E ou poesias

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E ou poesias BENEDITO

BERGAMO

Benedito Bergamo

E ou poesias

BENEDITO LIBÉRIO BERGAMO

São Paulo 2016


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bergamo, Benedito E ou poesias / Benedito Bergamo. -- São Paulo : Ed. do Autor, 2016. ISBN 978-85-913520-1-2 1. Poesia brasileira I. Título. 16-07594 CDD-869.1 Índices para catálogo sistemático: 1. Poesia : Literatura brasileira

869.1

Editor Benedito Libério Bergamo Capa e Projeto Gráfico: Vinícius Lourenço Costa Revisão Maria do Carmo Rodrigues Todos os direitos da obra e edição reservados à Benedito Libério Bergamo


ÍNDICE

Poeta não erra. Pratica rasuras (apresentação do autor) Então, daqui em diante, o que será você? Quando estiver perdido Sobe a noite Com emoção Relógio As chaves estão perdidas No inverno do abismo do céu O amanhã é de mais para hoje Não basta sermos humanos Na luz da sala da casa materna A luz tece Lembrança de trovão e beijo da infância Fotografias Tudo passa em momentos que se percebe o tempo Eu não amo a ideia da vida. Eu amo as coisas da vida Eu queria a dor dos analgésicos Não sei muito sobre o muito que me pergunto Tudo ficou como está Sentimos que recordamos de noite Sonhei com um terremoto Podem me servir Paz Uma cigarra me chama a atenção Você me quer Meu bem Você me ama. Você me engana Desejo

07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34


Eu queria ficar Outras pessoas com óculos escuros parecidos com os seus Eu não sei quem está louco Não precisa fugir Escrevo na folha do céu da janela Já se passaram cem anos Na cama Duas pessoas se beijaram ao sair de um café com os sapatos desamarrados Noite com frio Neons das boates Sem margem ou linhas Resumo incompleto Eu, um envelope de cartas Perfume reflexo Respiração Nem céu, nem inferno: São Paulo Sofrer só faz sofrer Alguém, outra pessoa De certa maneira, segredo é um beijo do beijo Tanto faz amar tanto Beijo com todos os beijos São tantos sonhos nessa noite Amar sem hora marcada Preciso fechar a porta como num livro Adeus. Nosso Amor será lembrado Batom. Nem eu mesmo senti Uma noite, eu vi a cor Imaginação cria sonhos Pelos ladrilhos de uma praia vaga A Lua despencou do céu

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Foi difícil perceber a separação da existência Sentir-se perdido sem ser diferente Vou esperar a chuva cair Versos gotas na janela Que poesia é esta Vão de fuga No escuro Encontrar outra pessoa em poesias A dor estabelece distâncias e atrasos Flores melancólicas Um ponto Rascunhos Gosto da Lua O quase antes que se anuncia na invocação de sentidos desconhecidos Acende na alma uma agitação não desconhecida Minha tristeza Atirei pela janela O balão de gás Antes Não está numa boa? Digo I go Caminho pelas calçadas boêmias da Praça Roosevelt Os olhares são como pedaços de palavras em nosso falar Nas lentes embaçadas dos óculos do querer Só tenho um copo de vinho Alguma coisa Posso te contar E depois? Qual é o nome Romance curto Um sapato no pé Qr code

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POETA NÃO ERRA. PRATICA RASURAS. Foi assim, praticando rasuras, que cheguei à construção do “E OU” como um conjunto de textos poéticos, articulado por um índice em que o “e” permitiu a escolha dos textos poéticos antigos, novos e reescritos e o “ou” permitiu a dúvida de que os textos deste livro, uns impregnados de repetições sonoras, outros de imagens que visam afetar o imaginário visual ou aqueloutros de misturas de sensações em confusões intelectuais ou mensagens filosóficas, possam representar um caminho de identificação de um gosto poético. Umas imitações. Brincadeiras de criança com coisas insensatas. Um modo de escrever para tornar aquilo de alheio na poesia como algo próprio do seu leitor que, no caso desse livro de poemas, é você, meu amigo. Só os amigos, esses espécimes meio mágicos, meio magos, são os que sempre aparecem para nos lembrar dos valores conhecidos “e” também nos lembrar de explorar valores novos na vida “ou” num livro de poesia. Enfim, este livro nada mais é do que um conteúdo de “verdades filosóficas absolutas” do jogo livre de imaginação em liberdades da expressão escrita, que tangencia o invisível dos pregos enfiados no horizonte porque “as coisas que não existem são mais bonitas”, como diz Felisdôniocomendo papel no poema “Mundo Pequeno” de Manoel de Barros (1916 – 2014); e, também, porque a “Natureza ama esconder-se” segundo Heráclito de Éfeso (535a.C.- 484 a.C.).

O autor 7


“Então, daqui em diante, o que será você?” Uma prece, uma ajuda, um caminho sozinho, o toque sagrado, você nasce em você. O que será você? Beleza herdada, a graça malvada, o tempo que guarda, você quer você. O que será você? O sonho dos sonhos, a pose da glória, sacrifício sem memória, você merece você. O que será você? Os pés e os olhos, saída e chegada, mãos bem fechadas, você toca você. O que será você? Amor de lábios, amizade com cor, sapato apertado, você gosta de você. O que será você? Um instante agora, o relógio sem hora, a espera demora, você recorda de você. O que será você? Gritos e risos, dança de amores, olhares refletidos, você alegra você. O que será você? Sorriso que dorme, vida em flores podadas, você desconfia de você. O que será você? Orações de promessas, surpresa da experiência, abraços sem festa, você enlouquece você. O que será você? Fotografias de mãos, linguagem da despedida, uma noite sem sono, você fica só em você. O que será você? Um pouco de tanto seu, tanto muito Você é e não é o que continua sendo você.

