4 minute read

O impacto da revisão estatutária das Ordens na Advocacia

Jorge André Simões é Advogado e, tal como a maioria dos seus colegas de profissão, não é favorável às alterações implementadas recentemente nos estatutos das Ordens profissionais, particularmente no que respeita à Ordem dos Advogados. De acordo com o próprio, nenhuma das novas medidas veio para melhorar a vida dos cidadãos; pelo contrário, todas a prejudicam.

Quais as principais alterações estatutárias, relativamente às Ordens profissionais que, a seu ver, poderão ser mais graves para as Ordense as suasvalências?

Advertisement

As alterações mais graves que estavam perspetivadas não se materializaram, em virtude da oposição da Ordem dos Advogados junto do poder político e da opinião pública, de maneira que as mais graves que se mantiveram consistem na possibilidade de ser permitida a consulta jurídica por parte de profissionais com qualificação insuficiente, como sucede no caso de licenciados em Direito não Advogados, sem a devida habilitação profissional, com algumas ressalvas, e o facto de os funcionários das sociedades comerciais poderem elaborar contratos no âmbito da sua atividade. Estas são as alterações mais graves para o cidadão que decida ou necessite de recorrer a serviços jurídicos. A meu ver, a perspetiva terá sempre que ver com analisar se as alterações estatutárias serão graves ou não tendo em conta o prejuízo ou benefício que a população terá em consequência das mesmas. As Ordens e as restantes instituições existem para esse fim último que é a realização da Justiça e do acesso ao Direito pelo cidadão, apesar de, para isso, lhes serem atribuídas outras funções importantes. E é por aquela perspetiva que qualqueralteração terá de seranalisada.

No que respeita à Ordem dos Advogados, existe a possibilidade de o sigilo entre cliente e Advogado serposto em causa, considerando estes novosestatutos?

Sim, o sigilo entre cliente e Advogado vai ser posto em causa com estes novos estatutos. Não terá a mesma proteção, uma vez que agentes de execução, notários, licenciados em Direito e os funcionários de uma sociedade, e de outras entidades não estão vinculados a um regime que imponha evitar intervenções e comportamentos que possam pôr em causa a exposição de informações e conflitos de interesses de cidadãos, como por exemplo a possibilidade de uma informação sair para a comunicação social ou para a parte contrária quando existir um conflito ou um desses profissionais que instrua um contrato de sociedade, ou outro qualquer documento, a dois sócios, poder, depois, intervir a favor de um deles com os conhecimentos que adquiriu do outro que lhe confidenciou esses mesmos factos ou ainda um daqueles profissionais ajudar a instruir um acordo de responsabilidades parentais vir a testemunhar a favor de um dos progenitores, coisas que o atual estatuto impedeo Advogado de fazer

Na Advocacia, esta revisão dos estatutos pode levar a que pessoas não formadas em Direito possam ter acesso à Ordem. Que problemas isso pode acarretar para a realização da Justiça?

A Justiça, tal como a Saúde e a Educação são áreas onde o sistema, público e privado, tem de ter profissionais de formação, quetenham uma formação inicial e exclusivamente direcionada para o trabalho que exercerão. Um profissional que não tenha formação em Direito não terá conhecimentos sobre princípios, estruturas, métodos de interpretação, e todos os outros pilares que são ensinados num curso, e isto vai muito além de se conhecer a lei. A Ordem tem a função de aferirconhecimentos e preparar os licenciados em Direito para a atividade da Advocacia e não ensinar Direito. Em primeiro lugar o cidadão não saberá que Advogados terão essa formação, e mesmo que tenham maneira de fazer essa préseleção, os beneficiários do apoio judiciário, onde são nomeados e não escolhidos os Advogados para patrocinar os seus casos judiciais, não o poderão fazer; só por aqui, desde logo, haverá uma desigualdade muito grande. Ninguém quererá que o Advogado que irá patrocinar a sua causa seja um profissional que não seja formado em Direito.

Como lhe parece que os profissionais da área se podem proteger e assegurar que o bom nome da classe se mantém, tendo por base as novasexigênciasestatutárias?

As alterações já não serão as mesmas que haviam sido projetadas, mas os profissionais terão de se preparar da mesma forma independentemente de quaisquer alterações, que é o estudo, a formação e a atualização de conhecimentos contínua e trabalhar sempre o melhor possível, de modo a servir os cidadãos prestando bons serviços de acordo com as suas pretensões, respeitando os colegas e os demais profissionais com os quais contactam no âmbito da nossa atividade profissional. significará mais trabalho para os Advogados licenciados em Direito. A formação em Direito e a experiência judicial consubstanciam vantagens comparativas para o Advogado licenciado em Direito muito importantes, e quaisquer alterações legislativas que diminuam o contacto dos cidadãos com estes profissionais prejudicará a realização da Justiça com prejuízo para aqueles e aumentarão os problemas pois serão prestadas consultas e elaborados documentos sem quaisquer conhecimentos práticos da resolução de problemas da mais variada ordem.

É possível reverterna totalidade esta revisão ou, pelo contrário, apenas ajustá-la a uma realidade em que as Ordens e os seus integrantes não se sintam lesados?

A Ordem dos Advogados já se posicionou sobre esta revisão de estatutos. No entanto, além das questões tratadas acima, como lhe parece que o dia a dia de um Advogado mudará, considerando os novos desafios profissionais que surgirão?

Penso que estas alterações, mesmo sem os piores cenários mais prejudiciais para os cidadãos que se perspetivavam – não para os Advogados licenciados em Direito, nem para as Ordens – o trabalho para o Advogado licenciado em Direito aumentará, porque quando um Advogado presta uma consulta ou elabora um documento fá-lo com a experiência de resolução de situações que possui, que diariamente tem de resolver nos tribunais, vertente que os outros profissionais não conseguem fazer. Pelo que os problemas multiplicar-se-ão. Apesar de numa primeira fase a atividade aparentemente se abrir a mais profissionais, na verdade, a médio e longo prazo,

As alterações legislativas são sempre reversíveis e poderão sê-lo na sua totalidade ou ser ajustadas à realidade das pessoas. As Ordens Profissionais e os seus integrantes existem para melhorar a vida dos cidadãos, em conjunto com as outras instituições para o fim último da realização da Justiça. Qualquer alteração legislativa será boa ou má, consoante melhore ou piore a vida do cidadão na realização da Justiça. O poder político tem o dever de fazer alterações que melhorem a vida dos cidadãos e neste caso em concreto não existe sequer uma das medidas que melhore a vida dos cidadãos; todas a prejudicam. A reação da Ordem e da Bastonária foi certa, pois estas medidas representam um retrocesso civilizacional no que diz respeito ao acesso dos cidadãos ao Direito e permitem que a população fique mais desprotegida no acesso à Justiça, e aumentará as desigualdades sociais.

This article is from: