Villa da Feira 27

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Ficha Técnica Título: Villa da Feira - Terra de Santa Maria 4

Propriedade: LAF - Liga dos Amigos da Feira ® Director: Celestino Portela Director Adjunto: Fernando Sampaio Maia Colectivo Editorial - Fundadores LAF: Alberto Rodrigues Camboa; António Luís Carneiro; Carlos Gomes Maia; Celestino Augusto Portela; Joaquim Carneiro Processamento de Texto: Carla Maria Costa Ferreira Coordenação Científica: J. M. Costa e Silva Supervisão Editorial e Gráfica: Anthero Monteiro Colaboração do TOC, Belmiro da Silva Resende Periodicidade: Quadrimestral Assinatura anual: 30 euros Assinatura auxiliar: 50 euros Este número: 15 euros Pagamentos por: Transferência bancária NIB 007900001127152910124 Cheque à ordem de LAF - Liga dos Amigos da Feira Capa: Busto em bronze do Padre Manuel Leão. Escultura de José Vieira. Monte da Virgem, Vila Nova de Gaia. Fotografias: Óscar Maia, J. M. Costa e Silva, Biblioteca Municipal, Arquivos particulares, LAF e Fotos Web por António Madureira Redacção e Administração: Apartado 230 • 4524-909 Feira

Publicidade: Telef.: 965 310 162 | 256 379 604 Fax: 256 379 607 Tiragem: 500 exemplares Edição: N.º 27 - Fevereiro de 2011 Pré-impressão, Impressão e Acabamento: Empresa Gráfica Feirense, S. A. Apartado 4 - 4524-909 Santa Maria da Feira Sede Social: Edifício Clube Feirense - Associação Cultural Vila Boa - 4520-283 Santa Maria da Feira Email: villadafeira@gmail.com Depósito Legal: 180748/02 ISSN: 1645-4480 Reg. ICS: 124038 Depositária: Livraria Vício das Letras Rua Dr. José Correia e Sá, 59 4520-208 Santa Maria da Feira Apoios: Câmara Municipal Santa Maria da Feira Irmãos Cavaco S.A. E. Leclerc Termas das Caldas de S. Jorge Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira Patrícios, S.A. Centralobão.


Morreu o Senhor Padre Manuel Leão Uma das mais ilustres personalidades da Terra de Santa Maria do Século XX. Não coube no berço onde o corpo nasceu. Numa nota inserida nos artigos que escreveu

tempos e os homens nos trariam, e a força de ânimo e de vontade necessários para resistirmos. Sócio honorário da Liga dos Amigos da Feira, cujo diploma e emblema lhe foram entregues no dia da Homenagem que promovemos. (1)

disse: “Dedicou-se à educação e ensino, dirigindo o Colégio de Gaia, durante décadas. Esteve ligado à fundação do Instituto Superior Politécnico de Gaia e Escola Profissional de Gaia, a cujas direcções pertenceu. Tem publicado numerosos estudos sobre a história cultural do Porto e Vila Nova de Gaia, com incidência nos domínios da arte, da actividade livreira e do teatro portuense antigo. Tem promovido várias iniciativas de carácter social. Criou, em 1996, a Fundação Manuel Leão, com fins culturais e sócio caritativos.” Iniciou a prestimosa colaboração na Villa da Feira no nº. 4 que manteve ininterruptamente até ao nº. 25, o último publicado em vida. As longas conversas, as lições que nos dava, os convites para encontros no Monte da Virgem, os passeios por locais que sugeria, emocionados recordamos. O alerta para as dificuldades que os

Nesta hora de homenagem e saudade recordamos as palavras que proferiu em 23-12-2004: “A nossa missão é cumprir, ao serviço do Povo, o que devemos cumprir, seja onde for. E se nós formos fieis à nossa missão estamos a dar nome à Terra da nossa Raiz”.

Obrigado Senhor Padre Manuel Leão.

Liga dos Amigos da Feira

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Pórtico A nossa jornada já vai longa, mas não tão longa para sofrermos tanto a dor da perda: António Luso – Henrique Veiga de Macedo – José Alves de Pinho – Manuel Valente de Pinho Leão - Mário Anacleto e, a 10 de Janeiro de 2011, Domingos Azevedo Moreira, Abade de Pigeiros, a quem dedicaremos o próximo número. A melhor homenagem que lhes podemos prestar é sublinhar, aqui, o que escreveram em 2010 importantes personalidades sobre o “Edifício” que com a sua excelsa colaboração vamos erguendo: Quanto à Revista, temos conversado. Ela é mais uma biblioteca e do melhor quilate. Os meus parabéns aos seus promotores e responsáveis. “Villa da Feira” honra a terra e será de boa recordação para os vindouros. Agrada-me muito o que é fazer memória. A vida é memória. Sem memória não há presente que preste nem futuro que venha a valer a pena. Todos os assuntos são dignos de registo e estão muito bem tratados. D. Manuel Martins, Bispo Emérito de Setúbal (e-mail ao Dr. Lima Bastos)

– …e numa revista cultural chamada “Villa da Feira” em homenagem ao velho nome das Terras de Santa Maria da Feira donde provenho e que comete a anormalidade de perdurar vai para dez anos, idade tão longeva que faz abrir a boca de espanto a quem sabe quão fugaz e transitória é a vida deste género de publicações. Dr. Manuel de Lima Bastos De Novo à Sombra de Mestre Aquilino – Recibín as súas cartas e a magnífica publicación “Villa da Feira”, onde está xa publicado o seu notábel trabalo de investigación sobre os topónimos Mei e Meis. Repasei con moita atención todo o libro, onde se tratan interesantes temas. Paréceme un volume singular, tanto pola temática coma polos autores, o que acredita a súa importancia cultural. Na nosa terra, que eu coñeza, danse poucos cosos coma eses. Hermando Martinez Chantada – Pontevedra. (carta ao Padre Domingos A. Moreira) Curvamo-nos respeitosamente sobre a sua Memória na certeza de que ficamos muito aquém do seu merecimento.

Liga dos Amigos da Feira

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SUMÁRIO

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Morreu o Senhor Padre Manuel Leão Liga dos amigos da Feira Desenho com Mensagem João Rodrigues Pórtico Liga dos Amigos da Feira Mensagem Colóquio Terra de Santa Maria: espaços de cultura em debate no 10º aniversário da Revista Villa da Feira Filipe Pinto Padre Manuel Valente de Pinho Leão Poesia Judite Lopes Padre Manuel Leão, vida ao serviço do bem comum Dom Carlos Azevedo Padre Manuel Pinho Leão Um Mestre e Educador Notável Samuel Oliveira À memória do Sr. Padre Manuel Leão Domingos A. Moreira Evocação do Padre Manuel de Pinho Leão Francisco Barbosa da Costa Poesia H. Veiga de Macedo Mário Anacleto Poesia Mário Anacleto In Memoriam do Dr. Mário Anacleto Francisco Azevedo Brandão A implantação da República Eugénio dos Santos Fernando António Ferreira Soares O meu pai António Gil Baptista Ferreira Soares Poesia Ilda Maria Em memória do Dr. Fernando Ferreira Soares José Augusto Ferreira de Campos Lembrando o Dr. Fernando Ferreira Soares Luís Leite Soares de Resende Poesia Sérgio Almeida O meu caríssimo Senhor Doutor Fernando Ferreira Soares. Gaspar Moreira Cardoso da Costa Antonio Ferreira Soares Um prosador, Nascido em Grijó, de Gaia Fernando Ferreira Soares Uma carta inédita Fernando Ferreira Soares Direitos Humanos (Conferência aos Alunos do Colégio Liceal de Santa Maria Lamas) Dom Carlos Filipe Ximenes Belo Poesia H. Veiga de Macedo Jantar Convíivio, com o Senhor Engenheiro Artur de Sá Brandão Poesia João Pedro Mésseder Caro Celestino José Manuel Cardoso da Costa Meu caro Artur Brandão Vitor Fontes Fernando Leão Rodrigo Nunes Dr. Elísio Amorim Carneiro Engenheiro Artur Brandão António Cavaco Alfredo Henriques Artur Brandão Poesia João Pedro Mésseder Isvouga 20 Anos Comissão Organizadora das Comemorações Poesia Gilberto Pereira Cerimónia comemorativa dos 20 anos do ISVOUGA - 16 de Outubro de 2010 Alfredo Henriques Declarações do Presidente da Republica após a inauguração das novas instalações do ISVOUGA Aníbal Cavaco Silva Em memória de José Alves de Pinho (1935-2010) Manuel Correia Fernandes Um homem sereno e generoso Cândido Augusto Dias dos Santos Sanfins de Sobre a Feira Padre José Alves de Pinho Para a História de S. Paio de Oleiros: origens do topónimo Anthero Monteiro Philéas Lebesgue, o Cronista Literário da Revista Mercure De France e Aquilino Ribeiro Manuel De Lima Bastos Poesia Sérgio Almeida Dicionário Biográfico de Personalidades Feirenses Francisco de Azevedo Brandão Na apresentação do livro De Novo à Sombra de Mestre Aquilino, de Manuel de Lima Bastos Jerónimo Costa Poesia Gilberto Pereira Sufrágio Feminino Jorge Augusto Pais de Amaral Poesia Anthero Monteiro Resisitir à Mediocridade Maria do Carmo Vieira O Falar do Emigrante Português em França Maria da Conceição Vilhena Suplemento ao Estudo Linguístico dos Topónimos MEIS E MEI Domingos A. Moreira Psicologia do Envelhecimento o meu testemunho Frei Acaribe Poesia António Madureira Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo Os artigos publicados são da responsabilidade científica e ética dos seus autores.

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Mensagem Colóquio Terra de Santa Maria: espaços de cultura em debate no 10º aniversário da Revista Villa da Feira Filipe Pinto*

Neste ano de 2011, iniciar-se-á a comemoração do 10º aniversário da Revista Villa da Feira, que tem vindo a público pela mão da Liga dos Amigos da Feira. Não neste número, mas sim no próximo que sairá em Junho e que será, certamente, mais um marco de assinalável relevo no domínio cultural ao nível da esfera local e regional. De facto, não é usual o registo de uma pervivência, por um período tão alargado, de uma publicação do género, num país onde a Cultura é, de forma crónica, arrisco dizer, um parente pobre do investimento; publicação esta que revela uma regularidade e periodicidade raramente vista ou conseguida nos dias que correm. Este ciclo que começará em meados do ano que agora principia, ficará marcado pela realização do Colóquio Terra de Santa Maria: espaços de cultura em debate no 10º aniversário da Revista Villa da Feira, que irá decorrer nos dias 17 e 18 de Junho, no anfiteatro da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira, onde um conjunto de personalidades do mundo *Licenciado em Arqueologia pela FLUP: Centro de Arqueologia de Arouca.

académico e da investigação nos trarão novas ideias, pistas, questões e reflexões sobre diversos campos do conhecimento relacionados com a Terra de Santa Maria. Farão parte dos painéis temas como a Arqueologia, História, Literatura, Museologia, Turismo e a Arquitectura; abrangente, variado e eclético; três adjectivos que caracterizam de forma perfeita a Revista Villa da Feira e, consequentemente, a sua equipa, que tudo tem feito para levar mais longe o nome de Santa Maria da Feira e da Terra de Santa Maria. Espaço de Cultura, que a Revista Villa da Feira tão bem tem conseguido evidenciar, que é um dos palcos de referência local e regional e o Debate que não é mais do que, o desafio sempre renovado, lançado ao longo de todos os seus números, a todos os que têm o prazer e o privilégio de contactar e colaborar com esta publicação.

O Comissário: Filipe Pinto


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Padre Manuel Valente de Pinho Le茫o Milheir贸s de Poiares, 25 de Agosto de 1920 - Vila Nova de Gaia, 24 de Setembro de 2010.

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Legenda da placa: Ao Revo Padre Manuel Le茫o pela Obra Realizada. Confraria do Monte da Virgem e Par贸quia de Oliveira do Douro.


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Madrugada desperta Judite Lopes*

Vem escorrendo na noite o filme do tempo. Os lençóis da madrugada esquentam memórias que o peito abriga no baú das horas. Vem o silêncio das mãos nuas que tocam a alma acesa e o mar se veste de sonhos na luz inquieta dos olhos despertos do sono ido.

*Licenciada em Animação Sociocultural. Autora do livro de poemas Vislumbres.


Padre Manuel Leão, vida ao serviço do bem comum

P. Manuel Valente de Pinho Leão nasceu em Milheirós de Poiares (Santa Maria da Feira) a 25 de Agosto de 1920, no lugar do Outeiro. Filho de Manuel Leite de Pinho Leão (18801955) e de Laura de Pinho Valente. Era o quinto filho de uma casa de lavradores abastados. Viriam depois mais três irmãs. Frequenta os Seminários do Porto, onde contou como condiscípulo e amigo D. Domingos de Pinho Brandão. Manuel Leão destaca-se pela sua inteligência, conservando os diplomas de distinção, desde o 7º ano de preparatórios, em 1939, até ao 3º ano de teologia. Passados pelo Bispo D. António Augusto de Castro Meireles e pelo Reitor do Seminário e seu amigo, Dr. António Ferreira Pinto, também do Concelho da Feira1. O gosto pela investigação, evidenciado quando o tempo lho permitiu, vem desde aí. Detinha-se horas e horas na biblioteca e amontoava livros no seu quarto. O resultado de algumas dessas buscas ainda se conservam em fichas amarelecidas do seu espólio. Arriscava posições avançadas em relação

ao tomismo reinante e frequentava as modas literárias, com gosto pelo grupo da Presença, como confessa em artigo aqui publicado2. Inaugurou, enquanto estudante, as lides literárias, com artigos no Democrata Feirense, sobre assuntos sociais, e no jornal Tradição, ambos sob pseudónimo, dado que o Seminário desconhecia estes atrevimentos clandestinos. Foi ordenado diácono a 25 de Outubro de 1942, quando o colega Domingos lhe escreve (ver apêndice). É ordenado padre na Catedral do Porto, em 8 de Agosto de 1943. Foi pregador, como então se usava, da sua missa de início solene de ministério, a 25 de Agosto, o que tinha sido seu professor e Vice-Reitor no Seminário, era conterrâneo e agora D. Sebastião Soares de Resende, acabado de ser ordenado bispo, a 15 de Agosto. Na homenagem feita no Seminário da Sé ao novo bispo, quando se soube a notícia da nomeação, ocorrida a 21 de Abril de 1943, foi o diácono Manuel Leão escolhido para falar e organizar a festa no salão da biblioteca. Junto do tio padre José Leite Dias de Pinho (18861960), em Oliveira do Douro, inicia o serviço pastoral. Vila Nova de Gaia seria o lugar permanente da sua dedicação ao ensino, como professor desde a ordenação e como Director (1946-1992) do Colégio de Gaia, obra diocesana que

Cf. LEÃO, Manuel – Cónego Ferreira Pinto, um feirense a lembrar. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 17 (2007) 71-73.

2 LEÃO, Manuel – D. Sebastião Resende: uma evocação, no seu centenário. Villa da Feira. 12 (2006) 19-21

Dom Carlos Azevedo*

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*Bispo Auxiliar de Lisboa. Natural de Milheirós de Poiares.

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ampliou com equipamentos condignos e ilustrou com o seu saber, particularmente em Inglês e Literatura portuguesa. A preparação de um dicionário de inglês preencheu anos da sua vida. Recordo as caixas de madeira cheias de verbetes, palavra a palavra. Depois seria tudo passado à máquina de escrever, em resmas de papel. O campo da educação constituiu a sua paixão até ao fim da vida, seja na criação da Escola Profissional de Gaia, seja do Instituto Superior Politécnico, em 1990. No Colégio do Sardão, onde viveu, como capelão, era muito procurado na qualidade de conselheiro. As suas celebrações, com homilias breves, actualizadas e incisivas para a vida eram apreciadas. Impulsionou obras sociais, sendo representante da Diocese na “Obra do Padre Luís” (desde 1982) e deu novo vigor à Confraria do Monte da Virgem, dados os seus dotes de excelente gestor. Criou em 1987 uma publicação trimestral para esta Confraria. A qualidade de bom administrador, justificou a escolha do Bispo D. Júlio Tavares Rebimbas para membro do Conselho de Assuntos Económicos Diocesano, entre 1986 e 1991. Quando as actividades de direcção de equipamentos escolares o libertaram pôde dedicar-se finalmente ao que desde a juventude manifestava gosto: os estudos históricos. Publicou, nos últimos anos, vários livros resultantes de uma investigação sobre fontes de Arquivo, onde se deliciava na busca de dados inovadores para o conhecimento da história da arte. A sua colaboração habitual com artigos de história regional

na revista Villa da Feira e no Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia prestam um contributo bem documentado e por vezes contado na primeira pessoa, o que torna imprescindível a sua consulta. Na revista Museu, do Museu Nacional Soares dos Reis deu a conhecer pormenores inovadores resultantes das horas passadas a percorrer os notariados antigos nos Arquivos. Criou a Fundação Manuel Leão (1996), à qual legou os seus bens, com finalidades culturais e assistenciais. Na dimensão cultural privilegia sobretudo os âmbitos pedagógico e artístico. Todos os anos, enquanto lhe permitiram as forças, aproveitava as férias de Agosto para viajar pelo estrangeiro. Conhecia praticamente todo o mundo e os carimbos do seu passaporte revelam esse rodopio. Viajante pelas quatro partes do mundo, atingido nos últimos meses por um cancro, partiu para a última viagem a 24 de Setembro de 2010. Serviam-no com grande zelo D. Olívia e Duarte Ribeiro. Piorando cada vez mais, acamou no início de Setembro e foi acompanhado até ao fim por enfermeiros permanentes em casa, na sede da Fundação Manuel Leão, Rua Pinto de Aguiar, 345, em Vila Nova de Gaia. No dia 25 de Agosto, no dia em que perfazia 90 anos, já bastante debilitado, ainda fomos almoçar à Casa Branca por sua sugestão e por vontade dos donos do restaurante, muito seus amigos. Foi a última vez que o P. Leão olhou para a vastidão do mar. Começava a entrar na imensa misericórdia de Deus. Obras publicadas (recolha provisória): − Um jornal, uma polémica. Boletim Cultural Amigos de Gaia. 28 (1989) 33-36. − O Padre Luís jornalista. Boletim Cultural Amigos de Gaia. 29 (1990) 30-32. − Os judeus portugueses e Pasternak (num Centenário). Sep. Boletim Cultural Amigos de Gaia. (1990) 24 p. – No centenário de Santo Inácio de Loyola. O Tripeiro. 10 (1991) 389-390. [A sua Influência no Porto]. – Um bispo do Porto do século XVII: D. Fernando Correia de Lacerda. O Tripeiro. 12 (1993) 178-183. − Uma família portuense de escultores. Museu. 1 (1993) 129-134.


− Arte flamenga no Porto seiscentista. Museu. 2 (1994) 716. − O Brasil e os artistas portuenses dos séculos XVII e XVIII. Museu. 4 (1995) 45-80. − O Santuário do Monte da Virgem. Gaia, 1995. − Domingos Lopes, artista e empresário. Museu. 5 (1996) 73-107. - A olaria Vilanovense no século XVII. Sep. Boletim Cultural Amigos de Gaia. (1996) 48 p. − As relações culturais do Porto com a Galiza no século XVII. Museu. 6 (1997) 75-109. − A cerâmica em Vila Nova de Gaia. Gaia: Fundação Manuel Leão, 1999. Colecção artes e artistas; 1. - Livros, livreiros e impressores do século XVIII. Humanistica e teologia. 20 (1999) 61-123. − O Brasil e a arte portuense, entre os fins do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX. Museu. 9 (2000) 209229. − Oleiros e olarias portuenses. Museu. 10 (2001) 69-94. - Artistas antigos do Porto. Gaia: Fundação Manuel Leão, 2002. 262 p. Colecção artes e artistas; 2. − Padre Luís: uma identidade. Gaia: Fundação Obra do Padre Luís, 2002: 2 ed. 2002; 3 ed. 2007. − Barristas portuenses. Museu. 11 (2002) 101-115. - Roteiro dum emigrante. Terras entre Douro e Vouga. Arquivo de estudos regionais. 5 (1996) 53-66. Sep. Oliveira de Azeméis, 2002. − Pintores cerâmicos. Museu. 12 (2003) 205-240. − Doutor Guilherme Moreira, ilustre feirense. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 4 (2003) 29-35. − Obras no castelo. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 5 (2003) 51-59. − Mensagem. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 6 (2004) 15. − Mercadores de vinho da Feira. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 6 (2004) 27-31. − A propósito da segunda invasão francesa. Villa da Feira

– Terra de Santa Maria. 7 (2004) 53-58. − Segunda invasão francesa e o comércio marítimo. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 8 (2004) 47-50. - O Monte da Virgem (1904-2004) Vila Nova de Gaia: Confraria do Monte da Virgem Imaclada., 2004. 179 p. − No rescaldo das invasões francesas. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 9 (2005) 77-78. − Agradecimento. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 109 (2005) 41-42. − Portugal visto por estrangeiros. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 11 (2005) 113-116.

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− A arte em Vila Nova de Gaia. Gaia: Fundação Manuel Leão, 2005. Colecção artes e artistas; 3. − Trabalhos em gesso no século XIX. Museu. 15 (2006) 6570. − D. Sebastião Resende: uma evocação, no seu centenário. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 12 (2006) 19-21. − Pedreiros, obras e abóbadas. Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia. 62: 10 (2006) 37-46; 63: 10 (2006) 4254. − A pirataria norte-africana no século XVII. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 13 (2006) 97-103. − Notas camilianas. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 14 (2006) 69-73.


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− O centenário da nova igreja. In I CENTENÁRIO DA IGREJA PAROQUIAL DE MILHEIRÓS DE POIARES. Santa Maria da Feira: Ligas dos Amigos da Feira, [2007], p. 36-37. Col. Santamariana; 25. − Oleiro e familiar do Santo Ofício. Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia. 64: 10 (2007) 49-50. − Estalagens e tendas. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 15 (2007) 47-49. − A luta anti-francesa. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 16 (2007) 45-48. − Cónego Ferreira Pinto, um feirense a lembrar. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 17 (2007) 71-73. − A fábrica de cerâmica de Massarelos. Boletim da Associação

Cultural Amigos de Gaia. 66: 11 (2008) 16-23. − Gaia e o aqueduto de Vila do Conde. Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia. 67: 11 (2008) 5-7. − A importância do comércio em Arnelas. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 18 (2008) 75-78. − Os Pinhos de Milheirós. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 19 (2008) 37-43. − Aspectos históricos de Arnelas. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 20 (2008) 131-132. − O bloqueio continental e as invasões francesas. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 21 (2009) 29-30. − O Dr. Crispim. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 22 (2009) 49-52.


− Aspectos do Corsarismo durante o governo filipino. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 23 (2009) 125-129. − Nótulas de cerâmica. Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia. 70: 11 (2010) 41-46. − Clero antigo de Milheirós de Poiares. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 24 (2010) 67-70. − Arrifana e a sua história. Villa da Feira – Terra de Santa Maria. 25 (2010) 145-147. Carlos A. Moreira Azevedo Apêndice documental Carta de Domingos de Pinho Brandão a Manuel Valente de Pinho Leão Collegio Portuguez, Via Banco S. Spirito,12, Roma Caro Leão Para começar lá vai a frase velha e revelha, com barbas e sedas, mas... paciência! O génio inventor é pertença de poucos privilegiados. Por isso: “muito estimo que ao receberes destas mal notadas linhas, te vão encontrar de prufeita saúde que eu

felizmente fico bom. Graças a Deus” etc. desculpa a falta de gramática e que me perdoe Vieira mas o povo escreve assim e eu realmente faço votos pelo teu bemestar. Aquele “prufeita” é popular e veiome por associação de ideias duma frase do filme português “Al-arriba” a que há dias assisti numa casa particular: “cogita prumeiro” dizia a mulher dum pescador ao marido que tomara decisões rápidas sobre o casamento da filha. E já que falo do filme digo que é interessantíssimo, um verdadeiro testemunho da vida do nosso pescador: homem que reza e chora… Em Veneza foi premiado com o 5º prémio; e seria premiado talvez com o primeiro ou segundo prémio se estivesse traduzido para italiano. Mas deixemos este assunto porque me constou que o Ex.mo Sr. D. Agostinho tomava medidas severíssimas sobre a assistência a cinemas (se o fez, é porque o achou conveniente!) . e continuemos: Recebi ontem carta do eves em que me rabiscaste duas letras. Muito obrigado e agradeço-as imensamente reconhecido. Dizias que nunca me escreveste pela convicção de que nada de útil me poderias dizer. Não sei se será verdade porque, se mais não for a leitura simples de coisas (ainda que banais, demos por hipótese impossível!) faz-me passar alguns momentos convosco, pensar e sonhar horas que passaram mas que deixaram, da passagem, sulcos profundos na minha alma. Todas as coisas vossas me interessam. Eu não sei se terei pecado por não ter escrito particularmente a mais condiscípulos… mas as coisas de Roma têm um âmbito restrito, um alcance tão particular que se esgota todo numa carta a um ou outro condiscípulo ou então numa carta a todos vós. As coisas daí dilatam-se e chegam a Roma sempre frescas, apreciáveis e saborosas: tem um aspecto geral que novidades daqui não têm. Da tua parte eu sabia mesmo que lias algumas vezes cartas que o Neves me escrevia. A carta. Por isso, era de dois não dum só. E sabes como deduzi isto? Duma carta ao Neves recebida a 13 de Maio do corrente . Dizia-me o Neves a propósito dum rapaz formado em direito, que aí foi fazer uma conferência: “Tratava a conferência de Ernesto passos

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d’Arcos” E emendado a lápis em letra que eu reconheci ser tua, estava: “Eugénio Paço…” Por isso… Em Roma tenho-me dado bem até com o clima. As aulas começarão novamente depois do dia 4 de Novembro. No dia 4 será a abertura solene. As férias são, como vês, bastante grandes, mas – e isto é o pior – as férias do Natal e da Pascoa são de dois ou três dias. Paciência! Temos dado uns passeiozitos razoáveis. Ontem, eu e mais quatro resolvemos passear de manhã: saímos às 9h. Caminhámos sempre até às 13 h. E para onde havíamos de ir? Pelo Tibre acima (margem é claro!) a explorar novas terras; passadas duas horas voltamos pela margem contrária. Quando chegámos ao Collegio a barriga dava horas… Hoje, 25, ordena-se um aluno do Colégio, da Diocese do Funchal: amanhã ajudar-lhe-ei, nas Catacumbas de S. Calisto à primeira missa. Agora, antes de mais nada, parabéns por hoje mesmo seres ordenado de diácono. Dá aos outros quatro um abraço muito apertado, e não esqueças o Reinaldo – o novo subdiácono.

Por último um favor que te peço. Era para pedir ao Brochado, mas aproveito a ocasião já que tu andas com as mãos na massa. Quanto é preciso para constituir património na Diocese do Porto? 50 contos, não é verdade? Podes-me mandar o requerimento, i.é o formulário para dispensa do Património? Desculpa este incómodo, mas como tiveste de fazer para ti…; podes entregar o formulário escrito ao Brochado ou a quem quer que me escreva, se não quiseres gastar 1$75 no selo. O que eu queria era saber a resolução daquelas duas perguntas o mais depressa possível. Antes dos fins de Nov. De resto cumprimentos e larguras a todos os condiscípulos. Teu amigo e condiscípulo Collegio Porghese, 25 de Outubro de 1942 Domingos de Pinho Brandão P.S. O Santo Padre falará dia 31 as 7h de aqui, portanto às 5 portuguesas, para Portugal em radiomensagem.


Padre Manuel Pinho Leão Um Mestre e Educador Notável Samuel Oliveira* Muitos feirenses não terão conhecido o conterrâneo ilustre, o Padre Manuel Valente de Pinho Leão, que viveu a maior parte da sua vida em Vila Nova de Gaia. Nascido em Milheirós de Poiares, a 25 de Agosto de 1920, depois de fazer os estudos nos seminários do Porto, foi ordenado presbítero, em 8 de Agosto de 1943, e, em Outubro desse ano, o Bispo do Porto nomeou-o professor do seminário Sagrado Coração de Jesus e do colégio diocesano Externato de Gaia, paredes-meias com aquele, ambos situados na Quinta do Trancoso, freguesia de Mafamude do concelho de Vila Nova de Gaia. Nesse ano, fui um dos alunos do Padre Manuel Leão de História e, desde essa data, um dos seus admiradores pela vastidão da sua cultura e pelo seu método de ensino “sui generis” que aliava a prelecção simples e atractiva com sabatinas que prendiam a atenção dos discípulos e lhes espicaçavam o afã de indagar e saber. Mais tarde, em 1956, a convite seu, passei a pertencer ao corpo docente do Colégio de Gaia e continuei a ver o Padre Manuel Leão igual a si mesmo, muito simples, bemhumorado, muito culto, bem informado e com uma pedagogia *Historiador. Investigador.

muito peculiar e aliciante que conquistava a estima e o respeito “inter pares” e a admiração quase veneração dos seus alunos. Em 1958, tendo adoecido o Cónego Manuel Nédio de Sousa, que, desde a fundação do Colégio, em 1933/34, fora seu director, o Bispo do Porto nomeou para exercer as funções de director deste estabelecimento de ensino o Padre Manuel Pinho Leão que entre os professores se tinha distinguido pela sua competência e dedicação à causa do ensino e da educação dos jovens que frequentavam esta escola da diocese do Porto. Até 1960, o Colégio funcionou numa casa antiga de família, adaptada para o efeito, que juntamente com uma extensa quinta anexa, denominada “quinta de Trancoso”, fora doada por D. Maria Margarida Magalhães e Silva à Diocese do Porto. Graças ao espírito de tolerância do Padre Manuel Leão, que faz do Colégio uma escola aberta, inclusiva, que recebe e educa alunos de todas as classes sociais e sem discriminação dos seus credos religiosos, o seu Colégio impõe-se e o seu prestígio extravasa os muros de Gaia e a frequência escolar aumenta, de ano para ano. Ao ensino primário, 1º e 2.º ciclos já leccionados, o Padre Leão introduz, em 1961, a leccionação do 3.º Ciclo. Então uma imensa “onda” de estudantes dos mais longínquos concelhos do Norte do País (nomeadamente de Bragança) e dos distritos de Porto e Aveiro conflui para

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Padre Manuel Leão abre a sessão solene do 50.º Aniversário do Colégio.

o Colégio: uns são seduzidos pelo prestígio da plêiade de professores de comprovada formação científica e competência pedagógica, de que o Padre Leão se rodeou; outros vêm de outras escolas atraídos pela fama dos bons resultados obtidos pelo Colégio nos exames oficiais, realizados nos Liceus da área, e uns tantos são filhos de emigrantes que procuram um estabelecimento de qualidade para estudar e residir. O total da frequência escolar que, no ano lectivo de 1956/57, era de 220 alunos, no ano lectivo de 1960/61 sobe para 714 alunos – foi de cerca de 500 o aumento da população escolar do Colégio! Como as instalações do velho “Colégio Externato” se tornaram insuficientes para acolher esta explosão de frequência escolar, o director Padre Manuel Leão teve de arrendar alguns edifícios das redondezas para neles funcionarem algumas aulas e para o internato, criado no principio da década de 60, para alunos não residentes em Vila Nova de Gaia.

Destemido e com uma imparável determinação, que não vacila perante a falta de financiamento estatal e da Diocese, o Padre Manuel Leão, no ano de 1961, abalançase à gigantesca obra de construir umas novas e modernas instalações escolares. Vindo de Oliveira do Douro, onde reside, é o primeiro que chega, manhã cedo, ao Colégio, para logo acompanhar as obras de construção do primeiro pavilhão escolar, que, nesse ano, começou a edificar, na zona sul da quinta do Colégio, com rés-do-chão e três pisos ou andares. Para este empreendimento, orçado em 3.000 contos, não pôde contar com o cofre do Colégio, que estava vazio, nem com apoio do Estado ou da Diocese, por isso teve de fazer grande engenharia financeira com dinheiros das suas economias e com empréstimos bancários e de amigos com poder financeiro e assim foi satisfazendo periodicamente os encargos e salários.


Apesar de assoberbado com a vigilância e administração da obra em curso, continua a exercer a docência de História, Inglês, Literatura Portuguesa e Técnicas de Tradução e é simultaneamente um director omnipresente e muito activo que despacha o expediente, orienta alunos, recebe entidades e pais de educandos e é conselheiro, um conselheiro com muita experiência e lucidez que é muito procurado por famílias da Região e por antigos alunos desejosos do seu parecer e orientação. É um director incansável que trabalha ininterruptamente até às 19/20 horas e, por vezes, ainda depois do jantar até a madrugada. Em 1964, está concluído o pavilhão com rés-do-chão e 3 pisos, localizado na zona sul da quinta, que tantas canseiras custou ao Padre Leão. No rés-do-chão, instalou a secretaria, papelaria, ginásio e salão de festas; no 1.º e 2.º pisos ou andares, salas de aulas e, no 3.º andar, salas de aulas do 3.º ciclo (10.º e 11.º anos) de Ciências e Letras, laboratório

de ciências e anfiteatro para conferências, colóquios e comunicações literárias e científicas. O 12.º ano só começou a funcionar no ano lectivo 1981/82. Por esta altura, 1964, a frequência do Colégio vaise aproximando dos 800 alunos, numa demonstração do carisma e da acção educativa do Padre Manuel Leão e do prestígio que, a nível local e regional, gozavam os professores que soubera escolher. E no ano lectivo de 1968/69, a frequência escolar subiu para 880 alunos. Atento ao aumento crescente da população escolar e à incapacidade das escolas do concelho de Gaia (só havia dois colégios masculinos e um feminino) para receber tantos estudantes que, do Norte e Sul do Douro, (incluindo Bragança e o distrito de Aveiro) disputavam um lugar no já sobrelotado Colégio de Gaia, não há contrariedade, nem obstáculo algum que detenha o Padre Leão na sua determinação de expandir 21

Ministro da Educação homenageia a acção educativa do Padre Leão.


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D. Júlio Rebimbas encerra sessão com louvor ao Sacerdote e Educador Padre Leão.

as instalações do seu Colégio para corresponder à procura de alunos que cada vez é maior. E, em 1968, procede à demolição do antigo edifício do Colégio, intitulado “Colégio Externato de Gaia”, paralelo à Rua Pádua Correia, e, nesse espaço, começa a construir mais um pavilhão escolar, com rés-do-chão e 3 pisos ou andares, orçado em 5.000 contos, que com a sua arte e conhecido engenho de grande administrador veio a saldar. No ano lectivo de 1971/72, este 2.º pavilhão começou a albergar, no rés-do-chão, a secretaria, sala de espera, cabine telefónica, bar bem dimensionado e apetrechado, quartos de banho e salas de aula da Pré-Primária (Infantil). No primeiro andar, começaram a funcionar salas de aulas da Primária, gabinetes do Director e do Subdirector, sede dos dirigentes desportivos e das colectividades desportivas e sala da

Associação de Antigos Alunos. No 2.º andar, salas de aula do 1.º ciclo, salão para conferências e sala da Redacção do jornal O Nascente que fundado, em 1958, pelo padre Manuel Leão e pelo professor Samuel Oliveira, era um periódico reconhecido pela lei de imprensa, e que foi impedido arbitrariamente de circular, em 2008, nas vésperas do seu 50.º Aniversário, pelo Dr. Queirós Ribeiro, por incluir uma colaboração da Associação de Pais que o acusava de se furtar a recebê-la e apontava algumas faltas e defeitos à sua administração. No 3.º andar, quartos com instalações sanitárias incluídas para os alunos internos. Como era insuficiente, algumas dezenas de internos continuaram instalados em casas da periferia arrendadas pelo Colégio. Em 1970, o padre Manuel Leão construiu, em frente


Padre Leão é saudado efusivamente pelo Bispo do Porto.

do pavilhão do seminário já anexado ao Colégio, um bonito parque infantil, com um extenso labirinto, baloiços, escorregas e outros divertimentos e um lago povoado de coloridos peixes, irresistível atracção das crianças, e ampliou para as dimensões regulares o campo de futebol. No ano de 1973, frequentam o Colégio 1230 alunos. Em 1981, construiu uma piscina, decorada com interessantes painéis, onde os alunos aprendem e praticam natação sob a orientação de mestres competentes. E está muito activo o Núcleo de Judo do Colégio. Preocupado com a formação integral dos estudantes, em 1981/82, constrói o primeiro pavilhão gimnodesportivo, ora denominado pavilhão A, e, em 1986, ergue o 2.º pavilhão gimnodesportivo (o B), destinados à prática da educação física e do desporto dos alunos do Colégio e abertos a escolas

de Vila Nova de Gaia, nos tempos livres. Com apoio destas instalações desenvolvem-se as modalidades desportivas: andebol, basquetebol, voleibol, esgrima em que o aluno Raul Filipe se torna, em 1982, vice-campeão nacional em sabre. Com o estímulo e apoio do Padre Leão e orientação dos professores, que seleccionou, a equipa juvenil feminina de andebol do Colégio renovou, em Junho de 1986, o título de campeã nacional e, em Julho de 1988, a equipa feminina sénior de andebol, após sucessivos êxitos, sagrou-se campeã da 1.ª divisão nacional No ano lectivo de 1983/84, iniciou a construção dos campos de mini-golfe e de ténis, assim como a criação de instalações apropriadas para a Biblioteca geral do Colégio, que dotou com cerca de dois milhares de obras científicas e literárias, e uma sala de leitura anexa. Em Outubro de 1983, a frequência do Colégio é de 2389 e, em 1984, ronda uns 2500 alunos de ambos os sexos e incluindo a Infantil, Primária, Ciclo preparatório, Curso Unificado, e Cursos complementar de 10º, 11º, e 12º anos. É considerado o maior colégio do País em frequência escolar, instalações escolares, desportivas e espaços exteriores. Em Outubro de 1984, o padre Leão introduz, no Colégio, o ensino de 3 cursos técnico-profissionais: Electrónica, Contabilidade e Gestão e técnico de Electrotecnia. E com uma visão larga e de futuro, nos anos seguintes, vai introduzindo outros cursos, começando por Informática, para corresponder às crescentes exigências e necessidades do mundo do trabalho, mas mantém os tradicionais cursos de Ciências e Humanidades (tais como: História, Português, Francês, Inglês, Alemão, Filosofia, Psicologia, Grego, Latim, Direito e Jornalismo, etc) para continuar a formar homens de sólida e esclarecida cultura científica e humanística capazes de promover o desenvolvimento material e cultural equilibrado da sociedade civil, e corresponder às legitimas expectativas da Diocese, proprietária do Colégio, que lhes abriu as portas do saber. Pela qualidade, que o Ministério da Educação lhe reconheceu, o Colégio passa a funcionar em regime de paralelismo pedagógico, pelo qual os seus professores julgam os seus próprios alunos e as provas nele realizadas têm o mesmo valor das efectuadas nas escolas oficiais. Mas a grandeza do Colégio não impede que o Padre Manuel Leão cuide também da formação cívica e religiosa de toda a comunidade escolar, pelo contrário, durante, todo o

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ano lectivo, para complemento das lições teóricas, os alunos, acompanhados pelos professores, realizavam viagens de estudo a cidades, crastos, castelos, monumentos, museus, institutos, jornais diários, rádios, televisão, empresas, aquários e escolas da Galiza modelares, etc. Um dia por semana, os educandos tinham à disposição um psicólogo e, em dia certo, à tarde, um sacerdote celebrava missa, na capela do Colégio, para alunos externos e internos e famílias, que o desejassem. Na semana que precedia o Natal, os alunos faziam o presépio e composições alusivas à efeméride e, antes das férias da Páscoa, havia confissões quaresmais para os crentes, eucaristia e comunhão pascal, na capela do Colégio. No fim do terceiro período, com o comprazimento do padre Leão realizava-se, no salão nobre, a grandiosa festa dos finalistas com artistas convidados, declamação de poemas, rábulas, teatro, fados e guitarradas. Os internos, nesta década, cerca de 200, um número muito significativo de jovens nacionais, e até das antigas províncias ultramarinas mereceram da parte do director Padre Leão um especial tratamento e atenção: os do 3.º ciclo podem levar para os quartos livros da biblioteca para lerem,

dentro de determinado prazo, e os outros têm salão de estudo acompanhado pelos prefeitos, sala de estar, sala de jogos (comum a todos os ciclos) e pôs-lhes à disposição um orientador espiritual, todas as semanas, e, ao domingo e dias santos, audição de missa para os crentes, viagens de estudo e trimestralmente passeio cultural e turístico, comparticipado pelo Colégio, se ao estrangeiro. Registe-se que o internato do Colégio acolheu muitas dezenas de filhos de emigrantes, desenraizados da família, e de países lusófonos que educou e integrou no meio académico e social, praticando um humanismo cristão e um inestimável serviço à sociedade que os dirigentes, que sucederam ao Padre Leão, interromperam, acabando, a pouco e pouco, com o internato, porque exigia entrega e abnegação e não correspondia nem corresponde às suas preocupações mais voltadas para o lucro que educativas e humanistas. Debaixo daquela pública postura imperturbável e frontal de director avesso a salamaleques e absorto em tantas tarefas, que parecia ignorar os problemas e situações delicadas das famílias e dos alunos, o Padre Manuel Leão mantinha e praticava um discreto e oportuno humanismo. Aos filhos dos funcionários fazia-lhes um desconto na

O Ministro da Educação preside ao jantar de encerramento das Comemorações do 50.º Aniversário do Colégio.


25 D. José Pedreira saúda o Ministro e o Padre Leão.

leccionação, “uma atençãozinha” como lhe chamavam. Aos alunos muito pobres, trabalhadores e inteligentes, que não tinham hipótese para continuar a estudar, facultavalhes gratuitamente leccionação e alimentação, enquanto estudantes no Colégio, e, durante a frequência do Curso Superior, estimulava-os e dava-lhes emprego “em part-time” no Colégio de Gaia ou conseguia-lhes colocação em empresas de antigos alunos ou dos seus amigos e conhecidos. Qual é o director de escola que hoje pratica este humanismo?! Registe-se também que, no fim de cada ano lectivo, com o seu comprazimento, era habitual os funcionários e os professores de todos os ciclos – a chamada “família colegial – deslocarem-se, em carrinhas cedidas gratuitamente pelo Colégio, de visita a uma terra de interesse histórico ou turístico onde almoçavam com o seu prezado Director naquele convívio de amizade e confiança mútuas, que o Padre Manuel Leão soube implantar, com tacto e inteligência, na comunidade escolar e que actualmente, segundo contam, já não existe. Em 1984, fez 50 anos que foi fundado o Colégio, no longínquo ano de 1933/34, com a designação “Colégio Externato de Gaia.” A 28 de Janeiro de 1984, às 21,30 horas, no salão nobre do ora moderno Colégio, realizou-se a sessão solene

comemorativa das Bodas de Ouro da fundação do Colégio, presidida pelo Arcebispo Bispo do Porto, D. Júlio Tavares Rebimbas, ladeado, à direita, pelo Ministro da Educação, Prof. Doutor José Augusto Seabra, e pelo presidente da Câmara Municipal de Gaia e, à esquerda, pelo Director do Colégio Padre Manuel Leão e um Representante da Autoridade Militar. Abriu a sessão, o Padre Manuel Leão que, depois de historiar a vida do Colégio, realçou o gosto que a todos dava a presença do Bispo e exprimiu o seu reconhecimento ao Ministro por todas as diligências que fez (alterando compromissos oficiais anteriores assumidos) para poder estar presente. Seguidamente discursaram: o Doutor José Manuel Pina Cabral, professor da faculdade de Medicina do Porto e antigo aluno do Colégio; os alunos Paulo Pardal e Cristina Amandi de Sousa, pelos seus Colegas; o Dr. Samuel Oliveira em representação dos professores; o Dr. Fernando Brochado Coelho e o Ministro da Educação Prof. Doutor José Augusto Seabra que, depois duma síntese da evolução do ensino e do louvor e agradecimento ao Padre Leão pela sua obra pelo ensino e educação, concluiu “creio que o Colégio de Gaia dará à nossa juventude aquilo que ela merece: o sentido de dignidade, de liberdade e de fidelidade aos princípios fundamentais que nos unem a todos como homens.”


26 José Augusto Seabra rende homenagem ao Director do Colégio e à Diocese.

O Bispo D. Júlio Rebimbas, após várias considerações, sublinhou “esta minha saudação é de gratidão ao Padre Leão, gratidão profunda da Diocese pela sua dedicação, por toda a sua força de Padre, por todo o seu trabalho, por toda a sua vida aqui gasta generosamente, por toda a sua doação ao serviço dos outros, neste Colégio.” No decurso do ano, tiveram lugar diversos eventos e actividades culturais para celebrar os cinquenta anos de existência do Colégio. Em 14 de Dezembro, pelas 17 horas, no pátio do Colégio, os professores homenagearam o Padre Leão pela sua meritória acção desenvolvida ao longo de 40 anos, como sacerdote, professor e director e ergueram-lhe um busto, que foi descerrado pelo irmão Prof. José Pinho Leão. Pelas 20.30 horas, professores da casa e entidades convidadas reuniram-se num jantar de congratulação pelo 50.º aniversário do Colégio, tendo presidido o Ministro da Educação, Prof. Doutor José Augusto Seabra, ladeado pelo Director Padre Manuel Leão, pelo Dr. Barbosa da Costa em representação da Câmara Municipal de Gaia e outras Individualidades. Às 22 horas, realizou-se a sessão solene de encerramento do cinquentenário, presidida por D. José Pedreira, representante de D. Júlio Rebimbas, ladeado, à direita, pelo Ministro Doutor

José Augusto Seabra e Dr. Vasco Rodrigues, Director Geral do Ensino Particular e Cooperativo, e, à esquerda, pelo Director do Colégio Padre Manuel Leão e pelo Major do RASP da Cidade, além de outras individualidades. Foi mais um dia de consagração e de louvor, merecido, ao Padre Leão, que era um homem tranquilo e feliz, rodeado pela admiração e apreço de individualidades e de muitos antigos alunos, alguns com elevadas posições na sociedade civil e na politica nacional. No mesmo ano, o Padre Manuel Leão recebia da Câmara Municipal de Gaia a medalha de prata de mérito municipal pelos relevantes serviços prestados pelo Colégio ao ensino e à educação. Por sua vez, o Director Geral do Ensino Particular e Cooperativo, Dr. Adriano Vasco Rodrigues, em ofício dirigido ao Padre Manuel Leão escreveu: “Ex.mo Senhor Director Ocorrendo, este ano, o cinquentenário do nascimento desse prestimoso Colégio, venho testemunhar o meu apreço e louvor pela vasta obra realizada em prol da educação, da cultura e da promoção social dos vossos alunos, com reflexos nos serviços prestados à comunidade.” O Padre Manuel Leão também não esqueceu as Artes:


na parte exterior do pavilhão sul, construiu um bloco para os alunos se exercitarem na criação e modelação artística de peças de barro, madeira e outros materiais. No ano de 1984, acarinhou e protegeu a fundação do Conservatório Regional de Música de Gaia, que, sob a direcção do Prof. Mário Mateus, começou a funcionar, em Outubro desse ano, no Colégio de Gaia em instalações facultadas pelo Padre Leão gratuitamente: salas de aula, serviços de secretaria, sala de professores, salão de festas para concertos, audições e espectáculos. A sessão solene de abertura do Conservatório de Música do ano lectivo de 1986 realizou-se, no dia 8 de Novembro, às 16 horas, no salão nobre do Colégio, presidida pelo Director Geral do Ensino Particular e Cooperativo, Dr. Emílio Augusto Pires, ladeado, à esquerda, pelo Director do Colégio, Padre Manuel Leão, e Prof. Fernando Azevedo da Escola Superior de Música do Porto e, à direita, pela prof.ª D.ª Helena Sá e Costa e Prof. Mário Mateus.

Padre Leão agradece as demosntrações de apreço e gratidão.

Em 26 de Maio de 1984, pelas 16 horas, o Bispo Auxiliar do Porto, D. Domingos de Pinho Brandão, inaugurou a Galeria de Arte do Colégio de Gaia, que o Padre Leão criara para “satisfazer a uma aspiração não só de carácter escolar mas também social, vindo ao encontro da necessidade pedagógica de apoiar os jovens vocacionados para as artes plásticas e dar aos artistas uma oportunidade de comunicação estética com o público” – realçou na ocasião. Momentos depois, o Ministro da Educação, Prof. Doutor José Augusto Seabra, acompanhado do Padre Manuel Leão, visitou esta Galeria de Arte, considerada a primeira em estabelecimentos de ensino, admirou os trabalhos expostos em grande parte de ex-alunos e felicitou o Director do Colégio por este empreendimento em prol das artes e dos artistas. Em 15 de Outubro de 1987, por escritura pública, o Padre Manuel Leão funda o Núcleo Desportivo do Colégio de Gaia” que tem por finalidade “a promoção de actividades desportivas, educativas e culturais, visando a ocupação dos

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tempos livres dos associados.” Consolidadas as estruturas escolares e desportivas, o Padre Manuel Leão teve em conta a função social do Colégio e abriu as suas portas ao meio de Gaia e até do Porto, facultando instalações e espaços exteriores para associações, escolas, institutos e até faculdades realizarem – como veio a acontecer – eventos culturais e actividades desportivas e lúdicas. Tendo deixado o Colégio de Gaia, em Fevereiro de 1989, o Padre Manuel Valente de Pinho Leão continuou a viver a sua paixão pelo ensino e pela educação da juventude e pelo bemestar e progresso da sociedade. Foi presidente da Direcção da CEP, Cooperativa de Ensino e Instituto Superior Politécnico de Gaia, (1990); director, professor e sócio-gerente da Escola Profissional de Gaia-Profigaia; delegado episcopal junto da Fundação Padre Luís, de Oliveira do Douro; juiz da Confraria do Monte da Virgem, onde realizou importantes obras de requalificação do Santuário e do adro deste templo mariano; fundador e sócio n.1 da Associação Paroquial de Oliveira do Douro, aí apoiando o pároco Padre José Leite Dias de Pinho, seu tio, foi o grande impulsionador e responsável pela edificação do salão paroquial; membro da Comissão para a construção do estádio do C.F. de Oliveira do Douro e instituidor e principal dirigente da Fundação Manuel Leão, sedeada em Gaia, em edifício próprio, à qual legou os seus bens com a finalidade de promover o desenvolvimento cultural e a solidariedade social dos povos dos concelhos de Vila Nova de Gaia e de Santa Maria da Feira, terra natal do fundador da Instituição, que já se notabilizou pela edição de várias e importantes obras da história e das artes da Região. Em 2003, o concelho de Gaia manifestou publicamente o seu reconhecimento e apreço pela extensa e meritória acção do Padre Manuel Valente Leão pela implantação e desenvolvimento do ensino, da cultura e da educação, quando, no dia 25 de Abril, no salão nobre em sessão solene da Câmara Municipal, o presidente da edilidade, Dr. Luís Filipe Menezes, prestou significativa homenagem ao Padre Manuel Leão e lhe entregou a medalha de mérito cívico, classe ouro, com que fora galardoado pela vereação, na reunião camarária, de 17 de Abril, “ pela sua excepcional acção em prol de Vila Nova de Gaia no campo do ensino, da educação e da fraternidade humana”. Indiferente às honrarias, o Padre Leão continuou, com a mesma simplicidade, a entregar-se generosamente à sua

Fundação, ao ensino, à educação e à cultura, colaborando com seus escritos em revistas diversas e publicando valiosas obras de arte e história regional. Finalmente, aquela figura alta, aprumada, passo ligeiro, e saudável, qual róbur, que desafia a idade e o tempo, vacilou a golpes de inesperada doença e, no dia 24 de Setembro de 2010, deixou-nos para sempre. Nós, que convivemos com ele seis décadas, sofremos com a morte daquele que foi nosso antigo professor e depois colega de ensino e director no Colégio de Gaia. A sociedade civil e a diocese do Porto perdeu um Sacerdote culto, um Educador e um Empreendedor com visão de futuro. Todas as instituições, que o Padre Manuel Leão serviu, sensibilizaram-se com a sua morte e manifestaram, através da Imprensa, o seu reconhecimento e pesar, com a excepção, muito notada, dos actuais dirigentes do Colégio de Gaia, que ou por ignorarem a gratidão devida ao construtor da casa, que é lugar do seu trabalho e sustento, ou porque a imagem grandiosa do Sacerdote exemplar e Educador de várias gerações ofusca o seu ego e a sua administração insensível e economicista, não tiveram uns minguados euros para anunciar aos antigos alunos e professores, espalhados pelo mundo, a morte do grande e inigualável Mestre e ex-Director do Colégio de Gaia. Indiferente às paixões dos homens e aos ventos da história, a monumentalidade das instalações e o período áureo de ensino e de educação do Colégio são marcas indeléveis da valiosíssima acção educacional e espírito empreendedor do Padre Manuel Valente de Pinho Leão, que será para sempre recordado por antigos alunos e professores com muita saudade e veneração.


À memória do Sr. Padre Manuel Leão Domingos A. Moreira*

Sobre a rica personalidade do Sr. Padre Manuel Leão, dada à partida a impossibilidade dum conhecido objectivo profundo, seja a respeito de quem for, acontece que a minha fonte de conhecimento, apesar da carga subjectiva que possa comportar, é bastante fragmentária e cronologicamente descontínua. Só quem tenha tido conjuntamente a mesma vida de magistério como foi a dele, é que estará nas condições ideais para nos traçar um bom quadro biográfico da sua personalidade como pessoa e como padre. Quanto a mim, em 1948 – 1949, nos meus 15/16 anos, fui seu aluno no Seminário diocesano de Trancoso (Vila Nova de Gaia) no 3º. Ano de Preparatórios na disciplina de Língua Portuguesa. A impressão geral que me deixou era a de uma pessoa que só sabia dizer o preciso, o mais importante e o mais significativo da disciplina em causa, o que revela a sua cultura profundamente humanista como era timbre dos seminários da época em que os frequentou e donde alunos, que tendo desistido de seguir a carreira eclesiástica, vieram a ser na sociedade valores em vários aspectos mercê dessa cultura recebida. O meu segundo contacto, um tanto posterior e mais rico *Abade de Pigeiros. Faleceu a 10 de Janeiro de 2011.

ainda, foi na residência paroquial de Oliveira do Douro onde era pároco um seu tio e donde o Senhor Padre Leão se deslocava para a sua missão de ensino no Colégio de Trancoso contíguo ao referido seminário, além da sua missão de capelão das freiras do Colégio do Sardão situado na mesma freguesia. Lá residi cerca de 3 anos incompletos, primeiramente como pároco auxiliar de seu tio e, após o falecimento deste, como pároco pleno mas provisório, passando o Sr. Padre Leão a ter as funções de Vigário da Vara. É de notar que a missão de magistério que ocupava a maior parte do tempo do Sr. Padre Leão, não o impedia de ajudar nos trabalhos paroquiais tanto de Oliveira do Douro como ainda das freguesias vizinhas. Ora através das suas conversas como também das suas actuações, verifiquei tratar-se duma pessoa que sabia discernir, pela sua experiência e cultura, os aspectos mais significativos e importantes quanto a situações e valores na vida, tendo um conhecimento prático das variantes da psicologia popular e, se tivesse sido pároco, tê-lo-ia sido com muita competência ou, se tivesse acontecido estar à frente do Seminário da Sé, onde esteve o tão apreciado Dr. António Ferreira Pinto, da freguesia de Guisande, naturalmente com uma originalidade diferente mas também elevada, relacionada evidentemente com as diferenças da época dum e doutro, teria sido excelente. As férias que aproveitava para conhecer a Europa, aumentavam cada vez mais o seu substrato cultural, actualizando-se cada vez mais na problemática contemporânea.

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Com a minha vinda em 1961 para Pigeiros, o convívio passou a ser ocasional, quando me convidava várias vezes no ano para almoçar com ele na sua casa no lugar do Outeiro (em Milheirós de Poiares) em que também vivia o seu sobrinho, hoje bispo auxiliar de Lisboa, D. Carlos Moreira de Azevedo. As conversas nestas ocasiões eram normalmente de bom cunho cultural quer na vertente da vida humana como religiosa. Finalmente devo acrescentar que o Sr. Padre Manuel Leão, depois da sua aposentação, teve uma velhice muito feliz, pois, para além duma Fundação que criou além do seu interesse pelo Santuário do Monte da Virgem, tinha um centro de interesse para si, dedicando-se à investigação histórica, colaborando em revistas culturais, entre elas esta da Villa da

Feira, tendo-me ele fornecido até achegas bibliográficas de grande interesse. Num livro que publicou sobre o Padre Luís, venerado como santo pelo povo de Oliveira do Douro, soube traçar com mão de mestre as tendências mais significativas que se cruzaram nos inícios da vida deste padre, benemérito da instrução e do bem-fazer, perpetuado ainda hoje na freguesia pela continuação da sua obra assistencial além das suas funções de capelão das referidas freiras e fundador do Santuário do Monte da Virgem. Os 90 anos de vida do Sr. Padre Leão não foram descontínuos nos aspectos de ideais mas foram sempre unidos por uma óptima coerência humana, cristã e sacerdotal.

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Santuário do Monte da Virgem - Freguesia Vilar de Andorinho - Vila Nova de Gaia. Esta foto pertence à Galeria de fotos de jmsbastos


Evocação do Padre Manuel de Pinho Leão Francisco Barbosa da Costa*

O Padre Leão, como era conhecido em Vila Nova de Gaia e na região, nascido em 26.8.1920, falecido em 25 de Setembro de 2010, era natural de Milheirós de Poiares, filho de Manuel Leite de Pinho Leão, proprietário rural, jurado e membro efectivo da Junta de Freguesia durante décadas, e de Laura de Pinho Valente. Passou a infância na sua terra natal, onde frequentou a escola primária local. Fez os estudos secundários nos seminários diocesanos do Porto - Curso Filosófico e Teológico. Fez exames ad-hoc para a docência do ensino secundário. Fundou a Associação Paroquial de Oliveira do Douro, em 1943. Foi Director do Colégio de Gaia, Juiz da Confraria do Santuário do Monte da Virgem, Co-Fundador da Escola Profissional de Gaia e do Instituto Politécnico de Gaia, da Fundação Padre Luís e da Caixa Agrícola de Vila Nova de Gaia. Criou a Fundação com o seu nome que se dedica à *Investigador e Mestre em História Moderna

edição de várias obras, designadamente de carácter histórico e educativo. Enquanto Director e professor do Colégio de Gaia, desenvolveu notável trabalho, no domínio da criação e melhoria de instalações para actividades multidisciplinares, ficando indelevelmente ligado a este estabelecimento de ensino de referências no concelho.

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Deixou várias obras didácticas inéditas de Português e de Inglês e um dicionário de língua inglesa. Frequentador assíduo de quase todos os arquivos e bibliotecas portuguesas, designadamente o Arquivo Distrital do Porto, da Casa do Infante, da Biblioteca Pública Municipal do Porto era permanentemente requisitado por outros investigadores para resolução de dúvidas e para abertura de pistas. Sacerdote exemplar, pedagogo estimado, cidadão empenhado na vida colectiva, homem de rasgados horizontes, como se comprova pela sua diversificada intervenção cívica, investigador probo, deixou uma marca indelével junto de todos com quem privou. Tive a honra de pertencer ao grupo de pessoas que com ele privava, sobretudo por causa de interesses comuns na investigação histórica, onde sempre pude contar com a sua total e permanente disponibilidade para partilhar conhecimentos e aspectos ligados à investigação. Dele se pode dizer que teve uma vida longa, totalmente preenchida, ao serviço dos outros, usando sempre uma linguagem enxuta, pouco adjectivada, mas repleta de conteúdos significantes. Melhor do que as minhas palavras, fica o testemunho de D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa, e seu sobrinho, na sua missa de corpo presente: “Sabemos como era tão austero na sua vida pessoal, sabemos como trabalhou até ao limite das suas forças, sentido nos últimos meses. Não deixou as coisas como estavam nas tarefas que desempenhou: empreendeu, arriscou, foi adiante. Tendo qualidades de gestor à moda antiga, com firmeza de opções, multiplicou os bens pessoais e sobretudo das instituições que serviu na diocese do Porto. Muitos puderam recorrer à sua ajuda, com sensibilidade muito profunda pelo esforço dos outros, nos combates difíceis da vida. A sensibilidade pragmática do seu viver conduziu também à criação da Fundação Manuel Leão, à qual legou os seus bens. Continuará certamente a proporcionar a muitos o incentivo para melhorarem a educação, a investigação e as condições de vida”. Tem uma vasta obra publicada em edições autónomas, designadamente: A Arte em Vila Nova de Gaia, Fundação Manuel Leão, Vila

Nova de Gaia, 2005, Colecção Artes e Artistas; A Cerâmica em Vila Nova de Gaia, Fundação Manuel Leão, Vila Nova de Gaia, 1999, Colecção Artes e Artistas; A Cerâmica saída da Barra do Douro, Fundação Manuel Leão, Vila Nova de Gaia, 2007, Colecção Artes e Artistas; Artistas Antigos do Porto, Fundação Manuel Leão, Vila Nova de Gaia, 2002, Colecção Artes e Artistas.

Fundação Manuel Leão.


Publicou também diversos trabalhos na Revista Museu, sobre questões artísticas:

O Brasil e os artistas portuenses nos séculos XVII e XVII. Museu. 4 (1994) 45-80;

Uma Família Portuense de Escultores, Museu. 4 (1993) 129-134);

Domingos Lopes, artista e empresário, Museu 4 (1996). 73-107;

Arte Flamenga no Porto seiscentista, Museu 4 (1994). 7-16;

As Relações Culturais do Porto com a Galiza no século XVII, Museu 6 (1997). 75-109;

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Monumento ao Padre Manuel Leão no Colégio de Gaia.


O Brasil e a Arte Portuense entre os fins do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX, separata do Museu 6 (2000). 309-229; Escreveu ainda, entre outros trabalhos: Livros, Livreiros e Impressores do século XVIII. Humanística e Teologia. 20 (1999). 61-123, e um trabalho monográfico sobre o Padre Luís.

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Foi um dos colaboradores mais assíduos e brilhantes do Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia que, para além de muito o enriquecerem, tem servido de base e de apoio a muitas obras de investigação publicadas, no concelho e na região. Publicou cerca de 80 artigos no Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia, versando aspectos da história local, de actividades económicas, ao longo dos últimos séculos, aspectos patrimoniais civis e religiosos, notas biográficas de personalidades marcantes da vida comunitária do concelho e da região, história e aspectos diversos da cerâmica local e regional, aspectos toponímicos, para além de outros domínios, sempre baseados em cuidadosa investigação.

O teatro nas festas no século XVIII, vol. 5, n.º 31 (Julho de 1991), pp. 17-24; Estalagens de Gaia, vol. 5, n.º 31 (Julho de 1991), pp. 43-46; Notas sobre a olaria Gaiense no século XVII, vol. 5, n.º 32 (Dezembro de 1991), pp. 21-24; Ermitões e Ermitoas, vol. 5, n.º 32 (Dezembro de 1991), pp. 49-51; Artífices Gaienses no século XVIII, vol. 5, n.º 33 (Junho de 1992), pp. 18-24; Carpinteiros de Vila Nova de Gaia no século XVIII, vol. 5, n.º 33 (Junho de 1992), pp. 50-53; Os ferreiros de Gaia no século XVIII, vol. 5, n.º 34 (Dezembro de 1992), pp. 10-12; A fábrica cerâmica do Cavaquinho e João Bernardo Guedes, vol. 5, n.º 34 (Dezembro de 1992), pp. 51-56;

Moinhos negreiros de Quebrantões, vol. 3, n.º 23 (Novembro de 1987), pp. 46-47;

Fontes antigas de Santa Marinha, vol. 5, n.º 35 (Junho de 1993), pp. 10-14;

O ribeiro de Quebrantões e seus moinhos, vol. 4, n.º 27 (Setembro de 1989), pp. 44-45;

Oleiros quinhentistas de Vila Nova, vol. 5, n.º 35 (Junho de 1993), pp. 47-52;

Um jornal – Uma polémica, vol. 4, n.º 28 (Dezembro de 1989), pp. 33-36;

Artistas Gaienses do século XVII, vol. 6, n.º 36 (Dezembro de 1993), pp. 24-26;

Os Judeus em Gaia, vol. 4, n.º 28 (Dezembro de 1989), pp. 59-62; O padre Luís, jornalista, vol. 4, n.º 29 (Junho de 1990), pp. 30-32;

Artistas Gaienses do século XVIII, vol. 6, n.º 36 (Dezembro de 1993), pp. 55-57; A construção naval nos séculos XVII e XVIII, vol. 6, n.º 37 (Junho de 1994), pp. 27-32; vol. 6, n.º 38 (Dezembro de 1994), pp. 15-20;

A olaria em Gaia no século XVIII, vol. 4, n.º 29 (Junho de 1990), pp. 56-59; Os Judeus portugueses e Pasternak (Num centenário), vol. 5, n.º 30 (Dezembro de 1990), pp. 18-24;

O vidro no termo do Porto, vol. 6, n.º 38 (Dezembro de 1994), pp. 45-52; O avô de Garrett: José Bento Leitão, vol. 6, n.º 39 (Junho de 1995), pp. 7-11;


Os painéis da Igreja de Santa Marinha, vol. 6, n.º 40 (Dezembro de 1995), pp. 3-6;

Garrett, inspector dos teatros, vol. 8, n.º 48 (Julho de 1999), pp. 27-33;

A olaria Vilanovense no século XVII, vol. 6, n.º 40 (Dezembro de 1995), pp. 37-48;

Teixeira Lopes e a Sociedade Portuense de Bellas Artes, vol. 8, n.º 49 (Dezembro de 1999), pp. 19-25;

Convento de Corpus Christi: notas históricas, vol. 6, n.º 41 (Junho de 1996), pp. 11-22;

Gaia e a Associação Católica do Porto, vol. 8, n.º 49 (Dezembro de 1999), pp. 52-54;

Aspectos da toponímia de Santa Marinha, vol. 7, n.º 42 (Dezembro de 1996), pp. 3-7; Influência da prática religiosa em Santa Marinha, vol. 7, n.º 42 (Dezembro de 1996), pp. 15-16;

Notas dispersas de Avintes, vol. 8, n.º 50 (Junho de 2000), pp. 17-22;

As quintas de Gaia e Vila Nova, vol. 7, n.º 42 (Dezembro de 1996), pp. 22-24; A telha e o tijolo no concelho de Gaia, vol. 7, n.º 43 (Junho de 1997), pp. 25-29; Quintas antigas de Oliveira do Douro, vol. 7, n.º 44 (Dezembro de 1997), pp. 15-21; vol. 7, n.º 45 (Junho de 1998), pp. 43-50 A fábrica de cerâmica do Monte do Cavaco, vol. 7, n.º 44 (Dezembro de 1997), pp. 65-71; Santa Marinha: notas de história, vol. 7, n.º 45 (Junho de 1998), pp. 63-66; Abades de Mafamude, vol. 7, n.º 46 (Dezembro de 1998), pp. 13-16;

O Senhor do Padrão, vol. 8, n.º 50 (Junho de 2000), pp. 64-66; A Quinta dos Frades: brilho e sombra, vol. 8, n.º 51 (Dezembro de 2000), pp. 3-5; Padre André de Lima, um polemista, vol. 8, n.º 51 (Dezembro de 2000), pp. 41-45; Os barbeiros sangradores e técnicos de saúde de Gaia, vol. 8, n.º 51 (Dezembro de 2000), pp. 60-63; Camilo, jornalista portuense, vol. 8, n.º 53 (Dezembro de 2001), pp. 5-7; Kingston e a sua visão de Gaia, vol. 8, n.º 53 (Dezembro de 2001), pp. 33-36;

O Arcediago de Oliveira do Douro, vol. 7, n.º 46 (Dezembro de 1998), pp. 36-42;

O castelo Garcia d’Ávila, vol. 8, n.º 53 (Dezembro de 2001), pp. 54-56; Ingleses em Gaia nos fins do século XIX, vol. 9, n.º 54 (Junho de 2002), pp. 3-4;

Mafamude: aspectos históricos, vol. 7, n.º 46 (Dezembro de 1998), pp. 54-56;

Avintes e a guerra de sucessão de Espanha, vol. 9, n.º 54 (Junho de 2002), pp. 39-40;

O rio Douro e as ruas de Gaia, vol. 7, n.º 47 (Junho de 1999), pp. 23-29;

Protecção aduaneira às cerâmicas, vol. 9, n.º 55 (Dezembro de 2002), pp. 11-14;

Oliveira do Douro: a pesca e o lazer, vol. 7, n.º 47 (Junho de 1999), pp. 40-44;

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Os Pasquins, vol. 9, n.º 55 (Dezembro de 2002), pp. 36-

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A fábrica de cerâmica do Senhor de Além, vol. 9, n.º 56 (Junho de 2003), pp. 47-50;

Pedreiros, obras e abóbadas, vol. 10, n.º 62 (Junho de 2006), pp. 37-46: il.

Uma escola profissional de cerâmica, vol. 9, n.º 57 (Dezembro de 2003), pp. 11-15;

Uma família inglesa, vol. 10, n.º 63 (Dezembro de 2006), pp. 23-25: il.

Jerónimo Rossi: apontamentos, vol. 9, n.º 57 (Dezembro de 2003), pp. 30-32;

Pedreiros, obras e abóbadas, vol. 10, n.º 63 (Dezembro de 2006), pp. 42-54: il.

O Padre Luís: no rescaldo duma homenagem, vol. 9, n.º 58 (Junho de 2004), pp. 36-39;

A capela da Senhora da Piedade, vol. 10, n.º 64 (Junho de 2007), pp. 8-10;

Ecos do terramoto de 1755, vol.10, n.º 60 (Junho de 2005), pp. 11-12;

Oleiro e familiar do santo ofício, vol. 10, n.º 64 (Junho de 2007), pp. 49-50;

Rocha Soares: três gerações de Ceramistas, vol. 9, n.º 58 (Junho de 2004), pp. 6-12;

Ingleses em Gaia, no século XVIII, vol. 10, n.º 65 (Dezembro de 2007), pp. 33-46;

Um projecto de fusão industrial, vol.10, n.º 60 (Junho de 2005), pp. 33-36;

A fábrica de cerâmica de Massarelos, vol. 11, n.º 66 (Junho de 2008), pp. 16-23: il.

Uma família de ceramistas, vol. 9, n.º 56 (Junho de 2003), pp. 14-19;

Gaia e o Aqueduto de Vila do Conde, vol. 11, n.º 67 (Dezembro de 2008), pp. 5-7: il.

Os Ingleses e Gaia, vol. 8, n.º 52 (Junho de 2001), pp. 17-20;

Nótulas de cerâmica, vol. 11, n.º 70 (Junho de 2010), pp. 41-46: il.

Ermitões e Ermitoas, vol. 8, n.º 52 (Junho de 2001), pp. 40-42; A fábrica de cerâmica da Fervença, vol. 9, n.º 59 (Dezembro de 2004), pp. 15-18; O Brasil e os nossos artistas, vol. 9, n.º 59 (Dezembro de 2004), pp. 54-56; A escola do Padre Luís, vol. 10, n.º 61 (Dezembro de 2005), pp. 9-10: il. Aspectos da arte de fundir estátuas em Gaia, vol. 10, n.º 61 (Dezembro de 2005), pp. 37-39: il. Quebrantões e a Quinta do Vale da Glória, vol. 10, n.º 62 (Junho de 2006), pp. 29-30: il.

Nesta publicação, editada no seu concelho de naturalidade, expresso a minha sentida e profunda homenagem a este Sacerdote dedicado e Cidadão empenhado que tornou mais ainda vasta a sua longa vida, repleta de sinais, de testemunhos e de empenhamentos exemplares.


Nota da redacção:

Trabalhos publicados na Revista Villa da Feira:

• Doutor Guilherme Moreira, Ilustre Feirense 4 / 29. • Obras no Castelo. 5 / 51. • Mensagem. 6 / 5. • Mercadores de Vinhos da Feira. 6 / 27. • A Propósito da Segunda Invasão Francesa. 7 / 53. • Segunda Invasão Francesa e o Comércio Marítimo. 8 / 47. • No Rescaldo das Invasões Francesas. 9 / 77. • Agradecimento. 10 / 41. (Homenagem ao Padre Manuel Leão em Santa Maria da Feira). • Um Enfiteuta Britânico em Milheirós. 10 / 49. • Portugal visto por Estrangeiros. 11 / 113. • D. Sebastião Resende - Uma Evocação no seu Centenário. 12 / 19. • A Pirataria Norte-Africana no século XVII. 13 / 97. • Notas Camilianas. 14 / 69. • Estalagens e Tendas. 15 / 47. • A Luta Anti-Francesa. 16 / 45. • Cónego Ferreira Pinto, um Feirense a lembrar. 17 / 71. • A importância do comércio em Arnelas. 18 / 75. • Os Pinhos de Milheirós. 19 / 37. • Aspectos Históricos de Arnelas. 20 / 131. • O Bloqueio Continental e as Invasões Francesas. 21 / 29. • O Dr. Crispim. 22 / 49. • Aspectos do corsarismo durante o Governo Filipino. 23 / 125. • Clero antigo de Milheirós de Poiares. 24 / 67. • Arrifana e a sua História. 25 / 145.

Trabalhos publicados sobre o autor na Revista “Villa da Feira” • Homenagem ao Padre Manuel Leão em Santa Maria da Feira 23/12/2004. 10/37. • Um Feirense Ilustre. 10 / 43. • Efemérides - Padre Manuel Leão. 10 / 121. • Morreu o Senhor Padre Manuel Leão. 27/5 • Padre Manuel Leão, vida ao serviço do bem comum. 27/13. • Padre Manuel de Pinho Leão, um Mestre e Educador notável. 27/19 • À memória do Senhor Padre Manuel Leão. 27/29 • Evocação do Padre Manuel de Pinho Leão. 27/31

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Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia, onde o Padre Manuel Leão colaborou assiduamente.


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Matriz de Poesia H. Veiga de Macedo*

Um País: - meio mundo no tamanho; Um perfil e um bater do coração; Um mar de sonho; uns rios p’lo sertão; Uma luz de oiro; um firmamento estranho, Onde as estrelas - feérico rebanho – Ajoelham junto à Cruz do Meridião; Um solo maternal ou vocação De germinar o pão... e o suor do amanho. Um arco-íris no céu, na flor, na asa; Um nome ardendo no rubor da brasa; Um amor, uma fé - a profecia. - Eis a Terra que os meus avós talharam, A cumprir-se, por Deus, como a sonharam, ... E a ser matriz da minha poesia!

São Paulo, 22 de Setembro de 1981

* Poeta. Foi Ministro de Portugal. Faleceu em 25-01-2005


Mรกrio Anacleto

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Rio Meรฃo 01 de Janeiro de 1950 - Ermesinde 08 de Novembro de 2010


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Círculo Vermelho Mário Anacleto*

Da glória nascemos um dia pássaros e répteis do éden de um encontro fortuito ao declinar do sol como se declina um predicado com que se define um sujeito na caverna das almas de cada um onde só a ressonância entoa o hino dos nossos gritos o sal da nossa têmpera o charco de leite que nos embebeda Levanto-me da terra e em riste cravo no céu os meus olhos húmidos de não ver de te não ver, de não me olhar olhos de me perder na eternidade de um azul indecifrável como as ondas de teu corpo no baloiço dos navios que se definem nos meus braços a cada volta deste baile!

