu amigo Heráclito, que nasceu Grego, mas hoje seria Turco. Às vezes, vejo a sociedade buziana com o mesmo dilema dos Palestinos. Eles sabem que serão engolidos pela cultura invasora, por assim dizer, e não resta nada a não ser aceitar ou gritar. A vida me ensinou que, sempre que uma civilização mais moderna se defronta com uma mais arcaica, a tendência é a primeira engolir a segunda. Em Búzios não está sendo diferente. Infelizmente, pois o ideal seria unir as coisas boas das culturas e criar a partir dessa simbiose um novo tipo de relação humana. Onde todas as experiências seriam somadas e paririam um novo conceito de convivência. Apesar de a distopia ter assumido a realidade, eu como idiota prático, continuo com minha utopia. Dentro de mim ainda resiste a velha Búzios e todos os seus nativos. Quer dizer, exceto alguns...

muito na melhoria das condições de moradia, ajuda no planejamento e controle do território. Para avançarmos no planejamento urbano em Búzios é fundamental que haja vontade política de se aproximar da sociedade. A distância e falta de ações do poder público em nossa cidade geraram o crescimento desordenado, com complicações em vários níveis, como saneamento, violência, falta de previsão de serviços públicos, e vem tomando proporções alarmantes em nossa cidade. Fica aqui o exemplo da Prefeita Márcia Lucena que tem realizado ações e iniciativas a fim de reduzir os problemas de sua cidade numa realidade não distante da nossa.


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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

EU FINANCIO O

AGUARDE LANÇAMENTO DO FINANCIAMENTO COLETIVO DIA 1 DE AGOSTO! Este espaço será dedicado ao nome das pessoas que mensalmente contribuem para que o Frente e Verso possa ser publicado e distribuído gratuitamente. www.catarse.me/jornal_frente_e_verso

Teatro

Zarzuela “É PRECISO FAZER O

TONIO CARVALHO

MUNDO INTEIRO CANTAR.

Autor, ator e diretor teatral

A MÚSICA É TÃO ÚTIL QUANTO O PÃO E A ÁGUA.”

EVOÉ! “Difícil fazer teatro no Brasil. Tô quase desistindo!” é bastante comum ouvirmos essa frase por jovens sonhadores em início de carreira ou por experientes profissionais. É difícil mesmo. E ao que consta, sempre foi assim. Em alguns momentos menos em outros mais. Às vezes, sufocante. Uma tortura.

Fácil ou difícil a verdade é que o pires na mão estendida ao apoio oficial ou a patrocinadores, sempre foi a tônica de bravos guerreiros sobreviventes do eterno sonho de fazer teatro e através dele, expressarem-se e comunicarem-se. Um direito inalienável a todo e qualquer ser humano. Contudo, sem uma política educacional e cultural ousada que mire um ponto futuro, a transformação de uma realidade indigente na qual chafurdamos cada vez mais, fica difícil acreditar que os sonhos das próximas gerações se concretizem. Precisamos de uma ação cultural/educacional que valorize o ato de criar. Seja ele, artisticamente falando, plástico, musical, corporal, literário, teatral, etc. É urgente pensarmos nas ferramentas a serem utilizadas para a transformação que almejamos. Nossos jovens estão à deriva, sem perspectiva, em um mundo caótico governado por falsos valores que estimulam o consumismo afetivo e a superficialidade das relações humanas e do autoconhecimento. Uma ferramenta poderosa é a arte, a criação, o fazer artístico, a experimentação de práticas em quaisquer das linguagens artísticas que possibilitem a descoberta de emoções

e sentimentos, que possibilitem o reconhecimento dos erros e acertos em nossos processos, que ofereçam a possibilidade do mergulho profundo no abismo que a alma humana tem como matéria de expressão e realização. O Binômio “autoconhecimento e processo criador” é a ferramenta básica para a expressão criadora e a realização de sonhos. Um estimula o outro: quanto mais nos damos a conhecer a nós mesmos, mais e melhor nos expressamos artisticamente e vice-versa. Em teatro, uma arte que engloba várias expressões artísticas, o processo continuado de criação não se esgota numa estreia. Continua durante as temporadas pois cada apresentação é um sujeito em si. Não apenas do ponto de vista da interpretação dos atores mas, entre outros, da reação com o público de cada sessão. Aquele espetáculo de ontem jamais será o mesmo de hoje. Assim como o de hoje jamais será o mesmo amanhã. Assim percebido e vivido estendemos o quanto o “abismo” é o pai nosso de cada dia. “Abismo” necessário, fascinante e assustador pois provocador, sempre transgressor, fundamentais para a criação que nos instiga, enquanto artistas, ao novo, ao desconhecido, ao original. Aí talvez resida a chave do sucesso tão almejado: resistir ao riso e ao pranto fáceis, aos aplausos pouco verdadeiros como os de praxe. O sucesso é algo mais profundo e delicado. Está guardado dentro do sonho de cada um ao poder exercer o direito a sonhar.

Heitor Villa-Lobos

LÉA GONÇALVES

Radialista, DJ e programadora musical Fundada em 2003, a Escola de Música Tom Jobim/polo avançado Villa-Lobos é uma referência no ensino, com cursos que duram entre 3 e 4 anos, com quase 300 alunos, entre adultos e crianças. A Escola de Búzios é uma das 5 do Rio de Janeiro, uma parceria do Governo do Estado e Prefeitura Municipal. Sob a Batuta de Léo Ackerman, Diretor Geral; Thiago Bernardes, Coordenador Pedagógico; E os professores: Ana Carolina (Kalu) - Violão; Rodrigo Mesquita - canto; Francisco Falcon - Baixo; Marcelo - Guitarra; Josué Lira - Sax; Luis Claudio - Sax, Flauta Doce e Flauta Transversal; Leandro Matos - Teclado Infantil e Coral infantil; Roberto - Violão; Arthur - Violino; Leonardo - Piano e Teclado; Vladimir Wischansky - Violão e Adriano Carvalho - bateria. Todos os cursos são gratuitos; Curso infantil a partir de 8 anos e Curso básico para adultos a partir de 13 anos, são oferecidos ainda para alunos, ex-alunos e qualquer pessoa, o Coral adulto e para quem lê partitura e toca algum instrumento a Orquestra Popular Tom Jobim, também aceita candidatos. Vida longa à Escola, um precioso projeto para a população Buziana. Informações e contatos: Rua dos Gravatás, 149, Geribá, tel: 2623-4450, e-mail: escolatomjobim@gmail.com www.escolatomjobim.wordpress.com A coluna gostaria de saber, quai são as dez músicas de todos os tempos?


