Jornal da ABI 350

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QUEM MATOU E ESQUARTEJOU RUBENS PAIVA? A ABI cobra do Ministério Público da União uma investigação sobre a morte do ex-parlamentar pela repressão da ditadura militar.

DIREITOS HUMANOS | PÁGINAS 30 E 31

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

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Jornal da ABI

J ANEIRO 2010

A repórter da TV Globo fala de sua aventura no Haiti devastado

SERGIO DUTTI

LÍLIA SALVOU ESTA MULHER Páginas 18, 19 e 20

SENADO DEU SUMIÇO A DEPOIMENTO DE HÉLIO FERNANDES L IBERDADE DE IMPRENSA | PÁGINAS 26 E 27


Editorial

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03

Homenagem - Araújo Porto-Alegre

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Mobiliz ação - A sociedade unida por Mobilização Brasília Limpa

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Centenário - Volume 3, uma unanimidade

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Evocação - O jovem repórter entrevista o Tupamaro que chegou a Presidente

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V ivências - A Patrice Lumumba faz 50 anos

18

Depoimento - Lília Teles

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Prêmio - O Caso Zoghbi dá troféu a repórteres de Época

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Prêmio - Esso de Jornalismo para o rastro de Euclides

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Literatura - Scliar, o Jabuti de Ficção 2009

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Lançamento - A arte de pensar o cinema

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História - Uma viagem no tempo da Última Hora

DE QUE LADO ESTÁ JOBIM?

OS SETORES DEMOCRÁTICOS DO PAÍS receberam com indignação a intervenção do Ministro da Defesa Nélson Jobim no episódio da instituição do III Programa Nacional de Direitos Humanos, formalizada em 21 de dezembro pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva através da assinatura de um decreto que define as proposições do atual Governo em relação a questões essenciais da vida nacional, algumas das quais a serem objeto de projetos de lei que o Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional no momento que considerar próprio. COM UMA DESENVOLTURA QUE deveria ser objeto de sua exoneração, Jobim fez-se intérprete de uma pressão indevida sobre o Governo a que pertence, ao dar ciência ao Presidente da República da disposição dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, seus subordinados, de pedirem demissão dos cargos se fossem mantidas em sua redação original as disposições do Programa relativas à apuração dos crimes praticados por agentes da repressão durante a ditadura militar que infelicitou o País entre 1964 e 1985. NO ISOLAMENTO DOS GABINETES onde se elaboram e se fixam as decisões sobre a gestão do País e com certa dose de surdina, o Ministro submeteu o Presidente a uma pressão intolerável, que em outras circunstâncias, não fora a respeitabilidade de seu autor, receberia em bom português um nome sonoro: chantagem, ainda que, por eufemismo, se lhe queira ou se lhe possa tratar com

Jornal da ABI Número 350 - Janeiro de 2010

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, André Gil, Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobim da Silveira, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 - Rio de Janeiro, RJ Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-O4O Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP

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termo mais brando. Antes de expor o que terminaria por se caracterizar por exigência, Jobim agrediu seus companheiros de Ministério, jogando-lhes na face a pecha de irresponsáveis, de agentes públicos que não lêem o que assinam ou assinam algo com que não concordam. SE É ESSA, A OBEDIÊNCIA DE um ministro ao Chefe do Governo que o escolhe, nomeia e mantém, uma relevante questão de princípio, mais relevante ainda é o cerne, o teor do ato que originou a insubordinação de Jobim e sua condescendência com os chefes militares que a instigaram,qual seja a apuração dos crimes cometidos por agentes do Estado – militares ou civis -, um capítulo da História do País que não pode ser mantido na obscuridade, sonegado ao conhecimento do conjunto da sociedade, como se esmeram em fazer chefes militares que não têm qualquer vinculação com os autores das ignomínias cuja apuração se reclama. Salvo pela identidade na cor da farda, esses militares estão isentos de qualquer suspeição; não têm por que defender os que lhes antecederam e praticaram crimes contra os cidadãos submetidos ao seu poder impiedoso. É DISSO QUE SE TRATA: a apuração de quem torturou, onde e quando. O Ministro Nélson Jobim precisa declarar com clareza de que lado está: se dos torturadores, de que se faz protetor, por erro ou convicção, ou dos torturados, para os quais o III Programa Nacional de Direitos Humanos busca o benefício da verdade.

DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010 Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL 2009-2010 Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento (in memoriam), Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

SEÇÕES SA GEN S 09 M E N NS AG NS CEU N A AB 10 A C O N T EEC BII 12 Uma festa pelos 100 anos de Beatriz Bandeira ○

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L I B E RRD D A D E D E IM P R E N SA NS O Senado deu um chá de sumiço no depoimento de Hélio Fernandes

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Memorial pró Lúcio Flávio tem 766 adesões

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Uma conferência na alça de mira

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D I R E I TTO O S HU M A N O S A anistia chega às origens do golpe

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L IVROS O sonho de liberdade de João Cândido em edição atualizada ○

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A ABI exige apuração: quem matou e esquartejou Rubens Paiva? ○

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V I DA S Adriano Barbosa ○

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Ruy Bello

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Muíbo César Cury

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Lombardi

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Elza Cansanção, Jane Paiva e Coelho Neto

Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Lima de Amorim, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Orpheu Santos Salles, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra.


HOMENAGEM

Araújo Porto-Alegre O pioneiro recebe, afinal, o reconhecimento merecido

Lançamento de livro de Paulo Roberto Viola e conferência de Cícero Sandroni realçam sua contribuição à imprensa e à cultura do País. POR CLAUDIA SOUZA

Manuel José de Araújo Porto-Alegre, o Barão de Santo Ângelo, nasceu em Rio Pardo, em 29 de novembro de 1806, e faleceu em Lisboa, Portugal, em 30 de dezembro de 1879. Em sua trajetória destacou-se como homem das letras, político, jornalista, pintor, caricaturista, arquiteto,

crítico e historiador de arte, professor e diplomata. Expoente do romantismo nacional, Araújo Porto-Alegre foi homenageado em 18 de novembro na ABI com o lançamento do livro Barão de Santo Ângelo – O Espírita da Corte, do jornalista Paulo Roberto Viola. Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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HOMENAGEM ARAÚJO PORTO-ALEGRE ABI

Um time de primeira linha prestigiou o lançamento do livro de Paulo Roberto Viola (de terno claro) e a conferência de Sandroni (primeiro à direita). Da esquerda para a direita: Gerson Monteiro, André Trigueiro, Murilo Melo Filho, Muniz Sodré, Thiago Xavier de Barros, Mônica Xexéo e Mary Del Priore. Terceiro, o Presidente da ABI.

O evento foi antecedido por conferência do Presidente da Academia Brasileira de Letras, o jornalista e escritor Cícero Sandroni, com o tema Dois Séculos de Araújo Porto-Alegre – Valores Culturais, Éticos e Morais, Acima de Tudo. Participaram da mesa de honra o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, o acadêmico e jornalista Murilo Melo Filho, o Diretor-Presidente da Biblioteca Nacional, jornalista e escritor Muniz Sodré, representando o Ministro da Cultura; a Diretora do Museu Nacional de Belas-Artes, Mônica Xexéo, o Vice-Presidente da Rádio Rio de Janeiro, Gérson Monteiro, representante do Ministério do Trabalho e Emprego; e a historiadora Mary Del Priore. Thiago Xavier de Barros, membro do Movimento Espírita de Amor ao Próximo-MAP, deu início à solenidade que contou com a cobertura de veículos de comunicação da mídia espírita. – Este evento foi proposto por jornalistas espíritas filiados à ABI, entidade que prestigia a cultura nacional. Gostaríamos de homenagear os jornalistas brasileiros que contribuíram para este século de luta em favor da liberdade de imprensa no Brasil, especialmente Herbert Moses, condecorado pela Universidade de Columbia por seu ideal em favor da imprensa livre; Danton Jobim, advogado e escritor, que presidiu esta Casa em tempos difíceis para a imprensa brasileira; e o histórico Barbosa Lima Sobrinho, três vezes Presidente da ABI e uma vez da ABL. São exemplos de profissionais abnegados que se dedicaram com amor e perseverança, através da imprensa, às mais nobres intenções da Pátria. Em seguida, Maurício Azêdo saudou os participantes da mesa e a platéia e destacou a importância de Araújo Porto-Alegre na história nacional: – Em nome da Associação Brasileira de Imprensa e sua Diretoria, quero dar as boas-vindas ao público que veio prestigiar o lançamento do livro do nosso companheiro Paulo Roberto Viola, que escreveu sobre Manuel Araújo Porto-Alegre. Quero saudar, em especial, os membros da mesa, que muito honram esta Casa com a sua presença. Vou poupá-los de 4

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considerações outras que serão desenvolvidas com competência e pertinência por este grande estudioso da vida nacional, da cultura e da imprensa do País, o acadêmico Cícero Sandroni, Presidente da Academia Brasileira de Letras, sócio da ABI, na qual exerceu relevantes funções, inclusive integrando diretorias do nosso eminente e inesquecível Presidente Barbosa Lima Sobrinho. Cícero Sandroni vai mostrar a importância de Araújo Porto-Alegre como pioneiro da ilustração gráfica na imprensa brasileira e, como tal, a personalidade cultural e artística que abriu caminho para que a imprensa brasileira pudesse oferecer, como oferece hoje, um de seus valores mais ricos, que é a criação artística, de cartuns e de caricaturas. Arte que deve o seu reconhecimento sobretudo ao empenho de Araújo Porto-Alegre no princípio e na primeira metade do século 19. Preceptor dos poetas Sandroni deu início à conferência falando sobre a sua relação estreita com a ABI:

Autocaricatura de Araújo Porto-Alegre, de 1857, publicada no livro Caricaturistas Brasileiros, de Pedro Corrêa do Lago.

– Me sinto emocionado e comovido Não é à toa que a rua na qual a ABI está por estar aqui na Associação Brasileiinstalada é uma homenagem a Araúra de Imprensa, onde militei durante jo Porto-Alegre. muito tempo e continuo acompanhanAo lado de Gonçalves Dias e Gonçaldo as atividades deste jornalista que ves de Magalhães, também patronos da veio para fazer da ABI aquilo que semABL, Araújo Porto-Alegre formou a pre digo: a ABI é aquilo que os jornachamada “Trindade Romântica”, explilistas fazem dela. Maurício Azêdo concou o Presidente da Academia: seguiu trazer para esta Casa jornalis– Ele é considerado uma espécie de tas que estavam afastados por várias preceptor, orientador dos poetas brarazões. Conseguiu aglutinar novamensileiros. Em 1836, foi co-fundador da te a classe neste revista Niterói e em 1848 da revista espaço que repreORTO LEGRE FEZ PARTE Guanabara, um mosenta a Casa do JorDESTE GRANDE GRUPO mento crucial para nalista, de Gustavo Lacerda, de Her- BRASILEIRO QUE PRIVILEGIOU A o advento e a fixação do romantisbert Moses, de BarTEMÁTICA NACIONAL EU mo no Brasil. Porbosa Lima Sobrito-Alegre fez parte nho, Prudente de MÉRITO FOI O ENSAIO DA deste grande gruMorais, neto, Ferpo brasileiro que nando SegismunLIBERTAÇÃO ARTÍSTICA DO privilegiou a temádo e de tantos ouRASIL COMO PRECURSOR tica nacional. Seu tros que doaram seu tempo, sua caGRANDIOSO DO MOVIMENTO mérito foi o ensaio da libertação artíspacidade de trabaLITERÁRIO E ESTÉTICO DO tica do Brasil, colho e intelectual mo precursor granpara a construção. ROMANTISMO NACIONAL dioso do movimenNa seqüência, o to literário e estético do romantismo Presidente da ABL ressaltou a impornacional. tância de Manuel Araújo Porto-Alegre Sandroni enfatizou ainda a intensa na trajetória da Academia. atividade cultural exercida por Araú– Ele é uma figura muito lembrada na jo Porto-Alegre no Brasil e no exterior: ABL, que é a Casa da Memória. Lá, lem—Além do jornalismo, Porto-Alegre bramos de todos aqueles que muitas veatuou em nível educacional, adminiszes são esquecidos pela imprensa, pelas trativo e literário, sobretudo pelo poeditoras. Nosso dever estatutário, de ema épico Colombo a respeito da Améprimeira linha, é resgatar as pessoas que rica. Como pintor, discípulo de Debret, construíram não só a nossa Casa, mas e poeta, vivenciou a penúria material também a literatura, a sociologia, a quase completa no Brasil e em Paris, medicina brasileira. Entre os patronos sobrevivendo graças aos poucos e sinda ABL está Araújo Porto-Alegre, funceros amigos. Em 28 junho de 1840, foi dador da cadeira número 32. nomeado por Dom Pedro II o pintor da Lembrou Sandroni que o nome de Câmara Imperial, título ao qual somou Araújo Porto-Alegre foi escolhido na outros como Diretor da Seção de BelasABL por Carlos de Laet, “um monarArtes do Museu Nacional, Membro quista convicto, polêmico e contumaz”: Honorário do Instituto Histórico da – Laet foi exilado para o interior de França, do Conservatório de Lisboa e do Minas Gerais durante o Governo FloInstituto Nacional de Washington. Em riano porque tinha um jornal que fora 1858, ingressou na carreira consular, empastelado. Ele reconhecia em sendo Cônsul do Brasil na Prússia, SaAraújo Porto-Alegre um grande inxônia e Lisboa, onde faleceu em 1879. telectual, homem que reuniu tanA brilhante trajetória no campo de tas atividades artísticas e ao mesmo jornalismo e da ilustração está vinculatempo fez um trabalho político sendo da aos atributos espirituais e morais do vereador, como o nosso Maurício artista, na análise do Presidente da ABL: Azêdo, um dos grandes oradores da – Ele era um artista da palavra, da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

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pintura, do desenho, da caricatura. Como grande jornalista recebe hoje esta homenagem na ABI pelo valor de sua contribuição como colaborador ativo, redator e fundador de jornais e revistas. Araújo Porto-Alegre ganhou nome nas ruas na cidade do Rio de Janeiro, onde está situada a sede da histórica ABI. Sua atividade jornalística está ligada à extraordinária capacidade de produção de seus atributos espirituais e morais. Também seus estudos dedicados ao índio, ao negro, ao folclore e ao vasto cenário do nosso ambiente representam o admirável senso divinatório do Barão de Santo Ângelo. Um gênio do panteão brasileiro. Entre os participantes da mesa, o jornalista, escritor e pesquisador Muniz Sodré aplaudiu o resgate da figura de Araújo Porto-Alegre no cenário histórico nacional: – É uma figura que estava realmente esquecida. A homenagem é muito oportuna também pelo fato de ele ser espírita. Os livros espíritas vendem muito, têm um público específico e, em geral, são obras que se referem a pessoas marcantes do ponto de vista ético. Estes livros rebatizam a pessoa para a memória coletiva. Além de ter sido grande personalidade, jornalista, chargista, na verdade Araújo Porto-Alegre se inscreveu em outra história que é a história do ancestral que o espiritismo reverencia. Um radar Também presente à mesa de honra, a historiadora Mary Del Priore lembrou que em 1870 aconteceram importantes avanços tecnológicos no Brasil, como a chegada do telégrafo e a implantação das primeiras linhas ferroviárias. Nessa época, disse Mary, foi estabelecida uma tentativa de conciliação entre a ciência e a religião por parte de setores da sociedade, permeados por doutrinas como o darwinismo, o positivismo e o espiritismo: – A doutrina espírita buscava aquela aproximação, mas em meados do século XIX era vista de forma caricatural. E Araújo Porto-Alegre, por tratar-se de um intelectual de destaque e adepto do espiritismo, contribuiu para desfazer estereótipos acerca da religião. Ele era um observador sagaz da ineficiência da política dos bastidores do Império. Como uma espécie de radar, se mantinha atento às questões que mais tarde viriam pôr um fim ao regime imperial. O acadêmico Murilo Mello Filho também reconheceu a posição de in-

Desenhos inéditos descobertos no início deste século e publicados no livro Caricaturistas Brasileiros comprovam o talento de Araújo PortoAlegre para a caricatura. Entre seus retratados, personagens ilustres do Segundo Império como Carlos Miguel de Lima e Silva, irmão do Duque de Caxias (acima), o Regente Feijó calçando as meias (ele tinha fama de receber visitantes sem meias) e o poeta Gonçalves de Magalhães, que investe contra o Ministro Luís Moutinho (abaixo).

telectual destacado que Porto-Alegre ocupava na sociedade e classificou-o como um “verdadeiro líder do Brasil daqueles tempos imperiais”: – Esta homenagem que Porto-Alegre ora recebe na Associação Brasileira de Imprensa é muito justa por tratar-se de um jornalista e escritor de destaque e talento reconhecido, tanto que foi designado fundador da cadeira nº 32 da Academia Brasileira de Letras. Descoberta Ao final do evento, o autor da obra sobre Araújo Porto-Alegre, jornalista Paulo Roberto Viola, destacou o lado

humanista e espiritual do biografado: – Descobri Porto-Alegre no ano passado ao formular um livro chamado Dom Pedro II e a Princesa Isabel. A obra editorial que está sendo lançada hoje mostra a sua filosofia de vida. A busca por respostas foi alcançada em uma das viagens que ele fez a Paris, onde conheceu Alan Kardec, o codificador da doutrina espírita. Porto-Alegre tornouse um dos pioneiros do espiritismo no Brasil e no mundo. O livro enfoca o ser humano especial, o homem voltado para as preocupações deste mundo, mas sempre com o sentido da eternidade, sabendo que aqui estava de passagem. Descobrimos uma carta escrita por ele que revela este conteúdo guardado a sete chaves. Ele tinha medo de falhar com o juramento de fidelidade à Igreja Católica exigido pelo cargo que ocupava como funcionário do Estado. Porto-Alegre guardou este segredo para manter o emprego e não ser vítima de discriminação. (Colaboração de Bernardo Costa) Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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MOBILIZAÇÃO

A SOCIEDADE UNIDA POR BRASÍLIA LIMPA Entidades representativas da capital lançam movimento para restabelecer a moralidade na administração da cidade. POR C LAUDIA SOUZA FOTOS WILSON DIAS/ABR

Com grande repercussão na mídia, foi lançada no dia 4 de dezembro a campanha “Brasília Limpa”, que reuniu na sede da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entidades representativas da capital. Participaram do evento a Presidente da OAB-DF, Estefânia Viveiros; o VicePresidente da ABI, Tarcísio Holanda, e os Presidentes dos Sindicato das Agências de Propaganda, Fernando Brettas, e dos Publicitários, Pedro Abelha; e da Associação dos Docentes da UnB, professor e jornalista Hélio Doyle. O objetivo da campanha é estimular o envolvimento da sociedade na luta pelo resgate da imagem de Brasília, cenário de escândalos políticos e corrupção. – Há muitos anos enfrentamos as incompreensões a respeito de Brasília. Nossa cidade é, com frequência, vilipendiada e motivo de chacotas em função de denúncias de corrupção nos três Poderes da República. Somos atacados por males da sociedade que não são de nossa responsabilidade. Os cidadãos brasilienses, que estudam e trabalham como quaisquer outros brasileiros, não podem ser considerados culpados pelos crimes e irregularidades cometidos por autoridades e políticos que por aqui passam transitoriamente – destacou Estefânia Viveiros, Presidente da OAB-DF, entidade idealizadora da campanha. A primeira ação do movimento foi programada dia 10, com um convite a todos os brasilienses a saírem de casa vestindo roupas brancas, a estenderem tecidos brancos nas janelas e a colocarem fitas brancas nos veículos, que deveriam circular com os faróis ligados. – Escolhemos o dia 10 porque nesta data o Partido Democratas vai analisar o pedido de expulsão do Governador José Roberto Arruda. Então, essa é uma forma de pressionarmos por um resultado positivo para a população –explicou Fernando Brettas, Presidente do Sindicato das Agências de Propaganda. Estefânia Viveiros considera que a 6

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Entidades da área de comunicação apoiaram o movimento da sociedade civil de Brasília visando ao impeachment do Governador José Roberto Arruda (à esquerda) e para impedir que, como se tornou tradição no Brasil, os corruptos fiquem impunes.

população não confia nos governantes e questiona os eleitos e a própria representação parlamentar para o Distrito Federal: – As principais autoridades do Distrito Federal estão sob suspeita; a maioria dos integrantes da Câmara Legislativa está diretamente acusada ou é suspeita de corrupção; o Conselho Nacional de Justiça pede esclarecimentos ao Tribunal de Justiça. Os partidos políticos abandonam o governo; secretários são afastados ou pedem exoneração; a máquina pública está quase paralisada, há incertezas quanto à execução de projetos importantes para a cidade. O jornalista Tarcísio Hollanda, VicePresidente da ABI, acredita que a campanha “Brasília Limpa” vai ajudar a sensibilizar as pessoas para as questões urgentes do País.