Apanhei-te do chão Como se fosses a pérola da noite de uma porosidade tão leve e volátil como brisa clara e pura cristal nunca tocado pela bruma Olho perdido na luz da terra que se ilumina em cada Primavera serena topando em pedras de terra selvagem que sou em cada hora de viver

* Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mestre em História de Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto sob o tema “Arquitectura e Música em S. Bento da Vitória”. Diploma de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional pela Universidade Complutense de Madrid, com o Prof. Dr. António Sanchez Bravo. Doutor em Musicologia e interpretação pela Universidade Nacional de Música de Bucareste. Professor; Cantor; Investigador; Conferencista. Faleceu em 08 de Novembro de 2010.


In Memoriam do Dr. Mário Anacleto Francisco Azevedo Brandão*

Falecido em Ermesinde no dia 8 de Novembro de 2010, vítima de ataque cardíaco fulminante, o Dr. Mário Anacleto foi uma grande perda para a cultura de Santa Maria da Feira e do país. A sua morte foi sentida principalmente em Paços de Brandão, onde constituiu família, viveu profundamente os problemas culturais e sociais da terra que adoptou como sua, tendo fundado, com outros jovens, o Cirac (Círculo de Recreio, Arte e Cultura) e o então semanário «Notícias de Paços de Brandão», assumindo em determinada altura a sua direcção. Mário Anacleto, natural da freguesia de Rio Meão, era licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Mestre de Comunicação Organizacional pela Universidade Complutense de Madrid e era Doutor em Musicologia e Interpretação pela Universidade Nacional de Música de Bucareste, Roménia, com o Prof. Dr. Grigore Constantinescu. Diplomado com o «Curso Superior de Canto do Conservatório de Música do Porto», trabalhou também com Mark Brown (música Antiga), Montsserrat Figueras (Técnica e Interpretação de Música Ibérica), Rudolf Knoll (Técnica e

Interpretação da Ópera), Ré Koster (Interpretação do Lied) e José de Oliveira Lopes (Lied e Ópera). Foi tenor, conferencista, escritor e professor de Filosofia no Colégio de Santa Maria de Lamas e de Música no Conservatório de Música do Porto. Realizou numerosos recitais a solo com Piano, Guitarra, Órgão e com Orquestra, tendo participado em récitas de ópera no Círculo Portuense de Ópera do Porto e tendo desempenhado vário papéis nas Óperas «La Traviata», «Madame Butterfly» , e «Carmen», entre outras. Foi co-fundador e solista do Grupo de Música Vocal Contemporânea, tendo-se apresentado nos Festivais Internacionais de Música de Cascais, Lisboa, Coimbra, Braga, Madeira, Vigo, Córdova, Dresden, Berlim, Leipzig e Bratislava, com obras de Fernando Lopes Graça, Joly Braga Santos e Maurice Ohana. Colaborou com a RTP e a RDP em vários programas de divulgação de cultura musical, gravou para a Tribuna Europeia de Compositores Contemporâneos obras de Joly Braga Santos, para a EMI – Valentim de Carvalho obras de Fernando Lopes Graça e dois CD’s a solo com obras para Canto e Piano de compositores portugueses. Foi director do Conservatório de Música do Porto, de 1994 a 1996, tendo introduzido, no seu mandato, a classe de Jazz, fundando a Banda de Jazz e a Banda Sinfónica do Grupo de Música Antiga e o Quarteto de Saxofones, tendo sido também professor no Conservatório de Música da Maia.

* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.Actual director do «Notícias de Paços de Brandão»).

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Actuou nas cidades romenas de Bucareste e Pitesti, participando também neste país no XVI Festival Internacional de Teatro de Sibiu, na Ilha Terceira nos Açores, culminando na Venezuela com sete concertos em 2009. Publicou três livros: Fado, Itinerários de uma Cultura Viva, Crónica dos Dias Bons e Tango na Madrugada, este em Outubro de 2010.

Recentemente tinha actuado na cidade de S.Paulo, no Brasil, em quatro concertos – no Instituto Baccarelli de Heliópolis, no Espaço Cachuera, na Casa das Rosas e na Beneficência Portuguesa, com grande sucesso. Aquando da sua morte algumas personalidades que o conheceram de perto e com ele trabalharam não quiseram deixar de lhe prestar uma singela mas sentida homenagem através do seu testemunho, registado nas páginas do jornal de que Mário Anacleto foi director e que, em resumo, se transcreve: «Mário Anacleto deixou um contributo inigualável na Cultura feirense. Um contributo marcado pela sua actividade multifacetada que teimava em seguir a Cultura como ideal de transformação da sociedade, transmitindo e partilhando com todas as gerações a sua arte e o seu conhecimento» (Alfredo Henriques, presidente da Câmara de Santa Maria da Feira); «A dinâmica que ainda hoje se sente no Cirac, muito se deve a Mário Anacleto, que a enraizou» (José Manuel Leão, Exvereador da Cultura); «A sua imagem e o seu valor perdurarão para sempre na nossa memória e admiração, também dos vindouros que dele se fale» (Armando Relvas, Ex-colaborador do NPB) «Mário Anacleto foi, sem dúvida, um homem que marcou esta instituição, quer no seu nascimento, quer no seu desenvolvimento» (Manuel Silva, Ex-director do Cirac); «Seria injusto que a nossa terra tão parca em reconhecer os nossos maiores valores o deixasse cair no esquecimento»

Maestro Massimo Scapin e Mário Anacleto.

Fausta Dimulescu e Mario Anacleto.

Mário Anacleto.

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(Joaquim Oliveira Pinto, músico brandoense); «Mário Anacleto jamais será esquecido no Cirac, como um dos seus fundadores e principal dinamizador dos seus primeiros anos de vida» (Carlos Manuel, presidente da Assembleia Geral do Cirac); «Paços de Brandão ficou mais pobre. Indubitavelmente, trata-se de uma figura marcante da história recente da Vila e constará nas listas dos notáveis que prestigiaram e ajudaram a crescer esta terra» (Redacção do NPB); «Mário Anacleto foi sempre uma figura querida, admirada e respeitada dentro da colectividade e do jornal… conhecê-lo, tê-lo como colega de profissão no Colégio de Santa Maria de Lamas e como amigo e colaborador no Cirac e no jornal, foi para nós um grande privilégio que nunca será esquecido. Até sempre, Mário Anacleto!» Brasil. Com coro nativo em Concerto. Fado e Bossa. 43

Fado virgem.

Coimbra.


Tango na Madrugada, o seu último livro, que teve a bondade de me oferecer no dia que Rotary Clube da Feira tornou meu, fez que no meu coração a Dor e o Prazer ficassem a morar lado a lado.

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A implantação da República Alocução proferida na Câmara Municipal da Feira, em 5 de Outubro de 2010 Eugénio dos Santos*

Todos os que hoje aqui nos reunimos, para evocarmos a proclamação da República, nascemos, vivemos e morreremos no quadro desta nova moldura política, escolhida e legada ao futuro de Portugal, precisamente há cem anos, pelos nossos antepassados. Nesse dia, finava-se ruidosamente o regime monárquico, sob o qual os portugueses haviam convivido durante mais de oito séculos e construído o núcleo essencial dos valores da nossa identidade colectiva. Demarcáramos e havíamos consolidado as fronteiras continentais face aos nossos vizinhos ibéricos, levantando castelos e praças fortificadas, trabalhámos e organizámos o nosso território, assentámos os fundamentos da nossa economia, fomos definindo o nosso estilo de vida através de instituições que moldaram a nossa sensibilidade, o nosso pensamento, as nossas crenças e que nos foram tornando semelhantes, mas também diferentes dos outros europeus. A monarquia, que fora o símbolo máximo e sede da legitimidade do poder político, tombou exangue, passando o testemunho e o encargo do comando da grei para a República. *Prof. Catedrático Jubilado da Universidade do Porto.

No plano temporal, todos somos republicanos, pois a nossa personalidade de base assenta nos valores e nos modelos institucionais que o novo figurino político nos impôs, desde o berço. Uma questão se nos impõe desde logo. Foi essa mudança de 5 de Outubro de 1910 a mola impulsionadora para o nosso desenvolvimento, como prometiam os republicanos de então, ou, ao contrário, ela feznos mergulhar num clima político-institucional de divergências, de lutas fraticidas e de ódios conducentes a erros sucessivos, que ainda nos apoquentam? Não podemos ignorar que o que hoje somos resulta do que herdámos, do que éramos, mesmo antes de nascer. Por isso é salutar reflectir, cada um a seu modo e a seu nível, sobre o que fomos e aquilo que, eventualmente, desejaríamos ter sido. Não se trata de julgar. A História nunca pretendeu arvorar-se em tribunal do passado. Não. A sua vocação é mais nobre e prospectiva. Ela almeja compreender, explicar, enquadrar racionalmente os comportamentos humanos, fornecendo aos leitores ou aos ouvintes elementos de análise, de comportamentos, esses sim, desejáveis ou evitáveis, em função dos interesses pessoais ou nacionais. A República, sobretudo a partir de hoje, estará aí, patente aos olhos de todos e merecerá os mais variados juízos e comentários, tanto no que se refere aos seus erros e omissões, como às suas virtudes. A tal se dedicam os analistas e pretensos formadores da opinião pública. Não é esse o nosso desígnio, neste momento. Preferimos olhá-la

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com atenção, desvendar-lhe alguns ideais de base e, quiçá, creditar-lhe algumas realizações dignas de registo. Deixemos que outros a julguem globalmente, estabelecendo, porventura, o paralelo entre o que ela prometeu, à partida, e o que foi oferecendo, ao longo do tempo. Hoje é dia de festa e, portanto, não devemos ser nós a manchar-lhe a reputação, embora tenhamos que reconhecer que a chamada 1ª República Portuguesa redundou em sucessivos fracassos que fragilizaram e deixaram perplexa a sociedade lusitana das duas primeiras décadas do século XX. Porém, tal sucedeu mais por inépcia dos republicanos do que por falta de ideais credíveis e desejáveis. Consideremos estes, de preferência. Nesse sentido, interroguemo-nos sobre os fundamentos ideológicos, sobre os valores e ideias, sobre o conceito e o lugar que o homem deveria assumir nesse novo regime político, que vinha a ser trabalhado em Portugal, pelo menos desde 1850. Henriques Nogueira, por essa época, proclamara: “Quisera que num país como o nosso… o governo do Estado fosse feito pelo povo, para o povo, sob a forma nobre filosófica e prestigiosa de República”1. Estava dado o mote que foi sucessivamente glosado pelas futuras gerações. As ideias base assentavam num poder municipal muito forte, na descentralização administrativa, num federalismo dos povos ibéricos, apoiado em associações de interesses locais, que o Estado reconheceria e apoiaria. Contudo, o programa, por ir contra as intenções de um Estado que teria que ser forte, legítimo e bem representativo dos valores do povo, ainda maioritariamente rural, não se concretizou. Quais foram então os ideais triunfantes em 5 de Outubro de 1910? Repetiu-se a tríade que o Iluminismo francês espalhara pelo mundo e que jamais foi posta em causa, no plano teórico: liberdade, igualdade, fraternidade. Um jornal (republicano assumido), daqui da nossa região (A PÁTRIA, n. º 833) perguntava, pela pena de Agostinho Fortes: O que é ser republicano? Eis a resposta: “O trilema Liberdade, Igualdade e Fraternidade, consagrado pelos homens de 1789 e apoteosado pelas gerações romanticas, embora nunca houvesse sido uma realidade, já hoje não basta, o espírito republicano alargou-o, juntando-lhe a solidariedade, em todos os multiplos aspectos da vida colectiva… Assente-se, pois, que o principio básico

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Oliveira Marques, História de Portugal, II, Lisboa, 1978, p. 262

da verdadeira e sã Republica é a solidariedade. Vejamos as condições a que deve subordinar-se o espirito humano, para que possa integralmente dizer-se republicano. A primeira qualidade do republicano é o desinteresse, baseado no espirito de cooperação que vá, sempre que preciso seja, ao sacrificio em prol da colectividade. Esse desinteresse manifesta-se e afirma-se praticamente pelo combate contra todas as extorsões, pela luta contra todos os abusos representativos de ataque aos inauferiveis direitos de cada um e de todos, pela defesa intransigente e incansavel de todos os que injustamente sofrem e são esmagados pela mais descaroavel plutocracia que, qual monstro fabuloso e insaciavel, suga toda a vitalidade, trilha e tritura todas as energias das classes desprotegidas da fortuna, condenadas, até hoje, a saciarem a gula sempre expectante do capital estiolador. Nestas condições, o republicano, desde o simples e modesto cidadão que na labuta cotidiana aufere os recursos indispensaveis à existencia, até o que, por circunstancias ocasionais e transitórias, exerça as mais altas funções públicas, não pode, nem deve, de longe sequer, ter relações directas ou indirectas com empresas, sindicatos, trusts ou cartels, cuja mancha só pode ser desafogada, quando toda a massa trabalhadora, intelectual ou mecânica, seja aniquilada em prol dos seus interesses. O republicano, no campo economico, tem de porfiar pela justa e equitativa repartição da riqueza, pelo derramamento da melhoria das condições de vida por todos os individuos, assegurando, e impondo tambem, a estes o trabalho util e proficuo, que redunde em progresso e comodidade de todo o organismo social. A não ser assim, quem se disser republicano não passa de serventuario do capitalismo absorptor e de cumplice do mais temeroso crime que a plutocracia dementada podia ter gisado e realisado. A segunda qualidade fundamental do republicano é a tolerancia, a qualidade admiravel que só a luz clara da inteligencia, na sua posse plena e na sua expansão natural, pode dar. O republicano, digno desse nome, não deve ser um perseguidor e, muito menos, um carrasco. Servir-se do mando, da autoridade, do poder que a colectividade delega, para torturar por morbidez ética, os que não pensam como ele, ou os que lhe discutem, lealmente e com boa vontade, os actos, não é próprio de republicano, porque representa a negação absoluta do republicanismo. Não vá, porêm, confundir-se tolerancia com indiferença ou transigencia. São cousas muito diferentes: o homem tolerante, o republicano, combate o erro, onde quer que o julgue existente; terça armas contra a


injustiça e contra a hipocrisia sempre, e infelizmente tantas vezes o facto se dá, que ousem afrontar a sociedade; mas por tudo isso exerce essa acção, verdadeiramente benefica e moralisadora, não pela força bruta e inconsciente da pressão material da violencia, mas pela razão, pelo convencimento e, muito especialmente, pelo exemplo da abnegação, do desinteresse e do respeito por tudo quanto represente um direito legitimo. Ás qualidades já enunciadas outras acrescem, cujo desenvolvimento se não amolda aos limites forçadamente restrictos dum jornal; mas tanto elas se impõem por si, que basta enumera-las. Além do desinteresse, da abnegação e da tolerancia, as outras caracteristicas do republicano são o amor ao trabalho, o culto da honra, o amparo aos fracos, o ressurgimento das forças morais do homem, o amor por todos os homens e a realização da paz pelo exterminio das ambições e consciencia do humanitarismo. Será necessario para tanto ser-se um anjo? Não, basta ser homem e ser republicano consciente”. Contudo, a própria monarquia já adoptara muitos destes princípios, desde a revolução liberal de 1820. Agora, a questão não se cingia aos conceitos. Queria avançar-se mais nos conteúdos. Isto é, os princípios continuavam, mas era vital traduzi-los em práticas sociais efectivas. Esse é que era o verdadeiro problema. O que mobilizava, então, tão entusiasticamente os republicanos desde a última década do século XIX, na sequência do Ultimatum inglês de 1891, o qual arruinara o prestígio da monarquia? Antes de mais, um nacionalismo exaltado, baseado num sentimento patriótico. A nação era constituída pelos “heróis do mar”, o povo era nobre e valente, estava unido e pronto a ombrear com as grandes potências. Ora isso implicaria, claro, que fosse de novo levantado o esplendor de Portugal, como refere, aliás, a letra de A Portuguesa, hino nacional adoptado a partir de então. Depois – e note-se bem – os mentores da República batiam-se pela defesa intransigente dos territórios das colónias, consideradas parte integrante da nação. O 1º Ministro dos Negócios Estrangeiros do Novo Regime, Bernardino Machado, “considerava as possessões ultramarinas um património tão sagrado como a mãe pátria”2. Salazar adoptaria o mesmo lema 50 anos depois. No plano estritamente político, os corifeus da República 2

Oliveira Marques, Ensaios, Lisboa, 1988, p. 31.

desejavam acabar com tudo o que pudesse ser visto como um resquício da monarquia: procedeu-se ao banimento do rei, colocando-se ponto final na dinastia, apagava-se definitivamente o funcionamento da corte, atacavam-se os privilégios da aristocracia tradicional. Todos os monárquicos eram olhados como reaccionários, provocando a desconfiança pública, bem como a hierarquia católica, considerada ultramontana. Há muito os simpatizantes do socialismo e da república vinham a atacar de frente o clero conservador, designadamente o das ordens religiosas, destacando-se dentre todas estas a dos Jesuítas. Republicanismo e anti-clericalismo, anti-jesuitismo e anticurialismo romano tornaram-se sinónimos. O clero passou a ser denunciado como elemento de formação tendenciosa das consciências e como força nociva de pressão, actuando desde o interior das famílias. Aliás, o positivismo triunfante ao qual aderiu a maioria dos intelectuais da República, trabalhados sobretudo pela maçonaria, propunha-se substituir o oratório pelo laboratório, ou seja, a religião pela ciência. O catolicismo obediente a Roma teria que ser denunciado como reaccionário e inimigo e, portanto, urgia desautorizálo e combatê-lo ao mais alto nível. Foi o que tentou pôr em prática, com toda a violência, o radical Afonso Costa. Para além disso, a democracia devia alargar-se a todos os quadrantes e apoiar-se em eleições frequentes. Todo o povo deveria votar, alargando-se o universo participativo a todos os cidadãos. A tendência seria mesmo vir a atingirse uma sociedade sem classes. O tal governo do povo, pelo povo e para o povo estava no horizonte. Contudo, o grande problema de base era o nível de educação desse mesmo povo. Era preciso que ele se tornasse consciente das suas decisões e, por isso, teria que estar alfabetizado, para poder ler, compreender racionalmente o seu papel social e, desse modo, decidir acertadamente. O objectivo último consistia no banimento definitivo dos antigos caciques políticos. As assembleias de base, as juntas de paróquia, as associações, escolheriam os seus representantes, por votos da maioria. Apelava-se à igualdade entre os sexos e também entre os membros da própria família. Os republicanos associaram-se cedo em ligas, em clubes, em agremiações mutualistas e procuraram aplicar esse princípio ao próprio partido republicano. A organização deste deveria ser forte e idêntica em todo o país. Os mais genuínos republicanos sonhavam com um partido único – o P.R.P. – forte, centralizado, abarcando diferenças e tendências, mas

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apenas internamente. Foi uma espécie de escândalo político o fraccionamento, quase imediato, do partido em três alas: a de Afonso Costa, a de Brito Camacho e a de António José de Almeida. Enfim, a República deveria ainda dar liberdade a cada região do país para se associar e se governar como entendesse (os municípios juntos por consenso constituiriam a província). Digamos, por último, que os republicanos se orgulhavam de obedecerem a uma ética muito própria, que se resumia em perspectivar sempre “o bem da grei”, como afirmou António Sérgio, Ministro da Instrução. E dava um exemplo, a partir da sua área governativa. “Que se deve entender por democratização ou republicanização do ensino? É ter escolas onde se pregue a democracia e a república? Não: é ter escolas onde se adquirem aqueles hábitos, aquelas maneiras de proceder, que devem caracterizar o cidadão republicano”3. E Afonso Costa dá outro exemplo, em 1912, dessa ética republicana. Ei-lo: “Eu felizmente encontrei um chefe da repartição de contabilidade no ministério da Justiça que tem justamente o critério que se deve ter, e que é uma boa administração democrática, qual é a de se gastar só o indispensável. Mas os burocratas, tomados no seu conjunto, têm esta famosa interpretação que é, desde que há uma verba, é preciso gastar-se, quando o critério a seguir é que, sendo preciso gastar, se gaste, mas não se gastar tudo só pelo facto de haver verba […] É claro que esta moral, que é a moral republicana, se vai conseguindo, pouco a pouco, mas o que é necessário é tê-la sempre no nosso espírito”. Como será fácil deduzir do que fica referido, para muitos dos mais convictos republicanos de 5 de Outubro de 1910, o novo regime assimilava-se a uma Religião inovadora, a um meio de operar o milagre de mudar a antiga sociedade monárquica, considerada injusta, corrompida, desigual, autoritária. A esse propósito e como curiosidade significativa, ouça-se o credo da nova religião4, transcrito de um jornal do Porto: “Creio na Deusa Natureza, toda-poderosa, criadora da Terra Lusitana: e na República, uma só sua filha, nossa Senhora; a qual foi concebida por Espírito Revolucionário; nasceu na cidade de Lisboa, padeceu sob o poder da monarquia tirana; foi crucificada, morta e sepultada em trinta e um de Janeiro de mil oitocentos e noventa e um; desceu

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Cf. Oliveira Marques, Ensaios, cit. p. 34. João Medina, História de Portugal, vol. X, Lisboa, 1990, pp. 33-34.

às masmorras do jesuitismo; em cinco de Outubro de mil novecentos e dez ressurgiu do martírio; subiu ao poder; está sentada à mão direita do Povo soberano, todo poderoso, de onde julgará os vivos e os mortos, mártires e traidores da Pátria. Creio na República Portuguesa. Na Igreja da Honra e da Moralidade. Na comunicação do Povo. Na remissão da dívida. No arrependimento de trânsfugas e farsantes. Na ressurreição da Pátria. Na vida eterna da Ordem e Trabalho. Ámen. Porto, V-X-MCMX. António Joaquim Pereira.” Os republicanos de 1910 transferiram os seus ideais messiânicos e escatológicos para o novo regime, assimilandoo a uma nova fé, acreditando numa transformação espiritual do povo, baseada no cidadão consciente e no civismo colectivo. O citado jornal A PATRIA, em 13 de Outubro de 1910, escrevia, em editorial: “está implantada a república, resta agora tirar dela todas as consequências de paz, de avance, de prosperidade, de dignificação e civismo que constituem a finalidade esplendorosa da nossa fé”. Enfim, tudo isto se deveria esperar a curto prazo. Mas…, decorria o tempo e o país continuava na mesma. O povo mostrava boa vontade, mas sobressaía a sua ignorância, o seu imobilismo, a sua incapacidade para mudar. E foi esse mesmo povo que foi perdendo a fé republicana…, a começar por quem fez o 5 de Outubro. Ouçamos o depoimento eloquente de alguns militares que fizeram a revolução desse 5 de Outubro e que foram entrevistados um ano depois, perguntando-se-lhes que é que lhes parecia o regime que, com a sua coragem, ajudaram a implantar: Quem os entrevistava foi Joaquim Moreira, formado em Direito, republicano e distinto jornalista. Eis o que escreveu: José Carlos Maia: “… só cumpri ordens de serviço. (…) Mas cumpri-as, e, por muitos anos que viva, parece-me que não viverei os precisos para expiar o nefando crime de, por as ter cumprido o melhor que sabia, ter concorrido para se fazer uma República como essa que no Terreiro do Paço tão mal amanharam… Por muitos anos que viva… a não ser que se comece a pensar em fazer outra. Porque não era nada disto, amigo, não era nada disto… Mas, se se fizer outra,


como já se tem experiencia, deve ficar boa, deve ficar limpa… E parece-me que será preciso fazê-la para assim expiarmos todo o nefando crime de ter ajudado a fazer esta…” Bento Vaz, valentíssimo artilheiro: “Mas a República não é nada daquilo que pensava e se soubesse que era para isto… não era o filho de meu pai que arriscava a pele… Mas fiquese com esta: Se lhe bulirem, se a quiserem deitar abaixo, quatro peles que tivesse, arriscava-as outra vez”. Porfírio Rodrigues: “Escreva: se eu soubesse que a República que tinha idealizado era a porca que me saiu, não me tinha arriscado, não me tinha sacrificado, como me sacrifiquei…” Franklim Lamas: “E agora? Agora é tudo diferente do que eu julgava… É uma República do avesso… Voltaram-ma, como um alfaiate volta um casaco… Sei que é a minha, mas não a conheço… Defeito dela? Não. Más artes dos alfaiates que ma viraram do avesso…” José Fernando Soares: “Nos primeiros dias, quando vi os empregados a ir às dez horas prà repartição, todos a trabalhar com azáfama e desinteresse, tive esperanças no futuro. Passados meses, julguei que estava tudo perdido, por ver a luta desenfreada de interesse e vaidades que se desencadeou: pareciam cachorros a esfrangalhar um trapo velho, cada um, de dente afiado a puxar por seu canto. Hoje, mantenho-me na expectativa. Pró ano direi o resto…” Gomes de Carvalho: “E da República? Se pudesse desmanchava-a para fazer a República que eu julgava que esta seria… E que tinha obrigação de ser… porque não foi para isto que se sacrificaram vidas, que se derramou sangue…” Por fim, ouçamos o cabo Piçarra: “Não é nada do que se queria. Esta não é a nossa República… esta é outra”. Poderíamos multiplicar os depoimentos dos agentes da própria revolução, mirando-a um ano mais tarde. Parecenos ocioso esse exercício, que redundou em amargura e desânimo. As razões profundas para explicar esses sentimentos de desilusão de muitos dos antigos entusiastas contemporâneos, cujas perspectivas de futuro os tornaram pessimistas, radicam naquilo que estava implícito nesta famosa frase de José Relvas, o homem que proclamou a República na varanda da Câmara Municipal de Lisboa, em 5 de Outubro: “o país é para todos, mas o Estado é para os republicanos”. Isto é, daqui em diante, quem manda e usufrui de todas as benesses

do Estado é o P.R.P. Quem está fora do partido só terá de obedecer. Os empregos públicos são destinados apenas aos republicanos. Na verdade, muitos dos antigos funcionários foram logo destituídos ou mandados para longe. Quem quiser ocupar altos cargos terá que entrar na estrutura partidária… Talvez não seja despropositado constatar: já era assim há 100 anos! E para que não houvesse dúvidas, procedeu-se a mudanças súbitas: o símbolo nacional deixou de ser a secular bandeira azul e branca e mudou-se para as cores verde e vermelha, que eram as cores do próprio partido; o hino nacional deixou de ser a Maria Fonte, adoptando-se, a partir de então, o hino da marcha anti-inglesa do tempo do ultimatum (Janeiro de 1890), o qual passou a ser conhecido como A Portuguesa. A moeda deixou de ser o real, sendo substituída pelo escudo, vigorando este até ao euro. Já referimos que a República, como teorizara o seu mais emblemático entusiasta Henriques Nogueira desde os anos de 1850, preconizava um governo do povo, pelo povo e para o povo. Mas… que povo era esse? Comecemos, desde logo, por uma constatação brutal: Portugal albergaria cerca de 6.000.000 de cidadãos, dos quais 75% (ou mais) eram analfabetos. Se considerarmos apenas os maiores de 7 anos, o número desceria para os 69,7%. Ora, para os republicanos, saber ler, escrever e conhecer as quatro operações aritméticas era condição “sine qua non” para o usufruto da cidadania. Não deveria ser considerado um cidadão com todos os direitos aquele que se guiasse pelos juízos de outros, que se comportasse como um súbdito obediente aos grandes interesses, pressupondo-se que eram estes os dos aristocratas, dos caciques e do clero conservador. Portanto, o P.R.P. não podia outorgar-lhe o direito de voto para escolher os representantes do Estado. E na verdade, do 1º sufrágio republicano ficaram excluídos todos os analfabetos, todos os menores e todas as mulheres. Ou seja, votava apenas uma elite, uma franja da população, que entendia poder dispor de tudo o que fosse bem público. Contudo, é justo salientar também que o novo regime pretendeu, desde o início, mudar este estado de coisas. Olhava para a escola como o lugar privilegiado onde deveriam ser incutidos nos espíritos dos jovens, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a solidariedade, a tolerância, a ética e a moral colectivas, numa perspectiva cívica e participativa. No passado, os principais formadores da opinião pública tinham sido os padres, sobretudo nas áreas rurais. Agora esse papel

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de formador de base pertencia à escola laica, ao professor, ao qual deveria ser confiada a modulação dos espíritos jovens, o despertar do juízo crítico, o estímulo à inteligência. Às escolas de agora cabia o papel que, em boa parte, pertencera ao clero outrora. Estas escolas eram olhadas como um sucedâneo das igrejas. Por isso, os republicanos pretenderam mudar rapidamente o panorama escolar do país. Além de muitas mais escolas do que as existentes, urgia encontrar e formar mais professores, os quais optassem por currículos diferentes. João de Deus, ao publicar a sua famosa Cartilha Maternal, em 1876, não só apontava novos métodos para aprender a ler, como incutia nos seus leitores o espírito republicano, cujo ideal político adoptara. O combate à ignorância corria em paralelo com o avanço do usufruto da autêntica cidadania. A mola impulsionadora da transformação da sociedade portuguesa encontrava-se no ensino. A ignorância era vista como reaccionária por natureza!... À distância de 100 anos, parece legítimo interrogarmonos: esteve a República à altura do cumprimento das suas promessas e dos seus projectos neste domínio? A resposta é óbvia: ficou muito aquém. Foram preconizadas e implementadas várias reformas, todas no sentido de abrir as escolas oficiais a todos. Porém, faltavam os meios, ou seja, os professores, o dinheiro para lhes pagar e as instalações adequadas. Continuavam, por isso, a funcionar as particulares, pagas pelas famílias, as quais podiam preparar para se fazer exame numa escola pública e, assim, obter o respectivo diploma! O próprio Estado confessava não ter dinheiro para as abrir e manter em todo o país. A legislação de 1911 previa que todas as crianças entre os 7 e os 10 anos pudessem aceder livremente à instrução pública, que, aliás, era obrigatória, mesmo para o acesso a alguns empregos mais baixos, na função pública. Não obstante, o governo, invocando o princípio da descentralização, confiava aos municípios a organização e supervisão das escolas primárias. E estes não dispunham nem de meios, nem de estruturas administrativas e financeiras para as manter. Voltava a cometer-se novamente o erro crasso da reforma pombalina da instrução pública, inviabilizada por falta de afectação de meios públicos. O erro repetia-se quase século e meio depois. Daí o desfasamento entre a teoria e a prática dos primeiros tempos da República. Alguma coisa se ia fazendo. Porém, pouco. Em 1911 havia cerca de 75% de analfabetos, 70,5% em 1920 e 67,8% em 19305. Quando terminou a vigência da 1ª república Portuguesa, em 1926, havia mais de metade de analfabetos no país, a despeito da

criação de muitas mais escolas. De facto, os republicanos acreditavam que se conseguissem fazer com que todas as crianças passassem pela escola, a República tornar-se-ia no regime que conduziria à felicidade individual e à satisfação colectiva. “A instrução primária era a religião da República”. Na verdade, o Estado como tal tornara-se agnóstico, tentando ser absolutamente laico. Em 1911 aboliu-se todas as referências à religião cristã na vida pública: eliminou-se o ensino da doutrina cristã nas escolas, instituiu-se o registo civil obrigatório para que os nascimentos, casamentos e óbitos deixassem de passar pelas paróquias, portanto, pela Igreja Católica. Para apoiar, de forma sistemática, o combate à ignorância e ao analfabetismo, além de se alargar o âmbito do ensino secundário e do superior, com a criação das universidades de Lisboa e Porto, foi restabelecido o ministério da Instrução Pública, pelo governo de Afonso Costa, em 1913. Neste plano, a República dos primeiros tempos fez um grande esforço. Esperava-se que as escolas, além de ensinarem a ler e a escrever, a contar e a ajuizar com independência, fornecessem aos seus alunos uma educação patriótica, transformando o seu ensino em “cursos de cidadãos”. As crianças, ao sair delas, deveriam tornar-se fanáticas da pátria, cheias de “amor à terra, à paisagem, aos seus produtos, às suas tradições nobres, ao seu pensamento, à sua arte”, como escreveu João de Barros, em 1913, dirigindo-se a Afonso Costa6. Dir-se-ia que, ao menos nesta área, a República fez o que pôde, embora permanecendo muito aquém do que prometera. Comparando-nos com os demais europeus, sobretudo do centro e do norte, cavava-se cada vez mais o fosso que deles nos separava. Não havia, pois, lugar para regozijo nacional. Para terminar, façamos justiça aos primeiros republicanos: eles, nos primeiros tempos, julgavam poder instaurar uma pátria nova restaurada pela instrução das massas. Os seus mentores seriam os professores. Atente-se nesta frase proferida pelos reformadores de 1911: “o homem vale sobretudo pela educação que possui”. Façamos-lhe, ao menos, esta justiça, reconhecendo, embora, a debilidade dos seus resultados.

Feira, 5 de Outubro de 2010 5 6

Oliveira Marques, A 1ª República Portuguesa, Lisboa, 2010, p. 85. Rui Ramos, História de Portugal, Lisboa, 2010, 3ª edição, p. 420.


Fernando Antรณnio Ferreira Soares 1ยบ Centenรกrio do Nascimento 1911 - 15 de Janeiro - 2011

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O meu pai António Gil Baptista Ferreira Soares*

Fernando Ferreira Soares, meu pai, nasceu a 15 de Janeiro de 1911 (há cem anos) em Nogueira da Regedoura e foi a enterrar, também em Nogueira da Regedoura, a 15 de Janeiro de 1987. Nessa altura, o Correio da Feira publicou o artigo que a seguir transcrevo. Dr. Ferreira Soares Depois de baixar à terra o seu corpo, pensámos que seria oportuno escrever umas linhas sobre o nosso Pai. Quem com ele conviveu de portas adentro ou privou fora de portas, sentiu a alegria inteligente que o nosso Pai pôs na vida – na dele e nas que com a sua se cruzaram. No entanto, quase seria de o desculpar se fosse homem descrente da vida ou com ela revoltado. De facto, menino ainda, faltou-lhe a mãe; mais tarde, na flor da mocidade, morreu-lhe um irmão médico muito querido, também ele na força da juventude; pouco tempo depois é a morte doutro irmão, também médico, também muito querido – este assassinado pela selvajaria política que então se instalara no país; e ainda estas feridas não haviam fechado quando o seu pai faleceu. * Engenheiro. Professor do Ensino Secundário. Aposentado.

Contra tudo isso, o nosso Pai foi crente na pujança da vida e nos valores sólidos que a enquadram. Valera-lhe também a irmã, sobre quem ele mais tarde escreveria: “tudo sacrificou com alegria – a própria juventude – à felicidade dos irmãos.” Parco nas palavras, sóbrio nas atitudes, pensamos porém que disse e fez o bastante para que a sua conduta pudesse ser um prumo a balizar os valores cívicos, morais e culturais que vale a pena seguir. Agora que foi descansar o seu coração, cansado de bater pelos outros, é para a nossa Mãe que nos voltamos, a agradecer-lhe o Pai que tivemos. Nogueira da Regedoura, 16/01/87 Os Filhos É tempo, hoje, para quem com ele conviveu de portas adentro, se alongar um pouco mais sobre o que foi esse convívio. Começarei por referir que o seu irmão Carlos Ferreira Soares – o médico assassinado pela polícia política por ser membro do P.C.P. – tinha, na altura, dois filhos: o Jorge e a Nanda. A mãe deles, também de Nogueira da Regedoura, sempre amorosa, teve, na família do pai, companhia para tratar dos meninos. Meu avô e minha tia Inês foram os primeiros a fazê-lo. E o meu pai (com a minha mãe sempre ao lado) levou-os consigo para Espinho – onde foi viver quando casou – para que eles pudessem estudar. Assim, quando eu e

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Dr. Fernando Ferreira Soares

os meus irmãos nascemos, tínhamos já dois irmãos mais velhos. Sim, porque o meu pai (com a minha mãe sempre ao lado) fez deles seus filhos – e eles, dele, fizeram seu pai. E não se limitou a “dar-lhes asas para voar”; já adultos, já casados, já com filhos, continuaram a ser, como eu e os meus irmãos, os meninos dos seus olhos. E, em vésperas de morrer, manifestou-lhes o orgulho que neles tinha. É agora chegada a altura de aqui fazer uma declaração necessária. Se sou eu que escrevo estas linhas, faço-o por ter o mandato dos meus irmãos todos: o Jorge, a Nanda, a Rosa Amélia e o José Carlos. E, com certeza, da minha mãe – que já cá não está para o dizer, mas estamos cá nós para a ouvir. Dito isto, outras coisas há para dizer. Um de nós, falando do nosso pai, classificava-o como um homem “completamente inteligente”. Creio que disse bem. Da sua vertente profissional, outros – com saber e autoridade – poderão aquilatar. Mas, de portas adentro, tivemos nós o privilégio (e, muitas vezes, a dificuldade) de lidar com essa inteligência – completa por dar voz à razão quando o coração a conhecia e deixar bater o coração ao ritmo da razão.

Era um homem que estudara Direito, lera os clássicos e acompanhava a literatura contemporânea. Mas não se ficava por aí – por aquilo a que é vulgar chamar-se cultura humanista. Não. A sua cultura ia também para o lado das ciências a que é usual classificar de exactas, umas, naturais, outras. Vou contar dois casos. O primeiro refere-se a uma doença que o mais novo de nós teve, ainda com um mês de idade. A situação foi difícil, mesmo para os excelentes médicos que o tratavam, antevendo-se o pior dos desenlaces. E o meu pai agarrouse, noite após noite, aos tratados de medicina dos irmãos para, por cartas, colocar questões a outro médico ilustre, seu amigo de longa data – o Dr. Ludgero Pinto Basto, residente em Lisboa. O menino salvou-se. E, mais tarde, a minha mãe contou-me que o Dr. Ludgero lhe dissera qualquer coisa como isto: “O seu marido entendeu um problema que muitos médicos teriam dificuldade em entender…”. Outro episódio de incursão em campo científico foi o caso do motor a vento – “ex libris” desta casa de Nogueira da Regedoura. O meu pai quis canalizar água para a habitação; para isso idealizou – e fez “maquette” – de um depósito para onde a água fosse bombeada e, a seguir, por gravidade, conduzida para casa. Depois foi preciso dimensionar – depósito, condutas, altura, etc. E eu, acabadinho de me licenciar em engenharia mecânica, fui posto à prova – porque o meu pai estudou comigo questões de pressão, caudal, turbulência, atrito, entre outras. E o motor a vento ainda cá está hoje, todo pimpão, a funcionar bem. Era um homem que gostava muito da “sua” Vila da Feira. Aliás, foi aí que advogou durante toda a vida e onde viveu 30 anos. Dizia que a Vila da Feira era tão bonita que tinha pena de lá viver – pois assim não tinha o gosto de, aos domingos, ir visitá-la. E, das suas gentes era admirador – num rabisco que deixou, compara-as às da velha Inglaterra, cuja civilização o cativava. Homem de esquerda, orientado pelo materialismo dialéctico, dizia-se comunista por ser conservador. Era preciso, dizia, uma alteração profunda da sociedade para que se pudessem conservar os mais altos valores da humanidade – a começar pela família. Mas os seus princípios ideológicos não o afastaram da amizade grande que tinha por pessoas de outros quadrantes; estou a lembrar-me, na Vila da Feira, de pessoas como o Dr. Belchior Cardoso da Costa (deputado da União Nacional), do Dr. Domingos de Sousa (Presidente da


Os irmãos Fernando António e António Carlos com o pai. Sentada, ao centro, a irmã Inês.

Câmara), do Dr. Roberto Vaz de Oliveira (que foi Administrador do Concelho e tinha convicções monárquicas). Mas, com respeito a amizades grandes, seria injusto não referir o Dr. Alcides Strecht Monteiro, com quem partilhava amizade de peito e cumplicidade resistente. Quando, no dia 25 de Abril de 74, vim de Coimbra à Feira beijar o meu pai, encontrei lá em casa o Dr. Alcides: lado a lado, comovidamente, silenciosamente, os dois amigos abraçavam a liberdade a quem sempre tinham estendido as mãos. Era um astuto observador do que, no país e no mundo, se ia passando. E, quando só em entrelinhas isso se podia entender – antes do 25 de Abril de 74 – tínhamos nele um tradutor rigoroso e suave, atento e bem-humorado. Mas, com ele, aprendemos muito mais.

Era “um pequenito” com quem gostávamos de brincar. E ele, connosco. Era um pai alegre e brincalhão – sempre com tempo para os filhos. No aspecto religioso, não tinha preconceitos. Ateu, mas cristão. No Natal, era ele quem fazia o presépio – onde até uns diabinhos de loiça tinham lugar para cantar hossanas ao Menino Jesus. O único livro que escreveu – com um único exemplar – é do Natal de 1953. Foi para os filhos. Mas vou cometer a inconfidência de, do prefácio, respigar: “Os homens são como a terra: no meio de muita coisa que não presta, há sempre nela coisas de mais valia. Por isso é que o Jesus cá veio, faz hoje anos: para nos ensinar a guardar o que vale a pena, e a deitar o resto fora. É muito fácil: é questão de arranjar uma Mãe assim…” Filosoficamente materialista, como já disse, mas sem deixar de ser também um místico. Um dia, ao almoço, quando se falava em enterramentos, cremações e outros destinos “post mortem”, comentou: “por mim, não me preocupo com isso; os meus ossos já por aqui andam” – e apontou, comovidamente, para os filhos e para os netos… E cá estão. Meu pai teve a sorte de ter sempre a seu lado a nossa mãe. Ela foi amor, força, alegria, ternura – para ele e para os filhos (todos os cinco). Mas, se tiver aqui guarida, isso escreverei melhor aquando do seu centenário – daqui a ano e meio. Quando o meu pai morreu, descobri uma estrelinha que, até então, nunca vira. Ainda hoje a vejo – é pequenina, discreta, tranquila. E é tranquilizador sabê-la sempre lá – mesmo nas noites mais opacas e nas borrascas mais demoradas. Quando a olho, há um tremeluzir diferente – não sei se é apenas uma particularidade sua, ou se é também a refracção provocada por uma lágrima de saudade feliz que trago comigo. E que não quero enxugar.

Nogueira da Regedoura, 18/12/2010

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“BARCO DA VIDA VAGANDO” Ilda Maria* Barco da vida vagando

Havia de a esconder,

Ao sabor das águas calmas,

Para depois ta oferecer

É o destino marcando

Lá quando a vida anoitece.

O caminho e enlaçando

Barco da vida vogando,

Os elos das nossas almas.

Velas, erguidas aos céus,

Num perpétuo amanhecer,

E nós os dois caminhando

Dia após dia nascido,

De mãos, dadas, enlaçando

O sol da vida a nascer,

O nosso destino em Deus!

É o amor a acontecer, Dia após dia vivido. Pudera, amor encontrar O fio que tece a vida, Que o havia de guardar Numa caixa de luar, Vida fora, toda a vida! E se pudesse reter Toda a vida que acontece,

*Poeta Faleceu em 20/07/1981


Em memória do Dr. Fernando Ferreira Soares José Augusto Ferreira de Campos*

Sempre admirei o desvelo, o carinho e o empenho com que as Gentes da Feira preservam e celebram a lembrança e a memória das tradições das suas Terras da Feira, os pergaminhos da sua história e os vultos dos seus antepassados mais ilustres cujos feitos foram vividos à sombra do seu vetusto Castelo de que legitimamente tanto se orgulham. Por isso, não estranhei que o Dr. Celestino Portela, ele que dedica uma parte importante da sua vida nessa meritória actividade, me pedisse um depoimento sobre o nosso falecido Colega Dr. Fernando Ferreira Soares, que faria no próximo dia 15 de Janeiro de 2011 cem anos, se a morte não o tivesse levado prematuramente. Até porque ambos estivéramos presentes na última homenagem que Nogueira da Regedoura prestou ao irmão do Dr. Fernando Ferreira Soares, Dr. António Carlos Ferreira Soares, a propósito do livro que meu primo Dr. Armando de Sousa e Silva escreveu intitulado “Vítimas de Salazar, Carlos Ferreira Soares, anatomia de um crime”, com prefácio do Dr. Mário Soares, e nesse encontro eu lhe fizera algumas confidências daquilo que sabia sobre o homem que a PIDE assassinara e sobre a sua ilustre família. * Advogado.

Meu Pai sempre me dissera que, em tempos idos, houve na Freguesia de Grijó um tronco comum às famílias Ferreira de Campos e Ferreira Soares, embora a família Ferreira Soares tivesse evoluído para um estatuto social superior, uma certa aristocracia rural que possibilitou que o decano da família, Dr. António Ferreira Soares, atingisse o cargo de Conservador do Registo Predial da então Vila da Feira, no qual atingiu a reforma, o seu filho Dr. Fernando tirasse, como ele, o curso de Direito, e os seus filhos Dr. Carlos e Dr. Armando (este falecido em circunstâncias trágicas) tivessem tirado o curso de Medicina. Por essa ou outras razões, era eu ainda miúdo, e acompanhei várias vezes meu Pai, que vivia em Espinho mas passava largos tempos na sua terra natal de Grijó, à casa mãe que a família Ferreira Soares possuía, e julgo que ainda possui, em Nogueira da Regedoura, em visita ao Dr. António Ferreira Soares, Pai também da “Menina Inezinha”, que assim era tratada por ser Senhora solteira, que ansiara ingressar na vida monástica mas que sacrificara esse sonho para ser como que o anjo da guarda de toda a família - Pai, irmãos e sobrinhos, filhos do Dr. Carlos - face à tragédia que sobre esta se abatera com o assassínio do Dr. Carlos e com a morte trágica do Dr. Armando. A verdade é que havia uma amizade sólida que ligava o meu Pai a toda essa ilustre família, nomeadamente ao Dr. Fernando, e por isso nas memórias da minha juventude há momentos inesquecíveis e marcantes que acabei por partilhar com ela.

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emprego. O primeiro piquenique que fiz, talvez ainda não andasse Na última grande guerra de 1939-1945 estavam, na escola, foi com os meus familiares e o Dr. Fernando e obviamente, do lado bom, do lado dos “Aliados”, anglófonos a Menina Inezinha, no pinhal em ladeira que se prolongava e anti-nazis convictos, ouvindo embevecidos o Fernando desde a propriedade deles até ao riacho que banhava o Lugar Pessa através da BBC. Assisti à alegria de ambos, naquela da Cabreira, já em Grijó, e cujas águas eram a fonte da energia nossa casa, num dia, era um Domingo e fazia Sol, lembro-me que fazia mover a roda que accionava todos os maquinismos bem, e nunca mais me esquecerei desse dia, em que ambos da Fábrica de Papel de meu Tio Bernardino. rejubilavam com o facto de a Alemanha ter invadido a Rússia Tinha sido o Dr. Fernando que, julgo que ainda aluno de e esta lhe ter declarado guerra, e ambos tiveram a certeza Direito, ajudara o meu Pai a preparar-se para as provas que que essa loucura de Hitler significava, sem dúvida alguma, o teve que prestar para ingressar na carreira administrativa, na princípio do fim do nazismo na Alemanha. Câmara de Espinho, ele que tinha apenas a quarta classe mas No dia em que que, inteligente e ávido a PIDE assassinou de aprender e de se o Dr. Carlos e o cultivar, se transformou transportou para pela vida fora num a Casa de Saúde verdadeiro autodidacta, do Dr. Gomes e que tivera aquele de Almeida, em golpe de asa que o Espinho, foi a minha libertou do meio então Mãe que recolheu a acanhado e atrasado de sua roupa e a levou Grijó, onde estagnava, para nossa casa. e o conduziu à então já A visão das suas próspera e cosmopolita calças marcadas Vila de Espinho, onde pelos buracos das se instalou com toda a balas assassinas família e onde eu acabei nunca mais me por nascer, pois todos abandonou. O os meus irmãos tinham registo do seu já nascido em Grijó. óbito, assinalado Meu Pai não com as palavras era comunista, mas “morte violenta com o Dr. Fernando eraarma de fogo” está o convictamente. O Autor pela mão do Dr. Ferreira Soares e seus pais. assinado pelo meu Mas isso nunca Pai. Os filhos do Dr. Carlos, o Jorge e a Fernanda, passaram beliscou minimamente a amizade profunda que os unia. E, essa noite em nossa casa até que o Tio, o Dr. Fernando, os foi principalmente, eram os dois anti-salazaristas assumidos. lá buscar. Recordo-me perfeitamente dos serões conspirativos que Guardo religiosamente uma fotografia em que a máquina ambos faziam na nossa casa da Rua 7, em Espinho, ao lado indiscreta mas oportuna de um anónimo fotógrafo surpreendeu do marmorista Sr. Ribeiro, que se prolongavam noite fora. o Dr. Fernando a dar-me a mão (não tinha eu mais de 7 E nesses encontros ambos corriam riscos: o Dr. Fernando anos), ao lado de meu Pai, tendo este ao lado a minha Mãe, porque era irmão do Dr. Carlos, comunista como ele, que a todos formando um grupo, como muitos outros, a passear no PIDE perseguia, e o meu Pai porque era funcionário público, célebre “Picadeiro” da Avenida 8, em Espinho. convivia com comunistas e tinha que exteriormente fazer A “Casa Abatida”, livro autobiográfico do Pai do Dr. o papel de alinhado com o regime, sob pena de perder o


Fernando, passado no ambiente rural de Grijó, que o autor dedicou “a meu filho médico, Dr. Carlos Ferreira Soares” e a que deu o subtítulo de “Quadros da Vida Aldeã” – “A aldeia emproada e erguida nas tamancas era a de S. Salvador”, assim começa o livro – foi de leitura obrigatória em toda a minha família, tendo tido o meu Pai “o atrevimento” de enviar ao Dr. António Ferreira Soares um texto de análise crítica do livro, que ele muito apreciou. (permitam-me a vaidade, mas julgo que apreciou tanto como a extensa crítica de louvor que sobre o livro escreveu o crítico literário Dr. João Gaspar Simões na edição de 18 de Novembro de 1943 do “Diário de Lisboa”, que também conservo). No progresso da sua carreira administrativa meu Pai teve que ir viver para Gaia e esse foi um tempo em que os contactos entre ele e o Dr. Fernando se tornaram naturalmente mais raros, tal como eu raramente vinha a Espinho. Todavia, acabada a minha formatura em Direito, comecei a advogar. E nesses começos, quando ainda não tinha sido criada a Comarca de Espinho, retomei os meus contactos, agora profissionais, com o Dr. Fernando Ferreira Soares que, advogando preferencialmente na Feira, habitou durante algum tempo num lindo palacete, na Rua 19, em Espinho, infelizmente já demolido para dar lugar ao edifício de andares no ângulo das Ruas 19 e 20, em frente aos actuais CTT, onde recebia a sua clientela desta então Vila. Desde então trabalhamos em diversos processos como opositores quer na Comarca da Feira quer na depois criada Comarca de Espinho. Quando ía em serviço à Vila da Feira e aí almoçava com o meu Pai, então Chefe da Secretaria da respectiva Câmara Municipal, passei momentos descontraídos em animada cavaqueira, depois de almoço, no então “Café Moderno”, actualmente a “Cafetaria”, sito no Largo do Rossio, actualmente Largo de Camões, que tinha de um e outro lado a agora chamada “Alameda Roberto Vaz de Oliveira”. Este, advogado como nós, ao tempo ainda era vivo e era o Pai do meu condiscípulo Diogo Vaz de Oliveira, prematuramente falecido. Nesse Café juntava-se um grupo cosmopolita e diversificado do qual faziam parte advogados (o Dr. Portela, o Dr. Fernando, o Dr. Alcides Monteiro, desses lembro-me bem), Juízes (Sim, Juízes …), funcionários da Câmara, do Notário, das Finanças e da Conservatória. O Dr. Fernando Ferreira Soares, que casou já tarde, nunca alardeou a sua qualidade de comunista mas também nunca se escondeu dela.

Como advogado nunca conheci ninguém que, como ele, para além dos seus profundos e bem alicerçados conhecimentos jurídicos, mostrasse tão grande poder de síntese em tudo o que escrevia. Os seus articulados eram ao mesmo tempo consistentes na substância e escorreitos na forma. Em duas páginas dizia, e bem, tudo que verdadeiramente interessava às causas que defendia. A sua postura em Tribunal era caracterizada por uma profunda seriedade, por um inigualável respeito pelas partes, pelos Magistrados e pelos Colegas, e principalmente por uma tocante humanidade, só possíveis provindas de um coração grande e generoso. Possuía uma ironia fina: Certa vez em que eu, embevecido, tecia loas às tradições da Coimbra do meu tempo, das praxes, das serenatas e do Orfeão Académico a que pertenci, ele, que se tinha formado em Lisboa, com o olhar fino e vivo que o caracterizava, logo atalhou: “O que vocês têm é saudades dos vossos 20 anos!” Recebi do Dr. Fernando Ferreira Soares várias lições de vida que sempre entendi como provindas de um sincero amigo. E não resisto a recordar aqui dois exemplos. Tratava-se de um caso de homicídio passional. Ele defendia o arguido, surdo-mudo que, por ciúmes – não interessa se com ou sem fundamento – matou à facada a sua mulher enquanto esta esperava ser atendida no Hospital de Espinho. Eu defendia o interesse dos herdeiros da mulher. E foi extraordinário de ver como o Dr. Fernando se posicionou em julgamento num justo e sereno equilíbrio entre a análise crítica das motivações e das eventuais atenuantes que poderiam beneficiar o autor daquele horrendo crime e o escrupuloso e humano respeito pela vítima. Não vem para aqui a sentença proferida. Mas a lição de humanidade do profissional competente, sereno e generoso que era o Dr. Fernando, essa nunca a esquecerei. A outra lição que dele recebi foi uma lição de humildade de que também nunca me esqueci e que sempre procurei praticar na vida profissional. Num processo, cujo contexto já não recordo, tive que contestar um articulado do Dr. Fernando. Fi-lo, por obrigação de não deixar passar o respectivo prazo, à cabeceira de meu Pai que, num Hospital de Lisboa, procurava fugir aos efeitos da doença incurável que o haveria de vitimar. Ou por essa razão, ou devido ao entusiasmo e vigor de uma advocacia em que procurava afirmar-me, suscitei o incidente da má fé da parte contrária, não reparando que, no caso concreto, a haver má fé esta teria que ter forçosamente o contributo do

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seu patrono, neste caso o Dr. Fernando, situação que seria ofensiva para o meu amigo. Mas não perdi pela demora! Como preliminar do essencial das suas alegações o Dr. Fernando começou por recriminar o jovem Colega, que tratou por amigo,

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lembrando-lhe que o alvo primeiro da alegada má fé era o autor do articulado, ele próprio, e que tal má fé na verdade não existia. Pela primeira vez na minha vida profissional usei do direito de réplica nas alegações orais pedindo-lhe públicas desculpas, explicando-lhe como atenuante, as circunstâncias pessoais, aliás dele bem conhecidas, em que elaborara a minha contestação. Essas desculpas foram logo aceites, alto e bom som, e com louvor à assunção do meu arrependimento. E assim perdi o incidente da má fé … mas conservei a amizade de um amigo. Não quero terminar este meu despretensioso depoimento sobre o Dr. Fernando Ferreira Soares sem lembrar aqui um outro episódio das nossas vidas em que participamos em comum: foi no funeral do nosso saudoso Colega Dr. Alcides Strecht Monteiro, no Cemitério de Fiães onde o mesmo ficou sepultado. Há imagens que nunca nos largam, e a imagem do Dr. Fernando, a fugir do amontoado de amigos do defunto que se atropelavam em condolências à família, e a depositar, sozinho e discreto, num gesto singelo, um pequeno ramo de flores que levava consigo e de que nunca se separou, sobre a terra que começava a cobrir o túmulo, do qual logo se afastou, o gesto daquele corpo pequeno naquele acto simbólico e solitário, demonstrou bem a grandeza e a generosidade de seu coração, numa última e sentida homenagem a um amigo.

29 de Abril de 1974. Cemitério de Nogueira da Regedoura. Homenagem ao Dr. Carlos Ferreira Soares. Da direita para a esquerda: Jorge Soares (filho) Dr. Alcides Strecht Monteiro; Fernando Ferreira Soares (irmão); Maria Raquel Ferreira Soares (cunhada); José Carlos Ferreira Soares (sobrinho); Inês Ferreira Soares (irmã) e Rosa Amélia Ferreira Soares (sobrinha).

Espinho, Dezembro de 2010.


Lembrando o Dr. Fernando Ferreira Soares Luís Leite Soares de Resende* Pediu-me o Dr. Celestino Portela, se eu podia fazer um pequeno trabalho, destinado a assinalar os cem anos do nascimento do Dr. Ferreira Soares, que ocorre em 2011. Entendi por uma questão de consciência e fraternidade de classe que não podia negar-me a prestar essa colaboração. Colaboração que será modesta, na medida em que me faltam os dotes para por escrito testemunhar a figura de Homem, Jurista e Cidadão que foi o tão Célebre Colega. Conheci o Dr. Ferreira Soares, nos primórdios dos anos 60 do século passado, ou seja do século XX. De estatura baixa, usando laço e não gravata, ostentando sempre chapéu, que usava para saudar as pessoas, mantinha um porte irrepreensível vestindo com elegância. Distinto causídico englobado na era da chamada pelos Colegas do Porto “Universidade de Vila da Feira”, onde pontificavam já veteranos Alcino Monteiro, Belchior da Costa, Roberto Vaz de Oliveira, Domingos Trincão e Joaquim Inácio da Costa e Silva, não deixou de alardear os seus méritos profissionais. Elegante na barra em que se apresentava brioso da sua toga, de lealdade e respeito para com os Colegas, tinha uma escrita articulada, acutilante, incisiva e sintética, fruto de estudo e conhecimentos jurídicos profundos. Era admirado *Advogado.

pelos Magistrados. Recorda-me que um Ilustre Juiz que fez o sexénio na nossa Comarca, guardou no seu bolso, durante muito tempo uma peça articulada do Dr. Ferreira Soares, onde este fazia uma contestação de uma acção ordinária complexa, numa única folha e que com orgulho mostrava aos demais Advogados da Comarca. Mas o Dr. Ferreira Soares, era também um Homem de convívio social. Era então praxe que, após o almoço e num café da Vila da Feira, se reunissem os Magistrados, os Advogados, o Chefe de Secretaria da Câmara Municipal e o Engenheiro da Câmara, onde por princípio, a presença de Ferreira Soares era constante. Era um exemplar chefe de família. Deu educação e formação aos seus três filhos, por quem nutria desvelo e carinho, a quem sempre acompanhou com a colaboração da Esposa e os colocou na vida. Quando se sentiu doente, retirou-se para a sua Terra Natal, Nogueira da Regedoura, onde passou os últimos tempos de vida, ai vindo a falecer. Não deixei de o acompanhar à última morada, pelo respeito e admiração que sempre me mereceu. Este modesto escrito é um perpetuar da sua memória, para as gerações vindouras e o meu simples contributo da lembrança de um Vulto que foi marcante, na sua época. 17 de Dezembro de 2010.

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Portal Sérgio Almeida*

o pico vulcânico ameaça entrar em erupção ajuda-me a deslindar a proveniência destes sulcos ominosos torrentes gizadas de meteoritos mergulhia das hastes do crepúsculo aguaceiro arenoso e quezilento conspiração das ruínas se não fosses tão obstinado apenas esvazio a fragura dos bolsos e arejo os pulmões não durmo o suficiente para iludir a batida do predador volta ao princípio como se estivesses a medir a lavoura

com um olhar assíduo discretamente judicioso exílio lamacento da penitência assim como o orvalho abranda a austeridade da noite o esmero da escuta procura a elevação da claridade

* SÉRGIO ALMEIDA nasceu em Luanda no ano de 1975. Reside em Espinho. É autor dos livros “Análise Epistemológica da Treta” (contos), “Armai-vos uns aos outros”, “Como ficar louco e gostar disso” (prosa poética), “Ob-dejectos” (prosa poética). Participou nas antologias de contos “São João do Porto” e “Fora de Jogo”. Coordenou o volume “Poesia de Luiza Neto Jorge Traduzida”. É membro fundador do colectivo de intervenções poéticas Sindicato do Credo. É jornalista do JN.


O meu caríssimo Senhor Doutor Fernando Ferreira Soares. Gaspar Moreira Cardoso da Costa* PARTE I – AS QUATRO TRAVES de um ALTAR Para Mim, que sou da crença milenar do Ocidente, primando pela Consolação e pelo Sofrimento, é esta uma das categorias divinas – Bem-Aventurados Os que Sofrem porque serão Consolados (Da Bíblia e Novo Testamento). Dizem, os doutrinadores, que sofrer é ínsito a um mal - mal objectivo. Melhor, aligeirando exponencialmente o tema, sofrer é mal. Mais propriamente: É Mal. O exercício que Alguém faz, de molde a regressar à pureza e à inocência de Sua Mãe, de retroagir ao Seu Ritmo Inicial, disposto a acompanhar o tempo retornando-o ao seu antigo ritmo, vincula-o (de forma necessária a quem o faz), permanente e persistentemente, de todo e todos os dias e a assinalar Progresso. Progredir. Progredir. Mas, Sofrendo, por certo. Como se renasce das cinzas, fétidas e pútridas? Só pela via do sofrimento. Sofrendo de adultos! * Consultor Judídico da DG Tribunal de Contas. Aposentado.

E como quem sofre se redime, temos, no limite, Memória Grave. Memória, por isso, exigente. E, afinal, quem não tem da Vida, a experiência do saber treinado. O saber de experiência feito? Posto isto, um teorema, e apesar de tudo, em equação. Ambas as duas personagens aqui lembradas, a do doente (este, testigo) e a do mais próximo que o suavizou (a ortodoxia vem “in alterius”, porque esse tempo não é coetâneo, fruto do Respeito e das Homenagens que se lhe faz) já só anteviam uma saída, e tinha essa de passar, pela Unidade e a Identificação. Segundo Mário de Sá-Carneiro, já os dois o sabiam. Mas também, e essa parte é curiosa, eram totalmente independentes das crenças de cada um. Pode-se dizer, de raiz diversa e adversária. Todavia, essa mesma não era a medida a ter. Tanto mais que eu continuei “caloiro”, em Coimbra e o Senhor Dr. Ferreira Soares, Distinto Advogado, na Feira, só se podia cruzar comigo se muito bem quisesse e se muito lhe apetecesse. Não fez isso. Antes pelo contrário. E, por isso, aqui estou a rejubilar com facto de ser uma Testemunha Vital de Si. Traduzindo-o, o melhor que souber e puder, para a partir

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do Jubileu dos 100 Anos, se perpetue a sua fidedignidade e se enalteça sempre a sua figura, na Terra dos Vivos.

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A deferência com que me tratava, a singeleza, para si, de me cumprimentar tirando o seu chapéu e tratando-me por Colega, apenas a si se lhe devia e era única. Deve-se dizer que usava chapéu, e ficava-lhe imensamente bem. Precisamente àquela sua figura, de finíssimo trato, mas mais do que isso, de tão intensa finura no temperamento e no carácter. Bastava, ser assim, para toda a gente o respeitar. E lembrando bem. Minha Mãe ia à Missa, ao Convento, todos os dias. Por via de regra encontrava, ao descer a Rua, Dona Inês Ferreira Soares, que praticava a mesma magnificência. E, à estirpe, que era finíssima, novamente se reportava, quando ambas as Senhoras se cruzavam. Já não apenas ao Dr. Fernando é evidente, mas, não sei bem porquê, a gente recordava-se logo dele! E era dele que eu referenciava e me lembrava, dando-me com seus filhos no Colégio - mais novos, porém. Assim como com Sua Esposa D. Maria Raquel, braço direito de Dona Gilberta, na Academia de Música. Era, por assim dizer, nessas situações, o mesmo dó sustenido, harmónico e tão bem timbrado que absorvia, como quando o Dr. Fernando escrevia no “Correio da Feira”. E a tudo isso acrescia a lembrança do Meu Pai (o outro testigo), à mesa da Sala de Jantar… Meu Pai perorava (é o termo), perorava quando recordava a Amizade que lhe dava Doutor António Ferreira Soares, Escrivão-Notário na Feira, que consigo viajava, no Vale de Vouga, vindo de Nogueira da Regedoura e entrando ambos em S. Paio de Oleiros. Num tempo oportuno para Meu Pai, pois iniciava a banca na Sede da Comarca – 1927/29. Esse Senhor, e vê-se a estirpe que tinha, era Pai de Dr. Fernando, como também de Dr. Carlos Ferreira Soares, Médico – barbaramente assassinado pela PIDE, e atrozmente, no seu Consultório, à traição. Esse mesmo Senhor, forçado a ser órfão de um filho, autor de “A Casa Abatida” deve-se ter aberto bastantes vezes com Meu Pai, nas viagens conjuntas. Meu Pai tinha-lhe Admiração e Extremos de Consideração, que permaneciam quando o rememorava, à mesa.

Seu Filho, Médico Carlos, segundo Meu Pai era tão generoso, tão generoso nas Suas Ideias que semeou medicina, pelos mais pobres daquelas terras de fábricas de papel e de cortiça, nunca levando um tostão a ninguém e curava da Alma, distribuindo os remédios e as curas. E como tinha a aura nessas paróquias de um verdadeiro Verdi ou a de um Ariel, de um Anjo Sagrado por Deus (diria eu, por Minha Mãe) convertia. Polícias sem alma, repressivos até nos bastidores, ficavam confusos tornavam-se esbirros, traidores. Camões: “entre os portugueses traidores houve algumas vezes! “ “Ou eles ou Eu, Senhor Governador”. (Agora, já sabem quem dizia isto e está-se a ver porquê). Então, em termos quase de ponto final acentuámos. A estirpe e essa. A mesma do Patriarca, Doutor António. A pureza de um coração. A Magnitude e a Amplitude de um Ser. Esta face de um espelho de JOB, de um luto e de um nojo ultrajantes e inexoravelmente reprovados, que, segundo bem penso, foi o que permanentemente SOFREU o Doutor Fernando Ferreira Soares - mas que grande honra era a sua! - Nunca a vi saliente no seu rosto, na sua palavra, na amargura de um gesto, de uma expressão sua. Um silêncio tão digno. Um silêncio para a todos dizer Não. “Não, não é por aí!”. Que a resposta vinha do Direito do Espírito. “ O meu Silêncio vai falar da Dignidade de Um Homem, da Pureza de uma Família, e , com esse traço de presunção, por mim assumida, O MEU SILÊNCIO trava a indignação de quem obedece e trava o abuso e a indignidade de quem manda e ordena!” (Matar, ainda para mais). Pois bem não sei quando o li. A semântica vinha de Casa, à mesa da Sala de Jantar… Mas sei bem quando o escutei. Precisamente, sem sibilos, mas com a prudência de Um Arcanjo, pressentia-o nessa atitude e voluntária, plenamente tácita à Ofensa, de total e permanente não-resignação ao Ultraje e à Traição. E como lhe sentia Admiração, aos dois no fim de contas, quando Meu Pai, o Dr. Belchior, descia a Rua (ele que não ia aos cafés e dava-se conta dela só para ir ao Tribunal) e entrava, no Rossio, para cumprimentar o Doutor Fernando (como lhe dizia) e para tirar dúvidas de teor jurídico.


Eram adversários, até na clientela, pois o Escritório da Casa da Praça, enchia-se de gente. Mas não se emulavam. Respeitavam-se tanto e tão bem, que me resta quase uma dúvida que é esta: Seria o Doutor José de Oliveira Neves, de Espinho (colega de Curso de Meu Pai, adversário das suas ideias, fundador do actual Partido Socialista), mais amigo de Meu Pai? Que Meu Pai era tão devotado Amigo dos Dois Senhores, não há dúvidas! Talvez que o Doutor Zé Neves fosse mais seu confidente. Talvez isso. E que mais dizer?! Nada mais é preciso, para falar daquela Figura e daquela Família de Ferreira Soares. A prolixa resposta da Não Resignação leva-nos ao Tacet , que Soares dos Reis esculpe no Desterrado. E porque sofria, com a memória à flor da pele, praticava A REDENÇÃO, para SER. Quem, por natureza, devia ser herói era vítima. Aí bate o ponto. O ponto de identidade, quiçá antes união, simbólica é certo, entre Um Jovem, Colega assunto, e doente, a sofrer e filho de um outro Advogado, quase conterrâneo e tão amigo, e o nosso Senhor Doutor Fernando Ferreira Soares. Pode tratar-se de ousadia minha fazer este parâmetro de comparação. Mas não chega a ser um atrevimento. Quem teve angústia (coisa que não deseja ao pior dos inimigos) entende muito bem o bramir imenso que é a Dor e a Repulsa e impor-se Calar! E tudo no contexto social de uma Vila pequena. Numa “santa terrinha” o sadio, o são, é o SER. Há por assim dizer, uma Queixa-Denúncia, nas duas situações de vida. Mas no meu caso, fugia eu para o silêncio não por opção, mas por defesa. Resguardando-me. Porém, ambas as situações contemplam o sofrimento e observando alguma delas se vê que quem sofre tem a forma mais unívoca de chegar à identidade do Ser. E, então e agora, contarei como o Senhor Doutor Fernando Ferreira Soares vem ao meu encontro, depara-se Comigo para me ajudar a levar a Minha Cruz. Está sempre no meio de nós, nunca por nunca, o esqueceremos.

Parte II A Conexão Necessária, com aquela personagem misantropa. (“Eu não sou eu, nem sou o Outro, Sou Aquele Que Vai de Mim ao Outro”, de “quando eu morrer batam em latas…..”. Indícios de Oiro –M.SC. I - Nota Solta Afinal, um pequeno lembrete. O facto histórico, que vou narrar, para mim não tem passado, ainda, hoje, é presente. Para quem vai ler, não é bem assim. Interpreta o caso dentro de dado enquadramento e contexto social. No entanto, para ser dito com realidade, como a que eu vivo, devemos ir um pouco a tempo anterior. Já tinha vivido as eleições do Delgado, em Aveiro. Foi aí que a Oposição se uniu para concorrer. Apesar do MUD o propugnar, desde a Mealhada. Pela simples razão de ter ido para Aveiro acabar o Liceu, melhor entendi a Feira, o Norte do Distrito, a sua Gente, a da Política. Nesse campo, a integralidade do carácter de cada um era fruto de um cadinho de cultura Aveirista e, simultaneamente, Proletária. Alguma Esquerda até já era capitalista, mercê da fábrica. Na Feira havia (e há!) o máximo respeito e a maior tolerância pelos ideais e pelas práticas políticas de cada um. Ninguém atropelava, nem ninguém se atropelava. II – A Presença do Amigo A lembrança de Meu Pai perorando no meu espírito, acerca daquela estirpe familiar, fazia que o compreendesse tão bem! No fundo, estou a aqui assinalar, de novo, os Dois Senhores. Havia outra ligação ainda. Dona Maria Luísa Lobo d’Ávila, Professora do Externato, Açoriana da Ilha Terceira, Açores, de famílias tradicionais da esquerda cordial. Minha Professora, de Português e Francês, que me mimava muito, por ser extremamente Amiga de Minha Mãe, Dona Júlia Adelaide.

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(Os meus colegas nunca me discriminaram, mas, sinceramente, eu fugia disso, por ser muito tímido; mas só reagia por dentro). Pois bem. Dona Luísa estava hospedada em casa da Senhora Dona Berta Azevedo. Minha devotada Mestra, em todo o sentido, e muitíssimo amiga de Minha Casa, sobretudo de Minha Mãe. Ora, Dona Luísa era visita mui Amiga e Grata da Casa do Doutor Fernando. Sempre, assídua em pleno. Agora, e doutro ponto de vista, os estudantes podiam frequentar o Club Feirense. Agremiação provecta da Villa onde se fazia o “social, muito relativo”, desse tempo.”. Não só os bailes festivos e o bilhar, mas os jogos de carta. No entanto, nos anos 60, já é a televisão que nos atrai ao Salão do Club. E não só…. Era a conversa de tertúlia, a que se não poupava o Dr. Joaquim Alves Moreira. E, creio bem, também o Doutor Ferreira Soares, que aparecia sempre. Os parceiros habituais: o Zé Santos e Dona Cremilde, o Armando Amorim (que grande interlocutor, surpreendente), muitas vezes os Doutores Arnaldo e Celestino Portela e o Senhor António Lamoso. E ainda, muitas vezes, Alcides Coelho, de Sanfins (Sá Ferreira, seu companheiro indefectível, já não: virava-se paras as cartas). Uma que outra maré, por serem férias, aparecia o Gaspar (com o Tio Joaquim), Meu Primo Carlos Moreira e o Engenheiro Artur Brandão. Não era uma Assembleia. Havia um núcleo, e agregavamse os outros, de modo disperso. Era neste eixo nuclear que, com tanto gosto, ouvíamos o Doutor Ferreira Soares. Tinha um sorriso sincero e acolhedor, e, sem preconceito nenhum, falava do habitual. Em suma, três grandes razões de proximidade que nos trazem até nós o Doutor Fernando. Dona Luísa d’Ávila, Dr. Joaquim Moreira e o Clube Feirense, e o Meu Pai – Dr.Belchior da Costa. III – O Advogado, ou Aquele Senhor. Meu Pai, Dr. Belchior da Costa montou o escritório na Feira, aí por 1927, 16 Anos depois, aproximadamente, vinha de Espinho, para a Feira o Dr. Fernando Ferreira Soares. 1945

–mais tarde fixou-se na Vila da Feira, nas Eiras de Cima. Dois Homens que se prezavam muito. Talvez que o Dr. Fernando transparecesse uma pessoa mais férrea, mas, ao mesmo tempo mais doce do que a do Meu Pai. Além disso o Dr. Belchior descia a Rua para ir ao Colega, Conterrâneo e Amigo para obter Conselho ou tirar alguma dúvida jurídica. Pois, dessa vez e de noite, o Doutor Fernando tirou-se dos seus cuidados e veio a Nossa Casa, mas para saber de mim. São duas palavras, mas vale a pena contar, perante a Tradição da Palavra, como Aquele Senhor, nessa maré tão tortuosa e angustiante para mim, foi O Bom Samaritano. Não por ser Colega e Amigo de Meu Pai; não foi assim, foi porque eu já era visto por Si como Colega. E desde que a Coimbra cheguei para ser Jurista. É notável, não é?! Quando me procurou já eu estava “recauchutado”(na fala estética do Dr. Humberto Paiva) , por Belas e pelo Meu Amigo e Parente da Família, Professor Pedro Polónio. Pelos ares e pela Clínica do Senhor da Serra, em Belas (lembram-se, por certo, da Romaria descrita no livro da 3.ª Classe). Tratado ou não, com recaídas várias, eu que na Feira me sentia em casa, amarrei-me, nessa oportunidade, ao casarão que me viu nascer e não saía de lá! Uma angústia que cheguei a ter e que nunca desejo a qualquer inimigo dos meus. De Coimbra, na”Queima de Meu Irmão Zé Manuel” já eu trazia conselho do Diogo Vaz (formou-se nesse ano de 1960) do seguinte teor: “em quem confias podes continuar a confiar, nos outros escusas de confiar; quanto ao resto, digo-te, quem está de fora “racha lenha”. Mas, com tantas vicissitudes que tive, mesmo depois disso até após 1963 (marcho para Lisboa, nesse ano), eu encarcerava-me na Minha própria Casa, pois tinha medo que, na rua, me gozassem (o Meu Pai era o Chefe Político e eu podia tornar-me o bombo da festa). E não indo à rua, aos cafés e ao Club, nem pensar! (Quando muito à Quinta de Meu Tio Júlio, a da Chamuscada – na Lavandeira). Passava os dias confortado com as noites, que chegavam entretanto, e com o fim das férias, ou com o fim do último período do Ano Lectivo, para espairecer em Espinho. Assim digo, porquanto o episódio da visita foi em tempo


de Natal, talvez. A altura não interessa, nem importa. Mas vejo agravar a doença depois da morte de Meu Tio Joaquim. É facto que ainda era vivo, portanto, aquando da cena. Em suma, nem o Chafariz da Praça me apanhava. Mas é precisamente aqui, transpondo as minhas barreiras próprias ou alienadas, que, lá em Casa, surge a Visita do Dr. Fernando F. Soares (assim usava na placa, no escritório do Rossio). IV – Daquele Evento, se Faz Luz. E o Doutor Fernando aparece-me. Quem o teria chamado? Algum dos três cruciais que referi… Não. Nenhum, precisamente, nenhum. Foi o Doutor Fernando e de per si! O Seu Percurso e a Sua Lectio Divina. Salvo seja, mas a Razão prendeu-se-lhe para a figura do pobre, que, naquela maré, era o Filho do seu Conterrâneo e Amigo, o Colega Gaspar. Que Pureza de Coração! Que Beleza de Atitude! Que Cordialidade tão nobre! Que Estirpe de Carácter tão sério Uma Verdade de Verdades Uma Verdadeira Lectio Divina. Contudo importa traduzir tão estupendo gesto neo-realista de Doutor Fernando. Estes Novíssimos do Homem transparecem para mim no Rosto daquele Senhor, de modo preclaro naquela Cena, e em pleno! Como quem desce a Rua, para ir ao Club, inflecte e vai tocar à campainha chamando por mim. Quando apareço a descer as escadas, lembro-me tão bem, o Senhor Doutor esboça aquele sorriso doce que tinha e acolhia tanto. Um sorriso contemplativo, que nunca foi cínico, fruto de grande Meditação. Um sorriso atraente, libertador (de Liberdade), mas também nada sedutor. Propício, bonito, que não tinha de ser cativante, pois era

de Via Ascendente. E em contraponto, apesar de ser a Minha Mãe a chamarme para ir ao portal, ciente de quem era, ciente disso, logo fiquei tranquilo e acto contínuo descia as escadas, para o receber! Não fiquei nada enfiado, mas, sim, desperto e lúcido. Então, no meio desta cena, um tanto dramática, surgiu a questão. “Colega! Como vai? Venha Comigo ao Club. Está lá o seu Tio.” “Muito Obrigado, Senhor Doutor, mas não vou.” “Mas, porquê? Tem vergonha? Venha, daí.” “Não Senhor Doutor, vergonha não tenho nenhuma!” “Então, Colega, Oh Colega! Se não tem vergonha, venha. Olhe! Venha daí Comigo!. Vá vestir o sobretudo.” Reflexão: Noutras passagens da Minha Vida, agravei em muito mais a minha Doença; mas nisso não se fala! O que se diz é que aquela frase dita daquela forma, e pelo Senhor Doutor Ferreira Soares, foi Um Abraço Amigo de Doutor que me pôs a sua capa magistral por cima de mim, um amplexo sacro e divinal, que com toda a Liberdade me libertou. Não foi ensinar-me: “quem não tem vergonha, Todo-oMundo é seu”. Nada disso. Foi de molde a fazer-me crescer e libertoume da prisão em que estava, em que sofria. Eu, que estava aterrado, saí da concha! A SI e Só a SI o Devo! Que causa tão linda tinha o Doutor Fernando, naquela hora abraçou-a Comigo! Na Villa, e para bem em lado nenhum, já ninguém me tocou mais. Do Ser, quem detinha a Sabedoria, naquelas Terras de Santa Maria, era Aquele Varão Insigne de uma verdadeira Casa Abatida. E se o livro dedicado o é, eu também o sou, nesse sentido, uma AMOSTRA proclamada de Um FERREIRA SOARES, dos mesmos que enobreceram Meu Pai. Pela Hora de Presença Magnífica que detenho de Doutor Fernando Ferreira Soares. Sobremaneira, nas Homenagens que se lhe devam doar, pelo Seu Jubileu Centenário.