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EDIÇÃO 001 – ANO 01 – AGOSTO 2018

Preto no branco

O

visitante pode não dar muito valor ao senhor de jeito simples que é visto com facilidade passeando pelo comércio e pelos bares de Búzios. Quem é da

cidade conhece e sabe que Antônio Câmara, mais conhecido como Toninho Português, é uma enciclopédia viva. E ai de quem disser que ele é um mero conhecedor da história buziana: “Eu conheço a história das navegações no Atlântico! Para conhecer a história de Búzios tem que conhecer tudo isso”.

Ex-secretário de cultura de Búzios, Toninho é uma figura tradicional da cidade que não gosta de ser folclorizado. E está mais que certo, pois o folclore cristaliza, congela no tempo. Quem pensa já ter escutado todas os seus causos se engana; ele sempre tem um conhecimento novo para passar, até mesmo histórias pessoais pouco conhecidas.

Uma observação: nenhuma entrevista transcrita para o papel substitui a prosa hipertextual e anedótica do griô Toninho. Fizemos aqui o nosso melhor, mas ainda é pouco. Para a experiência completa, procure o homem pelas ruas do Centro e separe pelo menos duas horas do seu dia. Recomendamos!

Toninho Português, porque o “Português”? Eu nasci aqui mas meu pai era de Machico, na Ilha da Madeira, Portugal. Ele veio primeiro pro Rio, trabalhar de feirante na Praça XV. Fez amizades com pescadores e veio parar em Búzios, e acabou fazendo aqui o que ele já fazia na Madeira, que é pescar. Já minha mãe era da comunidade de Geribá/Tucuns, do filamento indígena que havia lá. Ela vivia me chamando de “meu portuguesinho”. Mas a coisa pegou mesmo porque na época vinha pra Búzios umas traineiras portuguesas, e a tripulação usava uma camisa de manga comprida com um xadrez marcado, bem português mesmo, e era parecido com as camisas que minha mãe fazia pra mim. A meninada passou a me chamar de Português, e ficou. Você viveu um período na Europa, como foi a experiência? Tinha uma francesa que queria transformar uma casa num restaurante de campanha, que é como chamam lá esse tipo de restaurante de hotel-fazenda, em que as pessoas vão almoçar depois de passar o feriado no campo. Ela queria fazer o restaurante com o estilo arquitetô-

nico de Búzios, com muita madeira e vidro, e me levou para fazer esse trabalho. Fiquei oito meses no interior da França, e aproveitei para fazer muitas esculturas em madeira e em calcário, um material que tem muito por lá. Como tinha vontade de conhecer Portugal e Espanha, voltei pra capital e peguei um trem Paris-Lisboa. Conheci bastante aquela região toda, aquela região do Mediterrâneo até o litoral norte de Portugal. Eu tenho esse vício de ir lá na raiz. Pra você conhecer a história de Búzios, você tem que entender a histórica ibérica também. O pessoal do litoral norte de Portugal veio mais para Búzios, pro Caju (Rio de Janeiro) e pra Ilha da Conceição (Niterói). A geografia e tecnologia pesqueira são as mesmas. No Caju eu vejo influência de Vila Nova de Gaia até Figueira do Foz. Na Ilha da Conceição, Vila do Conde e Aveiro. Por isso a configuração social de Búzios, Caju e Ilha da Conceição são mais parecidas entre si que Cabo

Frio, onde a pesca não é tão costeira, é mais de alto-mar. Eu gostaria que as pessoas tivessem mais interesse de entender esses detalhes. Isso tudo eu já sabia desde criança, porque vinha escrito na procedência dos barcos que ficavam ancorados na Praia dos Ossos: Figueira da Foz, Vila do Conde, Aveiro...

Marcos Cândido, que morreu no primeiro governo de 97 de acidente automobilístico. As primeiras reuniões foram na minha casa. Teve rejeição, gente falando que Búzios não estava preparada para se emancipar. Eu disse: “o camarada pode estar sem um puto no bolso, mas isso não quer dizer que não pode se casar” (ri).

Mas você não conta muito a sua história na Europa. Conto muito pouco pros amigos. Por incrível que pareça uma pessoa com quem eu comentei mais sobre isso foi Mirinho (Braga, ex-prefeito de Búzios), que na época tinha um restaurante na rua Turíbio de Farias. Eu tinha medo de falar sobre isso e as pessoas me acharem pedante.

Por acaso um rio nasce com afluência? Ele vai adquirindo no caminho até desaguar no mar. Com o tempo fomos atraindo gente aqui e ali. Aí entrou o cosmopolitismo, a mistura do rico e do pobre, o Octávio Raja Gabaglia, o Modiano... Depois as reuniões foram na casa do Renato Pacote, na época diretor da Globo; e a mídia ajudou. Aí começaram a disseminar a história: “A emancipação vai ser feita pelos ricos”. Normal, boato de paralelepípedo. Tinha isso de dizer que a emancipação era coisa de gente de fora, pra botar medo; e olha que o prefeito de Cabo Frio da época, Ivo Saldanha, nem cabofriense era, era do Acre.