– Aceitei o convite de Hélio Doyle para participar deste movimento. Manifesto aqui a solidariedade da ABI ao combate aos escândalos, com destaque para o esquema de propinas envolvendo o Governador Arruda. Concordo com o Presidente Maurício Azêdo na crença de que o nível de consciência da população brasileira é muito baixo. As pessoas se esqueceram de que José Arruda e Antônio Carlos Magalhães renunciaram aos seus mandatos no Senado por terem violado o painel eletrônico do sistema de votação, para extrair uma lista com a posição de cada parlamentar na votação secreta que cassou o mandato de Luiz Estevão. A Presidente da OAB chamou a atenção para a responsabilidade do Poder Legislativo no combate aos crimes: – Conclamamos as autoridades envolvidas a renunciar ou se afastar voluntariamente para que as investigações sejam realizadas. Não havendo

renúncia dos envolvidos, nem afastamento voluntário, o caminho que resta à sociedade é pressionar a Câmara Legislativa a abrir processo por crime de responsabilidade contra o Governador José Roberto Arruda e seu vice e cassar os mandatos dos deputados comprometidos com a improbidade. Estefânia Viveiros ressaltou ainda que a luta para afastar os envolvidos nos escândalos depende da participação de toda a sociedade brasileira: – Os cidadãos e as forças políticas e sociais de nossa cidade precisam se unir para enfrentar a gravidade dos fatos e a situação crítica em que nossa cidade se encontra. Não queremos pré- julgamentos, mas também não queremos que suspeitos de ilegalidades gravíssimas e que ofendem a todos nós continuem no exercício de suas funções, como se nada estivesse acontecendo. Todos, sem distinção, devem participar deste movimento em defesa de Brasília, em defesa do Brasil.


“Desapreço pela ética choca a opinião pública” A ABI aplaude a mobilização da OAB em favor do impeachment do Governador Arruda. FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

Em e-mail enviado no dia 9 de dezembro ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, a ABI manifestou seu aplauso à iniciativa da OAB de mobilizar os Presidentes de suas 27 Seções locais para apresentar à Câmara Legislativa do Distrito Federal mais uma petição em defesa do impeachment do Governador José Roberto Arruda. “Mais uma vez a OAB assume uma posição de liderança na sustentação e defesa de princípios e procedimentos essenciais à preservação e aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito”, diz a mensagem da ABI. É este o texto da manifestação da Casa: “Ilustre Doutor Cezar Britto, Digníssimo Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Aliada da Ordem dos Advogados do Brasil em questões relevantes da vida nacional, a Associação Brasileira de Imprensa sente-se no dever de manifestar seu aplauso à iniciativa desse Egrégio Conselho Federal de reunir em Brasília os Presidentes das 27 Seções locais da OAB para uma vigorosa demonstração de repúdio às práticas e atos de corrupção que estão a enodoar os organismos

O Presidente em exercício da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Cabo Patrício (ao centro), recebe o pedido de impeachment do Governador José Roberto Arruda das mãos do Presidente da OAB nacional, Cezar Britto, e da Presidente da OAB/DF, Estefânia Viveiros.

locais de poder da capital da República, os quais chocam a opinião pública pelo desapreço que seus agentes demonstram pela ética e pela moralidade a que todos são obrigados. Sem sacrifício da isenção que deve

manter em relação aos fatos do dia-a-dia da vida política e administrativa do País, por apreço à pluralidade de opiniões dos integrantes de seu quadro social, a ABI considera que os fatos que ensejaram a mobilização da OAB são demasiado gra-

ves e devem merecer a repulsa de instituições que, como a ABI e a OAB, desenvolvem em caráter permanente ações de afirmação e respeito aos valores republicanos, agora gravemente ofendidos. A proposta de impeachment do Governador do Distrito Federal José Roberto Arruda formulada pela OAB e suas representações, somando-se a iniciativas do mesmo fim já submetidas à Câmara Legislativa da capital, deve constituir um dos inúmeros passos para a responsabilização penal desses agentes, cuja impunidade, infelizmente transformada em rotina em outros episódios do mesmo teor de imoralidade, constituirá intolerável agressão ao conjunto da cidadania. A ABI pede a Vossa Excelência que transmita este aplauso às representações locais dessa venerável Ordem dos Advogados do Brasil, que mais uma vez assume uma posição de liderança na sustentação e defesa de princípios e procedimentos essenciais à preservação e aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito que estamos a construir no País. Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 2009. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”

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CENTENÁRIO

Volume 3, uma unanimidade Edição Especial é encerrada com elogios à qualidade dos números publicados em comemoração aos 100 anos da ABI. POR JOSÉ REINALDO MARQUES FOTOS FRANCISCO UCHA

Como nos lançamentos anteriores, dos Volumes 1 e 2 da Edição Especial do Centenário do Jornal da ABI, a Livraria da Travessa, no Shopping Leblon, recebeu no dia 14 de dezembro um grande público, formado por intelectuais e jornalistas, para o lançamento do Volume 3 – muito elogiado pelos presentes –, que encerra a série editada especialmente para celebrar os cem anos da ABI. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo saudou a presença marcante de associados e amigos como uma demonstração de que a Casa, nos seus cem anos de existência, vem cumprindo o seu compromisso maior, que é contribuir para que a prática jornalística seja exercida com os seus plenos direitos, e faz uso dos seus canais de comunicação para historiar, defender e ratificar um jornalismo isento e livre de qualquer tipo de censura. Disse o Presidente que foi um imenso conforto verificar que o objetivo traçado – lançar três edições especiais do Jornal da ABI – foi alcançado, completando cerca de 250 páginas de textos relacionados com a ABI e a História da imprensa e aqueles que fizeram a grandeza do jornalismo brasileiro: – Estamos muito felizes, porque sentimos que a qualidade da publicação tem sido objeto de elogios e aplausos do corpo social e outras pessoas que têm acesso ao Volume 3, assim como aconteceu com os Volumes 1 e 2. Acho que a melhor gratificação que temos é esta de sabermos que fizemos jornalismo com o alto propósito de servir ao pensamento e à cultura do País – afirmou. Carlos Alberto Oliveira, o Caó, afirmava numa roda de amigos que considerava o lançamento do Volume 3 da Edição Especial do Jornal da ABI mais um movimento afirmativo da instituição: “É um passo por excelência comemorando ainda o centenário da Casa. Todos nós estamos alegres e felizes com este momento”, disse Caó, que já foi deputado, conselheiro da entidade e Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. A verdade, enfim Autor de um texto de teor histórico que conta como foram os momentos finais do jornal Última Hora-Nordeste, Estanislau Oliveira, atualmente Conselheiro e Diretor Administrativo da ABI, disse que estava aliviado pela oportunidade de escrever, anos depois, uma reportagem que havia sido censurada pela ditadura do golpe militar de 1964: – A minha maior satisfação foi poder publicar nessa edição 8

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Com sua filha Maria Ilka e sua esposa, Marilka, e os Diretores Domingos Meirelles e Estanislau Alves de Oliveira, o Presidente da ABI recebeu os convidados para o lançamento da nova Edição Especial, entre os quais Sérgio Cabral (abaixo), Ana Arruda Callado (sentada) e Francisca Talarico.

uma reportagem que eu não pude publicar em jornal nenhum. Estanislau era repórter credenciado no IV Exército, com sede em Recife, na época comandado pelo General Joaquim Justino Alves Bastos. Ele conta que no fatídico dia 31 de março de 1964 ouviu do militar que a sua unidade era pela legalidade e que o Exército não estava envolvido em golpe. Mas logo a verdade veio à tona: – Todo o prédio do jornal foi depredado pelo Exército, a maioria dos profissionais do jornal foi presa, eu fugi. Devido ao regime de exceção, não consegui publicar essa inverdade pronunciada pelo General Justino. Então eu estou feliz de poder ter contado no terceiro volume da Edição Especial do Jornal da ABI a verdade do que aconteceu no dia 31 de março de 1964 na casa do General Justino Alves Bastos. Adalgisa: fantástica A associada Ana Arruda Callado disse que considera o Jornal da ABI um

veículo maravilhoso, porque se transformou em um jornal importante de informações de histórias recentes do Brasil, além de ser também um veículo combativo, ao mesmo tempo em que está levantando a História da imprensa como um todo. Disse Ana Arruda que o Volume 3 da Edição Especial do Jornal da ABI lhe agrada particularmente porque fala de mulheres jornalistas que foram as pioneiras na profissão. Para este número ela colaborou escrevendo sobre Adalgisa Nery, uma dessas mulheres que, observou, romperam barreiras: – Adalgisa Nery era uma mulher fantástica, grande poetisa, e começou a escrever na Última Hora a convite do Samuel Wainer. Ela escreveu um artigo e ele então publicou na página feminina. Ela ficou danada, e disse a ele que não escrevia em Segundo Caderno. “Eu quero estar no caderno dos homens, no Primeiro Caderno”. Samuel atendeu o seu pedido, ela fez a coluna “Retrato sem retoque”, que era extraordinária.

Prova de vitalidade Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, disse que o evento de lançamento da Edição Especial era uma prova da vitalidade da ABI, que já passou dos cem anos e entrou no seu segundo século com muito vigor.Em seguida ele elogiou a gestão do Presidente Maurício Azêdo: – Com Maurício Azêdo a Casa está em ascensão. Ele conseguiu revitalizar a ABI, tirá-la quase que de uma penumbra do esquecimento, mostrando que a entidade continua importante, não foi colocada de lado, está presente e vai continuar tomando as posições firmes como sempre tomou e se engrandecer mais ainda neste segundo século. No mesmo tom do Presidente do Conselho, Domingos Meirelles, Diretor Econômico-Financeiro da Casa, disse que o lançamento da publicação é o coroamento de toda a trajetória que a ABI tem trilhado ao longo da sua existência: – O lançamento desse terceiro volume é reafirmação de toda a história da instituição, pois de certa forma reproduz o vigor da ABI ao completar cem anos de existência, e ressalta todos esses momentos em que a Casa se manifestou em defesa das liberdades. Freqüentadora da ABI desde os tempos de menina, quando vinha à Casa em companhia do pai, Francisco Acquarone, que era jornalista, a artista plástica e Conselheira Leda Acquarone disse que vê a entidade como se fosse a sua própria casa: – Eu acompanho a ABI desde o tempo do Herbert Moses, e acho que o seu jornal está maravilhoso, em uma fase muito boa, tratando de assuntos que interessam aos jornalistas. É algo de que nós precisávamos nos dias de hoje, de um jornalismo mais sério e isso me deixa muito feliz. Maria Helena, a tímida Tímida, mas muito contente estava a artista plástica Maria Helena, autora da ilustração da capa do jornal, que recebeu muitos comentários elogiosos dos presentes ao lançamento: – Eu estou adorando a repercussão e estou muito orgulhosa. Depois que fiz eu adorei o trabalho. O desenho de aquarela eu faço desde nova, foi a primeira técnica que eu dominei. Revelou Maria Helena que algumas “das mulheres tão lindas e maravilhosas” que ilustram a capa do jornal ela já conhecia, como Nair de Teffé, Cecília Meireles, Adalgisa Nery e Hilde Weber. “Chave de ouro” “Eu disse ao Presidente Maurício Azêdo que finalmente nós fechamos


Aconteceu Mensagens na ABI

Uma senhora de respeito Milton Coelho da Graça disse que a ABI, pela sua história em defesa das liberdades e da democracia, merece todo o respeito da sociedade brasileira, além das homenagens e do bom tratamento que vem recebendo atualmente: – Uma senhora de cem anos, uma senhora de respeito que merece tudo que possa acontecer de bom e a atenção que estamos dando a ela. É uma entidade que durante estes cem anos de vida lutou tanto pelas boas causas deste País, principalmente pela democracia, o respeito aos cidadãos, respeito ao jornalismo, que eu acho que este jornal neste ano do centenário mostrou que é um componente muito importante para formação da opinião pública do Brasil.

ERRATA

Senões da Edição 345 PÁGINA 30 – Quem aparece de gravata borboleta em primeiro plano não é Jota Efegê, que está encoberto, à esquerda, ao lado de Luiz Guimarães, Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio, de terno branco. No fim da última linha da legenda: óculos escuros, e não escuro. PÁGINA 31 – As charges são todas do Théo, que ilustrou o volume Na Berlinda, que reúne 50 sonetos satíricos de Helena Ferraz. Na edição, a assinatura dele deixou de aparecer nos desenhos de Cândido Portinari e de Bastos Tigre. Na matéria Os figurões na berlinda também em versos, 1ª coluna, sexta e sétima linhas: "... diferentes campos da vida social – na política ..." PÁGINA 52 – Na legenda foi omitido o Governador Magalhães Pinto como um dos golpistas, ao lado de Auro de Moura Andrade, Ramieri Mazzilli e José Maria Alkmin. (Colaboração do associado Ivan Vinhieri).

Ministro Valmir Campelo aplaude a Edição 345

Eneida e Helena, na lembrança de Maria Lúcia

Membro do Tribunal de Contas da União, ele exalta “a história de uma instituição cuja presença na vida nacional vem sendo marcada pela grande contribuição para o aperfeiçoamento do nosso regime democrático”. Em mensagem à ABI, o Ministro Valmir Campelo expressou seu aplauso à Edição nº 345 do Jornal da ABI, Volume 3 da série destinada à comemoração do centenário da Casa, “cuja presença na vida nacional vem sendo marcada pela grande contribuição para o aperfeiçoamento do nosso regime democrático”. Diz sua mensagem: “Senhor Presidente Maurício Azêdo, Ao cumprimentá-lo, acuso o recebimento de exemplar do Volume 3 da edição especial do Jornal da ABI, com a qual a Associação Brasileira de Imprensa conclui a série dedicada à celebração do seu centenário. Li com entusiasmo o singular editorial de sua autoria, sob o título “Aprovação com Louvor”, de onde se extrai a síntese da rica trajetória da ABI ao longo de um século de existência, com um legado de realizações transmitido pelos construtores da grandeza dessa entidade. Parabenizo o ilustre Presidente pela oportuna iniciativa de festejar com o merecido destaque o jubiloso centenário, lembrando a história de uma instituição cuja presença na vida nacional vem sendo marcada pela

“Pude aquilatar o valor das duas”, diz Maria Lúcia Amaral.

grande contribuição para o aperfeiçoamento do nosso regime democrático. Ao agradecer o envio da publicação, expresso-lhe votos sinceros de saúde, felicidade e continuado êxito nas suas atividades profissionais. Cordialmente o amigo (a) Valmir Campelo, Ministro.”

“Meu amigo Maurício Azêdo, Foi uma idéia maravilhosa que você teve nesse número especial do Jornal da ABI, reunindo as grandes mulheres do jornalismo. Conheci Eneida e Helena Ferraz. Amiga de ambas, pude aquilatar o valor das duas, num momento em que eram poucas as mulheres no jornalismo. De Eneida fui colega no antigo Diário de Notícias e a quem visitei assiduamente quando se achava doente e dizia “Eu morro mas morro com raiva”, tal o seu amor à vida. Eneida, além das suas crônicas deliciosas, foi grande batalhadora a favor da criança e do jovem. Fiz com ela no Diário a campanha “Mãos dadas pela criança” e na época da ditadura, em que eram raros os debates, porém necessários. De Helena Ferraz guardei a doçura do seu convívio e o talento satírico e irônico. Ambas merecem o seu registro e daí o meu aplauso. Parabéns, Maurício! Com o abraço da colega (a) Maria Lúcia Amaral.”

Thiers, Braguim e Berger também A ABI registra também as seguintes mensagens de aplauso às Edições 345 e 347: Do Conselheiro Thiers Montebello, Presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro “Agradeço a gentileza pelo envio do Jornal da ABI, cumprimentando seu presidente e toda a equipe editorial pela excelência da Edição Especial do Centenário – Volume 3, que presta merecida homenagem aos grandes nomes da imprensa brasileira, com destaque para as mulheres que se lançaram na vanguarda do jornalismo. Com meu cordial abraço (a) Thiers Montebello, Presidente.” Do Conselheiro Roberto Braguim, Presidente do Tribunal de Contas do Município de São Paulo “Com meus cordiais cumprimentos, sirvo-me do presente para acusar o recebimento e agradecer o exemplar do Jornal da ABI, nº 347, referente ao mês de novembro de 2009 e elaborado pela respeitada Associação Brasileira de Imprensa. Parabenizo Vossa Senhoria, assim como todos os colaboradores, pela excelente qualidade das matérias apresentadas, e informo que, por minha determinação, o exemplar supramencionado foi encaminhado à Biblioteca desta Casa para conhecimento e divulgação. Aproveito a oportunidade para

renovar protestos de respeito e consideração. Atenciosamente (a) Roberto Braguim, Presidente.” Do Prefeito Dário Elias Berger, de Florianópolis, Santa Catarina “Em nome do Prefeito Municipal, Senhor Dário Elias Berger, confirmo o recebimento da publicação em destaque. Manifesto sinceros cumprimentos pela excelência dos dados divulgados, bem como informo que os mesmos foram enviados a Biblioteca Municipal para composição do acervo. Na oportunidade, renovo protestos de elevado apreço e distinta consideração. (a) Adriano Zanotto, Chefe de Gabinete.”