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Como é inesquecível aquela Sua Graça de Amor de Deus. Vive e Viverá sempre Connosco, na Eternidade do Bem.

de Dezembro, cuja Novena em Sua Honra se faz na Igreja da Santa Casa da Misericórdia de Villa da Feira – 2010.

Dia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, aos 8

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Cemitério de Nogueira da Regedoura 29-04-1974. Da direita para a esquerda: Jorge Soares (filho); Dr. Alcides Strecht Monteiro; Maria Fernanda Soares (filha); Fernando Ferreira Soares (irmão); Maria Raquel Ferreira Soares (cunhada); José Carlos Ferreira Soares (sobrinho); Inês Ferreira Soares (irmã) e Dr. Ferreira de Campos. Atrás de Maria Ferreira Soares, Paula Maria Soares (neta).


António Ferreira Soares Um prosador Nascido em Grijó, de Gaia (comunicação apresentada ao 1. ° encontro de escritores de Vila Nova de Gaia) Fernando Ferreira Soares* Feira-1984 Lembrando a minha Mãe, que me ensinou a ler.

Reprodução da 1ª página com dedicatória: Ao Senhor Dr. Celestino Portela, com gratidão e amizade. Fernando Ferreira Soares.

Justificação A participação neste certame de um indivíduo que não é escritor, nem é de Vila Nova de Gaia, só se justifica pelo bom acolhimento dispensado à carta que a seguir se reproduz: Feira, 2-3-84 Ex.mo Senhor Dr. Alberto Luís Moreira Distm.º Director da Biblioteca Municipal Rua de Angola 4400 Vila Nova de Gaia Ex.mo Senhor Doutor Acabo de ler num jornal do Porto que vai haver nessa Biblioteca, em Maio próximo, um 1. ° Encontro dos Escritores de Gaia. Um dos objectivos da iniciativa seria o levantamento dos valores culturais concelhios, e era aí que eu poderia dar colaboração. Não sou natural nem residente de Gaia mas poderia remeter a V. Ex.ª uma breve comunicação sobre um escritor daí natural: o meu Pai, que foi o professor liceal (1.° grupo) António Ferreira Soares, nascido em Grijó e que em Grijó situa o entrecho de um romance que há 40 anos foi excepcionalmente bem recebido pela crítica. Se V.Ex.ª entender que uma intromissão desse género pode ter algum interesse e não se encontra excluída pelas normas estabelecidas para o certame muito agradeço faça comunicar-mo e para isso me permito usar um papel que melhor me identifique. De V.-Ex.ª com alta consideração a) Fernando Ferreira Soares

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I Nasceu no Loureiro de Baixo, em Grijó, a 28 de Janeiro de 1871. De família muito modesta, cedo iniciou estudos dirigidos à vida eclesiástica. Era o corrente, nas aldeias, com crianças da sua condição. E não deixava de ser também frequente que ao fim de algum tempo os jovens desse modo encaminhados no estudo buscassem novos rumos. Assim aconteceu com António Ferreira Soares, que fez no Porto o que ao tempo se chamava «repetir os preparatórios» e em 1899 concluía em Coimbra o curso de Direito. A ciência jurídica não o entusiasmava e quis para si o estatuto de «músico afinado» – o aluno que não dava nas vistas por ser bom nem por seu mau. Lia muito, fazia traduções para editoras, escrevia para jornais, versejava, era republicano. E no seu 4. ° Ano foi a concurso para professor do liceu – 1. ° grupo, Português e Latim. Era um conjunto de provas exigentes em que pontificava um mestre de latinidade, Professor Dantas. Prestou as provas com brilho. E, concluído o curso de Direito no ano seguinte, casou em Nogueira da Regedoura (contígua a Grijó) e foi professor do liceu de Viana do Castelo. No jornal REPÚBLICA de 4-10-1960, comemorativo dos 50 anos do regime republicano, Rodrigo de Abreu evoca os tempos da propaganda naquele distrito e lembra: «Era então professor do Liceu de Viana o escritor e jornalista Dr. Ferreira Soares, que em Viana dirigia a política republicana com tanta dignidade como talento ………. » e noutro passo: «Em 7 de Junho de 1908, tendo como director o Dr. António Ferreira Soares, sai o bi-semanário O Povo, que desde logo ocupa um papel dominante de combate e de doutrina, com uma colaboração verdadeiramente notável onde, além do seu director, jornalista brilhante, doutrinador admirável, prestigioso, colaboram……….» e segue-se uma longa enumeração com nomes como José Caldas, João da Rocha, Augusto Gil, António Granjo e Álvaro de Castro, António José de Almeida, Guerra Junqueiro, João de Barros, Pedro Vitorino e Cláudio Basto, D. Ana de Castro Osório, Sampaio Bruno. Mas Ferreira Soares não descurava a função docente; e pela vida fora a cada passo se lhe dirigiam senhores que em rapazes tinham sido seus alunos e que guardavam do professor uma recordação grata e afectuosa. Com o advento da República teve maneira de descansar

um pouco das lides que o assoberbavam e nessa época deu colaboração a vários jornais e revistas – ainda O Povo, a Aurora do Lima, a revista Lusa, entre outros. Logo após a Monarquia do Norte – vinte e tal dias que passou na prisão – aceitou ser governador civil de Viana do Castelo... «para evitar perseguições aos monárquicos». E no opúsculo que publicou a seguir – Viana na Insurreição de 1919 – a forma literária transcende hoje o interesse, mais local, dos sucessos narrados. Aos 50 anos fica viúvo, é conservador do registo predial na Feira e reside em Nogueira da Regedoura com os 4 filhos. São alguns anos de vida repousada em que as funções oficiais não lhe exigem o tempo todo. Afeiçoado às suas flores e aos seus pinhais, vizinhos de Grijó, vive para os filhos e para as letras; acompanha as literaturas contemporâneas sem abandonar os seus clássicos; dá colaboração assídua à revista Portucale, do Porto, e a outras publicações; e, sem pressa, vai elaborando o romance Casa Abatida com o sentido posto no tempo e no lugar em que nasceu. No seu encantamento pela língua latina, e para exemplificar a riqueza de seu léxico, mais de uma vez lhe ouvi que em nenhum outro idioma existia palavra para designar o pai que perde o filho. Mas o termo lá estava, no latim de Cícero: «orbus», o que perde um olho; e, por extensão, o que perde um filho. Por duas vezes veio a sofrer o golpe. Tinha tido os desgostos de perder os pais, de perder irmãos, de enviuvar. Mas eram situações que a vida comportava. Agora, não! Independentemente das circunstâncias, e para além das circunstâncias, a dor era anti-natural” incomportável. E não encontro onde ele tenha atingido, antes, a eloquência bíblica, viril, com que fulminou céus e terra nesse escabujar. Em 1943 publica Casa Abatida, que dedica à memória do filho médico António Carlos e, falecido a 9 de Janeiro de 1945, não chegou a acabar outra obra de tomo – O Trombudo – que ia dedicar à memória do filho Armando, médico também. II Na leitura de Casa Abatida a cada passo se topam as raízes, muito à vista, que prendem o autor à sua terra. «Aldeia emproada e erguida nas tamancas era a de S. Salvador»,


abre a narrativa; e só o cendal da fantasia evita que ao nome do padroeiro da terra se siga o topónimo, a completar a designação antiga – S. Salvador de Grijó. Mas logo vêm as coordenadas: «Outra assim não havia do Porto para cá, até onde a estrada real avista a ria de Ovar e desde o mar lá-baixo, pouco mais duma légua, até lá-acima ao mar de serras que vêm de riba-Douro e param além absortas.» Alude-se em seguida ao «título bolorento de couto», que Grijó efectivamente teve, e a «os vinte lugares de roda ao convento ermo e, à ilharga do convento, a igreja enorme, uma pompa de pedra que ao fundo de amplo terreiro está virada ao pôr do sol. São depois os sinos todos, com nomes próprios hoje talvez obliterados na memória do próprio povo de Grijó – o Sino-Bento, o Caldeiro, o Pequeno – e é «aquele Sino Grande de tom grave a retumbar, o Sino Grande de S. Salvador» cujo clamor «quando zunia o sul, chegava aos altos da Rechousa quase à vista do Porto; e, com outro vento e a outro lado, ia para além da Malaposta por onde corre a estrada de Lisboa.» Nesta identificação de coisas e lugares não se pode esquecer o dado histórico referido ao filho de D. Sancho I cujas cinzas repousam no Mosteiro de Grijó e que ali tem estátua jacente. É aliás um trecho de rara beleza: «S. Salvador ………. tinha musgo de séculos nas pedras do mosteiro e nas do Cruzeiro Velho ali à beira onde caiu e se esvaiu em sangue o neto do primeiro rei afonsim, um D. Rodrigo Sanches. Se foi em guerra que caiu o infante, ou em justa por amores, não vem a limpo nos livros. Lá empoçou de sangue real aquele chão e lá disse o adeus à vida, virado à nesga de céu que ali se encurva. Por sinal, a cerca altíssima do mosteiro passa tão rente ao sítio onde o infante acabou, que embarra-lhe com a sombra; e por dentro da cerca, mesmo depois que se foram os frades, ainda ali ficaram corcovadinhos e chegados um ao outro os vultos de dois cedros anciãos com as grenhas pendidas para fora, num cicio de reza à cruz do morto.» Não será indiscreto referir que esta página, escalando os muros da sua propriedade, terá reforçado o interesse que os Senhores da Quinta do Mosteiro certamente já tinham na conservação da formosa relíquia; pois fizeram substituir estes cedros, quando acabaram, por outros que lá estão, carinhosamente plantados no mesmo sítio.

A panorâmica de Grijó: «S. Salvador desce de manso a encosta que vem da estrada real em direcção ao poente» e «abrange toda a redondeza desde o outeiro da Senhora da Saúde (dos Carvalhos, acrescentamos nós) até ao outeiro de Gesto» (a elevação neste lugar de Moselos, da Feira, mais conhecida por Monte do Murado). A encosta vem da estrada real em direcção ao poente/ não havia outra aldeia, assim do Porto para cá, até onde a estrada real avista a ria de Ovar – vistas colhidas por uma câmara que só pode estar a sudoeste, onde é Nogueira da Regedoura. A referência ao Pinheiro das Sete Cruzes, árvore de forca improvisada por invasores franceses à face da estrada logo a seguir a Grijó (e acabada de cair há anos, carcomida); a «sequência» dos carros de bois que começavam a zumbir lá longe, ao passarem nos Vintoito (lugar ainda hoje de feira mensal em Lourosa, alternando com a dos Dez) e que à passagem no Picoto já eram inferneira que forçava os carreteiros a falar aos berros, como os homens do mar; as «vizinhas caldas na baixa de S. Jorge onde rasteja o rio Uima» – outros tantos dados referenciais. E vem o que poderá chamar-se o ex-líbris ... do livro, tão mal entendido na capa da 2ª edição: «Apartado do vaivém, mais abaixo onde a encosta embrandece num conchego de regaço, é que está o mosteiro, de frontaria toda em pedra com musgos encanecidos. Ali no coração da aldeia não se cansa de ver passar as eras, sozinho desde a saída dos Crúzios, e sozinho porque a cerca muito alta sustém a distância de respeito às casas e lugares, dizendo a tudo e a todos: ah-ou, ‘fasta p’ra trás! Nos sítios um remate de cantiga ainda reza: Fugiram os frades todos, Ficou o mosteiro só... » Escamoteados os dois primeiros versos da cantiga, que é onde nasce a rima: Atirei com balas d’oiro Ao mosteiro de Grijó ... Um dado local exacto, sem disfarce de nomes: «……….em S. Salvador, só num ano, acabaram formatura seis doutores e padres: – Dr. da Quinta, o da Zenha, o Rios, o da Fábrica, o Ricardo e padre António das Vendas.» Sem nada a ver com as pessoas e os sucessos nela postos por fantasia, a Casa das Presas tem um suporte real de

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reminiscência, um paradigma: a Zenha (aludida agora mesmo na última transcrição) casa ilustre de lavoura a dois passos do sítio onde o autor da narrativa nasceu; por onde passou horas de infância e de juventude; e onde fez amizades que duraram toda a vida (fora da família ou do âmbito dos condiscípulos só com os Senhores Milheiro, da Casa da Zenha, ouvi algum dia o meu Pai tratar e ser tratado «por tu»). Foi na Zenha que em tempo de quadrilhas de ladrões, a seguir à época conturbada das lutas liberais, se consumou um assalto que perdurou na tradição local. A alusão ao lôbrego acontecimento tem seu quê de narração repetida à lareira muitas vezes: «……….nos fundégos o moinho velho onde a malta dos ladrões fechou o moço (há quantos anos!) e ele arrancou a tábua do soalho e saltou pelo cabouco mas partiu a perna e teve de ir de-gatinhas rogar quem acudisse (há quantos anos foi isso!).» É claro que as descrições não coincidem. E algumas daquelas águas da Casa das Presas poderão ter sido «canalizadas» da Quinta do Mosteiro ou doutro sítio qualquer, ou terão simplesmente ‘brotado do rico manancial da imaginação do autor. «Um Bernardes imaginoso e ardente» precisamente lhe chamou João Gaspar Simões no Diário de Lisboa de 1811-43, em larga apreciação que finaliza assim: «Atrevo-me a considerar esta Casa Abatida como uma das obras mais formosamente concebidas e mais famosamente realizadas da nossa moderna literatura. Não me admirava vê-la um dia figurar entre as obras clássicas das letras portuguesas,

1ª Edição

2ª Edição

ainda mesmo que o seu autor não escrevesse mais nada, se não nos esquecermos de que uma obra para ser clássica não precisa de ser inteiramente perfeita.» É de notar que só mais tarde o eminente homem de letras veio a saber alguma coisa mais do autor do livro. P r o p u sme localizar a história efabulada em Casa Abatida, tarefa sem dificuldade: era só escancarar uma porta

propositadamente deixada entreaberta. A transcrição com que termino é que já nada tem a ver com essa preocupação. Mas, a meus olhos suspeitos, ela não desmerece das palavras tão admirativa como insuspeitas de Gaspar Simões e da demais crítica literária, que há 40 anos recebeu este livro com louvor unânime. É esta pincelada tão alegre, tão bela, tão simples: «Na horta fronteira às portas viviam entrelaçadas três romãzeiras velhas, sempre novas, que se avistavam do caminho e eram, por todo o verão, um alto ramalhete escarlate e festivo. Bem casadas no seu poiso e afeitas a receber quem vinha, o tufo de romãzeiras lembrava rústica e ingénua pedra de armas que tivesse por timbre uma cara de riso bom-serás.» Um prosador, sim. Mas um enternecido poeta. Não é mesmo?


Uma carta inédita*

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de Fernando Ferreira Soares Meu muito querido Dr. Alberto Camboa ** Só não solicito as colunas do Correio da Feira porque a notícia que ele acaba de dar-me lhe atribue a si a proposta aprovada na Câmara a consagrar o mérito do saudoso Senhor Francisco Neves. Mas venho desabafar consigo mesmo, pois então. É que de um dos considerandos da proposta pode inferirse que se extinguiu agora a raça distinta de feirenses que engrandeceram o século XX. E não é justo que tal se diga. Ainda há feirenses da mesma raça, e não é preciso sair aqui da Vila para os encontrar: o nosso comum amigo Dr. Portela, por exemplo. Porventura não é ilustre o Senhor Dr. Celestino Portela? Porventura não é simples? Porventura não é honesto? Porventura não é empenhado? Valha-nos Deus! Ora considere e veja como foi precipitado, na melhor das intenções. E como fez que a Câmara, na melhor das intenções, se precipitasse também. Seu ex corde (ex corde mesmo) a) – Fernando Ferreira Soares

* – O Senhor Dr. António Gil Ferreira Soares teve a bondade de oferecer a cópia da carta, que se encontrava no arquivo de seu Pai, ao Director da Villa da Feira. Não datada, refere uma proposta do Vereador Alberto Camboa publicada na 1ª. Página do Correio da Feira de 18 de Maio de 1984. Villa da Feira agradece a gentileza e a autorização para a sua publicação, integrando-a como documento do Centenário do Ilustre Feirense. ** – O Senhor Dr. Alberto Camboa, Distinto Advogado na comarca de Santa Maria da Feira, fez estágio de Advocacia com o Senhor Dr. Fernando Ferreira Soares.


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DIREITOS HUMANOS (Conferência aos Alunos do Colégio Liceal de Santa Maria Lamas) Dom Carlos Filipe Ximenes Belo* Ex.mo Sr. Dr. Vieira, digníssimo Fundador deste Colégio; Ex.ma sra Directora, Doutora Joana; Ex.mos Professores, Encarregados de educação, Pais, e Funcionários; Caríssimos Alunos desta escola, Em primeiro lugar permiti-me que dirija uma saudação especial a todos os presentes. Agradeço ao Senhor Prof. Paulo Costa pelo convite que me foi feito para estar hoje, aqui, a celebrar convosco o Dia Mundial dos Direitos Humanos. Por quê o Dia Mundial dos Direitos Humanos a 10 de Dezembro? Porque foi neste dia que faleceu o instituidor do Prémio Nobel, Alfred Nobel (1896). Foi neste dia, que as Nações Unidas promulgaram em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1950, a Assembleia Geral das Nações Unidas convidou todos os estados e organizações interessadas a celebrar o Dia dos Direitos Humanos no dia 10 de Dezembro. Em todo o mundo, fala-se hoje dos Direitos do Homem. Os direitos humanos são direitos que dizem respeito a cada indivíduo enquanto ser humano; não dependem da raça, da * Administrador Apostólico emérito de Dili (Timor-Leste) Prémio Nobel da Paz 1996.

religião, da língua, da proveniência geográfica, da idade ou do sexo. São direitos fundamentais, universais, invioláveis e inalienáveis. Dizem-se fundamentais, porque devem referirse à satisfação das necessidades fundamentais da pessoa humana. São universais, porque estão presentes em todos o seres humanos, sem qualquer excepção alguma de tempo, de lugar, e sujeito. Invioláveis, enquanto inerentes à pessoa humana e à sua dignidade: inalienáveis, enquanto ninguém pode legitimamente privar destes direitos a um seu semelhante, seja ele quem for, porque isso significaria violentar a sua natureza. A divulgação dos Direito Humanos ficou mais intensiva depois da aprovação pelas Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948. A partir dessa data, a Declaração Universal, tornou-se um documento de referência obrigatória para muitas Constituições e Documentos legislativos de Estados. A expressão “DIREITOS DO HOMEM” OU “DIREITOS HUMANOS” e a sua formulação datam do século XVIII. As primeiras declarações dos direitos propriamente ditos surgiram nos estados americanos, concretamente no estado de Virgínia, em 1776. Mais tarde, a Revolução Francesa inspirada na revolução americana e nas ideias filosóficas do Iluminismo, tornou mais explicita a concepção dos Direitos do Homem. De facto, a Assembleia Nacional Constituinte francesa aprovou a 26 de Agosto de 1789 a Declaração dos Direitos do Homem. Esta declaração foi reformulada em 1793.

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Apoteótica recepção a Dom Ximenes Belo.

E serviu de inspiração para a Constituição Francesa de 1848. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), serviu de inspiração para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas (10 de Dezembro de 1948). O objectivo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, está delineado no preâmbulo da mesma: “A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendoa constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas, de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados Membros como entre as dos territórios sob a sua jurisdição” Porém, a ideia dos Direitos humanos já surgiu na Antiguidade. Vejamos, rapidamente, alguns documentos relacionados com este tema:

1. Durante o período de hegemonia do império babilónico sobre a Mesopotâmia (1800-1500 a. C.) o rei Hamurabi fez compilar um código de leis. Código de Hamurabi é um dos mais antigos conjuntos de leis da antiga mesopotâmia. Trata-se de um monumento monolítico talhado em rocha. O objectivo deste código era tornar homogéneo o reino juridicamente e garantirlhe uma cultura comum. Conteúdo: O código de Hamurabi expõe leis e punições caso essas não sejam cumpridas. Entre outras coisas, o código legisla sobre o roubo, a agricultura, a criação de gado e danos à propriedade. Tem 281 artigos. O código é conhecido por ser o primeiro corpo de leis de que se tem notícia, fundamentado no princípio da Lei de Talião, que estabelece a equivalência de punição em relação ao crime: o termo talião é originado do latim e significa tal ou igual, daí a expressão “olho por olho, dente por dente”. Artigo 2 do código: “Se alguém acusar um homem e o acusado mergulhar num rio e afogar-se, aquele que o acusou pode apoderar-se da sua casa. Mas se o rio provar que o acusado é inocente e ele se escapar ileso, então aquele que o acusou será executado, e o acusado tomará a posse da casa”. Um exemplo do código


de Hamurabi: “Um arquitecto que construir uma casa que por qualquer razão venha a desmoronar-se causando a morte dos seus ocupantes, esse arquitecto é condenado à morte”. 2. O Antigo Testamento - A Lei de Moisés (século XIII a. C.) Decálogo: Honra teu pai e a tua mãe (Ex 20, 12); “Não matarás” (v. 13); “Não roubarás” (v. 15); Não desejarás a casa do teu próximo, não o seu servo, a sua serva, o seu boi, o seu burro, e tudo o que é do teu próximo” (v.17). Semelhança com a lei do Talião: Quem ferir o seu pai ou a sua mãe deve morrer; quem raptar um homem e o vender, ou retiver em seu poder, deverá morrer” (Ex 21, 15). “Quando o boi de um homem ferir de morte o boi do seu próximo, venderão o boi vivo e repartirão o seu dinheiro; e repartirão também o morto” (Ex 21, 35). Novo Testamento - Palavras de Jesus: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo; Eu, porém digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar imbecil, será réu diante do Conselho; que lhe chamar louco será réu da geena do fogo” (Mt 5, 24 ss). O Livro Bem Sirá, Cap. 3 (deveres para com os pais); capítulo 4 - As obras de misericórdia: Não tires a vida ao pobre; não desprezes aquele que tem fome; não aflijas o coração do infeliz. Jesus refere-se à Lei de Talião: “Não oponhais resistência; ouvistes o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém digo-vos. Não ponhais resistência ao mau: mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém litigar contigo para te tirar a túnica, dá-lhe também a capa. E se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas” (Mt. 38 ss); “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt, 5,45). São Paulo, na carta aos Gálatas, “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28); ver o hino à caridade em 1 Cor 13,1-13). 3. A Magna Carta (1215) dos ingleses, contra a arbitrariedade real (Idade Média), carta dos direitos formulados tentativa de formulação do que chamamos hoje “Direitos do Homem”. É um documento fundamental na história das instituições políticas inglesas como expressão da supremacia

constitucional sobre a vontade régia e como base do parlamentarismo britânico. Foi imposta ao rei João Sem Terra pelos condes e barões. O rei foi obrigado a assinar a Magna Carta. Esta Carta inicialmente constava de um preâmbulo e 63 artigos (posteriormente reduzidos a 47 artigos). A Carta estabelece o reconhecimento dos direitos comuns a todas as classes sociais, comprometendo-se o rei a não pretender o pagamento de nenhum subsídio ou imposto sem o consentimento do Conselho do Reino. Importantes foram as garantias individuais no campo judicial. 4. HABEAS CORPUS. Um documento de tutela da liberdade individual na sua forma física, contra todos os abusos da autoridade ou exercício do poder. 5.BILL OF RIGHTS (1689) 6. Declaração de Direitos formulada pelos representantes do bom Povo da Virgínia. (12 de Junho de 1776) - A Declaração dos Direitos da Virgínia é uma Declaração de Direitos que se inscreve no contexto da luta pela Independência dos Estados Unidos da América. Precede a Declaração da Independência dos Estados Unidos da América e, com ela, é de nítida inspiração iluminista. Alguns exemplos: Artigo 1º - Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar a sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança”. Artigo 2º - Toda a autoridade pertence ao povo e por consequência dela se emana; os magistrados são os seus mandatários; Artigo 5º - O poder legislativo e o poder executivo do estado devem ser distintos e separados da autoridade judiciária; Artigo 6º - As eleições dos membros que devem representar o povo nas assembleias serão livres; Artigo 14º - A liberdade de imprensa é um dos mais fortes baluartes da liberdade do Estado e só pode ser restringida pelos governos despóticos. Artigo 18º - A religião ou o culto devido ao criador, e a maneira de se desobrigar dele, devem ser dirigidos unicamente pela razão e pela convicção, e jamais pela força e pela violência, donde se segue que todo o homem deve gozar de inteira liberdade na forma do culto ditado pela sua

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consciência e também da mais completa liberdade na forma do culto ditado pela consciência, e não deve ser embaraçado nem punido pelo magistrado, a menos que, sob pretexto de religião, ele perturbar a paz e a segurança da sociedade (caso de São Paulo, perante o judaísmo). 7. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Assembleia Nacional Francesa (26 de Agosto de 1789). A Revolução Francesa inspirada na Revolução Americana (1776) e nas ideias filosóficas do Iluminismo, a Assembleia Nacional Constituinte da França revolucionária aprovou a 26 de Agosto de 1789 e votou definitivamente a 2 de Outubro a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que tinha

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Recepção no Colégio Liceal a Dom Ximenes Belo.

um preâmbulo e dezassete artigos. Pela primeira vez são aí proclamadas as liberdades e os direitos fundamentais do Homem. Esta Declaração foi reformulada em 1793. Serviu de inspiração para a Constituição Francesa de 1848. Serviu ainda de inspiração para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, de 1948. Artigo 1º - Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Artigo 2º - A finalidade de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.


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O Senhor Dr. Joaquim Vieira faz a apresentação do Orador Dom Ximenes Belo.

Artigo 10 – Ninguém pode ser molestado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que a sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida por lei. 8 – Declaração Universal dos Direitos Humanos (10.12.1948) A Declaração Universal dos Direitos do Homem, além do preâmbulo tem 30 artigos. Ela apresenta princípios gerais dos direitos humanos e liberdades fundamentais e os seus trinta artigos constituem o ideal das relações internacionais (os três primeiros). Os artigos 4º-21º, contemplam os direitos civis e políticos; os artigos 22º-27º, proclamam os direitos económicos, sociais e culturais. Os artigos 28º-30º, referemse à ordem internacional e a responsabilidade de pessoa na comunidade mundial. 9 – Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do

Homem e das Liberdades Fundamentais (4 de Janeiro de 1950). De 1960 até ao final do século XX, foram publicadas diversas Convenções e Declarações. No âmbito da Igreja Católica. No nosso tempo, o magistério da Igreja não deixou de apreciar a Declaração proclamada pelas Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948, que João Paulo II definiu como “uma pedra milenária no caminho do progresso moral da humanidade” (João Paulo II, Discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, 2 de Outubro de 1979), in CDSI, 152). Diz a Igreja que a “raiz dos direitos do homem, com efeito, há-de ser procurada na dignidade que pertencer a cada ser humano; tal dignidade, co-natural à vida humana e igual em cada pessoa, apreende-se antes de tudo com a razão” (ibidem, 153). Os ensinamentos de João XXIII (Carta Encíclica Pacem in Terris), o Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI ofereceram


amplas indicações da concepção dos direitos humanos delineada pelo magistério. O Papa João Paulo II, na sua Encíclica Centesimus Annus” sintetizou num elenco os direitos:” o direito à vida; do qual é parte integrante o direito a crescer junto à mãe depois de ter sido gerado; o direito de viver numa família humana e num ambiente moral favorável ao desenvolvimento da própria personalidade; o direito a maturar a sua inteligência e liberdade na procura e conhecimento da verdade; o direito a participar no trabalho para valorizar os bens da terra e a obter dele o sustento próprio e dos seus familiares; o direito a fundar uma família e a acolher e educar os filhos, exercitando responsavelmente a sua sexualidade. Fonte e síntese destes direitos é, em certo sentido, a liberdade religiosa, entendida

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Aspecto do anfiteatro onde foi proferida a Oração Solene.

como direito a viver na verdade a própria fé e em conformidade com dignidade transcendente da pessoa”(in CDSI, n. 155). A Igreja fala ainda dos Direitos dos povos e das nações. Com efeito o que é verdade para os homens é também verdade para os povos e nações. “O magistério recorda que o direito internacional se baseia no princípio do igual respeito, por parte dos Estados, do direito à autodeterminação de cada povo e da sua livre cooperação em vista do bem comum superior da humanidade” (ibidem, 157). João XXII (1958-1963) Pacem in Terris - Encíclica publicada a 11 de Maio de 1963. Nela o Papa faz uma profunda reflexão sobre os direitos do homem.


“O Ser humano tem direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente o alimento, o vestuário, à moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis. Segue-se daí que a pessoa tem também o direito de ser amparada em caso de doença. De invalidez, de velhice, de desemprego forçado, em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes da sua vontade”. Direitos relativos aos valores morais e culturais: “Todo o ser humano tem direito natural ao respeito da sua dignidade e à boa fama; direito à liberdade na pesquisa da verdade e, dentro dos limites da ordem moral e do bem comum, à liberdade de manifestações e difusão do pensamento, bem como no cultivo da arte”. Tem direito também à informação verídica sobre os acontecimentos públicos. Deriva também da natureza humana o direito de participar dos bens da cultura e, portanto, o direito a uma instrução de base e uma formação técnica e profissional, conforme o grau de desenvolvimento cultural da respectiva colectividade” (p.9). Concílio Vaticano II- Declaração sobre a Liberdade Religiosa: “Este Concílio Vaticano II, declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Tal liberdade consiste em que todos os homens devem estar imunes de coacção, quer da parte de pessoas particulares, quer de grupos sociais ou de qualquer poder humano…” (nº. 2). Ao celebrarmos o Dia Mundial dos Direitos Humanos, não basta falar deles. É preciso conhecer a Declaração Universal; é preciso pôr em prática todos os dias. E, sobretudo, educar os jovens para o respeito dos Direitos Humanos. Depois de 62 anos da sua promulgação, muitas violações dos direitos humanos continuam a registar-se em várias partes do mundo. Todos os dias ouvimos falar de violência doméstica, de assassinatos, assaltos, roubos, conflitos e guerras. No mundo ainda há prisões, tortura, censura, discriminação cultural, racial, religiosa, étnica e económica. As novas gerações devem ser educadas no respeito dos direitos humanos, na igualdade entre homens e mulheres, no respeito pela diversidade cultural. Os jovens devem ser educados na tolerância e no combate contra a exclusão, o racismo, a xenofobia, o chauvinismo e o fanatismo religioso. A educação para os Direitos Humanos supõe a educação para a cidadania, tendo em conta a educação para os valores, como

a liberdade, igualdade e fraternidade. Nessa educação, devemos incluir a noção dos deveres. Aos direitos acima considerados no mesmo sujeito jurídico que é a pessoa humana vinculam-se os respectivos deveres. O exercício dos direitos tem como limite o respeito pelos direitos alheios, pelos imperativos da moral e pelas exigências do bem comum, correctamente entendido. A todos vós, alunos deste benemérito Colégio, desejo uma boa celebração do Dia Mundial dos Direitos Humanos.

Porto, 10 de Dezembro de 2010. 81


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UM CORAÇÃO ... DOIS AMORES H. Veiga de Macedo* Parece um pêndulo o meu pobre coração. Um pêndulo que oscila e bate sobre o mar, Entre o País do meu nascer e meu brincar E o Brasil que me empolga e me anda na emoção. Cheguei agora e já todo eu sou vulcão De sofrimento ao ver que breve o vou deixar, De regresso à Raiz, por mim sempre a chamar, Com sua funda voz em jeito de oração.

- Aos Primos Nair (Veiga Lacerda), Jorge (Veiga Medeiros), Alzira, Mercedes, Alcindo, Nilsa, Sílvio e outros parentes mais que, na hora incerta, fraternalmente me acolheram no Brasil.

Outro não é o drama, o destino ou a glória, Do Português a erguer na fé a sua História: - A ser p’lo mundo além peregrina saudade. Em todo o caso, Santo António de Lisboa, Faz o milagre! Afoga a dor que em mim cachoa. - Diz-me o segredo do teu dom da ubiquidade! São Paulo, Ônibus Tietê - Vila Rosália 20 de Março de 1982 - Dias após o meu regresso de Lisboa.

* Poeta. Foi Ministro de Portugal. Faleceu em 25-01-2005


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NEM TUDO O QUE LUZ… João Pedro Mésseder* Nem tudo o que luz é couro, couro de homem macerado pelo esforço e pelo suor. Também luz o ouro e todavia embacia os olhos e atrofia a alma que enegrece.

A Doença das Cores

* Nasceu em 1957, no Porto, onde completou os seus estudos universitários e exerceu a docência. Publicou vários livros de poesia (os últimos intitulam-se Abrasivas e Elucidário de Youkali seguido de Ordem Alfabética), múltiplos títulos na área da literatura para a infância e uma antologia da poesia de Carlos de Oliveira. Três dos seus livros foram premiados.


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Caro Celestino José Manuel Cardoso da Costa*

Como te expliquei, estarei ausente do país, por imperativas razões académicas, entre amanhã e sábado próximo. Por isso, e ao contrário do que esperava, não poderei estar presente no jantar de homenagem ao nosso Amigo e devotadíssimo feirense, Eng.º Artur Brandão, homenagem cuja Comissão, por teu convite, tenho o gosto e a honra de integrar. Peço-te, assim, o obséquio de dares a todos a razão da minha ausência - mas, em especial, o de seres o intérprete do sentimento de grande júbilo com que me associo à homenagem. Ela é justíssima, a muitos títulos: pelo perfil humano do homenageado, pela dedicação, competência e empenho com que cumpriu a sua carreira profissional no serviço público municipal, pela referência que é, no plano desportivo, como grande atleta e dirigente, pela sua permanente disponibilidade para servir em tantas instituições feirenses, como agora na presidência da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros, e pela capacidade de iniciativa que em todas essas ocasiões tem revelado, enfim, pelo testemunho exemplar que sempre deu de amor à sua e nossa terra.

É com estes sentimentos que o envolvo num abraço - que lhe transmitirás - de velha estima e amizade, tão velha quanto os anos que nos separam já daqueles que nos juntaram nos bancos da nossa escola primária...

Teu, muito grato,

*Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Presidente da Assembleia Municipal de Santa Maria da Feira.


Adolfo, jogador e hoje treinador,

entreja uma bola, oferta das Escolas Artur Brandão.

Número 50, o Maior...

Cumprimentos de António Cavaco.

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Aspecto da Sala de Jantar.


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Meu caro Artur Brandão Vitor Fontes* É com enorme prazer e redobrada alegria que me associo a esta festa em tua homenagem e que, em boa hora uma plêiade de bons amigos e insignes feirenses tomaram a dianteira de levar a cabo, com todo este calor humano e o brilhantismo que a todos nos envolve. É já antiga a memória que guardo de ti, querido Amigo.

E exprimir o desejo de poder brindar à tua saúde ainda durante longos anos. Assim seja: Para já deixa-me abraçar-te com a mais viva e sentida alegria, com o gosto da amizade e da admiração e com o prazer desta magnífica festa, de saber que abraço um ilustre Feirense, um Grande, Leal e Sincero Amigo.

A nossa convivência iniciou-se há já alguns anos em serões familiares, sempre acompanhado da tua dedicada e inseparável esposa Alcide, alongou-se nos ambientes de tertúlia da nossa Cidade e na actividade associativa e, com o decorrer do tempo, transformou-se numa recíproca estima e sólida amizade, bem cada vez mais raro e precioso, nos tempos que correm. Pode-se destruir tudo na vida. A amizade que é lídima resiste a todas as ventanias. Hoje, muito especialmente, meu caro amigo, venho felicitar-te pela tua tanta juventude e tamanha alegria de viver. * Deputado da Assembleia da República.

Santa Maria da Feira, 25 de Janeiro de 2008


Um Prato de Cerâmica que representa o Complexo Desportivo de Golfar.

Alfredo Henriques, Dona Alcide e Artur Brandão.

Elísio Amorim Carneiro.

Cumprimentos de Alfredo Henriques.

Fernando Leão, Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira.

Roberto Carlos e Manuel Tavares.

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Fernando Leão* Eu peço desculpa por uma razão: tenho noção que em termos protocolares nem se admitia, nem de perto nem de longe, que tivesse a ousadia de usar da palavra, mas não é para usar da palavra num sentido. Eu tenho uma peça que, todas as peças que foram oferecidas, todas elas têm um significado. Aquela peça que acabei de entregar ao Engenheiro Brandão em nome da Junta de Freguesia - que estou aqui com os meus colegas todos, até o Presidente da Assembleia fez o favor de estar aqui presente - tem um significado. Acho que todas as pessoas que falaram anteriormente, ilustres pessoas, dirimiram tudo o que é o cidadão Engenheiro Artur Brandão. Eu acho que aquela peça, por ser um quadrado ou um rectângulo, tem a fotografia gravada dele em raio laser, mas não é isso que está em causa nem o valor intrínseco da peça. É que tem lá quatro ou cinco mensagens que personificam a pessoa do Engenheiro Artur Brandão. Tem o homem, o atleta, o pai, o marido, o avô, o dirigente, o cidadão. São estas frases, se não me engano, que acho que é uma colectânea de tudo o que é o Engenheiro Artur Fernando Sá de Brandão. E se há bocado se falou num pormenor - eu felizmente sou das poucas pessoas da minha geração, talvez o único, e por isso me sinto duplamente feliz por estar aqui – que foi o único atleta, ao meu tempo de jogador, que tive o privilégio de jogar *Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira.

quando ele era Presidente, só lhe faltava ser massagista. Era presidente, atleta e dirigente. Portanto, o Engenheiro Artur Brandão, tive o privilégio de jogar em Moimenta da Beira com ele, era eu miúdo, e eu queria falar mas não podia com o frio, tomávamos banho em água gelada e os dentes não deixavam falar. Portanto essa época de 71, como também, há bocado, alguém falou e muito bem - o Presidente do Clube -, há um marco histórico na vida desportiva do Clube Desportivo Feirense e na história do Feirense nos últimos cinquenta anos. Eu quero ressalvar duas coisas: é que está acolá ao fundo uma mesa de colegas que jogaram, que catapultaram o Feirense para aquilo que ele é hoje. E a memória das pessoas, como eu costumo dizer, Santa Maria da Feira ficou entre duas paredes: entre a Suil, quase a chegar a Lourosa e a MAF, aqui ao lado, em Fornos. E, segundo muita gente, o queijo faz esquecer ou apagar a memória, e como a Feira ficava no meio, as pessoas esquecem-se muitas vezes de muitos valores, de muitas pessoas que dão muito de si em prol dos outros. E realmente aqueles atletas de 1961, à época, conseguiam uma coisa em Santa Maria da Feira, hoje Vila da Feira hotel, que foi fazer um estádio em dois meses, que é impossível em Portugal, fazer a subida de Divisão em 1961, obrigou a fazer um novo estádio que está lá – o Estádio Marcolino de Castro – esse grande dirigente e grande homem de Santa Maria da Feira, e foram aqueles atletas, com o Engenheiro

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Artur Brandão, que catapultaram um clube de bairro, um clube distrital para a dimensão nacional, e ainda bem que hoje podemos usufruir. Portanto, eu tive o privilégio dessa transição e sinto-me um bocado “babado” por dizer que da minha geração fui o único que joguei com o Artur Brandão, como com o Zé Ramalho e o Senhor Eduardo e o Dinis, e portanto, desculpem-me esta ousadia de fugir ao protocolo, porque eu não me consigo, às vezes, calar, é por isso que sou muitas vezes infeliz e algumas vezes feliz. E porventura o meu estatuto agora momentâneo de político faz-me crer que as pessoas que estão aqui, profissionais dedicados à odontologia, que os políticos normalmente são tão mentirosos que os dentes têm de cair forçosamente, e portanto quero dizer que uma ilustre mesa, as pessoas que nos antecederam, portanto não havia nada em ter um atrevimento, e desculpem-me, já tenho 55 anos, não pareço mas tenho, levam-me a ter o atrevimento de criança, de ter a ousadia de usar da palavra. A única coisa que quero dizer, Engenheiro Artur Brandão, não é por acaso que a gentileza, porque muitas vezes esquecese, ele é um homem que todos conhecemos, mas acho que há uma palavra que todos nós temos de reconhecer e que de certeza entre nós. O Engenheiro Artur Brandão, Artur Fernando de Sá Brandão é, sempre foi e é o que é, mas deve-o à muleta da grande senhora que é a sua esposa, Alcide de Campos. Permitam-me uma inconfidência: naqueles tempos em que jogávamos de alma e coração, em que o dinheiro era secundário, eu tive dois presidentes e um deles, o último, a trabalhar na carreira, foi o Senhor António Marques Santos Cavaco, e tenho guardado o cheque do último vencimento que tive - 7.500$00 - e era pouco para toda a gente, mas era muito para nós, que trabalhávamos e jogávamos, e pode ficar na história do Clube Desportivo Feirense, uma equipa do número 1 ao número 16, talvez seja um facto inédito: todos jogávamos e trabalhávamos e fomos campeões, subimos à primeira divisão em 76, 77. E portanto, há um cordão umbilical em relação a tudo isto, que é o Engenheiro Artur Brandão, que chegava ao balneário, e lembro-me, quando íamos a Cantanhede, quando íamos para a Lousã jogar futebol, o prémio era uma sande de queijo com marmelada. O primeiro carro que parasse à frente, não havia autocarros, nem carrinhas, não havia nada; eram carolas, que davam do seu bolso, e estou a ver aqui

tantos: o Senhor João e outros, que eram cravados para ir levar os jogadores. E então o prémio era uma sande no meio do caminho e isto é só para dizer que o estado de alma, ao tempo, isto alterou-se, mas a filosofia continua a mesma. Posso ser lunático, posso ser uma alminha do outro mundo, mas penso que, na próxima década, vamos ter um desporto, e principalmente o Feirense, a ter a mesma filosofia, porque estamos, indirectamente, a criar pessoas que não sabem fazer nada, e é por isso que o país está como está: aos 32 anos, as pessoas não sabem o que hão-de fazer, e levam bons desportistas a ir para treinadores adjuntos, a ir para treinadores, guarda-redes, porque não sabem fazer nada, são inválidos, e portanto essa invalidez tem de ser transportada para dar mais aura a essas pessoas que têm direito a ser e que tenham cursos de formação profissional e comecem a trabalhar mais cedo. Engenheiro, um bem-haja, tudo de bom, porque o Senhor merece tudo e é por isso que está no alto, muito escorreito como sempre foi, porque Santa Maria da Feira e as associações esperam por si, por ser conhecido, continua grande e a pensar grande.

Muito obrigado.


Manuel Tavares.

Domingos Siva e o seu Grupo de Fados.

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Domingos Silva, Domingos José Rodrigues, Celestino Augusto Portela e Emídio Sousa.

Artur Brandão.

Joaquim Carneiro, Artur Brandão e Roberto Carlos.

Celestino Portela.


Victor Fontes.

José Guimarães dos Santos.

Serafim Guimarães.

Um pormenor de cumprimentos.

Dona Palmira Esmeralda.

Um pormenor do Convívio.

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Rodrigo Nunes* Falar de Artur Brandão é falar de uma vida dedicada ao desporto e em particular ao Clube Desportivo Feirense. É uma honra, neste jantar de homenagem da sociedade feirense, em meu nome e do clube, associar-me a este evento e agradecer publicamente a este homem tudo o que fez pelo engrandecimento do nosso clube. O Feirense comemora este ano o seu 90º aniversário. Mais de metade da história da colectividade confunde-se com a história da vida deste grande homem, este grande feirense. Até 1958 – nos primeiros 40 anos – o Feirense foi sempre um clube regional, participando, apenas, nos campeonatos de Aveiro, nunca atingindo um lugar de destaque. Até que nesse ano ingressa no Clube Desportivo Feirense um jovem de 20 anos, de seu nome Artur Brandão. A partir daí, tudo mudou. Nesse mesmo ano o clube venceu o campeonato distrital, estreando-se no campeonato nacional da III Divisão, feito que repetiu no ano seguinte. Em 11 anos de carreira como jogador, não só conquistou vários campeonatos distritais – que valeram a participação, pela primeira vez, nos campeonatos nacionais, nomeadamente na III Divisão – como ajudou a equipa a ascender, mais do que uma vez, à II Divisão, culminando com uma subida à primeira, naquela que foi uma das páginas douradas da História do Clube. Artur Brandão terminaria a carreira de jogador em 1969, *Presidente do Clube Desportivo Feirense.

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então com 31 anos. Quando seria de esperar que – a exemplo de tantos outros – ingressasse noutro clube, até pela sua idade e pelo gosto de jogar a bola, Artur Brandão não só não o fez como aceitou o desafio arrojado de tornar-se presidente. Conhecida a grandeza do clube, torna-se imperioso, a esta distância, assinalar o arrojo que representou o facto de ter aceite o desafio, dada a sua juventude para assumir tal missão. Mas, felizmente, o tempo encarregou-se de mostrar que valera a pena, já que os nove anos enquanto presidente confirmaram o espírito ganhador que Artur Brandão revelara como jogador. Por entre tantos títulos nos mandatos enquanto presidente, deve assinalar-se a subida à I Divisão, no final da década de 80. O último biénio da sua presidência terminou com a ascensão à então criada Liga de Honra, onde permaneceu no ano seguinte, terminando, em 1995, a sua ligação ao clube enquanto presidente da Direcção. Durante um dos seus mandatos, na época de 1970/71, um facto particularmente curioso aconteceu, que demonstra todo o seu amor ao clube – foi presidente e treinador, chegando, até, a envergar, em simultâneo, a camisola como jogador. Mesmo quando não foi jogador ou presidente, Artur Brandão nunca deixou de ter papel preponderante na vida do clube. Ocupou diversos cargos, mantendo-se sempre como


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voz activa e emprestando o seu contributo, a sua sabedoria e o seu amor ao clube para desbravar o caminho que nos conduziu até aqui. Tenho pena de não o ter conhecido como jogador. Mas, a cada almoço da “velha guarda”, delicio-me a ouvir histórias dos tempos em que evidenciava as suas capacidades técnicas nos palcos do futebol nacional. Mas o que conheço do seu desempenho enquanto dirigente e presidente, teve o condão de contribuir para que despontasse o meu amor – para não dizer a minha paixão – pelo Clube Desportivo Feirense. Quando entrei no departamento de futebol juvenil, em 1999, cedo percebi que podia contar com ele. A colaboração que dispensa é permanente, nunca ma tendo negado sempre que solicitada. Muitas das iniciativas então tomadas não teriam visto a luz do dia sem a sua contribuição. Sempre que ganhávamos um título no futebol juvenil, essa conquista dava-nos um duplo prazer não apenas por sermos campeões, mas também por passarmos por sua casa para lhe dedicar a vitória. Não há palavras que descrevam o sentido da sua reacção, da sua vibração… Não há mesmo palavras… Por essa razão – e por muitas as outras – criámos a escola de futebol do clube, atribuindo-lhe o nome de Artur Brandão, seu patrono. Homenagem singela mas de grande significado para nós. Para além de emprestar o nome à escola, empresta

todo um conjunto de valores que queremos ver aplicados e respeitados – ambição, rigor, disciplina, espírito de conquista e, claro está, amor ao clube. Por tudo o que disse, facilmente se percebe que eu não poderia ter dito “não” a um convite por si dirigido para ser presidente do Feirense. Artur Brandão é o principal responsável pelo aparecimento e pelo crescimento do meu amor ao clube, que culminou com a loucura de ter aceite o convite para a presidência e de ainda por cá me manter. E se ainda vou tocando o barco para a frente, isso muito fica a dever-se ao facto de ter em Artur Brandão o conselheiro, o amigo… Artur Brandão tem estado sempre disponível e nunca diz “não” a uma solicitação, a um desafio… A sua experiência – de vida e de futebol – têm sido uma “muleta”. Conversar com Artur Brandão é proveitoso não só por ouvirmos a sua opinião, mas também porque ele nos ajuda a descobrir as nossas próprias opiniões. Estar aqui neste momento é particularmente grato para mim. Não só enquanto dirigente, mas como cidadão feirense. Agradecer é, pois, uma missão ingrata, porque ficamos sempre com a sensação de que as palavras não são suficientes. Mas como não podemos fugir a usá-las… Senhor engenheiro Artur Brandão, Obrigado por tudo o que fez pelo Clube. Os Feirenses ficam-lhe inteira e eternamente gratos.


Dr. Elísio Amorim Carneiro* Exmo. Senhor Engenheiro Artur Brandão, sua esposa, Senhor Presidente da Câmara, Presidente do Clube Desportivo Feirense, demais entidades na mesa de honra, minhas senhoras e meus senhores, comunicação social, elementos que promoveram este jantar, Hoje, de facto, as pessoas do futebol estão gripadas, também o Rodrigo está, eu também estou, é um facto, mas temos de jogar assim; os jogadores jogam muitas vezes em inferioridade, também tenho de o fazer, peço desculpa, mas nada me impede, nada me impediria de estar aqui presente, respondendo ao amável convite formulado pelo Dr. Celestino Portela, meu conhecido de longa data, e obviamente, para mim, é uma assumida honra estar aqui presente junto de uma pessoa e junto de todos vocês, mas em especial do Engenheiro Artur Brandão, pessoa que eu já conheço também há muitos anos e, ainda esta semana, meu companheiro de viagem para o estádio da Luz, no autocarro, tivemos a oportunidade de falar horas e horas de futebol, de desporto, dos problemas da sociedade e, de facto, também lhe transmiti o quanto o admirava e admiro. Cheguei a ser coleccionador de cromos e tinha e tenho ainda o Engenheiro Artur Brandão na minha colecção de cromos de quando ele era jogador do Feirense. Não sabem o que é, mas é verdade; não é um “cromo”. Eu queria também dizer que o futebol, contrariamente e *Presidente da Associação de Futebol de Aveiro.

muitas vezes, é confundido como um escabroso negócio nos dias de hoje, mas não é. O futebol também tem estes símbolos de gratidão, e as pessoas do futebol são gratas porque de facto sabem reconhecer quem é dirigente benévolo, quem é dirigente voluntário, quem é dirigente que deixa a sua família e os seus amigos para se dedicar a uma causa social como é o desporto, neste caso particular o futebol, porque eu podia falar do Engenheiro Artur Brandão como director, como dirigente, como treinador, como jogador de futebol, como ex-dirigente de outras colectividades sociais e o que eu tenho a dizer é que, depois do que disse aqui o nosso Presidente Rodrigo Nunes, que eu aproveito para saudar em especial pela brilhante intervenção que ele fez do perfil do nosso homenageado, mas depois de tudo isto eu queria dizer que nos dias de hoje há uma crise enorme no dirigente benévolo, no dirigente voluntário. E eu, o que pretendo aqui, de facto, nesta minha intervenção é ressalvar o papel social que todos nós temos de ter. Já tudo foi dito e há aqui outras pessoas para dizer melhor do que eu qual foi a evolução positiva que o Engenheiro Artur Brandão teve na sociedade feirense e não só nacional - chegou a ser atleta internacional - e eu, aproveito esta oportunidade para realçar o papel social que hoje as pessoas têm de ter numa sociedade cada vez mais egoísta, menos dotada para a entrega aos outros, e o Engenheiro Artur Brandão personifica todos estes atributos.

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Nós hoje, na Associação de Futebol de Aveiro, muitas vezes temos clubes que, no fim da época, nos deixam algum passivo para os dirigentes vindouros pagarem, mas também temos outros clubes que deixam um saldo positivo e mesmo assim algumas colectividades desaparecem, porque não há dirigentes, porque não há entrega voluntária e isto significa que o exemplo do Engenheiro Artur Brandão deve ser levado a todos os jovens para que todos eles tenham um futuro papel na sociedade; e um papel na sociedade que pode não ser só no futebol, pode ser na cultura, pode ser nos mais diversos aspectos da vida social. Por favor, vamos todos, todos em conjunto, tomar como exemplo a dedicação que este nosso amigo teve ao longo da sua vida e ainda continuará a ter, porque ainda tenho em mente o que aconteceu na nossa viagem até Lisboa e as suas ideias. 96

Elísio Amorim Carneiro e Artur Brandão.

Nós queremos continuar a colher os seus ensinamentos por muito tempo. É esse, digamos, o nosso desejo, porque a vida dele foi uma vida dedicada à família, dedicada à sociedade, dedicada ao futebol, o futebol que, de facto, é uma estranha magia que congrega tantas paixões, tanta gente fiel, e o que é mais caricato é que também congrega muitos infiéis em algumas circunstâncias. Portanto, em nome pessoal, Engenheiro Artur Brandão, em nome da instituição que eu neste momento lidero, associo-me a esta homenagem, dou-lhe um abraço, sinónimo da gratidão de tudo o que fez pelo desporto e continuará a fazer.

Muito obrigado a todos.


Engenheiro Artur Brandão, António Cavaco* Estou aqui para lhe endereçar algumas palavras, a si como a todos os feirenses aqui presentes. Estou certo que a presença deles é mais do que todas as palavras do mundo que poderemos evocar. Eles estão aqui, e em grande número; e todos lhe reconhecem que é um feirense de grande dimensão. O Engenheiro Artur Brandão tem dois defeitos: um, sportinguista; outro, um defeito que todos admiram que é ser um feirense de grande dimensão. É um feirense de grande dimensão a todos os títulos, porque ele não é só no Clube Desportivo Feirense. O Engenheiro Artur Brandão é sempre um feirense em todas as situações para as quais é solicitado. Ser dirigente não é fácil e ele enfrenta a dificuldade sempre com a mesma disposição. E vai conseguindo, com a sua forma de ser, encontrar, nas pessoas, quem o acompanhe, porque trabalhar em prol dos outros, cada vez há menos quem queira e se não houver Artures Brandões a fazer essa puxada, torna-se difícil; e ele não há dúvida nenhuma que consegue aglutinar um conjunto se pessoas sempre à sua volta e ir buscar juventude, refrescando, ora no Orfeão, ora nos bombeiros, ora no futebol, ora no Clube Feirense; ele está em todas, sempre com a mesma disposição de fazer melhor; * Empresário. Presidente do Conselho Geral do Clube Desportivo Feirense.

ele está sempre com a mesma disposição de servir a sua terra, de servir o seu clube, as entidades, as quais ele se dedica a gerir. Já não é a primeira vez que o Engenheiro Artur Brandão deixa de ser Presidente e passa a subalterno em outras direcções. Até isso é de elogiar, de enaltecer essa sua faceta. Ele quer é estar, ele quer é contribuir, ele quer dar e dar sempre com boa disposição. Todos nós sabemos que ser dirigente, por vezes, tem grandes “amargos de boca” e ele já os teve, mas nem por isso deixou de continuar a ser o mesmo voluntarioso, a mesma pessoa que a gente sempre reconheceu de vontade de servir, de vontade de fazer, não só como foi dito aqui pelo Presidente do Clube Desportivo Feirense – foi atleta, foi dirigente, foi treinador, foi Presidente; ele foi tudo e mais alguma coisa. Portanto, nós temos de lhe estar todos agradecidos, todos agradecidos mesmo, e eu, ao Engenheiro Artur Brandão, não me queria alongar muito mais, porque o Rodrigo, não há dúvida nenhuma que explanou aqui, com grande ênfase, uma grande parte daquilo que foi o Engenheiro Artur Brandão. Portanto eu limito-me a dar-lhe um grande abraço, que estou certo de que será o abraço de todos os presentes, para que ele se lembre de que os feirenses gostam dele.

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Prato pintado a mão. Execução da Cerâmica do Douro. Representa o Complexo Desportivo de Golfar.


Alfredo Henriques* Senhor Engenheiro Brandão, Excelentíssima esposa, família do Engenheiro Brandão aqui presente, minhas senhoras e meus senhores, Uma pré-palavra em nome do Município de Santa Maria da Feira, que é aqui presente hoje, e essa pré-palavra, vou focá-la em dois aspectos muito concretos. Falar do papel do Engenheiro Brandão no Feirense, no futebol, não preciso de o fazer porque evidentemente o Senhor Presidente do Clube Desportivo Feirense o fez neste momento. Em relação ao futebol, em termos distritais e até em termos nacionais, fê-lo também o Senhor Presidente da Associação de Futebol de Aveiro. O António Cavaco falou do cidadão feirense, da sua ligação às associações, da sua dedicação às associações do concelho. Permita-me que, para não repetir os oradores anteriores, eu possa focar aqui dois aspectos muito concretos. Esses aspectos que eu queria focar prendem-se com o papel que o Engenheiro Brandão teve no desenvolvimento do concelho nos últimos trinta anos, nos últimos trinta e poucos anos. O papel importantíssimo que o Engenheiro Brandão teve na luta que os feirenses fizeram para ter o hospital de Santa Maria da Feira no nosso concelho e na nossa cidade. Estão aqui algumas pessoas - eu olhei, dei uma vista pela * Presidente Câmara Municipal de Santa Maria da Feira

sala - e vou pedir desculpa se me vai falhar algumas dessas pessoas, mas estou a ver ali ao fundo o Manuel Tavares, o Provedor da Misericórdia (Miguel Ferraz), o Domingos Leite, o Senhor Dr. Guimarães Santos, que, com o Engenheiro Brandão e com algumas pessoas que infelizmente já não estão connosco, fizemos dezenas de viagens a Lisboa para que fosse possível termos o hospital de Santa Maria da Feira, o Hospital de São Sebastião, que, hoje, é uma referência a nível nacional, que é um orgulho para Santa Maria da Feira, que, efectivamente, e até nos últimos dias, tem sido muito falado e badalado pelo papel que está a ter na região. O Engenheiro Brandão é uma das pessoas que, no grupo, com muita frequência ia a Lisboa tratar deste assunto. Era possivelmente o mais irreverente, eu diria até que o mais agressivo com as pessoas que nos recebiam em Lisboa, porque muitas vezes era desesperante. E eu assisti, e ele muito mais do que eu e estas pessoas que eu referi, mais do que eu, assistiram, a cada vez que mudava o Governo, nós tínhamos de começar o processo desde o início, porque era também uma realidade que os técnicos em Lisboa, os técnicos ligados à saúde, estavam convencidos que o hospital da Feira não era para fazer. E nós tínhamos sempre aquele trabalho de convencer os políticos quando eles eram eleitos de que era necessário o hospital da Feira. Quando eles já estavam convencidos, normalmente mudava o Governo e tínhamos de começar todo

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o processo, todo o processo novamente, com uma agravante: é que, como os técnicos estavam contra o hospital da Feira, enchiam a cabeça do novo governante a dizer que o hospital não era necessário. Até que - lembram-se que o Professor Cavaco Silva, quando veio aqui como Primeiro-Ministro, na reunião, na sessão solene que fizemos na Câmara da Feira - eu tive a ocasião de, como Presidente da Câmara, lhe dar as boasvindas e fazer-lhe um discurso que foi apelidado, pelas pessoas que com ele estavam e com ele vinham na comitiva, de demasiado agressivo. Mas valeu a pena, porque o Senhor Professor Cavaco Silva, Primeiro-Ministro de então, não tendo muito presente o processo – e que é normal, o Primeiro-Ministro não tem de saber de tudo o que se passa no país – abeirou-se ou perguntou ao então Ministro Valente de Oliveira, que estava ao lado dele, e perguntou-lhe: - Mas o que é que se passa com o hospital? E eu estava a falar e percebi que ele, efectivamente, fez esta pergunta ao Professor Valente de Oliveira. E o Professor Valente de Oliveira disse: - Bom, há aí um processo para fazer um hospital. Não será para já, mas é para fazer um hospital. E foi nessa ocasião que o Senhor Primeiro-Ministro, não sei se se lembram, disse, nesse célebre discurso: - Senhor Presidente, pode pôr as barbas de molho que o hospital vai ser feito. Passados dois dias – e o Engenheiro Brandão lembra-se bem disso – fomos novamente falar com o Senhor Secretário de Estado da Saúde para pôr o problema do hospital. Ele passou vinte minutos a dizer-nos que o hospital não se justificava e, no fim, disse assim: - O Senhor Primeiro-Ministro disse que se ia fazer e agora temos de o fazer. Esta para dizer da luta e do papel importantíssimo que o Engenheiro Brandão, juntamente com outros, é verdade, mas o papel importante, e ele foi, na maior parte dos casos, um dos animadores, um dos principais promotores desta luta para que tivéssemos o hospital da Feira, que eu considero na minha opinião pessoal, de que poderão discordar, mas que é, nos últimos cinquenta anos, efectivamente, o projecto mais importante para a cidade da Feira e para o concelho. Portanto, a ele, o Engenheiro Brandão, o meu muito obrigado, um obrigado em nome dos feirenses, pelo papel

que teve em todo este processo. Um outro aspecto importante e que eu queria – e eu não vou demorar muito tempo, falei de mais no hospital e não esperava demorar tanto tempo, vou encurtar agora a segunda parte – é o papel que o Engenheiro Brandão teve na Câmara Municipal e no município. O Engenheiro Brandão foi para a Câmara Municipal muito jovem, um engenheiro muito jovem, e era o único engenheiro. Quem fazia os alinhamentos, quem fazia os projectos, antes do Engenheiro Brandão chegar à Câmara era o Senhor Lopes, secretário, possivelmente as pessoas ainda se lembram, e ele fazia tudo, naturalmente, não havia engenheiros, era ele, que era um técnico, o que hoje chamarei possivelmente um técnico profissional, era ele que fazia. O Engenheiro Brandão veio trazer uma lufada de ar fresco em termos de engenharia, em termos de técnica, à Câmara Municipal. Foi o único durante muito tempo, e durante muito tempo foi ele que fez o serviço que hoje é feito por cerca de trinta ou quarenta engenheiros ou quarenta técnicos, entre engenheiros e arquitectos que estão na Câmara Municipal. E que são precisos, eu não estou a pôr em questão que não sejam precisos. É que se eu dissesse também que não eram precisos estava a ser injusto. Mas isto para ver a diferença, naturalmente, a dinâmica do concelho era muito diferente, o concelho cresceu, felizmente cresceu, cresceu e desenvolveu-se. Ao Senhor Engenheiro o concelho deve também muito desse trabalho, ao Senhor Engenheiro Brandão. Hoje, falar no Engenheiro Brandão, nos confins do concelho, em Canedo, mais a Norte, ou em Souto, mais a Sul, naturalmente toda a gente, se falar no Engenheiro Brandão, sabe quem é, sabe que é um engenheiro da Câmara, mas também sabe que é o dirigente do Futebol Clube Feirense. Muito obrigado, Senhor Engenheiro, por aquilo que fez, muito obrigado por aquilo que vai continuar a fazer, todos nós esperamos, efectivamente, que ainda vai continuar a dar muito a este concelho; nós ficamos a contar com isso.

Muito obrigado.


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Artur Brandão* Exmos. Senhores Presidente da Câmara, António Cavaco, e cumprimento na sua pessoa os ilustres feirenses que integram a lista de honra deste convívio, minhas Senhoras, amigos, Terei alguma dificuldade em agradecer aos promotores deste jantar-convívio pelo facto de não encontrar especificação para o reconhecimento da minha actividade enquanto feirense. Toda esta actividade social tinha como elemento principal um sentimento de amor e devoção à minha terra. Sentia um enorme regozijo quando ouvia comentar a beleza natural da Feira e o comportamento exemplar dos feirenses. E o professor do colégio de Oliveira de Azeméis, o Professor Santos, que em plena aula enaltecia a qualidade moral e intelectual dos feirenses com o seguinte exemplo: se os virarmos de cabeça para baixo, poderá não cair um tostão, mas as suas qualidades intelectuais e morais tornam-nos diferentes. Este tipo de afirmação transmitia-me um sentimento de vaidade e ao mesmo tempo alimentava a minha vontade de contribuir para o engrandecimento da nossa terra. Na idade entre a infância e a juventude, combinava com o meu grande amigo de então, o António Lamoso filho, o processo político para o desenvolvimento da Feira; traçávamos metas com objectivos determinados. Com o seu precoce desaparecimento, apanhei o meu primeiro grande desgosto * Engenheiro.

na vida e ao mesmo tempo um aliado para a concretização dos nossos objectivos. Quantas vezes dizíamos que o castelo, sendo o ex-libris da Feira, não poderia ser razão do seu fraco desenvolvimento; o castelo poderia ser o nosso orgulho histórico e monumental, mas não poderia ser um travão do crescimento industrial, económico da nossa terra. As conversas desse tempo arvoram-se para sempre na memória da minha existência, que teve três vertentes fundamentais: a familiar, a desportiva e a social. Em todas elas procurei sempre servir com amor e dedicação. Na vertente familiar, casei com quem sempre amei e com quem construí uma família extraordinária, com filhos adoráveis, sendo a minha mulher a principal estrutura onde todos nós abrigávamos em momentos difíceis, e infelizmente tivemos alguns, mas graças ao seu crivo e à sua grande capacidade, conseguimos ultrapassá-los. Um grande beijo para ti, Cinha. No plano social, aprendi muito no convívio que tive durante cinco anos de estudante, no Porto. Na casa do Professor Doutor Serafim Guimarães, juntamente com o primo, Dr. Serafim Guimarães, também, Dr. Costa Leite, Dr. Gomes da Silva, Dr. Ângelo Mota, era uma república. Aprendi a ser um homem cumpridor e até artista, pois cheguei a comprar uma guitarra para acompanhamento dos fados de Coimbra, mas a


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minha inaptidão levou-me a terminar essa curta carreira. No plano desportivo, poderia dizer que consegui alcançar todos os objectivos, quer como jogador, quer como dirigente. Fui internacional júnior, fui campeão nacional pelo Oliveirense, fui campeão da zona Norte pelo Feirense, joguei na Primeira Divisão, marquei golos a todos os clubes grandes: o Porto, o Benfica, o Sporting. A concretização do sonho de criança, que era jogar no Feirense, só foi possível após um percurso por vários outros clubes: Oliveirense, Porto e Salgueiros. O regulamento do futebol, na altura, não permitia aos atletas escolher o clube onde queriam jogar, o que aconteceu comigo, que fiquei preso na autorização do Oliveirense, clube onde joguei enquanto júnior, por vontade expressa da Direcção do Feirense, visto que havia um acordo entre os dois clubes que possibilitava a utilização de atletas do Feirense, enquanto juniores, visto que aqui não havia esse escalão. A minha internacionalização rompeu esse acordo, que de cavalheiros nada teve. Mas, passados que foram quatro anos, e após o juramento de compromisso de honra, na presença do Director-geral dos Desportos, Dr. Valadão Chagas, em Lisboa, consegui finalmente, graças a uma autorização administrativa excepcional, vestir pela primeira vez, no ano de 1958, a camisola do Clube Desportivo Feirense. Foi para mim o momento mais gratificante da minha carreira desportiva. A minha vinda para o Feirense coincidiu com um período de grandes cometimentos desportivos: foi o período de ouro do nosso clube, saindo do anónimo regional para o badalado nacional. Foi para mim e para os meus companheiros, que saúdo naquela mesa lá ao fundo (a mesa onde existem mais cabelos brancos), foi para mim e para os meus companheiros um período de glória, de vitórias, de manifestações de regozijo e de festa que nunca mais esqueceremos. Foi um período em que todos os feirenses, especialmente os não residentes na Feira, mais se orgulhavam de o ser, éramos conhecidos a nível nacional, passámos a ser conhecidos a nível nacional. Nós, os jogadores desse tempo, recordamo-lo todos os anos num almoço-convívio, no dia 8 de Dezembro. É bom ter memória, porque não haverá futuro sem presente e não haverá presente sem passado. Felizmente memória é o que não tem faltado aos feirenses e, como prova disso mesmo, apresento como exemplo o Dr. Celestino Portela em contínua actualização das suas recordações e

ainda o Rodrigo Nunes, actual Presidente do Clube Desportivo Feirense. Terminada a minha carreira de atleta em 1968, iniciei a minha actividade como dirigente, que durou cerca de trinta anos, quase ininterruptamente. Fui Presidente, VicePresidente, conforme as circunstâncias que a disponibilidade de outros determinavam. Não escolhi lugares, só queria servir. Também nesta minha nova actividade, consegui coleccionar alguns títulos de campeão e subidas de Divisão, à Primeira Divisão Nacional e à Divisão de Honra. Este serviu de formação para outras actividades sociais: fiz parte da Comissão de Vigilância do Castelo da Feira, por altura do ano de 1970, com a presidência do Dr. Roberto Vaz de Oliveira; fui Presidente do Orfeão, mas antes fiz parte da comissão de reconstrução da sede e a consequente reconstituição da sua actividade, juntamente com outros grandes feirenses; fui Presidente do Lions e ajudei à construção da sua sede social; fui e ainda sou Presidente do Clube Feirense, instituição mais antiga do concelho - o seu nascimento data de 1930 -, nesse período conseguimos a construção da sede; sou actualmente o Presidente dos bombeiros, num dos períodos talvez mais difíceis da associação. Mas estamos convictos de que encontraremos a solução para os diversos problemas que se põem. À solução destes anos só foi possível por verificar que havia grande dificuldade em encontrar pessoas para os ocupar, mas assumi sempre com grande prazer; fiz parte da comissão de construção do hospital, a missão talvez mais relevante para a Feira. Foram anos de luta, muitas vezes incompreendida pelos próprios feirenses, mas a grande determinação dos elementos dessa comissão foi decisiva para a concretização de mais esse sonho de dezenas de anos dos feirenses. Desta saga recordo um momento específico, que, de facto, diz um bocado da determinação, com que a gente enfrentava esta situação. Eu cheguei, num diálogo directo com o Ministro, cheguei a dizer-lhe que sabia mais sobre o problema do hospital da Feira do que ele, mas ele entendeu que não, porque era Ministro e tinha de saber mais do que eu. Eu expliquei-lhe que ser Ministro não significava que tivesse mais conhecimento. Por acaso ele era o Ministro, mas podia ser eu, não havia diferença. E era com este reganho, com esta vontade, com esta determinação que a gente conseguiu os nossos objectivos.


E, para vencer esta luta sem tréguas, lembro aqui o papel preponderante que o nosso grande amigo, Dr. José Guimarães dos Santos, teve na decisão final da construção do hospital, sem nunca esquecer a grande actividade do nosso Presidente da Câmara, Alfredo Henriques. Fui funcionário da Câmara Municipal durante cerca de quarenta anos, tendo trabalhado com vários presidentes, Dr. Domingos Coelho, Alcides Branco, Dr. Aurélio Pinheiro, Joaquim Carvalho e finalmente Alfredo Henriques. Nos dois primeiros como chefe dos serviços técnicos e no último como director de serviços. Foi nesse período que mais gostei de trabalhar, por verificar que tinha o apoio e a compreensão do actual Presidente da Câmara. O nosso relacionamento foi extraordinário e quero aqui agradecer-lhe o tratamento especial que sempre teve para comigo. Bem-haja e obrigado Senhor Presidente. Meus amigos, nasci feirense e morrerei feirense. Estarei sempre atento a todo e qualquer problema que afecte a nossa terra. A Feira atravessa, neste momento, um dos períodos mais difíceis da sua existência. O seu rápido e grande crescimento

demográfico obrigará à criação de novas infra-estruturas; a crise e o desemprego que grassam no país também vieram bater à nossa porta. Haverá que criar alternativas para combater essa fase negativa. Todos nós, feirenses, contamos com a determinação e a capacidade dos nossos políticos para encontrar as correctas soluções para contrariar este movimento negativo. A alteração do PDM será decisiva para o crescimento sustentado do nosso concelho e da nossa cidade. Estaremos dispostos a dar o nosso contributo para a concretização deste objectivo e prometo o meu total empenhamento. Amigos, mais uma vez muito obrigado por aderirem a esta manifestação de amizade, a este convívio que foi, de facto, extraordinário, que foi muito para além daquilo que eu entendo que é merecedor. Agradeço ao Senhor António Cavaco, ao Dr. Celestino Portela, ao Carlos Maia e aos promotores desta iniciativa o trabalho todo que tiveram. A todos muitíssimo obrigado.

Artur Brandão e Esposa, Dona Alcide, Artur Dias e Esposa, Dona Luísa, Fátima, Artur Luís e Esposa, Dona Teresa Rocha.

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SE É NEGRA… João Pedro Mésseder*

Se é negra a fome, porque é branca a cor do que não come?

A Doença das Cores

* Nasceu em 1957, no Porto, onde completou os seus estudos universitários e exerceu a docência. Publicou vários livros de poesia (os últimos intitulam-se Abrasivas e Elucidário de Youkali seguido de Ordem Alfabética), múltiplos títulos na área da literatura para a infância e uma antologia da poesia de Carlos de Oliveira. Três dos seus livros foram premiados.