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Quando estiver perdido Quando a salvação for impossível Quando você não alcançar o perdão Não forem aceitas as desculpas Quando ninguém ouvir um ‘sinto muito’ seu E o silêncio não resolver nada Minta!

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Sobe a noite Sobre a intensidade da lua

sobre o leito

Sobem roupas

sob o amor

Sobre a música

sobre gemidos

Sob a dança de seu ventre Sobre mim Sobem meus olhos fechados Sobre você Sob os pelos de meu peito Sobre seus seios Sobem sussurros Sobre gemidos Sob o amor

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do universo

sobem sussurros sobre seus seios sob os pelos de meu peito sobre você meus olhos fechados sobre mim sob a dança de seu ventre sobre a música sobem roupas

Sobre o leito

sobre a intensidade da Lua

Do universo

sobe a noite


Com emoção Sem final feliz A Solidão de cada um nas pessoas e em mim Inspira evidências do inverso das lembranças Desdobra a folha tirada do diário que restou não esquecida E observa o passado sol recuperar o brilho Na página em branco

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Relógio Não serve para a madrugada de ontem Não dá certeza de destino Não atrasa o imprevisto Não torna inevitável a perda da oportunidade Não é tempo Tempo antecede o verbo Que incorpora na escrita do sentir A perda da oportunidade De ficar Só Na madrugada de ontem Por conta de um atraso imprevisto

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As chaves estão perdidas e já não é possível trancar a porta de ontem nas lembranças presentes que despertam sempre num dia novo do óbvio vivido da certeza do olho no vazio infinito do buraco da fechadura

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No inverno do abismo do céu Na confusão do sorriso de coisas faladas Poemas em rabiscos na vitrine de doces Café na padaria Um zepelim imaginário Perguntas vividas Desejo como resposta Sabe como é... Bicho papão que tá em cima do telhado ... Pai nosso que estais... Papai Noel Nacional Kid. Homem na lua? Depois O desejo estava na viagem Na viagem, cara.

Pode crer amizade! Podes crer! Tudo Azul! Paz, amor e sexo. Led Zeppelin? Se manda! Grilos. Mais tarde O desejo vira abismo Não esquece não! Lembra? Eu te avisei! Então? O que você vai fazer agora? A cagada tá feita. TV nova, hein! Aí, o desejo se mostra medo A vida também é foda Acredita em Deus? Que Brisa! Vou parar de fumar! Votar em quem, gostosa? Não vá! Me perdoe! Enfim... Nada fica fora da bagagem de embarque no zepelim que te leva através do abismo do céu...com tudo.

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O amanhã é de mais para hoje hoje basta para amanhã amanhã só é demais

O hoje amanhã Variação de humor do universo Inverso No que do fogo, água, ar e terra refletir etéreo Imaginação

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NĂŁo basta sermos humanos temos que ser uns putas filhos da puta para sermos mais num bom sentido

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Na luz da sala da casa materna humano ventre verbo destino comum vidro e plĂĄstico na passagem do sentido primeiro da luz perto da imagem que parece santa resistindo a pregos e paredes no tempo das fotografias

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A luz tece Outro lado da vida Com linha caleidoscรณpica Um pedaรงo de destino Um ponto aqui

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Lembrança de trovão e beijo da infância Ponto de... Álbum de fotografia Outro de... Fogueira da amizade e afeto das gotas da chuva Tempo e espírito no zigue-zague Da metamorfose das linhas da luz Entre tons de sentir e tons do querer Da terra, do mar, do fogo, do ar e átomos do sonho E o ponto final

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Fotografias Jรก se passou tanto tempo que eu me esqueci de dizer SAUDADES

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Tudo passa em momentos que se percebe o tempo. É como sentir que o tempo é um vento passando pelas frestas da janela e saber que ele está passando e indo para uma direção que não se sabe. Apenas passa pelas narinas e faz com que se inspire e expire sua passagem e, nesse instante, você já descobriu que existem mais rugas na face do que as que tinha ontem e o cansaço é inevitável... Aí, a tristeza vem como quem sabe o que é a falta de paixão na indisposição de tirar a roupa para o banho, tirar as meias e guardar os sapatos como todos os dias. Para esse momento, eu poderia escrever uma frase ou uma palavra que traduzisse esse sentimento, mas não saberia para aonde foi o tempo. Por que o destino do tempo que passou é o “sei lá”? Mas há sobre o que falar, porém não tem qualquer pensamento que possa ser expresso sem a sensação de que seria um pensamento não poético, nada belo, nada diferente de um simples tédio ou depressão. Enfim, pensamentos de palavras fáceis e oferecidas, como vulgarmente são oferecidas as cores das roupas da moda dos cabides esquecidos. É... Esse tempo me leva à mesa num movimento lento como se o fim fosse um acontecimento breve. É o tempo que me permite olhar a folha em branco e pensar como seria desagradável encontrarem meu corpo desfalecido diante de uma folha em branco. E é o tempo que desenha as primeiras palavras que, do fundo da minha alma, gostaria que fossem as mais belas, pois talvez fossem as últimas palavras do tempo, que não para de passar por aqui. 21


Eu não amo a ideia da vida. Eu amo as coisas da vida que se fazem ou que são feitas. A vida eu não conheço, mas as coisas da vida...sim! É por isso que amo as coisas dessa vida, pois conhecer é amar, assim como fazer coisas ou deixar que as coisas se façam. Acho que é assim comigo. É só conhecer e logo estou apaixonado. Acho que amo e faço o que posso por isso. Olha lá, ela correndo! Sabe-se lá para aonde... Por causa da chuva que se faz? Por causa da chuva! Acredita?! Gosto dela de cabelos molhados e, às vezes, penso que só faço gostar dela... Sinto-me em paz pensando assim. É fácil. Felicidade também sugere fazer facilidade, não é?! Mas essa felicidade só é um pensamento feito, no modo infinito do pensamento, no modo constante do pensamento, que não considera fazer nada em oposição.