Há 22 anos a cidade de Armação dos Búzios passou por um processo de emancipação e você foi um dos principais articuladores deste momento, como foi esse período? A ideia da emancipação surgiu entre três pessoas: eu, Manoel Gomes e


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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

Leandro Araújo entrevistando Toninho Português na Feira Livre Periurbana de Búzios Apesar disso tudo a campanha foi sucesso. Foi um sucesso. Tiveram duas votações. Na primeira estava em jogo a emancipação de Búzios e Tamoios. Búzios votou sim mas Tamoios votou não. Disseram que foi “o casamento que a noiva não quis”. A segunda votação foi só referente a Búzios, e a ideia já estava tão amadurecida que não teve jeito de ser diferente. E qual foi a herança mais rica do processo? Foi a emancipação inteligente. Apesar de que pra mim a emancipação ainda está em processo. Búzios tá no início ainda, ainda não saiu do berço. Na maioria das cidades pequenas que recebem muita gente de outras localidades, é comum colocar locais e migrantes em campos opostos, como você acha que isso acontece em Búzios? Isso é normal, acontece no mundo todo. Eu vivi em Guarapari e é a mesma coisa, só que lá não é com argentino, é com mineiro. No interior da França tinha isso. Mas todo lugar com atividade pesqueira, como Búzios era antigamente, é parecido numa coisa: a pescaria é uma profissão que aproxima o local e o visitante, porque é lúdica. Você não vê um visitante pedindo um chão pra roçar nem um bocado de concreto pra virar; ele pergunta onde tem barco pra pescar, pra se divertir. Isso facilitou a comunicação entre povos diferentes. Eu não gosto da palavra forasteiro, prefiro “chegante”, essa coisa mais próxima. O chegante absorve e acrescenta. Olha a família Matsumoto, que começou com o Kurajiro Matsumoto chegando aqui na década de 20. Ele, e os filhos, principalmente, introduziram aqui a técnica da pesca de círculo, que é japonesa. E hoje os Matsumoto são família tradicional de Búzios. Se a pessoa não chega com esse intuito de aprender e ensinar já entra num colonialismo: esse sim é um forasteiro. Já a palavra “imigrante”, dependendo do dinheiro que você tem, a percepção muda. Em qualquer lugar do mundo o camarada que chega com mais de 100 mil dólares não é imigrante, é investidor. Tem uma frase muito boa: “Do meu quintal, só eu posso falar da árvore em que eu me balancei”. Então a pessoa que chega tem que respeitar essa árvore, não pode derrubar. E hoje estão derrubando um monte de árvores, no sentido concreto e abstrato.

É possível falar em identidade cultural buziana? Eu acho que não. Quando eu fui secretário de cultura a gente fez uma iniciativa do Registro de Cultura Oral Memória de um Povo. A cultura de um povo está principalmente na oralidade. Uma agressão forte à identidade é mudar o vernáculo, o repertório de um povo. Exemplo: numa pescaria o cara lá na terra faz assim (abre os braços), perguntando qual peixe foi pescado. Aí o camarada lá no barco responde assim (passa a lateral da mão subindo o antebraço): é peixe de escama. Se responde assim (passa a mão descendo o antebraço): é peixe de pele lisa. Esse vernáculo vai se perdendo. O que é o buziano agora? É aquele que nasceu ontem falando espanhol e português, assim como na fronteira entre a Espanha e Portugal. Outro dia fui fazer um peixe, a moça provou e falou: “que exquisito!” Eu pensei, poxa, tive maior trabalho pra fazer e ela fala que tá esquisito! Depois fui saber que é a palavra quer dizer que tá gostoso em espanhol. (ri) Assim como Portugal vive espremido entre a Espanha e o Atlântico, hoje Búzios vive espremida entre a América espanhola e o Atlântico. Ser gestor público é um desafio para aqueles que entendem o povo como principal beneficiário das políticas. Você foi secretário de cultura de Armação dos Búzios, como foi se adaptar com o ambiente e os ritos da política? Primeiro que o cargo de secretário de cultura não tinha que ser político-partidário. Tem que ser vitalício. Exemplo: o presidente da Funarte chama-se José Maria Braga. Nunca tiraram ele da direção, não sei ainda por quê, mas foi o certo. Se você mexe num cargo desse por paixão partidária você mexe com um povo. Na gestão você precisa ouvir sugestão até de quem não gosta, é o verdadeiro sentimento democrático. Exemplo: o Mario José [Paz] foi meu antecessor, mas eu não eliminei a escola de teatro, pelo contrário, procurei fomentar mais ainda e ainda fiz o Festival de Teatro da Escola Pública. Se a gente está numa situação de ciumeira política procura-se logo apagar o que o antecessor fez.

Uma cidade precisa fundamentalmente ser sustentável de todos os pontos de vista, mas a questão econômica é um nó a ser desatado, qual você pensa ser a “vocação econômica” da cidade? Qual o caminho estratégico rumo ao futuro? Para mim o rumo está em definir qual vai ser nosso chamariz turístico. Eu quando fui secretário propus criar uma escola de cerâmica, que é uma atividade econômica, cultural e turística. A cultura material de um povo se expressa no artesanato. Não pode, com o pretexto de gerar emprego e riqueza, destruir o patrimônio cultural. Tem uma parte da arquitetura - uma parte, bom deixar claro! - que esconde certas coisas. Já houve caso do camarada cavar para construir cisterna, e na escavação aparecer sambaqui [importante sítio arqueológico pré-histórico] e isso ser escondido. Noutra casa que tava sendo construída em Geribá eu achei um crânio e mostrei pro arquiteto. Sumiram com o crânio e continuaram a construção. E isso não foi analfabeto que fez, foram engenheiros e arquitetos vindos de universidade. Aí vem um eu, aborígene, autóctone, reclamar e o construtor fala assim pro empregado: “Esse cara aí que foi criado com você diz que é seu amigo mas quer barrar a obra pra você perder o emprego”. Olha que troço sutil. Quando fui secretário nós fizemos um grande inventário de imóveis para serem tombados, mas não deu tempo de fechar o caixão. Eu só fiquei os últimos 22 meses de governo na pasta. Mas o trabalho tá aí pra quem quiser dar continuidade.