ISVOUGA 20 ANOS* Constituição Constituída por escritura pública no dia 29 de Janeiro de 1990, a Fundação Terras de Santa Maria da Feira, entidade instituidora do ISVOUGA - Instituto Superior de entre Douro e Vouga, integrou um conjunto notável de empresas de toda a região de Entre o Douro e Vouga, designadamente, as empresas Basilius - Empresa Produtora de Calçado, S.A., Corticeira Amorim, S.A.; Colep - Companhia Portuguesa de Embalagens, Lda., F. Ramada, Aços e Indústrias, S.A., Oliva Indústrias Metalúrgicas, S.A., PROLEITE, Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite do Centro Litoral, C.R.L, Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Fundação Ensino e Cultura “Fernando Pessoa”, Erasmo - Empreendimentos Educativos, Lda., Professor Doutor Eugénio Francisco dos Santos, Professor Doutor Adalberto Artur Vieira Dias de Carvalho, Professor Doutor António Custódio Gonçalves e José Manuel Milheiro de Pinho Leão. Na sequência de requerimento enviado ao Ministério da Educação em 29 de Janeiro de 1990, o ISVOUGA obteve o seu reconhecimento, como estabelecimento de ensino superior * Comissão Organizadora das Comemorações do 20o Aniversário do ISVOUGA.

particular, em 27 de Setembro do mesmo ano, através da Portaria nº 908/90. Em Outubro de 1990, em instalações localizadas junto à Academia de Música de Santa Maria da Feira, o ISVOUGA iniciou, então, a leccionação dos cursos aprovados pelo Ministério da Educação, conducentes ao grau de bacharelato. Evolução dos Cursos Professados 1993 Autorizado o funcionamento do Curso Superior de Informática de Gestão e dos Cursos de Estudos Superiores Especializados em Gestão Industrial e em Marketing e Relações Públicas Internacionais. Alterado o plano de estudos do Curso Superior de Comércio e alterada a sua designação para Gestão Comercial e Contabilidade. 1995 Autorizado o funcionamento do Curso Superior de Engenharia da Produção e Manutenção Industrial. Autorizado o funcionamento do Curso de Estudos Superiores Especializados em Contabilidade e Ciências da Administração. 1998 Por força das alterações à Lei de Bases do Sistema

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Educativo, foi proposta ao Ministério da Educação a reconversão dos bacharelatos/ CESE em licenciaturas bi-etápicas. 1999 Aprovada a licenciatura bi-etápica em Marketing e Relações Públicas. Aprovada a licenciatura bi-etápica em Contabilidade; Gestão de Empresas; e Informática de Gestão. 2000 O ISVOUGA iniciou a leccionação de Pós-graduações: Gestão da Qualidade e Ambiente. 2001 1.º curso de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Humanos. 2.º curso de Actualização Avançada em Fiscalidade . 106

2004/2005 O Instituto requereu à tutela autorização para leccionação de dois novos cursos de licenciatura: Design de Comunicação e Solicitadoria, tendo este último sido já objecto de aprovação. 2005/2006 Leccionação de duas edições simultâneas da Pósgraduação em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). 2006/2007 O ISVOUGA requereu à tutela autorização para a leccionação de um novo curso de licenciatura em Turismo. Aprovação para a leccionação dos cursos adaptados ao processo de Bolonha. 2008 Aprovado o pedido de autorização de funcionamento do Curso de Especialização Tecnológica em Banca e Seguros. Candidatura para a leccionação de um mestrado em Gestão Empresarial, com duas especializações: uma em Marketing e a outra em Finanças. 2008/2009 Duas edições da Pós-graduação em Tecnologias de Informação e Comunicação e a 1.ª edição da Pós-graduação

em Marketing Management. Leccionação do Curso de Especialização em Registos e Notariado. 2009/2010 Funcionamento do Curso de Especialização Tecnológica em Banca e Seguros, financiado pelo POPH - Programa Operacional Potencial Humano. 2010 O ISVOUGA, a Universidade Portucalense Infante D. Henrique e a Universidade Fernando Pessoa, outorgaram protocolos de cooperação académica, tendo como objectivo, para além da colaboração em investigação, o desenvolvimento de pós-graduações, no ISVOUGA, com estrutura curricular e regimes de avaliação análogos à componente lectiva dos cursos de mestrado, nomeadamente Solicitadoria, Finanças, Ciências da Comunicação e Gestão da Qualidade, assim como a partilha do corpo docente pelas duas instituições. PRÉMIOS DE MÉRITO No ano lectivo de 2006/2007, a atribuição de bolsas por mérito foi uma das iniciativas reforçadas com a instituição dos Prémios: Município de Santa Maria da Feira Melhor Licenciado COLEP CCL Melhor Estudante de Engenharia de Produção Industrial Prémio Patrícios Estudante com melhor média nas disciplinas de Matemática e de Física do 1.º ano do curso de Engenharia de Produção Industrial. INTERACÇÃO COM O MEIO Com vista a uma dialéctica constante com a realidade prática, o ISVOUGA tem vindo a outorgar protocolos vários com instituições, empresas e diversas entidades com objectivos de realização de visitas de estudo, colocação de estudantes em situação de estágio, desenvolvimento e divulgação de acções com interesse para as respectivas outorgantes.


PROTOCOLOS Redução de propinas Mutualidade de Santa Maria - Associação Mutualista Simoldes Plásticos, S.A. SIPE - Sindicato Independente de Professores e Educadores Zona Verde - Consultoria e Estudos Avançados, S.A. Estágios ADREDV - Agência de Desenvolvimento Regional de entre Douro e Vouga Associação Comercial de Santa Maria da Feira Associação Empresarial de Santa Maria da Feira Câmara Municipal de Santa Maria da Feira Câmara Municipal de Vale de Cambra COLEP CCL Portugal Europarque Hospital S. Sebastião IDIT - Instituto do Desenvolvimento de entre Douro e Vouga Simoldes Plásticos, S.A. Sogeninus Fine Wines, S.A. Vougageste Consultores Zona Verde - Consultoria e Estudos Avançados, S.A. Investigação AVEF - Agrupamento Vertical de Escolas de Fiães CEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Viana do Castelo Instituto Superior de Engenharia de Lisboa Parque Empresarial da Cortiça de Terras de Santa Maria, EM Parque Empresarial de Recuperação de Materiais, EM Sogeninus Fine Wines, S.A. Universidade Fernando Pessoa Universidade Portucalense Infante D. Henrique Benefícios a Alunos, Pessoal Docente e Não Docente Clínica S. Nicolau Feira Viva, EM

Sabino de Oliveira, Irmãos & C.ª Lda. - Sabino Oculista Olhar Atrevido, Sociedade Unipessoal, Lda. (Óptica) Recursos Bibliográficos Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira CienciaMetrics - Ciência, Tecnologia e Inovação Editores, Lda. Cursos de Especialização Tecnológica (CET’s) AEVA - Associação para a Educação e Valorização de Recursos Humanos do Distrito de Aveiro - Escola Profissional de Aveiro Escola Profissional de Aveiro EPCE - Escola Profissional de Comércio Externo Escola Básica de S. Vicente de Pereira Jusã/ JI Multiformativa - Formação Profissional, Lda. Formação CENATEX, Formação e Serviços, Lda. Universidade Sérior Vougageste Consultores

Investigação e cooperação internacional 1999 Foi desenvolvida a 1.ª edição de um estudo sobre o percurso profissional dos diplomados do ISVOUGA. Este projecto tem permitido, ao Instituto, não só obter indicadores fundamentais para a revitalização, sempre necessária, dos seus planos de estudo, como também conceber e planear o lançamento de novas ofertas formativas, nas áreas da formação não graduada e contínua. 2000 Adesão à Rede da Comunidade Científica Nacional, rede privativa de dados de âmbito alargado, que interliga as redes locais das instituições associadas à FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional. 2001 Criação do Departamento de Investigação Aplicada, no âmbito do qual foi iniciado o processo de organização de bases de dados dos estudantes, diplomados, entidades empregadoras e empresas da região.

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2002/2003 Trabalho de investigação, promovido por estudantes finalistas, sob o acompanhamento e orientação de docentes das diversas áreas científicas, subordinado ao tema: ”O desenvolvimento sócio-económico no concelho de Santa Maria da Feira”. Foram elaboradas as conclusões, desagregadas por sectores de actividade, tendo-se lançado, por último, os primeiros cadernos sectoriais sobre cortiça, calçado e turismo. Estudo sobre o Impacto do ISVOUGA na região do Entre Douro e Vouga, projecto ainda em desenvolvimento no ano lectivo de 2003/2004. Publicação de um conjunto de artigos (working papers), sobre temas da especialidade dos docentes, no âmbito das investigações efectuadas. Primeira participação na Shell Eco Marathon - Projecto, no âmbito do Curso de Engenharia da Produção e Manutenção Industrial, com a participação dos estudantes do 3.º ano e de uma equipa de docentes. Esta competição, aberta às Universidades de todo o mundo, tem como desafio a concepção e construção de um veículo, que deverá percorrer o maior número possível de quilómetros com apenas um litro de combustível. Publicação de um artigo da autoria de Teresa Leão subordinado ao tema: “A relevância social do ensino superior politécnico em Portugal: ISVOUGA case study”, onde se destaca o contributo deste subsistema para a melhoria do estatuto sócio-profissional dos diplomados, bem como para o desenvolvimento e modernização do tecido empresarial da região. 2007/2008 Desenvolvimento de intercâmbio de professores com o Brasil, na sequência de Protocolo outorgado entre a região do Entre Douro e Vouga e a região Metropolitana da Baixada Santista, visitas a ter lugar no âmbito do ano lectivo 2009/2010. Implantação do Observatório dos Percursos Escolares e Profissionais dos Estudantes do ISVOUGA - OPEPI, que se tem revelado um instrumento determinante para o acompanhamento dos trajectos escolares e profissionais de antigos estudantes. Foi iniciado o funcionamento de uma Unidade de Investigação, designada por CIAPSE - Centro de Investigação Aplicada em Projectos e Soluções Empresariais, através dos

projectos: - Projecto Santa Casa da Misericórdia de Vale de Cambra, cujo apoio consistiu na reestruturação dos serviços da Santa Casa de Misericórdia de Vale de Cambra, ao nível de reorganização do organigrama, medidas de optimização de gestão a implementar e política estratégica. - Philips case study: “A Relação entre motivação e imagem interna das empresas”. 2008 Foi criada a Unidade de Sondagens e Estudos de Mercado - USEM que constitui uma unidade especialmente vocacionada para o tratamento estatístico de dados necessários à realização de estudos regionais que permitam caracterizar por inquérito uma determinada realidade, bem como, a realização de sondagens políticas e de opinião e ainda a realização de estudos de mercado para empresas e outras instituições. No âmbito da U3I’s - Unidade de Investigação e Internacionalização do ISVOUGA, o Instituto deu início a um novo projecto: EDV XXI. Este projecto procurará identificar - precisamente com vista a um aprofundamento contemporâneo, dinâmico e exigente, da identidade da subregião - aspectos da vida económica sobre os quais importe fazer incidir investigação de natureza específica, no sentido de se identificar problemas e fundamentar as respectivas perspectivas de superação. 2009/2010 Obtenção da Carta Europeia (Erasmus University Charter) que permitiu ao Instituto consolidar as parcerias com a Università di Modena, Itália, e com a Wyzsza Szkola Biznesu - National-Louis University, Polónia. O Instituto foi aceite como membro do CEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade. Este Centro de Estudos, criado pela Universidade do Porto e Fundação Engº António de Almeida em 1990. Publicação do estudo de investigação intitulado “Identidade Dinâmica Socioeconómica da Sub-região Entre Douro e Vouga” da autoria de Maria de Lurdes Torres. A equipa do ISVOUGA, composta por Miguel Cardoso, Carlos Almeida, António Nicolau e Paulo Marcelo, recebeu uma menção honrosa, no âmbito do concurso Hotspot design, para o desenvolvimento de um novo aquecedor de esplanada, a gás, promovido pela Galp Energia.


Presidente da República presente no 20.º Aniversário do ISVOUGA O Presidente da República, Prof. Aníbal Cavaco Silva, inaugurou, no passado sábado dia 16 de Outubro, o Bloco C do edifício do ISVOUGA - Instituto Superior de Entre Douro e Vouga, em Santa Maria da Feira, no âmbito do programa comemorativo do vigésimo aniversário do estabelecimento de ensino e da sua entidade titular, a Fundação Terras de Santa Maria da Feira. A presença do Professor Aníbal Cavaco Silva nesta cerimónia revestiu-se de um simbolismo especial, atendendo ao facto de ter estado, igualmente presente, na inauguração do actual edifício, em Abril de 1991, à data como PrimeiroMinistro. A visita teve o seu início com a recepção realizada pelas entidades oficiais presentes, nomeadamente: o Presidente da Câmara Municipal, Alfredo Henriques; Presidente da Assembleia Municipal, Cardoso da Costa; Directora do ISVOUGA, Teresa Leão; Bispo Auxiliar do Porto, D. João Labrador; Deputados da Assembleia da República, Amadeu Albergaria e Vítor Fontes; Membros da Fundação Terras de Santa Maria da Feira e numerosas personalidades das áreas empresarial e da cultura. Após a guarda de honra pelos Bombeiros Voluntários de Santa Maria da Feira ao som do Hino Nacional executado pela Banda de Música de Souto, a “Partituna”, Tuna Académica do ISVOUGA dedicou o seu hino ao Presidente e restante comitiva, culminando com o lançamento simbólico, pelos docentes do Instituto, de 20 balões. Este momento antecedeu o descerramento da placa inaugural e a bênção das novas instalações pelo Bispo Auxiliar do Porto, D. João Labrador. Seguiu-se uma breve visita às instalações onde foi inaugurada uma exposição retrospectiva dos 20 anos da Instituição a que se seguiu a Cerimónia protocolar no auditório do ISVOUGA. Nesta cerimónia o Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e Presidente do Conselho de Administração da Fundação Terras de Santa Maria da Feira, Alfredo Henriques, realçou o contributo do ISVOUGA nos últimos 20 anos no desenvolvimento económico e cultural da Região do Entre Douro e Vouga bem como o papel preponderante da autarquia e dos fundadores no processo de criação da instituição. A este propósito, o Senhor Presidente da República reforçou as palavras de Alfredo Henriques comprovando o sucesso da

instituição e o pioneirismo do movimento de cidadãos que esteve na sua génese. No final da cerimónia, o Presidente da República foi presenteado pelo município com artigos confeccionados no Concelho como um par de sapatos, uma bola de futebol em cortiça e uma fogaça. Para além destas lembranças o Presidente recebeu uma capa de estudante da Associação de Estudantes, uma escultura do Castelo oferecida pela Partituna e 2 publicações do ISVOUGA oferecidas por Teresa Leão Directora do Instituto. O 20.º aniversário do ISVOUGA, foi assinalado de forma muito especial e memorável, engrandecendo a Instituição, os seus fundadores, colaboradores, docentes e não docentes e a região em que intervém.

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ressacas Gilberto Pereira*

deixas o frio da água escorrer pelo teu rosto enquanto enxaguas as olheiras de uma noite mal dormida no sofá há cinza pelo chão e um copo entornado sobre um odor a whisky há roupas espalhadas e o candeeiro tombado sob uma camisa amarrotada há um latejar persistente nas portas da memória que ofusca as horas de ontem por trás de uma névoa de fumo e sons e líquidos de todas as cores

há um sorriso de bons dias do outro lado do espelho que te dá força para repetir tudo outra vez....

* Gilberto José de Sousa Pereira, natural do Porto (1979), reside desde sempre em Argoncilhe. Frequenta vários encontros poéticos pelo país, sobretudo as tertúlias da Onda Poética, de Espinho, onde mantém uma participação activa desde 1998, lendo preferencialmente Al Berto, Herberto Helder, Mário Contumélias, Eugénio de Andrade e António Gedeão. A sua poesia, com tendência para o soturno e o intimista, sofreu, sobretudo de início, algumas influências dos dois primeiros autores mencionados.Editou recentemente o seu primeiro livro de poesia, intitulado Reticências, o qual foi apresentado no dia 20 de Dezembro último, no Instituto Superior de Paços de Brandão, pelo poeta Anthero Monteiro.


Cerimónia comemorativa dos 20 anos do ISVOUGA - 16 de Outubro de 2010 Alfredo Henriques* Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Seja muito bem-vindo a Santa Maria da Feira.

É para mim uma honra e uma grande satisfação recebêlo neste Município, em particular neste espaço, inaugurado por Sua Excelência a 6 de Abril de 1991, era então PrimeiroMinistro de Portugal. A passagem de Sua Excelência por Santa Maria da Feira ficará, mais uma vez, associada a um momento de singular importância para o desenvolvimento da nossa terra e das nossas gentes. Não posso deixar de recordar, a este propósito, que, em 1991, depois de três décadas de luta pela construção de um Hospital em Santa Maria da Feira, o Senhor Primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva, em visita a este Concelho, garantiu, no Salão Nobre da Câmara Municipal, que este equipamento, há muito reivindicado, seria uma realidade. * Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira

Ainda hoje mantenho bem viva na memória a resposta de Sua Excelência ao apelo que fiz, no decurso da minha intervenção. Permita-me, Senhor Presidente da República, que aqui a reproduza. Disse então o Senhor Primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva: “Senhor Presidente da Câmara, Alfredo Henriques, pode pôr as barbas de molho porque o Hospital vai ser feito”. Senti nesse momento que ficou garantida a construção do equipamento mais desejado pelos feirenses. E, de facto, assim foi. Cerca de dois anos mais tarde, em 1993, o PrimeiroMinistro Aníbal Cavaco Silva regressou ao Concelho, e teve oportunidade de ver as maquetas do Hospital, que é hoje uma referência nacional, nas áreas da Saúde e da Gestão. Nesse mesmo dia, e num gesto de reconhecimento pelo papel determinante que teve neste difícil e moroso processo, a Câmara Municipal atribuiu a Sua Excelência a Medalha de Ouro do Município. Senhor Presidente da República, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Santa Maria da Feira é um concelho ancestral, nascido à volta do seu Castelo, intrinsecamente ligado à fundação da Nacionalidade. Um concelho que preservou as suas raízes, mas soube acompanhar a evolução dos tempos: industrializouse; tem investido na diversificação do tecido empresarial e na

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Recepção da Tuna do Isvouga ao Senhor Presidente da República.

terciarização; e actualmente projecta-se na área da inovação e tecnologia, com a instalação de equipamentos que prometem revolucionar a Região.

mais industrializados do País. A indústria da transformação da cortiça é a mais representativa, com centenas de empresas que absorvem grande parte da população activa do Concelho.

Refiro-me, por exemplo, ao Parque de Ciência e Tecnologia – Feirapark – uma infra-estrutura vocacionada para o desenvolvimento científico e tecnológico, com grande enfoque na atracção de investimento e no apoio às empresas da Região em matéria de inovação e investigação.

Como muitas outras em Portugal e na Europa, a indústria da Cortiça atravessou notórias dificuldades de mercado. Mas soube transformar esses desafios em oportunidades. Actualmente, o sector regista sinais claros de recuperação ao nível das exportações, que se tem reflectido num aumento do número de postos de trabalho.

Destaco ainda o grande investimento que está a ser feito na área da Saúde, com a construção de um centro oncológico inovador, que congrega uma unidade de oncologia de excelência e um centro de investigação de referência. No entanto, e apesar destes sinais positivos, é indiscutível que Santa Maria da Feira conserva uma identidade industrial. É o concelho mais industrializado do distrito de Aveiro e um dos

Para esta recuperação muito contribuiu a campanha de promoção internacional da Cortiça – Intercork – que ajudou a credibilizar e a fortalecer a imagem da Cortiça e dos seus produtos em vários países do Mundo, como é o caso dos Estados Unidos e Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Rússia, China e Japão.


De facto, o investimento da indústria corticeira e a sua capacidade de inovação e desenvolvimento motivaram uma verdadeira renascença da Cortiça, que se manifesta: numa quota mundial de 70% no mundo do vinho; num renovado apoio das mais conceituadas marcas mundiais; e no reconhecimento dos maiores críticos de vinhos. Nos sectores de design e construção, as capacidades técnicas e a beleza natural da Cortiça estão presentes em algumas das mais importantes instituições do Mundo – facto que evidencia uma procura cada vez maior desta solução para novas aplicações. Afirmar o valor e notoriedade da Cortiça junto do grande público internacional tem sido, e continuará a ser, uma peça fundamental para a sua manutenção como produto português

de excelência, mas sobretudo como um desígnio nacional. Felizmente, parte das empresas do sector apresentam em 2010 uma melhoria de resultados. Algumas delas tiveram mesmo o melhor ano de sempre. Outras estão em processo de recuperação. Depois da Cortiça, o Calçado continua a ser o grande empregador no concelho de Santa Maria da Feira – sector que não escapou à crise económica, agravada pela concorrência dos países asiáticos, sobretudo as empresas vocacionadas para a produção de calçado de gama média ou corrente. O encerramento de duas grandes multinacionais no Concelho fez disparar a taxa de desemprego no Concelho, que actualmente ronda os 13%, ultrapassando os dez mil desempregados feirenses.

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O Senhor Presidente da República cumprimenta o Adjunto de Comando da Associação dos Bombeiros, Joaquim Teixeira.


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O Senhor Presidente da Repúbilca e a esposa entram no Edifício do Isvouga sobre as capas dos estudantes.

Apesar destes constrangimentos, os empresários do sector que têm apostado em segmentos de mercado exigentes e em produtos de elevada qualidade têm resistido a esta conjuntura desfavorável e, inclusivamente, têm conseguido afirmar-se, de forma sustentada, no mercado internacional. Felizmente, temos bons exemplos em Santa Maria da Feira, e orgulhamonos deles. Senhor Presidente da República Minhas Senhoras e Meus Senhores, Para além desta matriz industrial que caracteriza este Município, Santa Maria da Feira destaca-se ainda pela sua Identidade Cultural. Há muito que apostamos numa oferta cultural diferenciadora ao longo de todo ano, sobressaindo,

no entanto, dois grandes eventos de referência nacional e internacional, que seguramente todos aqui presentes bem conhecem: a Viagem Medieval em Terra de Santa Maria e o Imaginarius – Festival Internacional de Teatro de Rua. A Viagem Medieval marca, indiscutivelmente, a identidade do nosso território e reforça o sentimento de pertença das nossas gentes. É o envolvimento das associações, comércio, serviços e população que nos diferencia e torna possível realizar um projecto com estas características e dimensão. Estamos a falar de onze dias de recriações e animação permanente, que, este ano, movimentaram mais de 700 mil visitantes. A Viagem Medieval é também um evento que dinamiza a nossa economia, gerando o maior volume de negócios para as associações e para o comércio local.


Outro evento cultural de referência é o festival Imaginarius, que ao longo de dez edições consecutivas trouxe a Santa Maria da Feira as melhores companhias nacionais e internacionais de teatro de rua, e envolveu, de forma pioneira, a comunidade local nas criações próprias deste Festival. Mas há outro evento que, pela sua relevância e actualidade, merece ser destacado. Refiro-me ao Simpósio de Santa Maria da Feira, que trouxe à Biblioteca Municipal, no início deste mês, a Prémio Nobel da Paz 2003 e o cartoonista dinamarquês que ficou mundialmente conhecido pela caricatura que fez do profeta Maomé. Vieram a Santa Maria da Feira falar de “Identidade, Liberdade e Violência”.

Ao longo de dez edições, participaram como conferencistas neste Simpósio trinta personalidades de relevo mundial, ligadas à Cultura e ao Pensamento, dentre elas José Saramago, Prémio Nobel da Literatura. Consolidada a política cultural do Município, assente nas artes de rua e na criação artística local, estamos agora apostados em investir num novo patamar de desenvolvimento nesta área, com a criação de um cluster de indústrias criativas no Concelho. Neste âmbito, apresentámos uma candidatura ao QREN para construção do Centro de Criação para o Teatro de Artes

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O Senhor Presidente da República agradece aos Tunos a recepção feita.


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O Senhor Presidente da República e a Senhora Directora do Isvouga, Doutora Dona Teresa Leão, descerram a Bandeira Nacional que cobria a placa comemorativa.

de Rua. Um projecto que pretende constituir uma alavanca na área da criação artística, no acolhimento empresarial das indústrias criativas, na investigação e na produção de conhecimento. O Centro de Artes de Rua será um espaço privilegiado para residências artísticas e contemplará: uma incubadora de criatividade para artistas emergentes; acolhimento empresarial de negócios criativos; serviço de aprendizagem e educação criativa; e um departamento de investigação para as artes do espaço público. Senhor Presidente da República, Minhas Senhoras e Meus Senhores

Já referi a identidade Industrial e Cultural de Santa Maria da Feira, mas o Município de Santa Maria da Feira é também, e cada vez mais, um Concelho Solidário, reconhecido pelas suas políticas sociais. Procuramos responder à crise reforçando a coesão social, implementando programas inovadores e criativos para apoiar os que mais precisam, e melhorar a qualidade de vida das famílias. O programa Concelho Solidário - que contempla a Rede de Restaurantes Solidários, entretanto replicada por outros municípios do País, o Cartão Feira Sénior e as medidas de excepção para estratos sociais mais desfavorecidos - é apenas um exemplo de inovação e criatividade no reforço da coesão social. O aperto financeiro com que se deparam os municípios,


e no caso concreto de Santa Maria da Feira, obriga-nos a ser muitos selectivos, criteriosos e pragmáticos nas opções de investimento. Para além do corte nas transferências para as Autarquias em 2010 e do já anunciado corte para o próximo ano, o Município registou este ano uma diminuição significativa de 14% nas receitas próprias, comparativamente com o mesmo período do ano passado. Perante um cenário de acentuados constrangimentos financeiros, tornou-se imperativo estabelecer, com rigor, prioridades para este e para os próximos anos. Daremos primazia total e absoluta à conclusão da rede de saneamento básico no Concelho - uma obra gigantesca e de grande complexidade, que representa um investimento global de 100 milhões de euros.

O investimento na Educação também está no topo das nossas prioridades. Temos neste momento 15 centros escolares em conclusão e em obra, que pretendemos dotar com as melhores condições de ensino e apetrechar com os melhores e mais modernos equipamentos. Santa Maria da Feira é também um concelho educador, consciente de que o futuro depende do sucesso educativo dos seus cidadãos. Senhor Presidente da República, Na qualidade de presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e de presidente do Conselho de Administração do ISVOUGA, posso, com orgulho, afirmar que esta

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Dom João Lavrador, Bispo Auxiliar do Porto, faz a Bênção das novas instalações.


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O Senhor da República no uso da palavra. Na mesa: Doutora Teresa Leão, Directora do Isvouga - Alfredo Henriques, Presidente da Câmara - J.M. Cardoso da Costa, - Presidente da Assembleia Municipal, João Natária, Representante do Conselho de Fundadores e Dom João Lavrador, Bispo Auxiliar do Porto.

instituição é uma das principais obras, geradas e criadas no Concelho, que contribuiu objectivamente - pois há estudos científicos que o comprovam - para o crescimento e desenvolvimento do Município. Por essa razão está de parabéns, da mesma forma que estão de parabéns todos os seus fundadores. Não vou aqui maçar Sua Excelência, O Presidente da República, e ilustres convidados, com detalhes alusivos à génese e consequentes conquistas do ISVOUGA, até porque tivemos, há poucos minutos, a oportunidade de inaugurar uma exposição retrospectiva, que ilustra, de maneira sucinta, os seus marcos institucionais e muitos dos seus

protagonistas: estudantes, docentes e colaboradores não docentes, em momentos formais ou noutros, que evidenciam, significativamente, o clima de humanismo e de afectos que se vive nesta casa. As imagens que vimos falam realmente por si. Nos últimos anos da década de 80, nasceu a ideia para este projecto, que foi ganhando forma e contagiando várias pessoas, que o acarinharam e vieram a apoiar. Outros mais - numa fase posterior – foram chamados a participar e a dar “corpo” ao projecto, que ora em fase já adulta, se consolidou e se foi afirmando, discreta, mas


solidamente, até ao ponto em que nos encontramos hoje: uma instituição relevante e com notoriedade, no seio de toda a região do Entre Douro e Vouga, tal qual ambicionáramos como missão, há 20 anos atrás. Destaco aqui o protagonismo do subsistema de ensino superior politécnico, no qual o ISVOUGA se inscreve, face ao processo de democratização do ensino e subsequente fenómeno de mobilidade social, associado à titularidade de um diploma de ensino superior e, muito em particular, o impacto do inerente reforço de competências técnicas e transversais nos resultados das organizações que têm vindo a “absorver” os respectivos diplomados.

O ISVOUGA criou inclusive um observatório que se destina a “medir” os resultados da sua intervenção na Região, tanto ao nível das organizações, como ao nível individual, incidindo, neste último caso, sobre a avaliação da evolução do estatuto sócio-profissional dos seus diplomados, antes e pós-curso. Também já testou empiricamente o seu próprio contributo para a radicação de jovens na Região e, desta forma, o respectivo impacto no combate ao fenómeno de envelhecimento da população. Note-se, a este propósito, que o Entre Douro e Vouga, de acordo com dados de 2008, trabalhados por uma docente deste Instituto, tem uma taxa de população activa superior à

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do País e da região Norte, e que, particularmente o concelho de Santa Maria da Feira, é dos cinco municípios, o que apresenta a maior taxa: 58 %. Como conclusões, e parafraseando a Doutora Teresa Leão, Directora deste Instituto desde há 14 anos a esta parte, doutorada em Ciências da Educação e especializada em ensino superior politécnico em Portugal: «…o ISVOUGA é um extraordinário representante da sua “espécie”, pois evidencia estar a cumprir com elevados níveis de eficácia: 120

- com as necessidades de aprendizagem dos adultos; - como agente corrector dos disfuncionamentos emergentes no mercado de trabalho e, muito em particular, no âmbito de alguns sectores de actividade da região, aos quais compete, inclusive, superar os constrangimentos vividos pelo sector secundário e vitalizar novos pilares da economia local.»

seguirem “caminhos nunca antes navegados” se impõem numa conjuntura como aquela em que nos encontramos, a constituição do ISVOUGA foi um paradigmático reflexo dessa atitude, desse estado de espírito em finais da década de 80, início da de 90. Um conjunto de entidades e particulares, com o único fito de contribuir para o desenvolvimento e modernização da região do Entre Douro e Vouga, juntaram-se para dar vida a uma das maiores fontes de riqueza das regiões, das organizações e, em particular, do ser humano: uma instituição de ensino superior. Vinte anos depois, o ISVOUGA tem cerca de 700 estudantes e concedeu cerca de dois mil diplomas de conclusão de curso. Apresenta um corpo docente estável, onde se encontram alguns com os mesmos vinte anos - de casa e de dedicação – e uma reduzida e empenhadíssima equipa de colaboradores, que se têm ora especializado, ora generalizado funcionalmente, e à qual não posso deixar de prestar aqui também a minha homenagem.

O ISVOUGA assumese, assim, nas palavras da Senhora Directora, «como “canal” de ligação, por De facto, se é verdade excelência, do indivíduo que é difícil gerir-se uma ao emprego, não só pela Livro de Ouro do ISVOUGA. organização de forma bem adequada preparação de sucedida, muito particularmente num contexto em que a jovens para o mercado de trabalho, como pela especialização, mudança e a competição impõem adaptações constantes e actualização e/ou reconversão de adultos, com vista a um pressupõem, inclusive, antecipações, é igualmente verdade melhor ajustamento a esse mesmo mercado.» que, com uma equipa de colaboradores como a que o ISVOUGA tem, esse desafio, esse peso, torna-se bem mais Neste sentido, se o empreendedorismo e o arrojo de se


leve: as necessidades de uso da instituição, por parte dos seus estudantes, ao longo dos anos, foram sofrendo mutações significativas, o volume de trabalho aumentou muito e surgiram novos serviços, fruto da evolução dos tempos e do desejo, por parte da instituição, de ser muito mais do que uma “escola” de ensino superior, com planos curriculares para ministrar.

Urgiu criar: - uma unidade que apoiasse a inserção e percurso profissional dos diplomados; - uma outra, especializada na concessão de apoios sociais; - sistemas de informação de suporte ao funcionamento cabal da infra-estrutura e de serviços em mutação e evolução constantes; - todo um trabalho especializado afecto à mobilidade internacional de estudantes; - medidas diversas de combate ao insucesso escolar, como as já cá bem conhecidas vitaminas e suplementos vitamínicos; - a formação contínua; - os regimes livres; - os ateliês de desenvolvimento de competências; - os serviços de auto-avaliação interna; - a unidade de investigação.

necessidades, revelando estar imbuídos de um forte sentido ou cultura organizacional. Souberam colocar as competências que sabiam que tinham, as que foram desenvolvendo e as que nem imaginavam possuir, ao serviço da instituição. E aí reside, seguramente, a principal chave de sucesso deste projecto. Junta-se a tal empenho e dedicação, um grupo de amigos que, pessoas de bom coração e grandes admiradores das terras, gentes e projectos feirenses, apoiaram o ISVOUGA com o seu trabalho, em vários momentos. E são muitos os amigos desta instituição. A todos, muito obrigado pelo Vosso contributo. Por último, termino como comecei. Muito obrigada Senhor Presidente da República por nos ter dado, uma vez mais, a honra e a felicidade de contar com a Sua presença, dando um brilho especial a estas comemorações dos 20 anos do ISVOUGA. 121

Bem-haja.

Enfim, um alargado conjunto de ofertas e modalidades de frequência, capaz de dar uma resposta de qualidade à diversidade de públicos e respectivas necessidades; de garantir a melhoria contínua do serviço prestado; e que, além do desenvolvimento de competências dos estudantes, visa impulsionar a produção e divulgação de novos conhecimentos e encontrar soluções para problemas e projectos que proporcionem crescimento económico e social efectivo. Situação esta que configura, sem qualquer margem para dúvida, uma organização flexível e moderna, mas sobretudo uma organização com recursos humanos bem orientados, activos e interessados. Com efeito, todos os desafios que foram emergindo ao longo do tempo, só foram superados com sucesso porque: a missão e os objectivos desta instituição encontram-se claramente definidos; a liderança é clara e presente; e a equipa é coesa e proactiva. Todos souberam adaptar-se e corresponder à medida das

ISVOUGA


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Declarações do Presidente da República após a inauguração das novas instalações do ISVOUGA

“Num tempo de celebração do centenário da República, nós devemos valorizar aquelas iniciativas da sociedade civil, que se traduzem em apostas estratégicas na qualificação dos recursos humanos. Porque devemos ter presente que a grande ambição dos fundadores da República era precisamente a educação, a consciência de que pela ignorância não se conseguiria consolidar a democracia, a liberdade e o desenvolvimento, e essa é a razão pela qual eu não posso deixar de hoje estar aqui em Santa Maria da Feira celebrando o vigésimo aniversário do Instituto Superior de Entre Douro e Vouga. Porque foi um conjunto de empresários do município e outros cidadãos desta região que há vinte anos, eu acompanhei nessa iniciativa, que resolveu fazer esta aposta na qualificação de recursos humanos, de forma a ajudar ao desenvolvimento industrial da Feira e de outros concelhos. Os resultados hoje são bem visíveis, pelo contributo que tem dado para o desenvolvimento económico e social da região.”


Em memória de José Alves de Pinho (1935-2010) Manuel Correia Fernandes* O Padre José Alves de Pinho é daquelas pessoas que, pela sua personalidade e pelo seu trabalho, pelo ideal que assumiu e pelo interesse que manifestou sempre pelo seu povo de Fornos e Sanfins, cuja orientação espiritual desde cedo assumiu e nunca abandonou, merece ser lembrada e todos merecemos que nunca seja esquecida. Muitos terão empreendido a apresentação das tarefas que ela realizou, as investigações que fez e os livros que publicou. O testemunho que me é pedido assenta apenas na memória pessoal, e por isso é tão pouco rigoroso como eminentemente afectivo. Recordo, com portuguesa e aldeã saudade, memórias do tempo da infância e juventude em que, nascidos ambos no mesmo solo de campos e montes, percorremos idênticos caminhos de formação. José era mais velho uns anos, e por isso assumia alguma dimensão não explícita de mentor. Cinco anos na infância e adolescência são muito tempo e percorrê-los degrau a degrau, pelas pedras dos caminhos, ou pelos degraus da igreja, era uma tarefa benfazeja em que se escorriam os nossos dias feriais, na placidez imensa de uma terra e de um tempo em que os milhos e as uvas cresciam

tranquilamente e nunca falhavam no seu tempo oportuno. Íamos tantas vezes a casa do senhor Adelino do Francisco e partilhávamos as tardes entre breves trabalhos e longas caminhadas e convívios. A nossa missa da manhã era irmã de trabalhos e conversas de cada dia. As iniciativas das longas férias, que iam de Julho a Outubro, apenas interrompidas pela semana de retiro nas vésperas das ordenações, que então eram sempre no primeiro domingo de Agosto, davam-nos o convívio do nosso monumental Padre Cunha, dos companheiros e companheiras de outros estudos, dos amigos da aldeia que andavam mais por casa (os da venda, o sapateiro, o ferreiro…) e eram temperados com visitas de jornada inteira até à Senhora da Lage ou à Senhora da Saúde, ou à feira em dias dela. Todos éramos ali como irmãos quotidianos. Assistimos ao nascimento da televisão na venda do senhor Manuel, que outra não havia. Liam-se as legendas em vos alta e as notícias eram pontuadas por aquela frase então célebre que dizia “pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue dentro de momentos”. O Zé ordenou-se sacerdote em 1959, tinha ainda vinte e três anos e uma simpática cara jovial, que repartia serenamente um rico mundo interior. Ordenado, seguiu o seu caminho: em Lourosa, enfrentando e partilhando os problemas de ser coadjutor (bons tempos em que quase todos passavam por essa etapa, uma espécie de estágio que a muitos marcou!).

* Director do Semanário Diocesano Voz Portucalense, Pároco da Senhora do Porto desde 08 de Dezembro de 2005. Autor de vários livros de investigação sobre Literatura Portuguesa em Espanha, Temas da Literatura Portuguesa, Padre António Vieira - Antologia e Aforismos e Sermões de Roma.

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As serranias de Amarante foram em breve substituídas pela proximidade de um castelo de fortes tradições históricas e rurais, onde assumiu desde cedo a responsabilidade pastoral de duas freguesias contíguas, Fornos e Sanfins. Ali criou raízes tão fundas e duradouras que fizeram superar dificuldades e problemas, e que duraram 46 anos. Afeiçoou-se a estas terras. Com a presença cresceram as afeições e as amizades. Foi não apenas um pastor de almas, mas um pastor de toda a pessoa humana: das suas raízes, das suas tradições, da sua cultura, que essa é a alma da gente.

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José tinha duas dimensões da personalidade e do gosto que completavam a de sacerdote: a história e a arte. Trazia da cultura adquirida no seminário uma e outra, seja na arquitectura, seja nas artes plásticas, seja na música, em que sempre vi nele uma especial sensibilidade. A história bebeu-a pela mão de Reitor Domingos de Pinho Brandão, que tinha por ele uma especial predilecção, que se lhe notava quando íamos escavar os dólmenes ou descobrir os meandros da vida do convento de Arouca. O seu gosto pela história levou-o a redescobrir a sua terra natal, por quem nutria um afecto nunca esquecido (no dia da celebração dos seus 50 anos de padre distribuiu pelos convivas uma memória mais afectiva que histórica dos seus tempos de jovem, uma descrição quase emocionada de episódios e a memória de personagens com quem conviveu), mas que o fez voltar para a história de Fornos, publicando duas obras bem representativas do seu interesse e da sua investigação: “Outrora Fornos”, uma investigação das raízes históricas da terra que adoptou durante 46 anos, obra que se completa com “Fundamentos para o brasão de Fornos”, em que mistura e documenta as suas raízes arqueológicas e históricas, ambos publicados pela revista “Villa da Feira”. Andámos longe um do outro. Mas a sua presença e amizade nunca se perdeu. De vez em quando lá me chamava para um encontro, uma palavra, uma partilha. Para me mostrar os seus livros de História e de histórias, falar das suas investigações e projectos. Por isso chorei com os paroquianos, homens e mulheres, que vi chorar olhando o seu corpo que o mal e a dor desfigurou. Mas vi nele a memória e a grandeza de uma alma acolhida num tempo e numa memória que não acaba.


Um homem sereno e generoso Cândido Augusto Dias dos Santos* Fui contemporâneo do P. Alves de Pinho no Seminário Maior do Porto. Um ano mais novo que eu no curso de Teologia, não guardo da nossa convivência desse tempo qualquer recordação especial. Entretanto, a vida separou-nos, e foi cada um para seu lado. O nosso relacionamento é, pois, de data recente. Vai para seis ou sete anos, encontramo-nos no Terreiro da Sé do Porto. Comunicou-me que tinha uns estudos sobre a freguesia de Fornos e gostaria que eu lhe escrevesse uma pequena introdução. Naturalmente, acedi ao seu pedido, declarando que teria muito gosto nisso e que estava ao seu dispor. Passado algum tempo - já não posso precisar - o P. Pinho telefonou-me, para dizer que precisava de falar comigo. Combinamos, então, um encontro no café “Castelo”, na rua da Câmara de Santa Maria da Feira. Pode dizer-se que começou aí a nossa convivência. Convivência que veio a revelar-se infelizmente curta, mas suficiente o bastante para eu conhecer um homem são, estudioso e culto. Trazia-me algumas separatas de publicações suas, trabalhos de investigação, que me ofereceu, e sobre os quais falamos demoradamente. Depois deste tivemos mais alguns encontros. Sempre no café “Castelo”. Foram para mim

ocasiões de evocação dos meus tempos de estudante: dos passeios ao rio Ul, à feira dos 4 em Arrifana, uma ou outra viagem no “Vouguinha”. Dos estudantes do meu tempo lembrei o Joaquim Lopes Leite, o “Quinzito”, o Américo Henriques, da Casa da Godinha, exemplar no comportamento, hoje Membro da Sociedade Missionária Portuguesa, o Domingos Milheiro, actual Abade de S. João da Madeira. O Padre Pinho era um bom conversador. Conhecia bastante bem a história de Fornos e de Sanfins e gostava de falar disso. Com interesses comuns, rapidamente se gerou entre nós uma notável empatia. Perpassaram pelas nossas conversas temas como as obras na igreja de Sanfins, a história da “Quinta das Mestras”, onde vivia o João Correia de Sá no tempo em que o conheci. Recordei um tal Senhor Garcia, professor de inglês, em Vale de Cambra, se não erro. Com ele tomei os primeiros contactos com esta língua. Era um homem especial. Frenético. A bicicleta era o seu meio de transporte. Vivia em Sanfins, numa casa térrea, no lado direito de quem desce, pouco antes de chegar à igreja. Imagens um tanto esbatidas que guardo na memória e que me foi grato recordar com o Padre Pinho. Uma tarde, saímos do “Castelo” e continuamos a conversa dentro do seu carro, no parque Luís de Camões, sob as copas largas dos plátanos que o povoam. Falamos dessa vez - lembro-me bem - da situação da Igreja, dos problemas da vida pastoral. Nunca lhe ouvi uma palavra de azedume

* «Cândido dos Santos é Professor Catedrático jubilado da Faculdade de Letras do Porto, natural de Pedroso, concelho de Vila Nova de Gaia. Estudou na Universidade do Porto, na Universidade Gregoriana (Roma) e, como bolseiro do Instituto Nacional de Investigação Científica, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris); doutorou-se na Universidade do Porto em 1977 e ascendeu a Catedrático em 1979. Foi também Professor Catedrático convidado na Universidade Católica Portuguesa, de 1985 a 1998. Foi Vice-Reitor da Universidade do Porto. Publicou vários livros, como O Censual da Mitra do Porto, (Porto, 1973), Os Jerónimos em Portugal (Instituto Nacional de Investigação Científica, 1980; 2ª edição, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1996); História e Cultura na Época Moderna (Publicações da Universidade do Porto, 1998; Universidade do Porto. Raízes e Memória da Instituição, (Porto 1996; versão inglesa em 2002); Padre António Pereira de Figueiredo; Erudição e Polémica na segunda metade do séc. XVIII»

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relativamente a pessoas ou situações. Era verdadeiramente um homem calmo, sereno, reconciliado consigo e com a vida. E generoso. Uma vez tinha combinado comigo um encontro à noite, na igreja de Santo Ovídio. Sabendo que havia confissões, sem ninguém lhe ter pedido, o P. Pinho apareceu e ofereceuse para ajudar.

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O Padre Alves de Pinho tem um lugar na galeria dos eclesiásticos, que, além da vida pastoral, se interessaram por conhecer e dar a conhecer as raízes das comunidades que pastoreavam, identificando-se com os seus valores. Ao lado do P. Domingos de Azevedo Moreira, tão sabedor como modesto, presença assídua na Revista LAF (Liga dos Amigos da Feira), do Dr. Manuel Pires Bastos, pároco de Ovar, director do Jornal “João Semana”, e do malogrado Doutor Carlos Alberto Ferreira de Almeida, natural de Vila Maior, com o nome na Escola do Cavaco, todos meus colegas de curso. Entre outros estudos, todos deixaram monografias das terras a que, de algum modo, estiveram ligados. A freguesia de Fornos não é hoje uma terra desconhecida. Na bibliografia da história local terão de ser referenciados os estudos do P. Alves de Pinho: Outrora… Fornos. Fundamentos para o Brasão de Fornos, A Capela de Campos, etc. Mas das suas canseiras nasceram outros trabalhos: o estudo dedicado à construção da actual Igreja de Escapães; sobre a Casa da Feira, etc.

Interessante a evocação da memória do Padre Albano Alferes. Falou-me, mais do que uma vez, das relações de amizade que mantiveram. Descreveu-me a sua personalidade rica de homem culto, com gosto pelo estudo e pelo coleccionismo. Da evocação que dele faz, parece que a sua ligação com o P. Albano lhe deixou um rasto de saudade que não se desvaneceu com o tempo. O nosso último encontro - já estava doente - foi a propósito do Dr. Cândido de Pinho, natural de Fornos, que foi VicePresidente da Câmara do Porto, Director da Faculdade de Medicina, e o 2.º Reitor da Universidade do Porto. Perguntoume se era possível escrever alguma coisa sobre a biografia do Professor Dr. Cândido de Pinho. Tinha o nome numa rua, mas era quase desconhecido. Ficou combinado que eu trataria da carreira académica e vida pública que conhecia melhor, e o Padre Pinho trataria das origens familiares, do “regaço” do Prof. Cândido de Pinho. Assim se fez. Não voltamos a encontrar-nos. A não ser em Fornos, no seu funeral. Então, foi-me dado ver, nessa cerimónia fúnebre, toda uma comunidade - as crianças com rosas nas mãos - a prestar homenagem ao pastor que a tinha servido, com um coração bom, de homem sereno e generoso.


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Sanfins de Sobre a Feira Padre José Alves de Pinho* Capítulo I O Meio Geográfico, Base de um Povo que Caminha no Tempo

A ladeira do monte, onde assenta a freguesia de Sanfins, está voltada ao ocidente, frente ao Atlântico. O cume da ladeira, que decide as águas vertentes, desenrola-se com regularidade, desenhando a linha de horizonte desde os terrenos chãos da Malaposta até ao monte Alçada, a sul. Por ali se extremam as águas das nascentes e da chuva, ou para o rio Douro, ou para a ria de Aveiro, com percursos opostos e desigual lonjura, até se engolfarem no mar Atlântico. Essa linha do horizonte, a nascente de Sanfins, determinou o rasgo de uma senda, que, desde os tempos pré-históricos até ao presente, foi sucessivamente calcorreada por gerações e gerações autóctones, com os seus rebanhos, em regime de pastorícia. Por aí evolucionavam, ou aí se acolhiam nas incertezas do dia ou da noite, do verão ou do inverno. Nos alvores da história, em tempos da conquista romana, por essa espiga do monte, entre os vales de Pigeiros/Caldas de S. Jorge, a nascente, e Sanfins/Vila da Feira, a poente, * Pároco de Fornos e Sanfins. Faleceu a 10 de Junho de 2010.

Actual solar dos antigos Senhores de Sanfins?, junto à velha igreja


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o poder imperial através de Antonino escolheu, demarcou, rasgou e calcetou de sul para norte, a célebre estrada militar o Itinerário de Antonino militar, elo entre os diversos conventus do exército romano, que ficou conhecido pelo seu nome. Do Mediterrâneo, por Emerita, Conimbriga, Portuscale, Bracara, Lucus, estabelecia uma linha de domínio de todo o ocidente peninsular até aos Picos da Europa, ou ao extremo do Finisterra com suas adjacências cantábricas. Essa estrada permitiu e facilitou o domínio das populações nativas (lusitanas), tradicionalmente irredutíveis à conquista, ao oferecer aos generais e tribunos, à peonagem e aos carros de apoio das coortes imperiais, os meios de dominar, tributar e administrar essas províncias conquistadas. É que a Galaetia, confinada nessa ponta extrema do noroeste, foi na Península (com Numância, 133 a.C.) o último reduto a ser conquistado pelo poder romano, em tempo pouco anterior ao início da era cristã. As populações conquistadas e escravizadas forneceram a mão-de-obra, para uma realização rápida e consistente da via romana, cujos vestígios, em alguns sítios, vêm até aos nossos dias. Ora, essa estrada, pelas suas circunstâncias, passou a ser uma via principal com uma regular frequência de tráfego. Sucessivamente, após os séculos do domínio romano e imposição da sua civilização, ela foi utilizada pelas hordas bárbaras dos povos germânicos para a divagação e devastação, as quais, em levas sucessivas, talaram e conquistaram cidades e aldeias, saqueando e queimando, em busca de tesouros e de glórias. Os nossos velhos compêndios de história do ensino primário, apontavam, sem a nossa capaz compreensão, os nomes dos invasores: os vândalos, os suevos, os alanos, os visigodos... A mesma estrada, neste ocidente peninsular, pelas suas condições únicas de circulação viária, serviu aos árabes desde a conquista omíada, no princípio do séc. VIII, até à sua expulsão do ocidente peninsular dos séculos IX ao XI. A dominação árabe, pela sua duração, tornou-a conhecida por um novo nome – estrada mourisca – o qual se perpetuou, suponho, até aos tempos modernos, época em que passou a chamar-se estrada real. No tempo do ministro Fontes Pereira de Melo (18191887), no terceiro quartel do século XIX, ela foi rectificada e renovada na sua pavimentação com piso à Mac-Adam, mas manteve a designação de estrada real. Contudo, o nome por

que foi conhecida como a primeira estrada do país, foi o de Estrada Nacional nº1, já em nossos dias, ligando as duas principais cidades do país, Lisboa e Porto. Ora, este limite natural e institucional de Sanfins, que era a estrada, tão longamente afirmado, não podia deixar de influir obrigatoriamente no desenvolvimento e consciência de uma comunidade, muito ciosa da sua identidade e independência. Estas diversas etapas ficaram documentadas, para o tempo pré-histórico pelos monumentos megalíticos da zona, dos quais avulta ainda hoje o dólmen da Quinta da Laje. Outros topónimos existem, como o do monte Alçada, na cumeeira comum a Sanfins e a Escapães, onde existiram outros dólmenes. Das idades posteriores, ficaram-nos os documentos históricos dos autores romanos, nas suas descrições genéricas, e a consistência dos pavimentos calcetados a granito, nas ladeiras; ou nos planos, os sucessivos leitos da estrada, que, degradada pelas chuvas, pelas lamas ou pelos sulcos da carreagem, necessitavam de ser alterados por diferente traçado, mais à esquerda ou mais à direita. Na documentação ligada à posse e administração das terras, durante os tempos medievais é frequente falar-se da estrada mourisca como limite de propriedades. Porém, nesta zona, entre Sanfins e Pigeiros a área dos montados era um maninho1 um logradouro comum para a pastorícia, para a apanha da lenha e do mato, que se continuou até meados do século XIX. Havia, pois, liberdade de variar o traçado da estrada com novos pisos, conforme a conveniência, como ainda hoje se pode verificar, observando os diversos sulcos.

1 Do padre Manuel Pereira de Resende, – o padre Pereira – de Fornos, (*3.7. 1794; + 16.2.1876), se dizia, que tinha comprado vastos montados a habitantes de Sanfins, que inesperadamente se tinham tomado proprietários de parcelas distribuídas pela partilha do monte maninho, após 1854, mas que as não apreciavam, por elas não lhes oferecerem um rendimento imediato. Por isso, as vendiam a quem lhas quisesse comprar, recebendo de imediato o valor corrente. Ora, na sequência da compra, o padre Pereira ia, afanosamente, passar o seu tempo disponível «a valar os matos» adquiridos. Dizia-se assim para significar que ele ia pessoalmente escavar valas e levantar barreiras, para delimitar as propriedades compradas. Não era sem estranheza, que ele o fazia. Isto passava-se aí pelos anos sessenta do séc. XIX, pouco depois da partilha do monte maninho de Sanfins. Essas terras, na parte alta da Carvalhosa, ficaram na família até há muito poucos anos.


Pia e painel do baptistério

Sanfins. Pia baptismal românica.

O dorso deste monte de Sanfins, (mas também de Escapães e de S. João de Ver), aparece ao observador da orla marítima, como a primeira e principal elevação, algo alongada, entre as bacias do Uíma (Douro) e do Caster (Vouga), sem quaisquer acidentes orográficos de permeio. A sua relativa elevação faz com que entre estas duas encostas, uma exposta ao nascente e a outra ao poente, apareçam micro-climas bem diferenciados, com nuances que se verificam na temperatura, nas culturas, no regime das chuvas e dos ventos, na flora e até nos usos, costumes e fonética, imprimindo às duas freguesias uma pronunciada diferença no meio físico e nas suas características sócio-culturais. Sanfins e Pigeiros são confinantes, mas atentas aquelas circunstâncias, permaneceram muito distantes. Hoje, a facilidade de deslocações e a cobertura generalizada dos mass-media está a esbater essas diferenças. Além daquele Itinerário, dito de Antonino, expressamente criado para fins militares e para viagens mais expeditas com a devida escolta contra a infestação de salteadores, havia, a meia-encosta, entre a cumeada de Sanfins e a orla marítima

uma outra estrada, mais vizinha dos povoados sedentários, mais hospitaleira, mais humana, mais comercial e talvez mais frequentada. À latitude de Sanfins, essa outra via passava nas proximidades do Castelo da Feira2, ao qual servia, e continuavase para norte por São João de Ver, Lamas, etc., a caminho do Porto; e para sul, por Vinhais (Fornos), ponte da Ribeira de Água, Proselha, Ponte da Bica, Oliveira de Azeméis… ou, noutra variante, pela ponte de S. Gião, Teobalde, Pereira Jusã, Estarreja, a caminho de Coimbra… Estas duas estradas – Itinerário de Antonino e estrada da Feira – tornaram-se limites estáveis e aproximados de Sanfins, quer pelo oriente, quer pelo ocidente. Outra circunstância desta encosta poente é a natural e múltipla escorrência das chuvas, a que se juntam as nascentes, em muitos fios de água, que vão crescendo pelas quebradas, formando diversos cursos. Eles tornam-se a fonte fecunda dos campos cultivados, com as suas necessidades de rega. No alto, vê-se uma variada mata florestal matizada com o verdeescuro dos tojos, dos pinhais e dos clipais; na base, estão os contornos das superfícies mais planas, com tons desmaiados do verde das ervas, dos milheirais e dos lameiros, sulcados pelo leito dos regatos.

Vd. ARMANDO DE MATOS in Estradas Romanas do concelho de Gaia, 1937. O denominativo desta quinta «das Mestras», pelo concreto do nome, é sugestivo. Sobre a origem da palavra, numa análise ocasional e superficial de amadores, à mesa dum café, abundava-se em sugestões, as mais imaginativas, sobre as supostas «mestras», que teriam existido na casa, como “professoras de... qualquer coisa”. Entretanto, dizia-se que, de qualquer maneira que tivesse sido, havia a certeza de ser esta denominação muito antiga, imemorial. Ora e conforme os acidentes geográficos o confirmam esta denominação não obedece a uma circunstância ocasional, mas configura-se precisamente com um topónimo que o sítio, pelas suas características impôs e lhe dão um fundamento e significado muito eloquentes. 2 3

Na análise de A. de Almeida Fernandes, na sua obra Toponímia Portuguesa / Exame a um dicionário, Arouca, 1999, pg. 423, este autor diz, e neste caso justifica-se plenamente, que Mestras existente no concelho da Feira, e não só, mas também em Almodôvar, Góis, Caldas da Rainha, Castro Verde,[...] Vila Real, não é o substantivo feminino “mestra” no singular, ou “mestras(s)” no plural; mas que «tudo indica que se trata de um adjectivo verbal advindo de “mesta», no singular e “mestas”, no plural, no sentido de descrever um acidente físico (hidrográfico!), querendo dizer “água(s) mesta(s) “, isto é, misturadas, (na confluência, pois,) ... Do latim mixta (“mista”, na forma erudita, e “mesta” na evolução e português popular antigo). De resto, os topónimos são remotos...». Em Sanfins estas circunstâncias verificam-se de todo, pelo que a confirmação é evidente. De facto, o nome nasceu ao fundo da Quinta, depois do lugar das Regadas, onde se juntam as águas dos dois maiores regatos, que confluem no território de Sanfins: o regato da Cernada, e o regato de Golfar. Então aí, originariamente, o sítio das (águas) mestas, ou misturadas, circunstância que deu origem, ao fim de muitos séculos, ao nome da Quinta das Mestras.

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Estes tomam os nomes dos sítios que atravessam: rio da Carvalhosa, da Ribeirinha, da Cernada, a ribeira das Regadas, num dos braços; no outro braço, a ribeira do Bregado, de Golfar, do Talhô, até à sua confluência num sítio que deve ter sido chamado Mestas3, continuando-se num só caudal, com o nome de rio dos Moínhos, da Ferrã, até aos fundos de Picalhos, já no território da Feira, onde recolhe as águas de um outro afluente, que nasce na Lomba, se torna pântano na Charca e depois, com os três afluentes abraçados em um, se chama o rio da Lavandeira, o rio Caster, até à Ribeira de Ovar (Ria de Aveiro). A documentação que nos fícou4 dá-nos algumas informações genéricas sobre os núcleos mais primitivos desta apegação à terra arável e fértil, constituída à volta dos primeiros lugares habitados, cujas propriedades agrícolas iam até aos ribeiros, que as bordejavam. Nas Inquirições de D. Afonso III de 1251, de Sanfins nenhuma povoação se nomeia, porque a freguesia não tinha nenhuma propriedade isenta, que limitasse os direitos régios administrativos, judiciais ou foreiros, para constar dessa inquirição. Fica-nos unicamente o nome da freguesia, sem outras informações5. No foral novo, concedido por D. Manuel I, às Terras de Santa Maria, encontramos referências a diversas unidades de propriedade agrária, mas nem todas de fácil identificação; umas referem o assento6 dos casais, com nomes locais, que

chegaram até ao presente, tais como as propriedades do passal da Igreja, a quintã de Golfar, o casal da Quinta; outras aqui referidas, mas de que não temos informações certas da sua implantação: o casal da Cale, o casal de Subcarreiro; outras ainda que são identificadas pelo nome dos proprietários, como o casal de João Delgado, o casal foreiro do conde de Marialva, ou o casal aforado a Álvaro Eanes de Arrifana7.

A propósito da identificação destes casais, põem-se algumas interrogações. Quando a freguesia de Sanfins é referida (Vd. Paulo Dias de Niza – pseudónimo do Padre Luís Cardoso das Memórias Paroquiais), in Portugal Sacro-Profano, Lx. 1767, é nestes termos: «freguesia s.v. Subafeira»; ou Cândido Augusto Dias dos Santos, (in O Censua! da Mitra do Porto, Câmara Municipal do Porto, 1973, pgs. 113,197) como tendo por detentores do padroado fidalgos locais. – Quais seriam eles?

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4 Foral novo da Feira; Registo Paroquial de Sanfins desde 19 de Maio de 1609; Memórias Paroquiais de 25 de Abril de 1758; Tombo das propriedades fundiárias da Casa da Feira; Emprazamento do Carrapital; Primeira Matriz rústica de Sanfins, após o liberalismo...

Eram poucas as igrejas (freguesias) nessas condições. Uma maioria das igrejas era do padroado real, muitas de mosteiros ou conventos religiosos, outras de ordens militares, algumas ou do bispo, ou do cabido de qualquer diocese, umas tantas de casas condais e estas, como Sanfins, de fidalgos locais e provincianos. Nos cartórios dessas respectivas entidades é que é possível encontrar o acerbo da documentação medieval e moderna, que fornece a maior parte das informações históricas das diversas terras, até ao liberalismo. De Sanfins não se sabe quem eram os seus patronos, nem existem cartórios correspondentes. Há uma leve indicação, ao saber-se que durante diversos séculos o apresentador dos curas de Sanfins e titular do Benefício era o Abade de Espargo (Feira). Espargo, por sua vez era da apresentação do mosteiro de Cucujães. A. Nogueira Gonçalves diz expressamente que Sanfins «era dependente da freguesia de Espargo, tendo, consequentemente, como padroeiro o mosteiro de Cucujães, e, por esse motivo, a ser sujeito a participar nas questões que aquele teve». Mas, não funda a afirmação com quaisquer documentos relativos. Procurando possíveis fontes no que resta do espólio do mosteiro de Cucujães, poucas referências encontrámos relativas a Sanfins, a não ser vagos Apontadores e questões de foros e direitos do Abade, sem grande interesse e de breve citação. Vd. A. NOGUEIRA GONÇALVES, Inventário Artístico de Portugal. / Distrito de Aveiro / Zona Norte, Lisboa, MCMLXXXI, pg. 104. Portanto, para Sanfins, não temos documentação de qualquer cartório de convento ou de entidade padroeira.

5 A atribuição do pergaminho nº11 da Mitra do Porto, que se conserva no Arquivo Distrital do Porto, datado de 7 de Novembro de 1331 (era de Cristo de 1293 – D. Dinis) e que vimos atribuído a Sanfins da Feira, é errada, já que esse pergaminho é uma certidão extraída de diversas sentenças das justiças reais (D. Dinis) a favor de Domingos João, pároco de São Félix, mas freguesia de S. Félix da Marinha, Gaia, então, com a freguesia de Sanfins da Feira, do arcediagado das Terras de Santa Maria. Este extracto em pergaminho, passado a rogos do referido pároco, é um belo e bem conservado documento. A atribuição a S. Félix da Marinha e não a Sanfins-de-Sobre-a-Feira decorre de todo o processo judicial contencioso entre as famílias de Martim Esteves do Avelal e de Afonso Madeira, por um lado e o Mosteiro de Moreira, patrono da igreja de S. Félix da Marinha, por outro. O abade de S. Félix entra nesta questão, porque é o legítimo beneficiário da igreja por apresentação do padroeiro, mosteiro de Moreira da Maia. Ver Censual do Cabido, pgs 207 e sgts; e F. Barbosa da Costa in S. Félix da Marinha / Notas Monográficas, Gaia 2000, Ed. Câmara Municipal, pgs. 47 e sgts. 6 «Assento do casal», entenda-se como principal casa de habitação da fracção agrícola casal.

Mas, nestas referências do foral, que agora nos ocupam, não estarão indicadas alguns desses fidalgos particulares, mais ou menos locais? É que neste princípio do século XVI, as propriedades já tinham o seu estatuto definido: honras, vínculos, quintãs, quintas, casais, etc. As mudanças que posteriormente podiam ter acontecido era a compra, ou a venda, ou a permuta, ou a doação desses casais identificados, no seu todo, ou em parte, isto é, mais ou menos constituídos em «vínculo» indiviso, ligado ao respectivo fundiário. Nesta relação, como acabamos de ver, aparecem as propriedades ligadas às actuais Quinta de Golfar, Quinta (dos Passais), casal da Cale (o lugar da Cale, correspondia ao lugar de Santa Catarina, cerca da casa que foi de Rogério Coelho) e o Casal de Subcarreiro, de que não é conhecida a localização, nem os titulares. Já mais indicativas poderiam ser as referências ao conde de Marialva de Nogueira do Cravo (ramo fidalgo da Casa de Marialva?), ou a João Delgado, ou a Álvaro Eanes de Arrifana, que mais parece ser um rendeiro foreiro do que um fidalgo provinciano. Nos tempos mais recentes, os grandes possidentes no território de Sanfins eram alguns parentes dos Condes de Paçô. Haja em vista os terrenos, que recentemente foram adquiridos para o Parque Desportivo do C.D. Feirense e outros.


Referência a Sanfins, no foral novo das Terras de Santa Maria – 1514

S. Félix, venerado na igreja de Sanfins

Apresentemos a transcrição, assim: [À margem:] «Sam fiz» [No texto:] «Pagasse polla Igreia quatro Reaais [I] Joam delgado nove Rs [I] dous casaaes de nug de crauo do conde de maria alua biij Reaaes [I} A quitaa de gulfar quatro Reaaes [I] O casal da qual iiii Reaaes [I] O casal de socarreiro iiii Reaaes [I} O casal da quinta outros quatro Rs [I] O casal daluare anes darrifana quatro Rs. |……|

A documentação mais elucidativa, dos nomes dos lugares, mas mais recente e acessível, é aquela que é referida pelos assentos do Registo Paroquial, que nos vem desde 19 de Maio de 1609. Em 1611, aparecenos referido pela primeira vez no Registo Paroquial o lugar de Picalhos (Sanfins); depois, Golfar (1614), Mestras (1615), Quintã (1617), Munhos (1619), Pena (1653), Quinta (1659). Regadas (1661), etc. sendo depois correntemente repetidos. Daqui não se pode concluir que alguns daqueles lugares não existissem muito antes do primeiro assento do Registo Paroquial; porque, de facto, existiam, só que deles não temos referências. Outros topónimos da freguesia, que hoje são lugares bem caracterizados, só mais tarde é que nos aparecem, como Campinha, Carvalhosa, Ferrã, Monte, Relva, (Ribeira,) Ribeirinha, Santa Catarina, para não dizer Malaposta. Mas, mais impressionante para nós são as referências feitas a lugares da freguesia, que nos aparecem pelos anos sessenta de seiscentos que, ou deixaram de ser lugares habitados, ou são simplesmente sítios totalmente ignorados. Capítulo II O aparecimento de Sanfins. Tentativa de uma leitura. De entre as influências orográficas, que mais influíram no aparecimento e existência de Sanfins, além dos limites determinados pelas estradas norte-sul na cabeça (o Itinerário de Antonino) e nos pés (com aproximação, a estrada nortesul do Castelo), foi o caminho que, partindo das margens do Caster (Castro do Castelo da Feira) se prolongava até ao Castro da Portela de Romariz. Esta via, mais ou menos sinuosa, atravessava de lés-a-lés todo o território de Sanfins e estabelecia a ligação mais directa entre estes dois pólos muito fortificados e povoados, desde o período neolítico, até à contemporaneidade, em contínua utilização. A sua existência constante permitiu que, à sua margem, se fixassem famílias, ordenadas em pequenos núcleos povoados, que foram a raiz, donde havia de brotar a freguesia de Sanfins. O leito dessa estrada teve, por isso, o efeito acolhedor de um colo materno.

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Nesta interpretação, parece-nos que o fecundo cordão umbilical, que gerou e alimentou a gestação de Sanfins, foi o lugar da Pena8. Este topónimo muito arcaico, cujo radical encontramos em Penedo, Penalva, Penela, e nas suas variantes e derivados penha, penhasco, ou na sua parente «petra=pedra», traz consigo uma múltipla significação. Arqueologicamente, naquele lugar, talvez pelo seu aspecto impressionante, a palavra Penna podia significar diversas realidades: – ou um penedo levantado (tipo menhir); – ou um bloco granítico, esférico e errante, aflorando à superfície, quais outros que por lá nos aparecem soterrados, dificultando a escavação de poços; – ou um lajedo (e no local muito evidente!) igual àquele que, nas vizinhanças, aflora nos alicerces da «Casa das Caniças» – uma formação geológica, argilosa, à vista, destacando-se da área circundante de terras aradas. 132

Qualquer que tenha sido a aparência dessa pena, a sua presença evidenciou-se e influiu: ou porque impôs um profundo respeito, ou porque despertou um interesse e aparência míticas, ou porque se apresentou como uma conveniência evidente, influenciando os espíritos dos íncolas e infundindo-lhes um temor religioso, quer para o culto sagrado,

Talvez algo inoportuno, neste passo fazemos referência à actual Casa da Pena, onde ainda se manifesta o principal corpo do edifício dos meados de setecentos, com o esquema arquitectónico tradicional do tempo com uma loja térrea, sobrado no andar superior, ao qual se tem acesso pela escadaria exterior, bem desenvolvida, desde o nível do chão até à porta principal da sala propriamente dita, dispensando um proporcional patim lajeado na zona central da fachada nascente. Ao poente, estava implantada a cozinha, a nível do terreiro, agora muito alterada da sua primitiva traça. O corrente para a época duma família de lavradores, localmente abonada em propriedades. Nessa casa, viveu socialmente prestigiado o proprietário lavrador e carreteiro Ângelo da Pena (Ângelo Henriques da Silva). Constituiu família, teve um filho varão e três raparigas. O rapaz era o Antónia da Pena. De feitio sentimental e romântico, inteligente e apaixonado pela cultura, não se entendeu com o modo de ser do pai, homem do trabalho agrícola, prático, eficiente e entendido na gestão dos negócios agrícolas locais. Em idade de assumir já tarefas da casa agrícola e na sua renitência de sonhador e aventureiro, emigrou para o Brasil. Lá, dedicou-se a trabalhos de escritório, tomou-se auto-didacta, desenvolveu a sua capacidade de gestão e de representatividade, chegando a ser considerado como um adido comercial (e cultural) de embaixadas estrangeiras. É nessa condição, amadurecido pelos anos de um septuagenário, que visita de novo Sanfins. Sempre mantivera a imagem da sua terra, da sua casa, da roda dos seus amigos inalterada. Agora é tudo tão diferente! Tantas coisas que já mudaram... ele era um desconhecido para a maior parte dos seus conterrâneos, somente presente na memória e consideração de alguns seus parentes e amigos. Neste recordar, quis dar a conhecer algumas das suas composições literárias, a que se tinha dedicado. No final do trabalho um hino a Sanfins... 8

quer para os alicerces firmes de primitivos refúgios seus, ou de seus gados, de tipo castrejo. Assim se tornou ali possível a vida sedentária, dedicada à agricultura e à pecuária, com o aproveitamento das várzeas circundantes. Assim supomos o primeiro núcleo de Sanfins. – Há disso vestígios? – Naquele sítio, continuamente habitado e removido, não há lugar para exigir quaisquer resquícios arqueológicos desse passado tão remoto. Resta-nos o topónimo. As gerações anteriores, sediadas nos planaltos e dedicadas à caça e à pastorícia de transumância, foram abandonando aquele regime primitivo para se dedicarem à cultura dos pascigos, das messes e das hortas, domesticando e criando animais, explorando o carro e a tracção animal, utilizando a cozinha e o fogo, numa primitiva povoação, constituída pela rudeza dessas suas cabanas. Este movimento foi favorecido e incrementado pela colonização romana, que, instalada, confirmou o povoado e veio a dispersar-se por outros núcleos agrícolas com as instalações necessárias, a que chamaram villa, que depois evoluíram na sua nomenclatura para serem considerados ou herdades, ou granjas, ou casais, ou quintas, em tempos de inculturação germânica posterior. Então, Pena, aquele primeiro e suposto povoado, terse-á consolidado com as vantagens oferecidas por essa via de ligação, pela proximidade da nascente da Cernada9 e do seu próximo regato e pela consistência do solo, rodeado amplamente pelos terrenos fecundos, que ainda constituem as vertentes da concha agricultada de Sanfins. Esse primitivo e restrito povoado alargou-se e prolongouse no sentido nascente, dando origem à Aldeia (nome de origem árabe, duma póvoa arruada) e no sentido poente para a proximidade da confluência dos regatos referidos, originando o lugar das Mestras. Depois, e num radiado mais difuso, pelas agras que constituíram a herdade da Quintã, os casais de Golfar e da Campinha, e o lugar dos Moinhos, este, com os moleiros entre os seus habitantes.

9 O nome deste lugar tem tido uma grande variedade de escritas: Sarnada, conforme pronúncia corrente actual, Sernada, como aparece frequentemente escrita e Cernada. A sua correcta grafia, porém, deve ser Cernada, com o sentido de «cercada», ou «Cerrada» e aplicada a um campo, ou, mais propriamente, a uma seara de aveia.


É de admitir que nesse local da Pena (reportamo-nos a um tempo de há uns três mil anos) existisse um lugar sagrado (sacrum), dedicado a qualquer divindade gentílica autóctone ou, posteriormente, a uma divindade romana. Esta influência sagrada era uma circunstância decisiva para fixar uma povoação, apegada a um sítio. Em tempo de cristianização, após o séc. IV, quando tudo estava mais definido e pacificado, apareceu o cristianismo a agitar os espíritos, a propor novos valores, novos cânones de moral e fé individual e comunitária do pagus, que seria a Pena (Sanfins). Foi uma confrontação de séculos, porventura demorada e resistente, que acabou por se impor. Durante este processo ocorre, como não podia deixar de ser, a proposta de nova organização, novo culto, novos responsáveis. A existência de um lugar sagrado pagão (palavra que significa próprio do pagus, povoado não cristianizado), será também objecto da atenção da nova comunidade convertida à religião cristã. O sentido do sagrado está enraizado naquele sítio. O melhor meio de implantar um novo templo cristão, é a consagração do sacrum pagão existente no sacrum cristão. Esta foi a prática generalizada na cristianização, em qualquer tempo e em qualquer lugar.

Neste núcleo da Pena procurou-se um herói cristão, que servisse de referência, protecção e culto, aos habitantes do lugar. E, por devoção, – sabe-se lá de quem e quando? – foi escolhido, como padroeiro São Félix, então muito venerado na Península, com lugar destacado no calendário peninsular cristão, mais tarde dito moçárabe.10 Assim, esse templo dedicado a São Félix, começou a ser a referência principal desta povoação. Até ao ponto de aglutinar a si todos os outros núcleos habitados deste vale, primeiro berço do rio Caster. A Pena, lugar, com o seu templo dedicado a São Félix, passou a ser uma designação secundária, para ser conhecido como lugar de São Félix, mas na versão simplificada e popular San Fins, (sacellum, vel ecclesia Sancti Felicis), para usar a designação latina, habitual na documentação da alta Idade Média. A condição de lugar sagrado deu-lhe uma nova aura. Enriqueceu-o com um templo, porventura diminuto, onde existia um culto com as comemorações da vida e da morte, um cemitério, um clérigo permanente ou ocasional; aí também a confluência e reunião dos habitantes do pequeno vale, fechado dentro das suas paredes naturais e com um tampão a poente, que são os Picalhos11 Assim Sanfins terá passado à História, continuando a ser o berço de todos os sanfinenses.