Como nasceu o Zé Carioca “Caro Maurício, Com respeito à bela edição 200 anos da imprensa no Brasil, na página 27, no ano de 1961, o nosso Jornal da ABI informa: Zé Carioca ganha... A título de curiosidade (eu acho até interessante publicar). Para desenhar o Zé Carioca,inspirado no malandro carioca, Disney solicitou a Carmem Miranda e ao humorista Jorge Murad (lembra-se dele? Pensão do Salomão, que ficou no ar 25 anos ininterruptamente, programa diário sem repetir nada. Se o programa Escolinha do Professor Raimundo semanal fosse o humorístico que maior tempo ficou no ar, não teria ficado também 25 anos, como foi fartamente apregoado. Teria sido preciso ficar no ar por uns150 anos). Mas o assunto é Zé Carioca. A pedido do Disney, Jorge e Carmem ficaram dançando samba de morro para ele observar seus movimentos e ir desenhando o papagaio Zé Carioca. Um abraço fraterno do (a) Mirson Murad.” DIVULGAÇÃO

com chave de ouro o centenário da ABI, uma entidade respeitada e amada por todos os jornalistas, que merecemos também esta homenagem, porque é um trabalho conjunto de todos nós”. As palavras são da jornalista Ilma Martins Silva, membro do Conselho Deliberativo e da Comissão Diretora da Diretoria de Assistência Social da entidade. Com um exemplar do Jornal da ABI nas mãos, Ilma Martins, que foi pioneira no jornalismo como correspondente da primeira agência de notícias russa no Brasil, disse que se sente orgulhosa com o resultado do trabalho: “A edição é maravilhosa, muito interessante, principalmente porque ressalta a contribuição da mulher no jornalismo”, afirmou. O Conselheiro Arcírio Gouvêa Neto falou da importância e da qualidade da publicação: – Dificilmente uma entidade hoje em dia consegue editar três jornais seguidos com a qualidade maravilhosa com a qual o Jornal da ABI vem sendo editado. Isso só vem a engrandecer e marcar a importância da nossa entidade no panorama político e social brasileiro.

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Aconteceu na ABI

Os artistas negros discutem seu espaço na cultura e na mídia Foram três dias de seminário, na ABI, sob a chancela da Secretaria da Igualdade Racial. Artistas e intelectuais afro-brasileiros, jornalistas e professores universitários participaram de 14 a 16 de dezembro na ABI do Encontro de Arte Negra, com o objetivo de traçar um panorama sobre a presença estética do negro na cultura brasileira. Os principais temas do seminário, intitulado Estética e Negritude no Brasil Contemporâneo, foram a inserção do negro na mídia, a música negra contemporânea, a reapropriação e legitimidade das expressões afro-brasileiras. Participaram do seminário os artistas Antônio Pompeo, Presidente do Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro-

Cidan, Zezé Motta, Ademir Ferreira, o diretor de teledramaturgia da TV Globo Luiz Antônio Pilar, os cineastas Joel Zito Araújo e Jeferson De. O encontro reuniu também como palestrantes os poetas Eliza Lucinda e Ele Semog; o compositor Hermínio Bello de Carvalho; o antropólogo e professor da Universidade Federal Fluminense Júlio César Tavares, a escritora Helena Teodoro e o escritor e historiador Joel Rufino dos Santos. Antônio Pompeo revelou que o seminário é a realização de um sonho que levou três anos para se concretizar. Ele ficou satisfeito com o resultado e pre-

tende que o evento se transforme em um fórum permanente de debates sobre cinema, teatro e a participação e contribuição dos negros em outras mídias: – O fundamental para mim com a realização deste seminário foi criarmos a oportunidade de sedimentar os nossos conhecimentos, com a riqueza de informações que tivemos durante estes três dias em que estivemos reunidos aqui no auditório da ABI. Na visão de Pompeo, o encontro foi capaz de responder que a estética negra é uma realidade, pois cada um dos palestrantes apresentou dados sobre a capacidade de os artistas negros se

manifestarem cultural e artisticamente, por meio de padrões e componentes estéticos reveladores da sua condição étnica. Ruth Pinheiro, coordenadora do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo dos Santos Neves, elogiou a iniciativa do Cidan afirmando que a entidade cumpre um papel de extrema importância, preparando jovens para atuar em diversas funções do teatro e do cinema. Mercedes, só escrava Hermínio Bello de Carvalho e o músico e pesquisador Carlos Negreiros par-

“O Brasil já se reconhece como um país negro” Ministro Edson Santos vê progressos na direção da igualdade racial.

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Eu vejo com muito carinho o traposições que criam as famosas setamento e o relacionamento com manas de cultura afro-brasileira, reinstituições como o Cidan, que cebendo reconhecimento internacumpre o papel importantíssimo de cional – ressaltou Helena Teodoro. organizar os nossos jovens para que Jackes d’Adesky disse que a conmesmo que venham a se tornar cepção do belo vem das próprias grandes artistas não percam a consmães, que exprimem a beleza de ciência de que estão ali para cumseus bebês. Ele reclama que há ainprir uma missão – acrescentou da no Brasil alguns tabus que preEdson Santos, manifestando seu cisam ser revistos; os casais negros desejo de que o seminário seja mais nunca são protagonistas e não se um passo para que o Brasil possa se beijam nos programas de tevês. Ele tornar um país menos racista. lembrou também que ainda é Júlio Tavares iniciou as palesmuito difícil encontrar secretáritras reconhecendo que já há uma as-executivas negras nas grandes mudança social em relação à imaempresas: gem do negro no Brasil. Segundo – Até mesmo no futebol, que é ele, isso se deve à afirmação do si o esporte mais popular do Brasil, próprio. Para o antropólogo, o consão poucos os técnicos negros. Em junto de expressões, como andar, todo o País, somente agora, ainda no sentido de locomoção, gesticucom muita dificuldade, temos o lar, como complemento da fala, e Andrade, técnico do Flamengo – o ritmo, que motiva o gingado, forafirmou o pesquisador. mam a personalidade da pessoa, de Ao final do encontro, fazendo qualquer raça, fazendo-se recoparte da platéia, a atriz Zezé Mota nhecer a sua etnia: lembrou que quando jovem era Mais de 50% da população já se declaram negros, – Antigamente existia uma ditachamada de feia, porque tinha “cadisse o Ministro da Igualdade Racial, Edson Santos. dura eurocentrista. Tudo o que não belo duro, bumbum grande e naseguia os padrões europeus era feio. riz chato”. Por isso, tinha vontade fazendo que os europeus não reconheHoje, o espelho é a afirmação do si próde passar por um processo de embrancessem como belo o que vinha da Áfriprio e, portanto, há a hegemonia neste quecimento, chegando até a usar uma ca, ou até mesmo uma arte menor: País – disse. peruca Chanel: – Hoje nós temos a reapropriação do A escritora Helena Teodoro ressaltou – Na primeira vez que eu fui aos belo, inclusive em cima da arte de escula apropriação do belo, o processo da Estados Unidos eu vi que os negros de turas de Mestre Didi, que vai trazer uma estética, da beleza e da arte em geral. De lá andavam de cabeça erguida. E eu os nova visão das comunidades de terreiacordo com ela, a estética vem de uma achava bonitos. Se os negros de lá eram ros, dos emblemas dos orixás, reorganisérie de teorias criadas na Europa, numa bonitos, por que os daqui não poderizando formas, cores e de sons, em exépoca de colonização das Américas, am ser? – questionou Zezé. ANTÔNIOCRUZ/ABR

Patrocinado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-Seppir e apoiado pela ABI, o encontro teve como primeiros palestrantes o antropólogo da Universidade Federal F luminense Júlio Tavares, a escritora Helena Teodoro e o pesquisador da Universidade Cândido Mendes Jacques d’Adesky, tendo como mediador Martvs Chagas, da Seppir. O tema desse debate foi Negritude (s) em trânsito e reapropriação do belo, e os debatedores listaram uma gama de conceitos negativos ainda presentes em nossa cultura, embora admitindo que haja alguns avanços, e que a discussão sobre o assunto tende a melhorar a auto-estima e a participação maior do negro, através do conhecimento. Chamado pelo ator Antônio Pompeo, o Ministro Edson Santos disse que a sua Pasta segue à risca as determinações do orçamento e que por isso é difícil patrocinar eventos fora do programa, mas com muito empenho consegue verba para alguns. Ele ressaltou que só há 5% de negros na Câmara dos Deputados e no universo de 81 senadores só há dois afro-descendentes: o Senador Paulo Paim e a Senadora Marina Silva. Ele considera que aprovar leis como anti-racistas no Congresso, como cotas e o Estatuto da Igualdade Racial, “é um ato de grandiosidade dessas figuras”: – Hoje, felizmente, o Brasil já se reconhece como um país negro. Mais de 50% da população já se declaram negros.


O negro, não Augusto Bapt acha que um dos entraves para um melhor posicionamento da música negra é o olhar diferenciado dos produtores: – Alguns olham só a venda, outros vêem o conteúdo. Mas ninguém vê a arte como forma de discussão. Há um abismo entre o mercado e o conteúdo. Ele citou o caso da banda de jongo Caixa Preta: – A banda Caixa Preta faz o jongo contemporâneo, é um trabalho para o pensamento de um Brasil contemporâneo. Para Augusto Bapt, a estética é um todo: corpo e mente. Tem que haver diálogo, “enquanto houver conversa haverá evolução”. Délcio Teobaldo disse o seguinte: – Estética é beleza e conduta. Se é difícil entender a música negra, como vendê-la? O jongo, chamado caxambu em Minas Gerais, é uma síntese da música negra. Hoje, a música dos negros entra nos espaços, mas o ser humano negro não. No final, os palestrantes criticaram a TV Brasil por não dar maior espaço à arte negra.

Polícia agora é mais racional, diz Beltrame Secretário de Segurança do Estado do Rio considera que a Polícia usa a estratégia e se tornou mais eficiente. Em ato comemorativo dos dez anos de criação do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, no dia 28 de dezembro, o Secretário de Segurança do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, disse que os resultados positivos obtidos pela Polícia do Estado no combate à criminalidade devemse ao uso de estratégia cuja base está ligada ao suporte que as Polícias Civil e Militar recebem do órgão. À cerimônia, realizada no Auditório Oscar Guanabarino, na sede da ABI, compareceram o Comandante-Geral da PM, Coronel Mário Sérgio de Brito Duarte, que já presidiu o Instituto, e o Presidente do Isp, Tenente-Coronel Paulo Augusto Souza Teixeira. O exPresidente do Isp, Coronel Jorge da Silva, foi um dos homenageados da noite. Disse Beltrame que a partir das análises técnicas produzidas pelo Isp, que são debatidas pela cúpula da segurança do Estado, as Polícias passaram a agir com mais eficiência. “As ações são mais racionais e tópicas”, disse o Secretário, acrescentando que um dos fatores do progresso da segurança pública no Rio é a integração da comunicação das Polícias, e que nesse processo o Isp cumpre um papel fundamental. Por exemplo: o órgão recebe e avalia as demandas dos Conselhos de Segurança Comunitária, e esses dados são repassados aos Comandos da PM e da Polícia Civil. Beltrame considera que o Isp se configura como elemento formador de conhecimento, “pelo que contribui com as nossas combalidas Polícias Civil e Militar”. Disse que a base das reuniões da cúpula da segurança fluminense são os dados do Instituto, que passaram a melhorar a circulação e a integração de informações na esfera policial: – Esse é outro dado importante: a comunicação. Uma informação só é boa se consegue transitar. Com isso estamos

ROOSEWELTPINHEIRO/ABR

ticiparam do painel Nós e os outros na música negra contemporânea. Negreiros falou sobre a trajetória de Mercedes Batista, que fez parte do corpo de bailarinas do Teatro Municipal, mas que só fazia papel de escravas, até o dia em que resolveu se transferir para os Estados Unidos. A ida para o exterior proporcionou a Mercedes Batista uma série de experiências, que lhe permitiram alcançar o reconhecimento artístico. Ao retornar ao Brasil, ela iniciou um processo de ensino de dança para domésticas, religiosos do candomblé e pessoas de baixa renda: – Hoje, muitos desses estão na Europa, dando continuidade àquilo que ela plantou – informou Negreiros. – Agora, para poder viver no mundo real e no oficial é importante que o artista passe por uma capacitação com embasamento científico. Ele contou também sobre um caso que previa a participação da orquestra da Rádio Mec num congresso de Nutrição no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, RJ. Ocorreu então um problema e os músicos da Rádio foram substituídos por uma orquestra de negros, vestidos de terno: – Chegando lá com objetos de percussão, foram obrigados a entrar pela porta de serviço. Quando a cortina abriu, uma vaia. Ao primeiro acorde, um silêncio total. Mesmo assim, tivemos que comer o macarrão aguado na cozinha. Hermínio exaltou artistas como Clementina de Jesus, que só tem a obra documentada a partir do ano de 1962. Ele chamou a atenção para o fato de que outros grandes expoentes da música nacional, como Pixinguinha, Cartola e João do Vale, também têm pouca coisa documentada.

A única forma de enfrentar a criminalidade no Rio é utilizar a tecnologia e o trabalho de inteligência, que pode orientar a ação dos órgãos policiais, disse o Secretário Beltrame.

quebrando paradigmas e criando uma nova cultura na segurança pública do Estado. Temos que integrar – afirmou. Para o Secretário, o Isp serve para abrir os olhos das autoridades responsáveis pela segurança pública: – E cabe a mim reconhecer que 2010 está chegando e estamos preparados para enfrentá-lo, pois temos horizontes e estratégias. Sinto-me muito honrado de estar à frente da Secretaria de Segurança nesta primeira década do Isp. Disse ele que a única forma de se enfrentar o problema sério em que se configurou a criminalidade no Rio é usar a tecnologia e a inteligência: – Temos que agir com muito raciocínio e inteligência, buscar tanto o conhecimento técnico quanto o prático e unir as forças, melhorando cada vez

mais o orçamento, e enfrentar os problemas. Tínhamos situações que não eram mexidas, dando a impressão de que estava tudo bem. Na verdade não estava. Não quero dizer com isso que ficou tudo bem e colorido. Mas precisávamos enfrentar as situações que estão sendo confrontadas. E é dentro desse propósito que estaremos trabalhando em 2010. Primeiro dirigente do Isp, o Coronel Jorge da Silva, doutor em Ciência Social e professor da Uerj, falou sobre o instituto: – Eu vi o Isp nascer. Quando fui Coordenador de Segurança o Instituto estava criado, mas precisava ser instalado. Participei da sua instalação e fico feliz de ver que se passaram dez anos e posso constatar como o Isp evoluiu. (José Reinaldo Marques)

Adolescentes, os que mais desaparecem Durante a reunião foram apresentados os dados da pesquisa Desaparecidos no Estado do Rio de Janeiro em 2007, produzida pelo Isp, que registrou 4.423 casos de desaparecimentos no Estado no período pesquisado. O estudo, que de acordo com o Isp é o primeiro do gênero no Brasil, mostra que 25,6% dos desaparecidos são adolescentes, com idade entre 12 e 17 anos. Em seguida vêm os idosos, pessoas com problemas mentais e usuários de álcool e drogas. Os homens são 61,6% desse público, e as mulheres, 38,4%. Setenta e um por cento das pessoas desaparecidas acabam voltando aos locais de onde partiram, mas apenas

2% dos casos de reaparecimento são comunicados à Polícia. O estudo apurou 31 casos de pessoas reencontradas mortas (6,8%): 13 mortes naturais e 18 homicídios dolosos. Para o Secretário José Mariano Beltrame os trabalhos de pesquisa e de organização de dados que o Isp vem realizando são instrumentos muito importantes para a ação das Polícias: – Os casos de desaparecimento eram um mito, e não se tinha um histórico sobre esse tipo de incidente. E sem dúvida nenhuma o Observatório da Criminalidade, que está sendo fornecido on-line aos batalhões da PM e às delegacias, proporcionam ao co-

mandante ou ao delegado, logo no início dos seus expedientes, requerer esses dados ao Isp e receber as informações das ocorrências das últimas 24 horas nas suas áreas. Esse procedimento, informou Beltrame, permite a formalização de um mapa das incidências criminais que ocorreram em cada área e os locais dos crimes. A partir dessas informações são designados os policiamentos: – Esta é a melhor forma que encontramos para racionalizar a atuação da Polícia, a utilização do policial e uma série de princípios profissionais que eu particularmente acho excelentes. (José Reinaldo Marques)

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Aconteceu na ABI

Uma festa pelos 100 anos de Beatriz Bandeira Professora, poetisa e atriz, ela foi companheira de prisão, em 1935, de Olga Benário, Nise da Silveira, Maria Werneck, Eneida de Morais e outras lutadoras.

UMA VIDA DE LUTAS, EXÍLIOS E INCONFORMISMO

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ABI ON LINE

Grupo Tortura Nunca Mais; o advogado Modesto da Silveira; a socióloga Moema Cerca de cem pessoas compareceram Toscano; a atriz Maria Pomà celebração do centenário da ativista peu; o cineasta Silvio Tendler; política, professora, poetisa e atriz Bee o economista Tito Ryff. atriz Vicência Bandeira Ryff, a “Vivi” Antes de passar a presidêncompletados no dia 8 de novembro. A cia da mesa a Maysa Pinto cerimônia, realizada na Sala Belisário de Machado, pois tinha comproSouza, no 7º andar do Edifício Herbert missos assumidos anteriorMoses, foi aberta pelo Presidente da mente, Maurício Azêdo diABI, Maurício Azêdo, que destacou a vulgou o convite que a Câma“trajetória de sua luta política a servira dos Vereadores fez à ABI ço dos interesses do povo brasileiro” , e para a entrega do título de Ciorganizada pela ex-nora da homenageA socióloga Moema Toscano (a partir da esquerda), a atriz Maria Pompeu e Regina van dadão Honorário do Rio de Jaada, socióloga Maysa Pinto Machado. der Veid, do Movimento Feminino Pela Anistia: companheiras de luta de Beatriz Bandeira. neiro, in memoriam, a Carlos Compareceram à cerimônia parenMarighella, no dia 17 de detes, amigos, militantes políticos e reEm seu discurso, Maurício Azêdo respresença física, embora esteja presenzembro, às 18h30min. presentantes de diversas entidades e saltou que a ABI é a casa da liberdade de te com sua firmeza espiritual e também Ele também leu as mensagens enmovimentos sociais. Entre eles estaexpressão, da defesa das tradições de luta com a obra que realizou, que será evoviadas por amigos e companheiros que vam o Diretor de Cultura e Lazer da do povo brasileiro e que, tradicionalmencada aqui por quantos se dispuserem não puderam comparecer, como o adABI, Jesus Chediak; o Deputado estate, presta reverência permanente àquea prestar o seu testemunho de exaltavogado João Tancredo, Presidente do dual Paulo Ramos (PDT-RJ); os ex-Delas figuras que dignificam a vida nacioção a uma das maiores mulheres que o Instituto dos Defensores dos Direitos putados Vivaldo Barbosa e Carlos nal com sua trajetória política a serviço nosso País conheceu – disse Maurício Humanos; o jornalista Sérgio Cabral Fayal; a advogada Edialeda Nascimendos interesses maiores do povo brasileiAzêdo na abertura da homenagem. e Ivan Pinheiro, Presidente do Direto, Presidente do Movimento Negro do ro, como fez Beatriz Bandeira Ryff: A mesa que coordenou a cerimônia tório Municipal do Partido Comunista PDT; o Secretário municipal de Assis– A presente sessão tem em vista foi composta pela Presidente do MoviBrasileiro. tência Social, Fernando William, e um homenagear Beatriz, que, por motivos mento em Defesa da Economia NacioIniciada a sessão, a atriz Maria Pomdos filhos de Beatriz, o ex-Secretário mais ou menos óbvios, não pode estar nal, Maria Augusta Tibiriçá; a professopeu leu quatro poemas de Beatriz Banmunicipal de Planejamento do Rio, conosco aqui, trazendo o calor de sua ra Jane Quintanilha Nobre de Melo, do deira: Roteiro, Com Deus pela liberdade, Tito Ryff, além de netos, entre outros. A Mocidade e Para uma Senhorita em Paz Consigo Mesma, destacando a diversidade de temas abordados pela poetisa. Tito Ryff, em seguida, agradeceu às entidades que colaboraram para a realização da homenagem e à ABI, que é “uma instituição do povo brasileiro e Ao longo da carreira, Beatriz Bandeira publicou as obras poéticas Roteiro e Profissão de Fé; Antes Que Seja Tarde – que para nós é uma honra que esta cerimôreúne as memórias do pai, escrita em parceria com sua irmã, Dulcina – e A resistência – Anotações do Exílio em Belgrado. nia seja realizada aqui”. Maria Augusta Tibiriçá disse que se o líder revolucionário Carlos Marighepara a França. Beatriz detalhou esta exIntegrante dos movimentos União ateria em um aspecto que praticamenla, os jornalistas e escritores Eneida de periência no livro A Resistência – Anotada Juventude Comunista e Aliança Nate só as duas amigas poderiam tocar: Morais e Álvaro Moreyra, sua mulher ções do Exílio em Belgrado. cional Libertadora, Beatriz foi presa e a longevidade. Por estar com 92 anos, Eugênia e Graciliano Ramos, que relaEm 1967, de volta ao Brasil, particiexilada pelos regimes ditatoriais em Maria Augusta disse que ela e Beatriz tou a amizade com Beatriz e Raul Ryff pou ativamente do processo de organi1936 e em 1964. É viúva de Raul Ryff, já ultrapassaram a fase de idosas, senno livro Memórias do Cárcere. zação da luta pela anistia, tendo sido Secretário de Imprensa do Presidente do “longevas”: Em 1936, Beatriz foi presa e, em uma das fundadoras do Movimento FeJoão Goulart, e mãe do jornalista Vitor – Para chegar aonde chegamos, é preseguida, exilada para o Uruguai. minino pela Anistia e Liberdades DemoSérgio Ryff – que morreu em meados ciso que a gente se prenda à alegria de – Sobrevivente do cárcere da ditadura cráticas. da década de 90 —, do economista Tito viver e a tudo o que é bom. Nosso lado Vargas, Beatriz compartilhou a “Sala 4”, – O ato público na ABI vai potenciRyff e do físico Luiz Carlos Ryff. bom sempre vai nos ajudar a resolver os na Casa de Detenção, no Rio de Janeializar a contínua luta do povo brasileiBeatriz nasceu no bairro carioca do nossos problemas pessoais e os sociais ro, com Nise da Silveira, Maria Wernero pela democracia, princípio pelo qual Méier, em 8 de novembro de 1909, fitambém”, disse Maria Augusta, que ck, Olga Benário, Eneida de Morais e Beatriz continua pautando a sua vida. lha dos abolicionistas Alípio Abdulino citou o compositor Gonzaguinha como outras corajosas companheiras, conta Desejamos também contribuir para a Pinto Bandeira e Rosalia Nansi Bagueium dos preferidos da homenageada. Maysa Machado, sua nora, organizaformação do público jovem, estudantes ra Bandeira. Alfabetizada pelo avô maA professora Jane Quintanilha Nobre dora da celebração na ABI. e militantes com a produção destes terno, herdou dele a paixão pelas letras, de Melo ressaltou a “invencível determiAo retornar ao Brasil, a ativista ingresdepoimentos sobre a história do sécue da mãe, o gosto pela música. Escrenação de Dona Vivi” e que ela é a única sou na Federação de Mulheres do Brasil lo XX, ilustrados pelo exemplo de coraveu os primeiros versos aos nove anos, sobrevivente da Sala 4 da Casa de Detene colaborou com diversos jornais e com gem e altruísmo. Vamos entregar moe formou-se em piano pela Escola Nação do Rio de Janeiro, na ditadura Vara revista Momento Feminino. Em 1964, foi ção a um representante da Assembléia cional de Música. gas, onde esteve com Nise da Silveira, demitida do cargo de professora de TécLegislativa do Rio para que seja outorNas fileiras do Partido Comunista, na Maria Werneck, Olga Benário e Eneida nica Vocal do Conservatório Nacional de gada a Medalha Tiradentes a Beatriz, década de 1930, Beatriz conheceu o de Morais, entre outras. “É por ela que Teatro, por ordem do regime militar. Asisímbolo de resistência secular ao confuturo marido, o jornalista Raul Ryff, eu brado: Pela vida, pela paz, tortura lada com o marido na Embaixada da Iuformismo, parte integrante do que chacom quem foi casada por mais de cinco nunca mais”, afirmou Jane Quintanilha. goslávia, três meses depois seguiu para mamos de alma brasileira – disse Maydécadas. O casal exerceu a militância Em seguida foi a vez do advogado o exílio em Belgrado e, posteriormente, sa Machado. (Claudia Souza) política ao lado de personalidades como Modesto da Silveira de dar o seu depoPOR ALCENIR SANTOS


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Mitos e verdades nas biografias de futebol As revelações do escritor Ruy Castro na sessão de encerramento do ciclo A Arte do Futebol. POR ALCENIR SANTOS

Maria Pompeu abriu a cerimônia com a leitura de quatro poemas de Beatriz Bandeira, com quem fez uma peça teatral.

imento sobre a sua relação com Beatriz, lembrando o sofrimento da ativista durante a ditadura Vargas: – Ainda temos muitas seqüelas daqueles 21 anos do golpe, que já faz 45 anos. Mas quando eu tive acesso a um processo de 1935, na ditadura Vargas, vi um ambiente pior do que em 1964 – disse o advogado, pedindo que os lutadores brasileiros como Beatriz e seu marido Raul Ryff também “sejam nomes de ruas e praças”. A socióloga Moema Toscano, uma das autoras da idéia da homenagem, destacou que Dona Vivi teve uma biografia própria, num momento em que o casamento acabava com todas as pretensões da mulher, seja nas artes ou nos movimentos sociais: – Ela mostrou que se pode ser uma mulher atuante ou do lar, as atividades não se excluem. Podem se completar e se reforçar. Valeu a pena ser Beatriz. A atriz Maria Pompeu lembrou da peça teatral que fizeram juntas, Diálogos das Carmelitas, em 1955, no Teatro Copacabana, produzida pelo Congresso Eucarístico Internacional. O cineasta Silvio Tendler, amigo da família, lembrou que Raul Ryff era Secretário de Imprensa do Governo João Goulart e Beatriz falava mal do Governo no jornal Novos Rumos, do Partido Comunista. Tito Ryff voltou a agradecer a homenagem referindo-se “à leitura emocionada” de poemas de sua mãe. O economista lembrou uma fase muito dita por Beatriz Bandeira: “A rebeldia é a mais alta disciplina do caráter”. Antes de terminar a sessão, Maysa contou que perguntou à ex-sogra se gostava do apelido de Vivi e obteve dela a seguinte resposta: “Não sou de esquecer quem eu fui”. Em seguida, foi exibido um vídeo produzido pela TV Câmara em que a poetisa é a protagonista.

Histórias reais, mitos, piadas, excesso de livros sobre o futebol e a biografia foram os temas mais citados na última sessão do ano do ciclo de debates Futebol Arte: A Arte do Futebol, com o tema Futebol e Literatura, realizado no dia 15 de dezembro na Sala Belisário de Souza, no 7º andar do Edifício Herbert Moses. Participaram da mesa de debates o pesquisador do CNPq e coordenador do Mestrado em Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Vitor Hugo Agner Pereira; o jornalista e apresentador Marcelo Barreto, que mediou o debate, e o também jornalista e escritor Ruy Castro. A apresentação foi feita por José Rezende, membro do Conselho Deliberativo da ABI e Coordenador do Centro Histórico-Esportivo da Casa, que realizou o evento juntamente com o Grupo de Literatura e Memória do Futebol-MemoFut, com apoio do Sport-Laboratório de História do Esporte e do Lazer, vinculado à UFRJ, do canal Sportv e das editoras Livrosde futebol.com e Apicuri. Rezende agradeceu aos parceiros e ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, pelo total apoio e ressaltou a série como a preservação da História do esporte para que fatos e personagens não sejam esquecidos. Antes do início dos debates, o torcedor botafoguense Adilson Taipan leu os seus poemas O Neném e Pau Pequeno, inspirados no livro Um brasileiro chamado Garrincha, de Ruy Castro, sobre a vida do jogador do Botafogo e da Seleção Brasileira. A obra de Castro esteve por 11 anos em disputa judicial e mesmo assim foi premiada e se tornou o marco inicial das biografias dos jogadores de futebol. Ruy Castro explicou para a platéia que o motivo que o levou a escrever o livro foi o desejo de produzir uma obra sobre o alcoolismo, doença que causa muitos problemas nas pessoas: – Imediatamente o Garrincha me veio como personagem, porque ele foi um vencedor, amado por uma nação inteira, um grande mestre. Fiz um livro sobre um ser humano, que por acaso foi um jogador de futebol. Ruy contou também que foi alertado pelo seu editor sobre os problemas que teria com a obra: – Quando falei para o editor sobre o livro, ele me disse que eu ia ter problemas, por contar com 50% a menos no mercado, que é o mercado femini-

no, que não lê sobre jogador de futebol. Ele me disse também que eu ia perder com a outra metade, porque homem que gosta de ler não gosta de futebol e vice-versa. O argumento foi de que o livro era sobre uma pessoa, de cuja vida uns 15% foram passados no esporte. O professor Vitor Agner contestou a versão inicial sobre o público leitor, afirmando que há um mito sobre a pouca penetração do futebol no público feminino. Disse ele que há teses de mestrado feitas por mulheres sobre o tema, além de poetisas, como Cecília Meireles, terem usado o chamado esporte bretão como fonte de inspiração. Observou Vitor Agner que hoje já há um reconhecimento de como o futebol é importante na vida do brasileiro: – O João Cabral de Melo Neto mesmo tem um poema sobre Ademir da Guia, que mostra o molejo, a capacidade de paralisar um adversário, com seu estilo de jogar, numa relação de corpo contra corpo. Ruy Castro defendeu que muitos autores falam do esporte como cronistas, não como contistas. Segundo ele, crônica fala a realidade, conta os lances; conto é ficção. “É difícil fazer um filme de ficção sobre o futebol. O esporte é para documentário”, disse Ruy. Acha Ruy Castro que os narradores brasileiros, tanto no rádio como na televisão, estão chegando quase à perfeição, principalmente por causa da publicidade. Hoje, disse, o rádio descreve o jogo minuciosamente, mas quando ele é paralisado há sempre um “oferecimento”, a transmissão não precisa ficar como se simplesmente tivesse saído do ar. – Na tv é diferente. O jogo está sendo visto. Não há a necessidade de o narrador gritar gol da maneira que grita. O gol já foi visto. Agora, o mais importante é quando acaba o jogo. Os debates na televisão duram até seis horas depois das partidas. Não sei como se arruma tanto assunto para falar sobre uma peleja. Marcelo Barreto rebateu dizendo que faz o que fazia antes, só que ganhando dinheiro. Mitos e lendas O professor Vitor Agner lembrou do conto de Ney Fonseca Abril no Rio em 1970, que fala de um dos mitos no futebol. Na obra, o autor descreve um garoto de classe popular que vê no futebol a possibilidade de ascensão social. Num domingo ele ia jogar e um

Ruy Castro: Se dependesse da avaliação pessimista do mercado pelo editor, ele não teria feito o livro sobre Garrincha.

técnico de futebol ia assistir à partida. No sábado, ele está com a namorada, mas não mantém relações porque ouviu dizer que o cara que joga bem “não pode transar no dia anterior”: – Ele não transou, perdeu a namorada, foi tenso para o jogo e acabou sendo um desastre em campo – contou Vitor. Outro assunto também desmistificado foi o fato de o então técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola, campeão da Copa do Mundo de 1958, ter sido pressionado por Didi, Belini e Nilton Santos para botar o Garrincha para jogar. “Isso nunca existiu”, afirmou Ruy Castro, que ainda desmentiu a versão que circula até hoje de que o técnico era um dorminhoco. Biografias A quantidade de biografias sobre futebol também foi objeto de discussão. A conclusão dos participantes foi de que hoje há um grande número de autores que estão tentando contar a história de jogadores e clubes, mas, segundo eles, não está havendo uma pesquisa correta para tratar do assunto e muitos livros biográficos ficam no anonimato por falta de leitores. O mesmo acontece no cinema, quando diretores compram direitos de boas biografias e acabam por deturpá-las. “O filme não interfere na carreira de um bom livro”, resumiu Ruy Castro. José Rezende finalizou o encontro informando que para 2010 está prevista a projeção do jogo da final da Copa do Mundo de 1958 – Brasil 5 x 2 Suécia – e que outros ciclos de debates serão organizados. Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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Aconteceu na ABI OMAR FREIRE/IMPRENSA MG

A ABI na Aliança de Civilizações ABI ON LINE

A ABI vai participar da organização do 3º Fórum da Aliança de Civilizações (AdC), que se realizará no Rio de Janeiro, de 27 a 29 de maio de 2010, com a presença de cerca de 15 chefes de Estado e de Governo, além do Secretário-Geral das Nações Unidas e diversas delegações estrangeiras chefiadas por Ministros de Estado. A reunião, que será aberta pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contará com a participação de cerca de três mil pessoas entre funcionários governamentais, acadêmicos, intelectuais, artistas e membros de organizações não-goEmbaixador Lindgren Alves (à esquerda): Não aos estereótipos acerca de culturas. vernamentais. A adesão da ABI ao Fórum foi formalizada em encontro realizado na ABI no dia 3 de dezemfiguraria um seminário ou um curso em que instituições bro em reunião do Presidente da Casa, Maurício Azêdo, com possam compartilhar experiências e fazer reflexões sobre o o Embaixador José Augusto Lindgren Alves, Coordenador papel das mídias na sociedade. Nacional para a Aliança de Civilizações; o Diretor do SecreO Diretor Marc Scheuer revelou que os profissionais de tariado da AdC, Marc Scheuer e de seu assessor Jean-Chriscomunicação do Brasil poderão levantar informações sobre tophe Bas. Participaram também do encontro os funcionáos temas de seu interesse – religião, terrorismo, diálogo enrios do Itamaraty Heitor Granafei e Marcela Magalhães tre as diferentes civilizações, Oriente Médio – numa rede Braga, da equipe que organiza o Fórum. montada pela AdC, que conta com a participação de cerca de Os visitantes revelaram interesse em que a ABI promo200 professores universitários de diferentes países. Estes pova a divulgação do Fórum na área de imprensa e dos meios derão ser consultados e fornecer informações e opiniões sode comunicação, para o combate a estereótipos e preconceitos bre os assuntos de interesse desses profissionais. A rede pode sobre diferentes culturas. Entre as iniciativas com este fim ser acessada pelo site www.globalexpertfinder.com.