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Na contingência, o que sinto é uma tremenda instabilidade pois, vez ou outra, não quero nem saber se ela existe para fazer ou deixar de fazer algo. Mas no momento em que eu a vejo fazendo sorrisos, ah!... Que instabilidade maravilhosa é a dúvida sobre o que está lhe fazendo essa coisa de alegria de viver! Nessa hora, eu procuro acompanhar seu olhar para tentar focalizar a mesma coisa que ela vê como causa de felicidade. É ai que percebo ela me olhar com a certeza de que vejo sua existência como um milagre feito. Então, eu me perco no entendimento e suspeito que não sou eu e nem ela que fizemos tudo isso. É algo que está entre... fora...ou talvez em volta de nós, fazendo uma visão que o pensar não alcança. Talvez fale ou até pense por nós... essa coisa! Talvez seja apenas uma irresponsabilidade sobre o sentido de estarmos felizes como crianças num parque de diversões. Como crianças que apenas riem e acham graça em tudo que é coisa do momento, feito da vida.


Eu queria a dor dos analgésicos Sei disso porque dor muito forte pode não causar dor E na loucura de querer novos erros de gramática não deixo de errar porque deixar não posso Sou posse Tudo… sentir, ouvir, ver, falar, escrever, mentir É por na forma que nunca foi e não é Agora que retorna uma lágrima para olhar a lua parada na praça entre pessoas se beijando numa conjugação de verbos apaixonados que ainda não causam dor

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Não sei muito sobre o muito que me pergunto Não sou o mesmo em cada dúvida Bem me quer, mal me quer Sou sonhador e falso adivinho de respostas Um aprendiz de magias ou enganações das palavras Bem me quer, mal me quer Alguém que oculta a última pétala na mão Alguém que finge não ver as pétalas espalhadas no chão Um simples poeta Que conversa com malmequeres

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Tudo ficou como estรก na falta de lembranรงa do que deixamos

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Sentimos que recordamos de noite sem saber o que esquecemos do dia

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Sonhei com um terremoto que encobriu minha boca de cal e cimento de um museu chamado ARTE MODERNA DE PROPAGANDAS Acordei com dentes e língua dissolvidos em cervejas e cigarros e não valia a pena temer pela demora do socorro à dignidade humana despertando sentada no sofá, diante da TV que transmitia embalagens de prazer

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Podem me servir, almas esquecidas nas lembranças possíveis. Será delicioso roer as lágrimas de imagens desiludidas e saborear as ambições atormentados por desejos mortuários... É o que a realidade estéril da cripta oferece para o jantar hoje. Compensará o sabor dos corações gelados oferecidos para a sobremesa? Por favor, não se esqueçam de servir as sobras à minha indesejável sombra estrangulada por tantos segredos, pois é a maldade dela, ali, acorrentada no canto sombrio, que me salva da fome de sentir ódio. Por gentileza, passem-me o guardanapo para secar a língua gosmenta deste monstro que insatisfeito permanece. Não se esqueçam do cafezinho envenenado e a conta.

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PAZ Dezesseis peças para cada um

IGUALDADE Peça branca na casa negra Peça negra na casa branca

RELIGIÃO Bispo como peão

AMOR Ser paciente para entender o jogo do outro

JUSTIÇA Derrubei o rei

VITÓRIA Inexperiência de quem apenas buscou vencer

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Uma cigarra me chama a atenção E o momento parece indescritível O céu, levado pelo vento, traz a noite sem lua E o momento já passou num silêncio do olhar Restaram as letras Uma música de muito tempo me agrada Talvez. Quem Sabe? Eu, ou o que se perdeu, tenha sido lindo Minha cachorra late Tantas letras, tantas letras e tudo acaba num cigarro acesso Uma caneta em branco Um caderno abandonado

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Você me quer Fantasia. Beijo roubado. Amante. Canoa. Capadócia. Doce loucura. Bali. Deixa. Beijar. Hahaha! Manjar de Tapioca. Marshmallow de alfazema. Duplo sentido. Pepita de ouro. Hippie rua. Me belisca! Nunca fui santa. Plano perfeito. Corre pro abraço. Vai que é tua, ooolé! Preguicinha. Felizes para sempre. Futurista E eu Feliz Sendo cor de esmalte em unhas que arranham 31


Meu bem a vida não tem dois chuveiros e espaço e tempo para amar só têm sentido para histórias românticas de medo, esperança e prazer porque amar também é deixar a tampa do shampoo aberta para o outro

