Revista Universidade | nº 06

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E as conclusões não são apenas quantitativas. As análises realizadas no Laboratório de Oceanografia Geológica (LaboGeo), onde a professora Valéria trabalha com uma equipe de professores e estudantes de graduação e pós-graduação, também mostraram as características da lama. De acordo com a pesquisadora, o sedimento que vem em suspensão no rio normalmente está na forma de argila, silte ou areia, que são classificações de acordo com a granulometria, ou seja, o tamanho do grão. A areia, o maior deles, tem de 0,05 a 2mm; o silte de 0,02 a 0,05 mm; e a argila é a menor forma, com cerca de 0,02 mm. Ela explica que o material mais fino vem em suspensão na coluna d’água, e quando chega ao oceano, com a mudança de salinidade e pH da água, se transforma em flocos e fica maior, chegando a ficar do tamanho da areia. “Mas o material que é resultado da tragédia é um material extremamente fino, muito cheio de argila, que tinha pouca matéria orgânica e, pelo que eu percebi, não floculou de forma imediata, ficando em suspensão muito mais tempo do que normalmente ficaria. Então além de ser uma concentração absurda, assustadoramente alta para a área, é um material extremamente fino que não floculou”, ressalta Valéria. A principal consequência verificada a partir daí foi a formação de uma camada de lama fluida. O problema desse tipo de camada é que ela não é considerada um depósito, não é funda, é uma suspensão em alta concentração na água do mar e junto ao fundo, conforme relata a professora. O fato de dela não se assentar no fundo do oceano faz com que a lama fluida seja frequentemente suspensa, quando ocorrem entradas de onda, frentes frias, correntes um pouco mais fortes ou uma ventania. “Então, todo o material que normalmente iria para o fundo e ficaria depositado lá, continua indo para a coluna d’água”, resume Valéria. Para além

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UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Maio 2017

das consequências biológicas, a professora se preocupa com o futuro: “O que eu acho mais grave disso tudo é que a população olha, não vê a água laranja e acha que está tudo bem. Não, o material é muito fino, mas está lá, e está sendo sempre reciclado e voltando para a coluna d’água. Não foi só no dia que chegou a lama. O que a gente não pode deixar é isso cair no esquecimento”, enfatiza. Para além do fundo do mar Os efeitos da lama no litoral capixaba não ficaram apenas no fundo do mar. O professor Camilo Dias Júnior, especialista em fitoplâncton, analisou essa espécie que é fundamental para o ambiente marinho, por ser a base da cadeia alimentar no oceano. “Inicialmente, uma coisa que a gente já desconfiava é que a lama, independentemente de sua composição química, causa maior turbidez na água e isso barra a luz. Essa barragem de luz é muito ruim para o fitoplâncton, porque diminui a sua capacidade de fotossíntese”, avalia Camilo. As pesquisas realizadas no Laboratório de Fitoplâncton (LabFito) mostraram ainda um aumento na quantidade de fitoplâncton, provocado pelas chamadas florações algais, um fenômeno de reprodução acelerada do fito. Os pesquisadores coletaram amostras e, ao analisar os pigmentos e a biomassa desses organismos, chegaram à conclusão de que sua incidência aumentou muito em alguns pontos, principalmente mais próximos ao rio. Um dos motivos para esse aumento foi o excesso de ferro na água, dado confirmado pelos pesquisadores que avaliaram as características químicas da água poluída pela lama, no Laboratório de Geoquímica Ambiental. “O fitoplâncton é extremamente sensível ao excesso de ferro, pois se trata de uma substância essencial para ele, a qual existe em uma quantidade muito pequena


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