Um ato contra a criminalização do MST Parlamentares, intelectuais e movimentos sociais expressam seu apoio às lutas dos sem-terra. “Somos todos Sem Terra, e todos os Sem Terra somos nós. Ali, nas estradas, marchando, desatando nós. Se Sem Terra nada somos, e sem os Sem Terra? Que será de nós”. Assim o sociólogo Mauro Iasi abriu a noite em que cerca de 400 pessoas prestaram solidariedade ao MST. Parlamentares, intelectuais, ativistas e estudantes lotaram o auditório da ABI no dia 9 de dezembro, para condenar a perseguição ao movimento. As falas das muitas autoridades presentes eram uníssonas. A criminalização ao MST representa a condenação das lutas sociais e a inviabilização da atuação de todos os movimentos. “Não constitui um fenômeno qualitativamente distinto da criminalização da pobreza, e suas estratégias de sobrevivência no capitalismo transnacional do trabalho”, afirmou o jurista Nilo Batista. A todo momento, alguém lembrava a importância da solidariedade ao MST. A força dos setores progressistas da sociedade depende do combate à perseguição ao movimento. Com a conivência dos três Poderes, conduzida pela mídia comercial, a construção da imagem negativa do MST está entranhada na sociedade brasileira. A associação entre seus militantes e criminosos se tornou frequente. “O discurso assumiu contornos incomuns mesmo para essa direita”, afirmou o professor da UFRJ Roberto Leher. A estratégia política seria aproveitar o episódio da Cutrale – em que sem-terras derrubaram 16 pés de laranja numa fazenda grilada pela empresa – para estigmatizar o movimento e instalar uma Comis-

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são Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) contra o MST. Também se ressaltou a necessidade de unidade na atuação e a preocupação com as lutas futuras. “Temos o compromisso de fazer que nossos filhos sejam todos sem-terrinhas. A luta não está só em nosso tempo”, advertiu o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol). Além dele, também estiveram presentes os parlamentares Alessandro Molon (PT), Paulo Ramos (PDT) e Inês Pandeló (PT), entre outros. Carlos Walter evocou o economista chileno Rafael Agacino para defender a tese de que a criminalização das lutas sociais estrutura-se na condenação do coletivismo. “O maior êxito das políticas neoliberais não foi a flexibilização da moral, ou a abolição das barreiras alfandegárias. Foi a desconstrução da idéia de sujeito coletivo”, disse. Ele considera que a pressão sobre o MST mira na tentativa de construir sujeitos coletivos. A dirigente do MST Marina dos Santos resumiu o espírito dentro do movimento. “Nós não vamos ceder um milímetro na luta contra o capital no campo. Não vamos ceder um milímetro em todas as lutas para que o povo brasileiro construa uma sociedade mais justa”. Foi aplaudida de pé. Antes do evento, houve a exibição de um vídeo de apoio ao movimento, filmado no Uruguai. Personalidades como o escritor Eduardo Galeano, o recém-eleito Presidente José Pepe Mujica, da Frente Ampla, o cantor e compositor Daniel Viglietti e Juan Castillo, coordenador da

central sindical uruguaia PIT-CNR, manifestaram solidariedade ao MST. Entre as falas, apresentações artísticas animaram o enfeitado salão com os músicos Lucio Sanfilippo e Tiago Prata demonstrando sintonia com o tema. Apresentaram belas versões de Funeral de um lavrador e Assentamento, de Chico Buarque. MC Leonardo, o Coletivo de Hip Hop Lutarmada e os MC´s Delírio Black e Mano Zeu também se apresentaram. O ato, que teve o apoio da ABI, foi organizado por movimentos sociais parceiros, junto a centrais sindicais e mandatos parlamentares. Há alguns meses, simpatizantes de todo o mundo já haviam elaborado, em solidariedade, um “Manifesto contra a violência do agronegócio e a criminalização das lutas sociais”. Assinaram o documento Chico Buarque, Boaventura de Souza Santos, Antônio Cândido, Luiz Fernando Veríssimo, Sebastião Salgado, Noam Chomsky, István Mészáros e Eduardo Galeano, entre outros. A mesa do evento reuniu alguns dos intelectuais e militantes mais conhecidos na luta pelos direitos humanos. Além dos já citados, jurista Nilo Batista, professor Roberto Leher e a coordenadora do MST Marina dos Santos, também tiveram assento à mesa a professora Virgínia Fontes, o magistrado Geraldo Prado, os militantes da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência Marcia Jacintho e Deley de Acari, o jornalista Mário Augusto Jakobskind, representando a ABI, e a professora Anita Prestes (Fonte: Brasil de Fato).

Rocinha leva Niemeyer ao desfile do samba Com um título singelo – Oscar na Rocinha –, a Escola de Samba Acadêmicos da Rocinha vai dedicar a Oscar Niemeyer o seu enredo no Grupo de Acesso no Carnaval deste 2010, no qual apresentará um samba em que reproduz uma frase da saudação da ABI ao arquiteto quando ele fez 101 anos, em 1998.”Você tornou a vida mais digna de ser vivida”, dizia a saudação da ABI, agora perfilhada pela agremiação. Composto pelos sambistas Vini, Dagraça (assim junto) e Assis, conhecido pelo apelido de Tiru, o samba faz também a exaltação das obras do Programa de Aceleração do Crescimento-Pac, que tem entre suas principais inovações a construção de uma passarela sobre a Estrada da Gávea, ligando a Rocinha ao lado onde se situa o Ciep Aírton Sena. O samba descreve essa obra como “a mais bela passarela” e acrescenta que “a Rocinha, por arte do Oscar, virou postal internacional”. Na ilustração do cd em que o samba está gravado, o rosto de Niemeyer aparece em primeiro plano, tendo ao fundo a passarela por ele projetada. Diz o samba escolhido pela escola: Oscar Niemeyer, carioca da gema, Arquiteto mundial, poeta do concreto, Centenário e no batente Projetou na Rocinha a mais bela passarela E lá do alto, bem no topo do morro, O povo se encanta com o novo visual E a Rocinha, por arte do Oscar, Virou postal internacional. Que maravilha, é sedução O vaivém da mulata na passarela Obra-prima do Oscar E nós do morro ao ilustre camarada Cantamos o refrão do popular Maurício Você tornou a vida mais digna de ser vivida.

O Maurício referido no penúltimo verso é o Presidente da ABI, que firmou a mensagem utilizada como refrão do samba.


EVOCAÇÃO ROOSEWELT PINHEIRO/ABR

O jovem repórter entrevista o Tupamaro que chegou a Presidente Enviado a Montevidéu por uma publicação alternativa, o Jornal do País, que durou pouco, ele ouviu os líderes tupamaros logo depois de libertados pela ditadura do Uruguai. POR EUGÊNIO VIOLA

Busco no tempo os fragmentos de uma luta que começou há muitas décadas, antes que o histórico domingo, 29 de novembro de 2009, se tornasse realidade, colorindo o Uruguai de azul, vermelho e branco, as cores da Frente Ampla. Encontro uma reportagem que fiz para o extinto Jornal do País, datada de novembro de 1985, na qual relato os primeiros passos dos líderes tupamaros, logo após a libertação: “Domingo de sol forte. Numa praça do bairro periférico de Montevidéu, chamado La Teja, os Tupamaros conversam em praça pública com cerca de 500 pessoas: donas-de-casa, operários, estudantes. Respondem às mais diversas perguntas. Explicam ações passadas, posições presentes, planos futuros. Um dos líderes (estavam quase todos presentes) toma a palavra: – Mais uma vez, em mais uma praça, vimos conversar. Não é necessário entender muito de economia para se compreender a tragédia nacional. Sabemos muito bem que a crise econômica, a curto ou médio prazo, desemboca numa crise política. O MLN (Movimento de Libertação Nacional, sigla oficial adotada pelos Tupamaros) está colocando o povo em pé de igualdade, porque o movimento está aprendendo e remoçando sempre. Temos muito que aprender com essa gente, inclusive em questão de métodos. Após o discurso de Pepe Mujica, o microfone é passado às pessoas que estão na praça. Começam as perguntas. A primeira indaga a razão de os Tupamaros quererem integrar a Frente Ampla Uruguaia: – A decisão foi tomada em assembléia-geral. O objetivo é ‘pôr a casa em ordem’. O MLN tem que definir uma política sindical, uma política educacional diferentes daquelas que foram estipuladas nos anos de ditadura. Mas, se os Tupamaros buscam um novo tipo de relação com o povo, o povo também busca uma nova forma de se relacionar com eles. Isso pôde ser cons-

tatado num momento de extrema emoção, quando uma senhora (aparência de dona-de-casa) pediu a palavra e, com as mãos trêmulas, segurou o microfone: – À época do “pachecato” (governo do Presidente Pacheco Areco, de 1967 a 1971), eu interpretava de outra forma o Movimento de Libertação Nacional. Vim hoje aqui nessa praça para ver de perto esses homens, porque tenho por vocês uma infinita admiração. Sei o que vocês passaram e eu tenho medo até dos aparelhos dos dentistas. Para mim, vocês são muito superiores, mais do que muitos políticos. A emoção tomou conta da praça na voz humilde de uma senhora que afirmava “não ter inteligência suficiente” para entendê-los naquela época. – O mais importante é o caminho que escolhemos para percorrer e não os homens, respondeu Marenales (outro líder Tupamaro). Não são uns poucos iluminados que fazem a História, mas todo o povo. Olho a olho No dia seguinte vou à casa, onde os recém-libertados tupamaros mantêm seu humilde e novo posto de comando. É uma casa simples, sem muitos móveis e Pepe Mujica é designado para a entrevista. Improvisamos um lugar e nos sentamos frente a frente, olho a olho. Não encontro sinal algum de amargura na expressão forte e na voz serena. Impressiona-me que um ser humano que traz no corpo e na alma 14 anos de isolamento no cárcere e os piores sofrimentos que uma pessoa possa experimentar no calabouço de uma ditadura permaneça firme em seus ideais, princípios e perseverança. José Mujica Cordano nasceu em 20 de maio de 1934, em Paso de la Arena, na periferia de Montevidéu, próximo da chácara onde vive atualmente com sua esposa, a Senadora Lucía Topolanski. Na infância, cuida junto à sua mãe, já viúva, da produção que mantém no pequeno sítio onde vivem. Para garantir a subsistência familiar, plantam e vendem flores e verduras. O

O Presidente eleito José (Pepe) Mujica ao repórter Eugênio Viola em entrevista em 1985: "Talvez nunca tenhamos sido guerrilheiros, mas políticos armados, o que é diferente".

amor e a gratidão à terra, à natureza, serão uma constante por toda sua vida. Começamos a entrevista, naquela primavera de 1985, na pequena casa no centro de Montevidéu: – Durante os anos de cárcere, como vocês conseguiam informações do que se passava do lado de fora? – Não era possível nos ocultar o que acontecia. Através de pequenos dados, percebíamos o que acontecia. Por exemplo, através da lata de lixo percebíamos a linha econômica de livre câmbio do governo, naquele momento. Ou seja, quando víamos garrafas de vinho português ou qualquer outro resto de comida importada. Qualquer dado era uma pista. – Então as atividades políticas não foram interrompidas durante a prisão? – Mesmo nas solitárias militávamos. – E agora, depois de todos esses anos

de cárcere, estão em praças públicas, respondendo às perguntas do povo. O que mudou? Há críticas de que agiram ‘para o povo’, mas não ‘com o povo’. – Lembro-me de que em 1968, no Governo Pacheco Areco, que era cada vez mais de direita e havia decretado uma séria de ‘medidas de segurança’, muitos dirigentes sindicais estavam sendo levados para os cárceres. Decidimos então seqüestrar um dos membros do Governo Pacheco Areco. Quando a operação estava pronta, fomos a alguns companheiros que militavam no movimento sindical e perguntamos se achavam producente o que iríamos fazer e eles disseram ‘levem adiante’. Sempre consultamos antes de cada ação. Talvez nunca tenhamos sido guerrilheiros, mas políticos armados, o que é diferente. – Poderia fazer um resumo de como Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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EVOCAÇÃO O JOVEM REPÓRTER ENTREVISTA O TUPAMARO QUE CHEGOU A PRESIDENTE

Encontramos muitos de nossos documentos em locais os mais inverossímeis. Perdemos muitas coisas, mas não as informações. Há testemunhos vivos ainda. Depois de 1968, começamos a operar através de ‘colunas’, como era o modelo argelino. Cada coluna era autônoma, tinha um setor de serviço, um de política, um militar, etc. Se caísse uma coluna, mesmo assim o grupo se mantinha. Havia umas três mil pessoas que pertenciam ao movimento. Estamos também fazendo um levantamento de nossos mortos. Muitos morreram no exterior: Chile, Colômbia, El Salvador, Nicarágua, Angola, Etiópia. Negro y gris Saio da entrevista e fico refletindo sobre os avanços ocorridos no país durante os últimos cinco anos. Em 1980, eu havia morado muitos meses em Montevidéu. Deixara meu trabalho como repórter na Tribuna da Imprensa e decidira aceitar o convite de uns amigos para conhecer o Uruguai. O Brasil já respirava com os novos ares da abertura, com a chegada dos exilados, com a libertação dos presos políticos, com a primeira greve dos metalúrgicos, com a reorganização dos movimentos sindical e estudantil. Cheguei a Montevidéu consciente de que seria muito difícil fazer algum trabalho jornalístico sobre a brutal ditadura que se instalara no país há sete anos. Sabia que as vozes contrárias ao regime fascista e sanguinário que ocupara o poder estavam na cadeia ou no exílio. Passava com freqüência em frente ao presídio de Punta Carretas, onde os líderes Tupamaros estavam em solitárias, e imaginava o sofrimento a que estavam sendo submetidos. O país de

Envio essas matérias para a Revista Nacional, que saía aos domingos simultaneamente encartada em cerca de vinte jornais de todo o Brasil (no Rio de Janeiro era distribuída junto ao Jornal do Commercio). O país que abrigara muitas lideranças políticas brasileiras que saíram do Brasil pós-golpe de 64, como Jango, Brizola, Neiva Moreira, Doutel de Andrade e tantos outros, estava mergulhado no silêncio. No tradicional Café Sorocabana, no centro de Montevidéu (que já não existe mais), conversava com amigos que falavam sempre baixo, olhando para os lados, desconfiados e temerosos. As paradas de policiais na rua para pedir documentos

silenciado, encontrei Maria Alícia, uma paixão amadurecida em amor que se estende ao longo dessas décadas e que me faz admirar ainda mais um povo que “no se pone de rodillas” (que não se ajoelha) diante das adversidades. Um país que foi conhecido como “a Suíça da América Latina”, que no início do século XX teve como Presidente Battle y Ordóñez, que realizou grandes avanços ao tornar o Estado laico, separando-o da Igreja, o ensino universitário gratuito e o direito ao voto para as mulheres. Anos depois daquele memorável encontro com Pepe Mujica, voltei mais uma vez ao Uruguai, já no final da década de 80. O país já respirava democracia e o assunto era a recente morte de Raúl Sendic, líder dos Tuparamos, que reuniu mais de cem mil pessoas em seu cortejo fúnebre. Para um país com pouco mais de três milhões de habitantes, era uma imensa multidão que expressava o reconhecimento pela luta de um homem que dedicou sua vida à construção de uma realidade mais digna para os uruguaios. Junto ao General Líber Seregni – o grande articulador da Frente Ampla, que amargou anos de prisão durante a ditadura –, eles formavam ao lado do Senador Zelmar Michellini e do Deputado Gutierre Ruiz (ambos assassinaVINCE ALONG

começou o Movimento dos Tupamaros? – Em 1959, nosso país entrava em profunda crise e buscava uma transformação, uma mudança de governo. Por outro lado, um fato muito importante que marcou nossa geração ocorria: a Revolução Cubana. A esquerda estava dividida, esclerosada: de um lado, o Partido Comunista, de outro, o Socialista. Em função dessa crise, o Governo voltava-se mais e mais para a direita. Em 1961, havia grupos que atacavam líderes sindicais na calada da noite. Então surgiu a idéia de se criar grupos de autodefesa. A necessidade ia-nos levando a um só conceito: a palavra nos separava e a ação nos unia. Por outro lado, dois outros fatores também foram muito importantes: a sindicalização dos cortadores de cana, no norte do país, e a mobilização de um grupo de jovens no subúrbio de Montevidéu, chamado La Teja, que visava dar apoio aos camponeses. E esse apoio começou a ser dado de tal forma que, em determinado momento, precisávamos de armas. Durante a primeira operação armada dos Tupamaros houve um acidente de carro na estrada. Muitas armas ficaram expostas e companheiros foram presos. Mas Raúl Sendic, o líder dos Tupamaros, que, antes de ser preso levou um tiro de fuzil na boca e, como não recebeu tratamento na prisão, está com o rosto deformado e acaba de viajar para Cuba, onde se submeterá a uma operação plástica–, conseguiu fugir e cair na clandestinidade. Ele era na época militante do Partido Socialista. Bem, aí o Partido Socialista achava que, com a presença de um bom advogado, Sendic deveria se apresentar à polícia. Sendic preferiu consultar os companheiros que tinham participado da

“EL PASADO SIRVE, SIMPLEMENTE, PARA CONFIRMAR UMA ACTITUD MORAL.” operação e eles disseram ‘não se apresente’. Era um gesto de rompimento com a ‘ordem’, com a mentalidade burguesa. A partir daí, o grupo tinha uma preocupação comum: a segurança de um clandestino; Raúl Sendic. Até 1968, nosso objetivo era formar um aparato bélico capaz de resistir ao golpe de Estado que já prevíamos. Nesse momento, Che Guevara começava a militar na Bolívia e nós, os Tupamaros, havíamos perdido quase tudo numa segunda operação e tivemos que cair na clandestinidade. Alguns companheiros aceitaram o convite e foram lutar ao lado do Che. Outros resolveram permanecer no Uruguai. Pensávamos na viabilidade de utilizar alguns métodos do Che na cidade. Mas a posição da Revolução Cubana era ‘a cidade é o cemitério dos revolucionários’. A Revolução Cubana não previa métodos urbanos. E nossas operações eram basicamente urbanas. – E hoje, o que sobrou da estrutura que os Tupamaros montaram ao longo dos anos de militância? – Estamos fazendo o levantamento. 16

Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

Mario Benedetti, Eduardo Galeano, Juan Carlos Onetti e Idea Vilariño está em silêncio. Não há poesia. O inverno chega e a paisagem tem as cores da tristeza, ou melhor, a ausência das cores, é apenas negro y gris. Tento entrevistas com representantes dos mais diferentes setores da sociedade. Começo por um rápido encontro com o conservador Juan Pablo Terra, líder da Democracia Cristã Uruguaia, que acabava de ter indeferido o pedido de legalização de seu partido. Procuro Alfredo Percovitch, radialista da CX 30, muito popular e querido. Ele prefere não tratar de temas políticos. Busco um jornalista, o crítico literário do conservador jornal El Día, Alejandro Paternai, que me recebe na sede do jornal. Mas se fixa em temas literários e em vagas metáforas para falar da opressão e do cerceamento à liberdade de expressão. Vou ao bispo, ou melhor, ao Vigário-Geral de Montevidéu, Ponce de León, que fala apenas no ‘déficit de evangelização do Uruguai’, sem tratar diretamente do papel que poderia desempenhar a Igreja em tempos de ditadura.

eram freqüentes. Certa vez, caminhava pela 18 de Julio com um amigo italiano quando dois jovens à paisana, com pouco mais de 20 anos, pegaram-nos pelos braços com força, no meio da rua, arrastando-nos com violência para o outro lado da calçada. Quando disse que era jornalista, olhou-me com desprezo e, depois de se fixar no documento de identidade, disse que havia memorizado meu nome e endereço, em tom ameaçador. Procurei o Consulado para dizer que estava no país e que queria trabalhar. Fui recebido pelo então adido-cultural, o escritor José Guilherme Merquior, que comentou os “esforços” que haviam sido feitos para libertar a brasileira Flávia Schilling, depois de ter sido barbaramente torturada e permanecido no cárcere por sete anos e meio. Deu-me seu cartão de visita para “qualquer emergência” e me acompanhou logo em seguida até a porta, como se dissesse “não queremos mais problemas”. Sentindo-me sufocado, voltei para o Brasil. A frustração só não foi maior porque, nesse país, então negro, gris e

dos em Buenos Aires pela Operação Condor) parte inesquecível do histórico de resistência às barbaridades cometidas pela ditadura. Borrón en cuenta nueva (começar de novo...) Com uma atitude humilde, de sempre “aprender com o povo e com as novas circunstâncias”, Pepe Mujica chega à Presidência da República Oriental do Uruguai com uma visão que diz ter adquirido durante os anos de convivência com el Bebe (como chamava carinhosamente a Raúl Sendic): “el pasado sirve, simplemente, para confirmar uma actitud moral. Hube errores? Hubo, pero no cosas sucias. En realidad a la gente le importa el pasado, pero no puede vivir cultivando el pasado. Se vive para adelante. Esa es una lección de vida que nos transmitió sin descanso el Bebe. De él la aprendimos”. Este artigo de Eugênio Viola foi publicado na edição de 1 de dezembro passado do ABI Online e é reproduzido agora com as adaptações necessárias à sua publicação no Jornal da ABI.


FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

VIVÊNCIAS

A Patrice Lumumba faz 50 anos POR ILMA MARTINS DA SILVA

A Universidade da Amizade dos Povos, ex-Patrice Lumumba, enviou para vários países e continentes uma circular conclamando a todos ex-estudantes graduados naquele centro de excelência de ensino superior para as comemorações do seu cinqüentenário, que terão lugar em Moscou, entre 2 e 6 de fevereiro de 2010. E nós, brasileiros, também recebemos o convite, através da nossa entidade ainda em gestação União dos Diplomados e Ex-Estudantes Brasileiros na URSS e na Rússia, cuja sigla é Undexebras. A Undexebras congrega a maioria dos ex-formandos na então Patrice Lumumba, residentes não apenas no Brasil, mas em outros países também, por opção ou trabalho. A partir de 2000, por meio da Undexebras, já foram realizados cinco encontros de confraternização em diferentes Estados da Federação tais como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul. O evento acontece a cada dois anos, geralmente na Páscoa. O nosso próximo encontro está programado para acontecer em 2010, em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Mas como começou toda essa estória? Há exatamente 50 anos, em fevereiro de 1960, o Governo soviético, associado aos comitês locais e outras entidades sociais, inaugurou em Moscou a Universidade da Amizade dos Povos. Esse centro educacional de nível superior foi criado para promover a aproximação entre os povos do então denominado Terceiro Mundo, objetivando dar aos jovens oriundos dos países da Ásia, África, Oriente Médio

e América Latina a possibilidade de formação de quadros, através de meios científicos e tecnológicos do mais alto nível. Um ano após sua fundação, em 1961, a Universidade foi rebatizada com o nome de Patrice Lumumba, em homenagem ao grande líder do movimento de libertação nacional do antigo Congo Belga, que fora assassinado naquele mesmo ano. Como é sabido, nas décadas de 50 e 60 em pleno século XX, o continente africano foi sacudido por sangrentas e dolorosas batalhas, envolvendo diferentes movimentos nacionalistas e revolucionários que buscavam conquistar sua independência política e econômica, sair do secular jugo colonial e imperialista. E foi sobre os escombros dos velhos impérios coloniais na África que surgiu a Universidade da Amizade dos Povos. Em nossos dias, pós-perestroika, ela recebeu a denominação de Universidade Russa da Amizade dos Povos (Urap). E esse centro de cultura e saber continua a receber de braços abertos jovens de todo o planeta. Sou natural do Estado do Espírito Santo e, como um dos ex-estudantes brasileiros diplomados pela Universidade Patrice Lumumba, recordo-me com saudades daquele longínquo 12 de agosto de 1961, quando, acompanhada de um grupo de mais 14 jovens vindos do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Amazonas, Rio de Janeiro, Bahia e de vários outros rincões do País, embarcamos no Galeão num 707 da Air France rumo a Moscou via Paris. Para muitos de nós, inclusive para mim, era quase uma aventura rumo ao desconhecido, pois a Europa – e principalmente a Rússia – era vista como um maravilhoso conto das Mil e Uma Noi-

Ilma (segunda à direita) confraterniza com jovens de outros países no começo de seu curso na Universidade da Amizade dos Povos, que a antiga União Soviética inaugurou em 1960 e à qual deu nome do líder congolês assassinado no ano seguinte.

Os soviéticos instalaram a Universidade da Amizade dos Povos em edificações sem luxo, mas mesmo assim imponentes, como é visível nesta foto que Ilma guarda há meio século.

tes tal o mistério e a enorme distância em relação ao Brasil. Todos nós havíamos recebido bolsas de estudos integrais do Governo soviético, que abrangiam o curso, o transporte aéreo e os alojamentos. Foi uma experiência única para mim e para todos nós agraciados. As faculdades especializadas graduaram lá engenheiros, médicos, geólogos, físicos e matemáticos, filólogos, arquitetos, juristas, economistas e muitos outros profissionais que sorveram bem todos os conhecimentos a eles repassados por mestres, doutores e acadêmicos russos de alto gabarito, que nos ensinavam com dedicação total. Somos profundamente gratos a todos eles. Eu e cerca de mais oito brasileiras que ingressamos na Universidade nos anos 60 optamos pela faculdade de História e Filologia. Porém, somente eu concluí, também, o curso de Jornalismo. Isto porque, antes de resolver ir estudar na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, já trabalhava na redação do hoje extinto Folha Capixaba, em Vitória. À época, cerca de 120 brasileiros viviam na URSS, beneficiando-se das bolsas de estudos. Passados esses 50 anos, nós, brasileiros graduados na Rússia, guardamos em nosso coração gratidão pelo que a nação

soviética nos proporcionou no campo do saber científico. Reavivamos sempre as boas e inesquecíveis lembranças dos momentos da vida estudantil. Os longos e rigorosos invernos empurrados das estepes russas, o intercâmbio das culturas, os teatros e os museus, as viagens programadas no verão pelo país, tudo isso ficou e ficará para sempre impregnado em nossas vidas. Daí o surgimento da atual Undexebras revigorada, pois antes da sua criação, entre os anos de 70 e 80, fizemos a primeira tentativa de nos reunirmos sob a égide da Associação dos Diplomados na URSS que chegou a ter o seu Estatuto. Hoje estamos juntos novamente. E a nossa confraternização a cada dois anos nada mais é que um forte desejo de não esquecer nada daquilo que vivemos juntos quando jovens estudantes. Dão-nos muito prazer os reencontros, os abraços fraternais, as conversas para atualizar o dia-a-dia de cada um dos velhos colegas, hoje de cabelos já encanecidos, ou sem eles, acompanhados, a maioria, de suas esposas, filhos e netos, alguns até nascidos na própria Universidade da Amizade dos Povos. Ilma Martins da Silva é membro do Conselho Deliberativo e da Comissão Diretora de Assistência Sócial da ABI.

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Lília Teles em depoimento à ABI

"A SENSAÇÃO É DE QUE PORTO PRÍNCIPE FOI BOMBARDEADA E A POPULAÇÃO NÃO TEVE TEMPO DE FUGIR" A correspondente da TV Globo fez um relato patético ao ABI Online diretamente da capital arrasada pelo terremoto. POR CLÁUDIA SOUZA E ELIANE MARTINS FOTO SERGIO DUTTI

A jornalista Lília Teles, enviada especial da Rede Globo no Haiti, acompanha a situação dramática do país devastado por forte terremoto no dia 12 de janeiro, que resultou em 250 mil mortos, sendo 21 brasileiros, e milhares de desaparecidos. De acordo com a Organização Internacional de Migrações -Oim, 500 mil pessoas estão desabrigadas apenas na capital Porto Príncipe, onde ocupam 447 acampamentos improvisados, em meio a inúmeros corpos em estado de decomposição, falta de água, comida, medicamentos. Sobreviventes, voluntários e equipes de resgate participam do esforço conjunto para combater os efeitos da tragédia, muitos com as próprias mãos. Jornalistas de todo o mundo realizam a cobertura e também ajudam a salvar vidas, como a repórter Lília Teles, responsável pelo resgate da enfermeira Jean Batiste Mimose, 43 anos, soterrada durante três dias sob os escombros do hospital onde trabalhava. O sargento do Exército brasileiro Marco Antonio Leôncio também auxiliou no resgate da enfermeira, que pretende batizar o bebê que espera com o nome do militar. As imagens do resgate foram veiculadas em todo o mundo e revelaram o espírito de solidariedade e o empenho humanitário e profissional de Lília no cumprimento de sua missão maior como jornalista. Em entrevista exclusiva ao ABI Online, a correspondente da TV Globo relembra os momentos do resgate e analisa a situação do Haiti, segundo ela comparável a uma guerra. 18

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ABI ONLINE – QUANDO VIMOS AS PRI-

A CENTRAL DE TV. COMO FOI REVER A ENFER-

MUITOS JORNALISTAS JÁ DEFINIRAM QUE ESTA

MEIRAS IMAGENS DO RESGATE DA ENFERMEI-

MEIRA JEAN BATISTE BEM E SALVA? FALE UM

COBERTURA É PIOR DO QUE UMA GUERRA.

RA JEAN BATISTE, TIVEMOS A NÍTIDA SENSA-

POUCO SOBRE O REENCONTRO DE VOCÊS.

ÇÃO DE QUE VOCÊ FOI A RESPONSÁVEL POR

Lília Teles – Foi uma decisão muito complicada de fazer. Se a gente esperasse o fim do resgate perderia o horário de geração, que ficava muito longe dali. Depois do JN eu me encontrei com ela e com o marido dela. Ele apontava pro céu e pra mim, dizendo que Deus e eu havíamos salvado a Jean Batiste. Em creole, que é a língua dos haitianos, ela disse que me amava e me contou que estava grávida.

Lília Teles – Minha família ficou muito preocupada por causa das condições precárias, por causa do risco de novos terremotos e também por não saber como os haitianos iriam reagir diante da fome. Isso poderia desencadear violência. Mas correu tudo bem e eu vou dando notícias daqui pra tranquilizar todo mundo. Eu nunca cobri guerra, mas imagino que seja mesmo muito parecido com o Haiti neste momento. A sensação é de que Porto Príncipe foi bombardeada e a população não teve tempo de fugir.

AQUELE SALVAMENTO. NO CARRO DO

EXÉRCITO BRASILEIRO, VOCÊ PASSAVA POR AQUELE LOCAL COM O CINEGRAFISTA LUIZ CLÁUDIO E INSISTIA PARA QUE OS SOLDADOS PARASSEM. NAS IMAGENS, QUASE NEM VÍAMOS

MAIS AQUELES HOMENS HAITIANOS EM CIMA DOS ESCOMBROS QUANDO O VEÍCULO, FINALMENTE, PAROU.

COMO VOCÊ SE SENTE POR

TER PEDIDO TANTO PARA QUE FOSSEM CHECAR A EXISTÊNCIA DE SOBREVIVENTES?

Lília Teles – Era um passeio tenso pela cidade coberta de corpos e quando a gente viu aquele marido desesperado no meio da rua imaginou que seria uma possibilidade de encontrar sobreviventes. Já havíamos parado outras vezes e, infelizmente, não tínhamos encontrado vidas. Acho que fui iluminada por Deus. Foi Ele quem nos fez parar naquele lugar.

ABI ONLINE – DE QUE MANEIRA VOCÊ SANDO DE COMIDA?

ABI ONLINE – QUAL FOI A SENSAÇÃO AO

VOCÊ JÁ FORNECEU

ABI ONLINE – O QUE MAIS A IMPRESSI-

ALIMENTO PARA MUITA GENTE?

ONOU EM MEIO A TODA ESTA CATÁSTROFE?

Lília Teles – É de enlouquecer. O sentimento é de impotência total. Faço o que posso. Já passei sede pra dar a única garrafa de água que a gente tinha. Distribuo qualquer comida que eu tenha na bolsa. Mas é duro ver que tem um monte de gente em volta e você não pode ajudar todo mundo.

Lília Teles – Não tenho como escolher uma única coisa. Tudo me impressionou. Talvez a resignação desse povo bom diante da tragédia tenha mexido muito comigo. Eles chegam com muita humildade pra pedir água, comida e socorro. É como se fosse assim: "Se vocês puderem ajudar, tudo bem. Se não puderem, a gente vai entender ”.

DOS ESCOMBROS TINHA UM SOBREVIVENTE?

Lília Teles – Na hora meu coração disparou. Eu toquei a mão dela e fiquei angustiada imaginando o que ela sentia estando presa ali. Era de uma felicidade tão grande ter ajudado a encontrar aquela mulher. Mas o nosso desespero era do mesmo tamanho. Os bombeiros diziam que existia o risco dela entrar em choque e morrer.

ABI ONLINE – COMO E ONDE VOCÊ ESTÁ ALOJADA?

Lília Teles – Estou na Base Militar Brasileira, onde ficou a maioria dos jornalistas brasileiros e alguns estrangeiros. Aqui temos toda infra-estrutura, incluindo um colchão pra dormir e comida. O Exército foi maravilhoso nesse processo todo.

ABI ONLINE – VOCÊ DISSE NO AR QUE A

ABI ONLINE – COMO A SUA FAMÍLIA SE

EQUIPE NÃO PÔDE ACOMPANHAR O RESGA-

SENTE SABENDO QUE VOCÊ ESTÁ NUMA MIS-

TE TODO PORQUE PRECISAVAM VOLTAR PARA

SÃO QUASE COMPARÁVEL A UMA GUERRA?

A ABI expressou a Dom Paulo Evaristo Arns, Cardeal Emérito de São Paulo, seu pesar pelo falecimento de sua irmã Zilda Arns Neumann, criadora da Pastoral da Criança, morta no terremoto que arrasou o Haiti quando fazia uma palestra numa igreja de Porto Príncipe, a capital devastada. A mensagem a Dom Paulo, que é sócio da ABI e guarda com carinho a carteira social firmada por Barbosa Lima Sobrinho nos anos 80, tem o seguinte teor: “Receba o abraço de conforto de seus companheiros da Associação Brasileira de Imprensa neste momento doloroso em que o destino nos priva de uma criatura boníssima como sua irmã Zélia. Em sua infinita misericórdia Deus há de recebê-la como uma cristã que devotou sua vida ao próximo e que há de ser lembrada com saudade pelo vigor com que, por sua fé, se dedicou ao bem coletivo. Cordialmente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI”.

REAGE AO VER AS PESSOAS NAS RUAS PRECI-

SER CONFIRMADA A NOTÍCIA DE QUE EMBAIXO

A ABI solidária com Dom Paulo

ABI ONLINE – EXISTE ALGUMA PREVISÃO PORTO PRÍNCIPE TE RENDER; OU VOCÊ PERMANECERÁ O TEMPO QUE FOR NECESSÁRIO? Lília Teles – Não vem ninguém pra me render. Somos uma equipe de três pessoas – eu e o Rodrigo Alvarez e o cinegrafista Luiz Cláudio Azevedo – e a gente tem conseguido descansar algumas horas. Não é fácil, mas não dá pra abandonar o trabalho no meio. DE QUE OUTRO REPÓRTER VÁ PARA

A história desta entrevista Diante da tragédia do terremoto no Haiti, no dia 12 de janeiro, eu e a repórter do ABI Online Claudia Souza avaliávamos as notícias dos jornais, sites e agências de notícias na redação do ABI Online, quando nos perguntamos: ‘Como é que você se sentiria na cobertura dessa catástrofe?’. Nem Claudia nem eu, apesar das experiências na Geral de alguns veículos, conseguimos nos colocar no lugar dos profissionais de imprensa que estavam em Porto Príncipe. Em seguida, houve o comentário sobre o excelente trabalho da correspondente da Rede Globo Lília Teles, que tinha feito o carro do Exército parar e, com esse gesto, tinha salvado a vida da enfermeira Jean Batiste, que estava sob escombros do hospital em que trabalhava. Mas por que se falava tanto no sargento do Exército Brasileiro Marco Antonio Leôncio, que comandou o resgate? Por que o apresentavam como o grande herói ○

daquele salvamento quando, na verdade, a grande heroína tinha sido uma jornalista? Afinal, o carro do Exército passava por ruas da cidade de Porto Príncipe com a equipe da Rede Globo – a repórter Lília e o cinegrafista Luiz Cláudio Azevedo – quando aquele homem (não se sabia, ainda, que era o marido da enfermeira) corria no meio da rua pedindo socorro e mais uma pequena multidão estava em cima de uns escombros, gritando que existia vida ali. Os soldados do Exército não tiveram a iniciativa de parar e Lília Teles insistiu: ‘Pára! Dá uma paradinha’. Nessa hora, nas imagens de Azevedinho, quase nem era mais possível ver os homens haitianos, desesperados em cima dos escombros. E foi analisando essa reportagem exibida no dia 15 de janeiro, uma sexta-feira, no Jornal Nacional, e ainda a outra, exibida no sábado,16, em que o grande herói mostrado foi o Sargento Marco ○

Antônio Leôncio, que surgiu a curiosidade de saber diretamente de Lília Teles como ela estava se sentindo tendo sido, na verdade, a responsável direta pelo salvamento de Jean Batiste. “Por que ninguém perguntou a ela o que sentiu e o que a levou a pedir para parar aquele carro?”, questionei. “Mas essa é ‘A pergunta’ que tem que ser feita à Lília!”, argumentou Claudia. Em seguida, nos entreolhamos e, numa cumplicidade, disparamos: “Vamos entrevistar a Lília aqui pro ABI Online?” Imediatamente, contatos foram acionados no departamento de Jornalismo da Rede Globo, mas diante da situação precária em que a equipe estava trabalhando foi sugerido mandar um e-mail com o pedido de entrevista, que tudo seria encaminhado à Lília, “mas só quando ela já estivesse em Nova York”. “Mas como? É muito tempo!!! Não sabemos nem quando ela sairá ○

do Haiti!”. Eram as repórteres em busca da notícia imediata, factual. A entrevista tinha que entrar no site “direto do Haiti”. No Comunique-se, porém, havia uma matéria que a repórter Isabela Vasconcelos tinha feito com diversos jornalistas contando como estava sendo dramática essa cobertura do terremoto. E tinha aspas da Lília Teles!!! Pronto. O passo seguinte foi checar com Isabela se Lília tinha respondido direto de Porto Príncipe. E tinha. Imediatamente, algumas perguntas foram formuladas. Poucas, na verdade, porque não sabíamos em que condições Lília se mantinha em contato com o mundo e se teria tempo de responder ao e-mail do ABI Online. Enviamos no início da noite de terça, 19, e na manhã de quinta, 21,Lília respondeu, pedindo desculpas pela demora. Pronto. O ABI Online tinha a entrevista exclusiva com Lília Teles! (Eliane Martins) ○