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Você me ama. Você me engana. Escreva sem medo e com letras de batom bordô nas faixas de segurança de nossa cidade Escreva o poema que a chuva deixou Identifique-me nesta multidão grite meu nome pela São João ouça o coração não perca não desista desta ilusão Você me ama. Você me engana. Abraços numa nave do metrô Apertados num espaço sideral retrô no destino da Consolação Seu beijo... seu beijo como num filme de cinema a Luz apagou Você me ama. Você me engana Até debaixo d’água e sobre a cama

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Desejo NĂŁo se pode ter o que nos possui

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Eu queria ficar no quarto sem sapatos e de papo pro ar Eu queria ficar no quarto de janela aberta e porta trancada Eu queria ficar no quarto quase dormindo com a luz de pĂ´r-do-sol Eu queria ficar no quarto sozinho na tranquilidade de uma incerta tristeza

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Outras pessoas usam óculos escuros parecidos com os seus Vejo algumas com suas sacolinhas de plástico

Talvez uma coisa alienada dos meus olhos sobre a sintética individualidade de cada usuário do metrô

pulseiras de vidro gravatas poliéster meias de náilon brincos de brilho relógios de pulso santinhos de bolso e vejo também uma garota vendo no espelhinho seus lábios

Um amarrando o sapato Aquela ali soltando os cabelos aqueloutro dormindo E alguém desembalando uma bala de sabor artificial A garota me olha Eu a vejo me vendo em seu beijo Eu disfarço com um sorriso de quem estava pensando em outra coisa

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Praça da sé Multidão natural subindo como se seguisse seus sapatos e os meus numa escada rolante que não estava funcionando para eles


Eu não sei quem está louco, Augustin Mas você...ou eu...está louco, Augustin Cara a cara, Augustin Quero ver olho no olho Por quê? Porque, Augustin, O louco vê discos voadores o tempo todo E quem é de nós? Quem é de nós, Augustin, que não fica louco? Então me diz, Augustin, Explica, Augustin, O que é que brilhou nos olhos ainda há pouco? Se for aquele disco voador de novo... É...! vou saber quem tá louco

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Não precisa fugir chances, medos e caminho O vento, a tequila, a fumaça, os espíritos Os olhares das garçonetes da luz de neon O balcão vermelho que nos aproximou dos tijolos da parede num beijo Algo existe aqui Algo que não compramos Enganamos ou mentimos para não doer mais ... É só isso e Relaxa.

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Escrevo na folha do cĂŠu da janela um recado e mando um beijo Acreditando que vocĂŞ possa ler na tua janela esse bilhete timbrado pela lua 39


Na cama da noite solitária busquei a lembrança do seu corpo encontrei na gaveta seu retrato três por quatro

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Já se passaram cem anos O pó não cobriu o brilho do assoalho que ainda brilha aguardando os teus passos desenharem aspirais que transformarão o reflexo do lustre de cristal em caminhos de estrelas cadentes As flores não murcharam As taças de vinho espumante aguardam o toque de nossos dedos delicados e lábios com leve sorriso A música toca e a cadeira que te espera repousar não poderá ser fotografada em sua timidez encoberta pelo seu rodado de renda vestido branco Já se passaram 100 anos E, educadamente, com postura de nobre estou diante da porta por onde você entrará correndo para se jogar em meus braços dizendo Mon amour, Mon amour! Cobrir-me de beijos e se desculpar pelo atraso para nosso baile secreto Eu desculparei pois eu sei a culpa foi do cocheiro

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Duas pessoas se beijaram ao sair de um café com os sapatos desamarrados. Foi naquele início de noite, com toque de sino da igreja e garoa fina que molha cílios. Beijavam-se no sentir quente do temor de que um ou outro desaparecesse dentre os lábios (É assim mesmo! Afinal, dizer adeus na paixão não custa nada, não é ?!). Depois do beijo, foram lado a lado e saltaram um buraco na calçada. Acho que falavam de seus desejos e suas conclusões de viver aquele momento (vai falar o quê depois daquele beijo?). Então, o surpreendente: uma delas parou para se pesar na balança da farmácia (que confiança diante de uma testemunha, hein! Será que fez beicinho de desagrado ou disse acompanhando os números: “Acho que a balança não está bem regulada”?). Pelo que vi, a testemunha nem esticou o pescoço para ver o resultado da pesagem (ainda bem! Pessoa esperta! Das minhas! Porque pessoa bem vivida sabe que o limite, em certas viagens, é só o acompanhar, porque se quiser dirigir o barco...é mandar a vaca para o brejo e, aí, adeus romance!). Continuaram a caminhar rindo de tudo aquilo do entorno e do que dos outros os alcançava e foram embora no óbvio movimento das palavras que desfez a minha existência de poeta e a identidade de duas pessoas nas vitrines do Bom Retiro.

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Noite com frio Figuras no fundo do olho Desligo o celular Um casaco de couro Indo para o leste Fumaça em círculos no ar Visão congelada nos olhos das barbies peladas na calçada

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Neons das boates Olhares artificiais Rainha sem rei No bar Lado a lado com a morte No balcĂŁo A busca do momento Um piscar de olhos Ăšltima tequila E Mais um erro de amor

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sem margem ou linhas só o som das gotas de chuva se espatifando no beiral da janela através da cortina por trás de você de pés nus molhados sobre malhas e tramas além dos pontos do tapete do quarto de hotel que se faziam estrelas e céu desta cidade em nossas línguas exibidas sobre resto do infinito até o fim do risco de cada palavra se perder em poesia incompleta no olhar que olhava de frente o tempo que acabou no verso dos calendários 45


resumo incompleto entre o ser e o querer sentido do impulso sensibilidade de amar com medo de me perder no olhar um amanhĂŁ repetido

