Jornal da ABI 385

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Seqüência de fotos feitas por Elvira Alegre no velório e enterro de Herzog: ao lado, Audálio emocionado junto à esquife do jornalista assassinado; acima, Juca de Oliveira, Plínio Marcos, Mino Carta e Jorge Escosteguy durante o velório; abaixo, Clarice Herzog, com os filhos André e Ivo, e a mãe de Herzog, D. Zora, recebendo apoio. Durante o enterro, D.Zora precisou ser amparada (esquerda).

Elvira Alegre: “Fotografei tudo sob forte tensão” Em depoimento emocionado, exclusivo para o Jornal da ABI, a fotógrafa Elvira Alegre conta pela primeira vez os momentos dramáticos que viveu no dia em que fez as fotos do velório e do enterro de Vladimir Herzog, publicadas nesta página. “O telefone tocou tarde da noite naquele 25 de outubro de 1975 na casa da Rua São Gall, na Vila Romana, em São Paulo. Morávamos eu, Hamilton de Almeida Filho, Paulo Patarra e Mylton Severiano da Silva. Todos trabalhávamos na Ex-Editora, fazendo o jornal Ex-. Myltinho atendeu e nos deu a notícia: ‘Mataram o Vlado e o velório será no Hospital Albert Einstein’. Começavam então as horas de terror e indignação. Logo cedo nos preparamos para irmos ao velório. Hamilton de Almeida Filho, o Haf, meu marido na época, me disse: ‘Leve sua máquina’. Foi assim no destemor dos meus 18 anos que coloquei a máquina na cara e saí registrando tudo e todos

Jornal da ABI – Você foi parlamentar até 1983. E como reagia o jornalista dentro de você? Audálio Dantas – Isso eu sentia... Sentia a falta do jornalista, mas não sobrava tempo, principalmente para a reportagem. Mesmo depois, quando voltei, eu já não tinha mais emprego, estava fora do mercado. Então fui ocupar cargos públicos. A Fenaj era um cargo político e voluntariado. Mas a Presidência da Imprensa Oficial sim, era um meio de subsistência também. Jornal da ABI – Foi um preço alto que você pagou quando se voltou para essa carreira política, inclusive no Sindicato? Audálio Dantas – Foi, foi. Quando terminei o mandato de parlamentar no início de 1983, em março, fui eleito Presidente da Imprensa Oficial e

na seqüência, Presidente da Federação Nacional de Jornalistas. Jornal da ABI – Na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo você ficou quanto tempo? E o que destaca desse período? Audálio Dantas – Na Imprensa Oficial fiquei três anos. Destaco principalmente a democratização da administração. Surgiu o primeiro conselho de representantes dos trabalhadores, com um membro do conselho participante das decisões da Diretoria. Depois, o processo contra o Maluf, que tinha cometido várias falcatruas lá na administração. Foi o único processo frontal contra o Maluf. Ele chegou a ser condenado no Tribunal de Justiça. Outro destaque foi a publicação de livros importantes, com sentido político, coisa que não se fazia na

época. Por exemplo, publicamos edições fac-similares dos jornais operários desde o começo do século. Fiz também a edição fac-similar de O Homem do Povo, jornal do Oswald de Andrade. Eles lançaram uma segunda edição recentemente, mas não me deram o crédito. Os resultados financeiros também foram muito importantes. Jornal da ABI – Quando você começou na revista Negócios da Comunicação? Audálio Dantas – Em 2008. É meu emprego atual, continuo nele. Sou diretor da revista. Não é a revista dos meus sonhos, mas é aquela que é possível ser feita. Jornal da ABI – Pra encerrar, fale um pouco de seus amigos, Juca Kfouri, que tem uma admiração

naquele velório. Lá estavam representantes de todas as classes, jornalistas, artistas, políticos, a Igreja. Fotografei tudo sob forte tensão, fui pressionada a dizer quem era, pois todos tinham medo e eu não era conhecida na categoria. Havia chegado à cidade há pouco mais de seis meses vinda de Londrina, no Paraná, para trabalhar como repórter-fotográfica no Ex-. Saímos e fomos para o cemitério Israelita e lá também fotografei o enterro e as pessoas, realizando assim um forte documento que ficaria sob censura por mais de 20 anos. É uma série de quase 50 fotos que fazem

parte do jornalismo brasileiro e de nossa História recente. Naquele dia o sol estava escaldante. Na volta pra casa com meus companheiros, Haf, Mylton Severiano e Narciso Kalili. passei muito mal. Um grande mal-estar e tonturas. No ato da Sé, não fotografei. Salvei meus negativos por sorte, antes da entrada da Polícia na Redação do Ex- na Rua Santo Antônio, no Bexiga. Nove meses depois voltei ao Albert Einstein, onde tinha visto dor e morte, para então dar à luz e vida à minha filha Joana, hoje com 36 anos.”

enorme por você, e Ricardo Kotscho. Como você os conheceu? Audálio Dantas – Eu conheci o Juca Kfouri na Editora Abril, muito jovem. Depois do episódio do Vlado ele era, como dezenas de outros jornalistas, um dos caras que estavam presentes, que apareciam sempre no Sindicato. Porque muita gente se omitiu, temerosa. E ele apareceu em vários momentos, assim como o Ricardo Kotscho, que era repórter do Jornal da Tarde. Kotscho foi o repórter que fez a cobertura mais consistente do episódio. Conheci-o aí. Era jovenzinho e todo dia aparecia para saber o que estava acontecendo, o que não era comum de acontecer.Outrofatoimportanteéque acensuracomeçouacairinformalmente depois da morte do Vlado. Porque os jornais, nesses casos, se limitavam a dar a notícia oficial, que se suicidou. A

maioria dos jornais, a partir da nota de denúncia que nós divulgamos, ligava e perguntava se o Sindicato tinha alguma nota para divulgar, porque se não tivesse não havia notícia. Eles queriam se resguardar na nota do Sindicato, queriam as aspas dali, o que já era um avanço. Foram gradativamenteperdendoomedo.Bom,oRicardinho Kotscho era aquele cara que chegava e perguntava qual é a novidade? O que aconteceu hoje? Ele não perguntava pela nota. Fazia entrevistas com as pessoas que eventualmente estavam ali, conversava comigo e com os diretores. Perguntava o que tinha acontecido na ida ao II Exército... quer dizer, era um repórter que estava realmente no papel do repórter, dava para perceber que ali estava um jornalista de verdade. E aí hoje ele continua sendo um dos melhores amigos que eu tenho.

JORNAL DA ABI 385 • DEZEMBRO DE 2012

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