Toninho Português


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EDIÇÃO 001 – ANO 01 – AGOSTO 2018

Entre

SHEILA SAIDON

Psiquiatra e psicoterapeuta

“TUDO É APENAS ENCONTRO NO UNIVERSO, BOM OU MAU ENCONTRO” DIÁLOGOS - GILLES DELEUZE E CLAIRE PARNET Quando vim morar em Búzios, meus amigos, principalmente argentinos, se surpreendiam ao ver a demanda de pacientes: “As pessoas sofrem em Búzios?” Sim, todos sofremos! Nem a alegria brasileira nos salva da dor. A questão, que me interessa e me convoca atualmente, é: como movimentar essa dor e não ficar amarrado ao sofrimento? Como recuperar a vitalidade dos corpos adoecidos, reativos, que estão cada vez mais afastados daquilo que podem? Deleuze nos dá uma pista, nos convida a experimentar, com prudência: “Vivemos em um mundo desagradável, onde não apenas as pessoas, mas os

poderes estabelecidos tem interesse em nos comunicar afetos tristes”. Diariamente somos inundados e bombardeados por eles: medo, violência, desigualdade, falta de humanidade. Os afetos tristes são todos aqueles que nos enfraquecem, diminuem nossa potência de agir e nos entristecem. Os afetos alegres nos tornam mais fortes, aumentam nossa potência. O que nos afeta? O que nos move? Como queremos viver? O que fazer com o que nos acontece? Vamos pensar nossa subjetividade e existência além das formas e nor-

mas que nos são impostas pelo discurso dominante, sem ficar presas aos diagnósticos e psicofármacos como único olhar possível. Escutar, praticar uma clínica dos afetos, onde prevaleçam os encontros dos corpos, corpos em movimento que não fiquem somente expostos ao externo, mas religado a sua potência, a sua força criativa! Podemos tudo quando estamos ligados ao nosso desejo, quando agimos fazemos isso com toda nossa potência. Precisamos reorganizar nossos encontros, saber o que nos convém, o que compõe com nosso corpo, o que é bom. Não desde um ponto de vista

moral se não ético. Spinoza chama isso de bom encontro. Bom encontro se refere a aquilo que nos fortalece, um mergulho no mar, o encontro com alguém, uma comida que adoramos. Por último, e como ponto de partida, vamos tomar uma alegria e fazer dela um trampolim e seguir. Estender essa alegria é um trabalho para toda a vida.

Diálogos Quilombolas GESSIANE NAZARIO

Quilombola da Rasa e doutoranda em Educação pela UFRJ

É do conhecimento de todos que existem comunidades quilombolas na cidade de Armação dos Búzios. No entanto, figuram no imaginário de muitas pessoas ideias equivocadas sobre o que realmente sejam essas comunidades.

QUILOMBOLA. MAS O QUE É ISSO AFINAL?

A primeira e a mais comum delas é considerar que os quilombos de Rasa, Baía Formosa e Maria Joaquina sejam resquícios, ou seja, restos do que um dia foram comunidades de escravizados que fugiam das fazendas. Aliás, pouquíssimas comunidades quilombolas no Brasil possuem essa característica. Talvez você esteja se perguntando: se essas comunidades não são continuidade daquelas comunidades de fuga, o que são elas afinal? Para se entender o que são essas comunidades é necessário olhar para a história dessas pessoas. A identidade quilombola das comunidades referidas está relacionada com a memória de um passado rural em

que foram explorados como escravos antes da abolição; e após a abolição através do regime de arrendamento, sob o qual pagavam a terra onde moravam com trabalho nas terras dos fazendeiros locais. Acrescente-se a isso o período em que foram expulsos de suas terras através da soltura de bois e incêndios criminosos para destruir as suas roças. Resumindo, quilombola é a memória de um passado muito presente que se transfigura na luta dessas pessoas por reparação e no enfrentamento ao racismo institucional presente no Estado, que dificulta a efetivação da titulação de suas terras; postura discriminatória presente também nas pessoas do local que não respeitam essa história. Quilombola também é um projeto de futuro. Um futuro melhor para as suas gerações para que permaneçam em seu território com dignidade e felicidade. Na próxima edição continuarei a desenvolver mais sobre essa questão com vocês.


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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

Política cultural

CRIVELA, MÁRCIA E A FILA DO SUS ALEXANDRE SANTINI

Durante 10 anos, meu pai dirigiu o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Mais do que um hospital ali na praça da Cruz Vermelha, o INCA é uma instituição de atenção à saúde, ensino e pesquisa, extremamente complexa e responsável pela política de atenção oncológica em toda a rede do SUS. Eu não sabia de nada disso, mas acabei sabendo. Nesse período, quase que semanalmente eu recebia telefonemas de amigos, conhecidos, amigos de amigos, algumas pessoas muito queridas, para conseguir uma ajuda, agilizar a marcação de uma consulta, adiantar alguém na fila da triagem, antecipar um determinado procedimento. E se isso era assim comigo, que nem médico sou, imagina com meu pai! Diz ele que passava parte importante do dia dando atenção a estas solicitações. Mesmo que nada pudesse ser feito a não ser seguir os procedimentos e protocolos estabelecidos pela rotina hospitalar, a simples escuta e diálogo com o diretor da instituição já era um alento para o paciente e seus familiares. A dor e o desespero de quem convive com alguém próximo vítima do Câncer é algo inimaginável. O tratamento por si só já é algo invasivo, desconfortável, doloroso, mesmo quando há possibilidade de cura. Cada pessoa é singular na dor e no sofrimento. É sempre uma contra-