A imagem de S. Félix, que na actualidade se venera em Sanfins, é uma imagem do séc. XVII, sem dúvida trazida da igreja anterior. Outras anteriores terão existido. As suas características iconográficas estão definidas na cor rubra do seu manto (própria de um mártir) e na espada, uma espécie de cimitarra árabe, que terá sido esculpida por mão posterior e menos hábil, significando o modo como sofreu o martírio. Não se vê a razão do livro na mão esquerda, porque a tradição não o apresenta como «padre da Igreja», nem dele consta qualquer escrito autêntico. Entretanto, o módulo escultórico que manifesta na sua aparência geral, aproxima-o da representação de outras imagens tradicionais. Terá sido essa a razão pela qual o sagaz crítico de arte sacra Nogueira Gonçalves, no seu Inventário Artístico tenha considerado aquela escultura como a do apóstolo S. Bartolomeu. Ele escreve: «A maior parte das esculturas [da igreja de Sanfins...] é recente; a de S. Bartolomeu, pequena, movida, setecentista e comum, representa-o de cutelo na direita e evangelho aberto na outra mão, graciosa porém pela decoração antiga». (Cfr. INVENTARIO ARTISTICO DE PORTUGAL, Distrito de Aveiro, Zona Norte, X, Lisboa, 1981, Pg. 104). Aqui, porém, ao interpretar a imagem do padroeiro de Sanfins como de S. Bartolomeu, cremo-lo totalmente como sem razão, só possível por falta de uma informação oportuna. 11 Entendam-se pequenos montes em forma de pico que estão de cada lado do rio, no sítio da ponte da Ferrã. 10

Nicho dedicado às Almas do Purgatório, construído para assinalar o local da antiga igreja e cemitério, com um painel de azulejos pintados por António Joaquim, pintor feirense, em 1964.

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geológica do monte, da encosta, do vale, da mata e do campo, do solo e subsolo. Deste modo recolhemos elementos para continuar a explanar algumas constantes do ambiente geofísico, que são influentes no devir histórico, social e económico de um agregado populacional. Ora o processo supra descrito, podemos afirmá-lo, foi o processo do povoamento e do crescimento humano, cultural e social da generalidade das povoações deste nordeste peninsular, desde a pré-história até às idades modernas. Com esta afirmação concorda a generalidade dos recentes historiadores13, que estudam estas épocas. Consequentemente, por semelhança, também este processo terá acontecido em Sanfins; mas, mais: em abono do exposto invocámos documentos fundamentais, que não sendo escritos, nem por isso deixam de ser monumentos apodícticos, fundados na toponímia e apoiados pela geografia. 134

Fragmentos de azulejos hispa-árabes da primitiva igreja (séc.XVI)

Aqui faça-se uma pausa. – O que foi dito, não é fruto de uma imaginação fértil, que confunde sonho com realidade? – Assim podia dizer-se. Com uma reserva fundamental. A toponímia local confirma e fundamenta estes milenares e verosímeis estádios civilizacionais. Os topónimos, bem interpretados são um real, firme e indesmentível argumento para fundar factos e razões, que eles genericamente documentam12. Atrás referimos diversos topónimos da zona povoada mais antiga; depois, reflectimos sobre a influência das fontes, dos ribeiros, das estradas e caminhos; reparámos na constante

«A História não pode prescindir hoje da toponímia: se esta recebe às vezes, sugestões daquela, muitas mais pistas lhe fornece». A. de Almeida Fernandes, in Toponímia Arouquense, Arouca, 1995, pg. 8.

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Calvário em baixo relevo do fim do Sec. XVII Possivelmente era uma decoração do arco cruzeiro Igreja Anterior. Podem citar-se pela generalidade da doutrina exposta, sob este aspecto, Pierre David (in Études Historiques sur la Galize et le Portugal); Arlindo de Sousa, in Povoamento Medieval de Entre-Douro e Vouga (Fontes Toponomásticas), Lisboa, 1961; Miguel de Oliveira, (in As paróquias rurais portuguesas); Cândido Augusto Dias dos Santos (in Introdução ao Censual da Mitra); Domingos A. Moreira (in Freguesias da Diocese do Porto – Elementos onomásticos Alti-Medievais, Porto MCMLXXIII, pg. 46 e sgts); A. de Almeida Fernandes (in Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas Arouca 1997, pgs.13/54, ou Portugal Primitivo Medievo, Arouca, 2001, pgs. 139 e sgts); José Mattoso (in História de Portugal, vol I, ou José Mattoso e outros in O Castelo e a Feira, Ed. Estampa, Lisboa, 1 989,pg. 30 e sgts.); José Angel Garcia de Cortazar, in História Rural Medieval, Ed. Estampa, Lisboa 1983, pgs. 134; Ana Maria C.M. Jorge (in História religiosa de Portugal, Círculo de Leitores, 2000, vol. I, pg. 139 e sgts.), etc. 13


Na toponímia, como já o vimos e agora repetimos, «Pena» – sítio identificado por esta palavra latina, que é conhecida de toda a gente de Sanfins, ditou uma centralidade local. As posteriores influências da língua germânica dos visigodos e dos suevos14, não apagou a sua prevalência. Daí – é outro argumento – a existência de São Fins, ligada a um pequeno centro de culto e de veneração ao herói cristão, o mártir S. Félix15, que se tomou a designação oficial deste mui antigo núcleo habitado. Por isso consideramos São Félix como o hagiotopónimo de Sanfins. Na toponímia, importa considerar outros topónimos. Vejamos o de Golfar.

A língua latina fora enraizada profundamente nos povos romanizados, acompanhada de uma multímoda e profunda cultura civilizacional. Tomouse a língua vulgar em toda a Península, com excepção da região basca dos Pirenéus. A invasão dos povos posteriores, feita pela força e ditada pela natureza bruta e inculta, foi depois, paulatinamente influenciada pelo brilho e organização administrativa existente, permitindo a assimilação da cultura existente. Entretanto, a sua presença deixou muitas influências, sobretudo nas propriedades e centros de administração, ligados a possessores dominantes, cujo nome ficou adscrito a povoações e a herdades. 15 A legenda de S. Félix anda envolta em diversas variantes e bastantes imprecisões, pelo que nada sabemos, com certeza histórica acerca da identidade da sua pessoa, da sua naturalidade, ou da sua vida e obras. A acta atribuída ao seu martírio, que é de evidente carácter lendário, diz que (São) Félix é oriundo do norte de África, bem como S. Cucufate. Outro escritor sacro, S. Gregório de Tours, diz que relíquias insignes de S. Félix foram levadas até Narbona, França, cidade onde foi construída uma basílica em sua honra. Porém Santo Ildefonso, um outro escritor cristão posterior à transladação das suas relíquias para Narbona, afirma que ele foi definitivamente para Gerona, onde, no século IX, se identificaram as suas relíquias as quais foram solenemente depostas na igreja de Santa Maria de Gerana e onde ele tem uma profunda devoção. Esta é confirmada pela toponímia de muitas terras na Catalunha. Uma outra tradição paralela refere que «S. Félix foi mandado por S. Ireneu de Lyon, com mais dois companheiros a pregar em Espanha (vd. Enciclopédia Espasa-Calpe – S. Félix de Gerana); todos foram degolados em tempo do imperador Severo princípios do séc. III». Nos Santos de cada dia diz-se: – ele foi martirizado nos começos do séc. IV, em Gerona, cidade que guarda as suas relíquias, em tempos do imperador Diocleciano, sendo prefeito das Espanhas Daciano. Prudência, um poeta cristão, dedicou-lhe diversos hinos, conforme vem referido na colectânea da sua obra “Peristephanon, IV, 29 e sgts”. O culto da sua memória é referido pelos primeiros calendários e livros litúrgicos hispânicos, que celebram a sua memória no dia 1 de Agosto, data que continuou a manter-se nos calendários medievais. Diz-se que, ainda no século IV, depois de Recaredo, rei dos godos, se ter convertido ao catolicismo ofereceu a sua coroa real ao sepulcro de S. Félix, em Gerana, tomando a devoção por este herói cristão muito popular em toda a Espanha. A liturgia moçárabe, guardou a sua memória e, pelo séc. VI, transmitiu-a às diversas comunidades cristãs, das quais muitas o acolheram como seu patrono, fazendo dele memória no dia 1 de Agosto de cada ano. É lógico que, por esta época – sécs. VI, ou VII – ele tenha sido escolhido para patrono dum pequeno povoado, contíguo ao Castelo de Santa Maria, na Lusitânia, emprestando-lhe o seu nome – o povoado e a freguesia de Sanfins. 14

Este nome deverá remontar à época germânica, entre nós suévica, ou visigótica, a partir do séc.V. Na sua raiz está a palavra «wolf», com o significado de «lobo». Golfar chamar-se-á assim por ser, cremos, um sítio frequentado por lobos. De constituição mais recente será o sítio e propriedade da Quintã16 (palavra latina «quintana» que designava a habitação, ou assento (pallatium>paço) de um fidalgo, senhor duma quinta parte duma, outrora, extensa «villa»), à qual se ajustava a designação de «Terra honrada», ou simplesmente «Honra». Capítulo III A invasão árabe A partir de 711 (Guadalete), os árabes anteriormente sediados na Mauritânia, a norte da África, entraram na Península convidados por uma facção de cristãos visigodos, que andavam desavindos entre si. Uma vez que tinham conseguido entrar na Península, já dentro da Europa, perante a situação duma generalizada desorganização no reino visigótico, provada nesse primeiro recontro do qual saíram vencedores e perante o apetitoso encanto das férteis terras de Espanha, que pela sua fragilidade, indirectamente os convidava, decidiram avançar por aí adiante e por aí acima. No breve espaço de cinco anos, partindo desse legendário estreito das Colunas de Hércules, o exército muçulmano conquistou todos os lugares fortificados e todos os centros administrativos, que lhes haviam de garantir a imposição dos impostos sobre todo um reino subjugado. A sua galopante avançada, deixando para trás algumas bolsas da resistência goda, refugiadas nas pregas dos montes cantábricos, transpõe os próprios Pirinéus (Roncesvales da Chansson de Roland)) até se encontrar, razia após razia, com a mística força do rei de França Carlos Martel, que os bateu em Poitiers (732). Recuando para aquém dos Pirinéus, eles assentaram arraiais nas Espanhas, fazendo da Ibéria, com a cidade de Córdova por capital, a sua formosa “jóia da coroa”, a emergir, na vastidão dos territórios por si conquistados. Perante a rápida investida muçulmana desses árabes, (aqui chamados de «mouros»),17 duma outra raça, doutro credo,

Vd. Padre Domingos A. Moreira, in Paisagem toponímica da Maia, Maia, 1969, pg. 55. «Mouros», assim chamados por serem os habitantes da Mauritânia, cuja capital era Cartago, no norte de África. Esta cidade e o seu território caiu em poder dos árabes, no final do séc. VII.

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doutra civilização – quem pôde fugir, fugiu: nomeadamente os terratenentes, os fidalgos, os quadros administrativos civis ou religiosos. Os autóctones que não puderam fugir, nem tinham meios para isso, ficaram adscritos às terras que cultivavam. Eram os servos da gleba, os feitores rendeiros e alguns quadros intermédios, que aceitaram ficar mercê de algumas concessões que obtiveram, suficientes para sobreviverem. Estavam obrigados a respeitar a ordem estabelecida pelos conquistadores. Estes, não os obrigavam a abjurar a sua fé, a sua língua, as suas tradições ou convicções: toleravam mesmo que se pudessem manter organizados em comunidades religiosas (paróquias e dioceses); terem o seu templo, o seu clérigo (padres ou bispos); terem liberdade de praticar o seu culto e observar as suas tradições, uma vez que o fizessem sem manifestações públicas, fora do templo. Mas os cristãos colonizados ficaram com a obrigação de respeitar e considerar superiores18 a si todos os árabes, respeitando-lhes as suas instituições, leis e costumes. Materialmente, e de acordo com as normas árabes, tinham de aceitar pagar a capitação individualizada e o tributo sobre as terras, que lhes deixaram ficar para as trabalhar e fazer produzir, ou sobre outras actividades rentáveis. Só em casos excepcionais de resistência, que ofendessem a condição dominadora muçulmana, é que os cristãos poderiam ser castigados pela morte ou pela escravização. Assim se instalou na Península Ibérica este regime, nas regiões do sul por muitos séculos, enquanto noutras do noroeste, por tempo de poucas décadas. Situação tolerada, certamente com a resignação de quem tinha de aceitar este estado de coisas para sobreviver; mas com a revolta daqueles que, impotentes e na penúria do exílio, rangiam os dentes, sonhando com a desforra. Recorde-se a citação de Oliveira Martins em História da Civilização Ibérica, aduzida por Padre José Alves de Pinho no seu estudo sobre D. Crescónio, bispo de Coimbra, in Tempos e Lugares de Memória – Actas do I Congresso sobre a Diocese do Porto, vol II, pg. 198, referindo o «Cânone de Ornar», que indicava o comportamento que os árabes deviam seguir para com os cristãos: – «Cumprenos devorar os cristãos, e aos nossos descendentes os descendentes deles, enquanto houver cristianismo». Mais: também estava legislado que «os cristãos não podiam construir novos templos, nem levantar os que caíssem em ruínas. Os muçulmanos tinham direito de entrar de dia e de noite nas igrejas, que deviam estar sempre abertas aos viajantes, e albergá-los por três dias. A cruz era apeada da fachada dos templos; e nas ruas não podia haver cerimónias, nem nas igrejas coros ou cânticos que se ouvissem fora, sempre que houvesse muçulmanos nas vizinhanças. A propaganda era proibida, assim como o impedir que os cristãos abraçassem o islamismo. Em frente de um muçulmano, embora sentado, o cristão devia ficar de pé...». Como estas, muitas outras leis degradantes estavam cominadas contra os cristãos. Porém, com o tempo, tais comportamentos foram-se mitigando, até a um nível de grande tolerância.

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Passo a passo, ela veio demorada e lentamente, mas irreversível. Foi preciso adestrarem-se para a guerrilha, disciplinarem-se como hoste de combate, afirmarem-se como reino estruturado, que merecesse à Europa cristã a aliança militar contra os usurpadores mouros, em espírito de cruzada do ocidente, libertadora e triunfante. Ficaram-nos laivos dessa presença de muitos séculos, dos quais, entre outros, destacamos o nome dum povoado central de Sanfins, próximo da Pena e da primitiva igreja, que no passado se chamava lugar da Aldeia e agora conhecemos pela Rua da Aldeia. Capítulo IV A reconquista cristã Ora, neste estado de coisas, no noroeste peninsular, a resistência aos mouros foi tão pertinaz, que Oviedo (com Pelágio) e, depois, toda a província das Astúrias, nunca se consideraram dominadas. A lenda da batalha de Clavijo, com Santiago aparecido, montado num cavalo branco, espada nua e desembainhada, com voz de comando «vamos a eles!», mitificou a avançada. Daí, das Astúrias, desse território agreste, com cumes nevados, neblinas persistentes, ladeiras vestidas de vegetação, com gargantas de montes intransitáveis e grutas inacessíveis, surgiu a reacção enraivecida contra o mouro dominador, transfigurando um punhado de aventureiros fidalgos num grupo ágil, sagaz, porfiado, a utilizar todos os meios possíveis para a reconquista da terra, de que se consideravam espoliados e onde lhes tinham ficado os solares brasonados, as propriedades fundiárias e os seus servos sem alforria. À distância, já se antevêem personagens como Cid, o Campeador, ou Geraldo, Sem Pavor. Nesta longa cavalgada cheia de peripécias, com avanços, recuos, heroicidades e traições através do tempo e do espaço, o rei, os fidalgos e as hostes cristãs asturianas e, depois, leonesas, reconquistaram a faixa ocidental até ao Mondego. Em 868, Vímara Peres consegue a presúria do Porto; no mesmo ano Afonso III de Leão com os seus nobres, cavaleiros e peões, ocupa Lamego, Viseu e Coimbra (esta por meio de Hermenegildo Guterres). Estas conquistas com os seus fossados, tornaram-se uma instituição, como se tratasse duma época de colheita; pelo despertar da Primavera e durante todo o Verão, os fidalgos da milícia, com a sua hoste, iam, de surpresa, às ocultas ou durante a noite assaltar as praças-fortes, mas também as herdades, os casais e as aldeias, apoderando-se de tudo o que


tinha valor: as gentes feitas escravas, os gados, os cereais, os utensílios domésticos, terminando por lançar o fogo ao que restava. Esse era o modo mais fácil de enfraquecer o inimigo e, também, o mais fácil e corrente de enriquecer19 Foi uma marcha lenta e vitoriosa, porém, precária. Este primeiro ímpeto e avançada vitoriosa, viria a ser cerceada e o domínio até então conseguido, viria a ser totalmente arrasado, nos breves anos, que antecederam o ano 1000. Nos finais do século X, mercê da fraqueza da dinastia omíada de Córdova20, aproximaram-se as hordas berberes do norte de África muçulmano com um exército fanatizado, treinado, rápido e eficiente, sob o comando de um chefe lendário – Almansor (977-1002), norteado por um ideal: fazer a guerra santa contra os cristãos. Atravessado o Canal de Gibraltar, corre célere, ordena e subjuga os califados estabelecidos na Península, e depois a partir de Coimbra tala e arrasa todos os castelos, vilas e cidades resistentes, extermina as povoações, roubando os produtos da terra, seus gados e seus valores, deixando caídos por terra os muros das fortalezas e das igrejas. Todos os senhores fundiários, que puderam fugir para o refúgio do norte, mais uma vez fugiram. Por toda esta região fica na memória o seu nome e a sua acção. Atravessa o Douro, o Minho e vai até Compostela, o grande centro e símbolo da vida cristã peninsular, que incendeia e derriba, levando consigo, como troféus de vitória, os solenes e pesados sinos da catedral. Mas, a norte do Douro, não fica implantado o seu domínio. Regressa Almansor a Córdova, com a aura dum califa vencedor; porém, assolado em breve pelos soldados do partido oposto, acaba por morrer. A rede administrativa que tinha estabelecido, sem a presença do chefe, enfraquece e não perdurará. Nesta situação de fraqueza e divisões, cresce o poderio dos príncipes cristãos, que por sua vez passam a conquistar, do Douro para o sul, fortaleza a fortaleza, cidade a cidade, província a província, entre outras, as meridionais, que integrarão o futuro reino de Portugal.

19 José Mattoso e outros in O Castelo e a Feira, pg 35. « ... [anos 20 do século XII] quando a Terra de Santa Maria se enriqueceu na guerra contra os Almorávidas, [ ... e no fim do mesmo século] novo retomo dos cavaleiros da Terra de Santa Maria ao negócio da guerra [...] O enriquecimento dos cavaleiros na fronteira ... » que, depois, vão beneficiar com doações os mosteiros e conventos, mas também as sés das dioceses de Porto, de Coimbra, etc. 20 Oliveira Martins, in História da Civilização Ibérica. Ed. livros de bolso EuropaAmérica, 387, pgs. 92-93.

Coimbra é definitivamente conquistada por Fernando Magno de León, em 1064. A leste, os avanços vão até Toledo, dando aos reinos de Castela e Aragão as acrescentadas províncias do sul. Estas conquistas tornaram-se possíveis com a ajuda dos reinos cristãos de além-Pirinéus, solidários com a mesma causa. Assegurada a reconquista21, as comunidades moçárabes, aonde, apesar de tudo, tinha prevalecido uma estrutura cristã autónoma, são religadas às comunidades cristãs europeias de obediência romana, não sem a resistência do povo e dos chefes políticos22. Este novo reatamento das liturgias e instituições moçárabes com as romanas, foi impulsionado pela influência centralizadora de Roma, com a mediação do espírito e da disciplina do monaquismo cluniacense, e com o favor do poder régio, especialmente do imperador Afonso VI de Leon e Castela. A rota seguida por esta influência, a partir da província francesa da Aquitânia até ao grande centro de Compostela, foi a da Estrada de Santiago, que se desenvolvia pelo norte da Península. Foi neste centro, afamado pelo pretenso túmulo do Nesta conjuntura de circunstâncias, não foram sempre pacíficas as relações entre os senhores regressados depois de Almansor, e os íncolas que permaneceram arreigados às terras. Agora consideram-se uma comunidade moçárabe organizada, em que os seus membros confiam num estatuto, tido por adquirido, uma vez que os antigos possidentes abandonaram a terra e a deixaram à mercê dos captores. Exemplo claro deste pensar e agir, é aquilo que nos refere o doc. n.º 746, dos Diplomata et Chartae, pg. 445, passado em Moldes, povoação vizinha da Vila de Arouca: «venerunt sarraceni cecidit ipso territorio in herematione et fuit ipsa ecclesia destructa ... ». A citação alongada, em português, diz o seguinte: «Vieram os sarracenos, ficou o terreno ermado [despovoado] e a igreja foi destruída. Mas quando vieram os cristãos para ocupar e povoar essa terra, a igreja foi restaurada e nela colocaram as relíquias de Santa Maria e de Santo Estêvão. De novo a terra ficou erma, na era de MXIII (ano de 975). Passado algum tempo, voltou a ser povoada na era de MXXXVIIII (ano de 1001), veio o povo e cada um ocupou as suas propriedades e as alheias, e desta época em diante deram à igreja a invocação de Santo Estêvão». Vd. Domingos A. Moreira, o.c. Pg. 56; vd. Actas das 1 Jornadas de História e Arqueologia ... Arouca, 1987, pg. 65; Vd. Pinho Leal, in Portugal Antigo e Moderno, voI. V, pg. 366, s. verbo Moldes; Vd. D.Domingos de Pinho Brandão, in Arouca – Notas Monográficas, Arouca, 1991, pgs. 135/6; H. Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal nos Séculos XII a XV, Tomo XI, 2” ed., pg. 285, (onde apresenta um bom comentário). 22 Vd. P. José Alves de Pinho, in D. Crescónio, bispo de Coimbra, Porto/Arouca, 2002. Actas do I Congresso sobre a Diocese do Porto, volume II, pgs. 205 e sgts. 23 O conde D. Henrique, pelo seu nobre e destacado parentesco com a realeza francesa, com o movimento cisterciense através de S. Bernardo e com os papas de origem c1uniacense, teve um papel pessoal preponderante nesta ligação do condado portucalense ao centro europeu e à dependência hierárquica de Roma. 21

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Apóstolo e enriquecido pelas esmolas dos peregrinos, que se sublimou o espírito da reconquista cristã. Em resumo: Cluny, pôs essa dinâmica em contacto com a igreja centro-europeia e com Roma, facultando-lhe a mística; Compostela, ofereceu-lhe o dinheiro, o poder e as estruturas; homens, como o arcebispo compostelano Diego Gelmirez, concretizaram o projecto. Haja em vista o condado portucalense – unidade política criada em 1096, que incluía as dioceses de Braga, Porto e Coimbra23 – mas também a recém-conquistada cidade de Toledo, tornada capital de Castela, as quais vêem as suas sés episcopais restauradas, com novos bispos em concordância com Roma, ex-cónegos do cabido de Compostela, de ascendência francesa e de escola teológica e política cluniacense (Gérard, Hugo, Maurice Bourdin, Bernardo), que irão ter uma influência decisiva para se adoptar a liturgia romana e congraçar a novel terra portuguesa com a hierarquia católica romana. Nas consequências de todas estas acções e movimentos foram envolvidas estas terras do ocidente, quer sejam consideradas na sua dimensão de províncias, ou termos, ou cidades, ou vilas ou aldeias. Assim também as terras de Santa Maria da Feira e, nelas incluída, a nossa pequenina Sanfins. Capítulo V O povoamento A acção governativa e política, que depois da reconquista se propunha era a de restaurar-se o antigo regime visigótico. Porém, desde a avalanche islâmica, no início do século VIII até este presente do século XI, muita coisa já tinha evoluído, ao lado dessas tradições. Agora, antes de mais, era prioritário para os governantes o povoamento e a reorganização social; o estabelecimento de

uma rede administrativa, com os seus responsáveis; e também a implantação do poder militar, com os seus alcaides, os seus terços de armas e os seus fortins e castelos. Dando resposta a todas estas exigências, pela Europa ocidental e central florescia o feudalismo – instituição complexa, mas implantada e em pleno vigor. Tinha um exigente código de valores, com princípios definidos, que afectavam os príncipes e os súbditos; a sociedade estava escalonada em níveis de cultura, de poder e de trabalho (clero, nobreza e povo); havia códigos de honra para suseranos e súbditos, fidalgos e plebeus, cavaleiros e peões, pagens e donzelas. A sociedade escalonava-se numa difusa e contínua pirâmide, onde os vértices eram o ser (com os valores religiosos e culturais), o poder (com o governo do rei, do seu conselho, dos fidalgos e seus executores) e o ter (os fundiários de diversas e desiguais possessões). Para além destas instituições, a realidade na base era dura, porque sendo plácida para uns poucos (os filhos de algo, as nobres linhagens), era amarga para muitos (os trabalhadores foreiros, rendeiros, servos, cabaneiros)... Porém, para regimento das terras agora resgatadas, não havia alternativa: os quadros feudais impunham-se, em concordância com os usos e os tempos. Entre a saudade e a realidade, a matriz visigoda decalcada na matriz romana, que ainda prevalecia, foi o primeiro recurso para a renovação e actualização das circunscrições administrativas do poder civil, muitas vezes em paralelo com as antigas províncias, dioceses e paróquias, a coincidir aproximadamente com os condados, as alcaidarias e as vilas. Esta divisão tradicional, com as referências aos lugares fortificados, aos centros administrativos, às igrejas episcopais, aos antigos lugares de culto, à toponímia original, à influência geográfica, foi uma preocupação dominante no espírito dos reis, dos chanceleres, dos metropolitas e das sedes abaciais; mas foi sobretudo ditada pelos valores, usos e costumes profundamente arreigados na memória das populações para que se desse uma continuidade presente à herança das antigas eras24.

Esta difusa transformação foi estudada por Alberto Sampaio em As villas do Norte de Portugal. Vd. vol. I de Estudos Históricos e Económicos. Também é muito elucidativa a sinopse que sobre este assunto apresentou P. Miguel de Oliveira, in As paróquias rurais portuguesas – sua origem e formação, 2ª parte – As Paróquias da Reconquista, pgs. 67 e sgts,

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Assento ou solar dos Senhores de Sanfins (séc. XVIII) restaurado.


Na pujança de novos, ou dos dilatados reinos, estava sempre presente o projecto duma conquista total dos territórios peninsulares. Era alimentado pelo espírito de cruzada, que entretanto tinha surgido. Além do projecto havia a conveniência destas incursões: elas alargavam as fronteiras da cristandade, davam ocupação aos filhos segundos das famílias nobres, serviam de fonte de rendimento imediato, eram animadas pelos jerarcas cristãos europeus, a braços com as incursões violentas e devastadoras das hordas aguerridas dos mongóis e otomanos, através do leste europeu. O movimento da reconquista, abençoado pelo papa, era presidido pelo rei e o seu conselho. Eram principais intérpretes os herdeiros da antiga nobreza goda, a que se juntavam outros aventureiros e conquistadores – os chefes da hoste, que, sob a autoridade real invadiam e tomavam os povoados, integrandoos no território restaurado. O rei, por sua vez, recebia-os para seu domínio directo, e, de parte desses povoados, fazia mercê aos seus campeadores, para que eles os possuíssem no todo ou em parte, exclusivos para a sua pessoa, ou instituídos em vínculos para os seus descendentes. Com estes actos de governança surgiram os condados e as alcaidarias, algo inspirados na divisão eclesiástica anterior. Com os condes, ou os governadores dos condados e seus mandantes – alcaides, juízes, notários e almotacés, vai-se fixando definitivamente a população, ao passo que o rei, em concordância com os núncios pontifícios, vai restaurando as dioceses e catedrais com a eleição de novos antístites. Em Coimbra, a que então pertencia toda a Terra de Santa Maria, foi seu primeiro bispo, após a reconquista, D. Paterno – o nosso primeiro bispo na cristandade restaurada. Os senhores fundiários da terra são os responsáveis de prover às necessidades do seu povo, ou de garantir-lhes melhores regalias: a eles está confiada a construção do templo e a dotação dum clérigo residente e a suficiente ordenação da vida comunitária, para suporte de uma nova paróquia, ainda que pequena. Lentamente, nesta acção do povoamento, sabe-se que foram criadas muitas paróquias e fundados muitos mosteiros (alguns só familiares), embora não documentadas acerca do tempo e do modo. Desde o Paroquiale suévico do século VI, até ao início da nacionalidade portuguesa, e, concretamente, nesta área entre Douro e Mondego, os especialistas no assunto calculam que as paróquias se multiplicaram por dez. Neste ressurgir de comunidades organizadas, as classes dominantes (e com elas as classes adscritas), motivadas pela plena consciência de serem construtoras do seu futuro, com o

fervor de restaurarem as antigas tradições, sonham com o alçar das glórias dos velhos troncos germânicos, temporariamente postergados, para finalmente ostentarem os seus vetustos pergaminhos, com renovado apego e prosápia. Circunstâncias particulares marcaram os condados de fronteira, incluindo esta nossa zona do litoral, a sul do Douro, onde o processo foi mais demorado e mais doloroso. Talada, durante séculos, pelas incursões e correrias de parte a parte, esta província de Entre Douro e Mondego, com os centros militares situados em Gaia, na Feira e em Montemor-o-Velho, (incluindo necessariamente as Terras de Santa Maria) foi duramente atingida e por muito tempo devastada como «terra de ninguém». Sanfins, integrada, tão de perto, no alfoz do castelo e burgo da Feira não podia deixar de sofrer as consequências, quer para celebrar as glórias, quer para amargar as derrotas. – Que pena, não termos disso uma documentação suficientemente bastante e expressiva! Tirando conclusões de todo este circunstanciado – no qual não se definiram tempos, os quais foram apreciados em sobreposição de séculos, nem se extremaram os limites geográficos de fundos, que se dimensionam por reinos, províncias, ou simples povoados, temos que, por verosimilhança, a concha fecunda de Sanfins, se agricultou à volta da Pena, se baptizou com um novo credo nesse maciço de pedra aflorada, cresceu como povoado à volta do oratório de Sam Fins (S. Félix), discretamente se afirmou e confirmou com o domínio árabe, se realizou como uma unidade populacional caracterizada e independente, atingindo a maioridade de ser paróquia, quando, por sua vez, Portugal arrebata o estatuto de uma nova nação. Nas primeiras listas de todas as freguesias conjuntas do país, ou da diocese do Porto, integrando o medieval arcediagado das Terras de Santa Maria, entre as suas pares e vizinhas, nos aparece a igreja/paróquia/freguesia de Sanjinsde-Sobre-a-Feira. Capítulo VI Era aqui que queríamos chegar. Nesta longa deambulação pelas idades da terra, referindo, pontualmente, aspectos parciais e sucintos das civilizações que nos precederam e modelaram os nossos povoados, quisemos identificar e perseguir as linhas fundamentais, que estiveram na base da realidade humana, sociológica e histórica da comunidade, que se apresenta com o benquisto

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Uma vista aérea da igreja de Sanfins e do Centro Paroquial «a nossa casa»

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nome de Sanfins. É o chão que pisamos e com o qual Sanfins sempre se identificou. Buscámo-lo na Idade do Neolítico e, levados pelas asas, que sobrevoam os estratos da história, acompanhámo-lo, em conjectura, até ao desabrochar de Portugal independente. Desenhamos um conjunto de linhas-força, que temos como modeladoras da sua existência. Neste passo, necessariamente nos assalta a questão: – que factos e actores alicerçam cientificamente as anteriores considerações e as sequentes conclusões? – qual o fundamento? – qual a base provada e certa, para que assim se fundamente a origem de Sanfins? É o que vamos ver, recorrendo ao parecer de muitos autores, que se debruçaram sobre as idades passadas, acompanhando o evoluir demográfico das populações, nas suas constantes civilizacionais, ideológicas, religiosas e interdependentes no decorrer dos tempos, sobretudo a partir da conquista e inculturação romanas, até à formação matizada das actuais nacionalidades europeias. A nós, interessa-nos especialmente este canto galaico-duriense. Conjunto da igreja de Sanfins e Centro Paroquial e adros. As citações que possamos fazer – que têm de ser exíguas! – pretendem ser demonstrativas de que esta temática tem interessado a classe científica do passado, mas particularmente da actualidade, a que novos métodos e ciências modernas dão importância e contributo. Partimos daquela tese (que queremos pôr em destaque, e que agora é comummente aceite e seguida), onde se afirma e

se defende que os centros de veneração religiosa – santuários, igrejas, oratórios, cemitérios, edículas votivas, etc. – com os seus ícones, seus santos, padroeiros e protectores, com as suas invocações, o seu culto e as suas tradições, foram a principal e mais influente causa da afirmação, manutenção e influência sobre um agregado populacional, para que ele se afirmasse individualizado e estruturalmente personalizado. A antiga identidade pré-romana (celta), romana e visigótica, durante o domínio sarraceno, manteve-se discreta e subjacente, mas viva, fértil, activa e influente, modeladora duma comunidade humana, com a sua individualidade e força agregadora, com os seus topónimos originais, as suas populações, os seus costumes e a sua religiosidade. Nessa época crítica, terras reconquistadas, tornamse terras limpas do transitório domínio muçulmano, para superarem o hiato que fora interrompido no tempo do rei Ramiro. Sanfins que adivinhamos existir há muitos séculos, como um diminuto “povoado” afirma-se agora, após a reconquista, como comunidade paroquial. Em resumo, bem podemos considerar que o culto a São Félix nasceu no séc. VII (se não antes), persistiu no séc. VIII e se renovou no séc. IX. A civitas da Feira, com o seu castelo e assessorias, como cabeça administrativa e protectora duma vasta circunscrição, envolvia as suas cercanias com a sua influência e protecção. Ela era evidente e indiscutível no pequeno burgo ribeirinho do Caster (Rossio-Praça Velha), com uma derivação para a Lavandeira, continuando-se no povoado até ao outeiro da Misericórdia; era indiscutível na antiga ladeira da Velha; era real na área de Campos; e, apesar da distância, igualmente o era em Vila Boa, Milheirós e Remolha; e até, temporariamente, no território da freguesia de Travanca, com os seus diversos aglomerados populacionais. Porém de Sanjins, nunca consta que estivesse integrada, ou a ser feudo, ou domínio, ou parte integrante da Feira. Escapães, embora ao lado, já está noutra rede hidrográfica: as águas vertentes já deslizam para o leito doutra ribeira – o rio Lajes. Sanjins é Sanjins. Terra do venerável protector São Félix (São Fins), no antigo lugar da Pena, na margem da velha estrada pré-romana, terra com o seu oratório, os seus lugares santos, os seus próprios senhores e fundiários, as suas propriedades, as suas quintas, os seus agricultores e rendeiros. Sanfins nasceu espontaneamente, por influência desses factores, para ser Sanfins.


Para que melhor compreendamos esta asserção, tenhamos como certa e indiscutível a existência pré-histórica do castrum (castellum), assente no morro das Guimbras; a existência certa e indiscutível do castrum da Portela (Romariz); a via obrigatória25 e constante, pelas facilidades oferecidas, entre estes dois povoados principais, que nos vêm do Neolítico e que obrigatoriamente atravessa Sanfins de lés-a-lés; o topónimo Penna, centro e fundamento de Sanfins, revelador duma existência pré-histórica; uma constante existência do povoado, que veio a chamar-se Sanfins, tanto quanto o pode manifestar a documentação existente e a leitura corográfica relativa. Depois aceitemos para Sanfins, por via comparativa e verosímil, o que para muitos outros locais se concluiu serem certos e provados, pela abundância e constância de documentação histórica comummente aceite, fundamento de doutrinas interpretativas do devir histórico. Ora, perante isto, resta-nos apelar para aquele princípio universal da lógica e do pensamento: «para causas iguais, efeitos iguais». Haverá nisso qualquer abuso, ou tautologia? Capítulo VII (Vejamos mostras de autores e documentos) Joaquim de Santa Rosa Viterbo «É bem para notar que até o meio do VI século fosse, entre nós, tão limitado e diminuto o número das igrejas diocesanas, pois, conforme o Concílio de Lugo, na diocese do Porto só havia dezassete igrejas e sete pagos (...). Depois deste tempo, se multiplicou maravilhosamente o povo de Deus e se levantaram muitas igrejas paroquiais, não só nas grandes cidades, mas ainda nas pequenas aldeias (…). [O rei] e os nobres deram mui largas terras à cultura, distribuídas pelos seus vassalos (…) para socorro espiritual destes colonos que viviam longe da igreja (…) se fundava uma pequena ermida, ou oratório em cada herdade destas igrejas. Na medida da

Ver P.e M. Fernandes dos Santos, A MINHA TERRA, BREVES APONTAMENTOS SOBRE ROMARIZ edição de P.e Rodrigo Fontes, Cucujães, 1984, pg. 11, conforme citação de, Vida da Feira / Terra de Santa Maria, n.º 13, Junho 06, pg. 23: «De Cabeçais, sede do concelho, partia uma transversal [à velha estrada de Viseu] que atravessa esta freguesia [Romariz] (...) transpunha o rio em Mouquim e seguia por Gaiate até à via romana de Aeminium a Cale, que atravessava em Arrifana e ia depois estabelecer a ligação com Vila Da Feira.»

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reconquista (...) se multiplicaram as igrejas, não só porque se reedificaram as que os bárbaros haviam destruído, mas ainda os particulares levantaram muitas de novo, de insignificante fábrica e pouco rendimento»26. Alexandre Herculano «Os Moçárabes foram como que a «camada étnica que verdadeiramente assegurou a continuidade cultural entre a época romana e a Idade Média cristã. Eles teriam constituído como que o elemento permanente, preservador dos costumes municipais, do Direito romano e da língua e mentalidade latinas. A islamização teria sido superficial mesmo entre os Moçárabes. Representava uma cultura estranha à Península e que se teria dissipado com facilidade depois da conquista27». Pierre David Pierre David28, insigne investigador do noroestepeninsular, tão característico e inovador, estudou as situações e a evolução histórica, política, social e religiosa deste canto peninsular na longa época da Alta Idade Média e chegou, pela sua interpretação, a conclusões muito reveladoras. Na sua obra citada, acerca da organização religiosa afastada da sede

Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Elucidário das palavras..., vol 2, Livraria Civilização, Porto, 1966, s. v.Igreja, pg. 320/327. A. Herculano, J 980, vol. III, pp. 247-50, citado por José Mattoso, in Identificação de um país, vol. I, pg. 313, acerca dos Moçárabes... 28 PIERRE DA VID, in Études historiques sur la Ga/ice et le Portugal, du VI au XII siècle. Paris, 1947. Pierre David nasceu em França em 1882, foi professor universitário e medievalista. Iniciou os seus estudos em Grenoble, continuados em Paris onde se doutorou, tendo-se especializado em História Medieval e Literatura Francesa e Provençal da Idade Média. De 1906 a 1914 estudou na Universidade Gregoriana em Roma; mobilizado pelo exército, esteve na Polónia até 1939, onde publicou importantes obras medievais polacas; mobilizado pelo exército, esteve na Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, desde 1941, regendo diversos cursos com muita competência e recebendo muitas honrarias: feito membro da Academia Portuguesa da História (1949); cónego honorário de Braga; cidadão honorário com medalha de ouro de Braga; doutor Honoris Causa em Letras pela Universidade de Coimbra em 15/04/1951. Vd. Fernando Aguiar-Branco, in Doutores Honoris Causa em Letras de 1926 a 2001, Ed. Fundação António de Almeida, 2002, pg. 167/68, Impressão Rainho & Neves, L.da – Santa Maria da Feira. Este autor, Pierre David, consagrou este seu estudo às paróquias do noroeste peninsular na alta Idade Média. Nele, entre outros argumentos e constatações, utiliza a análise agiotoponímica para tirar conclusões como aquela que acima nos ocupou. Após ele, esta doutrina tomou-se genericamente corrente, para descrever a evolução e o processo de povoamento que se desenvolveu, neste contexto histórico e geográfico. Seguindo a sua doutrina, tem fundamento a conjectura que desenvolvemos e que nos ocupou para interpretarmos a génese de Sanfins e a sua evolução até à realidade de freguesia personalizada e, conforme documentação existente, a par com as vizinhas, nos documentos do século XIII. 26

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da diocese (pg. 9), ele escreve: «As igrejas, mães da diocese começaram a ter titulares e oragos a partir do séc. VI; nos povoados rurais, que não tinham igreja paroquial, construíamse oratórios dedicados a um santo conforme a sua própria devoção. Eram normalmente os proprietários do sítio, que os criavam e dotavam para servirem a si e aos seus dependentes e servos, ficando também com o encargo de prover aos custos da sua fábrica. Era prática corrente do tempo, conforme se constata pelos cânones dos concílios de então. A maior parte desses oratórios das aldeias deram origem, mais tarde, à igreja duma nova paróquia». Adiante (pg. 185) afirma: «Para a história da civilização medieval, a hagiotoponímia é uma verdadeira ciência auxiliar, capaz de fornecer elementos à crítica diplomática e à história social, revelar correntes de influências recíprocas e de zonas de cultura. No que diz respeito à Península Ibérica, o estudo dos santos patronos de igreja pode, sem dúvida, fornecer elementos de solução para o problema de saber se é verdade, ou não, que vastas regiões foram por muito tempo despovoadas, até ao ponto de se ter interrompido toda a tradição,» etc. Referindo-se à prática de se nomearem oragos para igrejas e oratórios, diz-nos que esse proceder começou por se aplicar às igrejas catedrais e, depois, se estendeu a outros diversos santuários, Neste recanto do noroeste peninsular os oragos começarem por ser escolhidos, em primeiro lugar o SS. Salvador; depois Santa Maria, os apóstolos, os mártires do oriente cristão e depois, em grande número os mártires hispânicos. A partir da reforma gregoriana medieval, sustevese esta prática para serem recomendados os oragos propostos pelo santoral romano29.

Lisboa, 1940, para responder à necessidade de existir um livro didáctico para os alunos, que necessitam destes estudos para complemento do seu currículo escolar. Entre a vasta colaboração em revistas e outros títulos escreveu também As paróquias Rurais Portuguesas, Lisboa, MCML, onde particularmente versou o assunto que nos ocupa. A pg. 163, seguindo de perto o pensamento de Pierre David, ele diz que é muito importante para a história das paróquias ter em conta os santos titulares das igrejas. No século X há alguns dados para conhecermos os calendários litúrgicos da igreja hispânica. A comparação dessa lista com as que se conhecem dos tempos visigóticos e com os calendários elaborados depois da implantação do rito romano (fim do século XI), permite determinar a época em que certas festas começaram a celebrar-se na Península. E algumas conclusões se podem tirar a respeito da antiguidade de uma paróquia, sabendo-se quando se introduziu o culto do seu santo padroeiro. Depois, e resumindo, diz: na antiga liturgia hispânica o ano começava logo a seguir a 11 de Novembro, dia de S. Martinho; depois celebravam-se as festas do Natal e Epifania... De Nossa Senhora, inicialmente e por séculos, na Península só se celebrava a festa de 18 de Dezembro (Senhora do Ó); S. João Baptista também tinha uma grande devoção, ligada ao baptistério; pelo século IX celebrava-se a festa de S. Pedro e S. Paulo a 29 de Junho; a 22 de Fevereiro a Cadeira de S. Pedro. «A festa da Conversão de S. Paulo (25 de Janeiro) entrou com os usos romanos [+/1050], bem como a de S. Pedro «ad vincula» (1 de Agosto) que suplantou a de S. Félix de Gerona31. As freguesias chamadas de S. Fins, ou que têm como padroeiros os santos Pedro e Fins, conservam a lembrança do título antigo». Depois aparecem as festas dos apóstolos, dos mártires orientais, dos mártires hispânicos.

Miguel de Oliveira Miguel de Oliveira30 foi um bom historiador das instituições eclesiásticas, ocupando-se muito desta zona, de onde era originário. Escreveu uma História Eclesiástica de Portugal,

Esta observação tem particular aplicação ao nome da freguesia de Sanfins, fonte de confusões: Sanfins e São Pedro Fins. Miguel de Oliveira, in Paróquias Rurais Portuguesas, pg. 33. Nesta sua obra ele desenvolve um longo estudo sobre o assunto, onde a temática que nos ocupa é longamente analisada e onde a tese que nos serve de base é desenvolvida em linhas semelhantes àquelas que pusemos em destaque.

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31 Aplicando esta observação do estudo das Paróquias Rurais Portuguesas ao caso de Sanfins, temos a explicação porque Sanfins passou a chamar-se São Pedro Fins de Sobre a Feira, com festa no dia 1 de Agosto, a partir do séc. XI. Em tempo, porém, advirta-se já que essa junção, com uma primeira orientação no séc. XI, não foi assumida de imediato em Sanfins da Feira; pois, a alteração só se verificou, de forma definitiva na reforma do calendário gregoriano do séc. XVI. Entretanto tenha-se presente que a implantação dos topónimos, nomeadamente aqueles que se referem ao orago já se começaram a implantar após o concílio de Toledo (633).


A alameda aqui fotografada, coberta por uma ramada de ferro indica o leito da antiga estrada que passando junto à velha igreja se dirigia no sentido poente para as Regadas, ladeando o adro da actual igreja

«Já observámos (pg. 166) que os antigos oragos das igrejas costumavam respeitar-se através de sucessivas reconstruções. [...] Em Portugal continental existem actualmente [no ano de 1950] cerca de 3860 paróquias, e não passam de uns 125 os padroeiros realmente diversos [dos primitivos]. ... Muitos dos santos venerados nos séculos X e XI desapareceram dos calendários, mas a sobrevivência dos seus nomes na toponímia e o culto que ainda se lhes presta... testemunham a ligação dos fiéis de hoje com a cristandade medieval». A partir da pg. 175, ele apresenta uma sinopse de todo o exposto, confirmando as metas seguidas e as conclusões tiradas. Na linha interpretativa que seguimos, ele diz: «a partir da reconquista, forma-se uma rede muito mais densa, com o estabelecimento de centros paroquiais... constituem-se então novos quadros económicos e religiosos, em que assenta a maior parte das paróquias rurais do norte do país. São as freguesias» A. de Almeida Fernandes Acerca da doutrina do despovoamento em tempo da invasão e domínio árabe, A. de Almeida Fernandes32 tem uma posição crítica muito própria e, não concordando, desenvolve assim o seu pensamento: «No território do Minho ao Douro indica o Paroquial suevo (séc. VI) a existência de umas cinquenta paróquias [...] apresenta-se-nos nesse mesmo

território, passando do século XI para o XII, muito para cima de um milhar de paróquias. Um progresso de tal ordem, que é o mesmo das populações, no decurso de uns cinco e seis séculos, considerados de profunda crise [e ditos ermos ainda no séc. IX,] é sem dúvida o bastante para desacreditar por completo a doutrina do despovoamento». [...] «as paróquias ao sul do Douro são umas vinte no séc. VI, mas que do séc. XII para o XIII, há aí mais de quinhentas paróquias, número que não devia ser muito diferente um século antes. Um tal desenvolvimento de vida religiosa sem dúvida que é a mais sensível das manifestações dos progressos populacionais durante toda a época da “crise” muçulmano-cristã peninsular». Citando [pg.22] Pierre David (o.c.) «Um quadro ao menos subsiste, (pg. 177) o quadro diocesano e paroquial [...] A persistência do quadro paroquial é demonstrada pelo estudo dos santos patronos das igrejas da região que nos interessa: nos séc. X e XI as igrejas velhas ou reconstruídas têm por titulares aqueles que eram tradicionalmente venerados sob os reis visigóticos» Se o argumento hagionímico é válido, também é válida a toponímia aplicada à organização agrária – especialmente a villa. (pg. 26). Neste seu estudo ele seguiu de perto Pierre David; mas, onde entendeu haver confusões ou indefinições ele deu a sua opinião, que procurou fundamentar, actualizando e precisando conclusões daquele mestre. De modo semelhante procede na sua obra Portugal Primitivo Medievo33, edição recente de teses e escritos de há já várias décadas, ou por ele afloradas noutros títulos há muito tempo também publicados.

A. de Almeida Fernandes, in Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas, Arouca, 1999, pg.17, etc. Este autor afirmou-se como um grande medievalista pela familiaridade com que aborda os códices medievais, pela abrangência dos seus estudos, pela sua capacidade de interpretação, pela intuição que possui sobre o facto histórico, pela variedade de conhecimentos nas ciências auxiliares: era um exímio latinista, e um perito em geografia, toponímia, onomástica e filologia. Deixou uma obra muito vasta nestes diversos campos. Por vezes malsinado e esquecido, reivindicou violentamente a sua competência e o seu valor, a sua obra e a sua honra em algumas publicações mais recentes. Foi um profícuo e original autor de muitos artigos sobre a história de numerosas freguesias e lugares, publicada nos últimos volumes da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Ver o prefácio que José Hermano Saraiva, fez para a sua obra Portugal Primitivo Mediem, Arouca, 2001, pgs. 5-7. 33 Vd. o.c., Pgs. 139 e sgts. 32

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Domingos A. Moreira

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Este autor34, com um conhecimento particular desta área geográfica, onde se inclui Sanfins, dedicou-se, entre outros assuntos, ao estudo e comentário do aparecimento das freguesias, no período que nos ocupou, dentro desta diocese; desenvolveu no seu estudo o inventário e a onomástica relativa às freguesias da diocese do Porto35. A sua obra supõe um conhecimento vastíssimo de Arquivos e Bibliotecas, de manuscritos e publicações em livro e revista, relativos às freguesias da diocese do Porto. Na sua análise da evolução histórica das paróquias, merece-lhe particular atenção pôr em relevo aquilo que foi uma originalidade, uma característica, um facto, ilustrando as forças influentes da constituição das dioceses, paróquias, ou de outros santuários. No seu estudo, inventaria e enumera paróquias de outrora, agora desaparecidas, santuários, mosteiros, capelas, celas, que evoluíram, afirmando-se, ou ficando na memória dos povos como simples topónimos. Sempre que assim sucedeu e que tenha interesse, ele o consigna. Nos Portugaliae Documenta Histórica – Diplomata et Chartae, encontra-se o documento n.º 746, sobre a paróquia de Moldes36, Arouca, em tempo de reconquista, pelo ano de 1091, pag. 120. As circunstâncias que rodearam este facto mereceram-lhe também a sua atenção e a sua própria interpretação. Acontecimentos como aquele não teriam sido só em Moldes, mas aquele facto, pelas circunstâncias ocasionais que o acompanharam, ficou referido e serve de ilustração a outros possíveis indocumentados. É que uma parte da população de Moldes – a mais nobre – perante a invasão árabe, fugiu para norte, um lugar mais seguro; outra parte, ocupada nos seus trabalhos agrícolas dos quais dependiam, ficou garantindo a sua vida e um certo direito de posse e propriedade. Regressados os primeiros, quiseram retomar os seus bens e as suas prerrogativas. Houve desavença e litígio entre uns e outros sobre os direitos de

Natural de Romariz, Santa Maria da Feira, é, há muitos anos, o pároco de Pigeiros, Santa Maria da Feira; e, além de polígrafo, com muitos trabalhos inéditos, é um profundo conhecedor de filologia, onomástica, toponímia e história eclesiástica, geral e local... 35 Domingos A. Moreira, in Freguesias da diocese do Porto / Elementos onomásticos alti-medievais, Porto, MCMLXXIII; na pág. 46, desenvolve o estudo Noções gerais sobre a formação histórica das Freguesias. Época romano-suevogoda;a pg. 55 e sgts Época da Reconquista ... 36 Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata et Chartae, doc. N° 746, a pg. 445. 37 _. 34

senhorio sobre a terra. A questão envolveu o próprio templo local. Anteriormente essa igreja era dedicada a Santa Maria, sobre a qual os fugitivos tinham direito de padroado. A fuga e abandono, deduziam os que ficaram, tirou-lhes esse direito. Mais: a igreja, que anteriormente estava dedicada a Santa Maria, com o abandono dos primeiros foi confiada a outro orago, S. Estêvão, pelos íncolas que ficaram. O assunto, em litígio foi levado a tribunal. Daí o ter ficado documentado. Ao referir este assunto, Domingos A. Moreira nesta sua obra Freguesias da Diocese do Porto... tira conclusões acerca do que teria havido noutras localidades, explicitando algumas como Sanguedo (Feira), Mosteiros de Lavra e Lorvão, etc37. E como estes casos outros teriam existido, mas dos quais não nos ficaram descrições, por não terem sido objecto de tratamento extraordinário. Mas, uma vez que estamos debruçados sobre Sanfins-deSobre-a-Feira, importa conhecer o que este autor, a propósito de outro caso paralelo38 comenta. Cândido Dias dos Santos Cândido A. Dias dos Santos39, – que por razões ocasionais, diga-se de passagem, na sua adolescência viveu em Sanfins – historia estas fases da criação e evolução das paróquias na introdução ao Censual da Mitra do Porto, que inventariou, interpretou e publicou. Para o aparecimento das paróquias, cita Alberto Sampaio, afirmando que elas são «as sucessoras directas das vilas romanas» pg. 51; ou, na página seguinte, citando Miguel de Oliveira: «Havia, porém, um modelo distante para a divisão em unidades religiosas menos extensas do que as paróquias primitivas [estas, as do Paroquiale suévico]: a vila romana foi o molde antigo por que se talhou a freguesia moderna». Para o aparecimento de igrejas, ou oratórios, ou até de mosteiros domésticos, cita A. Dumas nesta referência da pág. 94: «Recorria a autoridade eclesiástica aos senhores [fundiários do lugar] a fim de que construíssem templos para a comunidade cristã. As igrejas eram construídas na sua propriedade. [...] O senhor considerava a igreja sua, como outro bem qualquer. [...] Ao dominium fundi associava-se o dominium ecclesiae». Ver o.c., pgs. 56/58 Ver Padre Domingos A. Moreira, in Paisagem Toponímica da Maia. Maia, 1969. Pgs. 51,52 e 53. 39 O Censual da Mitra do Porto, já citado, pgs. 51; 52; 97. 37 38


E, continuando a estudar esta mesma época com a sua evolução e com a constituição das paróquias, cita Ulrich Stutz (pg. 97), que «situa o regime das “igrejas próprias” no estatuto dos templos pagãos existentes entre os antigos germanos. Convertidos um dia ao Cristianismo, cederam os antigos templos ao culto cristão mas teriam exigido continuar a ser os seus proprietários. [...] Ninguém contesta que a história das instituições eclesiásticas foi vivamente influenciada pelos povos germânicos, sobretudo no período que vai dos séculos VII a XII». Depois, (pgs. 95/96), a propósito deste processo evolutivo das instituições temporais e eclesiásticas, desde a Alta Idade Média, até ao estabelecimento da monarquia afonsina, nomeadamente no referente à constituição das paróquias, cita um longo excerto de Viterbo no seu Elucidário, s.v. Igreja, onde este autor é muito explícito, como já tivemos ocasião de citar. Jose Angel Garcia de Cortazar y Ruiz de Aguirre Este historiador40 é um profundo conhecedor da época que nos ocupa, porque, no tema que temos presente, estudou-o desde a alta Idade Média, situando-se no Reino Astur-Leonês, não só sob aspectos políticos, mas também institucionais. A propósito da paróquia nesta sua obra, a pgs. 134 e sgts. ele diz: «ela [paróquia] aparece fundamentalmente dotada de três elementos: 1) em princípio, de um edifício de culto, fundado conforme as áreas, pelo menos durante a Alta Idade Média, um pouco ao acaso das iniciativas individuais do senhor, em volta de uma capela privada, ou da iniciativa colectiva de um grupo de repovoadores nos novos territórios, a partir de algum oratório isolado na orla do avanço arroteador; 2) mais tarde, um espaço cada vez maior, topograficamente delimitado, dentro do qual os habitantes se tornam pouco a pouco mais conscientes de viver dentro de determinada freguesia: o facto de a paróquia ser o âmbito em que os documentos situam, cada vez com mais frequência, as propriedades de uma mesma família, ou a utilização do vocábulo freguesia para determinar a situação das aldeias, conforme sucede, de forma bem clara, na Galiza, mostra que os camponeses do século XIII se reconhecem já a si mesmos Jose Angel Garcia de Cortazar y Ruiz de Aguirre, in História Rural Medieval, Ed. Estampa, Lisboa, 1983 – Imprensa Universitária, N.º 30. Pgs. 134 e sgts ...

40

como participantes da convivência no âmbito paroquial; 3) sempre, e com força ascendente à medida que a tónica passa da primeira para a segunda das fases anteriormente citadas, uma comunidade paroquial, inicialmente de carácter religioso, porém repleta, logo de seguida, de toda a espécie de vínculos económicos, jurídicos, políticos e sociais, que conferem à comunidade um perfil definido, sobretudo quando, com o decorrer do tempo, começam frequentemente a escapar à mesma precisamente os membros pertencentes aos grupos sociais superiores, proprietários das capelas privadas servidas por um clero doméstico que diz a missa dominical e ministra certos sacramentos aos senhores e a suas famílias, os quais, na sua maioria, gostam de escolher sepultura nos grandes mosteiros...» José Mattoso José Mattoso41, considera que as Vilas de origem romana poderão ter servido de suporte para as igrejas rurais, embora muitas paróquias possam ter surgido a partir de igrejas

Descerrando o retrato de Gaspar Fernando Cruz de Novais pelo Vigário Geral da diocese do Porto Serafim Ferreira da Silva. Vêem-se também na fotografia o padre Manuel Moreira de Paiva, iniciador do Centro Paroquial, o actual pároco e pela C. M. o Dr. Diogo Vaz de Oliveira

41 José Mattoso, in Identificação de um País, vol. I, 3ª ed .. Estampa, Lisboa, 1988, pg. 313, acerca dos moçárabes: A Cristandade e o Islão

145


146

monásticas e nunca de igrejas fundadas por agrupamentos de camponeses sem qualquer precedente. E, continuando, confirma esta evolução e doutrina deste modo: «O prolongamento da ocupação islâmica durante vários séculos e depois a sobreposição do Cristianismo trazido pela gente do Norte trouxeram consequências que não se podem ignorar, sobretudo para a época em que o processo da aculturação atingiu o auge, isto é, imediatamente depois da Reconquista cristã. [...] Questão bem difícil de resolver no sentido actual dos nossos conhecimentos, apesar do problema ter sido posto há mais de um século. Com efeito, já Herculano considerou os Moçárabes como a camada étnica que verdadeiramente assegurou a continuidade cultural entre a época romana e a Idade Média cristã. Eles teriam constituído como que o elemento permanente, preservador dos costumes municipais, do Direito romano e da língua e mentalidade latinas. A islamização teria sido superficial mesmo entre os Moçárabes [Vd. A. Herculano, 1980, vol. III, pp. 247-50]. Representava uma cultura estranha à Península e que se teria dissipado com facilidade depois da conquista». Também ele, ao referir aquela questão que se verificou em Moldes, Arouca42, que ele considera ter acontecido em diversos lugares, afirma dela decorrerem muitas conclusões: que não houve um hermamento geral, com a conquista dos árabes; – que as populações autóctones continuaram a viver ligadas à terra que trabalhavam; – que mantiveram as suas crenças, costumes e quadros civis e religiosos; – que os nomes dos pequenos aglomerados populacionais, em regra, se continuaram, nomeadamente os que tinham uma raiz religiosa; – que a evolução natural, trazida pelo tempo, cortada cerce a influência das cristandades da Europa central e meridional e influenciada pelo convívio com os usos e costumes dos dominadores muçulmanos e com a sua mesma prática religiosa, encontrou caminhos novos e próprios, em parte divergentes, que deram origem aos cristãos moçárabes. Assim acontecia e com espanto foi verificado quando Coimbra e Lisboa foram definitivamente conquistadas.

As fugas que houve foram dos possessores e dos quadros administrativos; não dos vinculados à terra, porque esses continuaram... E José Mattoso43 referindo-se à data simbólica de 1096, que considera como fim do século XI e o início de mutações importantes nos domínios económico, demográfico, sociocultural e militar, porque fase de intensos desbravamentos de terras incultas; porque tempo da remodelação do ordenamento territorial, de que nos dão provas o censual de Braga, com a criação dos arcediagados e muitas novas paróquias rurais; porque administrativamente, na ordem civil se constituíram as «terras», ou tenências confiadas pelo rei, diz «À ocupação espontânea do solo a que se procedeu na primeira fase [antes do séc. XI] dos desbravamentos sucede a fase da organização territorial nos planos eclesiástico e civil». [...] «É claro que a senhorização já havia começado há muito».[...] «Poucos anos antes, essa mesma influência havia levado a adoptar a liturgia romana e a suprimir oficialmente a hispânica ou moçárabe. A nova liturgia, que implicava transformações de hábitos seculares até nas mais recônditas igrejas rurais, só lentamente foi recebida nos vários pontos do reino. A fundação do condado portucalense não é indiferente a esta conjuntura» Com a entrega da administração do Condado Portucalense a um francês, protegido de Cluny e a nomeação de vários bispos franceses, nomeadamente para Braga [Porto] e Coimbra, José Mattoso confirma o facto de se terem multiplicado as paróquias, conforme uma prática e disciplina da liturgia romana.

Vd. Nota de rodapé, nº 32. José Mattoso, in Identificação de um País, vol. 1, 3ª ed., Estampa, Lisboa, 1988, pgs 63, 64, 65.

Visita ao J. Infância, na homenagem a F. Novais, por D. Serafim. Dr. Barbedo e Dr. Diogo Vaz.

42 43


Barbosa da Costa Este estudioso historiador, dedicado ao magistério, à política e à cultura local, com muitos trabalhos e monografias de Vila Nova de Gaia, entre outras publicações estudou a paróquia de S. Félix da Marinha44. Aí, desenvolve o capítulo da formação das paróquias, procurando um quadro em que assentasse o surgimento e a confirmação daquela paróquia de S. Félix da Marinha. Buscou na variedade das fontes e dos estudos que ele refere, os elementos que lhe permitiram tirar conclusões semelhantes àquelas de que nos temos vindo a ocupar com São-Fins-de-sobre-a-Feira. No caso de S. Félix da Marinha, por ser do arcediagado da Feira, foi confundida com Sanfins da Feira, atribuindo-se a esta documentação que era exclusivamente daquela.

«A rede paroquial e as funções da paróquia, tal como a conhecemos na época medieval, só começaram a fixar-se com a introdução do direito canónico romano no século XI. É a partir desta época que se fixam também progressivamente os limites paroquiais».

Fim

Suplemento ocasional

História Religiosa de Portugal Um dos últimos estudos de visão conjunta daquilo que foi a cristianização na sua primeira temporada em Portugal encontra-se na História Religiosa de Portugal, vol. 1 – Formação e Limites da Cristandade45. A primeira parte do tema «Organização eclesiástica do espaço» é da responsabilidade de Ana Maria C. M. Jorge, que neste sector estuda a época, que mais nos ocupou e que vai até ao ano de 1096. O percurso de consulta e de citações anda próximo daquele que atrás fizemos. Referindo-se ao Parochiale suevorum, (pg. 139) informa que ele foi elaborado em 572582 e depois completado durante a reconquista cristã, entre os séculos VII e XII... Sobre este documento cita Pierre David, ficando-se pelas suas conclusões. A propósito da criação das paróquias segue a opinião de José Mattoso, segundo o qual as villae deram origem às paróquias rurais, admitindo-se que pudessem derivar de igrejas monásticas, ou de iniciativa dos agrupamentos de camponeses. Adiante, (pg.141) afirma e nós citamos: – «o processo de desenvolvimento das «paróquias» como células de enquadramento é contemporâneo, pelo menos desde os séculos VIII até X, do estabelecimento da aldeia como marco social e modelo de fixação dos homens». (García de Cortázar, por nós referido na o.c.). 44 Francisco Barbosa Da Costa, in S. Félix da Marinha / Notas monográficas. Vila Nova de Gaia, 2000. Pg. 29-30. 45 Vd. História Religiosa em Portugal, 7 vols. Dir. Carlos Moreira Azevedo, Círculo de Leitores, 2000. No I volume a fls 137, encontra-se o estudo da época «Do império romano ao Reino Asturiano-Leonês» da responsabilidade de Ana Maria C.M. Jorge; a pag. 142, o estudo «O espaço eclesiástico em território português (1096-1415)» da responsabilidade de Bernardo de Sá Nogueira.

147

SANFINS -1900. Livro paroquial

«Sam Pedro Fins de Sub-Feira no 3° districto da Comarca ecclesiasica da Feira.» Obs. Cada página do livro está dividida em 8 colunas com as seguintes indicações à cabeça: 1 – com a designação fogos subdivididas nas designações civis / ecclesiasticos. 2 – Nomes dos lugares da freguesia, incluindo o nome dos indivíduos, por (fogo). 3 – idades dos indivíduos (maiores e menores dos 10 anos) 4 – Ausentes (assinalados pela sigla «Abs», abreviatura de Absentis = ausente) 5 – Observações (pontuais). Vão-se publicar os dados correspondentes às colunas apresentadas a seguir e que nos dão pormenores sobre a população existente em Sanfins, àquela data, em cuja contagem não entram os menores (menores de 10/11 anos e por vezes de sete anos).


TABELA Fogos eclesiásticos

Nomes dos Lugares

idades

ausentes

Obs

Abs.

no Brasil

Igreja 1

O Pároco Manuel da Costa Moreira Ana Gomes de Jesus

59

2

António Marques Pereira

38

3

Maria da Graça Vieira, 52 mulher António Ferreira dos Santos 32

148

44

Florência Firmina de Oliveira, mulher

30

Júlio, filho

7

Ferrã 4

Brízida Pereira de Bastos, 58 viúva Maria da Conceição Pereira 28 de Bastos, filha Brízida, sobrinha 29 Maria Luísa, «

28

Margarida «

25

João «

23

Assunção «

20

Picalhos 5 6

José Gomes de Oliveira, solteiro Francisca Máxima Correia de Sá , viúva José filho

40

Margarida «

8

Joaquim, irmão daqueles

33

32 9


7

8

Albano Tomé de Atão

52

Rita de Faria Atão

39

Júlia Augusta, criada

40

Emília Augusta de Oliveira, solteira

56

José, filho

15

Moínhos 9b

9a

10

11

12

Joaquim Ribeiro Guedes

Abs.

Rita Máxima Correia de Sá, mulher

Abs.

Femando, filho

8

Abs

Maria dos Santos, solteira

32

Abs

Emília, irmã

30

Abs

Manuel, «

28

Abs

Júlio, «

22

Abs

Margarida, «

19

Abs

Vitorino Fernandes, solteiro

29

Rosa, irmã

43

José, filho desta

9

Joaquim Fernandes de Oliveira

24

Ana Rosa de Jesus, mulher

25

José António Pereira de Bastos

54

Margarida Augusta da Fonseca Oliveira, m.er

73

Francisco

33

Álvaro, filho da Maria Serra?

8

Abs

149

?


13

António José Moreira

71

Maria Rosa de Jesus, mulher

67

Albertina, filha

20

Joaquim, filho

17

Vitorino, criado

20

Abs.

Serafim, criado (filho da Florinda 10 ? Pinto) 14

150

15

16

17

18

Maria Rosa de Jesus, viúva

45

Joaquim, filho

23

Emília, «

19

Margarida, «

17

Augusto, «

13

José Marques Correia

60

Maria da Conceição Correia de Sá, mulher

45

Joaquim José de Pinho

34

Albertina Conceição da Rocha, mulher

30

Vitorino, filho

10

Francisco Alves Ferreira

50

Emília Augusta, mulher

54

Joaquina, filha

21

Margarida, «

22

António, «

16

José, filho

11

José Máximo Correia de Sá

39

Maria Rosa de Jesus, mulher

40

Albertina, filha

20

Joaquim, «

18

Maria, «

10

Abs.

na vila

Abs.

Abs.

Abs.

Abs.

no Porto


13

António José Moreira Maria Rosa de Jesus, mulher Albertina, filha Joaquim, filho Vitorino, criado Serafim, criado (filho da Florinda Pinto) Maria Rosa de Jesus, viúva Joaquim, filho Emília, « Margarida, «

45 23 19 17

15

Augusto, « José Marques Correia

13 60 45

16

Maria da Conceição Correia de Sá, mulher Joaquim José de Pinho Albertina Conceição da Rocha, mulher Vitorino, filho

30

14

17

71 67 20 17 20 10 ?

34

50

Emília Augusta, mulher

54

Joaquina, filha Margarida, «

21 22

António, « José, filho

16 11

José Máximo Correia de Sá Maria Rosa de Jesus, mulher

39 40

19

Albertina, filha Joaquim, « Maria, « Ana Maria de Jesus, solteira

20 18 10 48

20

Manuel Leite Matias, júnior

31

Maria de Jesus, mulher

42

21

Joaquim Pinto de Oliveira Antónia Nunes Tavares, criada

Abs.

Abs. 151

Abs. Abs.

‘Steve 24

Dâmaso António de Sousa Brízida, filha Maria, « Arnaldo, filho desta

Abs.

72 Abs 41 7

no Porto

Abs.

Còvada 22

na vila

10

Francisco Alves Ferreira

18

Abs.

no Brasil


23

Manuel Leite Matias, sénior

81

Maria Joaquina, mulher

74

Carlos, exposto

30

Maria, neta

20

24 (O n° 36,

Rosa de Jesus, solteira

48

Carvalhosa)

Maria Rosa de Jesus, filha

36

Albertina, filha desta

13

António, « «

11

Margarida Rosa de Bastos, viúva

57

25

entrevado

Abs

Serafim (agora nos Moinhos) 12 António dos Santos, 152

60

Gandra 26

27 28

Augusto Quirino Ferreira

36

Rosa Joaquina, mulher

39

Margarida, filha

16

Amélia, «

15

António, «

11

Henrique, «

10

Joaquina Rosa de Jesus, viúva Manuel Soares Peixoto

80

Joaquina Augusta de Oliveira, mulher

43

Brízida

17

Maria

15

João

11

55

Laura 29

António José Bento Júnior Emília Máxima Correia de Oliveira, mulher

Abs.

no Brasil


30

31

32

33

Manuel Dias Coelho

28

Maria Emília Correia de Sá, mulher

30

António, filho

8

Abel

16

Júlio Marques Correia de Sá

33

Maria Rosa de Jesus, mulher

29

Manuel, filho

11

Maria, «

7

Luísa Maria Correia, viúva

72

Maria, filha

29

Abs

Tomás

28

Abs.

Maria Inácia de Matos, viúva

44

Maria, filha

24

Rosa, «

16

Abs.

Augusto, «

17

Abs

Laura, «

14

Abs.

Arnaldo, «

15

34

Arnaldo Pinto de Oliveira, solteiro

48

35

Brízida de Oliveira, solteira

56

36(Cóvada)

José António de Oliveira

57

Isabel Joaquina, mulher

51

João, filho

20

Joaquim, «

18

Rosa, «

14

Maria, «

14

Margarida, «

11

José Leite de Sá Moreira

37

36b

153

Felismina Augusta Ferreira dos 27 Santos, mulher Maria, .filha

10

Júlio, «

7


37

Mestras D. Maria Amália Correia de 81 Sá, viúva

38

Hermenegildo COlTeia de 40 Sá D. Minervina Amélia Tavares 24 de Pinho, m.er

39

Severino António Correia, criado

154

Maria Fernandes, «

51

Abs.

Luísa de Jesus, «

24

Abs

António de Pinho, «

20

Laura,

13

Carolina, Pedro,

22 13

Francisco Baptista dos Santos

27

Rosa, criada

19

Talhô 40 41

Florência Firmínia, viúva

76

Emília, filha

37

Francisco Leite de Sá

72

Maria Firmínia de Oliveira

41

Ana, filha

19

António, «

18

Firmina, «

14

Francisco, «

7

demente

Regadas 42

43

Manuel Fernandes Familiar 29 Brízida Rosa de Jesus, mulher

30

António, Manuel Soares Valente

9 41

Felícia de Jesus, mulher

32

Manuel, filho

14

Inácio, «

9

Rosa, criada Joaquina, sobrinha

22 10

Abs.


44 45

46

47

48

Ana Margarida Correia de Sá, solteira Maria Delfina Correis de Sá, viúva Vitorino, filho

74

Felismina?

8

Felícia Rosa de Jesus, solteira

42

Maria, filha

10

António José Pinto

38

Emília Rosa de Jesus, mulher

47

Ana

39

Maria, filha

21

Belmira, «

14

Francisco «

11

Adelaide

10

António

7

46 11

155

Joaquina Emília Marques, viúva 84 Gertrudes, filha

59

Maria, «

55

49

Emília Joaquina Marques de Sá, 31 neta Joaquina Felizarda, viúva 75

50

Joaquim Tavares

39

Ana Felizarda de Sá, mulher

39

Maria, filha

14

António, «

12

Ana, «

9

Abs.

Abs


Quinta da Fonte (dos Passais) 51

José Joaquim de Oliveira

48

Maria Antónia de Carvalho, mulher

47

Maria,

18

Mariana,

14

João,

12

Margarida,

8

Mato 52

Manuel Leite de Sá

21

Francisca Alves Correia Pais, mulher 24 Vieiros

156

53

Manuel Gomes de Resende

45

Maria Gomes de Almeida, mulher

46

Manuel, filho

19

José, «

14

Maria, «

17

Manuel, 2° de nome, «

10

Arnaldo, «

9

Quinta de Vieiros 54

José Moreira de Azevedo

33

Maria Fernandes Nogueira, mulher

38

Arménio, filho

5

Margarida, «[futura professora]

4

Maria, «

2

Joaquim, « 55

Maria Fernandes Nogueira, viúva

76


56

57

Teodora, filha desta

32

Felicidade, filha desta

2

José Gomes (obiit)

63

Maria Rodrigues, mulher

63

Ana, filha

21

Vitorino «

14

Bento José de Oliveira

59

Maria Ferreira da Silva, mulher

49

Teve46

no Porto

Aldeia 58

Rosa Maria de Jesus, viúva

55

Felismina, filha casou

25

Francisco Henriques da Silva

34

Maria Rosa de Jesus, mulher

33

Maria, filha

7

José Gomes Correia

78

Josefa Joaquina, mulher

57

61

António Alves

43 30

62

Maria Joaquina Correia de Sá, mulher Manuel Alves Correia Pais

59

60

48

Maria Alves Correia Pais, mulher 28 Reinaldo, filho

46

- Teve (entenda-se a desobriga) …

10

157

Abs


63

Emília Joaquina de Jesus, viúva

64

João da Costa

65

51 Abs

Ana Joaquina, mulher

53

José, filho

17

Maria, «

9

Júlio José Moreira

36

.

Margarida Rosa de Azevedo Nunes, 59 mulher 66

João Soares Peixoto

43

Josefa Maria Rosa de Jesus, mulher Ana, irmã desta

55

67

Manuel de Almeida dos Santos

33

Na Quin

Carlota Correia de Sá, mulher

29

Margarida

7

68

Margarida Rosa de Oliveira, viúva

69

Joaquim, filho

38

Augusto, «

33

69

Inês, Correia de Sá, viúva

85

70

Henrique Ferreira Vieira

45

Maria Correia de Sá, mulher

42

Maria, filha

22

Emília, «

11

158

60

entrevada

entrevada


71

72

Manuel Salvador

39

Emília Ferreira Vieira, mulher

40

António, filho

18

Abs

Maria, « (Abs.)

16

Teve

Amélia, «

15

Abs

Felismina, «

12

Francisco António Soares

61

Mariana Rosa de Jesus, mulher

60

Maria, filha

30

Abs

José, «

33

Abs

Elísio, «

24

Abs

Carolina, «

22

em Fornos

159

Presa 73

Joaquim de Sá e Silva Pereira

61

D. Emília Jesuína Correia de 49 Sá Lemos, m.er Margarida Joaquina, criada

36

Carolina, filha desta,

15

Margarida

11

74

José Carlos Pereira de Lemos, solteiro

58

75 a

Alberto Pinto Barbosa

31

é de Cambra Abs.

Maria Rosa Valente, mulher 32 75b

António Gomes de Resende 25

Abs.

Abelina Rosa de Jesus, mulher

Abs.

