Programa Nossa Cidade

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se olha o terceiro ato da peça (segundo da encenação) no cemitério que se está a falar de uma outra dimensão que não a mais ordinária e aparente, na medida em que temos personagens mortos que esperam, não por um julgamento, como diz Thornton em um texto sobre a peça, mas por um entendimento maior, por um sentido maior para a vida. Estamos na esfera mítica com as questões mais básicas e originais que em todas as épocas animaram a humanidade e uma reflexão incessante sobre a origem e os destinos do homem.   Quanto à encenação do Grupo de Teatro Macunaíma, os três termos gregos estão inscritos praticamente nas paredes do CPT, pois não há como não identificar no discurso e nas obras produzidas ali nos últimos 31 anos a utopia por um homem e um mundo melhor; a poética em sua mais diversificada, rica e aprofundada manifestação, com múltiplas obras criadas; e o mito, que está presente já nos primeiros espetáculos exibidos simultaneamente à criação do CPT, ao falar de um “herói sem nenhum caráter” e do “eterno retorno” em Nelson Rodrigues.   Mas, para além disso, a filosofia central do CPT que marca profundamente aqueles que por lá passaram para a vida continua sendo a força motriz de atuação e caminhada do grupo e é evidente também na montagem de Nossa Cidade: a visão do teatro como meio e não como fim e a exortação de que primeiro deve vir o homem e depois o artista, com a rememoração da importante função social da arte, além de uma incondicional entrega e paixão na realização de si e de cada trabalho, com uma obstinada busca por um aperfeiçoamento contínuo.   Seguiu-se a constatação pessoal, ao acompanhar por um tempo a montagem de Nossa Cidade, de que o teatro é o rito que permite ao homem juntar utopia, poética e mito e assim existir e viver plenamente ou numa longa e infindável caminhada, como andarilho, conhecendo o mundo, se conhecendo, refletindo sobre tudo e criando, criando, criando, numa crença que nos torna crianças a sonhar que o mundo é o mundo, mas existem outros mundos e que o sentido, a beleza, o sagrado, a justiça, de alguma maneira dependem sempre de nossa participação e atuação em todos estes mundos. E que de maneira amorosa podemos ir construindo, desconstruindo, reconstruindo nossos sonhos e ilusões de realidade.  O que acredito que está no palco do Teatro Sesc Anchieta, simultaneamente não estando. Sendo e não sendo simultaneamente, como uma tendência, uma impressão, um olhar, uma inspiração, como desde sempre foi a filosofia do CPT que se manifesta em seu percurso, na trajetória de cada obra encenada e obviamente na história de seu coordenador, cuidador e maior entusiasta ao longo desses 31 anos, Antunes Filho. THIAGO BRITO Doutor em Filosofia do Direito pela USP Pesquisador das relações entre direito, sociedade e teatro 114


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