Unipautas nº 09 (2017/1)

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UNIPAUTAS /// JUNHO 2017 /// 7

ESQUECIDOS

Trapaças, furtos e abandono familiar atormentam idosos em Porto Alegre ARIEL FREITAS E WILLIAN CARDOSO

A

o aguardar sua vez para ser atendido na Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso, Bartolomeu, 74 anos, ex-pedreiro e viúvo, entrava oficialmente para as estatísticas de violência contra idosos em Porto Alegre neste ano. Vítima de ameaças constantes, o senhor que reside no bairro Nova Gleba, zona leste da capital, revela que possui causa de receio por uma disputa de terreno entre familiares. Grande parte das 1.062 ocorrências registradas até meados de maio denuncia agressões cometidas nos locais onde as vítimas deveriam se sentir seguras: dentro de suas próprias casas. Familiares que deveriam assegurar a proteção, reproduzir o sentimento de afeto e garantir as necessidades básicas são os agressores mais frequentes. Em alguns casos, segundo especialistas, os agressores passaram por uma infância conturbada em que o único contato os pais acabou sendo o momento em que eram repreendidos com violência física e psicológica. Quando adultos, acabam por reproduzir a experiência. Esse círculo vicioso se torna difícil de ser interrompido sem a procura de uma ajuda profissional. “Isso gera uma cicatriz profunda e fica difícil cessar sem o auxílio de sessões de terapia”, explica a psicóloga Elisabeth Mazeron. Casos como o de Bartolomeu acabam se tornando frequentes na cidade em que 15 idosos são atendidos diariamente na delegacia especializada. Segundo dados obtidos da Polícia Civil, os crimes mais cometidos contra idosos são os de ameaça, maus-tratos, abandono, injúria, apropriação de bem, negligência, omissão na assistência ao idoso, discriminação de pessoa idosa, lesão corporal, perturbação da tranquilidade e estelionato. Só em janeiro deste ano,

CAINAN XAVIER

Muitas histórias terminam em asilos da Capital

foram registradas 225 ocorrências na Delegacia do Idoso, sendo 51 direcionadas ao tema de ameaças. No mês de fevereiro, foram 238 queixas, 23 de maus-tratos. Em março, o pior mês, foram 288 acusações, 23 delas por injúrias contra idoso. As mulheres são as vítimas mais comuns. Entre elas, está dona Neta, como é conhecida, uma senhora de 90 anos que procurou em maio a delegacia. Vítima constante de estelionato, não recorda quantas vezes já pensou em fazer denúncias contra seu filho mais novo. “No fundo eu não tenho coragem, apesar de fazer essas coisas, ele é um bom filho”, desabafa. Casos como de Dona Neta se tornam frequente entre os idosos que vão até a DPPI, mas acabam não fazendo a denúncia. Dona Neta, viúva, cozinheira aposentada, explica que o filho constantemente furtava seus cartões bancários, fazendo realizações de empréstimos indevidos em nome da idosa, comprometendo sua renda. Das ocorrências registradas,até o final da apuração desta matéria, 16 de maio, 16,6% são denúncias voltadas ao teor de violência financeira, totalizando 83 queixas. Casos que preocupam, pois a população idosa atual do Rio Grande do Sul já corresponde a 17,3% de toda população: 1,9 milhão de habitantes com mais de 60 anos, segundo dados do último censo do IBGE, de 2015. Segundo alguns estudos, a violência financeira, geralmente, ocorre quando o idoso por necessitar de ajuda, acaba confiando nas pessoas próximas (familiares, cuidadores) que deveriam lhe auxiliar, mas acabam se aproveitando da fragilidade dos idosos roubando ou furtando os seus bens. Uma investigação doutoral feita por Verônica Bohm, do Centro de

Ciências Humanas e Educação, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), analisou a violência contra pessoas idosas e revelou que os aspectos mais comuns para os maus-tratos contra pessoas mais velhas são baseados no consumo excessivo de drogas

ilícitas ou de álcool pelos agressores, a presença do desemprego na familia, ou familiares que carregam as lembranças de terem sido vítimas de violência em outras fases das suas vidas. A violência financeira foi citada em 12,4% dos registros

feitos por Verônica. Cenário de desamparo enfrentado por instituições como o Asilo Padre Cacique, que buscam acolher vítimas de maus-tratos e abandono. Em muitos casos, elas se tornam o último lar de idosos esquecidos por suas famílias. CAINAN XAVIER


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