dição para o sistema de saúde pública o fato da doença de cada um ser única, e do sistema ser universal, tendo como objetivo assegurar a saúde como direito de todos e dever do Estado. Como lidar, de forma igualitária, com tantas diferenças e especificidades de cada caso? Quem já teve um filho, mãe, parente próximo, esperando por um procedimento médico no sistema público, e não desejou, pediu ou tentou “mexer os pauzinhos” para conseguir um atendimento mais ágil ou mais individualizado? Quando eu li e ouvi sobre o episódio da reunião do Prefeito- bispo Crivella com os pastores, o oferecimento de passar na frente da fila das cirurgias de catarata, o “fala com a Márcia que ela resolve”, imediatamente me veio à mente as situações que vivi, por tabela, com meu pai na direção do INCA. Muita gente de esquerda, progressista, de ética inabalável, condenou o episódio e repeliu publicamente o bispo-prefeito nas redes. Alguns desejando e militando pelo seu afastamento por conta dos favorecimentos oferecidos. E de fato, não cabe defender o indefensável. Mas eu vi, entre os que criticaram o episódio do Crivella, pessoas que em algum momento já me procuraram pedindo ajuda para passar a si mesmo ou a alguém na frente, na fila do INCA ou em alguma outra fila.

Dramaturgo e gestor do Teatro Popular Oscar Niemeyer de Niterói

E não se trata de comparar a situação de pacientes e suas famílias, movidos por dores e angústias em um sistema público de saúde deficitário, com a concessão de benefícios e facilidades a grupos específicos por parte de agentes públicos. São razões e objetivos completamente distintos. Mas o cerne da questão é o mesmo: a relação do cidadão e da sociedade com o Estado, no acesso a direitos básicos de cidadania. E neste ponto, grande parte da esquerda tem subestimado o imenso papel social que igrejas evangélicas neopetencostais cumprem hoje na base da sociedade, particularmente nas favelas e territórios populares da cidade do Rio de Janeiro, no sentido de mediar o acesso a direitos e criar laços de vínculo, escuta, afeto e inclusão. Na ausência do próprio Estado, com o enfraquecimento do trabalho pastoral de base da igreja católica, o abandono progressivo da disputa destes territórios pelos partidos, sindicatos, movimentos sociais, criando certo contraponto ao controle pela força do tráfico e das milícias, lá estão os pastores e suas Igrejas provando que não existe espaço vazio na natureza nem na sociedade.

Para se realizar uma cirurgia de catarata, é necessário primeiro um diagnóstico médico que identifique a doença e encaminhe o paciente para o procedimento. É uma doença que acomete pessoas idosas. Não são poucos os idosos que perdem a visão progressivamente, passando anos nesta condição, sem se dar conta, ou sem condições mínimas de acesso ao próprio diagnóstico, que começa na própria casa, e na cabeça da própria pessoa, ao se dar conta - ou não - de que a visão está diminuindo. É aí que o pastor e a igreja passam na frente, ao dar uma atenção individualizada para aquela pessoa, marginalizada na família e na sociedade, e identificar nela necessidades e problemas de saúde, sejam físicos ou psicológicos. Que outra instituição realiza hoje esta mediação junto ao povo pobre de forma orgânica, sistemática e capilarizada no Brasil e em outros países? Crivella é muito mais perigoso e nocivo pelo que ele encarna como projeto de poder de longo prazo do que por seus desmandos de alcalde desinteressado e inepto. Oferecer cirurgias de catarata e acelerar processos de obtenção de CNPJ e isenção de impostos para igrejas pode se configurar como crime de responsabilidade. Mas chega a ser coisa ingênua perto de negociações e facilidades que são oferecidas diariamente para bancos, empreiteiras e grandes empresas de comunicação, empresas de ônibus, etc. O efeito reverso que toda esta história pode provocar no eleitorado popular e evangélico, com o qual as pontes e vínculos da esquerda são mínimos, e os dos pastores reunidos por Crivella são sólidos e estreitos, ainda não sabemos. Mas é possível supor que ao xingar e pedir o Fora Crivella, a estranha aliança formada pela esquerda da zona sul, a Globo e as famílias Marinho e Maia (a César, o que é de César) estejam reforçando junto a este eleitorado a imagem messiânica de um líder sensível à dor dos mais pobres, humilhado e ofendido, mas exaltado pelo Senhor. E assim seguimos, derrubando pontes e construindo abismos.

Praça da Ferradura, Centro Armação dos Búzios Rio de Janeiro, Brasil SÁBADO DE 7H ÀS 15H Hortifrutigranjeiro, alimentação, DJ Léa, artesanato e livros QUINTA-FEIRA DE 19H ÀS 23H Alimentação, DJ Léa, música ao vivo e artesanato

@feiraperiurbanadebuzios


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EDIÇÃO 001 – ANO 01 – AGOSTO 2018

Cinema

GRAND CINE BARDOT Quinta-feira às 21h Sexta-feira às 21h Sábado às 19h e 21h Domingo às 19h Valor: R$ 30,00 @grancinebardot.buzios CINE CLUB GRAND CINE BARDOT Sexta-feira às 19h 03 de agosto Duelo de gigantes, 1976, Arthur Penn, 2h 6m 10 de agosto Butch Cassidy & Sundance Kid, 1969, George Roy Hill, 1h 53m 17 de agosto O bom o mau e o feio, 1966, Sergio Leone, 3h 6m - * 17h 45 24 de agosto Trinity e a Colina dos Homens Maus, 1969, Giuseppe Colizzi, 1h 40min 31 de agosto Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia, 1974, Sam Peckimpah, 1h 52m - * 18h30 Valor: R$ 10,00 CINECLUBINHO CINE KIDS CASAS BRANCAS Domingo às 17h 05 de agosto Rango, o filme, 2011, Gore Verbinski, 1h 51m. 19 de agosto Nem que a vaca tussa, 2004, Will Finn e John Sanford, 1h 16m. Valor: R$ 5,00