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UN PHOTO/LOGAN ABASSI

LÍLIA TELES EM DEPOIMENTO À ABI

A fé na força da notícia microfone ou o bloco de anotações. Na segunda-feira, dia 18, o assunto principal na Redação da ABI era o Haiti e o trabalho de Lília Teles. “É a matéria da vida dela”, “Posso me imaginar ali também”, “Que cobertura emocionante”, exclamávamos. Mais tarde, vimos aspas da jornalista no site Comunique-se, em uma matéria onde foram ouvidos outros colegas. Apesar da grande repercussão da matéria de Lília Teles, especialmente na TV Globo, sentimos vontade de perguntar algumas coisas que ela ainda não havia dito, relacionadas ao aspecto profissional e também ao emotivo. Fizemos o primeiro contato com a Rede Globo, mas como o caminho que nos foi oferecido para chegar a ela era muito longo telefonamos para Isabela Vasconcelos, do Comunique-se, que prontamente informou o e-mail da jornalista. Enviamos as perguntas no final da tarde de terça-feira, 19, e ficamos na expectativa. Tínhamos a exata medida de que a resposta poderia demorar ou nem chegar, em função das condições impostas a todos no Haiti, inclusive aos jornalistas. Contudo, no dia 21, recebemos a resposta!!! A experiência de Lília Teles no Haiti – e as dos demais jornalistas – nos devolveu o orgulho e a sensação de que valeu a pena ter abraçado esta carreira nada inglória. É bom ver

renovada a fé na força incomensurável da notícia, no poder de superação e urgência inerentes à profissão. É bom saber que, apesar dos céticos e da crise que afeta a imprensa mundial, o compromisso

que assumimos perante a sociedade está de pé. É muito bom saber – através das lentes, microfones, câmeras, rádios e laptops de nossos colegas – que o Haiti está vivo e o jornalismo também. (Claudia Souza)

blicado no Monitor Mercantil, o que era feito há 100 anos, e representava 50% da receita do veículo. O informativo da Prefeitura deixou

de ser veiculado no jornal após a Justiça ter alegado inexistência de licitação para o procedimento. O questionamento foi feito ao Ministério Público em ação movida pelo jornal Folha da Manhã, também de Campos. Com a decisão judicial, o Diário Oficial de Campos passou a ser impresso na Imprensa Oficial do Estado. Disposto a vender a marca do jornal, Maurício Dinepi pediu a quantia de R$ 250 mil reais aos ex-funcionários interessados em salvar a publicação. – A diretoria fala em prejuízo, mas temos informações de que a empresa era saudável. O fechamento do jornal está envolto em muito mistério – afirmou Vicente Menezes, Vice-Presidente da Associação de Imprensa Campista e um dos organizadores do movimento “Viva Monitor”, que visava a levantar recursos para manter o jornal em circulação. A campanha arrecadou pouco mais de R$ 30 mil, a maior parte doada pelos ex-funcionários. – Quando fomos informados do preço, optamos por uma campanha de arrecadação pública, especialmente por causa do prazo de apenas uma sema-

na estipulado por Dinepi. A mobilização é grande, mas ainda não se reverteu em apoio financeiro – explicou Vicente Menezes. No dia 4 de janeiro, último dia da campanha, os organizadores do movimento decidiram reunir-se novamente com Maurício Dinepi: – Vamos pedir mais tempo para conseguir o dinheiro. Estamos lutando pela volta do Monitor Campista priorizando a transparência e a qualidade editorial que sempre o distinguiu. Temos um compromisso ético com o jornalismo e a sociedade. No blog da campanha (vivamonitor.blogspot.com) estão sendo veiculados os nomes dos doadores e as quantias depositadas. Pensamos em transformar o jornal em uma cooperativa ou empresa limitada, mas, em função do prazo apertado, decidimos pelo caráter público. A idéia é transformar o jornal em uma fundação ou associação que pertença à cidade. Caso consigamos mais tempo para levantar o dinheiro, a campanha pelo Monitor será retomada. Os interessados podem acompanhar as negociações no blog do movimento.

DESENLACE

Associados fecham jornal de 175 anos Um dos mais antigos jornais do País, com 175 anos de existência, o Monitor Campista foi fechado no dia 15 de novembro, por determinação dos Diários Associados. A decisão foi comunicada através de nota assinada por Maurício Dinepi, Presidente do jornal. Fundado em 4 de janeiro de 1834 pelos médicos Francisco José Alypio e José Gomes da Fonseca Parahíba, o jornal O Campista se fundiu com O Monitor em 31 de março de 1840, originando o Monitor Campista, o terceiro jornal mais antigo no País. Informou Maurício Dinepi que as despesas do Monitor estavam acima da receita, especialmente após o Diário Oficial de Campos ter deixado de ser pu20

Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

A população do Haiti, desorientada, vaga pelas ruas completamente destruídas pelo terremoto em Porto Príncipe. Abaixo, um soldado brasileiro sobre escombros vê um helicóptero da Onu sobrevoar a região trazendo ajuda humanitária. UN PHOTO/LOGAN ABASSI

Da Redação da ABI, fincada no Centro do Rio de Janeiro, eu e Eliane Martins acompanhamos perplexas as primeiras notícias sobre o terremoto no Haiti. Os desdobramentos apontavam para o cenário dramático e a demanda por apoio em escala global. A ajuda humanitária mobilizava autoridades, militares, voluntários, profissionais de diversas áreas e jornalistas. Com angústia e um sentimento de impotência, acompanhamos os fatos diários, e aplaudimos o esforço de reportagem dos colegas de imprensa, também expostos à precariedade determinada pela tragédia. No terceiro dia após o terremoto, vimos com alegria uma equipe de tv australiana auxiliar no resgate de um bebê, e um repórter da CNN, com formação em neurocirurgia, operar uma menina haitiana que apresentava diversos fragmentos alojados na cabeça. E, com orgulho e admiração, assistimos a repórter brasileira Lília Teles, da TV Globo, salvar a vida da enfermeira Jean Batiste, 43 anos, grávida de um mês, soterrada durante 72 horas sob os escombros do hospital em que trabalhava. As imagens do resgate de Jean Batiste e do reencontro dela com Lília Teles revelaram o espírito solidário e o empenho profissional daqueles que reportam a notícia e salvam vidas sem abandonar o


PRÊMIO

O Caso Zoghbi dá troféu a repórteres de Época Andrei Meireles e Matheus Leitão conquistam o Troféu Barbosa Lima Sobrinho, principal láurea do Prêmio Imprensa Embratel de 2009. FOTOS: DIVULGAÇÃO

POR BERNARDO COSTA

Mais de 1.500 jornalistas de todo o País compareceram na noite de 12 de novembro ao Canecão, no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio, para prestigiar a cerimônia de entrega do Prêmio Imprensa Embratel, que em 2009 chegou à sua 11ª edição, com 1.219 trabalhos inscritos. As reportagens premiadas, inscritas em 17 categorias, foram escolhidas por um júri nacional formado com Arnaldo Niskier, Cícero Sandroni, Zuenir Ventura, Maurício Menezes, Rogério Reis, Alberto Jacob Filho, Sérgio Murilo, José Martinez, José Luís Laranjo, Janice Caetano, Ethevaldo Siqueira e Angélica Consiglio. Dando início à cerimônia, os apresentadores Renata Vasconcelos e Ronaldo Rosas convidaram ao palco o DiretorExecutivo da Embratel, Marcelo Miguel, que ratificou o compromisso da empresa com o jornalismo livre e de qualidade, “pilar de uma sociedade justa e democrática”. Marcelo também agradeceu o apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e da Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro-Arfoc-RJ. O Troféu Barbosa Lima Sobrinho, disputado por todos os finalistas, independentemente das categorias, teve como ganhadores os repórteres Andrei Meireles e Matheus Leitão, da revista Época, autores da reportagem Caso Zoghbi. A matéria desvendou o esquema ilícito de arrecadação do ex-Diretor de Recursos Humanos do Senado, João Carlos Zoghbi, que abriu cinco empresas em nome de sua ex-babá para receber propina de bancos. Durante as investigações, Zoghbi tentou subornar os repórteres com um automóvel Mercedes Benz. Ao receber o prêmio, Andrei Meireles desabafou: – Fui muito acusado de ser um jornalista “fiteiro”, por apurar casos a partir de gravações, mas este troféu mostra que fizemos um trabalho correto. Aonde chegamos nas investigações a Justiça brasileira ainda não chegou, pois até agora não foi quebrado o sigilo fiscal e telefônico da ex-babá de Zoghbi. E é isso que nós queremos. Coube ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, a entrega do prêmio de melhor reportagem da Região CentroOeste, que este ano teve o dobro de inscrições em relação ao anterior. O ganhador foi Vinicius Jorge Sassine, do jornal O Popular. Na matéria Meninos sem futuro, o jornalista mostrou a situação de 30 menores infratores que venceram concursos de ilustração e redação promovidos pelo Juizado da Infância e Juventude de Goiânia.

OS VENCEDORES JORNAL/REVISTA Favela S.A., de Sérgio Ramalho, Cristiane de Cássia, Dimmi Amora, Fernanda Pontes, Selma Schmidt, Carla Rocha, Luiz Ernesto Magalhães, Paulo Motta e Angelina Nunes – Jornal O Globo.

TELEVISÃO Educação à distância, de Alan Severiano e equipe – TV Globo (Rio).

JORNALISMO INVESTIGATIVO A farra das passagens, de Lúcio Lambranho, Edson Sardinha e Eduardo Militão – www.congressoemfoco.com.br.

REPORTAGEM ECONÔMICA

Andrei Meireles e Matheus Leitão (no alto) confessam que receberam com grande emoção a conquista da principal láurea do Prêmio Embratel 2009, o Troféu Barbosa Lima Sobrinho. Vinícius Sassine recebeu do Presidente da ABI o troféu pelo prêmio destinado à Região CentroOeste.

A reportagem acompanhou esses jovens quando saíram das casas de recuperação, e o resultado foi que 27 deles foram mortos ou retornaram à criminalidade, expondo a precariedade do sistema de recuperação de menores infratores em Goiânia: – Esta reportagem só foi possível porque eu fui chamado para compor o júri do concurso, o que me fez conhecer estes jovens de perto e as esperanças e desejos que demonstraram em seus textos e desenhos. Acredito que a matéria conseguiu promover uma mudança na forma de as pessoas olharem para o menor infrator em Goiás – disse Vinicius. O sempre espirituoso Maurício Menezes anunciou o prêmio de melhor reportagem de rádio, entregue a Marcelo Santos, da Rádio Catarinense, pela matéria Perigo na tela: o vício do novo século. Antes da entrega da premiação, Maurício Menezes divertiu a platéia com mais uma de suas piadas: – Estava ali no banheiro agora há pouco e um colega me deu um furo de

reportagem sensacional. Disse que o estagiário de comunicação de Furnas foi o responsável pelo apagão, pois disseram pra ele que quando saísse apagasse tudo. Em seguida Menezes mostrou em um telão uma seleção de manchetes de jornais esdrúxulas, que também foram motivo de irreverências: – Os jornalistas têm muita dificuldade com as manchetes. Vejam só esta: Lobo marinho aparece nadando. Claro, queriam que ele voasse? Lidar com a morte também é difícil para os profissionais de imprensa. Só pode ser isto que explica a manchete Jovem se mata com tiro na própria cabeça. Talvez achassem que pra se matar ele tinha que ter estourado a cabeça de outro. Também foi concedida Menção Honrosa à equipe do Jornal de Santa Catarina – coordenada por Edgar Júnior, editor-chefe, e Fabrício Cardoso, editor-executivo —, pelo engajamento na reconstrução das cidades catarinenses atingidas pelas chuvas de novembro de 2008.

O Brasil que emergirá da crise, de Ricardo Allan, Vânia Cristino, Mariana Flores, Letícia Nobre, Edna Simão, Vicente Nunes, Luciana Navarro, Karla Mendes e Luciano Pires – Correio Braziliense.

RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL A morte lenta da floresta do mar, de Leonardo Cavalcanti – Correio Braziliense.

REPORTAGEM ESPORTIVA A Copa do Mundo é nossa, de Helvídio Mattos e equipe – ESPN Brasil

REPORTAGEM FOTOGRÁFICA Ladrão em fuga, de Adenilson Nunes – Correio da Bahia.

REPORTAGEM CINEMATOGRÁFICA Jovem Morte, de Júnior Alves – SBT.

RÁDIO Perigo na tela: o vício do novo século, de Marcelo Santos – Rádio Catarinense.

JORNALISMO CULTURAL Machado de Assis – 100 anos de memória, de Ana Lúcia do Vale e Kamille Viola – O Dia.

TI, COMUNICAÇÃO E MULTIMÍDIA – VEÍCULO ESPECIALIZADO Retrato de uma década, de Gilberto Pavoni Júnior, Vítor Cavalcânti, Felipe Dreher e Ana Lúcia Moura Fé – Information Week Brasil.

TI, COMUNICAÇÃO E MULTIMÍDIA – VEÍCULO NÃO-ESPECIALIZADO Tecnologia para especiais, de Júlia Tavares – Rede Minas de Televisão.

REGIÃO CENTRO-OESTE Meninos sem futuro, de Vinicius Jorge Sassine – O Popular.

REGIÃO NORDESTE Arquivo morto – Máfia das Execuções em Fortaleza, de Demitri Túlio, Cláudio Ribeiro e Thiago Cafardo – O Povo.

REGIÃO NORTE Trabalho escravo, de Nyelsen Martins e equipe – TV Record.

REGIÃO SUDESTE O golpe do sinal amarelo, de Antero Gomes – Extra.

REGIÃO SUL A epidemia do crack, de Itamar Melo e Patrícia Rocha – Zero Hora. Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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PRÊMIO

Esso de Jornalismo para o rastro de Euclides Os repórteres Fabiana Moraes e Schneider Carpeggiani refizeram o itinerário do autor de Os Sertões desde a Bahia ao Ceará: 4.713 km.

Na linha de tiro Os jornalistas Mônica Puga, Junior Alves, Alex Oliveira, Aline Grupillo e Eliane Pinheiro, com o trabalho Confronto na Linha Vermelha, transmitido pelo SBT, exibiram o exato momento em que policiais e traficantes das favelas que margeiam a via expressa trocavam tiros em meio ao desespero dos motoristas pegos no fogo cruzado. Tudo ocorreu minutos antes da passagem do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua comitiva pelo local.

DIVULGAÇÃO

Com a reportagem Os sertões, produzida em razão da passagem dos 100 anos da morte do escritor Euclides da Cunha, os jornalistas Fabiana Moraes e Schneider Carpeggiani, do Jornal do Comércio, do Recife, conquistaram o Prêmio Esso de Jornalismo 2009. Após percorrer 4.713 quilômetros de estradas, desde a Bahia até o Ceará, os repórteres revelaram aos leitores um novo sertão, nos locais descritos por Euclides, onde convivem vaqueiros e pirateadores, beatos e travestis, cantadoras de incelências e traficantes, padres e b-boys. A entrega do prêmio aconteceu na noite de 8 de dezembro, no Hotel Copacabana Palace, em cerimônia destinada a homenagear os finalistas do Prêmio Esso. Foram conferidas 15 premiações, 12 das quais destinadas a contemplar trabalhos da mídia impressa, além do Prêmio Esso de Telejornalismo e da distinção de dois trabalhos de “Melhor Contribuição à Imprensa em 2009”.

Com o fotógráfo Schneider Carpeggiani, Fabiana Moraes refez os caminhos percorridos por Euclides mais de 110 anos antes.

O Prêmio Esso de Reportagem coube aos jornalistas Rosa Costa, Leandro Colon e Rodrigo Rangel, do Estadão, que receberam a premiação das mãos do Presidente da ABI, Maurício Azêdo. Eles são os autores da matéria Dos atos secretos aos secretos atos de José Sarney. Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, a série de reportagens revelou que o Senado Federal editara mais de 300 atos secretos para nomear altos funcionários, parentes e amigos de senadores, criar cargos e privilégios, além de aumentar salários. As sucessivas revelações, que sofreram censura judicial, acabaram

conduzindo o ex-Presidente da República e Presidente do Senado, José Sarney, para o centro das denúncias.

O ganhador do Esso de Fotografia, Arnaldo Carvalho, captou sofrimentos na série Exilados na fome, como a menina (acima) que com um ano de idade ficou cega por inanição.

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A fome, em foto O Prêmio Esso de Fotografia foi atribuído ao repórter fotográfico Arnaldo Carvalho, que após percorrer nove Estados do Nordeste, ilustrou com suas fotos o trabalho Exilados na fome, publicado no Jornal do Comércio (Recife). Numa das fotos mais marcantes, ele captou o sofrimento de uma menina de pouco mais de um ano de idade que ficara cega por inanição. Todos os vencedores tiveram seus trabalhos escolhidos de uma lista de 38 finalistas previamente selecionados de um total de 1.212 trabalhos inscritos, sendo 520 reportagens, séries de reportagens ou artigos; 164 trabalhos fotográficos; 209 trabalhos de criação gráfica em jornal, 69 trabalhos de criação gráfica em re-

vista e 125 primeiras páginas de jornal, além de 121 trabalhos de telejornalismo e 4 inscrições ao Prêmio de Melhor Contribuição à Imprensa. A Comissão de Premiação do Prêmio Esso de Jornalismo 2009, que julgou os trabalhos de mídia impressa (à exceção da fotografia), foi composta pelos jornalistas Humberto Werneck, Luiz Henrique Fruet, Percival de Souza, Roberto Muggiati e Silvio Ferraz. O Prêmio Esso de Jornalismo destinou este ano aos vencedores um total de R$ 109 mil, já deduzidos os impostos. Além do prêmio principal, que leva o nome do programa, fixado em R$ 30 mil, e do Prêmio de Telejornalismo, estabelecido em R$ 20 mil, foram distribuídos R$ 3 mil para cada um dos três prêmios regionais, R$ 10 mil para as categorias de Reportagem e Fotografia e R$ 5 mil para cada uma das categorias de Criação Gráfica-Jornal, Criação Gráfica-Revista, Informação Econômica, Informação Científica/ Tecnológica/ Ecológica, Prêmio Esso Interior e Prêmio Esso de Primeira Página.


OS GANHADORTES, EM 15 CATEGORIAS TELEJORNALISMO Mônica Puga, Junior Alves, Alex Oliveira, Aline Grupillo e Eliane Pinheiro fizeram o trabalho Confronto na Linha Vermelha, transmitido pelo SBT, exibindo o exato momento em que policiais e traficantes de favelas que margeiam a Linha Vermelha trocavam tiros em meio ao desespero dos motoristas no fogo cruzado. Isso tudo minutos antes de o Presidente Lula e sua comitiva trafegar pela via expressa.

REPORTAGEM O Esso de Reportagem coube a Rosa Costa, Leandro Colon e Rodrigo Rangel, autores do trabalho Dos Atos Secretos aos Secretos Atos de José Sarney. Publicada no Estado de S.Paulo, a série revelou que o Senado editara mais de 300 atos secretos para nomear altos funcionários, parentes e amigos de senadores, criar cargos e privilégios e aumentar salários. As sucessivas revelações, que sofreram censura judicial, acabaram conduzindo o exPresidente da República e Presidente do Senado, José Sarney, ao centro das denúncias.