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Eu um envelope de cartas Você um poema feito de outro poema no espaço dos lençóis brancos sem pauta das sombras que a luz persegue no escrever das palavras cabíveis e infinitas as mesmas palavras reescritas em todas as coisas que guardo no espírito e remeto para mundo como correspondência da paixão 47


perfume reflexo num fecho de brinco instante futuro da arte beijo de espelhos roupas flutuando no ar e o descontrolado inĂ­cio do nosso sorriso mais Ă­ntimo

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respiração olhos noite espírito lábios seios umbigo pelos calor boca língua pecados beleza pernas ventre desejos luxúria céu inferno gemidos suspiros sutil explosão do aroma de sexo

. . . . ; 49


Nem céu, nem inferno: São Paulo Energia do pensamento vago de corpos superfície de edifícios, seios, praça, umbigo, ruas e virilhas no movimento do reflexo da luz de unhas lábios língua através do espelho distraído pelos gemidos da música do abrir seu zíper de Feliz cidade 50


Sofrer Sรณ faz sofrer Sofremos tanto mas ainda bem que culpamos condenamos algo bem maior e poderoso o amor

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Alguém outra pessoa autor e história a cada passo na ideia de ser fé relógio pôr do sol sorrisos de um adeus para a paixão do personagem silêncio brisa guarda-chuva distração do pensamento lá na esquina céu rua o mundo pessoas confundindo-se em livros fechados

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DE CERTA MANEIRA, segredo é um beijo do beijo do beijo do outro beijo que se beija, mesmo não sendo beijo, pois se percebe o beijo dos beijos dos outros beijos que se beijam mesmo não sendo mais beijos entre abraços dos abraços dos outros abraços que se abraçam, mesmo não sendo mais abraços de deuses e demônios dos deuses e demônios dos outros deuses e demônios que se endeusam e se endemoniam, mesmo não sendo deuses e demônios em gemidos e sussurros dos gemidos e sussurros dos outros gemidos e sussurros que sussurram e gemem, mesmo não sendo mais sussurros e gemidos, pois se ouve palavras de palavras de outras palavras que são palavras em si não sendo palavras de um passado do passado de outro passado que se passa, mesmo não sendo mais passado, pois percebe-se a ilusão da ilusão da outra ilusão que se ilude, mesmo não sendo ilusão, no fim do fim do outro fim que se finda mesmo não sendo mais fim, pois se percebe que apenas... percebe-se.

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Tanto faz Amar tanto quando amo quanto mais

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Beijo com todos os beijos para sentir nos seus lรกbios um beijo perdido

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São tantos sonhos nessa noite que triste vai ser não sonhá-la amanhã

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Amar sem hora marcada amor sem necessidade amar fora de romance amor sem razĂŁo amar sem possibilidades amor

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Preciso fechar a porta como num livro ouvindo o coração incompleto depois de sua presença nos pensamentos desfeitos do continuar da porta que se abriu com Cheiro Taças sobre o tapete Luzes vibrantes de celular Mãos, saliva e blues movimento Relâmpagos e tudo que foi sugado Pelo rastro entre lábios de batom verde na frase - Eu volto, chéri. 58


Adeus Nosso Amor serรก lembrado Talvez por um colar esquecido Quem sabe um brinco perdido um telefone um nome Anotados no rรณtulo daquele vinho tinto e seco

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Batom Nem eu mesmo senti ser o que fez de vocĂŞ tudo o que se desfez ontem

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Uma noite eu vi a cor a cor vermelha Quem criou esse vermelho nos teus lábios e nos neons das tuas unhas fechando o brinco? Uma noite eu vi a cor a cor vermelha Quem criou esse vermelho emoção no céu da perdição dos seus prazeres? Uma noite eu vi a cor a cor vermelha Quem criou esse vermelho do primeiro bandeide de nossos calcanhares? Uma noite eu vi a cor A cor vermelha Quem criou esse vermelho de outros lábios nos neons de unhas abrindo o zíper? Uma noite eu vi a cor A cor vermelha Quem criou este vermelho do inferno da noite desta cidade para não te esquecer? 61


A imaginação cria sonhos que estão se realizando hoje que já é outro amanhã

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Pelos ladrilhos de uma praia vaga o sol de um corpo mutilado pela consciência acorrentada a um barril de propagandas Desperta sob meus pés a vida química de uma mancha de petróleo que um dia brotou de seus olhos como lágrima pelo filho da outra Perdidas estão as nuvens brancas neste céu cortado por giletes Antes fosse uma tempestade entretanto o que cai em meus lábios são antenas de rádios e televisores

Por este mar de geleia meus passos em pó seguirão até o horizonte de raios atômicos que bronzeiam meu tórax de concreto e teus seios de vidro Mas a vontade mortal de fazer poesia me conduzirá até o abrigo sagrado de uma baleia em outdoor neon e me cobrirei com essa bandeira de arames farpados para sonhar com uma paz qualquer

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A Lua despencou do céu Saltei e interrompi sua trajetória de queda sustentando-a com um canudinho de plástico Assoprei e assoprei até que ela para o céu voltasse Pode ser que furtei dos homens a realização do sonho de tocar a Lua mas impedi que as crianças famintas e loucas a comessem feito bola de algodão doce

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Foi difícil perceber a separação da existência na simples descrição da distância das palavras quando senti tuas mãos em meu rosto dizendo adeus