Travessa dos Pescadores, nº 88, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000

LIVROS

TIAGO ALVES FERREIRA Produtor cultural

Fernanda Montenegro: Itinerário fotobiográfico Autora: Fernanda Montenegro Editora: Sesc Pág.: 500 Organizada pela própria atriz, a obra reúne imagens que contam a trajetória pessoal e profissional de Fernanda

DE HISTÓRIA, CINEMA E OUTRAS COISAS Olá amigos. Era pra ter colocado um CONTINUARÁ no final da matéria anterior, mas como estava excedido em caracteres, não deu nem para acrescentar uma palavra. Agora sim, vamos em frente com os cinemas de outros tempos. Teve também um cinema drive-in lá pelos 79’ em algum lugar entre São Pedro d’Aldeia e Araruama. Algumas vezes peguei minha Brasília azul e cheguei lá. Nem lembro de que maneira averiguava a programação mais posso assegurar que lá assisti à estreia do Nosferatu de Herzog e voltamos todos rezando para o carro não morrer naquele breu que era a estrada à noite, com a vampirada solta! Mais tarde Búzios virou município depois de vários anos de luta e, graças a obra pública que as prefeituras têm desenvolvido ao longo desta maioridade, apareceu na Rasa, que já está quase uma cidade, outra sala, bem do lado da praça da INEFI. O tal de cinema - apto também para funcionar como teatro - é também um prédio muito bonito. Imagina só, um cinema com dois campanários, nascido de uma antiga igreja, tudo ao o contrário do que acontece mundo afora! As poltronas originais do Cinema Bardot, que numa hora foram renovadas, acabaram passando pra lá, igual que acontecia comigo e a roupa do meu irmão mais velho quando crianças. Funciona nos fins de semana com uma programação mais do tipo família, o que acho muito legal. No meio da semana, meu amigo Leandro, que trabalha na Prefeitura, desenvolvia um ciclo de graça para quem quiser assistir, tipo cine-clube. As vezes era temático com duração de um mês. Só filme bom. Eu ia de van ou de carona. Não éramos muitos e sempre, no final, trocávamos impressões.

Montenegro, que se mistura à memória da dramaturgia nacional. Além de uma seleção de fotos inéditas de seu acervo pessoal, e outras que registram cenas memoráveis ao lado de grandes nomes como Paulo Autran, Sérgio Britto e Nathalia Timberg – muitas acompanhadas de legendas com as impressões de Fernanda –, o leitor terá contato com documentos emblemáticos, artigos e depoimentos de escritores, diretores, críticos de arte, atores e amigos. Há ainda sessões especiais dedicadas às diversas premiações recebidas ao longo da carreira e uma comovente homenagem a Fernando Torres, seu companheiro de trabalho e vida.

Desde um tempo atrás está parado porque quebrou o aparelho projetor e até agora ninguém concertou. Eu acho que a Prefeitura bem podia recuperá-lo. Pena que esteja mais preocupada em instalar esses relógios monstrengos pela cidade inteira. Agora foi a vez de receber um na Praça dos Ossos que, dito seja de passagem, está pessimamente iluminada. Questão de prioridades. Alô Dr. André: o turista não está nem aí em chegar em horário algum na praia ou na pizzaria! Antes bem, o pessoal de férias quer mais e esquecer da tirania de todos os dias do relógio, pô! Queremos o cinema da Rasa de volta! Quem quer saber as horas, pode ver no celular! Ao dizer, na matéria anterior, que já não era mais necessário pegar os rolos na 1001, esqueci-me de dizer que os cartazes ainda continuam a chegar de ônibus. Vocês podem pensar que cartazes não tem importância nenhuma, mas não é bem assim. Cartazes podem ser obras de arte! De fato, tem gente que até os coleciona. Quando falamos em originais – não aqueles que enfeitam as paredes dos cinemas - eles são vendidos até em leilões importantes, como os da casa Sotheby’s ou Christie’s e atingem valores bem altos. Eu gosto de chegar cedo ao o cinema para vê-los demoradamente, em detalhe, e ficar imaginando cenas do filme em questão. Um bom cartaz alimenta a vontade de assistir um filme. Quase sempre nos impressionam com uma frase do tipo “Seu único pecado foi amar loucamente” “Acreditava em todos, menos nela mesma” ou aquele de Goldfinger, com James Bond e a garota pintada de ouro “Tudo o que ele toca vira excitante” (“Everything he touches turns to excitement” no original). Nossa! Eu ficava excited

Malala e seu lápis mágico Autora: Malala Ilustrador: Kerascoët Tradução: Lígia Azevedo Editora: Companhia das Letras Pág.: 48 Quando era apenas uma menina vivendo no Paquistão, o maior desejo de Malala era ter um lápis mágico. Mas quando seu direito à educação foi colocado em perigo por homens que acreditavam que meninas não deveriam ir à escola, Malala percebeu que a sociedade em que vivia precisava de mudanças imediatas.

MANOLO MOLINARI

Historiador Rosarino Buziano

semanas inteiras, até a estreia do filme anunciado… Não quero deixar de falar alguma coisa respeito do Festival Varilux de cinema francês que se repete todo ano no mês de junho. França, a pátria dos irmãos Lumière é um dos países que mais cinema produzia. Agora o festival já passou mais uma vez, mas acho que é um bom momento a ser levado em conta pelos amantes do cinema que, tomara, fossem todos vocês. O cinema francês sempre teve as suas particularidades: tempos mais devagar, intimismo, drama interior, cotidianidade, profundidade, e por aí vai. A Nouvelle Vague dos anos 50’ com suas ideias liberatórias deixou diretores inesquecíveis como Godard, Truffaut, Resnais, Malle ou Roger Vadim e atores como Jeanne Moreau ou Jean Pierre Léaud entre tantos outros. E não esquecer da nossa patronesse Brigitte, melhor de formas que de cena. Nos tempos que se seguiram tivemos filmes de Claude Sautet, Bertrand Tavernier, Lelouch com seus altos e baixos e, um dos meus favoritos, Bertrand Blier apresentando audaciosamente seu cinéma risqué, com Depardieu como estrela, ainda jovem e magrinho. Nesta virada de século eles têm se voltado mais para comédias meio bobinhas, talvez empurrados pelo neoliberalismo que aposta mais na diversão que na arte e no riso fácil do que na crítica. De qualquer maneira o que nos chega são mais de vinte filmes entre os quais sempre tem vários que bem valem a pena e lavam a alma e, o que é mais importante, nos põem pra pensar. Abraço e até a próxima.

