FABIO SEIXO/FOLHAPRESS
te. Por mais estranho que possa parecer, foi exatamente isso que aconteceu naquele distante 1970. Claro que Walter Abrahão estava lá, e imortalizou sua voz junto com as imagens daquela seleção inesquecível comandada por... “Ele”. O narrador esportivo Jota Júnior, hoje no SporTV, atribui a Walter grande parte do sucesso de sua carreira: “Quando eu ainda estava dividido entre rádio e televisão, Walter me aconselhou a ficar apenas na tv, dizendo que eu me daria muito bem com o veículo. Além de um conselho, foi um for-
te elogio, assim entendi. Afinal, quem recomendava era um dos maiores profissionais da tevê brasileira”, conta. A atuação de Walter Abrahão como advogado (na qual, dizem, jamais cobrava dos colegas de profissão) e o prestígio popular que alcançou na carreira de jornalista esportivo abriram seus caminhos para a carreira política. Eleito vereador de São Paulo, em 1988, exerceu dois mandatos e chegou posteriormente à Presidência do Tribunal de Contas do Município, cargo que ocupou de 1997 a 2001.
Entre os profissionais, uma unanimidade “Sou de uma geração que, no começo dos anos 1960, se encantou com as narrações de Walter Abrahão e Raul Tabajara, para ficar em dois speakers (sempre achei pomposa essa designação) que alegravam as tardes de domingo. Não tinha noção, na época, mas o estilo deles foi marcante. Abrahão tinha linguagem mais soltinha, usava expressões diferentes como o oxo, para designar o placar de 0 x 0 em suas transmissões na TV Tupi. Quando havia uma defesa mais espetacular, ele ressaltava que o goleiro posou para as objetivas do Diário da Noite, ou lascava um “tá gorrrrdo, senhores”, ao se referir a um jogador acima do peso. Sem contar que achava o máximo quando Pelé pegava na bola e, em vez de dizer o nome do Rei, simplesmente falava: “Ele!”. Tabajara era mais clássico e era um doce ouvilo na TV Record, ao lado do professor Flavio Iazetti e de Paulo Planet Buarque. O tom da narração de Abrahão (assim como o de Tabajara) era ameno, não havia gritaria, nenhum sinal de histeria. E era quente, convidativo, dava emoção quase tanto quanto as transmissões de rádio com Fiori Gigliotti, Pedro Luiz, Darci Ribeiro e, mais tarde, Joseval Peixoto. Walter Abrahão é um dos meus ídolos na crônica esportiva. Por causa dele também eu era metido a irradiar futebol, nas peladas de rua, em batalhas memoráveis de jogos de botão ou mesmo quando ia à padaria ao lado de casa, a Vila Flor. Eu pegava um microfone com fio que um dos garçons tinha, ligava na tomada e soltava a voz. Até que um dia, liguei o bichinho com uma mão e não me dei conta de que, com a outra, apoiava na pia de inox. Levei um choque que me derrubou no chão! Mas não deixei de narrar o lance de gol, nem a vocação para o jornalismo. Porque eu sabia que meus ídolos Walter Abrahão, Raul Tabajara, os repórteres Tom Barbosa, Eli Coimbra e Silvio Luiz (sim, esse mesmo) também levavam choques, com seus tijolões (os microfones portáteis), e não perdiam o rebolado.” ANTERO GRECO, comentarista esportivo de O Estado de S.Paulo e da ESPN
“Conheci Walter na Tupi em 1974, quando comecei a trabalhar na Redação da rádio. Foi ele quem sugeriu que o vôlei deveria deixar de ter a chamada ‘vantagem’, que tornava o jogo lento, para ter pontos corridos, idéia que ele colocou em prática num amistoso entre Santo André e Santos, então duas equipes poderosas de vôlei masculino. Eu tive o prazer e a honra de ver este jogo acontecer no Ginásio do Palmeiras,
com transmissão de Walter Abrahão. Ele sempre foi um apaixonado pelo esporte. Sua forma séria e divertida de narrar uma partida de futebol, ou basquete ou vôlei, demonstrava que ele gostava de tudo aquilo que movia as pessoas para um ginásio de esportes, um campo de futebol ou mesmo uma piscina olímpica. Se tivéssemos mais dessa paixão nas transmissões esportivas de hoje, daria gosto de assistir tv. Walter Abrahão deixa saudades com certeza.” PAULO GUSTAVO PEREIRA, Diretor de Conteúdo do NFK
“De suas criações falam mais do oxo e bilance, embora eu considere que sua melhor sacada tenha sido a de não falar o nome do Pelé, e se referir apenas a Ele, quando o Rei pegava na bola.” JUCA KFOURI, comentarista esportivo da Folha de S. Paulo
“Meu primeiro contato pessoal com Walter Abrahão foi em 1978, numa excursão da Seleção Brasileira à Europa. Eu trabalhava na época para a Rádio/TV Gazeta. Nessa viagem Walter foi muito atencioso comigo, procurando passar um pouco de sua experiência. Aliás, Walter tinha essa característica, a da simplicidade e de sempre ajudar os profissionais em início de carreira. Com o passar dos anos, tive vários contatos com ele, em estádios e eventos sociais. Quando eu ainda estava dividido entre rádio e televisão, com as narrações, Walter me aconselhou a ficar apenas na tv, dizendo que eu me daria muito bem com o veículo. Além de um conselho, foi um forte elogio, assim entendi. Afinal, quem recomendava era um dos maiores profissionais da tevê brasileira. Faço questão de ressaltar o lado humano de Walter. Simples, humilde, carinhoso no relacionamento com as pessoas.” JOTA JÚNIOR, narrador do SporTV