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Sentir-se perdido sem ser diferente Num dia qualquer com nuvens que os outros nĂŁo veem Momentos do mundo das palavras nas ruas da cidade para ficar calado no percurso da casa entre tantas nesta cidade para aonde vocĂŞ foi

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Vou esperar a chuva cair Talvez passe logo NĂŁo sei SĂł espero que seja suficiente Para molhar meu chorar

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Versos gotas na Janela sensação vento na cortina resposta sorrisos diversos no espelho liberdade ågua de chuva inventada poesia

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Que poesia é esta de palavras para santo acompanhado de luz, plástico e vidro? É a fotografia de um ser humano no vento do ventre da sorte. Onde estão os sapatos da imagem distraída do espelho? Procure na luz da vela no escuro das paredes, janelas, portas e chão do seu medo. Só vejo riscos de palavras feitas no som de uma caneta. Poesia é só poesia. A vida é o comum que os jornais espalhados, a TV fora de sintonia e o controle remoto que não funciona te dizem: Sofá não é o ventre. Saia! Acione o interruptor daquilo que não acenderá.

Busque seu celular descarregado. Ilumine-se na chama do isqueiro e não encontre o embutido e complexo mini botão que serve para mudar o canal da TV fora de sintonia Procure uma vela quando a chama de seu isqueiro queimar seu dedo. Será assim com dor e no escuro que você perceberá que a imagem do canal fora de sintonia revela a foto de um santo ornado de flores dentro de uma cuba de vidro. E o Vento? Veio da janela. E os sapatos? Você tropeçou neles, enquanto ria e dançava para o espelho.

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Vão de fuga Espelho do tempo em degraus e suarged Bagagem da imaginação de um longe possível sob a garoa Cílios perfume e poemas feitos Foto de nuvens no olhar da razão das palavras Vela no escuro

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No escuro Vela e espelho disfarçam palavras para o olhar poemas sãos fotos da imaginação E cada ponto final que não se vê no poema é parte de mim No foco da câmara

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encontrar outra pessoa em poesias pelo esconde-esconde das letras na madrugada expressar o que foi entendido sobre as velas pequenas pelo chão nas marcas da vida e da morte sobre “eu te amo” no sono desejado pela insônia do coração

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A dor estabelece distâncias e atrasos das lágrimas para as pálpebras do calendário que vejo sem te encontrar E um olho percorre a sala abandonado como poesia do desejo de solidão que ilumina a poeira sensata das imagens

E o outro Dilui data existência em ondas que desfazem a pintura antiga das redes da forma em luz de lâmpada

oca dentro do contexto

Inocente da música sem verbo Que se comunica Desfeita de tudo que pode ser lógico nas horas e segundos do vazio cheio

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Flores melancólicas Relógio Retratos e documentos Bilhetes prévios Lágrimas esquecidas na beleza daquela lembrança Poesia não escrita trazida no vento deslizando pela cortina decoração da sala sozinha no apartamento

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Um ponto Só um ponto basta em meu coração Um prego do cotidiano retirado Um delicado furo de espinho de saudade Uma perfuração de flecha ou de um tiro invisível de paixão Um início Uma dor Uma espera que escorre que brota que foge Algo que minha alma suscita Um aquilo do que eu não entendo Apenas uma expressão pelo cabível ponto incômodo Que marca Que ouço gritar no incêndio das sensações num coração de folha branca de papel para suporte para ser tela de uma peneira de espelhos refletindo a alma O ponto iniciado das composições 75


rascunhos Palavras na inconsistente disciplina Ilusão inversa no espelho Noite pelos e lábios entre meus lábios esconde-esconde nas sombras luz Como lembranças na insônia

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Gosto da Lua pois ela se apresenta nua disposta para qualquer amante em qualquer céu de estrada avenida calçada praça jardim parque e rua

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O quase antes que se anuncia na invocação de sentidos desconhecidos É só isso e nada mais que pousa na minha cidade revelando galáxias astrológicas e hostes celestiais Na noite É só isso e nada mais Uma pagã contaminação humana de vultos na ausência de medo e esperança na passagem através do silêncio da gênese da luz Na noite É só isso Aquele olhar do “nunca mais” Aquele olhar do nunca mais E só isso e nada mais 78


Acende na alma uma agitação não desconhecida Talvez seja um calor de esperança e medo ou sensação improvisada do vento de falso frescor que não ofusca meus olhos desconfiados me guiando pelas areias da Prainha Branca Parece uma coisa tola neste instante olhar sem razão para luz escondida pela lua Ver cavalos brancos de carrossel nas ondas de mar agitado Parece coisa de criança Encantar a realidade e senti-la numa brincadeira da alma

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Minha tristeza nĂŁo vai por aĂ­ sob as luzes das sombras da cidade Fica num canto Uma tristeza poĂŠtica Sem resumo Sem pranto Uma chave perdida um Canto

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Atirei pela janela erros de palavras de um poema um bando de pardais felizes avançou sobre eles e os levaram para seus ninhos e filhotes Piquei um rascunho inútil e atirei pela janela seus pedaços e ao vento se transformaram em borboletas coloridas que desapareceram por entre as folhas da árvore da rua Atirei pela janela a caneta que não mais escrevia uma criança a apanhou e dela fez um canudinho para assoprar bolhas de sabão Atirei tudo que não era poesia pela janela Restou-me uma folha em branco e a certeza de não ser bom poeta dobrei e dobrei a folha sem pensar e fiz um barquinho surrealista para a viagem de pardais, borboletas e crianças sobre as bordas daquela maior bolha de sabão