28


76

Maria Rosa, solteira

32

77

Maria da Costa, solteira

49

Maria, filha

9

78

D. Libânia Amália, viúva

82

79

D. Josefa, solteira

74

Carlos, sobrinho

24

Sernada

Maria Alves de Freitas 80

Henrique Pinto de Sá

42

Genoveva Rosa de Jesus, mulher

39

José,

16

Emília,

13

Serafim

10

Carlos

8

Campinha

160

81

82

83

84

Júlio Vieira de Sousa

32

Maria Alves Ferreira, mulher

25

Maria, filha

10

Margarida, «

9

Francisco Vieira de Sousa

63

Emília Gomes da Costa, mulher

65

Carolina, filha

39

Carlos, «

27

Manuel, «

20

José, «

17

Albino Ferreira

43

Caetana Rosa de Jesus, mulher

40

Maria da Conceição, filha

18

João, «

14

Rosa, «

12

Manuel, «

10

Alfredo

9

Maria Angélica, solteira

30

Abs.


85

86

Senhorinha Magalhães da Conceição, casada com António Teixeira Morais

36

Ana, filha

8

Maria Joaquina Magalhães

53

Florinda, filha da Seriquecia

12

Ribeira 87

Francisco Pereira de Matos

34

Maria Gomes Vi eira, mulher

27

Júlio Pereira de Matos, irmão dele 88

Francisco Augusto Pereira da Silva

30

Ana Rosa de Jesus, mulher

28

89

António José Gomes, viúvo,

74

90

José Pinto de Sá

43

Maria Rosa de Jesus, mulher

36

Ana, filha

8

Fernando Marques,

74

Margarida Rosa de Jesus, mulher

61

92

Maria de Jesus Oliveira

63

93

Henrique Soares de Matos

43

Maria Gomes de Jesus, mulher

54

Jacinto,

14

Emília,

12

Francisco,

8

Helena, exposta

39

Júlio, filho [desta?]

8

António da Rocha

47

Ana Rosa de Jesus, mulher

44

António, filho

21

91

94

Ribeirinha 95

António Moreira de Oliveira

31

Ana Rosa Ferreira de Lima, mulher

26

Maria, filha

10

161

Abs. Abs.


96

António José de Pinho Júnior

46

Ana Conceição da Rocha, mulher

28

José, filho dele

21

Francisco, «

Abs.

militar

Abs.

na Vila

Alfredo, « António, « 97

Brízida, «

12

Joana Leite, solteira

75

Catarina de Jesus, solteira

44

Abs.

Joaquina, filha desta

14

Abs.

Carvalhosa 98 162

99 100

Maria Rosa de Jesus, viúva

51

José, filho

23

Maria, «

21

Maria Leite de Jesus, mulher (?)

22

Manuel Tomás Correia de Sá

27

Luísa Ferreira de Lima

27

Henrique Alves Ferreira Ana Valente de Resende, mulher

101

Manuel Tavares, viúvo

78

102

Francisco Joaquim Pais

50

Maria Rosa de Jesus, mulher

48

António Ferreira

43

Joaquina Rosa de Jesus, mulher

57

António, neto

103

104

demente Abs

no Brasil

Abs.

Abs.

Margarida, filha

19

António Soares da Silva Homem

44

Rufina Rosa de Jesus, mulher

40

Manuel, filho

21

teve no Brasil

Ana, «

17

teve na Vila

Joana «

14

José, «

10

Olívia «

7

Abs.


105 a

José Francisco da Rocha, viúvo

66

Manuel, filho casou [vd. imediato)

21

Benjamim, «

16

Américo, «

12

105 b

Manuel José da Rocha

21 21

105 c

Conceição Valente de Resende, mulher Joaquim Luís Pinto

106

107

108

37

Abs.

Genoveva Joaquina de Jesus, mulher 33

Abs.

Maria, filha

13

António, «

7

Henrique Correia de Pinho (Santa Catarina)

28

Henriqueta Maria da Rocha, mulher

25

Maria de Jesus, viúva

65

Maria, filha

33

Maria, filha desta

12

Palmira, neta, filha da Emília

17

Henrique, « « «

11

Roberto, « « «

9

Felismina, « « «

9

António José da Rocha

23

Maria Rosa de Jesus valente, mulher 27 109

110

José António da Silva

35

Josefa Tavares, mulher

36

António, filho

13

Júlio, «

11

Domingos Pinto

23

Maria Josefina de Oliveira

28

Abs.

163

Abs.

Abs.

em Espinho


111 112

113

114

164

Manuel Barbosa da Silva

34

Maria Joaquina de Jesus, mulher

33

Inácio de Sá Marques

Abs

Quitéria Maria Ferreira, mulher

51

Francisco, filho desta

13

Alexandre Fernandes

57

Rosa Maria de Jesus, mulher

56

Domingos, filho

20

Manuel, «

19

Constantino, «

17

Maria, «

15

Conceição, «

12

José Soares

60

Rosa Joaquina, mulher

54

Maria, filha

37

Manuel José Soares, «

23

Emília, «

17

João, «

16

Ana, «

13

Abs Abs

teve na Vila

Malaposta 115

António Henriques da Silva

37

Laura Amélia Ferreira de Lima, mulher

25

Manuel, filho

15

Caetano, «

14

Serafim, «

10

Amália, «

8

Margarida, criada

32

Abs.

José Moutinho de Sousa

23

Abs.

Ana Gomes Ferreira de Lima, mulher

23

Monte 116

António, irmão desta

8

117

José de Pinho, solteiro,

73

118

Ana Maria Rosa de Jesus, solteira

74

119

José Correia de Pinho

43

Maria Rosa Ferreira de Lima, mulher

36

120

Maria, filha desta

18

Maria Rosa Ferreira, viúva

51

no Brasil

Abs.


121 122

123

124 125

126

127

128

129

130

Manuel Correia de Pinho Maria Leite de Sá, mulher Francisco José Moreira Rosa Leite de Sá, mulher António, filho Emília, « Manuel Fernandes Ana de Oliveira, mulher Rosa, filha António de Almeida Maria de Oliveira, mulher Manuel Ferreira de Lima Luísa Maria de Resende, mulher António, filho Joaquim José Carvalho Rosa Ferreira de Lima, mulher Maria, filha Manuel, « Domingos Ferreira de Lima Mariana d’Oliveira Pereira de Magalhães, m.er Guilhermina, criada Maria, filha Alberto, « Maria, criada Henrique Ferreira de Sá Maria Rosa de Jesus, mulher Francisco, filho António, « Maria, Angelina, José Leite de Sá Moreira Felismina Augusta Ferreira dos Santos, mulher Maria, filha Júlio, « Golfar Josefina de Jesus, viúva Guimar, filha [GuiomarJ Manuel, filho desta António, « «

62 56 34 38 12 10 43 55 13 19 18 75 76 38 35 34 10 9 35 34 16 10 7 13 49 43 24 23 15 9 37 27 10 9 63 34 14 10

Abs. Abs.

obiit

Abs. Abs.

no Brasil

165

Abs.

Abs.

Abs. Abs.

no Brasil no Brasil


131

132 a 132 b

133

166

134

135

136

137 138 139 140 141

47

António Tavares Júnior Maria Júlia, mulher Maria, filha Isabel, « António, Francisco, « Albertina, « Emília, « Júlio, « Relva Felizarda Rosa, viúva António Soares Pinto Maria Rosa de Jesus, mulher Felizarda, filha José Leite de Sá Rosa Moreira de Jesus, mulher Francisco, filho Maria, « Joaquim António Carolina Gomes Ferreira de Lima, mulher Ana, filha Quintã Francisco José Dias Vieira Ana Gomes Ferreira de Lima, mulher Henrique, Manuel, António José Dias Vieira Genoveva Gomes Correia de Sá, mulher Lourenço Dias Coelho Albertina Júlia Pereira, mulher Domingos Leite de Sá Coelho, divorciado Margarida Rosa de Jesus, viúva José, filho desta Ana Felizarda, solteira Maria, filha da Florinda Pinto José Dias Coelho Mariana Leite de Sá Coelho, mulher Abel, criado na Gandra

- Ausente em S. João da Madeira; teve desobriga na Vila.

54 41 19 17 16 14 11 10 8 68 43 38 15 70 69 38 24 39 36

Abs.

Abs.

8 59 60 19 18 22 20 24 24 75 53 16 9

16

Abs. Abs.

teve na Vila47


142

João Tomás Pereira dos Santos, viúvo Francisco

66

Álvaro,

19

José,

17

22 Abs.

Ana Joaquina, viúva, im1ã daquele 64

143

144

João Pereira Leite, filho desta, solteiro Elísio, criado

43

Crispim, criado

16

Luis, criado

18

Ana Rosa de Jesus, solteira

39

Albino Joaquim da Costa

50

Abelina Leite de P.o, mulher

42

Mariana, filha

22

José, «

19

Maria, «

17

João, «

14

Manuel, «

10

Ana Maria Leite, divorciada

63

demente Abs.

16

167

teve no Porto Abs.

Santa Catarina 145

48

Francisco José Moreira

76

Maria Felizarda de Lima, mulher

73

Brízida, filha

43

Margarida, filha desta

20

Margarida, filha da sobredita Maria Felizarda António, filho desta Margarida

37

Vitorino, « « «

12

«e teve noPorto, e Villa Nova de Gaya».

14

Abs.

Abs

e teve no… 48


146

147

148

168

Joaquim da Silva Emília Augusta Moreira, mulher

48

Manuel, filho

19

Abs

Maria, «

18

Abs.

Rosa, «

15

José, «

8

José Leite de Sá Júnior, solteiro

73

Ermelinda, irmã

83

Mariana, «

74

Maria de Jesus Oliveira, criada

48

Manuel, «

39

Claudino Júlio Pereira

65

Rosa Joaquina dos Reis

45

Justino, filho

21

Fulgêncio, «

17

José, «

10

149

João Ferrando Pereira Pinto, viúvo 59

150

Francisco José Moreira

28

Maria Martins, mulher

25

151

Margarida Rosa de Jesus, solteira 65 Margarida, filha da Helena

12

152

Maria Correia de Sá, viúva

37

(Presa)

Maria, filha

12

TABELA Tem esta freguesia, fogos eclesiásticos 152 Pessoas maiores, presentes, 354 Menores de Confissão presentes 71 Ausentes, 66 Dementes, 2 Eclesiásticos, só o pároco, 1

em Espinho

demente

Abs.

no Brasil

entrevada

Certifico que todas as pessoas mencionadas neste rol, como presentes, são minhas paroquianas. Relativamente aos ausentes, observarei o disposto na Constituição diocesana. Fis a Comunhão dos meninos solenemente no domingo do Bom Pastor; e fica esta igreja provida dos santos óleos novos; o que, tudo posso, na verdade; e, se necessário for, juro. Residência da freguesia de São Pedro Fins de Sub-Feira, 30 de Junho de 1900 e novecentos. O pároco, P. e Manoel da Costa Moreira –0– – Provida dos Santos Oleoso. P.e António Vieira do Costa / ----? Vistos. Registe-se. Porto, 4 de Julho de 1900. Coelho da Silva. Registado no Livro competente. P Júlio A Ferr---?


DEMARCAÇÃO DA FREGUESIA

Anotações 1. Por vezes, surgiram algumas dúvidas na interpretação da leitura. Procurámos fazê-lo o melhor que nos foi possível. 2. Quer os nomes, quer os textos, acomodámo-los à grafia actual. 3. Quando havia notas no original a lápis, procurámos assinalá-las com o itálico. 4. Algumas notas do original, deixámo-las ficar, como é a palavra latina «obiit». cujo sentido literal é «morreu», ou «já falecido», ou a abreviatura de «Absente», assim apresentada – Abs. – com o significado de «ausente». 5. «fogos eclesiásticos» eram os constituídos por casais com seus filhos (e criados); pelos viúvos (as); pelos solteiros órfãos e maiores; exceptuavam-se alguns casos, em que a convivência no mesmo agregado familiar era ditada pela benemerência, ou algum grau de parentesco, relativamente a menores. 6. Neste rol, como em muitas outras informações demográficas, apresentadas pelos párocos, não eram tidos em conta, os menores, considerados ainda sem o uso da razão. 7. É de notar que além deste rol há outros posteriores relativos a Sanfins. 8. É impressionante o número de emigrantes para o Brasil; havia os bem sucedidos e os mal-sucedidos. Os bemsucedidos, com frequência regressavam e ostentavam o seu fausto; os mal-sucedidos não mais regressavam. Ficavam na memória destes róis, como possíveis paroquianos. 9. Além destas informações há ainda outras mais, que não vêm a propósito divulgarem-se. Fica entretanto patente a acção do pároco e da instituição eclesiástica, na manutenção dos valores tradicionais, como a da família. Fornos, 13 de Maio de 2003. O actual pároco de Sanfins, José Alves de Pinho.

Foi-me entregue por Manuel Tavares de Oliveira, regedor de Sanfins, também conhecido por «Manel de Golfar», um papel com a indicação dos marcos, que limitam a freguesia, relativamente a outras freguesias confinantes. Teriam existido dúvidas dos limites, pelo que em assembleia conjunta assistida pela conveniente autoridade pública, se chegou a um acordo de confinantes, implantando os marcos no seu devido lugar, como uma sentença clara e notória, do que fora aceite por todas as partes. Ora o Sr. Manuel Tavares de Oliveira, como autoridade na freguesia (era o regedor!) e como centro de informações ouvidas nas conversas daqueles, que frequentavam o seu estabelecimento de barbeiro, começou a ficar perturbado quando lhe começou a constar, que os marcos da freguesia não estavam a ser respeitados como legal demarcação; e que alguns deles eram arrancados unilateralmente, sem serem repostos nos devidos locais, especialmente nas zonas mais povoadas, como aquela que confinava com Escapães. O rol dos marcos tinha sido recolhido e confirmado por antigos responsáveis e proprietários de Sanfins, os quais eram testemunhas esclarecidas do local da implantação dos respectivos marcos. Tinham recolhido os dados dos limites, conservando uma antiga lista, que descrevia os lugares da implantação dos respectivos padrões. Os limites iam de marco a marco, em linha recta, envolvendo no seu polígono o território de cada uma das freguesias. Nesta sua preocupação e pensando que o pároco também devia ser ciente da questão, que já começava a delinearse, ele resolveu, enquanto manejava a tesoura do corte de cabelos, convidar o pároco a ir com ele ver os marcos, que ele bem conhecia, apoiando o seu parecer no rol, já amarelecido, da lista, que tinha levado no bolso. E informava: aquela lista já era muito velha; tinhaa recebido de homens de Sanfins, que eram zeladores dos interesses da freguesia. E nomeava: o Salvador Reis, o Rodriguinho das Mestras, o Ângelo da Pena e outros mais, que eu não consegui reter, por desconhecer ainda a população e a sua cultura. Fez questão de eu ir com ele e ficar com ela. Ainda a possuo. Pensava o bom regedor, que as autoridades responsáveis da freguesia não estavam a fazer caso do desaparecimento e arranque dos marcos limítrofes da freguesia, nem reclamavam do facto de pouco a pouco se ir perdendo a freguesia, a favor de Escapães.

169


Esta cena terá acontecido aí por 1970. Fui com ele, para uma visita aos marcos implantados nos terrenos mais acessíveis. Não pude ir conferi-los todos, como ele desejava, a não ser o marco à porta de Francisco Laritum (Francisco Moreira de Oliveira), o marco atrás do restaurante Arcas, o marco de Vieiros e o marco do adro da Capela da Piedade. Todos eles estavam levantados e eram muito evidentes. O tempo, então, não deu para mais, nem depois se proporcionou ocasião conveniente a ambos. Quanto à lista dos marcos de Sanfins eu guardei-a conforme ele ma deu e arquivei-a no arquivo Paroquial de Sanfins. Ele que tinha uma antiga relação manuscrita, mandou-a dactilografar à máquina, trazendo-a na carteira, até poder entregar-ma. Verifiquei, depois, que outros habitantes de Sanfins a conheciam e estavam informados do seu conteúdo. Para quem tenha curiosidade, ou outro interesse, damola a conhecer, que é como segue: 170

TEXTO

«MARCOS QUE LIMITAM A FREGUESIA DE SANFINS I Um em frente à casa do Francisco Laritum, à cancela onde hoje é a rua que vai para a Godinha. Outro no Mato da Sarnada, onde havia um pinheiro grosso encostado ao campo do Capucho. Outro à beira da Carreira Funda que vai dar à Estrada de Escapães-Feira, e que está no Mato da Sarnada a uns dois metros de um óculo antigo que ali está num pontesido. r?] Outro em frente à janela da antiga escola de Casal de Matos. Está arrancado dentro da referida escola. Outro à beira do caminho que vai de Casal de Matos direito à Capela da Piedade e ao chegar ao largo numa pequena baixada, ao lado direito de quem chega. Outro no antigo Campo da Bola, na Ribeira. Primeiro Campo do Feirense. Outro ao lado do Moinho da Mata, nas Ribeiras. Outro no Mato do Bandeira, em frente ao Mato do Mourão. Outro na Lomba das Mestras. Outro no caminho da Água Velha, passando pelas Lagens, mesmo a chegar à Estrada Nacional. Outro a cerca de duzentos metros a poente do Lameiro da Quinta da Lage. Outro perto do Cruzeiro da Saudade, para Nascente.» Sanfins, 22 de Novembro de 1993. José Alves de Pinho.

MOMENTO DE POESIA (autobiográfica de António da Pena)

I Numa noite sem luar Mil estrelas vi nos céus ... Vi também um lindo olhar Numa estrela a cintilar, Que encantou os olhos meus. II Primavera em flor eu vi, No bom tempo que passou... Essa flor não mereci, De outras flores não colhi, Pois um cactus me abraçou. III No teu solo, meu Sanfins, Lindas flores vi crescer. Aqui, longe, nos confins, Eu contemplo os teus jardins, Em perene alvorecer!.. IV Sonhos lindos me alegraram... Não os posso haver jamais! As visões, porém, ficaram Indeléveis, e deixaram Nestas letras os sinais. V Meu Sanfins idolatrado, Algum dia aí estarei!... Quero ver bem realizado O meu sonho apaixonado De rever a tua grei. VI Mesmo sendo de passagem, Quanto bem isso me faz!... Teus sorrisos, tua aragem, Teus jardins, tua paisagem...


171

Para a História de S. Paio de Oleiros: origens do topónimo Anthero Monteiro* Propomo-nos, neste trabalho, dar conta, a partir de documentos, da evolução e formas do topónimo associado à actual freguesia e vila de S. Paio de Oleiros do concelho de Santa Maria da Feira. Iremos recuar no tempo até à primeira menção documental de algo que terá dado origem a esta povoação, ainda antes da formação da nossa nacionalidade. Oitenta e cinco anos mais tarde, nas vésperas do tratado de Zamora, já o topónimo surgirá, noutro documento, com a forma actual, ainda que desprovido do nome do orago. Esse – S. Paio - acrescentarse-á, ao abrir o século XIII, sob uma das suas formas do étimo latino, dando conta da primeira igreja local e acompanhando daí em diante a designação da paróquia. Aproveitaremos, então, para conhecer a biografia desse santo, o que consideramos indispensável para resolver algumas confusões e contradições que se mantêm, como veremos, mesmo entre os oleirenses, acerca do seu padroeiro. Dado que Oleiros é designação toponímica de outras localidades (vila e município do distrito de Castelo Branco, freguesia do concelho de Vila Verde, outra freguesia do concelho de Guimarães, município galego da Corunha, etc.), daí tendo

resultado, durante muitos anos, grandes inconvenientes, sobretudo a nível postal, para a freguesia, ver-se-á também que o problema acabou por ser resolvido com a adoção, para seu nome civil oficial, da mesma designação da paróquia. Entretanto e embora pareça evidente que a génese deste topónimo é sustentada, em todos os homónimos citados, por um passado patrimonial de alguma forma relacionado com o fabrico artesanal de objetos em barro (o que pode não ser exatamente assim, a acreditar em Pinho Leal1, pelo menos no que toca à vila da Beira Baixa), tentaremos ainda verificar se terá sido, de facto, a olaria a justificar o topónimo da vila feirense.

1 Para este autor, o topónimo Oleiros, no caso da vila beirã, terá advindo da existência naquela terra de inúmeros “olleiros”, palavra castelhana e portuguesa antiga, na qual se molham os “ll”, pronunciando-se “olheiros”, o que significa “olhos” ou “nascentes de água. Não é hipótese que nos mereça suficiente credibilidade para defender no caso de S. Paio de Oleiros, muito embora, segundo afiançam os mais idosos, não faltassem olhos de água em vários locais da freguesia, como, por exemplo, no lugar do Fial ou na Gaiteira, existindo até um microtopónimo, documentado com data de 1680, relacionado com uma leira local designada por Olhos Grandes.

* Escritor e poeta natural de S. Paio de Oleiros. É autor, de múltiplas obras poéticas, didácticas e ensaísticas. A última que publicou intitula-se Sete Vezes Sete Nuvens, Porto, Egoíste, 2010. Organizador de várias tertúlias poéticas, coordena a “Onda Poética”, de Espinho, e as “Quartas Mal-ditas,” do Clube Literário do Porto.


I 1050 - Villa de “Olleirolos” no inventário das propriedades de D. Gonçalo e D. Flâmula O primeiro documento onde os oleirenses poderão reconhecer menção à sua terra é um inventário de propriedades, datado do ano de 1050 e pertencente ao cartório do Mosteiro de Pedroso, que reza assim:

172

In era LXXXVIII post Mª (?) Regnante domni fredenando rex. Sit fecit domno gonsalbo et domna flamula nodum de omnen suas ereditates tam de abolemga quam eptiam et de conparadella siue ereditates comodo et salinas. it sunt in sala corte de quemdulfo et de randulfo et de domno integra. in exso corte… de uilla que fuit de sando fofiz medietate integra.(…) In uilla de anta quanta ibidem abuit nostro avio domno ero illa media que venit nobis in portione con nostros fratres et illa alia media que canbiamus con nostra germana maumadomna et acebit pro illa in uilla de olleirolos rratione de nouido integra que dedit nobis pro que peitamus pro illo cc solidos at rex pro albito presbiter que occisi. et mediatate de ereditate de samuel et alias ereditates quantas ibidem abuit mater nostra.(…)2 Apesar de se apresentar num latim considerado bárbaro, com passagens de difícil entendimento, como era usual nos documentos notariais da época, este inventário é fundamental para fazer remontar a história de Oleiros, com esse topónimo, a um tempo anterior ao Condado Portucalense. Reinava, então, em Leão e Castela, o bisavô de D. Afonso Henriques, D. Fernando I, o Magno, e a região era assolada, à vez, pelo contínuo vaivém das incursões muçulmanas e cristãs, numa altura em que o Porto fora já resgatado pelos Gascões (999) e a reconquista da região se ia processando entre muitas indefinições. Trata-se de um rol de bens de que são proprietários o ricohomem (vir nobilis) Gonçalo Viegas e sua mulher D. Flâmula ou Châmoa Honoriques. Gonçalo Viegas, que terá vivido entre 1002 e 1057, era, segundo José Mattoso, filho de Egas Eriz «Iala», que, tendo habitado a região entre Douro e Vouga, se retirara para o norte do Douro aquando das invasões sarracenas dos finais do século X, voltando posteriormente à sua terra. Gonçalo Viegas terá regressado com ele ao sul do Douro e terá Doc. n.º 378 dos Diplomata et Chartae - Portugaliae Monumenta Historica, Vol. I., Lisboa, 1867.

2

desempenhado papel de relevo na reconquista cristã através de inúmeras presúrias naquela região, pelo que ficou dono de largas terras também nas nossas proximidades.3 Não parece haver qualquer dúvida de que o termo olleirolos se refere, de facto, à nossa terra ou a algo que constituiu a sua génese. Apesar de o documento se limitar à menção de vilas, mosteiros e prédios rústicos, sem quaisquer outros elementos orográficos, hidrográficos ou outros que possibilitem uma identificação exata, «a verdade é que o simples agrupamento de povoações mais ou menos próximas umas das outras lhes determina a localização», como faz notar Aguiar Cardoso4. Entre outras localidades do distrito de Aveiro, são citadas: do concelho da Feira, o lugar de Travanca, a vila de Prozelha (de Mosteirô), a de Macieira (de Souto ou Travanca), o mosteiro de S. Julião, (nome de onde adveio o do lugar de S. Gião, em Souto) e a vila de Arcozelo (possivelmente da freguesia de S. Jorge); do atual concelho de Vila Nova de Gaia, Seixezelo, Serzedo, Pedroso e os seus lugares de Alheira e Vila Cova, e do também atual concelho de Espinho, as vilas de Anta e Paramos5. O facto de se fazer menção a uma permuta, entre D. Gonçalo e a irmã Mumadona, de bens situados em Anta e Oleiros é mais um elemento que confirma a referência a esta nossa localidade.6 O topónimo Oleiros surge assim com esta forma de esquisito diminutivo, devido ao facto de os tabeliães e escrivães da época serem treinados para usar uma forma latinizada nos registos cartoriais, pretendendo essa linguagem, segundo alguns autores, conferir crédito, legalidade, universalidade e perenidade aos documentos. Essa transformação diminutiva pode decorrer até da analogia com outros casos, como, por exemplo, em “vilula”, em vez de “vila”, ou em “prediola” em vez de “predium”. Alguns entreveem nesses diminutivos a intenção de emprestar mais graciosidade aos topónimos7,

José Mattoso, A Nobreza Medieval Portuguesa, Lisboa, Editorial Estampa, 1994, p. 231ss. 4 Aguiar Cardoso, Terra de Santa Maria. Civitas Sanctae Mariae, Coimbra, 1929. e 5 Cf. P. Manuel de Sá, Monografia de Paramos, Figueira da Foz, 1937. 3

O mesmo não acontece no doc. n.º 338 dos Diplomatae et Chartae, datado de 1044, onde se alude à venda de uma herdade «in villare de Oleirolos», porém nas proximidades de Pedroso. Também o doc. n.º 855, de 1097, refere a «villam Ollariolus», na zona de Pedroso e Olival (de que são citados os lugares hoje chamados de S. Miguel e Seixo-Alvo). Deve tratar-se, em ambos ou pelo menos num dos casos, do atual lugar de Leirós, em Pedroso. 7 Escreve Alberto Sampaio: «Coulanges adverte que nem sempre no estilo diplomático o diminutivo indica pequenez, servindo principalmente para tornar o termo mais gracioso». (in Estudos Económicos, Vol I, «As Vilas do Norte de Portugal», Lisboa, Editorial Vega, 1979, p.62. 6


podendo-se ainda enriquecer o rol com casos análogos de transformações, que deverão ter contribuído para lhes alterar a forma através dos tempos: Grijó provém de “Ecclesiola”, diminutivo de “Ecclesia” (Igreja), referência ao seu mosteiro; Mosteirô resulta de “Monasteriolo”, forma diminutiva da “Monasterium” (mosteiro); Paçô, de “Palatiolum”, diminutivo de “Palatium”; Moreiró, freguesia de Labruge, Vila do Conde, da forma “Moleiriola” ou “Moreirola”. Parece, assim, que os oleirenses terão corrido o risco de verem o nome da sua terra transformar-se, por exemplo, em Oleirô ou Leirós (que também existe, como vimos). II 1135 – “Oleiros” no cartulário Baio-Ferrado do Mosteiro de Grijó Muitos dos documentos mais antigos em que figura o nome de Oleiros relacionam-se com o Mosteiro de Grijó. Denominado Mosteiro de S. Salvador de Grijó, topónimo, que como vimos, advém da palavra latina Ecclesiola (pequena igreja), foi fundado pelo abade Guterres e por seu irmão Ausindo, destinando-se originariamente a familiares dos fundadores, que desejassem abraçar a vida monástica. Foi isto no ano 922, três anos antes do martírio do nosso padroeiro, S. Paio, às mãos dos Sarracenos, que os reis cristãos do NO da Península iam tentando rechaçar mais para o Sul. Regressariam pouco tempo depois e o temível Almansor haveria de chegar ao Douro em 987 e ocupar todo o Noroeste dez anos mais tarde. O Condado de Coimbra, que vinha também até ao rio Douro, só conheceria a paz com a conquista daquela cidade em 1064. Não se sabe o que foi feito do Mosteiro neste período de tempo, nem se foi poupado pelos invasores, que se gabavam de não deixar incólume nenhuma igreja. Apenas se sabe que, em 1075, havia no local uma igreja. No entanto, em 1093, Soeiro Fromarigues refunda, reconstrói e aumenta o Mosteiro, retira as limitações de recrutamento dos clérigos e dos monges, alarga o património através de aquisições, permutas e doações, prática que foi seguida, após a sua morte, pela viúva Elvira Nunes e pelos filhos. O Mosteiro obtém isenções, privilégios e imunidades e adopta a regra de Santo Agostinho, conhecendo, então, um novo dinamismo religioso, que atrai os doadores, uns apostados em garantir a salvação da sua alma e da dos seus (um tanto na continuação de um certo milenarismo), outros

em assegurar a sua subsistência, oferecendo ao Mosteiro os seus bens com a contrapartida de proteção, outros ainda para se libertarem do fisco e das usurpações. Tais doações e contratos pressupunham a elaboração de documentos e o seu arquivo. É justamente a uma coletânea de cópias de atas manuscritas nesse Mosteiro e referentes ao período entre 922 e 1265, em 113 fólios de pergaminho, com encadernação de couro de um castanho carregado (da cor de um cavalo baio), que se dá o nome de Cartulário Baio-Ferrado. Quase todos os documentos interessam à nossa região e há freguesias e lugares do nosso concelho abundantemente contemplados (Seitela e Mozelos, Rio Maior e Paços de Brandão, Argoncilhe, etc.), para além de Anta, Silvalde e muitos outros. E é no documento n.º 37, datado de Abril de 1135, que surge a única menção a Oleiros, se excluirmos o n.º 275, de Abril de 1145, que faz referência a uma herdade de Azevedo, sob a estrada mourisca, que poderia referir-se a um lugar oleirense, mas que alude certamente a um lugar homónimo de S. Vicente de Pereira Jusã, no concelho de Ovar8. Dado tratar-se de um documento longo, transcrevem-se apenas os períodos iniciais e os finais: K(arta) de Saitela Mendo Mendiz. In nomine Patris et Filii et Spiritus sancti, amen. Quoniam in hac vita quasi hospites sumus et nemini nostrum ultimam sui exitus horam scire est datum, iccirco ego, famulus Dei, Menendus Menendiz, et uxor mea Eieuva Pelaiz, timentes ne morte preocupati ab hac vita intestati recedamus, lubemus nostras facultates disponere, gratia auxiliante divina. Audivimus enim Dominum nostrum per prophetam dicentem: “ve vobis qui copulatis domum ad domum et agrum agro conjungitis; num quid vos soli habitatis in terra?”; et beatus Augustinus ait: “dives cum dormierit nichil secum aufert; aperit occulos et nichil inveniet”. Hec et alia hujuscemodi documenta sepissime audientes, jussimus facere kartam testamenti canonice Sancti Salvatoris de Eclesiola, de omni nostra hereditate videlicet que habemus in villa Saitela et in ipso Casale; et in Oleiros, duo casalia; et in Sesnandi tam laicalia quam eclesiastica (…) Facta Karta mense aprilis, era Mª. Cª. LXXª.IIIª. Ego prefatus Menendus Menendi et uxor mea Eieva Pelaiz, qui Cf. António Domingues de Sousa Costa, O Mosteiro de S. Salvador da Vila de Grijó, Edição da Fábrica da Igreja Paroquial de Grijó, 1993, p. 28.

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illam jussimus scribere, coram parentibus et aliis idoneis testibus, prout prescripta sunt, roboramus et confirmamus. Qui presentes fuerunt: Menendus, ts; David, presbiter, ts; Petrus, presbiter; Gunsalvus, ts; Suarius, ts; Pelagius, ts; Tructesindus, ts; Didacus, ts. Johannes notuit.9

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Aqui se diz, em resumo, que Mendo Mendes e Eieuva Pais, marido e esposa, legam ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó diversas propriedades sitas em Seitela, Casal, Oleiros (dois casais) e Sernande. Esta ata apresenta um aditamento intitulado Karta de canonicis, pelo qual o Mosteiro se compromete a não vender, permutar ou doar os bens legados e garante que Soeiro, o filho do casal, semper habeat panem in hoc monasterio, ou seja, à letra, tenha sempre o pão neste mosteiro. Assinam este compromisso o prepósito Pedro que dirigia o convento, o prior Tructesindo, o sacristão Didaco, o chantre Pedro e o prior claustral Mendo, que serviu de notário. A história de Oleiros não poderá fazer-se sem novas referências a este Mosteiro, que se há-de transferir, em 1536, para a Serra de Quebrantões, em Vila Nova de Gaia, onde os monges agostinhos fundarão, mais tarde, o Mosteiro de Santo Agostinho da Serra, para regressarem a Grijó alguns anos depois. Construirão ainda, em 1758, a Quinta da Granja, em S. Félix da Marinha, que será utilizada como estância de convalescença e repouso, sobretudo no verão, dando origem à praia da Granja, a norte de Espinho. O mosteiro será extinto em 1770. Este cartulário dedica, portanto, apenas cinco palavras à nossa terra, mas é um documento muito importante, porque se trata, para já, do segundo mais antigo sobre ela e o primeiro em que o topónimo Oleiros, ainda que no meio de um latim eclesiástico, surge exatamente como hoje se escreve. Explicar agora porque tinha esse nome, sem termos encontrado qualquer referência à profissão com essa designação, será obra da fantasia. Ou da evidência: é de todo crível terem existido na localidade artesãos dedicados à olaria noutros tempos.

Num contrato de emprazamento feito em 1428 entre o Mosteiro de Grijó e o «filho do abade de Oleiros» [sic] figura uma testemunha do ato, um tal Joane Lopes (?), que tinha por profissão «paneleiro», expressão que remete para fabricante de panelas de barro (era assim, aliás, que chamavam aos moradores de Coimbrões, terra onde havia muitos artífices de olaria, os das freguesias vizinhas10). Mas já Oleiros se chamava Oleiros pelo menos há quase quatrocentos anos… É da tradição local que teria havido oleiros na freguesia, não lhe faltando matéria-prima para possibilitar essa atividade, o que é confirmado, aliás, pela presença de topónimos e microtopónimos derivados de “barro”, como Barreda, Barredas, Barredas do Ribeiro, Campo da Barreda, cremos que todos a oeste do lugar do Lameiro, e ainda o lugar do Barreiro, da freguesia de Nogueira da Regedoura, nas imediações da Concharinha, para além do lugarejo integrado no lugar do Fial e denominado Serra Morena, remetendo a cor para o vermelho escuro do terreno barrento aí existente. Pinho Leal fará referência a esta tradição da olaria na nossa freguesia, acrescentando, todavia, que o barro aqui existente é de fraca qualidade e que apenas prestaria para o fabrico de telhas e tijolos. Ouvimos mesmo oleirenses referir que haveria, há mais de 60 anos, vestígios de um telhal na zona da Fial ou Concharinha. Aliás, este último topónimo parece também associar-se à olaria.11 O termo “Concharinha”, que, apesar de múltiplas pesquisas, só encontrámos em Oleiros, parece ser um estranho diminutivo de “concha”, que terá passado a “cônchara” por uma qualquer analogia com “púcara”, “cântara”, ambos utensílios de barro, ou ainda “xícara”, também da família do vasilhame. Trata-se, segundo alguns autores (Cf. Carolina Michaëlis), de um acrescento popular eufónico de -aro, -ara a palavras que são graves na linguagem culta e que é muito mais frequente do que se pode imaginar: o povo diz “sapocôncharo” em vez de “sapo-concho” (no sentido de cágado), “pôlvaro” em vez de “polvo”, “uvas pássaras” em vez de “uvas

Cf. Júlio Duarte, Os Oleiros em Coimbrões, Sindicato de Cerâmicos do Porto, 1991, p. 6. O P.e José Ferreira de Almeida escrevia “Concheirinha”, forma que poderia apontar no sentido de ali se ter encontrado algo associado com os “concheiros” do epipaleolítico, ou seja depósitos de restos de peixes, mariscos, crustáceos, ossos de aves e outros despojos comprovativos da existência de certas tribos. Esta última hipótese não nos parece muito credível, por se tratar de um topónimo documentalmente muito mais recente que Fial, Lapa, Vila Boa, etc.

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Cf. Robert Durand, Le Cartulaire Baio-Ferrado du Monastère de Grijó (XIe XIIIe siécles), Fundação Calouste Gulbenkian / Centro Cultural Português, Paris, 1971, e António Domingos de Sousa Costa, O Mosteiro de S. Salvador de Grijó, Fábrica da Igreja Paroquial de Grijó, p. 17.

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passas”, “cáscaras” em vez de “cascas”, “láscaras” em vez de “lascas” e “mílharas” em vez de “milhas” (ovas de peixe) e, até, “câncaro” em vez de “cancro”, etc. Ora “concha”, para além de significar qualquer recipiente côncavo, como a colher usada para servir a sopa, é, nalgumas terras, um recipiente retangular, feito em tijolo, com um pequeno tanque anexo, que os oleiros usam sobre a bancada onde fabricam telhas.12 “Concharinha” parece ser, segundo ouvimos a pessoas mais idosas, um instrumento de trabalho colocado ao lado da roda do oleiro, possivelmente para conter água de que ele se serviria para humedecer as peças a manufaturar. Acreditamos, pois, que, fosse qual fosse a qualidade do barro, terá havido ao longo dos tempos oleiros em Oleiros para confecionar os recipientes domésticos do dia-a-dia, até porque era uma forma garantida de subsistência: «Quem lidar no barro, à fome não morre».13 E se essa arte exige que haja fornos para a cozedura, eles não estariam longe, como o atesta a existência de uma rua de Nogueira da Regedoura, logo ali atrás da Concharinha, a muito poucos metros em linha reta, que tem por nome rua da Soenga, topónimo também existente em Coimbrões, lugar de olarias de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, sendo aquela designação (soenga) a que se dava a um forno de cozer louça de barro. Haveria outras hipóteses a considerar sobre a origem do topónimo e que até já aventámos noutro lugar14. Mas fiquemo-nos pela mais evidente, suportada pela toponímia e pela tradição oral local. III 1200 – Ecclesia “Santi Pelagij de Oleyros” no censual do Cabido da Sé do Porto Tal como acontecia com os primeiros cristãos, o clero das catedrais levava inicialmente uma vida comunitária. No século XI, porém, começou a romper-se esse estatuto: o Bispo e o Cabido (uma espécie de conselho constituído pelos cónegos) iniciaram a separação dos respetivos bens e rendimentos. Em Portugal, foi a Sé de Braga a primeira a quebrar a

Vide Dicionário Houaiss ou Enciclopédia Portuguesa-Brasileira. Cf. Júlio Duarte, op. cit., p. 8. 14 Ver nota 1. 12 13

tradição em 1165, seguindo-se-lhe a Sé do Porto, sob a jurisdição, a partir de 1185, do Bispo D. Martinho Pires. Possuía este prelado um enorme celeiro em S. João de Ver, onde ia pagar tributos a maior parte das igrejas do arcediagado de Santa Maria e onde se acumulavam cerca de 70.000 litros de aveia, milho e trigo.15 Oleiros contribuía também para as obras da Sé, mas depositava o seu tributo em cereais no celeiro de Guetim, que recebia cerca de 10 000 litros provenientes de dez igrejas daquele território, entre elas Lamas e Paramos.16 Dois terços destas censúrias destinavam-se à Mitra (ao Bispo) e um terço ao Cabido. Transferido aquele prelado para Braga, sucedeu-lhe, em 1191, o seu tesoureiro, Martinho Rodrigues, um minhoto de ascendência nobre, que procurou aumentar os proventos da Mitra, mesmo à custa de um afrontamento aberto com os burgueses do Porto, os cónegos da Sé e a própria Nobreza. O Cabido haveria, no entanto, de reagir e de aliar-se aos burgueses contra o Bispo, que, por duas vezes, excomungou toda a cidade e se viu coagido a refugiar-se noutro lugar, durante algum tempo. No ano 1200, o Bispo, por mediação do Arcebispo de Braga, fora obrigado a confirmar os anteriores direitos dos cónegos. José Mattoso e coautores de O Castelo e a Feira atribuem esta vitória do Cabido, «em grande parte, à utilização de armas jurídico-documentais», ou seja, à exibição, perante o Arcebispo, de documentos comprovativos da antiga partilha dos rendimentos entre a Mitra e o Cabido. Fez-se, então, uma lista das igrejas da diocese da época, com a indicação dos rendimentos de cada uma e da divisão que deles era feita. Como este rol terá sido organizado com base em documentos do bispado precedente, ou seja, anteriores a 1191, é praticamente seguro dizer-se que a igreja de S. Paio de Oleiros já existia no último quartel do século XII4. É de crer, no entanto, que já remontasse, pelo menos, aos anos 1115/1120, altura em que o bispo D. Hugo, ao reorganizar a diocese do Porto, conseguiu anexar a Terra de Santa Maria, subtraindo-a, com o apoio do Papa, à sua congénere conimbricense.

José Mattoso, Luís Krus, Amélia Andrade, O Castelo e a Feira, Editorial Estampa, Lisboa, 1989. 16 Idem, ibidem. 15

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Esta lista, porém, que documenta, pela primeira vez, a nossa igreja, reportando-a ao ano de 1200, consta de um velho códice gótico coligido, mais tarde, por João da Guarda, presbítero raçoeiro do Cabido da Sé Portuense. Trata-se de um dos mais importantes cartulários do nosso país17, conhecido por Censual do Cabido da Sé do Porto, onde, acerca da igreja oleirense, consta o seguinte: Arcediago da Terra de Santa Maria Ecclesia Santi Pelagij de Oleyros De cera. mediam libram De mortuarijs. L. solidos De tritico. duos quartarios De auena. duos quartarios De millio. duos quartarios De uino, duas puçaes = vinum istius ecclesiae est pro fabrica = 176

Eram estes, pois, os direitos que a Igreja de S. Paio de Oleiros pagava à Sé do Porto: meia libra (o peso de meio arrátel) de cera, 50 soldos de mortualhas (ou lutuosa, uma espécie de taxa de enterro), dois quarteiros de trigo, dois de aveia e dois de milho e ainda dois puçais (equivalente a dez almudes) de vinho, destinados à fábrica da Sé. Para além de outras úteis informações que se podem deduzir, por exemplo, da comparação com outras igrejas, fica-se também a saber o género das culturas praticadas, naquele tempo, na nossa terra: a vinha, o trigo, a aveia e o milho, referindo-se este, como é sabido, ao milho-alvo, miúdo ou painço e não ao milho grosso ou milhão que hoje comummente se cultiva, pois é de origem americana e foi introduzido no nosso país apenas no século XVI, depois de descoberto por Cristóvão Colombo.18 É, pois, neste documento que, pela primeira vez, Oleiros e a sua igreja se veem associados ao nome do seu orago ou santo padroeiro: Pelágio, uma forma antroponímica mais erudita, que veremos a pouco e pouco a divergir do étimo

Códice membranáceo existente na Biblioteca Municipal do Porto, Ed. Joaquim Grave, Porto, 1924. Cf. maize in The New Caxton Encyclopedia, Londres, 1973, e também Augusto César Pires de Lima, Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, 1.º volume, Edição da Junta de Província do Douro-Litoral, Porto, 1947.

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(Pelaio, Paaio, etc.) e a contrair-se até se transformar em Paio, fenómeno que se repete com outros nomes, como Egídio, que deu Gil, ou com Rodrigo, que deu Rui. Fica agora a curiosidade de sabermos quem era este S. Paio, a quem os oleirenses de então dedicaram o seu templo e que começaram a invocar como seu protetor. Recuemos, então, ao século VIII para contextualizar melhor os factos. Em 711 e após uma época próspera da igreja visigótica, os Árabes, graças à traição do Conde Julião e do Bispo D. Opas, inimigos figadais do último rei visigodo, D. Rodrigo, penetraram na Península Ibérica, tomando-a quase por completo, com algumas exceções de núcleos cristãos que se refugiaram nas zonas mais inacessíveis das montanhas. De início, a relação dos muçulmanos invasores com os cristãos moçárabes não foi de todo inamistosa, até porque Abderramão I (756-788) se revelou algo tolerante com os vencidos. Alhaquém (796-822) já não o é tanto e Abderramão II (822-852) compraz-se com humilhar o clero moçárabe e com destruir os templos. A resposta encontrada pelos cristãos foi a de um intenso fervor religioso que, no dizer de Bernardino Llorca (S. J.), «induziu muitos a provocarem os maometanos, o que originou numerosos martírios». Santo Eulógio, que seria Bispo de Toledo e também ele martirizado, tendo presenciado inúmeros martírios, escreve o Memorial dos Santos, para incentivar os cristãos ao heroísmo. Um deles, Isaac, sentindo-se inspirado, sai para a rua, no que poderíamos chamar uma autêntica provocação, e aí proclama a falsidade da doutrina de Maomé. Preso, repete tudo quanto dissera perante o juiz, merecendo, por isso, a palma do martírio em 851. Muitos lhe seguiram o exemplo, levando o seu testemunho (“martyrion” em grego) demasiado longe: provoca os invasores e oferece-se voluntariamente à morte. Este comportamento, aplaudido por Santo Eulógio, era censurado pelo Bispo Rocafredo, de Sevilha, e por outros moçárabes, que achavam aquele heroísmo mais um suicídio do que um martírio. O debate era intenso e a questão poderia ter ficado resolvida num concílio, do qual saiu um decreto «desaprovando a conduta dos mártires espontâneos», como explica Bernardino Llorca. O decreto, porém, não parece ter merecido obediência, porque os incitamentos de Santo Eulógio e de outros cristãos mais fanáticos, prosseguiram, assim como os voluntários ao suplício e ao derramamento de sangue, que alguns achavam inútil.


Santo Eulógio morre, como muitos outros, sob o califado de Maomé I, em 859. Foi, aliás, neste reinado que a conduta dos cristãos atingiu a insurreição e seria só no califado seguinte – o de Abderramão III (912-961) – que os revoltosos seriam aniquilados. E foi também sob as ordens deste califa que o martírio de S. Paio foi consumado. Era Pelágio natural de Tui, embora alguns citem também Coimbra como local da sua origem, o que nos parece confusão com outro S. Paio, como veremos. O Bispo de Tui – Hermoígio ou Hermógio – era seu tio. Preso na batalha de Valdejunquera, o prelado foi libertado mais tarde, por troca com uma leva de reféns, da qual fazia parte o sobrinho Pelágio, um rapaz com apenas 10 anos, que se vê remetido para Córdova, bem longe de casa, e encarcerado durante três anos. Segundo as atas do martírio, escritas pelo presbítero Raguel, Pelágio ocupava o tempo na prisão lendo as escrituras e conversando com outros cristãos, prisioneiros ou visitantes. A juventude e a beleza de Pelágio não terão passado despercebidas aos ministros de Abderramão III que o viram um dia no cárcere. Falando dele ao califa, ordenou este que o conduzissem à sua presença e, ainda de acordo com as atas, tentou convertê-lo à doutrina maometana e «atraí-lo a actos desonestos». Pelágio resistiu sempre e Abderramão, outras vezes mais tolerante, perdeu a paciência. O suplício do adolescente obedeceu a requintes de inexcedível sadismo. Foi cortado, ainda vivo, aos pedaços («membratim», ou seja, membro a membro, como se lê no Martyrologium Romanum do Cardeal Barónio), prolongandose a tortura pelo espaço de três horas, a partir das 12.30 horas do dia 26 de Junho de 925, um domingo. Os cristãos da cidade recolheram-lhe as relíquias para vários santuários de Córdova, sendo o seu corpo transladado posteriormente para Oviedo, em 1023. É este, aliás, o santo, facilmente identificável pela sua juventude e pelo atributo de uma palma de martírio, cuja imagem tem lugar de destaque no altar-mor da nossa igreja paroquial. O mesmo lugar, aliás, lhe era conferido já na igreja velha, localizada, então, onde é hoje o cemitério e cuja data de fundação nos é desconhecida. Mas a igreja mencionada neste documento de 1200, se, entretanto, não foi construída outra, seria, a acreditarmos no que diz a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, a que foi construída no século X, ou seja, no mesmo século

do martírio do Santo adolescente, em Vila Boa, “uma ‘villa’ agrária das numerosíssimas que, já antes da Nacionalidade, existiam Entre Douro e Vouga. O culto a S. Paio foi, segundo José Mattoso, introduzido pelos moçárabes (e havia na região, nos finais do séc. X e meados do séc. XI, uma importante comunidade de moçárabes) e, certamente, popularizado muito pouco tempo depois da sua morte, sendo prova dessa popularidade, a existência de pelo menos 65 igrejas paroquiais que o têm como titular. Estranho é que, na actual igreja, os paroquianos disponham da imagem desse S. Paio no altar-mor e o façam desfilar na procissão da Senhora da Saúde, mas tenham colocado no exterior, no frontispício da igreja, por cima da entrada principal, a imagem de um outro santo enigmático, barbado e muito mais idoso, a que muitos chamam também S. Paio, sem, contudo, saberem seja o que for acerca dele. O P.e Fernando Moreira, missionário espiritano natural de S. Paio de Oleiros e já sepultado no nosso cemitério paroquial, com quem mantivemos algumas saudáveis polémicas no jornal Diálogo e que era sacerdote que conheceu o P.e Ferreira de Almeida, o obreiro da nossa Igreja actual, era detentor de alguns segredos que só nos revelou em parte: reservava para si, alegando que se tratava de segredo de confissão, onde esteve a imagem “escondida” – e deve ter sido longo tempo – desde que terá sido retirado da Igreja Velha (insinuava ele, mas cremos que nunca lá terá estado) até que foi colocada lá no alto da nova para intrigar a gente. Por vezes, pareceu sugerir que a imagem teria sido mesmo subtraída a outro templo, mas todas as conversas a respeito deste assunto confluíam num beco sem saída, como se a intenção fosse adensar ainda mais o mistério. Dado que o P. e Ferreira de Almeida adquiriu em leilão público uns sinos velhos, que eram da Igreja da Graça, no Porto, preferimos aventar a hipótese de que tenha conseguido a preciosa estátua em alguma igreja em ruínas, sem contudo a pagar, porque tal despesa, ao contrário da dos sinos, não consta das suas meticulosas contas de tesoureiro e posteriormente presidente da Junta da Paróquia. O P.e Fernando Moreira revelou-nos, no entanto, o essencial: a identidade desse santo, que defendia inclusivamente ser o nosso orago e cuja imagem tinha sido colocada lá tão em cima, tão inacessível, porque «valia uma fortuna», dizia ele.

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Tratava-se, segundo ele, do «S. Paio dominicano, 1.º prior do convento dominicano de Coimbra, em 1227. Esteve em Bolonha em 1231, na transladação de S. Domingos. No ano 1250 deixou escrito um códice de 406 sermões conservados no fundo alcobaciano da Biblioteca Nacional. Alguns desses sermões são em louvor de Santo António e S. Domingos. Este S. Paio, padroeiro da nossa terra, é chamado o Menor, em contraste com o mais antigo – e muitíssimo mais novo – que morreu menino, decapitado». Este S. Paio Menor é representado, esclarece o P.e Moreira, «com um livro de sermões na mão esquerda. Como era pregador tem a mão direita erguida em gesto hieraticamnte oratório». Outro dos atributos deste S. Paio conimbricense seria um sininho colocado junto ao pé direito, devido a um milagre que teria ocorrido, quando alguém se lembrara de misturar terra da sepultura do santo ao bronze do sino de uma determinada freguesia, «resultando de tal fusão um sino de timbre maravilhoso». O facto de à imagem da frontaria da nossa igreja faltar esse elemento dever-se-ia, acrescenta o mesmo sacerdote, a um raio que «caindo sobre a estátua a fendeu em diagonal e volatilizou o sininho». Tudo parece dar razão ao nosso saudoso amigo sacerdote. De facto, os documentos das obras da Igreja, do punho do próprio P.e Ferreira de Almeida, chamam ao local altaneiro onde se encontra essa imagem misteriosa o "nicho do padroeiro". Temos em nosso poder, recebido já há alguns anos das mãos do nosso pároco, P.e Gonçalo Botte, uns apontamentos do Cónego José Geraldes Freire, Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra, com quem falámos mais tarde ao telefone, o qual se deslocou, em Abril de 1992, a S. Paio de Oleiros, para identificar esse santo, concluindo, pelos atributos da imagem, que fotografou ainda que de longe, que «deve tratar-se do dominicano S. Frei Paio de Coimbra, descrito por Frei Luís de Sousa», e que terá nascido por volta de 1185 e falecido em 1257. Achava aquela representação «muito rara» e mal saberia ele, porque era impossível vê-lo na foto, que ainda lhe faltava o pormenor do sino. Com a colaboração da Foto Oliveira, que conseguiu fotografar a imagem lá no alto, pudemos verificar que, de facto, a imagem se encontra rachada na diagonal, caindo a fenda exactamente nos pés do ícone, onde se encontraria o referido elemento adicional. A história da faísca que o

volatilizou também não é ficção nenhuma, porquanto ainda há oleirenses que se lembram do pânico que tal descarga elétrica causou no muito povo que se encontrava na igreja, num domingo à tarde, e nos estragos que provocou, inclusivé na imagem de Nossa Senhora de Fátima. Tal acontecimento, que poderia ter redundado em tragédia, com o povo a rezar o terço dentro da igreja, deu-se no dia 1 de Março de 1936. Acreditamos que S. Frei Paio fosse o nosso orago para o P.e Ferreira de Almeida e sabemos que já em 1758 existia na igreja a imagem de um S. Paio, porque isso consta das informações paroquiais desse ano, embora sem qualquer menção que nos permita afirmar tratar-se do S. Paio Maior ou do Menor. Até admitimos ainda a hipótese de ter havido um lapso de tempo mais ou menos longo em que a veneração dos oleirenses tenha sido mais direcionada para S. Frei Paio, tendo em conta o peso que os dominicanos exerceram nos destinos da Igreja a partir do século XIII. De um enorme dinamismo, os seguidores de S. Domingos de Gusmão fundaram, em apenas 20 anos, trezentos mosteiros, tendo-lhes sido confiada pelo Papa Gregório IX a direção da mais tenebrosa e intolerante máquina da história da Igreja – a Inquisição. Usando esse poder e porque eram essencialmente pregadores, é de supor que tenham facilmente influenciado o povo cristão a venerar um dos seus frades mais virtuosos, que, todavia, cremos não ter sido ainda canonizado. Isso, aliás, é um tanto sugerido pela seguinte alusão de uma enciclopédia: «Os cronistas dominicanos tratam-no por santo, mas da sua vida nada contam de concreto». É difícil admitir, porém, que se tenha dado a volta a uma tradição em dada altura e que, depois, se tenha regressado mais tarde, à verdade inicial do culto do jovem Pelágio ou Paio, não apenas decapitado, como pensava o P. e Fernando Moreira, mas despedaçado em Córdova. E dizemos verdade, porque o Censual do Cabido nos traz um dado irrefutável e definitivo: a nossa igreja era já dedicada a S. Paio (Pelágio) no ano de 1200. Como poderia o culto dos oleirenses dirigir-se a S. Frei Paio antes da sua morte, ocorrida só 57 anos mais tarde? Do que não resta dúvida, apesar de fendida e desprovida de um dos seus atributos mais curiosos, é do valor da imagem que substitui o verdadeiro orago no seu nicho. Pela raridade, 19 A. Nogueira Gonçalves e Pedro Dias, Concelho da Vila da Feira – História e Arte, edição da Câmara Municipal da Feira, Santa Maria da Feira, 1979.


segundo nos afiança o Rev. P.e José Geraldes Freire, autor de inúmeros trabalhos académicos sobre S. Frei Paio, e pela antiguidade, que nos é atestada por A. Nogueira Gonçalves e Pedro Dias, quando escrevem que a escultura mais antiga da igreja é a do nicho da frontaria, que representa S. Paio e é «de oficina coimbrã do séc. XV».19 IV 1971 – “S. Paio de Oleiros” oficializado por decreto No dia 8 do mês de Março de 1970, a Junta de Freguesia, então constituída pelo Senhores Artur de Oliveira, presidente, António Alves da Costa, secretário, e Ernesto Henriques da Silva, tesoureiro, estudaram, em reunião, «a possibilidade de se mudar o nome oficial desta freguesia de Oleiros para S. Paio de Oleiros, tendo-se deliberado efetuar todas as diligências possíveis para que esta pretensão se torne realidade, uma vez que isso é de importância primordial, principalmente no que respeita ao serviço postal, pois que a actual designação dá motivo a constantes extravios de correspondência, originados por confusão de endereço com outras localidades com o mesmo nome»20. Remetera o executivo já um ofício à Câmara Municipal presidida pelo Dr. Domingos da Silva Coelho, a solicitar a sua intervenção nesse sentido, e, a seis de Abril seguinte, é endereçada uma exposição ao Ministério do Interior, aduzindose os argumentos que sustentavam a pretensão. O assunto foi de novo apreciado e ratificado em nova reunião da Junta de 12 de Abril, enviando-se cópia à Câmara a solicitar o respetivo patrocínio perante as entidades competentes21. A solicitação iria colher pleno atendimento com a promulgação do Decreto n.º 2/71, de 7 de Janeiro, pelo qual a freguesia, copiando a designação secular da paróquia, passou a denominar-se oficialmente “S. Paio de Oleiros”. É do seguinte teor o referido Decreto: “Atendendo ao que representou a Junta de Freguesia de Oleiros, do concelho da Feira, no sentido de a denominação da referida freguesia e do lugar onde a mesma tem a sua sede

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Cf. Livro n.º 9 das Actas da Junta de Freguesia, Acta n.º 3 – 1970, p. 173. Cf. Livro n.º 9 das Actas da Junta de Freguesia, Acta n.º 4 – 1970, p. 175.

ser substituída pela de S. Paio de Oleiros; Considerando que a denominação pretendida corresponde à da paróquia religiosa e àquela por que a freguesia em causa é identificada para determinados efeitos; Tendo em vista os pareceres favoráveis da Câmara Municipal da Feira, da Junta Distrital e do Governo Civil de Aveiro; Nos termos do n.º 1.º do artigo 12.º do Código Administrativo; Usando da faculdade conferida pelo n.º 3 do art.º 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte: Artigo único. A freguesia de Oleiros, do concelho da Feira, distrito de Aveiro, bem como a povoação da respectiva sede, passam a denominar-se S. Paio de Oleiros. Marcello Caetano - António Manuel Gonçalves Rapazote. Promulgado em 4 de Janeiro de 1971. Publique-se. O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ”.

Bibliografia consultada: AMORIM, P.e Aires de, Esmoriz e a sua História, Edição da Comissão de Melhoramentos, Esmoriz, 1986; CARDOSO, Aguiar , Terra de Santa Maria. Civitas Sanctae Mariae, Coimbra, 1929; CENSUAL DO CABIDO DA SÉ DO PORTO, códice membranáceo existente na Biblioteca Municipal do Porto, Ed. Joaquim Grave, Porto, 1924; COSTA, António Domingues de Sousa, O Mosteiro de S. Salvador da Vila de Grijó, Edição da Fábrica da Igreja Paroquial de Grijó, 1993; CUNHA, D. Rodrigo da, Catálogo e História dos Bispos do Porto, Porto, 1623; DIPLOMATA ET CHARTAE - Portugaliae Monumenta Historica, Vol. I., Lisboa, 1867 DUARTE, Júlio, Os Oleiros em Coimbrões, Sindicato de Cerâmicos do Porto, 1991; DURAND, Robert, Le Cartulaire Baio-Ferrado du Monastère de Grijó (XIe - XIIIe siécles), Fundação Calouste Gulbenkian / Centro Cultural Português, Paris, 1971; GONÇALVES, Nogueira; DIAS, Pedro, Concelho da Vila da

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Feira – História e Arte, edição da Câmara Municipal da Feira, Santa Maria da Feira, 1979; Grande Enciclopéddia Portuguesa e Brasileira, vol. 20, Editorial Enciclopédia, Lisboa/Rio de Janeiro, 1978; LEMOS, Maximiliano, Encyclopédia Portugueza Illustrada, Porto, Lemos & C.ª Sucessor, s/d, 11 vols.; LIMA, Augusto César Pires de, Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, 1.º vol., Edição da Junta de Província do Douro-Litoral, Porto, 1947; LIVRO DE ACTAS n.º 9 da Junta de Freguesia, 1970. LLORCA, Bernardino, Manual de História Eclesiástica, Edições ASA, Porto, vol.II; MATTOSO, José, A Nobreza Medieval Portuguesa, Lisboa, Editorial Estampa, 1994; MATTOSO, José; KRUS, Luís; ANDRADE, Amélia de, O Castelo e a Feira, Editorial Estampa, Lisboa, 1989; 180

SÁ, P.e Manuel de, Monografia de Paramos, Figueira da Foz, 1937;

SAMPAIO, Alberto, Estudos Económicos, Vol. I, «As Vilas do Norte de Portugal», Lisboa, Editorial Veja, 1979; SIMONET, Francisco Javier , Historia de los Mozarabes de España, Madrid, Ediciones Turner, 1983; SORANO BARONIO, Cesare, Martyrologium Romanum, Guerilium, Venezia,1630; TAVARES, Jorge Campos, Dicionário de Santos, Lello & Irmão Editores, Porto, 1990; THE NEW CAXTON ENCYCLOPEDIA, Londres, 197.

NOTA: Este artigo, que foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico, é um excerto da monografia em preparação, que Anthero Monteiro intitulou, ainda que provisoriamente, S. Paio de Oleiros – Retalhos da sua História (Datas, Factos, Curiosidades).


PHILÉAS LEBESGUE, O CRONISTA LITERÁRIO DA REVISTA MERCURE DE FRANCE E AQUILINO RIBEIRO Manuel de Lima Bastos* Confesso, contrito, que nunca tinha ouvido falar de Philéas Lebesgue e muito menos da sua relação literária com Aquilino Ribeiro. Foi o meu bom amigo Dr. Alberto Lamy que, gastando uma boa parte do seu tempo a devassar com olho curioso certos arquivos onde dormem o sono dos justos coisas esquecidas mas interessantes, neles introduziu a mão sábia e experiente de garimpeiro e me ofereceu a pepita de ouro que permitiu a descoberta da vasta obra de Philéas Lebesgue ao longo de quase sessenta anos sobre a arte e a cultura em Portugal e, no que particularmente me interessa, sobre Aquilino Ribeiro. A exploração desse filão de ouro, para o qual Alberto Lamy me despertou a atenção, encontra-se compendiado nos arquivos do Centro Cultural Português de Paris que, por ocasião das comemorações do centenário do nascimento do mestre prosador português em 1985, conheceram de novo a luz do dia mercê da sua publicação pela Fundação Calouste Gulbenkian. Para além da muita informação genérica disponível na internet sobre o cronista francês, nos referidos arquivos *Advogado. Devoto Aquiliniano

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encontrei artigos e textos sobre Aquilino Ribeiro da autoria de David Mourão-Ferreira, Michelle Giudicelli, João Camilo e Jorge Reis, este último amigo íntimo do escritor que, por convite de José Augusto França então director do Centro Cultural Português de Paris, proferiu sentido e comovente discurso de encerramento da comemoração do centenário. O autor do romance Matai-vos Uns Aos Outros, cuja publicação o mestre da língua de maneira decisiva patrocinara, concluiu a sua oração com estas belas palavras de reconhecimento: Quel bonheur d’avoir eu pour ami maitre Aquilino Ribeiro! Apesar de tão importantes contributos, as fontes principais deste capítulo sobre o relacionamento literário entre os dois homens foram sobretudo duas: o estudo que Françoise Massa proferiu e publicou a pedido do director desse Centro Cultural Português ficando aí arquivado como evocação das pegadas que o escasso conhecimento da obra do grande escritor português deixaram no meio literário francês. E, sendo poucas tais pegadas, ainda assim quase todas se devem ao intenso e persistente trabalho de divulgação feito por Philéas Lebesgue durante décadas nas suas crónicas no Mercure de France chamando infatigavelmente a atenção dos meios cultos de todo o mundo tributários da língua e da literatura francesas para a importância relevante e incontornável das obras que Aquilino Ribeiro ao longo dos anos ia trazendo a público.


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Argumenta Françoise Massa no seu estudo que o escritor e o seu crítico Philéas Lebesgue não se teriam conhecido pessoalmente uma vez que não se encontrou qualquer correspondência no infindável espólio epistolar de mais de 25.000 cartas dirigidas ao cronista francês por escritores e outros artistas de todo o mundo, também aparecem quaisquer obras de Aquilino Ribeiro na extensa biblioteca pessoal de Lebesgue, o que Massa explica ao supor que os livros eram enviados pelos editores para a revista Mercure de France e não para o crítico literário. Com este fundamento aventa a hipótese de Aquilino e Lebesgue não se terem conhecido pessoalmente nem se terem correspondido sob forma epistolar embora se saiba que Philéas Lebesgue relacionou-se com Bernardino Machado, o último presidente da Primeira República que viria a ser, em 1929, sogro de Aquilino Ribeiro. O filho do escritor, Aquilino Ribeiro Machado, quando soube que um dos temas deste livro versava sobre Philéas Lebesgue e a atenção que dedicou durante quase quarenta anos à obra de seu pai, espontaneamente informou-me que a afirmação, melhor dizendo, a suposição de Françoise Massa não era exacta. Escreve-me: Philéas Lebesgue foi um amigo e conviva de meu avô Bernardino Machado a quando do seu exílio em França. Meu pai, que também o conheceu, guardava dele as melhores referências. No espólio de meu pai e de meu avô havia vária correspondência e na biblioteca da Soutosa também constavam alguns dos seus livros. Não tenho qualquer dúvida em aceitar como decisivo o testemunho directo de Aquilino Ribeiro Machado que diverge frontalmente da versão que explanei acima e concluo que Françoise Massa em tal matéria foi induzida em erro, de resto sem grande importância, ficando demonstrado que o escritor e o crítico se conheceram e cultivaram relações de cordialidade e apreço mútuo. A outra fonte, não menos importante quer pela informação contida no prefácio da autoria de Jean-Michel Massa – que alguma relação de parentesco deve ter com Françoise Massa, a julgar pelo apelido comum não muito vulgar – quer sobretudo pela transcrição íntegra de todas as crónicas que, entre 1896 e 1951, Philéas Lebesgue regularmente publicou na prestigiada revista simbolista versando temas relativos à arte e à literatura portuguesas sob o título genérico de Lettres Portugaises com persistente e entusiástica atenção ao longo dos anos ao nome e à obra de Aquilino Ribeiro que, já em 1913 com a publicação do seu primeiro livro Jardim das Tormentas, considerou como

glória nascente da literatura pátria, foi o estudo Portugal no Mercure de France de Madalena Carretero Cruz e Liberto Cruz, publicado em livro por Roma Editora em 2007. Esta obra, contendo todas as crónicas vindas a lume no Mercure de France da lavra de Philéas Lebesgue entre 1896 e 1951 – com interregno durante os anos da II Grande Guerra em que a publicação foi interrompida para reaparecer em 1947 – na tradução e coordenação dos referidos autores e no que contendem com as artes portuguesas e de modo particular com Aquilino Ribeiro, foram-me de extrema utilidade já pelo rigor da versão já por me terem poupado a recolha e selecção naturalmente trabalhosas desses textos. Aqui lhes deixo o preito efusivo da minha gratidão e a devida vénia por me ter servido da tradução daqueles autores de muitos fragmentos da crítica às obras do mestre prosador da língua portuguesa que o cronista e literato francês tanto aplaudiu e divulgou nos seus escritos acompanhando devotadamente quase toda a carreira literária do nosso maior escritor do século XX. Aqui ficam exarados os nomes e as fontes onde fui colher os elementos para a elaboração deste capítulo com a advertência de que se indicará a proveniência concreta sempre que se façam citações ipsis verbis as quais irão em itálico. Quem foi este Philéas Lebesgue nascido aos 26 de Novembro de 1869 – mais velho dezasseis anos que Aquilino – na vilória rusticana de La Neuville-Vault, ali muito perto da cidade de Beauvais, departamento de Oise, da qual foi maire durante quase quarenta anos e que distava apenas uns cinquenta quilómetros de Paris? Residiu nessa pequena povoação até ao dia 11 de Outubro de 1958, data em que a morte lhe bateu à porta impedindo-o de cumprir noventa anos daí a umas poucas de semanas. Seus pais, agricultores relativamente abastados donos duma propriedade que exploravam directamente e que lhes proporcionava meios de subsistência bem desafogada, mandaram Philéas Lebesgue estudar como aluno interno num colégio de Beauvais mas uma grave doença contraída pelos dezasseis anos de idade forçou-o a regressar à casa paterna e a permanecer acamado durante quase um ano o que provocou a interrupção dos seus estudos académicos. O pai, apesar da condição de agricultor, possuía uma boa biblioteca – coisa rara no meio rural – e o jovem Philéas


aproveitou a imobilização forçada para a devorar por inteiro. Dotado dum extraordinário talento para a aprendizagem de línguas, nesse período aprendeu com uma criada natural da Bretanha a falar e a escrever fluentemente o bretão, língua de origem céltica que foi determinante na paixão por certas actividades que desenvolveu como adulto. Mais tarde frequentou a Sorbonne mas, não concluindo a licenciatura, foi-lhe denegado o acesso ao exercício da profissão de professor a que se candidatou e pese embora a reconhecida competência de homem de enciclopédico saber. Além de várias línguas mortas como o latim, o sânscrito, o grego, o francês e o provençal antigos, aprendeu por si próprio mais dezasseis idiomas – noutra fonte referem mais de duas dezenas – entre as quais o português, galego, castelhano, grego moderno, inglês, norueguês, dinamarquês, alemão, italiano, polaco, checo, romeno, russo e servo-croata para referir apenas algumas. Apesar de existirem excelentes traduções para o francês de Os Lusíadas como as de Fernando de Azevedo de 1877 e de Millié de 1825, fez questão de ler o maior poema épico da humanidade na sua versão original e daí ter aprendido o português que passou a dominar na perfeição traduzindo diversas obras dos nossos mais importantes autores para francês com o intuito de divulgar a nossa literatura no seu país com destaque para os poetas simbolistas da época. Como detestava ler obras traduzidas, dedicou-se a aprender, praticamente por si só e sem qualquer ajuda, essa quase vintena de línguas europeias o que lhe permitiu ler no original e conhecer na perfeição quanto foi escrito com alguma importância nas literaturas europeias e do mundo em geral dessa época. A partir de 1896, não deixando de residir na sua casa de La Neuville-Vault e de dirigir a exploração agrícola herdada de seus pais que lhe proporcionava rédito bastante para viver com certo conforto, passou a colaborar regularmente, como cronista, na conhecida e prestigiada revista Mercure de France que ao tempo era a publicação literária mais lida no país de origem e mesmo em todo o mundo por ser o principal veículo divulgador da cultura francesa e do novo movimento artístico de vanguarda conhecido pelo nome de simbolismo. Esta colaboração estendeu-se até ao início da segunda guerra mundial dando à estampa uma média de quatro crónicas por ano. Depois da guerra, a revista regressou às bancas embora perdendo a preponderância que tivera no

período que medeia entre os últimos anos do século XIX e os anos trinta do século passado. Philéas Lebesgue, já com quase oitenta anos, reduziu a colaboração a uma crónica anual até 1951, altura em que a saúde debilitada lhe impediu de vez a continuação do labor literário. Apesar de viver da terra e da actividade de agricultor na sua propriedade, fazia questão de se considerar un homme de lettres, profissão que mandou averbar no seu passaporte quando teve de se deslocar ao País de Gales. A obra escrita que deixou assombra não só pela fecundidade e pela qualidade mas sobretudo pela multiplicidade dos temas e matérias que abordou. Como poeta – alguns chamaram-lhe le Virgil picard devido ao gosto de toda a vida em trazer para os seus versos a rusticidade dos campos e do labor agrícola – terá produzido à volta de 1.600 poemas publicados em vários livros ao longo de mais de sessenta anos de actividade literária e dos quais 800 foram reunidos numa colectânea antológica. A juntar à obra de poeta, escreveu e publicou dezoito romances, peças teatrais e livros de contos, mais de uma dúzia de ensaios sobre história e filologia além de numerosas traduções para francês de obras de autores importantes na sua época provenientes de literaturas tão diversificadas como as da Escandinávia ou de Portugal e Galiza, das Caraíbas ou do Brasil no que se pode considerar um precursor na descoberta do tropicalismo na obra literária. Além da extensa produção bibliográfica, teve este homem de talentos múltiplos facetas que apaixonam quem hoje procura devassar as diversas actividades a que se dedicou ao longo de mais de setenta anos. Além de, antes de finais do século XIX, ter aderido entusiasticamente às novas correntes estéticas de que o simbolismo era a avant garde na poesia, dedicou-se ao estudo do esoterismo e, nos seus ensaios, apaixonou-se pela história e pela tradição céltica a que aderiu e nas quais se embrenhou profundamente. É curioso comparar como no presente proliferam as preocupações ecologistas e ambientais – embora com prática tão deficiente que a Terra, nossa comum e única casa, por causa da produção das incomensuráveis inutilidades que os senhores do mundo nos impingem e com as quais enriquecem sem freio nem limite, nalgumas décadas está sujeita a ir a la gran puta, para usar o colorido palavreado dum anarquista catalão – que têm íntima relação com as crenças druídicas da interdependência da vida do ser humano com a natureza

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já que as invocações e as celebrações célticas de carácter religioso tinham como cenário as densas florestas sob a copa majestosa de árvores como os castanheiros e os carvalhos de grande porte. Foi por causa das suas convicções druídicas que visitou o País de Gales e fez parte da Celtic League fundada pelo poeta Robert Pelletier. Recebeu o prémio literário Moreas em 1929 pela colectânea de poemas a que deu o título Omens tendo sido também distinguido pela Academia Goncourt com a atribuição do Legacy Geoffroy-Longchamp em 1939, além de outros prémios e galardões menores. Foi agraciado em 1925 com o grau de cavaleiro da Legião de Honra francesa e, em 1953, promovido a oficial. Em 1928 alcançou a honraria maior do culto da tradição celta ao ser-lhe conferida a dignidade de Druid of Honor. Correspondeu-se, ao longo de toda a vida, com as mais importantes figuras do mundo das artes e das letras como Georges Duhamel, o modernista Marinetti, Ezra Pound, Mauriac, Eugénio de Castro e muitos outros nomes de relevo. Escreveu em mais de duzentas e trinta revistas de todo o mundo, das quais algumas portuguesas como a Arte dirigida pelo poeta de Coimbra Eugénio de Castro, Águia, Atlântida, O Instituto, O Mundo, Prometeu e Seara Nova. Na sua paixão de toda a vida pelo culto druídico dos celtas amou como poucos Portugal e a Galiza cujos povos fazia questão de considerar diferentes das outras populações da Península Ibérica em vista das características desiguais embora resultantes do mesmo fenómeno da romanização. Mas esta influência de Roma estaria temperada no primeiro caso pelo caldeamento com o sangue celta e, no resto da península, pelo sangue árabe. Retratado nalgumas fotografias, vê-se que era homem de pequena estatura, já pelo aspecto, já por outra fonte lhe atribuir 1,63 metros de altura. Apesar das fotografias se reportarem a uma fase avançada da sua existência, o corpo um pouco entroncado, a cabeleira, bigode e pêra fartos mas já brancos de neve e um tanto desgrenhados, o seu vulto fez-me lembrar uma mistura de Vítor Hugo e Einstein. Vejo-o a trabalhar na sua pequena máquina de escrever que só pode obter em 1930 – talvez uma daquelas Remington velhinhas que há poucas décadas se viam pelos cartórios e repartições públicas em Portugal – no meio de papelada, de livros e de outros trastes amontoados na mais indescritível barafunda mas da qual adivinhamos que se evola o perfume

do amor ao saber e à cultura. Este homem, cuja vida é raro exemplo de desprendimento dos bens materiais deste mundo, traz-me à lembrança que bem poderia ter sido um daqueles estudiosos e sabedores franciscanos mendicantes que procuram o seu Deus nas altas obras do entendimento, para citar uma frase de Aquilino Ribeiro. Deram-lhe o nome de Philéas, não para homenagear o geógrafo grego da era de ouro de Péricles a quem foi dado igual nome, mas sim porque o dia em que veio ao mundo era consagrado ao santo cristão que conheceu o sacrifício do martírio quando os destinos do Império Romano eram regidos por Diocleciano. Isto é, pela mesma razão que o consagrado escritor português, que admirou profundamente, na pia baptismal foi crismado com o nome de Aquilino. Desde muito novo, a bem dizer logo que se dedicou ao trabalho de descoberta e estudo de outras literaturas e a par com a criação da sua obra, que Philéas Lebesgue se revelou um lusófilo apaixonado pela cultura portuguesa, facto raro nas letras francesas. Durante todo o século XIX só encontramos em Ferdinand Denis (1798-1890) caso semelhante de interesse e devoção por Portugal em tudo que trata respeitante ao conhecimento profundo da nossa arte e dos seus criadores, segundo a opinião que Jean-Michel Massa expressa no prefácio que escreveu para a citada obra Portugal no Mercure de France. Refere este autor que Lebesgue escreveu para cima de um milhar de páginas sobre autores portugueses nas suas cerca de 150 crónicas dadas à estampa naquela revista, seguramente na época a mais importante publicação literária em língua francesa lida em todo o mundo civilizado. Este intenso labor desenvolvido durante mais de cinquenta anos em prol das coisas portuguesas foi reconhecido e justamente apreciado quando, por três vezes, visitou o nosso país. A primeira ocorreu em 1911 por convite de Teófilo Braga, que então exercia o cargo de presidente da República, e a segunda aconteceu em 1923 por iniciativa do também na época presidente da República Bernardino Machado tendo em ambas recebido honras apenas concedidas às visitas de chefes de Estado. Até por este último facto se alcança que Bernardino Machado e o lusófilo ilustre iniciaram então o seu relacionamento sendo pois natural que o mantivessem e


até aprofundassem quando Bernardino Machado se exilou em França a partir da instauração da ditadura em 1926. E que, de igual modo, essas relações de convívio e de estima também incluíssem Aquilino Ribeiro cujas obras Lebesgue acompanhava desde o lançamento do Jardim das Tormentas em 1913 e o seu autor se casou em Paris (1929) com a filha do antigo presidente da República. Por este encadear de factos mais se confirma e se torna evidente a justeza da opinião de Aquilino Ribeiro Machado, filho do escritor, de que o pai entreteve relações e apreciava o cronista do Mercure de France, ao contrário da opinião expressa por Françoise Massa com base em argumentos circunstanciais. Nas 150 crónicas que, desde 1896 ate 1951, Philéas Lebesgue publicou sob o título Lettres Portugaises na referida revista literária, porta-voz do movimento simbolista, praticamente não há autor português em tão longo período que não tenha aí uma ou mais referências bem como outros nomes grandes da nossa literatura de épocas passadas. Bastará passar os olhos por esses escritos para se adquirir a convicção de que ao autor francês não era estranho nenhum autor português desde que a língua pátria foi utilizada como instrumento de expressão literária. E até nem é raro que muitos desses autores que Lebesgue refere – e de que certamente leu as obras na versão original – sejam hoje nomes caídos no esquecimento completo e só conhecidos no restrito círculo dos especialistas na matéria. Se prova fosse necessária que demonstrasse o seu faro literário para saber quando estava perante alguém que iria ser de essencial importância nas letras do nosso país – para além de Aquilino Ribeiro cujo exemplo mais à frente será objecto de comentário alargado – basta dizer que já em 1913 Lebesgue fez a primeira referência altamente elogiosa a Fernando Pessoa, época em que o poeta genial era pouco mais que um simples desconhecido em Portugal! Permita-me o leitor a franqueza que admito de boa mente ser controversa: não considerando o caso dos prosadores, onde não tenho dúvidas em colocar no topo do supedâneo do altar das letras pátrias Camilo Castelo Branco e Aquilino Ribeiro, de igual modo considero que na poesia esse lugar cimeiro pertence de direito próprio a Fernando Pessoa. Perguntarão: e Camões? Não questiono o génio de quem legou à humanidade a sua maior obra em poesia épica mas tenho de considerar que, sendo a obra prima que todos

reconhecem, abarca a gesta do homem português numa dada época – a época de Quinhentos – em torno das descobertas que deslocaram os horizontes e as fronteiras do mundo então conhecido. Mas tenho para mim que é na poesia de Fernando Pessoa que encontramos o olhar completo e global sobre a alma portuguesa sedimentada e estratificada pelo decurso dos séculos. Sendo cartografia fiel dos caminhos do mundo por onde viajamos e das desvairadas partes do sentimento que percorremos até encontrarmos o retrato reflectido no espelho daquilo que hoje somos, não é menos bússola que nos mostra os sinais do futuro que nos espera. Philéas Lebesgue, referindo-se por primeira vez a Fernando Pessoa há quase cem anos como poeta ímpar – que colocou ao lado de Walt Whitmann, o poeta irmão de Pessoa que este tantas vezes invocou – teve a presciência do seu transcendente valor na poesia moderna e, nas suas crónicas, volta a chamar pelo seu nome nada menos que por outras dezassete vezes! O estudioso autor francês, além de numerosas traduções que fez de poemas e textos de autores portugueses, publicou dois ensaios sobre temas da literatura e da actualidade política do nosso país: Portugal Littéraire d’Aujourd´hui (1904, 68 páginas) e A República Portuguesa (1914, 387 páginas) que relata as suas impressões após a primeira visita ao nosso país em 1911. É curioso referir que Lebesgue entrou para a revista Mercure de France, templo do simbolismo então dirigida por Alfred Vallette, pela mão do poeta simbolista português Eugénio de Castro que o apresenta ao director e o introduz no meio do movimento simbolista, então a vanguarda da poesia europeia. Ao terminar a sua primeira visita a Portugal conheceu no porto de Leixões o grande poeta Teixeira de Pascoais, a Águia do Marão, cuja obra passou a admirar e repetidamente enalteceu nos seus escritos o mesmo sucedendo com Afonso Lopes Vieira e o seu poema Amadis de Gaula que o tocou vivamente e que verteu para francês. Proferiu em 1936 uma conferência sobre o tema que foi publicada sob o título La Matiére de Bretagne et l’Amadis de Gaule e tendo chegado a afirmar que o lirismo lusitano messianista – a que Pessoa também não se mostrou imune – fizera com que o mito do sebastianismo português se tivesse apoderado da ideia republicana, como refere Jean-Michel Massa.