“Walter Abrahão foi o pai do replay, o bilance. Criou vários bordões para as transmissões e até para a Tupi. Mas era o prazer de narrar que fazia a diferença. Dele e de outros poucos mitos. Walter era de uma simpatia no ar tanto quanto era como pessoa fora dele. Simpático sem ser acrítico; amável sem ser ácido. Até quando chamava alguém de “gordo”era de um jeito suave, divertido. Aprendi muito com ele. Voz marcante, é daquelas pessoas que me ensinaram a ser o que sou como jornalista.” MAURO BETING, comentarista esportivo da Rádio Bandeirantes
Cláudio Melo e Sousa, o esteta da palavra Leitor dos clássicos e admirador especialmente de Eça de Queirós, sobre o qual, agora no fim da vida, pretendia escrever um livro, além de outro acerca de seu amigo Carlos Lacerda, jornalista e Governador do antigo Estado da Guanabara, Cláudio Melo e Sousa era um esteta da palavra, um fascinado pelo texto bem escrito, enxuto e repassado de emoção, como aconselhou um dia ao seu jovem amigo Renato Maurício Prado, seu companheiro e discípulo na Editoria de Esportes de O Globo nos anos 1970. Companheiro de Armando Nogueira no apogeu do Jornal do Brasil e de Nélson Rodrigues em O Globo, Cláudio trabalhou na TV Rio, na TV Globo, na revista Fatos & Fotos e no diário Extra, veículos em que foi editor, cronista e eventualmente repórter de pautas especiais. No Extra, sua colaboração como colunista esportivo estendeu-se de 1998 a 2006. Paralelamente à atividade de jornalista, exerceu a partir de 1990 a função da Assessor da Presidência da Rede Globo de Televisão. Pôde então conviver mais de perto com o jornalista Roberto Marinho, o que lhe permitiu atuar, com segurança, como principal depoente no dvd Roberto Marinho – O Senhor do Seu Tempo, de Rozane Braga. Por trágica coincidência, o dvd foi lançado em 8 de agosto em concorrida sessão na sede da Prefeitura do Rio, cinco dias antes do passamento de Cláudio, ocorrido no dia 13 no Hospital Copa d’Or, em Copacabana, no qual ele estava internado desde janeiro, com leucemia. Cláudio, de 76 anos, era casado com Leila Abrantes e pai de Pedro Eduardo, de 49 anos, e de Eduardo, 47, filhos de seu primeiro casamento, e de Eduarda, de 11 anos. Em sua primeira coluna em O Globo após o falecimento do amigo, o jornalista Renato Maurício Prado falou das atividades profissionais de Cláudio, seus hábitos, suas relações com os amigos. O texto, publicado no caderno Esportes, página 3, no dia 13 de agosto, e que apresenta um perfil, diz num dos seus trechos mais comoventes: “Graças a ele tive ventura de sentar à mesa com Rubem Braga (mestre dos mes-
tres, entre os cronistas do cotidiano), num jantar inesquecível no antigo e saudoso Florentino’s. Restaurante que, na época em que Cláudio editou o Esporte do Globo, se tornou uma espécie de nosso quartelgeneral. Fechávamos o jornal e seguíamos para o final do Leblon, onde encontrávamos amigos, jogávamos conversa fora e avaliávamos erros e acertos da última edição e planejávamos as futuras. Tudo em conversas que eram, invariavelmente, experiências encantadoras. Extremamente culto e bem vivido, seu papo ia muito além do futebol ou do próprio esporte. Falava, com igualmente propriedade, de jornalismo, da obra teatral de Shakespeare, da arte existente numa tourada, de mitologia grega, de política (fora grande amigo de Carlos Lacerda) e até de prosas e versos. Sim, era, de fato, um poeta, autor de três livros do gênero (O Domador de Cavalos, Corpo e Alma e O Passageiro do Tempo). Na minha opinião, porém, suas maiores poesias foram impressas nas colunas em que retratava, com inspirada leveza e acurado rigor, musas, heróis e vilões das quadras, das piscinas e dos campos. Foi com Cláudio, aliás, que aprendi a importância de um vocabulário farto e de um texto emocionante: – Você escreve direito, mas tem que evitar as repetições. Hoje em dia, está-se utilizando, no máximo, 500 palavras – me disse, certa vez, sem rodeios quando lhe perguntei se gostara da reportagem que eu acabara de redigir. “Somos contadores de histórias. E história sem emoção não presta”, ensinou, quando lhe entreguei uma crônica fria de um jogo ruim. “Até as peladas têm alma. E é preciso escrever sobre elas com sentimento. Nem que seja o de revolta pela pobreza do espetáculo”, resumiu, de forma brilhante. Graças ao Cláudio, passei também a editar e, após me tornar seu assistente, acabei substituindo-o quando, casado com uma linda milionária, pediu demissão, ‘para aproveitar a vida’. Assim era ele. E se algo me consola neste momento é saber que soube viver com intensidade o prazer dos seus 76 anos. Descansa em paz, amigo.” Jornal da ABI 369 Agosto de 2011
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