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O BALÃO DE GÁS Antes de te conhecer o amor era um balão de gás preso ao dedinho de uma criança EU VIVIA DENTRO DO BALÃO Quando você disse que seu amor era o amor o balão de gás explodiu E CAÍ NAS MÃOS DA CRIANÇA

FIQUEI VIVENDO DENTRO DE OUTRA VIDA

Quando eu disse que

Quando eu disse que nosso amor era eterno

seu amor era o meu prazer

o lago secou e o peixinho morreu

como uma pedra fui atirado para longe

ENTÃO FIQUEI SÓ

PARA CAIR NAS ÁGUAS CALMAS DE UM LAGO

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fui engolido por um peixinho colorido

Quando o tempo me ensinou que viver era o amor

Quando você disse que

uma criança me encontrou e disse:

seu amor era meu amor também

ME DÁ UM BALÃO, VOVÔ!


ANTES Você é assim... - Apaixonado? - Não sei mais. É isto Seu modo de tirar a caneta que prende o coque e dizer no desenrolar dos cabelos: - Toma! Escreve isso!

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Não está numa boa? Todos te sacanearam? Está sozinho e está numa boa? Ferrou com todos e está mais ou menos numa boa? Não quer saber se as pessoas não estão numa boa? Está bem, mas não numa boa? Parte das pessoas te ferrou e uma outra parte te ajudou? Não está bem, mas está numa boa? Pessoas te ajudaram sem você agradecer, não estão muito bem e nem estão numa boa? As pessoas estão bem? Mas quem poderia estar com você para estar numa boa? A pessoa que te sacaneou? A pessoa que você ferrou? A pessoa que você esqueceu um dia? Alguém que te ferrou e te ajudou? Alguém a quem você nunca agradeceu? Alguém que está numa boa? Alguém que está bem? Alguém que estava sozinho? Alguém com alguma certeza? Você?

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Digo I go como se I go fosse ir andando com as coisas da vida que vĂŁo para never more 85


Caminho pelas calçadas boêmias da Praça Roosevelt. Caminho sem busca e sem procura porque é o caminhar que oferece o achado, o encontro e o perdido.

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Olhares são como pedaços de palavras em nosso falar. Penso que isso é uma equação sobre alma ou aquilo que me faz feliz quando caminho indo pela rua do Baixo Augusta, rindo de lembranças que o momento trouxe por onde transpassávamos na noite. Bebemos sem a dor dos corações, mas deixamos longe nosso jeito de sorrir sobre todas as chances e medos passados. Falamos dos aviões do tempo que atravessaram nossos cabelos desarrumando os sonhos nas vitrines que víamos. Não foi impossível encontrar vencedores nas luzes dos neons das boates, nos faróis de carros e nas montanhas de sacos de sonhos que eram recolhidos pelo lixeiro. Outros contavam tijolos de muros e paredes, repetindo o próprio nome para não perder a memória diante de um acabar com tudo por conta de um erro de amor. Nós apenas estávamos abrindo caminho para a oculta porta de onde sairia o carrasco que sacrificaria as lembranças. Era tudo fuga para nenhum lugar. Era preciso fugir. Os vapores se fixaram no intervalo da entrada do bar dos ecléticos. Tomamos tequilas e fumamos um pouco de tudo que os amigos trouxeram. Na saída, vimos nossos calçados lentos andando lado a lado com a morte, mas esse instante ficou escondido por trás do brilho dos espíritos que desciam ligados por algo que estava lá. Tudo fazia pensar que estávamos nos olhando no balcão e nos cartazes que anunciavam um fim para este quadro. Faltava cor, uma palavra que resultasse num final para o poema que se desenhava entre nós e em nós no momento. Nossos olhares ficaram cheios de melancolia na última tequila. Queríamos tanto criar um poema com palavras novas, mas acabamos mentindo ao dizer que não ligávamos para o brilho do olhar de um para com o outro.

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Nas lentes embaçadas dos óculos do querer, você apareceu. Uma presença no vasto sentimento de ausência. Inexplicável perfeito perfume que me arrastou com seus ares para um reflexo espelho vermelho do esmalte das unhas no ajuste do fecho do brinco e expôs os gestos secretos da fuga dos lábios. Lembra do futuro invisível nos observando entre o translúcido verde das garrafas e o som do blues que esbarrava em nós no balcão? Esqueceu aquele poema de transformações místicas do corredor desconhecido até o fundo do bar? Você se fazendo beijo na página do livro... Feliz fato adesivo e colorido sem data e hora das páginas da leitura. Estivemos juntos em sentidos diferentes. Éramos palavras escritas em raios de tempestades. Tentamos viver na translucidez das garrafas, sons, copos e palavras, mas nunca deixaríamos de ser, na área de fumantes, no quintal dos fundos daquele bar, as roupas estendidas no varal sob a meia luz da salvação eterna.