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Traduziu a Cartilha Maternal de João de Deus sob o título ABC Maternel cujo método de ensino em vão quis introduzir em França quando em Portugal o filho do poeta pedagogo, João de Deus Ramos, era ministro da Instrução. Conheceu e, na maior parte dos casos, traduziu parte da obra de escritores de que brevemente cito Afonso Lopes Vieira, João de Barros, Eugénio de Castro, Fialho de Almeida, José Régio, Mário de Sá Carneiro, Ferreira de Castro e sem esquecer alguns escritos de três presidentes da República Portuguesa: Teófilo Braga, Manuel Teixeira Gomes e Bernardino Machado. Diz Jean-Michel Massa no prefácio à obra citada de Madalena e Liberto Cruz que não há dedicatórias de Fernando Pessoa. Aquilino envia ou manda enviar os seus livros mas também sem dedicatórias. As de Teixeira de Pascoais são [....] cheias de afecto. Até Eugénio de Castro, o austero e distante poeta coimbrão, é caloroso ao subscrever-se como velho admirador e amigo. O espólio que compõe a biblioteca pessoal que deixou é formado por vários milhares de livros dentre os quais, não se considerando as obras francesas, os autores portugueses ocupam o primeiro lugar. Jean-Michel Massa considera o acervo um património lusitano de um valor inestimável. Tudo o que deixou – manuscritos, originais, livros, correspondência e objectos pessoais – encontra-se na sua residência de sempre em La Neuville-Vault que funciona como espécie de museu que recorda o seu nome e está à guarda da Societé des Amis de Philéas Lebesgue que edita um boletim com trabalhos de estudiosos da sua obra procurando manter viva a sua memória. A Mercure de France, à qual esteve tão intimamente ligado toda a vida, foi o templo sagrado e pólo de atracção universal do que se pode considerar, no dizer de Teresa Rita Lopes, como uma espécie de Internacional Simbolista. A revista literária foi um dos amores deste lusófilo apaixonado por Portugal, pela língua portuguesa e pelos artistas que a utilizavam como ferramenta literária. O seu outro amor recaiu no culto da tradição céltica de que foi devoto e ilustre sacerdote tendo adoptado – como era hábito dos nossos religiosos ao longo de séculos quando se dispunham a abandonar o prazer mundano para professar numa ordem monástica – o mais que arrevesado e impronunciável dos nomes druidas: Ab’Gwench’hlan. Para que vejam! Vamos agora à parte que mais nos interessa e que

motivou que dedicássemos um capítulo a Philéas Lebesgue: o acompanhamento que fez, ao longo de quase quarenta anos, da obra de Mestre Aquilino e dos comentários que escreveu nas regulares crónicas que deu a lume no Mercure de France e que respigamos, como já antes havíamos deixado a advertência, na obra citada de Madalena Carretero Cruz e Liberto Cruz. Sendo um leitor entusiasta de Aquilino Ribeiro e um crítico apaixonado embora perspicaz da sua obra – com várias traduções de outros escritores portugueses, sobretudo poetas – ao cronista francês não se lhe conhece qualquer tradução de textos do mestre da língua embora desde cedo lhe reconhecesse esse lugar cimeiro nas nossas letras e chegasse a referenciá-lo como o primeiro nome do romance peninsular. Talvez não andemos longe da verdade ao supor que Lebesgue, conhecendo perfeitamente o português literário, receasse que traduzir o vernáculo da língua tão esplendorosamente trabalhada pelo escritor era correr grave risco de diminuir a intrínseca e ímpar valia que a sua versão noutro idioma implicava dada a quase impossibilidade de se encontrar correspondência perfeita. Contudo Lebesgue acalentou durante muito tempo o projecto de traduzir, em colaboração com o seu amigo Manuel Gahisto, a obra-prima A Via Sinuosa mas terá esbarrado nas reticências e finalmente na negativa da editora Edition Française Illustrée que considerou o livro demasiado elaborado e difícil para o leitor francês comum. Enfim, estas coisas, cá como lá, não são tão diferentes como o nível cultural de ambos os países poderia fazer supor! Como adverte Françoise Massa, qualquer autor de uma cultura periférica como era então – e ainda é actualmente – a cultura portuguesa, mesmo que se trate de um autêntico génio como é o caso de Aquilino Ribeiro, se não for traduzido numa língua de conhecimento universal como a francesa era nessa época, não existe ou só existe para escassas dúzias de especialistas. E convém lembrar que, até à morte de Philéas Lebesgue, apenas uma obra do escritor, Uma Luz ao Longe se não erro, fora vertida para essa língua. Mais recentemente outras foram traduzidas como O Malhadinhas, Quando os Lobos Uivam, O Homem que Matou o Diabo, A Casa Grande de Romarigães (por Michelle Giudicelli sob o título Le Domaine) e mais duas ou três. Contudo não sofre contestação que é tarefa de realização


quase impossível levar ao conhecimento, ainda que limitado, do público culto do vasto mundo se o autor se não exprimir, ao menos nos dias que correm, em inglês. Se tiver tido a sorte de haver nascido em tão auspiciosas palhas falantes, bastará que borre papel com uma ínfima partícula de talento para usufruir de tiragens com que encher os alforges até à boca e engordar o património com as riquezas de um Cresus para admiração dos desafortunados génios desta pategónia que persistem no desígnio assombroso de escrever literatura que possa perdurar. Ainda assim, no tempo em que Aquilino viveu e no caso improvável da fada da boa fortuna sorrir a um artista, outro remédio não tinha senão fazer voto de abstinência conformando-se em abancar à mesa com os seus para comer o carapau com que antigamente os gatos se regalavam e agora, como tudo mais, anda pelas horas da morte enquanto se dedicava a congeminar a obra cuja importância seria talvez mais tarde reconhecida quando o reconhecimento já não lhe servisse para nada. O resto das delícias deste mundo está reservado, por direito natural, para os senhores mestres de outras obras e para os accionistas das sociedades de especulação financeira que, quando recolhem à cama para repousar a cabeça na sumaúma da almofada, descansam a noite de enfiada no sono dos justos, tão tranquilo e imperturbável que dir-se-ia ser já o sono da bem-aventurança. A primeira vez que Lebesgue se refere a Aquilino Ribeiro é no final da crónica de Junho de 1913 onde – como se tornará habitual nas crónicas seguintes – consigna os livros portugueses recebidos e anuncia que serão analisados no próximo número da revista, o que acontece em relação aos contos do Jardim das Tormentas acabado de publicar pela editora do velho Aillaud em impressão realizada em Paris. Na palavra do cronista quem quer que tenha lido os doze contos de Jardim das Tormentas de Aquilino Ribeiro não poderá contestar ao seu autor a qualidade de escritor fora do comum. Provido de maravilhosas faculdades de análise, Aquilino Ribeiro distingue-se a fazer surgir as almas através de gestos que, com a ligeireza colorida do seu estilo, traduz sem esforço nas mais subtis diferenças. A tudo isto, com a ironia delicada de um Eça, ele junta a fineza espiritual de um Anatole France e dá-nos as páginas agradáveis de A Catedral de Córdova e de A Inversão

Sentimental que parecem ter sido pensadas em francês. E noutros contos o dote de penetração psicológica levam o crítico a evocar Dostoievsky. Aquilino Ribeiro é antes de mais um pintor e pode-se esperar dele que nos dê um dia um comovente quadro da vida portuguesa. Na crónica de Junho de 1918 aponta brevemente a propósito de A Via Sinuosa que muitos anos mais tarde desejará traduzir mas o projecto abortará por falta de editor interessado na publicação da obra genial: o novo romance de Aquilino, A Via Sinuosa, beneficia de um franco sucesso. Pela sua contextura, ao mesmo tempo psicológica e simbólica, pela maneira comovente como o autor junta as figuras à paisagem regional, parece chamado a marcar uma data e mais tarde será analisado pormenorizadamente. Não se enganou Lebesgue porque hoje já não há dúvida de que A Via Sinuosa constituiu o marco miliário que assinalou o regresso da língua às matrizes mais puras do português vernáculo que Aquilino teve o talento de recuperar das obras dos clássicos e da oralidade expressiva e autêntica do falar do povo. No Mercure de France publicado em Julho de 1919 aparece nótula breve sobre a mais recente obra do escritor – Terras do Demo – afirmando que Aquilino Ribeiro preparase para conquistar no romance um dos primeiros lugares. É excelente a pintar ao mesmo tempo os rostos, as almas e as coisas e as suas Terras do Demo abundam em imagens vigorosas e em figuras fortemente desenhadas. E promete voltar a falar com mais tempo deste escritor fora do comum. Fá-lo logo a seguir de forma extensa na crónica de Outubro de 1919 quando procede à análise notável e sagaz de A Via Sinuosa: É o que acaba de demonstrar precisamente a obra reveladora de Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, onde toda a anarquia mental do Portugal contemporâneo se encarna nas atractivas figuras engenhosamente tiradas da realidade mais directa, e essas figuras tomam um relevo tanto mais impressionante quanto elas se envolvem no seio duma paisagem estreitamente jungida à sua alma. E continua empolgado pelo talento do então jovem escritor: Tanto como Camilo de que tem a penetração psicológica, tanto como Eça de Queirós de que exibe a força da sugestão e do estilo, Aquilino Ribeiro afirma-se criador de tipos. Sem atentar à verdade das suas atitudes, distingue-se a arrastá-las até ao símbolo e nisso talvez ultrapasse Anatole France.

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Esclareça-se para medir o alcance da apreciação que Aquilino, tendo ao longo de toda a vida procurado sem descanso a originalidade na sua obra, – eu, apenas eu, inteiriço como um bárbaro!, afirmou algures e também poderia ser o mote do seu ex-libris – reconhecia de bom grado que Camilo e Anatole tinham sido os autores que mais contribuíram para a sua formação literária e por quem nutria a mais profunda admiração. Ao comparar Aquilino com os dois mestres Lebesgue dá-nos a noção justa do valor superlativo do elogio. Mas quanto ao romance A Via Sinuosa não se fica por aqui pois, atribuindo à personagem de Libório Barradas a identidade do próprio autor, opinião com a qual não poderia estar mais de acordo e que já expressei repetidamente noutros locais, o romancista encarna o Portugal de hoje, ansioso por criar, mas que sofre de um certo defeito de princípios aos quais se possa entregar com todo o fervor. O drama angustiante que se desenrola na alma de Libório é o de todo um povo: é o drama da hesitação. Estava-se exactamente a meio do período de tempo que durou a primeira República e o espantalho fantasmático do sidonismo ditatorial espreitava às portas do país. A segunda parte desta crónica – talvez a mais importante que sobre Aquilino o crítico francês escreveu – é dedicada à prometida análise das Terras do Demo. Transcreve-se: Aquilino Ribeiro possui a qualidade suprema: sabe ver e daí procede o dom do estilo que nele é de forte seiva. O último romance, Terras do Demo, mostra-nos que o melhor do seu talento é feito do amor que ele presta aos assuntos que trata. Assim, através dos gestos e das atitudes, aparece-nos a alma e essa alma tem a cor da paisagem. Nunca os serranos, nunca os camponeses que passam a sua dura vida entre giestas e pinheiros, tinham sido pintados em Portugal com esta verdade e sabemos agora de que recursos é capaz esse velho solo rochoso que tem às vezes qualquer coisa de bretão, ao menos nos sentimentos que suscita. É para o amor ao solo, por limitadas que pareçam essas manifestações entre a gente simples, que será sempre preciso recuar cada vez que se queira estabelecer as bases de uma sociedade viável. Por mim, tenho como certo que a análise não podia ser mais exacta e fiel ao mergulhar até ao cerne mais recôndito e íntimo da alma do escritor, traçando o retrato psicológico e definindo o perfil do homem que foi Aquilino Ribeiro. Na crónica de Abril de 1922, dando notícia do aparecimento da revista Seara Nova e dos seus fundadores dá a Aquilino o

título de príncipe dos prosadores da nova geração. Na crítica publicada em Outubro de 1922 brevemente refere-se a Filhas de Babilónia: Aquilino Ribeiro afirma a sua maestria tanto na novela como no romance e as suas Filhas de Babilónia estão plenas de liberdade, de vida e de humor. Damos agora um salto até ao número do Mercure de France saído em Outubro de 1926, ano da instauração da ditadura por via de golpe militar, só por conter uma breve referência à Estrada de Santiago e ao ensaio literário de Correia da Costa intitulado Eça, Fialho e Aquilino. No artigo de Fevereiro de 1931, anunciando a apresentação próxima da crítica ao romance O Homem Que Matou o Diabo, consigna esta análise genérica dos trabalhos até então produzidos pelo escritor: Aquilino Ribeiro, por constante esforço de afinamento dos seus dons naturais, está prestes a conquistar, entre os romancistas do seu país, o primeiro lugar. Pintor de quadros rústicos e de figuras originais, a sua arte oscila entre Nuno Gonçalves e Goya: ele é rico de vida e de cor e a vibrante luz do céu português irisase à volta das palavras artisticamente escolhidas para fazer valer tanto a semelhança de atitudes como as diferenças da alma. Expressivo, mais que curioso, de efeitos dramáticos, um certo humor não o desgosta e adivinha-se facilmente o seu parentesco com os espanhóis Quevedo e Valle-Inclán. Em Novembro de 1931, na crónica sobre o romance O Homem Que Matou o Diabo, tece os mais rasgados elogios à obra que o escritor acabara de publicar e volta de novo a referir a tónica ibérica quer no que é comum, quer no que é original no trabalho de Aquilino: Tudo o que há de amor e beleza, quer dizer, de cultura no género propriamente português, se exprime na arte de Aquilino Ribeiro que se classifica hoje à cabeça dos romancistas da Península e que, aliás, não tem receio de afirmar o estreito parentesco das duas grandes nações ibéricas. Os dois povos não tiveram, para retomar uma frase do escritor,” igual berço de lenda e aventura”? E continua a penetrante análise: “O Homem Que Matou o diabo” é bem, como ele quis, uma obra de brancura e claridade límpida. Foi, diz ele, guiado na sua excursão psicológica através de Espanha e Portugal pela sombra de Quevedo. Excursão de simpatia ardente, de onde a aspereza castelhana está ausente, mas se pode encontrar qualquer coisa da graça do Valle Inclán de “Flor de Santidade” e que pelas diferenças de alma notadas com minúcia e amor evoca o Thomas Mann de A Montanha Mágica.


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Dois grandes vultos da Literatura que a Filatelia e a Marcofilia juntaram fratenalmente: Aquilino e Pessoa.

E Philéas Lebesgue conclui a crítica perspicaz: Através da alma de um artista, onde se exasperam todas as singularidades hereditárias da raça, nós vemos melhor tudo o que separa a Ibéria romântica em gestos que demonstram a modernidade fervorosa e realista. O Homem Que Matou o Diabo tem o estilo de uma obra-prima. É que o seu autor evolui para a simplicidade que é a forma mais preciosa da profundidade. A longa e minuciosa crónica que Lebesgue escreveu para o Mercure de France em Fevereiro de 1931 é, em boa parte, dedicada a Aquilino Ribeiro. Aborda nada menos que as obras É a Guerra, Batalha Sem Fim, Maria Benigna e As Três Mulheres de Sansão. Em resumo breve, podemos dizer que em É a Guerra – e a outra face do primeiro conflito mundial retratado em Alemanha Ensanguentada – referindo os nacionalismos jactanciosos,

faz uma curiosa reunião de impressões revistas em Paris, por 1914, aquando do deflagrar do grande conflito europeu, pelo mestre escritor que é Aquilino Ribeiro e vale a pena ser longamente meditada. É a guerra! É uma obra de franqueza e, se pode engendrar entre nós um ligeiro sobressalto, foi porque o autor se põe no lugar e num ponto de vista europeu, todo de imparcialidade. Aquilino Ribeiro diz as coisas como ele as sente e tal como as vê. Ele gosta da França mas sem desprezar a Alemanha. Em suma, o seu livro é uma obra de boa fé, de estilista eminente e dum observador sagaz. A propósito da obra A Batalha Sem fim, na qual mestre Aquilino pela primeira vez se afasta da comparsaria humana habitual que são sempre os seus serranos e, mais raramente, as personagens da cosmopolita, embora à escala portuguesa, pataqueira burguesia lisboeta, já que nesse romance os seus


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figurantes são homens e mulheres que vivem do mar na leiriense praia de pescadores do Pedrógão, aqui fica um resumo da apreciação de Lebesgue: é num sentimento análogo que Aquilino escreveu, em honra das gentes da costa portuguesa, dos párias do mar, um dos seus romances mais investigados, mais minuciosamente observados, almas e gestos: a batalha sem fim. Aos pobres, aos deserdados, é necessária uma fé, uma ilusão, uma loucura à qual eles se possam entregar de corpo e alma. É-lhes necessário procurar um tesouro que eles não descobrirão jamais, uma promessa de paraíso. Continua lucidamente o magnífico cronista francês: Não nos admiremos. Esses sonhos têm o seu lugar na pátria portuguesa “sem riqueza, retrógrada, sujeita à sua vocação marítima, desiludida do esforço útil e sempre sebastianista”, nas palavras do próprio escritor que faz a avaliação do carácter do povo português: “A dor, a servidão do pobre, a preguiça do religioso, a tontice do fidalgo é o seu limo onde mergulham as cepas.” E fazendo a apreciação do romance Maria Benigna: Aquilino Ribeiro classifica-se hoje à cabeça dos contistas e romancistas da sua geração. A flexibilidade do seu talento é extrema e diversifica-se a cada nova obra. Maria Benigna é um elegante estudo de psicologia amorosa, sob a forma de dupla confissão, onde o escritor nos dá o segredo de uma alma de artista ávida de experiências intelectuais em luta com a sedução de um moderno insatisfeito. Em nenhuma outra obra Aquilino Ribeiro se manifestou observador mais subtil e encantador mais arrebatado. O romancista é exímio a esculpir na carne viva inquietantes e frementes figuras de mulheres. No final desta crónica deixa umas palavras sobre a novela As Três Mulheres de Sansão: Com uma arte que teria encantado Mérimée, dando-lhe um gosto de actualidade surpreendente, dá seguimento a uma narrativa muito moderna temperada com humor e que se parece muito com “Maria Benigna”. É sempre com muito gosto que se encontra Aquilino, o autor de “Filhas de Babilónia”. Na crónica de Novembro de 1935 faz alusão à obra Alemanha Ensanguentada afirmando que o escritor viu com lucidez que tendo ficado esmagada pela desfeita, humilhada pelas condições de paz nos anos que imediatamente se seguiram ao fim da guerra Aquilino não hesita em dizer que a chegada de Hitler é bem a consequência da política cegamente impiedosa seguida pelos Aliados. É bom acentuar que a opinião do genial prosador português, sendo de justeza incontroversa, foi feita em 1935 quando as potências ocidentais que tiveram

de se coligar contra o nazismo não viram ou ignoraram as nuvens prenunciadoras da catástrofe que se iria abater sobre o mundo com a segunda Grande Guerra. No Mercure de France de Março de 1936, Philéas Lebesgue anuncia o livro de novelas Quando ao Gavião Cai a Pena e assinala o estudo de Camilo Branco Chaves Aquilino Ribeiro publicado no nº457 da Seara Nova. No número seguinte da revista – Julho de 1936 – dá-nos algumas pinceladas breves mas ajustadas: voltando a apreciar elogiosamente a argúcia do escritor ao prever os efeitos desastrosos do diktat humilhante imposto à Alemanha pela coligação vencedora da 1ª Guerra Mundial e que foi o caldo de cultura onde os germens do totalitarismo hitleriano se desenvolveram e provocaram certamente a maior catástrofe que a humanidade conheceu, deixa uma breve frase sobre a nova obra do escritor português: uma ponta de humor castelhano talha o pitoresco das figuras que se movem através dos seis excertos intitulados “Quando ao Gavião Cai a Pena” e o melhor de Aquilino Ribeiro está ali. Conclui com uma afirmação que pessoalmente, como admirador de sempre do mestre das letras portuguesas, sou forçado a contragosto a estar de acordo quando Lebesgue pergunta: Mas poderia ele tornar-se um escritor de teatro? E é o próprio cronista quem dá a resposta: Sem dúvida dificilmente pois tudo o que põe na boca das suas personagens é em estilo escrito, não falado. Mais uma vez o clarividente crítico acertou em cheio como o futuro iria demonstrar com as duas únicas experiências dramatúrgicas de Aquilino: Tombo no Inferno e O Manto de Nossa Senhora. Na sua última abordagem à obra do mestre da língua datada de Julho de 1949, já muito enfraquecido pela idade e pela debilidade física, deixa a mensagem do seu devotamento de quase quarenta anos à obra do prosador genial: Com Uma Luz ao Longe, por Aquilino Ribeiro, romance que não ignora nada da vida dos humildes, o romance regional não perdeu prestígio em Portugal. É suficiente para o perfeito cronista […] voltar-se para o seu próprio passado de criança, crescendo na aldeia, e de adolescente submetido às disciplinas do colégio religioso de província, reviver pelo seu pensamento as velhas cerimónias pelas quais se manifesta a fé ingénua dos simples e cujas origens são milenárias, para orquestrar uma narrativa onde a paleta do pintor disputa a magia do verbo. As personagens e as paisagens explicam-se psicologicamente uma pela outra. O encanto deste romance leva alto e longe.


Depois de ter aqui exarado o que Philéas Lebesgue disse de Aquilino Ribeiro e da importância da sua obra, caberá perguntar: qual o resultado da persistência do cronista do Mercure de France divulgando o nome do escritor português ao leitor culto do seu país durante perto de quatro décadas? Tenho para mim que o trabalho de porfia apaixonada que o crítico desenvolveu não encontrou eco suficiente e teve infelizmente mais que escassa ressonância. Diz Françoise Massa que Aquilino Ribeiro encontrou em Philéas Lebesgue um admirador fiel e um analista consciencioso. É certo mas terá de se lamentar a falta de correspondência entre o esforço e o resultado obtido embora esteja seguro que em Portugal, e nos dias que correm, o amante da obra do maior prosador que a língua portuguesa já teve sentir-se-á orgulhoso lendo o preito de homenagem dum homem que na sua época foi alguém na cultura francesa e escreveu as páginas que ficaram espalhadas pela importante revista literária simbolista incensando os seus livros. Lamenta Françoise Massa que, apesar do proselitismo dedicado de Lebesgue, o nosso escritor ainda não tenha encontrado o lugar a que tem direito entre os autores estrangeiros que os franceses lêem. E cita as palavras tranquilas com que Aquilino serenamente respondeu, em 1935, a um jornalista francês: Desejo que a minha obra passe as fronteiras mas não estou impaciente. Isso sucederá se eu o merecer. Não é o espírito penetrante por natureza? O meu porto de chegada será a França, a terra prometida para os escritores doutros países. Conclui a ensaísta, no texto que vimos citando e que escreveu para comemorar o centenário do nascimento de Aquilino Ribeiro promovido pelo Centro Cultural Português em Paris em 1985, que é tempo de reparar a injustiça já que os méritos da obra do escritor estão demonstrados e a paciência também tem os seus limites. De minha parte, apesar da lonjura no tempo, devo dizer que esta peregrinação pela Picardia levado pela mão do lusófilo ilustre e atento, poeta inspirado a que alguém chamou le Virgil picard certamente pelo amor à terra natal que exprimiu no bucolismo da obra poética – e talvez aí resida a sua grande afinidade com o homem ligado à terra que Aquilino Ribeiro sempre foi – deu-me um prazer tão inefável que sinto sincera mágoa por esta viagem estar perto do fim. Mas, levado no voo da fantasia, dei por mim a passear pelas áleas do jardim da residência campestre de Philéas

Lebesgue na Picardia e fui colhendo uma rosa aqui, um cravo acolá, uma margarida um pouco mais além e até uma camélia de pétalas dobradas, macias como se fossem de veludo, que antigamente era hábito os poetas de rosto macilento e ar tresnoitado colocarem na botoeira da casaca antes de saírem para a ópera ou para os serões literários onde, com a voz roufenha da tísica ou da sífilis, declamavam seus carmes chorando as penas de perdidos amores. De modo que, chegado agora ao fim desta jornada e vendo-me com tão belo braçado de flores, irei – como não! – depositá-lo aos pés de meu mestre Aquilino Ribeiro para lhe enfeitar o mausoléu.

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Philéas Lebesgue (1869-1958)


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Ira Sérgio Almeida*

Coisas que amo: a planura e a sinuosidade, a coragem e o receio indecifrável, o frémito e o recolhimento interior. Mas nunca o intermédio, a balança milimétrica, o ponto de equilíbrio. Para tal, temos Deus, perfeito no acto de distribuir a bonança pelas mentes. Vede a harmonia que jorra dos dias constantes – nem um lamento que seja escapa das acções humanas. O homem, tocado pela graça do medo, ocupa o lugar que sabe pertencer-lhe por desígnio secreto e original. Não ousará contestá-lo, porquanto ouviu da ira divina o suficiente para se manter afastado. Aquietar tantos biliões de seres sem mostrar a face, eis a tarefa digna de um escolhido, dir-me-ão.

* SÉRGIO ALMEIDA nasceu em Luanda no ano de 1975. Reside em Espinho. É autor dos livros “Análise Epistemológica da Treta” (contos), “Armai-vos uns aos outros”, “Como ficar louco e gostar disso” (prosa poética), “Ob-dejectos” (prosa poética). Participou nas antologias de contos “São João do Porto” e “Fora de Jogo”. Coordenou o volume “Poesia de Luiza Neto Jorge Traduzida”. É membro fundador do colectivo de intervenções poéticas Sindicato do Credo. É jornalista do JN.


Dicionário Biográfico de Personalidades Feirenses Francisco de Azevedo Brandão *

MACEDO, Henrique Veiga de (1914-2005). Nasceu em Santa Maria de Lamas, concelho da Feira, a 27 de Abril de 1914. Era filho de Henrique Francisco Macedo e de D. Palmira Alves Ferreira da Veiga. Frequentou o Seminário de Vilar, no Porto, o Colégio de Ermesinde, o Colégio Almeida Garrett e o Liceu D. Manuel II. Durante este período dedicou-se a várias actividades desportivas, nomeadamente nas modalidades de atletismo e futebol, tendo sido campeão de corridas de velocidade e de saltos em comprimento e avançado e capitão da equipa de futebol do «União de Lamas». Licenciouse em Direito pela Universidade de Coimbra em 1939, onde foi também sócio do C.A.D.C. – Centro Académico de Democracia Cristã. Depois de ter cumprido o serviço militar como oficial miliciano no Porto, Lisboa e Lamego ingressou, em 1940, no Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, tendo desempenhado os cargos de Subdelegado na Covilhã e agente do Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho da mesma cidade, transitando depois para a Delegação do Instituto Nacional do Trabalho no Porto. Em 1946 transitou para a Delegação do mesmo Instituto em Braga e foi nomeado

Presidente da Caixa Regional de Abono de Família do mesmo Distrito. Em 1947 voltou ao Porto para chefiar a Delegação do I.N.T.P., onde assumiu também o cargo de Delegado da Federação dos Serviços Médico-Sociais da Previdência, Vice-presidente da Federação da Habitações Económicas, Delegado da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e Membro da Junta Consultiva dos Portos do Douro e Leixões. Entre 1942 e 1949 exerceu também actividade docente nos liceus da Covilhã, Porto e Braga. A 23 de Junho de 1949 foi nomeado Subsecretário da Educação Nacional, onde a sua acção ficou assinalada nos domínios do ensino primário e na educação popular, tendo elaborado o Plano de Educação Popular (Decreto-lei nº.38 968 e Decreto-Lei nº.38 969), promulgados em 27 de Outubro de 1952. Na Assistência escolar, aumentou o número de cantinas e caixas escolares, destinados ao fornecimento gratuito de refeições, de livros e agasalhos aos alunos mais necessitados do ensino primário. De salientar que Veiga de Macedo «deu vida a um novo estilo de actuação governativa, caracterizada pelo dinamismo e pela presença pessoal em toda a parte em que se fazia sentir a necessidade de consolidar e impulsionar a política educativa». A 8 de Julho de 1955 foi nomeado Ministro das Corporações e Previdência Social, onde desenvolveu uma acção notável, nomeadamente com a publicação dos novos Estatutos da Ordem dos Engenheiros (Decreto-Lei nº. 40 774 de 8 de Setembro de 1956), da Ordem dos Médicos (Decreto-Lei nº.

* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, Um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.

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40 651, de 25 de Junho de 1956), o Plano de Formação Social (Lei nº. 2 o85, de 17 de Agosto de 1956) (no qual entraram em funcionamento a Junta de Acção Social, o Centro de Estudos Sociais e Corporativos, o Instituto de Formação Social e a Comissão Coordenadora do Serviço Social de Trabalho), do Estatuto Jurídico das Corporações (Lei nº.2 086, de 17 de Agosto do mesmo ano e com a fundação de centenas Casa do Povo, Sindicatos, Grémios e Federações, através de DecretoLei nº. 41 286, de 23 de Setembro de 1957. Em 1957 funda as primeiras Corporações – a de Lavoura, a da Pesca, a dos Transportes e Turismo e a do Crédito e Seguros. Em 1958 as Corporações da Indústria e do Comércio e em 1959 as da Imprensa e Artes Gráficas e a dos Espectáculos. Ainda em 9 de Abril de 1958 fez aprovar na Assembleia Nacional a sua proposta nº. 2 092 sobre a cooperação das Caixas de Previdência e das Casas do Povo no combate à crise de alojamento, através de empréstimos amortizáveis em 25 anos com juros anuais até ao máximo de 4% para a construção, aquisição e beneficiação de casas em todo o país, o que representou «uma viragem histórica na política habitacional portuguesa». A ele se deveu também a Reforma Geral de Previdência com a criação de uma Caixa Nacional de Pensões e de Caixas Regionais de Previdência e Abono de Família, a instituição do seguro-tuberculose e do seguro-maternidade, a aplicação do princípio da compensação nacional de encargos aos seguros de doença, velhice e invalidez. Constituiu uma Comissão Coordenadora Permanente dos Serviços Médico Sociais, a criação de um Serviço para inquéritos habitacionais e de Comissões de Segurança nas empresas, a inclusão, no esquema de benefícios do segurodoença, do internamento hospitalar para intervenções de cirurgia, etc., instalou novas Colónias de Férias Infantis e de Centros de Férias para trabalhadores e suas famílias, através da acção da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho. No seu mandato foi aprovado, pelo Decreto-Lei nº. 43189, a primeira Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, são remodeladas as Comissões Corporativas e Arbitrais, Decreto-Lei nº. 43 179 que alarga e reforça as atribuições destes órgãos, são revistos pelo Decreto-Lei nº 43 182 diversos preceitos de legislação do trabalho, da protecção ao trabalho feminino e da prevenção de acidentes e doenças profissionais, instituiu-se a Federação das Caixas de Previdência – Obras Sociais, com Estatutos aprovados pela Portaria nº. 17 967, de 23 de Setembro

de 1960, reorganizou o Conselho Superior de Previdência e Habitação, instituiu a Medalha de Mérito Corporativo e do Trabalho, fomentou relações com a Organização Internacional do Trabalho, assinou a Convenção Geral sobre a Segurança Social firmada entre Portugal e a França e iniciou diligências para a celebração de convenções idênticas com outros países como a Espanha, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a República Federal da Alemanha e a Suíça. Deixou o Ministério a 4 de Maio de 1961, regressando aos quadros do funcionalismo a que pertencia, no Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, tendo assumido o cargo de Presidente da Federação das Caixas de Previdência – Obras Sociais e logo depois foi nomeado Director Geral do Trabalho. Como Presidente do Instituto de Obras Sociais integrou a Comissão Interministerial, incumbida de fomentar e coordenar as actividades de protecção social às crianças em idade préescolar. Como deputado da Assembleia Nacional vem mencionado no «Dicionário Biográfico Parlamentar, 1935-1974, vol.II» da direcção de Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto, com verbete assinado por Emundo Alves e que diz o seguinte: «Foi eleito deputado pelo círculo nº11 de Lisboa na VIII Legislatura 81961-1965) e pelo círculo n.º de Aveiro nas IX 81965-1969), X (1969-1973 e XI (1973-1974) Legislaturas. Na Assembleia Nacional ocupou a presidência das Comissões do Trabalho, Previdência e Assistência Social nas VIII e IX Legislaturas e de Educação, Cultura e Interesses Espirituais e Morais nas X e XI Legislaturas. Foi vogal da Comissão de Legislatura e Redacção nas quatro legislaturas e desempenhou funções nas seguintes comissões eventuais: para o estudo da proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português; para o estudo da proposta de lei do Plano Intercalar do Fomento (VIII Legislatura); para o estudo da proposta de lei do III Plano de Fomento (IX Legislatura): para o estudo da proposta de lei sobre liberdade religiosa; para o estudo da proposta de lei e projectos de revisão constitucional; para revisão do Estatuto da Assembleia Nacional (X Legislatura). As sua intervenções enquanto deputado incidiram no debate de questões relativas à educação e à previdência e assistência social, áreas em que, como foi dito, chegou a ter responsabilidades governativas, além de ter presidido à comissões parlamentares respectivas. Participou activamente no debate das propostas de lei de reforma da Previdência – de que fora autor, enquanto ministro da pasta – e do Estatuto da Saúde e Assistência e interveio na


discussão das propostas de lei do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e da reorganização das casas do povo e da previdência rural. Participou igualmente nos debates de diversos avisos prévios relacionados com questões educativas e discutiu detidamente a proposta de lei de reforma do sistema educativo: Interveio ainda em diversos debates na qualidade de membro de comissões eventuais. Neste âmbito, debateu, sobretudo, as propostas de lei dos planos de fomento, da liberdade religiosa e da revisão do estatuto da Assembleia Nacional. Assumiu, em ocasiões diversas, a defesa da política ultramarina do governo, tendo a este respeito, sido signatário, com outros deputados, de um aviso prévio apresentado na sessão legislativa de 19631964». Henrique Veiga de Macedo escreveu e publicou diversos estudos e compilações de discursos relacionados com as questões educativas e de Previdência, entre os quais os seguintes: «A Assistência Escolar no Combate ao Analfabetismo» (1953), «Despachos» (1953); «A Missão do Livro na Educação Popular» (1953); «O Problema do Analfabetismo. Educação Supletiva de Adultos. Expansão do Ensino Primário entre as Crianças em Idade Escolar» (1954); «Grandes e Pequenos Problemas da Educação Primária Portuguesa (1955); «O Problema do Analfabetismo na Madeira» (1955); «Missões Culturais: Educação Sanitária. Discursos» (1955); «A Cooperação das Instituições de Previdência e das Casas do Povo na Construção de Habitação Económica» (1957); «Alguns Princípios de Política Social e Corporativa Portuguesa» (1958); “Vigésimo Quinto Aniversário do Estatuto do Trabalho Nacional» (1958); «A Reforma da Previdência Social» (1962), «O Dr. Mário de Figueiredo» (1970); «Problemas da Universidade» (1972); «Reforma do Sistema educativo» (1973). Publicou ainda discursos por si proferidos nas campanhas eleitorais de 1961, 1965 e 1969, bem como comunicados que produziu como presidente da Comissão Executiva da União Nacional com o título «Três Campanhas Eleitorais, Um Pensamento» (1970). Foi agraciado com o grande-oficialato e a grã-cruz da Ordem Militar de Cristo e o grande-oficialato da Ordem da Instrução Pública. Foi ainda nomeado académico de honra da Academia Brasileirs de Ciências Sociais e Políticas e sócio honorário da Associação Jurídica de Braga.

Bibliografia Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto, Dicionário Biográfico Parlamentar, 1935-1974., vol. II (M – Z). Edição do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Assembleia. da República, 2005; Maria Adelaide Pires, Aspectos da Vida e da Acção Cultural de Henrique Veiga de Macedo. Villa da Feira – Terra de Santa Maria, ano III, nº.7, Junho, 2004

MACEDO, Joaquim Ferreira (1870-1940). Nasceu em Paços de Brandão em 1870. Era filho de D. Francisca do Romão e fez parte da geração de 1885, data em que se refundou a Tuna Estudantina com o seu grande amigo Joaquim Alves da Rocha e criou a primeira academia de ensino no Arraial que funcionou até 1908. Nesta data, por razões políticas e musicais, entrou em rotura com o seu amigo e compadre, levando a que se fundasse, em 1909, uma nova Tuna. Apesar desta divergência, Joaquim Ferreira Macedo foi um dos maiores dinamizadores da música em Paços de Brandão. Foi presidente da Junta de Paços de Brandão de 1913 a 1925, tendo sido vidraceiro e corticeiro. Grande apaixonado pela música, foi ele que custeou, muitas vezes à sua custa a estadia de João Lopes Tavares, tendo-o conduzido à sua falência financeira, terminando o resto da sua vida na miséria. Faleceu em 1940. Bibliografia Informação fornecida pelo sr. Eduardo Rocha, actual correspondente do «Correio da Feira» em Paços de Brandão

MACHADO, João Barker (? - 1816). Foi Reitor de Rio Meão de 1787 a 1816. No dia 3 de Março faleceu-lhe a avó materna, Maria Caetana de Sousa, de 88 anos de idade e é sepultada na Igreja de Rio Meão. O padre João Barker faleceu em 18 de Fevereiro de 1816 e ficou sepultado na capela-mor.

Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão

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MAGALHÃES, Ana de Jesus Maria José (1811-1875). Nasceu na freguesia de Santa Maria de Arrifana a 19 de Agosto de 1811. Dos 7 aos 14 anos foi pastora de ovelhas. Aos 16 anos o entorpecimento dos seus membros inferiores obrigou-a a recolher ao leito, agravado ainda com o aparecimento de um aneurisma. Durante quarenta e seis anos esteve assim retida no seu pequeno quarto, «aceitando com perfeita conformidade a sua moléstia.». Durante esses anos de martírio, guardou o jejum, alimentando-se apenas, aos domingos, terças e quintas, com uma pequena quantidade de chá com leite e um bocado de pão. Confessava-se muitas vezes e após a recepção da hóstia entrava em êxtase, afirmando o povo que, nessas alturas, se erguia do leito, ficando suspensa no ar, «na posição horizontal, hirta e inflexível como uma estátua tumular, mas leve e quase imponderável como visão mística». Faleceu a 5 de Setembro de 1885, venerada pelo povo como santa e por este conhecida e invocada como a «Santinha de Arrifana». Bibliografia «Povo Feirense», 1939

MAGALHÃES, David Pereira de (1890- 1952?). Nasceu em Lourosa em 1890 e celebrou a 1.ª missa em 1914. Estagiou um ano em Pedroso, Gaia, tendo sido nomeado depois pároco de Pedreiras, Felgueiras, onde esteve três anos. Em seguida foi colocado em Fornos a 15 de Outubro de 1918 e esteve até 22 de Novembro de 1928, ano em que foi nomeado pároco de Canedo até 1940. Daqui foi para S. João de Ver até 26 de Julho de 1952, data do seu falecimento. Bibliografia Padre José Alves de Pinho, Outrora…Fornos. Edição da LAF – Liga dos Amigos da Feira, 2005

MAGALHÃES, Gaspar de (? - ?). Vivia em 1663, segundo Provisão de Comissário do S.to Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «Abade de Paços de Brandão, Feira; filho de Gaspar de Magalhães e de Maria Fernandes, naturais da frg. de

S. Veríssimo de Neovegilde, termo do Porto: neto paterno de Gaspar Jorge e de Filipa de Magalhães, e materno de Simão Gonçalves e de Águeda Fernandes, moradores em Neovegilde. Provisão de Comissário de 11 de Maio de 1663. A.N.T.T. – Gaspar – m. 2, n.º55» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 123 (Julho, Agosto e Setembro), 1965

MAGALHÃES, João Oliveira (? - ?). Vivia em 1762,na Vila da Feira, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «natural e morador na freg. de S. Nicolau da Vila da Feira; filho de João de Oliveira Magalhães, natural de Pesqueiras, freg. de St.º André de Moimenta da Ribeira do Homem, Bouro, e de Vicência da Silva, natural de Bertufe, freg. De St.ª Maria de Válega, Ovar, moradores na Vila da Feira; neto paterno do P.e António Oliveira Lomba, natural da freg. St.ª Maria de Chorense, e de Helena de Magalhães, natural de Santiago de Pris, Ponta da Barca, e materno de Manuel Antão Pereira e de Susana da Silva, moradores em Válega. Carta de Familiar de Dezembro de 1762. A.N.T.T. – João – m.77, n.º1415» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista «Arquivo do Distrito da Aveiro (Outubro, Novembro e Dezembro), 1967 MAGALHÃES, João Pereira (1873-1933). Nasceu em Torres Vedras em 22 de Maio de 1873, quando seu pai era aí magistrado, descendente de uma família da freguesia de S. Jorge, Feira. Era filho do desembargador, Dr. Joaquim Pereira de Magalhães e de D. Luísa Augusta Coelho da Rocha. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra em 1894 e fixou-se na Vila da Feira onde exerceu advocacia. Em 1902 assume a direcção do «Jornal da Feira», substituindo o seu fundador e até então director, Manuel José da Silva Ribeiro. Foi eleito deputado pelo Partido Progressista


no Círculo de Aveiro, para as legislaturas de 1906-1908 (juramento a 2.10.1906) e de 1908-1910 (juramento a 1.5.1908). Como deputado vem mencionado no «Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910. Vol. II (D – M)», de Maria Filomena Mónica, no verbete assinado por Ana Cristina Silva e Jorge Sousa Rodrigues, nos seguintes termos: «Fez parte das seguintes comissões parlamentares: Eclesiástica (1906, 1908-1910), Pescarias (1906 e 1909), Interparlamentar de Tarifas (1909) e Fazenda (1910). Desempenhou o cargo de secretário da Câmara dos Deputados de 1908 a 1910. As suas intervenções no parlamento foram escassas. Representando os interesses da região de Aveiro, chamou a atenção do ministro das Obras Públicas, em 27 de Julho de 1908, para a falta de milho mos concelhos de Oliveira de Azeméis, Feira e Estarreja. Em 28 de Agosto de 1908, em conjunto com Libânio António Fialho Gomes e Amândio Eduardo da Mota Veiga, subscreveu um projecto de lei que autorizava a mesa da Câmara dos Deputados a reformar todas as suas repartições e serviços, mediante as verbas orçamentais destinadas a esses serviços. Em Agosto do ano seguinte apresentou, com o visconde da Torre, um outro projecto de lei, com o fim de permitir que os empregados dos governos civis aposentados continuassem a receber, na proporção da pensão que lhes era paga, a compensação dos emolumentos que tinham recebido durante o tempo de serviço. Em 27 de Julho chamou a atenção do ministro das Obras Públicas, Barjona de Freitas, para a urgência do início de obras na região costeira de Espinho, com vista à recuperação dos locais destruídos pelo mar. Finalmente, em 11 de Abril de 1910, subscreveu um projecto de lei, propondo que a Câmara Municipal da Feira fosse autorizada a contrair um empréstimo para resolver o passivo do seu balancete» Prestou serviço militar no Exército, sendo nomeado, em Março de 1907, alferes de infantaria na reserva. Em 1915 pediu a demissão dos quadros do Exército, pedido que foi aceite. Na Vila da Feira fez parte de vários elencos de actores amadores. Foi presidente da Câmara Municipal da Feira e Secretário-Geral da Província de Macau, por duas vezes (1918 e 1926), tendo sido aí governador interino de 5 de Abril de 1929 a 30 de Março de 1931 e Encarregado do Governo, de 15 de Outubro de 1931 a 21 de Junho de 1932. Faleceu em Macau a 8 de Agosto de 1933, quando ocupava o cargo de Secretário-Geral.

Bibliografia Maria Filomena Mónica, Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910, vol. II /D – M). Assembleia da República, 2005; Roberto Vaz de Oliveira, Imprensa Periódica da Vila e Concelho da Feira. Revista «Aveiro e o seu Distrito, n.º8, 1969 MAGALHÃES, José Dias Leite de (? -1863). Era natural da freguesia de Arrifana. Era irmão da «santinha de Arrifana», Ana de Jesus Maria José de Magalhães. Recebeu ordens menores nas têmporas de Dezembro de 1813. Foi Subdiácono em 18 de Setembro de 1819; diácono em 23 de Setembro de 1820 e presbítero em 16 de Junho de 1821. Faleceu em 21 de Fevereiro de 1863. Bibliografia António Ferreira Pinto, «Defendei Vossas Terras…. Monografia de Guisande». Junta de Freguesia de Guisande, 1999 MAIA, Amadeu de Sá Couto da Cunha Sampaio (1889-1940). Nasceu em Paços de Brandão a 9 de Dezembro de 1889. Era filho de João Augusto da Cunha Sampaio Maia, Iº Conde De S. João de Ver e de D. Emília Augusta de Sá Couto Moreira, filha de José Moreira Pinto de Almeida, descendente da Casa da Portela, em Paços de Brandão e de D. Camila Augusta de Sá Couto Foi senhor da Quinta da Ponte Redonda, vereador e Vice-Presidente da Câmara Municipal da Feira. Casou a 17 de Dezembro de 1918 com sua prima D. Amélia Augusta Soares da Cunha Sampaio Maia, filha do Dr. Manuel Augusto da Cunha Sampaio Maia, bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra. Bibliografia Ângelo Sampaio Maia, Casa da Torre em Terra de Santa Maria – S. João de Ver – Apontamentos genealógicos e Notas de Família, (actualizado por Fernando Sampaio Maia), Villa da Feira, Terra de Santa Maria, ano I, nº.3, Fevereiro, 2003.

MAIA, Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio (1886 - 1969). Nasceu na Quinta da Portela de Baixo, em Paços de Brandão a 21 de Maio de 1886. Era filho de João Augusto da Cunha Sampaio Maia, Iº. Conde de S. João

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de Ver e de D. Emília Augusta de Sá Couto Moreira, filha de José Moreira Pinto de Almeida., descendente da Casa da Portela, em Paços de Brandão, e de D. Camila Augusta de Sá Couto. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 24 de Julho de 1911, tendo sido nomeado nesse mesmo ano Sub-Delegado do Procurador da República no 2º. Juízo de Investigação Criminal e na 4ª. Vara Cível de Lisboa, lugar que ocupou até ao seu concurso para a Magistratura Judicial. A partir desta data exerceu a advocacia em Lisboa até que em 1929, por doença, regressou a S. João de Ver, pois seus pais haviam-lhe feito doação da Casa da Torre a 6 de Junho de 1926. Foi proprietário da Quinta da Torre e da Quinta do Candal, em S. Paio de Oleiros. Foi Governador Civil de Aveiro, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Deputado da Nação, Ministro do Trabalho, em 1925, Chefe de Gabinete dos Ministros Mesquita Carvalho, António Granjo, Sá Cardoso e Abel Hipólito. Foi Membro do Concelho Municipal da Feira e Director Geral do Hospital – Asylo Nossa Senhora da Saúde, em S. Paio de Oleiros. Casou a 9 de Agosto de 1911, em Lisboa, com D. Maria Emília Machado e Silva, nascida a 21 de Junho de 1889 e falecida em S. Paio de Oleiros em 12 de Abril de 1970, era filha do Coronel António Estáquio Mó da Silveira de Azevedo e Silva, Oficial às ordens do rei D. Carlos, e de sua mulher D. Januária Palmira Machado. Deste casamento houve três filhos: Ângela, Joaquim José e António Caetano. Em 1964 foi alvo de uma homenagem na Vila da Feira, no dia do seu aniversário, 21 de Maio, com o descerramento de uma lápide na sua casa da Torre, em S. João de Ver com a seguinte inscrição: «Ao Dr. Ângelo de Sá Couto Sampaio Maia, homenagem promovida pelos seus amigos da Vila da Feira, em preito de gratidão – 21 de Maio». Bibliografia Ângelo Sampaio Maia, Casa da Torre em Terra de Santa Maria – S. João de Ver – Apontamentos genealógicos e notas de família. (actualizado por Fernando Sampaio Maia). Villa da Feira, Terra de Santa Maria, ano I, nº 3, Fevereiro 2003; «Correio da Feira», 21.5.1964

MAIA, António Caetano Machado e Silva de Sá Couto da Cunha Sampaio (1924-1981). Nasceu em Lisboa a 24 de Março de 1924. Era filho de

Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia e de D. Maria Emília Machado e Silva, nascida em Lisboa em 21 de Junho de 1889 e falecida em S. Paio de Oleiros em 12 de Abril de 1970. Era filha do Coronel António Estáquio Mó da Silveira Azevedo e Silva, Oficial às ordens do rei D. Carlos e de sua mulher D, Januária Palmira Machado. Senhor da Casa e Quinta da Torre, em S. João de Ver, foi o 2º. Conde de S. João de Ver. Foi Oficial Miliciano do Exército, Ajudante de Campo do Comandante da Iª. Região Militar, condecorado pelo Estado Espanhol, com a cruz de Iª. Classe de Mérito Militar com Distintivo Branco. Foi Director do Hospital de S. Paio de Oleiros e Presidente da Fundação Joaquim de Sá Couto. Casou a 19 de Março de 1947, em Barcelos, com D Maria José de Castro de Sousa Guedes Bessa de Vasconcelos Gramaxo e Sampaio Maia, filha de José Joaquim Forbes Bessa de Vasconcelos Gramaxo e de sua mulher D. Maria das Dores de Castro de Souza Guedes Gramacho. Deste casamento houve 9 filhos: João José, Maria Antónia, António José, José Pedro, Teresa Maria, Fernando José, Manuel José, Nuno José e Henrique José. António Caetano Sampaio Maia faleceu em S. João de Ver em 31 de Outubro de 1981. Bibliografia Ângelo Sampaio Maia, Casa da Torre em Terra de Santa Maria – S. João de Ver – Apontamentos genealógicos e notas de família., Villa da Feira, Terra de Santa Maria, ano I, nº.3, Fevereiro, 2003, «Correio da Feira», 6.11.1981

MAIA, António Sampaio, (1886-1966). Nasceu na freguesia de S. João de Ver em 1866. Formou-se em Medicina na Universidade de Coimbra. Exerceu a sua profissão em S. João de Ver, Esmoriz, Cortegaça e Paramos e ainda na Fundação das Caixas de Previdência e no Hospital-Asilo de S. Paio de Oleiros, onde foi director clínico. Foi tenente-médico miliciano na 1.ª Grande Guerra em França, tendo sido condecorado com a Medalha de Honra das Epidemias, testemunho da dedicação excepcional de que deu provas durante diversas epidemias. Fundou a Tuna Orfeão da Vila da Feira em 1912, do qual foi regente e Conselheiro Municipal da Feira. Foi ainda director do semanário «Tradição» da Vila da Feira, órgão nacionalista e monárquico, que iniciou a sua publicação em 2 de Julho de 1932 e terminou em 1947. Deixou dois filhos: António e Carlos. Faleceu em Novembro de


1966, na sua casa do lugar da Granja, S. João de Ver. Bibliografia Roberto Vaz de Oliveira, Imprensa Periódica da Vila e Concelho da Feira. Revista «Aveiro e o seu Distrito», n.º 9, 1970; Correio da Feira, 12.11.1966

MAIA, Francisco de Oliveira (? - ?). Foi pároco da freguesia de Canedo em 1857. Tinha sido ali colocado em 11 de Março de 1841 e era pregador egresso da Ordem de S. Francisco da Província de Portugal (Convento da Conceição de Matosinhos). Bibliografia Padre António Ferreira Pinto, S. Pedro de Canedo – do concelho da Feira. «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 15, 1938

MAIA, João Augusto da Cunha Sampaio (1857-1938). Nasceu na Casa da Torre, em S. João de Ver a 21 de Março de 1857. Era filho de Caetano Augusto da Cunha Sampaio Maia, falecido a 16 de Março de 1899, tendo sido vereador da Câmara Municipal da Feira, e de D. Luiza Theodora Clara de Pinho Correia, filha de Manuel Inácio de Pinho Correia, Juiz Eleito em 1842 e do Concelho Municipal da Feira e de D. Joana Theodora Clara da Silva Corrêa. Formouse em Medicina na Escola Médica Cirúrgica do Porto que lhe valeu o Prémio Barão de Castelo de Paiva. Logo após a sua formatura, foi nomeado Médico Cirurgião da Feira, com sede em Paços de Brandão, vivendo na Casa da Portela. No tempo da Monarquia aderiu ao Partido Progressista, tendo sido eleito chefe do Partido no concelho da Feira. Foi presidente e vereador da Câmara da Feira por várias vezes e foi também o 1º. Director Geral e fundador do Hospital Asylo Nossa Senhora da Saúde, em S. Paio de Oleiros. Em 1904 o rei D. Carlos concedeu-lhe o título de Conde de S. João de Ver. Casou a 7 de Janeiro de 1884, em S. Paio de Oleiros, com D. Emília Augusta de Sá Couto Moreira, Senhora da Quinta da Sardenha e de Ponte Redonda, em Espinho, filha de José Moreira Pinto de Almeida, descendente da Casa da Portela, em Paços de Brandão e de D. Camila Augusta de Sá Couto, Senhora da

Quinta do Candal, em S. Paio de Oleiros. Deste casamento houve três filhos: Inês de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia, Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia e Amadeu de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia. Faleceu na Casa da Torre a 8 de Junho de 193.8.

Bibliografia Ângelo Sampaio Maia, Casa da Torre em Terra de Santa Maria, S. João de Ver Apontamentos genealógicos e notas de família (actualizado por Fernando Sampaio Maia). Villa da Feira, Terra de Santa Maria, ano I, nº.3, Fevereiro, 20

MAIA, João Henrique da Cunha Sampaio (1848-1913). Nasceu em 1848. Era filho de Henrique José da Cunha Sampaio Maia, nascido na Quinta da Fonte da Caspolina, em Oeiras em 7 de Dezembro 1812 e falecido na Casa da Torre, em S. João de Ver em 22 de Outubro de 1871, tio do Dr. João Augusto Sampaio Maia, 1º Conde de S. João de Ver, e de D. Rosa Maria Amélia. Habitou em Rio Meão, no lugar de Alpoços, dedicava-se ao comércio, fazia de mestre-escola, a título gratuito e era, por isso, conhecido por «senhor mestre». «Era na verdade um homem simples, bondoso e religioso», como atesta uma acta da Junta de Freguesia sobre esta curiosa personagem. Faleceu no dia 22 de Janeiro de 1913. Em 1926 o seu corpo foi encontrado no jazigo incorrupto pelo coveiro, Clemente Vidinha que, perante o facto, ter-lhe-á posto cal viva para queimar o corpo mas este ficou sempre incorrupto. O povo de Rio Meão então desenterrou-o no dia 4 de Novembro de 1926 e pediu à Junta «para que o corpo estivesse à exposição do público com era desejo do povo da freguesia que já o titula por um santo». Em 19 de Fevereiro de 1928, constituiu-se uma Comissão de Melhoramentos com o propósito de se fazer uma capela jazigo no cemitério para aí se conservar o corpo de São Joãozinho, também conhecido por «Santo Minhoto». Segundo David Simões Rodrigues, a origem deste apelido «estaria no facto de os miotos ou minhotos (aves) rondarem frequentemente peneirando ali os ares à caça de pintos e que assim que os espreitava gritava às pessoas dali «xô minhoto». O facto foi acentuado pelo alcunheiro do mesmo lugar, homem a quem achavam graça. Por isso, pessoa a quem ele se lembrasse de lançar nome ficava para

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sempre, pelo que se tornou um dos principais responsáveis pela disseminação e incentivo à alcunha». Falou-se sempre de muitos milagres acontecidos no seu jazigo capela. Depois do 25 de Abril de 1974, alguém lançou-lhe fogo «camuflado de fortuito sucedido por excesso de cera votiva», tendo dado lugar a outra capela onde foram guardadas as cinzas remanescentes do referido incêndio. Bibliografia Ângelo Sampaio Maia, Casa da Torre (actualizado por Fernando Sampaio Maia). Villa da Feira, ano I, nº.3, Fevereiro 2003; David Simões Rodrigues, Rio Meão, a Terra e o Povo na História, Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001

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MAIA, João José da (? - ?). Era pároco da freguesia de Souto em 1879, onde esteve durante 64 anos. Foi ali instituído apenas com a ordem de Prima Tonsura. Era filho de um tabelião do extinto concelho de Pereira Jusã, natural da Vila da Feira. Bibliografia Padre Albano Alferes, Párocos de Souto, «Correio da Feira», 8.6.1979 MANO, António Dias (? - ?). Vivia em 1698, segundo Carta de Familiar que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «natural e morador em Framil, freg. de S. Pedro de Canedo, Feira; filho de Manuel Francisco Mano e de Maria Fernandes, de Framil; neto paterno de Domingos Gonçalves e de Catarina Francisca e materna de Baltasar Dias e de Maria Fernandes, todos de Framil; casado com Ana Tavares, filha de António Tavares e de Maria Pinta, de Framil, neta paterna de Diogo Fernandes e de Guiomar Tavares, do Couto e lugar de Sandim de Baixo, Feira (hoje Gaia), e materna de Domingos Gonçalves e de Maria Pinta, do lugar do Carvoeiro, freg. de Canedo, Feira. 1698. Foram aprovadas estas diligências, mas não consta a data da Carta de Familiar, passada ao habilitando. A.N.T.T. – António - m. 27, n.º 742 Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas

Habilitações do Santo Ofício. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.99 (Julho, Agosto e Setembro), 1959

MARIA, Frei Dionísio de Santa (1689 - ?). Nasceu em Alpoços, Rio Meão, em 29 de Setembro de 1689. Era filho do Dr. Manuel Luís Branco, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, advogado na comarca da Feira, e de D. Páscoa da Costa Azevedo, neto materno do Dr. Domingos da Costa Azevedo e de D. Maria de Sá, de Rio Meão, onde foi baptizado pelo padre João de Sá. Frei Dionísio foi religioso da Congregação de São João Evangelista. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição de Junta de Freguesia de Rio Meão. 2001 Francisco Azevedo Brandão, Família Azevedo Brandão. Revista «Villa da Feira Padre Joaquim Correia da Rocha, Recordar 900 Anos de Paços de Brandão. Edição da Junta de Freguesia de Paços de Brandão

MARIA, João de Santa (? -?). Em 13 de Janeiro de 1699 paroquiava a freguesia de Paços de Brandão. Era frade da Congregação do convento dos Lóios, da Vila da Feira, fundado pelo 4.º conde da Feira, D. Diogo Forjaz Pereira Bibliografia Padre Antero, Apontamentos sobre Paços de Brandão

MARNEL, Mendo Fernandes de (? - ? ). D. Afonso Henriques confirmou-lhe, antes de 1174, o couto de Assilhó – Ossela, recordando os relevantes serviços que o cavaleiro lhe tinha feito em 1128, durante o cerco de Guimarães. Em 1139 doou-lhe novo couto na Terra de Santa Maria – o Mosteiro de Cucujães, fundado por Egas Odores «provável cunhado de Elvira Soares de Grijó». Serviu D. Afonso Henriques em Évora, cidade que teria sido ocupada pelo pai, Fernando Gonçalves de Marnel e por um primo do mesmo nome, filho do alcaide de Coimbra, Gonçalo Dias e de Maria Anaia.


Bibliografia José Mattoso, O Castelo e a Feira (A Terra de Santa Maria nos séc. XI e XII). Editorial Estampa, 1989 MARQUES, António dos Santos Correia (? – 1983). Nasceu na Real, freguesia de Souto (Feira). Frequentou o seminário que pouco depois abandonou para se matricular em Direito na Universidade de Coimbra, onde se licenciou. Em 1904 abriu banca de advogado na Vila da Feira, tendo ingressado um ano depois na magistratura, até à sua aposentação como Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Teve uma filha que faleceu aos 12 anos e quando enviuvou, recolheu-se em casa de uma sobrinha, D. Rosa de Oliveira Nunes. Faleceu na freguesia de Travanca (Feira) em 4 de Agosto de 1983. Bibliografia Correio da Feira, 12.8.1983

MARQUES, José Correia (1837-1927). Nasceu na Quinta do Real, freguesia do Souto em 1837. «Foi figura respeitada no nosso meio, tendo feito parte de algumas vereações municipais do concelho da Feira». Teve 5 filhos: o Dr. José Correia Marques que foi subdelegado de Saúde de Espinho, Dr. António dos Santos Correia Marques que foi Juiz na comarca de Arouca, Manuel Correia Marques, industrial, Maria Correia Marques dos Santos, Balbina Correia Marques e Laurinda Correia Marques. José Correia Marques faleceu a 24 de Fevereiro de 1927. Bibliografia Correio da Feira MARQUES, José Correia (1877-1962). Nasceu na Quinta do Real, freguesia do Souto, Feira, em 1877. Era filho de José Correia Marques. Licenciado em Medicina, foi subdelegado de Saúde em Espinho, onde fixou residência. Era casado com D. Lúcia Brandão Bibliografia Correio da Feira, 7.7.1962

MARQUES, João (? - ?). Vivia em 1694, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «abade da igreja de Santiago de Lourosa, Feira; natural de freg, de S. Mamede de Valongo, Porto; filho de João Tomé, natural de St.ª Ovaia,, freg. de S. Salvador de Fânzeres, Gondomar, e de Inácia Marques, natural de Valongo; neto paterno de João Pires, natural de Stª Ovaia, e de Maria Tomé, natural de S. Cosme, e materno de Simão Álvares e de Maria Marques, naturais e moradores em Valongo. Carta de Familiar de 11 de Novembro de 1694. A.N.T.T. – João - m.28, n.º691» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º132 (Outubro, Novembro e Dezembro), 196

MARQUES, José dos Santos Corrêa (? - ?). Foi um dos fundadores da Sociedade Recreativa Soutense. Bibliografia Jornal «Tradição», 7.11.1936

MARQUES, Júlio Correia (1887-1981). Foi ainda muito novo para o Brasil. Exerceu no Rio de Janeiro vários cargos sociais entre os quais o de Provedor da Irmandade de S. José e o de sócio fundador da Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria. Do seu casamento houve quatro filhos: Francelina, Jú1io, Zaira e Carlinda Correia Marques. Faleceu no Rio de Janeiro em 24 de Março de 1981. Bibliografia Correio da Feira, 17.4.1981 MARQUES, Manuel Correia (1897 – 1984). Natural do lugar de Montinho, Souto, fez parte da Câmara Municipal da Feira como vereador no mandato de 1935-1940. Foi um dos fundadores do Grémio da Lavoura da Feira e S. João da Madeira e um dos impulsionadores do alargamento da estrada de Vila Boa e outras. Era casado com

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D. Ana Guimarães Correia Marques. Faleceu na sua casa do Montinho em 20 de Maio de 1984 com 87 anos de idade. Bibliografia Correio da Feira, 25.5.1984

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MARTINS, Afonso (? - ?). Foi nomeado pároco de Paços de Brandão em 29 de Junho de 1499, por resignação do pároco anterior, Padre Joane Anes. O padre Afonso Martins era Clérigo de Missa e Cónego do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.”Foi Prior de Claustro vários triénios e foi eleito Prior-Mor. Morrera o Prior D. Gomes no ano de 1459… e os cónegos deste real mosteiro elegeram em Prior-Mor ao dito Dom Affonso Martins, mas El-Rey D. Affonso V o impediu e mandou que o não confirmasse, porque como Padroeiro tinha prometido, e queria dar de mercê este Padroado ao Bispo Dom João da Costa, fidalgo de sua Casa, cónego deste Mosteiro; resistiram grandemente os cónegos a esta nomeação del Rey, por se não irem os Reys introduzindo em nomear Priores Mores, contra os Breves dos Summos Pontífices… os Cónegos recorrerão a Roma, ao Papa Pio II, o qual deu sentença em favor dos cónegos». Bibliografia Frei Thimóteo dos Mártires, Crónica do Mosteiro de Santa Cruz; Padre Joaquim Correia da Rocha, Recordar 900 Anos de Paços de Brandão. Edição da Junta de Freguesia de Paços de Brandão, 1995

MARTINS, António (? - ?). Foi pároco da freguesia de S. Jorge, de 1681 a 1703. Bibliografia P.e José Inácio da Costa e Silva, «A Freguesia de S. Jorge», jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940

MARTINS, Gonçalo (? - ?). Foi pároco da freguesia de Pigeiros, apresentado, em 1661, pelos «Rochas», continuador dos antigos Pereiras da Quinta do Paço de Pigeiros.

Bibliografia P,e José Inácio da Costa e Silva, «Santa Maria de Pigeiros», jornal «Tradição», número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro, 1940; P.e Domingos Moreira, Nótulas Históricas Sobre Pigeiros (Feira). Separata do «Arquivo do Distrito de Aveiro», vol. XXXVIII, 1972

MARTINS, D. João (? - ?). Era bispo de Lisboa em 1300, segundo um documento de doação datado 20 de Julho daquele ano, em que D. Dinis lhe doa o padroado da igreja de S. Nicolau da Feira, salientando que o destinatário da doação é o indivíduo e não o bispado de Lisboa. Intitula-se solidariamente com a esposa, rainha D. Isabel, e com o filho, infante D.Afonso. Bibliografia Arquivo Distrital do Porto. Doc. «Donatio ecclesiae Santi Nicolay da Feira»

MARTINS, João (? -?). Era tabelião na Feira em 1348, pois, a 17 de Junho desse ano, fez «um instrumenro de demarcação, do qual consta que as religiosas do Mosteiro de Pedroso, tendo litigado co Fernão Rodrigues Baptista e sua mulher, D. Elvira Pirez Moreiral Cavaleiro, a respeito dos limites da herdade cita nos terrenos de Villar e de Macieira (Fiães), e de Sanguedo; os ditos por si e seus Procuradores fizeram composição perante Estêvão Migueis, Juiz da Feira, para o fim de demarcarem as ditas herdades e seus limites, o que fizeram e aqui vêm declarados os limites e sítios dos marcos». Este documento pertence ao reinado de D. Afonso IV e é um pergaminho do Mosteiro de Pedroso, cujo resumo ou extracto foram escritos, nos mesmos originais, pelo punho do primeiro diplomata português, Dr. João Pedro Ribeiro, Cónego Doutoral da Sé do Porto. Bibliografia Padre Manuel F, de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Porto, 1939-1940


MARTINS, João (? - ?). Foi pároco da Freguesia de Guisande, confirmado em 12 de Junho de 1533, depois da renúncia do antecessor, padre João Alves Pais. Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999

MARTINS, Pedro (? - ?). Era reitor da igreja de Milheirós de Poiaes em 1270. Bibliografia Manuel Joaquim Santos Conceição, Milheirós de Poiares (Século XVI A XVIII). Revista Villa da Feira – Terra de Santa Maria, n.º 13, 2006

MARTINS, Rui (? - ?). Vivia em Duas Igrejas em 1288, pois as Inquirições de D. Dinis diziam que ele era senhor de uma Quinta, onde não entrava aí mordomo, o que equivale dizer que era de sangue nobre. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Breve Monografia de Duas Igrejas do termo da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1936

MASCARENHAS, Fernando de Matos (? -?). Vivia em 1717, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «natural e morador na freg. de Arrifana de St.ª Maria, Feira; filho de Ambrósio de Matos Mascarenhas, da freg. de Arrifana de St.ª Maria, neto paterno de Paulo de Almeida e de Madalena Soares, e materno de Salvador de Matos, todos de Arrifana, e de Brites de Almeida da vila de Ovar; casado com D. Maria Joana Jacinta, de Loureiro, filha de José da Fonseca da Cunha, de Arrifana, e de Joana do Amaral de Almeida, de Farinhão, Viseu, neta paterna de João Fonseca da Cunha e de D. Francisco Mascarenhas, de Arrifana, e materna de José do

Amaral de Almeida, da cidade de Viseu, e de Maria de Aguiar Rabela, de Farinhão; ajustado para casar, em 1745, com D. Rita Tomásia Eugénia de Melo, filha de Bernardo Saraiva Monteiro, da vila de Cantanhede, neta paterna de Veríssimo Saraiva Monteiro e de Faustina da Cunha, de Castelo Novo, e materna de António Machado Coelho e de Maria de Melo, de Cantanhede. Carta de Familiar de 3 de Fevereiro de 1717. A.N.T.T. – Fernando – m., n.º» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima. O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º117 (Janeiro, Fevereiro e Março), 1964

MATOS, David de (? - ?). Era pároco da freguesia de Fornos em 1920. No seu tempo os altares laterais da igreja foram remodelados e dourados de novo; o soalho foi também todo renovado, a capela-mor dotada de azulejos e o tecto de madeira de castanho foi substituída por um de argamassa de saibro e cal, enriquecido com molduras a gesso. Bibliografia Abade de Fornos, Correio da Feira, 24.1.1986

MATOS, José Valente de (? -?). Era natural de Avanca, Ovar. Foi pároco de Fiães de Setembro de 1901 a Dezembro de 1902. Faleceu em Avanca. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940

MATOS, Pedro Nunes de (? -?). Vivia 1669, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «sangrador dos cárceres da Inquisição de Évora; natural da mesma cidade, e aí morador na rua dos Mercadores; filho de António Nunes, sangrador, Familiar do Santo Ofício, e de

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Luzia Nunes, naturais de Montemor-o-Novo, moradores em Évora, na rua dos Mercadores; neto paterno de Filipe Nunes e de Apolónia Rodrigues, e materno de Manuel Dias e de Maria Nunes, naturais e moradores em Montemor-o-Novo; viúvo de Isabel Cortês; ajustado para casar em 1670, com Filipa Moniz, natural de Évora, filha do Dr. Ascenso Lopes Moniz, médico da Inquisição que fora casado da primeira vez com Águeda Godinha, e de sua segunda mulher Mariana ou Joana Ribeira, naturais e moradores em Évora, neta paterna de António Lopes, filho de Baltasar Moniz e de Inocência Lopes, de Estremoz, e de Filipa Rodrigues, filha de Brás Fernandes e de Isabel Vieira, de Évora, e materna de António Ribeiro, cantor da Sé de Évora, e daí natural, filho de Baltasar Fernandes, de Cabeceiras de Basto, e de Margarida Ribeira, de Évora, e de Maria Coelha, também natural de Évora, filha de João Dias, lavrador, de Santa Suzana, e de Maria Brás, de Évora; novamente ajustado para casar, em 1671, com Polónia de Freitas, natural e moradora em Évora na rua do Tinhoso, filha de António de Freitas e de Catarina Rosa, igualmente naturais de Évora e moradores na mesma rua do Tinhoso, neta paterna de António de Freitas, natural de Vila Viçosa, e de Inês Martins Malheta, e materna de Manuel Coelho e de Maria Rosa, todos naturais e moradores em Évora, sendo os primeiros na referida

rua do Tinhoso; mais uma vez ajustado para casar, em 1672, com Mariana Pereira, moradora em Lisboa, filha de Domingos Pereira Nunes, sirgueiro, Familiar do Santo Ofício, natural de Penela, e de Maria Pereira, natural de Lisboa, e aí moradores na Rua Nova, neta paterna de Francisco Fernandes, filho de Sebastião Fernandes e de Maria Fernandes, de Castainço, e de Catarina Francisca, filha de António Francisco, ambos de Penela, e de Maria Francisca, de Penedono e materna de Pedro Nunes, violeiro, filho de Domingos Gonçalves, o «Carola». E de Antónia Jorge, de Macieira de Aquém, freguesia de S. Mamede de Travanca, Feira, e de Margarida Pereira, natural de Macieira de Além, Travanca, moradores com seu marido em Lisboa na rua dos Escudeiros, filha de Manuel Pereira, de Macieira de Aquém e de Maria Vicente de S. Quitino, termo de Lisboa. Faleceu na sua Quinta da Torre, em S. João de Vêr, a 19 de Dezembro de 1969. Carta de Familiar de 5 de Fevereiro de 1669. Pedro – m 6, n.º182 Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 167, 1976


Na apresentação do livro De Novo à Sombra de Mestre Aquilino, de Manuel de Lima Bastos, em Sernancelhe aos 27 de Novembro de 2010 Jerónimo Costa*

Sernancelhe aprofunda e alimenta incansavelmente o seu aerópago das letras. Raro é o mês em que a edilidade não nos reserve, de modo ecléctico, iniciativas de aturado esmero, alcance e valor cultural. Irradiando uma especial luz sobre um dos seus maiores vultos, a edilidade, pela mão do seu timoneiro José Mário Cardoso, tem feito de Aquilino Ribeiro e da sua celebrada obra, motivo bastante para constante louvor. Desta feita, as portas do Auditório Municipal abriram-se de par em par porque Manuel de Lima Bastos está de novo metido na liça dos livros. Convoca o mostajeiro da Beira Alta para, num assomo projectivo, nos comunicar que isto são mostajos, quais centelhas mortiças, nos frios do Inverno. Certo é que desde que o revelou [Outubro de 2009], o prelo já viu um livrinho de poemas, esbugalhando-se agora para o segundo volume da trilogia devotada a Mestre Aquilino. Portanto o mostajeiro da Feira, rijo de porte e de fruto não pode, com desculpa tão safada, desobrigar-se de continuar na senda de Aquilino, revelando-o.

