MONICA IMBUZEIRO/AGÊNCIA O GLOBO
VIDAS
O DISCÍPULO DE GONZAGÃO QUE SE TORNOU UM GÊNIO DA SANFONA “Foi ele que me deu a estrutura toda para eu vê-lo tocar e aprender sobre o instrumento”, reconhecia o menino de Garanhuns que o Rei do Baião protegeu.
P OR C ELSO S ABADIN
“Minha mãe olhou para os quatro cantos. Não tinha nada na panela. Ela pegou os filhos e levou todos pra feira, pra gente tocar. E o pessoal começou a jogar moedinha. Ela foi minha primeira empresária”. Assim, saudosamente sorridente, que Dominguinhos conta ao jornalista Tárik de Souza, em entrevista no Canal Brasil, como foi seu “início de carreira”. José Domingos de Morais nasceu na cidade de Garanhuns, Pernambuco, em 12 de fevereiro de 1941. A origem era das mais humildes, mas o berço era musical. Seu pai, Mestre Chicão, era conhecido sanfoneiro da região, além de afinador de sanfona para outros tocadores. Aos seis anos, Dominguinhos já se virava bem no seu pequeno acordeom de oito baixos. Junto com seus irmãos, Morais e Valdomiro, apresentava-se em feiras, festas e em portas de hotéis. Foi exatamente na porta de um desses hotéis de Garanhuns (o Tavares Correia, que existe até hoje) que alguém chamou os meninos, dizendo que eles deveriam tocar para uma pessoa muito importante que lá estava hospedada. E lá foram os garotos, mais o pai, fazer uma rápida apresentação para ninguém menos que Luís Gonzaga, o próprio Rei do Baião, em carne, osso e chapéu de couro. “Eu nem o conhecia”, confessou depois Dominguinhos. Mas o fato é que Gonzagão se encantou com o grupo musical, e 46
JORNAL DA ABI 392 • AGOSTO DE 2013
deu para Mestre Chicão uma quantia em dinheiro e um endereço para que eles fossem encontrá-lo, assim que possível, no Rio de Janeiro. Parece cena de filme? Havia mais. Na saída do hotel, na mesma hora, no mesmo dia, uma senhora chamada Almerinda, que havia presenciado o pequeno show, perguntou a Mestre Chicão se os meninos estavam estudando. Não estavam. E ela, dona da Escola Prática Comercial de Olinda, arrumou todos os preparativos para transferir a família para Recife, onde os garotos poderiam ter uma educação formal. E tocar, é claro. Almerinda financiou quatro anos de estudos para os irmãos, ao mesmo tempo em que empresariava pequenos shows para os garotos. De calças pretas, jalecos brancos e gravatinhas borboletas, lá foram os irmãos Morais, lançados ao estrelato com o nome de Os Três Pingüins. Porém, a tal da “educação formal” prometida não era exatamente o que se esperava. Pelos mais diversos motivos, os irmãos invariavelmente apanhavam na escola. Diz Dominguinhos que Morais pulou o muro do internato e denunciou os maus tratos a um tal Dr. Arnaldo, figurão local. O caso virou sindicância, o que evidentemente enfureceu Almerinda. E os pequenos “pingüins”, expulsos da escola, voltaram a Garanhuns, na mesma penúria com que saíram. Era hora então de pegar o velho endereço dado por Luís Gonzaga, quatro anos antes, e tentar a sorte no Rio de Janeiro.
Morais foi na frente, em 1953, e arrumou emprego numa tinturaria. Dominguinhos, que ainda não tinha este apelido, foi um ano depois, de pau-de-arara, numa viagem que durou 11 dias. E conseguiu também trabalho na mesma tinturaria do irmão. O pai também foi. Quando a família localizou a casa de Luís Gonzaga, que morava em Nilópolis, o Rei do Baião reconheceu a todos imediatamente. “Ele nem mandou a gente entrar, nem falou nada. Já foi logo colocando uma sanfona de 80 baixos no pescoço do pai, de presente”, recorda Dominguinhos, que passou a acompanhar Gonzagão como sanfoneiro de seus shows. “Eu não saía mais da casa de Luís Gonzaga”, conta Dominguinhos no programa Ensaio, da TV Cultura. “Lá eu comia bem, bebia, e ainda ficava o dia inteiro vendo o Mestre ensaiando e tocando. Foi ele quem me deu toda a estrutura para eu sobreviver tocando baião”, afirma. Certo dia, durante uma entrevista para a revista Radiolândia, Gonzagão apresentou Dominguinhos ao repórter como sendo seu “herdeiro artístico”. A matéria saiu com duas páginas de destaque para o menino, que desta forma estreava em grande estilo também na mídia especializada. Faltava, porém, mudar o apelido do rapaz, a quem todos chamavam de “Neném” ou “Neném do Acordeom”. Luís Gonzaga, sempre ele, achava que “Neném” era coisa de criança, e o “rebatizou” como Dominguinhos, não apenas por causa do sobrenome Domingos, como também para homenage-
ar Domingos Ambrósio, que fora mestre de sanfona de Gonzaga, no tempo em que ele serviu o Exército, em Juiz de Fora. Tocando em shows de Gonzaga e aos poucos se enturmando no meio artístico carioca, Dominguinhos conheceu Pedro Sertanejo, que, assim como seu pai, também era afinador de sanfonas (e que mais tarde viria a ser conhecido ainda como “pai de Osvaldinho”). Apaixonado por música, Pedro monta em São Paulo uma pequena gravadora, a Cantagalo, e convida Dominguinhos para gravar seu primeiro disco: Fim de Festa, em 1964. O primeiro grande sucesso veio em 1967, com Lamento de Sertanejo (“Por ser de lá, do sertão, lá do cerrado. Lá do interior do mato, da caatinga do roçado....”), composição do próprio Neném... ou melhor, Dominguinhos. “Enquanto o selo era Cantagalo, era tudo uma maravilha”, diz Dominguinhos em entrevista ao Canal Brasil. “Mas depois que venderam a gravadora para a CBS, estragaram tudo. Os discos vendiam muito e eu, que não sou de briga, nunca vi um vintém. Nunca pagaram nada!”, diz, sem deixar de sorrir. Também em 1967 conheceu Lucinete Ferreira (cantora de forró que usava o nome artístico de Anastácia), com quem se casa e faz uma pareceria musical de 11 anos de sucessos. Entre eles, Só Quero um Xodó, canção quase “instantânea” na qual Anastácia cria a letra em poucos minutos, a partir de uma melodia que Dominguinhos assobiava na rua.