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Só tenho um copo de vinho para muitas palavras que se amontoam, juntando-se por obra da expressão, da paixão, da confusão que tenta construir seu castelo de areia num seco deserto. Por que será que o coração é tão insistente? Existem palavras que são silenciosas, escritas com o olhar, verdades que flutuam entre o entendimento e loucura de uma leitura inconsistente. Por vezes, há o impulso da vontade de dizer verdades para o espelho, mas logo desconfio da falta de questionamento sobre a imagem pagã que copia culpas, medos e rancores cristãos. Existem mais questionamentos num sapato vazio de uso do que na imagem na pupila dos olhos. Um poema não precisa ser entendido. Precisa ser aceito em leitura como momento em que percebemos os pássaros que habitam a beira dos telhados. Olhe para a cadeira vazia, ao lado de outras cadeiras vazias ordenadas em volta da mesa vazia com seu vazo de flores no centro. Veja como as flores tentam, inutilmente, disfarçar o vazio ao seu redor. Por que disfarçar o vazio? Sinto-me cego embriagado tropeçando no vazio sem me indagar se há luz. O castelo de areia seca não será construído, mas vale a sensação da areia escorrendo pelas mãos com o reluz do sol e da lua em seu movimento. É hora de ocupar o vazio sonhando descalço e sem espelhos, quem sabe sentado ao redor da mesa, entre palavras escritas e o copo cheio vinho que parece um vaso de flores.

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Alguma coisa que se revela na visão. Ali, na calçada. Vindo no calor que retarda a respiração. Ali, movimentando-se sobre a folhagem do silêncio caído das folhas secas das árvores. Há, lá, alguma coisa. É um simples estar indo para ver o quê adiante que se mostra como anterior e presente (não precisa entender). Pode ser poesia surrealista das três esquinas do sentido que vai pela Praça Roosevelt com os dois sentidos que vêm e vão para o Centro pela Rua da Consolação. Pode ser o caminhar daquelas bonecas ou a elegância estranha e admirável dos esqueitistas. Talvez seja apenas a flexibilidade do reflexo do meu gosto nu, mas...tá vendo o sol polindo as fachadas dos edifícios e as sombras felizes se aconchegando nos parapeitos das janelas ao som de Satellite of Love? Quem deve estar ouvindo Lou Reed nesta tarde de quarta-feira de outono quase sem água? Quem é o cuidador das idosas árvores penitentes que ladeiam a igreja da Nossa Senhora? Bem-te-vi sobre as majestosas falsas seringueiras. E no devir das luzes do avesso do reverso, sol tocando vestes e decotes, sigo a revelação do não entender o rumo futuro das portas das boates apagadas para quase todas as musas de Di Cavalcanti, sobreviventes dos incêndios de teatros e dos vazios que trazem as demolições de castelos na Rua Nestor Pestana.

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Posso te contar um resumo de dia, só um dia Como foi? Talvez fossem 19 horas ou quase Tentava sem perceber que esperava apenas Não sabia o quê tentava e esperava, pareceu uma solução que não me dizia absolutamente nada... E depois? Olhei o celular Era paixão por paixão do único sentimento que conheço e, logo em seguida, o desconheço... E depois? Olhava para a quase esquina, meia esquina, um fim de rua em outra rua mais movimentada, mas principal. Uma via onde andam mais pessoas ou correm mais carros por ilusão de correr, já que se amontoam lentamente com seus velocímetros em velocidade máxima, que não passa da rapidez das mãos em soar o som da buzina....ira veloz Ventava muito no sentido contrário das pessoas e eu via somente quem estava parado e quem apenas, num certo sentido, ia atravessando o fim da rua, paralelamente e contrário ao trânsito da rua principal, onde ela parecia não terminar com o sentido do vento. Há anos conheço o lugar. Não havia faixa de segurança no fim da rua de onde eu via a cena perpendicular dos carros e vento que ia Passavam pessoas com suas vestes coloridas, beges, vermelhas, brancas... Parecia que só cores existiam, todas indo com o vento sobre a faixa de segurança que não existia... E depois? Veio-me uma suspeita de que as pessoas já cruzavam aquele final de rua há muito tempo, mesmo antes da faixa de segurança existir, pois a faixa de segurança não veio para dar segurança, apenas indicou o que as pessoas já tinham descoberto com passagem segura... E depois? Segui em silêncio e, no silêncio, pedi o barulho de um carinho...um lugar para situar Minha tentativa de me esquecer no silêncio...

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E depois? Era um desejo de lembrar daquele sentido que está tão próximo e nunca consigo tocar... E depois? Foi um outro vento enquanto eu ia, não contrário ao meu sentido, mas perpendicular a ele. O vento não estava sozinho, cruzou meu caminho como nuvem de areia e eu cruzei sua trajetória por entre seu ventre de vento e areia.... E depois? Eu pensei sobre todo o meu dia e, quando chequei, não me lembrei do que sentia, apenas vejo essas últimas letras em linha e concluo num suspiro: Foi só um dia num rascunho de resumo.

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Qual é o nome qual é o jogo o caminho qual a saída onde está a interrogação o ponto a vírgula e porquêdosespaçosquepermitemumaausênciaquecompõeumsentidodereticências reticências reticências é a resposta

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Romance curto

Era uma vez uma mulher linda caminhando na calรงada. Arruma os cabelos diante mim e... vai embora com o sempre fim.

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Um sapato no pé O outro virado ali Perto do rodapé Um sapato só Uma metade de cansaço sem o outro Uma separação depois do nó desfeito de um Uma dúvida de valer a pena Um alívio incompleto

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Os poemas fantasmas são poemas encontrados como possibilidade das palavras que constroem o poema em prosa. Trata-se da experiência do autor em percorrer o caminho inverso do processo de criação da sua prosa poética. A palavra “fantasma” é empregada como espírito que se torna visível para a leitura quando separado do corpo do poema em prosa (um quadro de pintura de palavras). Os poemas que se revelam no vídeo do movimento das imagens das palavras também compõem esta obra. Confira no QRCode acima.


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