Mas quem é Manuel de Lima Bastos? Sendo advogado, também é lícito que ampare a sua causa e lendo-lhe o Itinerário da vida de um Homem Comum, roteiro que muito recomendo, podemos aí colher retrato de corpo inteiro, onde, de alto a baixo, diz de si ter a presunção de pensar que nunca calcou o fraco para servir o forte, humilhou o desvalido para agradar ao poderoso ou sacrificou a consciência em troca de pecúnia. Parece pouco? Aqui mora quase tudo o que poderíamos desejar para fruirmos uns lampejos do Éden desfeito. Dadas as primeiras tintas na tela, tentarei não deslustrar o autor nem afadigar o auditório. Conheço o Dr. Lima Bastos por entre mim e ele se ter intrometido um dos maiores vultos da língua e da literatura portuguesa. Ambos labutamos na Confraria Aquiliniana enquanto o seu espírito foi confrádico. Ambos, entre muitos outros, ajudamos a levar Aquilino ao Panteão Nacional. Já por essa altura – e até um pouco antes – ciente das virtudes da mesa e do cardápio da Beira, Lima Bastos, uma e outra vez, ora em jornais, ora nas duas primeiras e únicas Letras Aquilinianas publicadas, se acomodou “à mesa com Aquilino Ribeiro”, fruto de intensa degustação que foi fazendo dos livros do escritor, lidos uma e outra vez, até lhe decorar os segredos esparsos por entre as páginas que lhe espicaçaram o olfacto e o gosto que foi debitando em crónicas à volta dos opíparos sabores.

* Membro da Direcção do C.E.A.R. - Centro de Estudos de Aquilino Ribeiro - Viseu.Estudioso Aquiliniano.

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O êxito das croniquetas, como gosta de lhes chamar, o gosto pelas comedorias e o muito que havia para divulgar abriram, em boa hora, o caminho ao manjar dos livros. Primeiro À Sombra de Mestre Aquilino, cuja edição e as saborosas histórias à volta da publicação, que agora se conhecem, haveriam de levar o opúsculo ao veredicto da Ordem dos Advogados que, por lhe reconhecer mérito bastante, o galardoou com o Prémio Literário com que anualmente, havendo valimento, destaca um dos seus. Se abriu mão dos proventos da edição, a safra do reconhecimento não lhe rendeu menor pecúlio, cimentando amizades dispersas e angariando novas – e de vulto – onde fica bem nomear, entre outras, as do Engenheiro Aquilino Ribeiro Machado e do Bispo Emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, amigos que, pelo que se lhes conhece, todos gostariam de ter por perto.

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Iremos então ao livrinho De Novo à Sombra de Mestre Aquilino, molhando a pena [electrónica] no tinteiro do afecto, como Lima Bastos faz questão de anunciar na dedicatória familiar que antecede o prefácio. E se um livro vive dos seus leitores, bem podemos afiançar-lhe que o que supõe na contabilidade de quem o lê, exactamente pelas razões inversas do que evoca: as de não aspirar ser mais que um amador ou um diletante da escrita, são, por mérito seu e de Mestre Aquilino, apesar dos tempos de penúria, larguíssimas centenas que também desmentem um qualquer jogo de ilusões que os deuses encaminham para os que, por deslumbramento, destinam perder. Com mais de meio século de convívio literário com o inventor das Terras do Demo, Lima Bastos traça-nos o itinerário por cinco concelhos, fortemente impregnados de saborosas histórias, imortalizadas na pena do escritor e aqui revividas e recriadas por alguém que, de as saber contar a preceito, mais se aparenta um companheiro do Mestre, metido nas suas tertúlias, do que um comensal impenitente da sua obra. Por volta das trinta e cinco páginas e ainda mal joeiradas vão as Terras do Demo e já Lima Bastos se apressa a estendernos o cardápio ensopado em champanhe, que há-de ser bruto, sendo afável no preço e ostentando no frontispício o busto e as terras do criador que, segundo o próprio, não teriam visto sandália de apóstolo. Estamos no périplo que começa em Vila Nova de Paiva e o autor, como cicerone avisado e conhecedor, vai-nos descrevendo, sempre com o olhar crítico de quem não

desculpa o abandono ou a incúria, os restos de património que ainda moram e resistem por aqui. Moinho de pisões e a incompreensível peregrinação da sua cruz visigótica; o homem que, por Quintela, prometeu uma vaca a Santo Antão e lhe pagou com um galo, não esquecendo o mordomo da capela do santo, obstinado conversador e assertivo perguntador, de resposta pronta, dirigindo-se ao santo: - Santo Antão, bebes? - Não bebes, pagas! O elogio das bibliotecas, salientando as de Moimenta da Beira e Sernancelhe, referindo que é sempre com curiosidade alvoroçada que percorre(o) as estantes onde se perfilam os livros, com as suas lombadas ao alto, como se passasse revista a amigos que há muito não vê(ejo) mas que sabe onde os pode encontrar disponíveis, concluindo que ao entrar num destes santuários, não é difícil reparar que se sente mais espiritualidade do que em muitos templos. Em suma, para Lima Bastos os livros são como soldados que promovem a paz e a concórdia a par do conhecimento e da reflexão. E na senda dos livros seguimos para uma das suas mais ricas oficinas: a casa de Soutosa. Terra e casa a que Aquilino devotou tempo e afecto que aspergiu com parcimónia pelas suas obras. Aqui é ponto de paragem demorada. O autor de À Sombra de Aquilino, de tão conhecedor da obra do Mestre, ficciona nacos de prosa, tão ao jeito do escritor, como se lhe adivinhasse os pensamentos. Cito um deles: E de lá para cá e de cá para lá, dando voltas ao pátio para ver se lhe saltava à cabeça a palavra idónea que lhe andava a fazer negaças, recolhia às pressas ao seu escritório quando a sarabanda de um ventinho ponteiro já penetrava as defesas do pátio fazendo revolutear as folhas caídas e lhe provocava o primeiro arrepio. Este é também um livro repositório da nossa história recente, recuperando aqui e ali memórias compreensivas do que foi a duradoura luta contra o Estado Novo; trabalho sociológico onde são visíveis as marcas de uma justiça indolente e comprometida com o litigante errado. Voltemos ao património e ao seu recorrente abandono. Estamos em Caria, temos à vista, como refere Lima Bastos, as miseráveis ruínas do Mosteiro de S. Francisco mas não é apenas a ruína do património, perante nós exposto (p. 81 e seguintes), segue o retrato de um Portugal, ainda e sempre, ocupado em fazer do mais fraco o bombo da festa em qualquer romaria. Vem isto a propósito de Francisco Rodrigues da Silveira, soldado


e proprietário da desanexada Quinta do Ribeiro, outrora parte e agora vizinha do Mosteiro de Caria, cuja história de prisões arbitrárias e perseguição infame e pertinaz, Lima Bastos recolhe directamente da pena do Mestre e constitui um libelo fundado contra uma tal Casa da Relação do Porto. Sobre as farpas e críticas certeiras, só o livro nos pode elucidar. Estamos a meio da jornada; passemos por Alvite, que se faz tarde e daí recolho, a propósito do então temperamento picaresco das gentes do lugar, um dito atribuído por Aquilino ao seu próprio pai e que hoje, tanto ou mais do que ontem, volta a ter carta de alforria garantida, podendo e devendo também ser remetido com urgência ao governo e cito: Só há duas maneiras de não se ser pobre: ganhar muito ou gastar pouco. Arqueologia, Etnologia, Antropologia, História, são matérias que por aqui abundam e ilustram qualquer leitor que se arvore companheiro de Lima Bastos, calcorreando as muitas obras do Mestre. Mesmo antes de nos acolhermos a terras de Aguiar, vale a pena contrapor um parêntesis para uma vez mais meter na ordem o Dr. Lima Bastos, dizendolhe que são infundadas as suspeitas de não merecer honras próprias de exímio divulgador do legado de um dos melhores artífices e dos mais influentes escritores de língua portuguesa. Fazer ciência é insuficiente se não houver quem a possa e saiba divulgar. Muito antes das crónicas e dos livros, Lima Bastos peregrinou pela obra do Mestre para, apanhando-lhe o jeito, ser já um dos seus ilustres divulgadores e referência obrigatória em qualquer bibliografia passiva que se queira honesta. Por outras geografias, chegamos a Cabicanca e a mais uma das histórias saborosas que mora nos livros de Aquilino. Recuperá-la em Lima Bastos ou ir à procura dela no alfobre de Aquilino, há-de ser tarefa do leitor. O frade das Dores, protagonista, a mando do Malhadinhas, do excêntrico grito à côa, dispersor de lobos na serrania, tem boa teoria sobre o que em matéria de brincadeira se passa de telhas abaixo; mas isso, só lendo o livro se compreende. Entretanto Lima Bastos inventaria mosteiros, renova projectos, dá vida a personagens esquecidas ou postas em sossego em quantas obras o Mestre escreveu e dos escaparates ainda andam arredias. Dá voltas com o Elucidário em torno dos étimos onde mora uma identidade que nos leva pelas origens do que fomos (p.100), tudo pontilhado de histórias que prendem a nossa

atenção, muito para além do tempo, que psicólogos avisados nos confidenciam não ser possível. Sobre o Convento e Frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo, que é patrono da Escola Secundária do Sátão, cito Georgino Marques: O convento de Santo Cristo da Fraga, este em particular, encontra-se hoje na mais indigna ruína, esventrado, vandalizado pelos homens e pelo tempo, transformado em verdadeira “terra de ninguém”. Como podem homens e poderes desta terra esconder tamanha iniquidade e lamentável desprezo a que foi votado este monumento, por trás de cujas pedras, bem vivas, paira uma outra riqueza humana e cultural que teima em não desaparecer. Perante os restos mortais deste laborioso humanista, sepultado num qualquer sítio onde apenas se vê silvas e entulho, curvo-me com o maior sentido de respeito e gratidão pela grandeza deste Homem e dos que o acompanharam e contenho a minha revolta pela incúria de todos aqueles que voluntária ou involuntariamente se possam sentir responsabilizados por tamanha blasfémia. Portanto não está Lima Bastos só, na denúncia, restando acrescentar que o frade repousa no silvedo do convento desde 13 de Fevereiro de 1822 e a sua obra (os dois tomos do Elucidário), por efeito da maravilha da técnica, está acessível a qualquer um, em formato digital, no sítio da Biblioteca Nacional. Vale também a pena recordar, pela raridade e pelo desuso dos princípios, o que Aquilino Ribeiro, na sua Geografia Sentimental afirma sobre o franciscano: Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo era homem íntegro e de costumes invulneráveis à maledicência. Por isso não compreendia a torpeza do seu semelhante e erguia a sua voz contra abusos e prepotência, da cátedra mansíssima do seu glossário. E, a propósito do ELUCIDÁRIO, dizia o autor de O Malhadinhas: Quanto lhe devo, não o sei eu dizer. Que mais não seja o ELUCIDÁRIO, além de me abrir uma larga janela para o passado, explicou-me como um cicerone de museu a antiga província das Beiras. A encerrar a viagem por Aguiar da Beira, mais uma história burlesca que reúne um santo e uma vaca. O nome do santo? O Santo Mata Vacas! Por volta da página 131 e seguintes fez bem Lima Bastos corrigir as heresias de substância, semeadas na prosa de Luís de Oliveira Guimarães, fundamentalmente sobre a qualidade, variedade e abundância da mesa beiroa do

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escritor. A justificação é de antologia: Lima Bastos espreita o prefácio dispensado por Aquilino à obra de Luís Guimarães e, parecendo-lhe um telegrama, conclui pela distância entre a obra e o Mestre. Sobre Manuel da Cruz Malpique, de que Lima Bastos se socorre uma ou outra vez, quero referir apenas que, tendo nascido em Nisa, deixou o nosso convívio em 6 de Setembro de 1992.

Lima Bastos encerra a sua obra com uma carta a Mestre Aquilino mas isso são coisas íntimas que devem ficar entre o autor e os seus leitores na certeza, porém, de que aí encontrarão, para além do requinte do enlevo filosófico, um texto do mais fino recorte aquiliniano e que bem poderia ter sido assinado pelo Mestre que muito poucos lhe notariam a diferença.

O livro De Novo à Sombra de Mestre Aquilino tem outras curiosidades como o bife à Leal, casado com umas fatias de presunto de Lamego e tantas outras, desde o encontro de Trotsky e Lenine no atelier de Leal da Câmara, até ao discorrer sobre as características do ventre português.

Por mim, que tive o ensejo e o gosto de lhe ler os pensamentos escritos em letra de forma, tomei por recompensa o tempo passado entre ambos.

A terminar este já longo périplo, o vaticínio de Lima Bastos sobre a obra do Mestre: Ficarão os seus livros como compêndios onde os vindouros poderão estudar a vida dos homens ao longo de tempos pretéritos mas dos quais sempre se evolará o suave perfume de eras cada vez menos reconhecíveis nestes dias em que se vai correndo atrás de coisa nenhuma e se perderam, quase de todo, os valores e as referências.

Seguiremos para Viseu, Lamego, Paredes de Coura e Lisboa, lugares da geografia aquiliniana que rematam a trilogia anunciada. Ficamos à espera de os visitar, guiados pelo cicerone das letras que, à semelhança do Mestre, apoiado no condão da sua varinha mágica, nos constrói o enredo que só os grandes narradores de histórias conseguem edificar. Sernancelhe, 27 de Novembro de 2010

Jerónimo Costa, Aquilino Ribeiro Machado, Manuel de Lima Bastos e o Presidente da Câmara Municipal de Sernancelhe, José Mário de Almeida Cardoso.


NOTA DA REDAÇÃO Em 27 de Novembro de 2010, no Auditório Municipal de Sernancelhe, foi apresentado o novo livro de Manuel de Lima Bastos De Novo à Sombra de Aquilino. Depois da apresentação da obra feita pelo Senhor Dr. Jerónimo Costa, seguiu-se a intervenção do Senhor Engenheiro Aquilino Ribeiro Machado, filho do celebrado escritor. A assistência ficou presa das suas palavras cerca de uma hora mas com vontade de que se prolongasse por muitas mais, tal o encantamento do que disse e como disse. Pena apenas que não tivesse sido gravada para que os nossos estimados leitores a pudessem apreciar também. De entre os muitos episódios recordados sublinhamos que Aquilino, quer no tempo da primeira mulher – a alemã Grete Tiedmann – quer no tempo de sua mãe e segunda mulher do escritor – D. Jerónima Dantas Machado, filha do último presidente da 1ª. República, Bernardino Machado – pedialhes que escrevessem à mãe dele, Aquilino Ribeiro, de nome D. Mariana do Rosário Gomes, que pela altura das matanças de porcos em Novembro/Dezembro lhes mandasse “qualquer coisinha” do fumeiro beirão: presunto, salpicões, chouriços e chouriças, morcelas, farinheiras, pois se encontrava muito saudoso da Terra Natal. Mas, sabe-se lá porquê, não queria que fosse pedido seu para a mãe mas da mulher para a sogra. Este episódio vem dar razão a Manuel de Lima Bastos que no capitulo sétimo – De Novo à Mesa com o Escritor – refere “que o escritor preferia a cozinha tradicional beirã da sua juventude à sofisticação de outras culinárias”, contradizendo opiniões diferentes. (134). O nosso conterrâneo agradeceu sublinhando que o escritor afirmou “que havia de morrer com a enxada na mão”. Assim aconteceu pois trabalhou até ao último dos seus dias. Também disse: “Sou um escultor de presépios. Na minha oficina entra apenas o pinho dos meus pinhais e o castanho do meu souto porque não sei trabalhar com postiços nem me agradam os ouropéis”. Talvez os mais velhos se lembrem que, não há muitas décadas, apareciam pelas aldeias uns fulanos, às vezes galegos, que puxavam um carrinho pelos caminhos velhos e anunciavam a sua chegada tocando numa gaitinha as sete notas da escala musical. O carrinho era a sua oficina ambulante e amolavam facas e tesouras, punham uns “gatos”

no tacho de barro que rachara ou um pingo de solda na panela que vertia. Desapareceram para todo o sempre mas, se pelos vossos sítios, ouvirem um dia destes a gaitinha de novo a tocar talvez sela eu a empurrar um carrinho cheio com os presépios que mestre Aquilino esculpiu. E andarei a mostrálos enquanto as forças não me faltarem”. A sessão foi encerrada pelo Presidente da Câmara Municipal, Senhor Dr. José Mário de Almeida Cardoso, que recordou o que o autor diz no prefácio: “Era capaz de jurar pelas alminhas do purgatório que, a fazer fé nas pinturas dos retábulos que antigamente nos apareciam pelos caminhos velhos envoltas em chamas a pedir orações como quem pede pão para a boca, não voltaria a escrever outro livro sobre Mestre Aquilino. Jurava falso”. “Ainda bem Sr. Dr. Manuel de Lima Bastos, senão ficaríamos privados desta sua maravilhosa obra e deste sentir aquiliniano que a todos contagia”. 209


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o último dia Gilberto Pereira*

chove lá fora enquanto procuras no escuro as chaves e a carteira e vestes atrapalhado a gabardina do outro lado do quarto escutas um ronronar doce entre os lençóis são vinte para as oito e só te resta correr para te entalares no 52 para a baixa olhas o vazio pelas janelas escorridas do autocarro antecipas o dia de tédio que tens pela frente um dia igual aos outros com as mesmas pessoas os mesmos rituais um dia igual a todos os outros. cinco cafés e um ventil inteiro depois foges pela escada de serviço enquanto te procuram com uns papéis para assinares o telemóvel toca «amor, passa no supermercado e traz qualquer coisa para o jantar os miúdos querem douradinhos ou hamburgers escolhe tu beijinhos»

cansaço a gabardina ensopada o guarda-chuva na mão o cesto das compras a arrastar e é ali na secção dos congelados na indecisão entre os filetes de pescada do capitão e os hamburgers tenros do lombo da vaca mimosa que te iluminas como um relâmpago na escuridão arrastas os pés para trás devagar reflectes por um momento de lucidez e corres vorazmente pelo corredor das frutas e legumes olhas em volta decididamente apavorado procuras procuras e encontras finalmentecom um frio risco de suor pela testa perguntas decidido ao segurança «por favor, a secção dos venenos onde fica?» * Gilberto José de Sousa Pereira, natural do Porto (1979), reside desde sempre em Argoncilhe. Frequenta vários encontros poéticos pelo país, sobretudo as tertúlias da Onda Poética, de Espinho, onde mantém uma participação activa desde 1998, lendo preferencialmente Al Berto, Herberto Helder, Mário Contumélias, Eugénio de Andrade e António Gedeão. A sua poesia, com tendência para o soturno e o intimista, sofreu, sobretudo de início, algumas influências dos dois primeiros autores mencionados.Editou recentemente o seu primeiro livro de poesia, intitulado Reticências, o qual foi apresentado no dia 20 de Dezembro último, no Instituto Superior de Paços de Brandão, pelo poeta Anthero Monteiro.


SUFRÁGIO FEMININO Jorge Augusto Pais de Amaral* O sufrágio constitui o poder ou direito de participar na formação da vontade política do povo, quer tomando directamente as decisões (através de referendo) quer elegendo os seus representantes. Este poder é exercido por meio do voto que, em concorrência com os demais, traduz, segundo o princípio da maioria, a manifestação de vontade na escolha de um e não de outro candidato, de uma e não de outra decisão. A cada um dos votos é atribuído igual valor, deste modo se justificando o princípio da igualdade. Este princípio conjugado com o da universalidade conduz ao resultado final, isto é, à referida decisão tomada por maioria. A democracia é um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas pertence ao povo. Na verdade, a palavra democracia teve a sua origem na Grécia Antiga (demo = povo + kracia = governo). Atenas pode ser considerada o berço da democracia. No entanto, o povo que exercia o direito de voto estava longe de constituir a totalidade dos indivíduos. A igualdade de oportunidades, em que eram excluídos os privilégios de nascimento, constituía uma pequena minoria. Não tinham o direito de voto as mulheres, os escravos e as crianças. *Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Jubilado.

Diga-se, a propósito, que, no entanto, o sistema funcionou muito bem, enquanto prevaleceu o espírito de dedicação ao bem comum e enquanto houve grandes personalidades à frente dos destinos da comunidade. Quando Atenas entrou em crise, o interesse individual sobrepôs-se ao interesse comunitário, o que motivou grande censura por parte dos “politólogos” da época. Não se pense, porém, que as mulheres só estiveram privadas do direito de votar em tempos muito recuados da História. Pelo contrário, só muito recentemente alcançaram esse direito. Quando há uns anos visitei a Nova Zelândia – que é, como se sabe, antípoda de Portugal – reparei no orgulho e satisfação com que a guia turística local nos informou que foi o seu País o primeiro, em todo o Mundo, em que as mulheres conquistaram o direito de voto. Ainda hoje guardo na memória o seu sorriso de vaidade motivado pelo pioneirismo do seu País a tal respeito. O direito de voto foi-lhes concedido já em finais do século XIX, mais propriamente no ano de 1893. Antes desta data, portanto, nenhuma mulher no Mundo podia expressar a sua vontade através do sufrágio. O exemplo das mulheres da Nova Zelândia foi depois seguido por outras em vários países, tendo-se constituído vários movimentos de sufragistas. A Austrália concedeu o direito de voto às mulheres em 1902, com algumas restrições. No Reino Unido, as mulheres iniciaram um movimento

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a favor da concessão do direito ao voto fundando, em 1897, a União Nacional pelo Sufrágio Feminino. Questionavam por que razão as mulheres eram consideradas capazes de assumir postos de importância na sociedade inglesa como, por exemplo, o corpo directivo das escolas e o trabalho de educadoras em geral, mas eram encaradas com desconfiança como possíveis eleitoras. Em suma, as leis do Reino Unido eram aplicadas às mulheres, mas elas não eram convidadas a participar no processo da sua elaboração. A maioria dos parlamentares baseavam-se em ideias de filósofos britânicos como John Locke e David Hume para concluírem que as mulheres eram incapazes de compreender o funcionamento do Parlamento Britânico e, por isso, não podiam tomar parte do processo eleitoral. A reivindicação do direito ao voto que, no início, era pacífica, veio a resultar em greves e em confrontos com a polícia. Uma manifestante, de nome Emily Wilding Davison, morreu quando se atirou para a frente do cavalo do rei de Inglaterra, no célebre derby de 1913, assim se tornando a primeira mártir do movimento. No seu funeral registaram-se protestos violentos, incêndios, depredações, cortes de fios do telégrafo e desobediência civil, enfim, uma verdadeira guerrilha urbana. A sua luta só veio a alcançar o êxito pretendido em 1918 como recompensa pelo importante papel que as mulheres desempenharam nos esforços da primeira Guerra Mundial, na retaguarda do conflito. Inicialmente só as mulheres com idade superior a 30 anos passaram a gozar do almejado direito. Em 1928, a idade baixou para os 21 anos. A lei de 1918 encorajou as mulheres de outros países. Acreditavam que, pelo voto, seriam capazes de solucionar certos problemas causados por leis injustas e discriminatórias que lhes vedavam o acesso ao trabalho e à propriedade, por exemplo. Passariam a ser elegíveis e, assim, concorrer em pé de igualdade com os homens nos cargos electivos. Na Argentina a campanha a favor do sufrágio feminino foi iniciada após a posse de Juan Perón, em 1946, através da sua esposa, Evita Perón. No dia 11 de Novembro de 1951, as mulheres argentinas votavam pela primeira vez. No Brasil, um deputado, perante a derrota de uma proposta no sentido de estender às mulheres a capacidade de voto, chegou a afirmar: a maioria do Congresso Constituinte, apesar da brilhante e vigorosa dialéctica exibida em prol da mulher votante, não quis a responsabilidade de arrastar para

o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do género humano. A esta, outras recusas de alteração da Constituição se seguiram. Finalmente, em 1932, foi concedido o direito de voto a todos os cidadãos, maiores de 21 anos, sem distinção de sexo. Os homens com mais de 60 anos e as mulheres de qualquer idade ficavam isentos da obrigatoriedade de votar. Quer dizer, as mulheres adquiriam o direito, mas não a obrigatoriedade, de votar. Na Europa, o primeiro país em que as mulheres alcançaram o referido direito foi a Finlândia, em 1906. Em Portugal a primeira mulher a votar foi a médica, viúva, Dr.ª Carolina Beatriz Ângelo. Fê-lo em 1911 para a Constituição da República. Só o conseguiu graças à interpretação de um Juiz que teve de tomar posição perante o seu caso. A decisão foi acertada, tendo em conta a letra da lei. O diploma legal atribuía o direito de votar a todos os cidadãos portugueses, chefes de família, maiores de 21 anos. Perante o seu conteúdo, a interpretação da lei foi aquela que se impunha. Na verdade, o juiz não fez mais do que tomar em conta um dos princípios por que se rege a interpretação de qualquer norma jurídica e está expresso num brocardo latino que diz que onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir (ubi lex non distinguet non distinguere debemos). No caso concreto, não sendo feita qualquer referência ao sexo do cidadão com direito a voto, impunha-se que se considerasse indiscriminadamente aplicável a qualquer cidadão de um ou de outro sexo, abrangendo, por isso a Dr.ª Carolina Ângelo. Mas foi sol de pouca dura. No ano seguinte, o legislador alterou a redacção da norma de modo a reservar o direito apenas aos cidadãos do sexo masculino. Em suma, não tinha ainda existido a vontade legislativa de atribuir às mulheres o direito de votar. A implantação da República fez nascer uma grande esperança na instauração de um regime largamente participado. Aliás, os republicanos haviam amplamente denunciado fraudes e manobras eleitorais dos monárquicos, atribuindo-lhes inclusivamente o afastamento da maioria da população do exercício da cidadania. Com a implantação da República estavam criadas as condições para alterar o sistema tornando-o mais democrático. Por isso, a modificação da lei com vista a excluir as mulheres constituiu uma enorme desilusão.


Mas também nem todos os homens tinham capacidade de voto. Era exigido que fossem maiores de 21 anos, que soubessem ler e escrever e que fossem chefes de família há mais de um ano. Estavam assim arredados do direito de votar os analfabetos. Estes, durante a ditadura de Sidónio Pais adquiriram esse direito, mas logo o perderam de novo quando a ditadura findou. Finalmente, através do Decreto-Lei nº 19.694, de 5 de Maio de 1931, pela primeira vez, de forma explícita, as mulheres portuguesas foram consideradas eleitoras. Os vogais das juntas de freguesia passaram a ser “eleitos pelos cidadãos portugueses de um e outro sexo, com responsabilidade de chefe de família, domiciliados na freguesia há mais de seis meses”. Considerava-se que tinham responsabilidade de chefes de família, para tal efeito, “as mulheres portuguesas, viúvas, divorciadas ou judicialmente separadas de pessoas e bens com família própria e as casadas cujos maridos estejam ausentes nas colónias ou no estrangeiro…” Porém, as mulheres deviam ter idade superior a 21 anos, curso secundário ou superior comprovado pelo diploma respectivo. Por essa altura, as mulheres ganharam também o direito de serem eleitas para a Assembleia Nacional. O Estado Novo

passou a ser o primeiro regime português a possibilitar às mulheres o uso da palavra no Parlamento. Apesar de nessa época Portugal ser considerado um País conservador, acabou por tomar, nesta matéria, decisões mais progressistas do que outros países tidos como democráticos. Foi assim concedido às mulheres o direito há muito reclamado, mas sempre negado, durante a primeira República. Nas primeiras eleições legislativas ocorridas no Estado Novo foram eleitas três deputadas, as primeiras da História de Portugal: Maria Baptista Guardiola, Domitila de Carvalho e Maria Cândida Parreira. Maria Guardiola (1895-1987) havia-se licenciado em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra. Domitila de Carvalho (1871-1966) notabilizou-se pelos três cursos que frequentou na Universidade de Coimbra – Matemática, Filosofia e Medicina. Maria Cândida Parreira (1877-1942) licenciou-se em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa. É digno de nota o elevado nível cultural destas mulheres, em comparação com a generalidade não só das outras mulheres de então, como até dos restantes deputados. A partir de 1974, após a Revolução de Abril, foram retiradas todas as limitações ao voto das mulheres.

Dr.ª Carolina Beatriz Ângelo

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TRAIÇÃO Anthero Monteiro*

o senhor vento violento passou no jardim deixou prostradas as rosas o jardineiro que só tinha olhos e mãos para as flores debruça-se para erguê-las mas no atalho sobranceiro passeia uma sombra o seu perfume o homem detém o gesto e fica a olhar até desaparecer aquela mulher desconhecida

e às rosas perfeitas mas impacientes pareceram longas horas os instantes em que ficaram vergadas ao peso da vergonha e do ciúme à espera dos olhos traiçoeiros à espera daquelas mãos tardias

Santa Maria da Feira, 3 de Novembro 2003

*Escritor e poeta natural de S: Paio de Oleiros. É autor de vários livros de poesia e de ensaio.


Foto de Clara Azevedo

Resisitir à Mediocridade Maria do Carmo Vieira*

É preocupante que, de forma cada vez mais demagógica, se confunda progresso tecnológico com progresso humano, quando, na verdade, assistimos a uma crescente desumanização da sociedade, fruto de uma economia sem ética e centrada obcecadamente no lucro, em estreita associação com o estímulo a um consumo desenfreado. Nesse sentido, se compreenderá a preponderância de um conhecimento com intuitos práticos e funcionais e o desprezo pelas matérias que se designam por Humanidades, interpretadas como forças improdutivas, logo, sem mais valia. Uma limitação que desincentiva a reflexão e atinge profundamente a formação do ser humano, entregue à euforia do êxito pessoal, vivenciado de modo egoísta, e em que o gesto solidário não tem lugar. Não foi por acaso que se pretendeu substituir o nome da disciplina de Português por «Língua e Comunicação» e eliminar, simultaneamente, a Literatura dos programas, o que só não aconteceu devido a forte contestação. Em contrapartida, enfatizam-se os textos pragmáticos e dos mass media, mais em sintonia com a sociedade de consumo, pela possibilidade que oferecem do quotidiano e do utilitário. Um dos exemplos é o destaque dado ao texto publicitário.

Perspectivada como «uma nova força produtiva», a Comunicação optou (tal como a Escola), por uma cultura de massas, assente na ausência de espírito crítico, e incidindo fortemente no «fait-divers espectacular», composto de situações de catástrofe, que garantem a adesão do público, já treinado no esquema, pela curiosidade que suscitam. Imitando a mesma estratégia, pelo sucesso dos resultados, a publicidade, que serve apenas o objectivo de enganar o consumidor, seduzindo-o traiçoeiramente para a compra, transforma também o objecto a publicitar numa notícia, e basta lembrarmo-nos das encenações que vemos ou ouvimos nas televisões ou nas rádios, a maioria das quais a raiar o absurdo e o sem sentido, primando este último pela ausência quase total de criatividade. Marca própria da cultura de massas é igualmente o discurso da superficialidade e da imitação, que não rejeita o aproveitamento da arte para um faz-de-conta de cultura artística, em que o criador cai no anonimato, desvirtuando-se o significado da obra pela sua repetição exaustiva e, muitas vezes, inadequada. Um dos exemplos mais banalizados diz respeito ao uso da tradução do verso, o caminho faz-se caminhando (se hace camino al andar), do poeta, andaluz, António Machado, exaustivamente repetido em jornais e revistas, perdido do poema em que se insere e desligado da sua força metafórica. Exige-se, pois, a leitura do original:

* Licenciada em Filologia Românica, mestre em Literatura de Viagens e Professora do Ensino Secundário. Tem vários livros publicados sobre ensino e viagens; em 2010 publicou o Ensino do Português, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa.

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Caminante, son tus huellas el camino, y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se hace camino, y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar. Caminante, no hay camino, sino estelas en la mar.1

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Outro exemplo, menos estafado porque em fase de assimilação, prende-se com o substantivo «espuma», usado, também na comunicação social, em expressões como «espuma dos dias» ou «espuma do tempo», ou espuma de qualquer outra coisa, desconhecendo quem o usa, o que já se verificou em várias situações, que as expressões apoiadas pelo referido substantivo têm uma ligação ao título traduzido da obra, L’Écume des Jours (1947) – A Espuma dos Dias −, do escritor francês Boris Vian, o mesmo autor da canção e do poema «Le Déserteur», que Serge Reggiani, cantor francês, filho de emigrantes italianos, divulgou para todo o mundo, na década de 60. A própria construção poética de Alexandre O’Neill, Há mar e mar, há ir e voltar, para um slogan publicitário, incidindo no início da época balneária, e que persistiu em eco nas pessoas pelo seu poder sugestivo, marcado por uma musicalidade ondulante, foi identificado, numa televisão, como um «provérbio antigo». Sem dúvida que a sua estrutura binária se ajusta à de um provérbio, mas aquele não se prende ao fundo do tempo, mas a um poeta relativamente recente no tempo (1924-1986). Deixando a literatura e focando-nos na música, são muitos os exemplos que poderíamos dar sobre o seu uso em publicidade. Optámos pelo indicativo do Festival da Eurovisão, pela experiência de uma história de ensino. Contextualizando a época histórico-cultural do Padre António Vieira, passei numa das aulas o Te Deum do compositor francês do séc. XVII, Marc Charpentier (1643-1704) e a este propósito não esqueço a surpresa dos meus alunos, entreolhando-se confusos. Na verdade de música profana do século XX, passara a música

António Machado (1920-1959), Poesías Completas, «Provérbios Y Cantares» (XXIX). Madrid, Espasa Calpe, 2006.

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religiosa do século XVII. E neste momento de espanto, que determinou o interesse dos alunos em compreender e a curiosidade de tornar a ouvir a composição, já com outra atitude pela identificação desvendada, constatei, com alegria, que se haviam cumprido, neste caso pela música, as palavras de Paul Ricoeur: Li, compreendi, amei. E porque nos referimos à música clássica, não podemos deixar de salientar que, nos dias de hoje, também ela se encontra, como os autores clássicos, na lista do que deve ser simplificado através de adaptações, facilmente consumíveis como meros entretenimentos. Visível, por breves segundos, na publicidade, desaparece por completo do horário nobre dos canais televisivos, porque não convoca audiências, o que significa em linguagem economicista que não é produtiva, não representa uma mais valia, não é «para levar a sério». Idêntica situação «nas estações de rádio públicas, que outrora eram o principal suporte da difusão da música clássica» e que «têm vindo a substituir todo o tipo de música por conversa, conversa e só conversa».2 Dir-se-ia que a apreciação crítica enunciada seria de autor português, referindo-se à Antena 2, por exemplo, mas, na verdade, as palavras são de Lawrence Kramer, professor de Inglês e de Música na Universidade de Fordham, numa demonstração inequívoca da cultura de massas que se tem amplamente privilegiado. Seja na música, seja na literatura, seja em qualquer outra arte, o importante é criar uma atitude, o que forçosamente exige tempo para reflexão e fruição de uma descoberta que gradualmente se vai compondo em significado. No caos de incessante mudança em que nos querem obrigar a viver e em que, por força do excesso materialista, se esquece o lado simbólico da vida e a ética que subjaz à relação humana, urge que não desperdicemos as energias que recebemos do contacto com a obra de arte e que não abdiquemos de contar essa nossa experiência.

Outubro 2010

Lawrence Kramer, Porque é a música clássica ainda importante? Lisboa, Bizâncio, 2009.

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O Falar do Emigrante Português em França Maria da Conceição Vilhena*

1. Ao abordarmos os problemas de linguagem do emigrante português em França, temos em vista examinar a causa das principais dificuldades surgidas na utilização dos dois sistemas e analisar as formas de interferência que o contacto permanente desses sistemas costuma originar. Aludiremos igualmente ao comportamento em relação à língua materna e aos desvios que provoca a utilização da nova língua. Temos em conta que o processo de aprendizagem da língua estrangeira, bem como o seu grau de eficácia, geralmente baixo, varia de harmonia com a situação social e cultural do utente. Também a idade, o sexo e o método de aprendizagem seguido são factores a considerar; no entanto, dado o curto espaço de tempo de que dispomos, só muito rapidamente os referimos. Não esquecemos que há disposições verbais naturais, além de um maior ou menor interesse, maior ou menor contacto com a segunda língua. Mas são casos particulares a que não nos prenderemos, preocupando-nos especialmente com aquela situação que é quase geral no emigrante: analfabetismo rudimentar, choque de culturas e isolamento.

1.2. Aquilo que vamos apresentar será assim um contributo para uma análise das relações recíprocas variáveis entre factores linguísticos e sócio-culturais, numa situação de contacto do emigrante português em França. Temos ainda a informar que nos fixámos sobretudo no emigrante da primeira geração, aquele que saiu de Portugal já adulto e que não abandona o português em proveito do Francês, mas que muitas vezes amalgama os dois sistemas. 1.3. O material utilizado na elaboração deste trabalho foi colhido durante uma estadia de longos anos em França, em contacto directo com os emigrantes, e provém também de um levantamento feito no Consulado de Marseille, em que nos servimos de correspondência de emigrantes aí arquivada. 2. O emigrante e a aprendizagem do Francês. 2.1. A França, ao receber o emigrante, não tem como objectivo assimilá-lo, mas tão-somente integrá-lo, para o que basta uma simples adaptação ao novo meio social e, sobretudo, às suas técnicas e métodos de trabalho, em função das suas actividades produtivas. Para isso, e no que diz respeito à língua, são suficientes algumas expressões apenas, imprescindíveis na vida quotidiana. O emigrante português, consciente da sua inferioridade sócio-cultural, aceita a nova sociedade com reservas e, ao

* Licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras de Lisboa, 1965. Doutoramento de Estado ès-Lettres, pela Sorbonne, Paris, 1975; Professora Catedrática. Leccionou na Universidade de Aix-en-Provence, França; na Universidade dos Açores; na Universidade Aberta de Lisboa e na Universidade da Ásia Oriental, em Macau. Tem publicado perto de cento e cinquenta trabalhos (livros e artigos) sobre literatura, linguística, etnografia e história. Actualmente é aposentada e Presidente Honorária e Vitalícia da Associação de Solidariedade dos Professores.

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mesmo tempo, com admiração, geralmente com passividade. Conforma-se, resigna-se. Tem dificuldade em desprender-se dos seus hábitos de vestir, de se divertir, de conviver; por isso sente-se marginalizado e numa espécie de vazio cultural, propício à desagregação e ao isolamento. Como diz G. Durand, o emigrante leva sempre a sua sociedade na sola dos sapatos: hábitos articulatórios, modo de vestir, mentalidade1.

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2.2. O estar radicado no país em que a língua é falada, constitui uma circunstância favorável, aquilo que se pode chamar a «condição óptima». No entanto há outras a oporemse-lhe, como o seu baixo nível social, económico e cultural, que dificultam a sua integração no país de adopção. Há ainda a ter em conta o facto de o cérebro já não estar virgem; a língua francesa vai funcionar como um superestrato, penetrado pelos elementos que já se encontravam bem arraigados, isto é, o estrato constituído pela língua materna. Os órgãos fonadores são «dirigidos» por um centro cortical já condicionado pelas estruturas fonológicas próprias do sistema da língua materna. É por isso que o emigrante português ouve por exemplo mur (myr) e pronuncia (mur). A língua materna constitui assim um obstáculo à assimilação correcta (fonológica, morfológica, sintáctica e lexicológica) da língua francesa, pois não só o emigrante aborda a nova língua a partir daquela que já possui, como a falta de conhecimento científico que tem do funcionamento da sua própria língua vai repercutir-se na aprendizagem da língua estrangeira. 2.3. O emigrante sai do seu país com um nível de linguagem familiar, confinado às necessidades do meio agrícola, que utiliza de forma relaxada. Ele possui apenas os recursos de linguagem fundamentais, tanto para o léxico como para a construção da frase. É sobre esses recursos que se instaura a sua competência, a qual ele vai pôr ao serviço do francês. A ideia de que as duas línguas se parecem, leva o emigrante a agir comparativamente, preenchendo por analogia todas as lacunas que se lhe deparam, projectando sobre a nova língua as categorias da língua materna, como se todas as línguas devessem possuir as mesmas unidades e aplicar as mesmas regras sintácticas.

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Mito, símbolo e mitologia. Ed. Presença, Lisboa, 1982, p.88.

As dificuldades causadas pelas divergências de que se não dá conta, são assim a causa da maior parte das incorrecções. É o caso da troca de géneros, que o leva a dizer la voyage, la doute, le livre, le dent; a tendência para substituir o futuro pelo presente; ou a tradução literal de certas expressões: il est en pied em vez de il est debout. 2.4. – A aprendizagem da língua francesa para o emigrante adulto faz-se habitualmente fora de um contexto escolar, sem o apoio visual da forma escrita. A frase é recebida como um todo auditivo, sem distinção das unidades que a formam. Ora para uma língua, como para as outras funções perceptivas humanas, do homogéneo indefinido passa-se ao heterogéneo definido por uma análise dos conjuntos, processo dinâmico demasiado complexo para todo aquele que nunca estudou e cuja aprendizagem é de tipo global. Deste modo, uma das grandes dificuldades do emigrante está na estruturação e reaplicação dos elementos adquiridos. 2.5 – Além disso, o homem reage à aprendizagem de uma nova língua de acordo com a época da vida em que o faz; e o emigrante da primeira geração chega a França já dominado pelos seus hábitos linguísticos e condicionado por um endurecimento dos centros nervosos. Na sua memória verbal se empilham as experiências passadas, material que a sobrecarrega e lhe restringe a maleabilidade. Quanto mais velho é, mais o homem se torna insensível aos erros que comete e mais se reduz a sua capacidade para um trabalho de autocorrecção, pois as propriedades do sistema nervoso, suporte das condutas verbais e instrumento principal na aquisição da linguagem, vão-se degradando com a idade. As estruturas do cérebro começam a recusar actualizar-se em comportamentos verbais; e o organismo, moldado por um tipo de cultura e nele solidificado, recusa-se a nova moldagem. 2.6 – A vontade de aprender é um elemento determinante na aquisição de uma língua. No emigrante, em geral, não se nota uma motivação interior, pois não manifesta aspirações de tipo intelectual, a não ser em casos excepcionais. A sua motivação é toda exterior, surgida em primeiro lugar das necessidades quotidianas da existência: contacto com as autoridades e patrões; compra de géneros alimentícios, vestuário ou calçado; diálogo com os professores dos filhos; informação a dar ao médico ou à assistente social.


Em segundo lugar vem o desejo de promoção social: ser admitido num determinado grupo desportivo, ser promovido profissionalmente, poder tirar a carta de motorista… A motivação exterior surge assim comi uma motivação de contingências sócio-económicas. É pouco a pouco, em função das próprias necessidades e à medida que a sua integração no meio profissional se vai processando, que os elementos linguísticos em uso nesse meio vão sendo adquiridos, segundo uma aprendizagem de tipo oral, alheia a qualquer metodologia, ocasional, espontânea, sem regularidade. Daí a ambiguidade na comunicação, que tantas vezes é fonte de conflitos. De alguém que andava a aprender a conduzir, dizia-nos o instrutor que a sua maior dificuldade lhe vinha do facto de não compreender as ordens que lhe davam. Consequência: só à décima terceira vez conseguiu passar. 2.7 – No que diz respeito ao falar dos filhos, este opõese ao dos pais pela sua extensão, complexidade e correcção sintáctica dos enunciados. Na posse de um código elaborado, a criança emprega conjunções e advérbios, constrói frases cuja complexidade lógico-verbal e riqueza de variações sintácticas está muito para além das possibilidades do código restrito utilizado pelos pais. A linguagem destes é correcta e com um rudimentar vocabulário, pobre de conceitos, consequência do estado de inferioridade social e cultural em que nasceram e cresceram. Enquanto que, para os pais, a linguagem lhes serve apenas para agir sobre outrem, com vista a dar satisfação às suas necessidades, para os filhos funciona também como meio de manifestação dos seus sentimentos e como instrumento de pensamento. A linguagem dos pais acomoda-se do gestual, enquanto que a dos filhos atingirá o nível das relações intelectuais. Só na segunda geração a língua francesa é utilizada com correcção. A criança, menos condicionada pelo sistema português, e num estádio de abertura a todas as aquisições, entra facilmente no sistema francês, à medida que se vai integrando na nova sociedade e que se realiza o seu desenvolvimento intelectual. A criança ouve e imita fielmente, quer a pronúncia quer as estruturas linguísticas, em toda a sua complexidade, sem análise e sem esforço, com a mesma facilidade, quase, com que aprende a sua língua materna. Na escola, na rua, no pátio, vive num constante contacto com crianças francesas, o que lhe permite aprender, enriquecer e aperfeiçoar o francês, enquanto que os pais, pelo contrário, com o tempo contado para o trabalho material, a que devem consagrar toda a sua

atenção e esforço, têm enormes dificuldades em estabelecer relações. Mais que o homem, que no seu trabalho e ao longo do dia, vai ouvindo algumas frases em francês, a mulher, geralmente dedicada a trabalhos caseiros, afastada da prática da língua que deverá aprender, vive num isolamento total. As aquisições que faz, de tipo global, são curtas frases truncadas, indispensáveis na vida quotidiana, e fixadas por jogos mnemónicos que ainda mais as alteram. Uma emigrante chegada à Alemanha fixou a frase que lhe permitia perguntar o preço – wieviel kostet – por analogia com viva o Afonso Costa, e era algo de muito semelhante a esta frase aquilo que pronunciava. 2.8 – A língua é, para o emigrante, apenas um reportório de palavras. Cada objecto tem apenas um nome, e a cada significante corresponde apenas um significado. Aprendeu por exemplo, o vocábulo chaise, como equivalente a cadeira. A partir daí todas as vezes que, numa frase portuguesa, houver o vocábulo cadeira, ele traduzi-lo-á por chaise. A um emigrante que deixou França e se fixou em Aveiro, ouvíamos dizer, ainda há pouco tempo, que nesta universidade «il y a très peu de chaises» e que, como não havia aí as cadeiras de que o filho gostava, este tinha ido frequentar outra universidade. Procedendo por analogia, tapar será taper; levar, lever, tirar, tirer; ensaiar, essayer. O que vai provocar um sem número de ambiguidades no diálogo e ser causa frequente de informação absolutamente errada. É o caso daquela pessoa que recordava a emotividade ruidosa da gente da sua aldeia, sempre que alguém morria, os gritos agudos das mulheres no momento em que o corpo era enterrado, gritaria que achava certamente semelhante ao chiar das rodas dos carros, pois dizia: «elles se mettent alors à chier, à chier…». E repetia o verbo com ênfase, perante o olhar intrigado da sua interlocutora francesa, mal imaginando o equívoco a que a tinham conduzido os “falsos amigos” resultantes de uma analogia apenas de significante. Equívoco humilhante para todo o que nele cai, porque criador de situações delicadas e ridículas. 2.9 – Dos diferentes níveis de realização do acto de comunicação. O emigrante contenta-se com aquele grau mínimo que consiste em compreender e fazer-se compreender, de forma incorrecta, longe de um nível de elaboração do

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pensamento e da expressão dos valores efectivos. 3. – Alterações introduzidas no português. 3.1 – O emigrante, porque em geral analfabeto ou deficientemente alfabetizado, dá prioridade à língua falada e só muito raramente lê um jornal ou escreve uma carta. Além disso, falta ao emigrante a preocupação, o desejo e o hábito de falar correctamente a sua própria língua, De tal modo que vai até ao ponto de corrigir o filho alfabetizado por falar de maneira diferente: é vaidade falar como as pessoas da vila ou da cidade. Falar correctamente é um atentado aos bons costumes e à sã moral do camponês; um luxo a que o pobre não deve aspirar. E só na escola a criança pode seguir os ensinamentos do mestre.

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3.2 – O conhecimento que o emigrante tem da sua língua, apenas pelo uso oral, corresponde a um quase desconhecimento. Nunca a estudou, nunca a analisou, nunca reflectiu sobre ela. No seu arsenal da memória apenas existem imagens auditivas que nunca se materializaram em forma escrita, que são o fruto de uma aprendizagem natural e negligenciada. Ora a linguagem fortifica-se pela prática da escrita e da leitura. É por ela que o falante toma gradualmente consciência da sua língua e aperfeiçoa a expressão oral. A escrita é um factor essencial de unificação e de controle da língua, pela imposição de uma certa normatividade que favorece a permanência dos sons, das formas, das construções. Em contrapartida, o oral favorece a diferenciação. A realização apenas oral duma língua é propícia à fugacidade e favorece a transgressão não só fonética como sintáctica. 3.3 – Vindo frequentemente de um meio rural, o emigrante está na posse de um vocabulário sobretudo relativo à agricultura, circunscrito nos limites das suas necessidades reais de comunicação linguística. Ao entrar na fábrica ou na construção imobiliária, não encontra no seu reportório materno o correspondente às palavras e expressões que começa a adquirir. É por isso que as vai integrar no português, adequando-lhes apenas as desinências de masculino e feminino: são as vacanças. Os batimentos ou batimões, o logiamento ou logemão, os magasães, o passaporte perimado, a certidão de décé, o extraite de nascença, o permi de conduzir, a carta grise, o cinge de maternidade, a prima de gravidez, a prima de despraçamento, o seu rolo lá no trabalho;

o cu de mão que dá ao amigo, a letra que posta para a família a dizer que caiu do chafordage, os boletins de paio, a retrete por receber, ao pagamentos regulados por conta rebolsemã (contra reembolso?), os freis a pagar e o danger de ser posto à porta…2 O diferente campo da realidade a nomear obriga-o a uma linguagem também diferente, que permita distinguir uma nova ordem do mundo exterior e uma nova organização de valores com que se vê confrontado. Com a nova situação, veio a necessidade de um novo vocabulário. Em Portugal, o camponês não tinha férias. Conhecia o termo, mas aplicava-o apenas em relação ao filho que ia à escola. Por isso, ao chegar a França, aquilo que ele goza se chamará vacanças ou congé. Não conhecia a expressão «ajudas de custo», por isso dirá prima de depraçamento. Não tinha seguros sociais, nem caixas de previdência, nem aposentação; e desconhecia a licença por doença. Por isso introduzirá no seu vocabulário formas novas, como retrete, folha de meladia, arrête de trabalho, congé de meladia, passar a visita medical, ser mutile de trabalho, receber da caísse de alocation… O seu poder de nomear corresponde agora à prática social do operário citadino francês. Sem se dar conta da mistura que opera. 3.4 – No caso de polissemia numa das línguas, o emigrante transfere-a imediatamente para a outra. Fille contém não só o significado de filha, mas também o de menina, moça, rapariga. Daí o dizer que a Anita está uma grande filha. Se place acumula os sentidos de praça e lugar, o correspondente português praça, acumulá-los-á igualmente. Por isso um marido nos dizia que a mulher tinha ficado com a praça duma espanhola que se tinha ido embora; isto é, tinha ocupado o lugar da outra. Na sequência desta equivalência, vão surgir despraçar (déplacer) e despraçamento (déplacement). No seu espírito, a língua adquire-se por um processo de adição de unidades e de derivações regulares, e não como um sistema cujos elementos são interdependentes, no qual a excepção está sempre presente. 3.5 – Habitualmente, o emprego alternado de duas línguas conduz o falante à utilização de expressões e ao decalque de

Reproduzimos as formas gráficas registadas na correspondência que consultamos.

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vocábulos e formas da língua estrangeira, de maneira subtil, por vezes inconscientemente. Há, no domínio da linguagem, uma tendência geral ao empréstimo, a qual, acentuada pelo facto das duas línguas estarem em contacto na prática alternada e descuidada de um mesmo indivíduo, vai levar a frequentes interferências, pois na sua produção intervêm os mesmos órgãos cerebrais e fonadores 3. O indivíduo é o espaço de contacto entre os dois sistemas linguísticos; e, apesar da autonomia que cada um possui e das diferenças que os separam, a fronteira entre eles nem sempre se impõe com aquela nitidez que seria desejável. O Francês, que em situações novas foi adoptado parar preencher lacunas, não limitou a sua intrusão no português apenas nesses casos. Nas cartas que consultámos, o francês está constantemente presente sem outra razão que não seja a do apagamento de fronteiras entre os dois sistemas: Na loja, a moça quis ensaiar um vestido. O carrinho de bebé é o landó. Fechadura passa a fermatura. Em vez de residente escreve domicializado. «Imediatamente» cedeu o lugar a de suite. «Por causa de» e «no momento tornaram-se à causa de e ao momento. Vem de ser invitado, inculpado, refusado. Demanda se está prestes a finir. Manda d’avanço, quer restar em França, adressa uma letra ao senhor o cônsul, signa a letra, demanda perdom. Diz que compreende rien disto, que fô ter conta disto, que faz n’importa quê. Vai fazer um viagem de tran ao Portugal e já marcou a praça (lugar). É boubrieiro (ouvrier), está na chomage e ainda não lhe acordaram as idemnités. 3.6 – Quando encontra facilmente na sua língua o correspondente às formas francesas, ele emprega-as em português; é o caso de bien sûr, traduzido por bem seguro, que se ouve com muita frequência. No caso de nada se lhe apresentar que pareça adequado à expressão francesa, ele introdu-la no português, tal como é. Numa carta alguém escrevia «e eu disse-lhe bom tampi» (tant pis). Mais que as unidades fonológicas ou as regras gramaticais, as unidades lexicais gozam de grande facilidade de difusão, bastando um contacto mínimo para que os empréstimos se realizam, por vezes em grandes proporções.

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Weinreich, Languages in contact, p. 1 sg.

No meio emigrante o falante funde com àvontade os dois vocabulários, formando uma reserva de inovações lexicais que funciona em cada uma das línguas. Sendo dado que, por motivos de ordem genética ou cultural, há muitos vocábulos que se assemelham pelo significante, mas que podem diferir pelo significado, assistese com frequência à sua utilização sem ter em conta certos matrizes semânticos que os diferenciam. Por exemplo, fazer a traduzir faire nos seus múltiplos e variados empregos que não se encontram em português: fazer a louça, em vez de lavar; fazer a cozinha, em vez de arrumar. Um outro efeito gramatical do contacto, verificado frequentemente, diz respeito ao emprego do diminutivo: o sufixo –inho, não encontrando correspondente em francês, começa a ser substituído pelo adjectivo “pequeno”, acabando por desaparecer. E temos então uma pequena casa, um pequeno carro, uma pequena flor, uma pequena criança. 3.7 – Do pondo de vista da forma, o material lexical importado sofre habitualmente as necessárias modificações para se conformar às regras da língua em que entra, sofrendo assim uma integração parcial. Le bâtiment é pronunciado como batimão ou batimento; la serre e la demande tomam o a final próprio do feminino. Retard torna-se retardo. Coup d’état, expressão que talvez nunca tenha ouvido na sua aldeia, toma a forma escrita de cu de estado. No domínio da fonologia, as interferências são devidas ao facto dos sistemas não se corresponderem plenamente. É o caso da vogal |Y| que o emigrante pronuncia simplesmente como o |u| português, mas que também, por um esforço de hiper-diferenciação, surge com a forma do ditongo português iu ou até como um grupo de duas vogais i-u ou i-o. Uma mãe escrevia-nos numa carta que a filha tinha arranjado trabalho numa usina de lionetes (lunettes). Não só não se verifica a resistência às importações, como parece descobrir-se um certo prazer em fazê-lo. Em grande parte dos casos as importações são mais por razões de ordem social que estrutural: o emigrante vê nelas uma marca de ascensão sócio-económica compatível com as suas aspirações de triunfo. Empregar estrangeirismos é uma forma de ostentar a sua promoção e de acentuar a sua superioridade em relação aos familiares, que ficaram na terra e só falam a sua língua. Se a mulher diz que vai fazer um lapin para o almoço e não um coelho, é porque, pelo emprego de uma palavra

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estrangeira, ela dá provas da sua abertura à inovação. O grau de prestígio da língua estrangeira é uma garantia de prestígio para aquele que a usa, mesmo que parcialmente ou muito incorrectamente.

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3.8 – O emigrante não é nunca um bilingue perfeito, pois falar-se-á de bilinguismo perfeito sempre que as duas línguas são percebidas de duas maneiras diferentes, através do mesmo órgão auditivo, e são associadas de maneira diferente aos mesmos centros cerebrais, os quais suscitam duas formas de expressão diferentes emitidas pelos mesmos órgãos fonadores. O emigrante, na posse de um uso exclusivo e prolongado do português antes de partir para França, sofre inconscientemente a pressão do seu sistema, face à intrusão do outro, o francês, agora privilegiado por razões sociais, culturais e económicas. Os dois sistemas misturam-se e as interferências são uma consequência inevitável.

4. – Para concluir, diremos que as interferências, reproduzidas com frequência, entram no domínio dos hábitos e fixam-se como formas pertencentes à língua em que se introduziram. E, em alguns indivíduos, são de tal modo numerosas e profundas, que as fronteiras entre os dois sistemas são praticamente nulas. Aquilo que passam a utilizar é uma forma idiomática híbrida, um pidgin em que o português funciona como forma de substrato, presente na fonética e na gramática. Isto no que diz respeito ao emigrante da primeira geração de baixo nível intelectual. Na segunda geração, verifica-se frequentemente a passagem do português ao francês, em substituição gradual, até ao predomínio deste em detrimento daquele, que entra em decadência em velocidade acelerada. Mesmo se o português foi dominante em casa, a prática contínua do francês pode apagar da memória a primeira língua à qual já o não ligam laços afectivos.

Inverno (ou inferno) de 1964 na região parisiense; imigrante português levando o carvão para o aquecimento.


SUPLEMENTO AO ESTUDO LINGUÍSTICO DOS TOPÓNIMOS MEIS E MEI Domingos A. Moreira*

O motivo deste suplemento deve-se ao facto de não termos tido em atenção, no número anterior desta revista, por esquecimento, aquilo que já tínhamos escrito em 1969 no vol. 32, fascículo 3-4 de revista Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, pag. 517 e seguintes (ou pág. 50 e seguintes da separata) sobre o topónimo Fermedo (Arouca) no qual entra o elemento Med bem como nos nomes próprios germânicos Vermedus, Medegísilus, Medulfo, etc. Importa desde já notar que a forma Fermedo ainda hoje continua inalterada, o que mostra tratar-se dum t originário, posteriormente abrandado, em posição intervocálica, em d como o latino totu no actual todo, etc., quando o d primitivo na mesma posição acaba por desaparecer como aconteceu com a palavra latina médiu, hoje meio e que deve ter acontecido igualmente com os topónimos Meis segundo parece, o que significa estarmos perante dois elementos Met e Med diferentes, devendo ser Med (com d originário) relationado com o gótico midis, equivalente indoeuropeu do latino médius. Ora Met/Med é muito abundante perante o mais raro Med/Me(d). *Abade de Pigeiros. Faleceu a 10 de Janeiro de 2011.

Esta duplicidade temática destes dois elementos parecidos mas diferentes já foi também notada por H. Kaufmann 1. Além do já exposto, há ainda outra diferença. Met/Med aparece ainda com a variante vocálica a como se regista na pág. 533-534 ou 66-67 da separata do nosso estudo em 1969: nomes pessoais germânicos Viomedes a par de Wiomadus, Madulfus e Medulfus, Madericus e Mederichus, Alamatha e Alameda, Madagisil e Medegisil, Admata e Admetus, etc. Notar que o topónimo português Madail (Oliveira de Azeméis), relacionado com o elemento Mata /Med, mantém ainda hoje o d, proveniente dum primitivo t também. A razão da vogal a perante e do mesmo elemento Met/Med deve-se ao facto dos diferentes dialectos germânicos: enquanto nos dialectos ocidentais (alemão, suevo, francónio, etc.) é a, nas dialectos orientais é a vogal e ou i (gótico etc.) como já observou Joseph M. Piel 2 e assim temos por exemplo: antigo alto alemão mar perante gótico mir 3, antigo saxónio latan e antigo alto alemão lazzan perante gótico letan 4,

Henning Kaufmann, Ernst Förstemann, Altdeutsche Personennamen Erganzungsband, Munique 1968, p.253,257 e 258. 2 Joseph M. Piel, Os Nomes Germânicos na Toponímia Portuguesa, Lisboa 1937 - -1945, p. 44. 3 Ana Agud Aparício, Mª. Pilar Fernandes Alvarez, Manual de Lengua Gótica, Salamanca 1983, p.15. 4 Ham Krake, Linguística Germânica, Madrid 1977, p.56. 1

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antigo alto alemão meas perante gótico mes 5. Finalmente, interessa notar o seguinte. A terminação is de nomes pessoais germânicos como Almundis, Gunterodis6 pode evoluir em es, cfr. Vulfgundis e topónimo Beorkentes (na p.175 do anterior número desta revista Villa da Feira) e ainda o duplo topónimo Ratis e Rates 7. Sobre a variante vocálica *Medis (com d originário) do gótico midis e que originou provavelmente o topónimo Méis deve-se também à diferenciação linguística germânica (tal como dissemos na

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Igreja de Pigeiros.

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Obra citada na nota anterior, p.62. citado nosso estudo de 1969, p.511 ou p.44 da separata. citada nota anterior.

pag. 178 do número anterior desta Revista Villa da Feira) a propósito do saxão, frísio fel perante gótico druts-fill. Ora o grupo fonético edis com e (de * Medis) pode originar Meis tal como no topónimo antigo Recaredi, hoje Recarei, enquanto o mesmo já não acontece com o grupo fonético edes (com es evoluído de is) pois, à semelhança de pedes, plural de pé, origina “(os dois) pés” e não * peis, sinal de que o topónimo Meis é bem antigo.


Psicologia do Envelhecimento O meu testemunho Frei Acaribe* (Extracto da Palestra proferida na Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra no dia 18/12/ 2010 e no Salão Nobre da Junta de Freguesia da Feira – Santa Maria da Feira no dia 01/06/2010) A vida não se desenrola, não se desenvolve, por saltos. Toda ela é um fluir, um devir, contínuo. E o que acontece com o crescimento, acontece igualmente com o envelhecimento. É sobretudo na adolescência, com as mutações orgânicas, que mais nos apercebemos (e os outros também em relação a nós) de que realmente estamos a crescer, de que já não somos crianças. Pois algo de semelhante acontece com o envelhecimento. Só quando começamos a sentir algumas limitações é que nos apercebemos de que o sol vai declinando para o ocaso. E uma grande realidade é que nem todos envelhecem segundo um padrão uniforme. Os padrões divergem imenso segundo o grau de cultura, de educação, de vida social, de vida económica, * Professor. Historiador.

de saúde (física, moral e mental), da crença (política ou religiosa), da psicologia, do temperamento etc. Todos estes padrões de vida exercem uma influência, ora negativa, ora positiva, na aceitação do envelhecimento. Por tal motivo e para que a velhice não seja tida como um mal a suportar; mas antes como o desenrolar natural da vida que nos deve proporcionar horas felizes, é necessário atender a várias normas, que com todo o carinho vos propomos e que são fruto dos nossos estudos e da nossa experiência pessoal. Antes porém, da apresentação dessas normas, quero partilhar convosco os três segredos da longevidade: Certo dia, em tempos que já lá vão, um dos nossos reis foi à caça com alguns elementos da sua corte. Ao passar por uma aldeia escondida num dos vales da serra, encontrou uma velhinha, muito velhinha, e entabulou conversa com ela. No decurso do diálogo, ela declara-lhe que ainda tem a mãe viva, mais velha do que ela cerca de 18 anos. Imediatamente se aguça a curiosidade do Rei e ordena que a chamem à sua presença. Ela não se demora e aparece toda cheia de vida e alegria por ser recebida por tão importante personagem. Feitos os cumprimentos habituais, o Rei dirige-lhe a seguinte pergunta: “ Como é que a Sr.ª conseguiu chegar a esta idade com tanta vitalidade?”. E a Sr.ª respondeu: - “ Saiba Vossa Majestade que sempre tenho procurado cumprir os três

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conselhos que a minha mãezinha me deu: “ Nunca me sentar em lugares frios ou quentes, sem colocar qualquer objecto antes de me sentar, para que as partes baixas não apanhem doenças. Nunca beber, sobretudo bebidas alcoólicas, sem mastigar antes qualquer coisa para evitar doenças do estômago, fígado etc. Nunca me preocupar demasiado com a vida para não ficar doente da cabeça”. Sim, Senhora, disse o Rei. Gostei muito de a ouvir. Logo que possa voltarei a passar por aqui para conversarmos mais um pouco. Hoje é impossível porque a noite já se aproxima. Adeus. Até breve.

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Passadas algumas semanas, o Rei volta a encontrar-se com a velhinha. Após as saudações da praxe e, sem mais delongas, convida-a a sentar-se junto de si sobre uma laje em frente de um pequeno riacho que banhava a aldeia. A velhinha tira o xaile que trazia sobre os ombros; coloca-o sobre a laje e só depois é que se senta. (Estava certo o primeiro segredo) A seguir o Rei ordena aos seus vassalos que lhe sirvam a merenda. Toma um copo de vinho e convida a Sr.ª a beber. Mas a advertência não se fez demorar. Saiba Vossa Majestade que não bebo sem primeiro mastigar qualquer coisa. (Estava certo o segundo segredo). Quando a merenda se aproximava do fim o Rei dirige-lhe a seguinte pergunta:“Minha Senhora, para que lado correm as águas deste riacho?” Saiba Vossa Majestade que tanto me interessa que elas corram para a direita como para a esquerda, não dão para regar a minha horta!... (Também estava certo o terceiro segredo). Depois destes três segredos, vamos então apresentar algumas normas para viver a velhice com qualidade: 1º - Aceitar as limitações logo que comecem a aparecer: Diminuição da Visão e da Audição; falhas na memória e faltas de olfacto; dificuldade em se exprimir; entorpecimento dos membros motores; perda de sensibilidade táctil, sobretudo nas mãos, deixando cair com facilidade os objectos; aumento da sensibilidade de espírito com dificuldade em aceitar as agressões vindas dos outros, sobretudo de familiares, etc.;

2º - Ocupar o tempo com leituras, estudo (Universidade Sénior), convívios; passeios; caminhadas; trabalhos compatíveis etc. 3º - Revisão de Vida:- Auto-analisar-se; reviver o passado (lendo a descrição de retratos da vida, v.g. o diáro se existir, ou contemplando fotografias; perspectivar o futuro (o presente não existe). Carol Ann Morrow escreveu no seu livro “Quanto mais velhos mais sábios”, pág.s 27:- “ É tarde de mais para refazer o dia de ontem e cedo de mais para experimentar o de amanhã”. O nosso povo costuma sintetizar este pensamento dizendo: “A cada dia a sua malícia”. 4º - Aceitar as doenças e os sofrimentos, mesmo os irremediáveis, sejam eles físicos como Alzheimer ou Câncer; sejam eles morais como o Abandono, a Solidão, o Estorvo ou Peso para a família ou para a sociedade. O Papa João XXIII, de saudosa memória, advertia:”Quando o corpo está doente a alma adapta-se”; Há pois que nos adaptarmos à velhice. 5º - Desprender-se lenta e progressivamente do que mais amamos: - Livros, objectos, viagens, convívios, boa mesa, pessoas etc 6º - Dar e receber amor: Escreveu o mesmo Carol supra citado, no mesmo livro acima referido:” Nunca poderás ser velho de mais para dar e receber amor: Quando dás amor, ele voltará para ti”. (Ob. cit. pág.s 16). 7º - Aprender a envelhecer: Para quem tem fé, aqui deixamos uma Oração que é o resumo do que ficou dito: Senhor, ensina-me a envelhecer; Ajuda-me a reconhecer as coisas boas da minha vida; Dá-me força para aceitar as minhas limitações cedendo aos outros o meu lugar, sem ressentimentos nem recriminações; Que eu aceite ir-me desapegando das coisas, e veja nisso uma sábia Lei da Providência que regula o tempo e preside à vida das gerações. Faz, Senhor,


que eu seja ainda útil para o mundo, com as minhas pequenas tarefas, mas sobretudo com o meu testemunho de paciência e bondade, de serenidade, alegria e paz. Dá-me, Senhor, a Tua força para enfrentar as contrariedades de cada dia, particularmente a doença e a solidão. Que os últimos anos da minha vida mortal sejam como um pôr de sol feliz: na oração e na caridade, na compreensão e na esperança. Que eu saiba envelhecer e morrer com a serenidade e a coragem com que Tu, Senhor, morreste na Cruz. Para que um dia possa também ressuscitar para a glória do Teu e nosso Pai e ir ao encontro daqueles que partiram antes de mim. Ámen.

Bibliografia: 1 – A Vida pra lá dos 70 - Dicas de Bem Viver Julieta Vilela Paulinas – Porto 2 – A Identidade na Velhice Susana Matos/ Catarina Antunes Gomes Âmbar Porto 2007 3 – A Idade da Sabedoria Helena d,Orey Marchand Âmbar – Porto 2005 4 – A Alegria na Terceira Idade Victor Garcia Hoz Editorial A.O. Braga 5 – A Sublime Arte de envelhecer e tornar-se uma bênção para os outros Anselm Grun Paulinas – Porto

6 – A Nova Velhice - Um novo público a educar António Simões Âmbar – Porto 2006 7 – A Força do Optimismo Luís Rojas Marcos A esfera dos livros – 2006 8 – A Inutilidade do Sofrimento - Conselhos para aprender a viver de maneira positiva. María Jesús Álava ReyeS A esfera dos livros, 22ªed. – 2007 9 – Quanto mais velhos mais sábios Carol Ann Morrow Paulinas – Porto 10 – Como superar a solidão Daniel Crespo Paulinas – Porto 11 – Saber aceitar-se Lisa Engelhardt Paulinas – Porto 12 – Conviver com a dor Karen Katafiasz Paulina – Porto 13 – Viver uma reforma feliz Ted O’neal Paulinas – Porto 14 – Oração para saber envelhecer Autor ignorado Editorial Missões

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Erguido de esperança! António Madureira*

Vida oculta extática de mágoa empoeirada de luar olhos distantes, veem os teus na rocha vive, a saudade em ti um incerto olhar de mãos dadas erguidas sinto a revolta exigindo para mim o céu que és já procurei a morte entre grilhões despedaçado erguido de esperança, me ajoelho contente de mim, quando te encontrei e o teu olhar iluminado, me beijou sou prisioneiro, do meu alimento o meu caminho está traçado sou escravo da tua íntima harmonia causas em mim uma energia estranha no pulsar da minha vida está a tua luz flor ideal, que em silêncio me beija e seduz

*Nasceu em 1963, na freguesia de Massarelos, Porto. Actualmente reside e exerce a sua actividade profissional em Santa Maria da Feira.


Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo* A – Postais Ilustrados Colecção de 18 postais editados em Fiães na segunda década do século XX. Não tenho imagem dos nºs. 1-2-3-8-10-12-13-14-15 pelo que agradeço a quem as tiver o favor do seu envio para o Email desta Revista.

88 – Postal nº. 4 – Idanha (Fiães – Feira).

*Caminheiro por feiras, lojas e mercados.

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89 – Postal nº. 5. Capela de Macieira (Fiães – Feira).

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89 – A – Reverso do mesmo postal, cuja imagem é igual em toda a colecção.


90 – Postal nº. 6. Largo do Souto (Fiães – Feira). Tem assinalada a casa em que viveu o expedidor do postal.

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90 – A – Reverso do mesmo postal. Postal enviado em 11 – Mar – 43 para o Exmo Senhor Mário Velloso de Araújo Cabral. Quinta da Trindade. Ancora. Obliteração de Porto – Central sobre selo de 10 c. da Série Lusíadas de 1934. Obliteração do mesmo dia de Vila Praia de Ancora.


91 – Postal nº. 7. Largo do Monte (Fiães – Feira).

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92 – Postal nº. 9. Ponte da Costa (Fiães – Feira).


93 – Postal nº. 16. Ponte Nova (Fiães – Feira).

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93 – A – Reverso do mesmo postal. Dirigido de Fiães, em 1-12-914, para a Exma Srª. D. Maria de Lourdes Castro, Rua de Costa Cabral, 716 Porto. Obliteração de S. João de Vêr sobre selo de 1.c. verde da Série Ceres.


94 – Postal nº. 11. Vista Geral (Fiães – Feira).

234

95 – Postal nº. 17. Ponte da Taboaça (Feira).


235

96 – Postal nº. 18. Largo da Feira dos Dez (Fiães – Feira).


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