Poemas da Recordação e Outros Movimentos Autora: Conceição Evaristo Editora: Malê Pág.: 126 Memória, feminilidade e resistência negra. Esta é a tônica de Poemas da Recordação e outros movimentos, antologia poética da consagrada escritora afro-mineira Conceição Evaristo. Tecendo os fios de suas vivências, a poeta convida o leitor a mergulhar em profundas “águas-lembranças”, espelho hídrico do qual emergem imagens e vozes femininas a revelar uma tessitura poética inscrita na ancestralidade.


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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

Cultura Canábica

HAMBER CANNABICO CARVALHO Ativista da maconha medicinal

LIBERANDO A PLANTA PROJETO DE LEI 10549/2018 Inspirado em experiências positivas tanto na Europa como em países de língua latina, como o Chile e o Uruguai, o projeto de Lei restringe intrinsecamente a utilização da maconha em ambientes fechados, o que por si só, desestimula o crescimento do tráfico em comunidades de risco e em logradouros públicos, além de proibir sua comercialização, ficando esta restrita a produção e comercialização em forma de tecido. Tanto para fins terapêuticos, como para utilização recreativa, o limite de cultivo individual da planta não poderá ultrapassar de 6 plantas fêmeas, ficando restrito ao armazenamento de 40 gramas por mês e, o mais importante, em termos de qualidade, desde que não sejam prensadas. De autoria do deputado federal Paulo Teixeira, este projeto de Lei, gestado durante muito tempo na Câmara de Deputados e com o apoio irrestrito de entidades civis e de renome nacional, surge num momento em que vários países desenvolvidos e outros dependentes do capital estrangeiro, como o Canadá e o Zimbábue se lançam na busca de alternativas econômicas, tendo como pano de fundo a utilização medicinal, recreativa e industrial da maconha. O texto original de autoria do parlamentar começa a ser debatido logo após o término do recesso parlamentar e pode ser um divisor de águas na própria disputa eleitoral que se aproxima, entre os parla-

mentares e candidatos em toda as esferas, na descriminalização e uso da maconha. Em sua essência, o projeto descriminaliza e privilegia o cultivo caseiro para fins medicinais, o cultivo associativo para fins recreativos e o cultivo do cânhamo para fins industriais, o que beneficiará a indústria têxtil brasileira abalada pela importação de produtos têxteis da china, além de substituir em parte a produção do fio sintético sob controle e produção das indústrias estrangeiras e altamente poluente não só no processo de fabricação, dependente da matriz energética da indústria do petróleo, como no processo de degradação do meio ambiente.

Shopping Aldeia da Praia, Avenida José Bento Ribeiro Dantas, nº 5350, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 Fone: (22) 98111-7510

Para o cultivo recreativo, o número de plantas aumenta para 99, mantendo-se, porém, a restrição de armazenagem de 40 gramas não prensadas. Muito embora o controle, a fiscalização e a regulamentação da produção e o uso da “cannabis” e de seus derivados sejam prerrogativas do governo federal, estados e municípios poderão mediante instrumentos próprios terem estas atribuições delegadas no todo ou em parte.

sociedade de indivíduos que façam o uso abusivo de drogas em geral. O uso recreativo e medicinal obedecerá a uma autorização oficial, mediante cadastro nacional controlado pela ANVISA-Agência Nacional de Vigilância Sanitária, sendo expressamente proibido o cultivo para fins lucrativos, exceto na produção de cânhamo para fins industriais, e que atuará em conjunto com a Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas-SENAD, responsável pela emissão de alvarás, quando se tratar do cultivo coletivo para fins recreativos e industriais. Este projeto, surge num momento em que empresas estrangeiras começam a aportar recursos significativos no Brasil para a pesquisa, cultivo, produção e comercialização do princípio ativo da planta para fins medicinais. Se o pouco que resta das indústrias nacionais farmacêuticas, principalmente as de homeopatia, não se coçarem, vão ser engolidas mais uma vez pelas gigantes do setor, principalmente por contarem com o beneplácito e a entrega de nossas riquezas pelo governo que atualmente comanda o país, e o que está por vir.

O projeto de lei atenta para a necessidade de alertar sobre o uso inadequado da planta e seus efeitos sobre o organismo, restringindo seu uso a maiores de 18 anos e estabelecendo como política pública a reinserção na

ZANINE

03 de ago a 02 de set exposição Jakó

FUNCIONAMENTO: SEGUNDA-FEIRA A SEXTA-FEIRA DE 9H ÀS 18H, SÁBADO, DOMINGO E FERIADO 11H ÀS 18H @nucleodedancaodiliacuiabano

Estrada da Usina (ao lado da Prefeitura), Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 - Fone: (22) 2623-6502


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EDIÇÃO 001 – ANO 01 – AGOSTO 2018

Roda Cultural do C.U.B. Coletivo Urbano Buziano

CircoLo Social

@coletivourbanobuziano

Memória Buziana

Educar e transformar

Estrada da Usina Velha, nº 179, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 @SocialCircoLo

Gastronomia

SOBRE PEIXES A ALMA DO E PÁSSAROS PRATO PARTE 1

BENTO RIBEIRO DANTAS

Escritor

Esta é uma crônica sobre belezas, mas também sobre perdas. A abundância de vida marinha no mar que nos cerca, sofreu e sofre uma sensível diminuição, tendo como causa a pesca extensiva, e mesmo criminosa. As belas cenas que presenciamos no passado, já são raras no presente e serão cada vez mais raras no futuro. Há alguns anos eram comuns o que os pescadores chamam de “comedio”: um lugar onde um cardume de sardinhas aflora à superfície e, como não podia deixar de acontecer, é dizimado. Atacado pelos peixes predadores por baixo e por todos os lados, e pelas aves marinhas por cima. A atuação destas últimas, denunciam a existência do comedio à grande distância. O mar literalmente ferve. É a oportunidade, para uma aproximação e, em torno dele, pescar de corrico alguns dos peixes que ali se alimentam. Os bonitos, xereletes e enchovas, são os mais encontrados As enchovas são um dos predadores mais agressivos do mundo animal. Elas não engolem as sardinhas. Com seus dentes afiados atacam e rasgam tudo que veem pela frente. Sua presença na desigual batalha que se desenvolve, é denunciada pelos barulhentos trinta reis. Pássaros pequenos que não conseguem engolir as sardinhas inteiras, razão porque seguem pelo ar as enchovas, e se alimentam dos pedaços que restam dos assaltos furiosos das mesmas. Entre os pássaros que frequentam os comedios, o mais presente

e o melhor pescador é o atobá. De longe já podemos ver seus mergulhos espetaculares. Para alcançar as sardinhas ele se eleva a 20 ou 30 metros de altura e quando avista seu alvo, se precipita como um bólido. No percurso aéreo ainda mantém as asas um pouco abertas, e se necessário, faz pequenas correções na trajetória de seu mergulho para acompanhar a vítima, mas no momento de penetrar na água ele as junta ao corpo. O atobá persegue os peixes em baixo d’água, os engole e alça voo para nova pescaria. Neste momento, eles são perseguidos pelos alcatrazes, que também são conhecido por tesoura e joão grande. São pássaros de asas grandes, de perfil aerodinâmico eficiente, que lhe conferem velocidade e uma excelente capacidade de manobra. Com sua rapidez superior, é um tirano das outras aves pescadoras. Sua vítima preferida é também o atobá, aos quais obriga, com fortes bicadas, a regurgitar a presa já ingerida e, com uma ágil manobra, apanha em voo o peixe vomitado antes dele atingir a água. O espetáculo do comedio era bastante comum entre as ilhas, Âncora e Gravatás e a costa. Hoje, com as grandes traineiras em operação e suas extensas rede de arrasto, não sei se será possível presenciar muitos “comedios”. Não devemos esquecer as simpáticas e bonitas gaivotas... mas esse é um assunto para a próxima coluna. Até lá.

Uma onda que invadiu cozinhas do mundo inteiro, reinventando técnicas e ocupando as bancadas de inox com equipamentos antes vistos em laboratórios das mais variadas ciências. Onde alimentos se transformaram em joias perfeitas, que representam muitas técnicas poucas pessoas. Neste momento se compara a gastronomia à arte. E onde se encontra a gastronomia? Em tudo. As culturas alimentares que tiveram representatividade na música são inúmeras. Há no samba o retrato de um povo que canta, sorri e come. A música está no ambiente de cada restaurante, como uma identidade, um complemento sensorial, o completar de uma experiência. E dentro das cozinhas cozinheiros e cozinheiras dançam um balé muito particular, com coreografias que permitem em pouco metros quadrados uma sintonia cirúrgica. Lá a música tem notas particulares e significados únicos. O estalar de um arroz que já perdeu toda sua água, o chiado de uma carne que toca a frigideira na temperatura certa para uma perfeita selagem ou ainda a crocância pontual da casca de um pão recém-saído do forno... Sem falar nos aromas.... Ah os aromas! Então com a comida pronta, o(a) cozinheiro(a) pega sua tela. E é num prato em branco que ele(a) busca o movimento, algo que demonstre leveza e calma. Até mesmo na quebra da harmonia, há uma provocação. E sob diferentes alturas e formas, com prática de um(a) escultor(a) e a técnica de um(a) arquiteto(a), a soma de insumos se transformam em cores, formas, aromas e sabores únicos. O restaurante é um palco onde alguns atores abrem mão do seu protagonismo, colocando sua criação nas mãos de pequenas literaturas, deixadas na mesa que

GUSTAVO GUTERMAN

Professor do curso de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense de Cabo Frio

contam um pouco do seu trabalho. Se bem feito esse trabalho ganha vida, como um bom filme, inspirado em um livro cativante. Pois é no cardápio que um profissional conta a história completa. Detalhando quase toda a obra. É ali que através de provocações fotográficas e biográficas que um restaurante conta a história dos seus produtos e produtores. E é nesta relação, neste intervalo que é possível enxergar o maior instrumento de transformação da gastronomia contemporânea. O encontro de vários artistas que tornam possível, levar para sempre aquele momento. Na memória e na barriga. Mas como se começa na Gastronomia? E o que te faz único no mundo das panelas? O cozinheiro em início de carreira precisa compreender que o reconhecimento profissional não é um lugar que se chega, e sim um caminho que se constrói. Começar uma carreira tem a ver com construir uma mensagem, levantar uma bandeira e formar uma personalidade. É preciso ter inteligência emocional para saber qual será sua luta e seguir em frente. E os caminhos são muitos. Escolher ingredientes que façam você e seus comensais viajarem, técnicas e aromas que falem sobre uma época ou lugar... Encontrar seu caminho é levantar uma bandeira de luta, é criar um eldorado muito íntimo e acima de tudo, forjar sua gana de querer sempre dar um passo adiante. Conseguir colocar sua alma nos seus pratos não significa somente te diferenciar, tem a ver com a real noção do que te faz feliz dentro de uma cozinha. Não procure, construa.


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