FOTOGRAFIA Foi atribuído ao repórter fotográfico Arnaldo Carvalho, que após percorrer nove Estados do Nordeste ilustrou com fotos o trabalho Exilados na Fome, publicado no Jornal do Comércio, de Recife. Numa das fotos mais marcantes, ele captou o sofrimento de uma menina de pouco mais de um ano de idade que ficara cega por inanição.

INFORMAÇÃO ECONÔMICA Vicente Nunes, Ricardo Allan, Vânia Cristino, Karla Mendes, Letícia Nobre, Luciano Pires, Luciana Navarro, Mariana Flores e Edna Simão, com O Brasil que Emergirá da Crise, no jornal Correio Braziliense.

INFORMAÇÃO CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E ECOLÓGICA Para Marcelo Leite, Toni Pires, Claudio Ângelo, Marília Scalzo, Marcelo Pliger, Thea Severino, Adriana Caccese de Matos, Renata Steffen e Flávio Dieguez, com o trabalho No Coração da Antártida, publicado no jornal Folha de S.Paulo.

CRIAÇÃO GRÁFICA – CATEGORIA JORNAL Para Bruno Falcone e Yana Parente, com o trabalho Os Sertões, publicado no Jornal do Comércio, de Recife.

CRIAÇÃO GRÁFICA CATEGORIA REVISTA Marcos Marques, Alexandre Lucas, Marco Vergotti, Eduardo Cometti, Alberto Cairo e Equipe Faz Caber, com Vôo Air France 447, na revista Época.

ESPECIAL DE PRIMEIRA PÁGINA André Hippertt, Karla Prado e Alexandre Freeland, com o trabalho A Faixa Preta Hoje é de Luto, publicado no jornal O Dia.

ESPECIAL INTERIOR Suzana Fonseca e Tatiana Lopes, com o trabalho Caso Alessandra, publicado no jornal A Tribuna, de Santos, SP.

REGIONAL 1 Silvia Bessa, com o trabalho Quilombola – Os Direito Negados de Um Povo, publicado no jornal Diário de Pernambuco, do Recife.

REGIONAL 2 Edgar Gonçalvez Junior e toda a Equipe, com Novembro de 2008 – O Maior Desastre Climático do Brasil, publicado no Jornal de Santa Catarina, de Blumenau.

REGIONAL 3 Para Paulo Motta, Angelina Nunes, Carla Rocha, Selma Schmidt, Vera Araújo e Fábio Vasconcellos, com Democracia nas Favelas, publicado no jornal O Globo.

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Liberdade de imprensa

O SENADO DEU UM CHÁ DE SUMIÇO NO DEPOIMENTO DE HÉLIO FERNANDES Em intervenção de seis horas, o Diretor da Tribuna da Imprensa denunciou o General Otávio Medeiros como mentor dos atentados ao seu jornal, em 26 e 27 de março de 1981. A gravação e a transcrição de sua fala nunca foram encontradas.

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FRANCISCO UCHA

O jornalista Hélio Fernandes, Diretor da Tribuna da Imprensa, está cobrando do Senado Federal a localização do texto do depoimento em que denunciou o General Otávio Medeiros, exChefe do extinto Serviço Nacional de Informações, e 12 de seus subordinados como autores dos atentados contra o seu jornal, em 26-27 de março de 1981, e contra os participantes do Show 1º de Maio, no Riocentro, quatro dias depois, em 30 de abril. Hélio, que fez a cobrança no site do jornal (www.tribunadaimprensa.com.br), no dia 9 de novembro, fora convocado para depor pelo Relator da CPI do Terror, Senador Franco Montoro (PMDB-SP), e falou durante seis horas, mas nada foi registrado nos anais ou arquivos do Senado: o SNI se apossou do texto, até hoje não localizado. Diz seu artigo: “Depois da destruição da Tribuna, fui depor no Senado. Falei quase 6 horas, tudo o que eu disse desapareceu, por determinação do SNI. Como falo sempre de improviso, não há nada nos anais, não tenho cópia de coisa alguma. A data, 26 de março, é inesquecível. A ditadura, que não conseguia calar a Tribuna da Imprensa, resolveu silenciála de outra maneira. Eu sempre deixei bem claro que não sairia do Brasil de forma alguma, o “ame-o ou deixe-o”, nada a ver conosco. Não verdade já não era 26 de março e sim 4:10 da madrugada de 27. Muita gente em frente à Tribuna. Doutor Barbosa Lima, Ulisses Guimarães, Bernardo Cabral, quem estava no Rio estava na Rua do Lavradio. E o povão que ia chegando. Assistiam, estarrecidos, à destruição de prédios, máquinas, tudo o que era imprescindível para fazer um jornal. Isso podia ser visto claramente, as chamas subiam desordenadamente, os bombeiros custaram a chegar, não tinha a menor importância. Preservadas do fogo, inatingíveis, sem serem pressentidas mas invioláveis, estavam ali as idéias, a resistência, a obstinação, a decisão de não abandonar por um momento que fosse a luta que só terminaria com o fim da ditadura. A partir do dia 29, 48 horas depois, começava outra etapa dessa luta. Funcionando no Senado, a CPI do Terror. A destruição da Tribuna era apenas mais uma violência, existiam outras, várias,

muitas, a vingança dos torturadores no Poder não respeitava ninguém. Mas a CPI do Terror era presidida por Mendes Canale (Mato Grosso), e relator, Franco Montoro, ex-Governador de São Paulo. Foi ele que me telefonou: “Hélio, você já está relacionado para depor, mas agora o comparecimento é urgente”. Perguntou quando poderia ser, respondi o óbvio, “quando o senhor marcar”. Disse que ia marcar com a CPI, voltaria a falar comigo. Isso foi logo no dia seguinte, antes conversou com Barbosa Lima Sobrinho, o grande Presidente da ABI. Franco Montoro me disse: “Hé-

lio, combinei com o doutor Barbosa, vamos nos encontrar na ABI, amanhã, vou de Brasília direto para esse encontro, já estou com a data do teu depoimento, os membros da CPI não querem esperar mais”. (Fui conselheiro da ABI durante 18 anos, só deixei o cargo quando Barbosa morreu. Mauricio Azêdo, que transformou a ABI dando a ela uma dinâmica que estava faltando, me convidou para continuar. Mas concordou inteiramente, não tinha mais sentido. Fez comigo a primeira de uma série de entrevistas, era o que estava faltando. E deu ao Jornal da ABI e à própria ABI a

repercussão e a presença que as novas técnicas estavam retirando). Nos primeiros dias de abril, quando a ditadura fingia que acabara, mas na verdade COMEMORAVA 17 anos de amaldiçoada existência, comecei a depor. Praticamente todo o Senado, toda a Câmara, galerias superlotadas, Montoro perguntou: “Você quer fazer alguma exposição antes das perguntas?”. E este repórter com a resposta simples e obrigatória: “QUERO”. Falei quase uma hora, sem aparte, sem qualquer interrupção,nenhum sussurro, só o estarrecimento com o que eu contava. (E depois, nas quase 5 horas de perguntas e respostas, todos se admiravam como eu podia saber tanta coisa, e como tinha coragem de contar tudo o que fora planejado, manipulado e executado pelo último chefe do SNI da ditadura Otávio Medeiros. Que ainda acreditava que se houvesse um novo general “presidente”, seria ele). (O que era rigorosamente insensato mas verdadeiro). Os agentes do SNI “disfarçados” pelo plenário (por exigência geral não podia ser numa sala menor, já se sabia que a presença seria grande) ficavam estarrecidos e não acreditavam que um jornalista desarmado pudesse ser tão informado, e não tivesse a menor dúvida em atirar com uma 45 do Exército (hipoteticamente) contra o mais importante general da ditadura. Uma ditadura que dominava tudo. (Quando fizeram obras no gabinete do “presidente” Figueiredo (ex-Chefe do SNI), descobriram aparelhagem para gravar tudo o que ele falava ou ouvia. E essa parafernália, montada e colocada ali, pelo seu homem de confiança, Chefe do SNI, 4 estrelas Otávio Medeiros). Mostrei com dados e detalhes toda a preparação de uma equipe de 12 oficiais, que se dedicavam única e exclusivamente à destruição da Tribuna da Imprensa. Contei de forma irrefutável as viagens que alguns desses oficiais faziam ao Rio, se hospedando em hotéis perto da Rua do Lavradio, para que tomassem conhecimento de tudo o que interessava ao plano de destruição. Mas o que deixou a todos perplexos foi a minha descrição do que aconteceu em Brasília, na sede do SNI, na véspera do atentado (incluindo nomes, patentes e cargos de todos os 12 da equipe des-


APPHOTO-SILVIA IZQUIERDO

truidora. O 13º, general Otavio Medeiros, que não chegou a “presidente”, pelo menos isso). Todos os que participariam do atentado no Rio precisavam comprovar a presença em Brasília na véspera do atentado e no dia seguinte. Antes do atentado, “marcaram o horário” (e os “álibis”) de todos, de diversas maneiras. Um deles, por exigência do planejamento, deu um tapa no rosto de uma secretária, todos se lembrariam no dia seguinte. Um contínuo pressionado deixou cair uma bandeja de café em cima do próprio Otávio Medeiros, que só entrou na sala para isso, saiu resmungando. O avião que traria os terroristas para o Rio tinha hora para sair de Brasília, e precisava estar de volta até às 7 da manhã, para que pudessem aparecer na sede do SNI, sem qualquer constrangimento. Às 8 da noite terminou meu depoimento, as mais importantes figuras da oposição concluíram: “O Hélio não pode dormir em Brasília, ele tem que voltar para o Rio, imediatamente”. Que foi o que aconteceu. O pânico com a minha segurança era total. Agora a perplexidade provocada não por mim, e sim pelos fatos que não conhecia. Há alguns anos, precisando do depoimento, recorri ao Senado. Estarrecido, constatei que não havia nada nos anais ou arquivos do Senado. Fiz levantamentos, consultei senadores, procurei informações e todas levavam ao mesmo endereço: o SNI. Só esse órgão tinha organização, independência e cobertura para executar uma operação como essa: FAZER DESAPARECER DO SENADO O MAIS IMPORTANTE E DESTRUIDOR DEPOIMENTO CONTRA A DITADURA. Todos os senadores estão na obrigação de saber o que aconteceu. Como disse no título, falo sempre de improviso, escrevo tudo na hora, PRECISO DESSE DEPOIMENTO. Os senadores têm uma forma de me desmentir: MOSTRAR O DEPOIMENTO, ir para a INTERNET ou para as rádios, jornais e televisões e dizer: O JORNALISTA HÉLIO FERNANDES ESTÁ MENTINDO, tudo o que falou está aqui. PS- Para terminar, um fato que não sabia quando fui depor na CPI do Terror, passei a conhecer muito mais tarde. Além da destruição da Tribuna, o atentado de 26/27 de março era TAMBÉM UM TESTE PARA O MONSTRUOSO MASSACRE QUE DEVERIA OCORRER NO RIOCENTRO NO DIA 1º DE MAIO. PS2- Preciso que encontrem meu depoimento. Pois ele está completamente dominado pelos nomes dos que executaram o atentado contra a Tribuna, e que depois coincidiria com os que participariam do Riocentro. Como da outra vez, tudo executado pelo grupo dirigido pelo general (quase “presidente”, imaginem) Otávio Medeiros.”

Memorial pró Lúcio Flávio tem 766 adesões Organizado por Cláudia Leão, fotógrafa; Maria da Conceição Globovante, publicitária e professora; e Rose Silveira, jornalista e historiadora, o abaixo-assinado de solidariedade ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, de Belém do Pará, já obteve 766 adesões em todo o País. O motivo da manifestação é repudiar a sentença expedida pelo Juiz Raimundo das Chagas Filho, titular da 4ª Vara Cível de Belém do Pará, que condenou o jornalista a pagar indenização de R$ 30 mil aos irmãos Rômulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, proprietários das Organizações Rômulo Maiorana, uma das maiores empresas de comunicação da Região Norte. Na sentença, expedida em 6 de julho, ainda consta a proibição de veiculação dos nomes dos irmãos e do pai Rômulo Maiorana, fundador da ORM, no Jornal Pessoal. O atrito judicial se deve ao fato de Lúcio Flávio ter publicado, em 2005, em um livro organizado pelo jornalista italiano Maurizio Chierici, o artigo Um império ao norte, também reproduzido no Jornal Pessoal, no qual aborda supostas atividades de contrabandista do fundador da ORM, Rômulo Maiorana. Dentre aqueles que subscreveram o abaixo-assinado e informaram a profissão estão 152 jornalistas, 101 professores, 54 estudantes, 22 funcionários públicos, 22 psicólogos, 19 historiadores, 13 engenheiros, 12 artistas, 12 sociólogos, 10 escritores, 10 fotógrafos, sete advogados, sete publicitários, sete antropólogos, seis arquitetos, seis designers, cinco médicos, quatro economistas, quatro enfermeiras, três assistentes sociais, três administradores, três biólogos, dois policiais, dois pro-

dutores culturais, um juiz, um ilustrador, um militar, um contador, um farmacêutico, um geólogo, um bibliotecário e um geógrafo. Em relação àqueles que informaram a naturalidade estão 247 do Pará, 106 de São Paulo, 29 do Rio de Janeiro, 14 do Distrito Federal, 11 do Rio Grande do Sul, dez de Minas Gerais, nove do Ceará, oito de Pernambuco, oito do Paraná, sete do Maranhão, seis de Santa Catarina, seis do Rio Grande do Nor-

te, cinco da Bahia, cinco da Paraíba, quatro de Alagoas, três de Goiás, três de Mato Grosso, dois de Sergipe, dois do Espírito Santo, dois de Rondônia, dois do Tocantins, dois do Amazonas e um de Mato Grosso do Sul. No exterior, assinaram um francês, um italiano e um português. Aqueles que quiserem participar do abaixo-assinado devem enviar mensagem para o e-mail adm.aalfp@gmail. com, informando nome completo e RG.

Censura prévia em São José do Rio Preto, SP A Associação Paulista de Jornais divulgou nota no dia 22 de dezembro em repúdio à censura ao Diário da Região, de São José do Rio Preto, SP, após o Juizado Especial Cível da cidade decidir retirar liminarmente a nota Nababos, publicada no blog do editor de Política, Alexandre Gama. Desde o início deste mês, segundo o jornal, o grupo ligado ao Presidente da Câmara de Vereadores local, Jorge Menezes (Dem), move ações em série contra o periódico, com o objetivo de intimidar os repórteres e impedir a veiculação de notícias sobre o Legislativo. A nota da APJ, assinada pelo Presidente da entidade, Renato Zaiden, e pelo 1º Vice-Presidente e responsável pelo Núcleo Editorial e Liberdade de Expressão

da entidade, Fernando Mauro Salerno, diz que “se trata de inaceitável tentativa de impor censura prévia aos veículos de comunicação, o que é vedado pela Constituição de 1988 e fere os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, que preconizam a livre expressão do pensamento e o livre acesso ao cidadão à informação, principalmente quando se trata de interesse público”. Segundo o Diário da Região, o Presidente da Câmara de Rio Preto tenta na Justiça proibir a veiculação da paródia intitulada Trem da Alegria: Jorge Menezes propõe a criação de mais nove cargos, além de exigir indenização por reportagem que revelou ameaça a vereadores da Mesa Diretora. De acordo com o jornal, as ações foram impetradas pelo

grupo ligado a Menezes – formado pelo diretor jurídico Marcos Minuci, pelo assessor jurídico Alberto Juliano, pelo assessor de imprensa Venâncio Melo e pela cerimonialista Olívia Lobo. Minuci, que é investigado em inquérito civil instaurado pelo Ministério Público de Monte Aprazível, Município próximo a São José do Rio Preto, tenta impedir que sejam divulgadas reportagens sobre o processo. Olívia e Juliana pedem indenização por danos morais por terem seus nomes revelados em reportagem sobre cargo, salário e tempo de serviço. Segundo a editora interina Rita Fernandjes, Venâncio Melo conseguiu que a Juíza Gabrielle Gasparelli Cavalcante decidisse a retirada da nota da coluna do editor Alexandre Gama. Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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Liberdade de imprensa

Uma conferência na alça de mira Seis entidades da área empresarial não participaram da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada de 14 a 17 de dezembro, em Brasília, a qual, com grande participação de inúmeras representações da sociedade civil, aprovou 672 propostas, muitas delas polêmicas. Um debate democrático, necessário e aguardado há mais de uma década, ou manobra política para viabilizar o maior controle sobre a mídia? Essas duas visões bem distintas ilustram e ajudam a entender as polêmicas que cercaram a 1ª Conferência Nacional de Comunicação-1ª Confecom, realizada de 14 a 17 de dezembro em Brasília. O evento, com a participação de 1.684 delegados dos três segmentos envolvidos – sociedade civil, empresários e Poder Público – terminou por sofrer um esvaziamento político. Destacadas instituições de defesa de direitos civis e da liberdade de expressão não foram convidadas a participar do evento – ou foram posteriormente convocadas tão somente na condição de ‘observadoras nacionais’. Depois de já iniciada a organização da conferência, seis entidades abandonaram o evento, em decisão tomada em 13 de agosto de 2009. As empresas disseram que o encontro seria jogo marcado, pois sindicalistas e organizações não-governamentais, aliados aos representantes do Governo, pretendiam expor a imprensa ao massacre público. Para o grupo, a insistência destes setores em fazer um controle social da mídia representava, na prática, a volta da censura. Assim, posicionando-se como defensoras dos preceitos constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de expressão, do direito à informação e da legalidade, deixaram de participar da 1ª Confecom a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TelevisãoAbert, a Associação Nacional de Jornais-ANJ, a Associação Brasileira de Internet-Abranet, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil e a Associação Nacional dos Editores de Revistas. 28

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A debandada colocou em xeque a legitimidade da conferência e gerou dura reação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que participou da abertura do evento, no dia 14 de dezembro. “Não será enfiando a cabeça na areia como avestruz que nós resolveremos o problema. E isso vale para todos nós: Governo, empresas de comunicação, trabalhadores, movimentos sociais, ouvintes, leitores e internautas. É chegada a hora de uma decisão que resgate os acertos e corrija o passado”, disse ele, destacando que, ao contrário das críticas, o Brasil experimenta um modelo de total liberdade de imprensa. Os descontentes Em 2009, o Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), proibiu o jornal O Estado de S. Paulo e o portal Estadão de publicar reportagens a respeito da Operação Faktor, mais conhecida como Boi Barrica. O recurso judicial, que pôs o jornal sob censura prévia, foi apresentado pelo empresário Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), na época o personagem central de grave crise política no Congresso. O mesmo O Estado de S. Paulo mostrou-se crítico às propostas aprovadas durante a 1ª Confecom. Em editorial publicado no dia 20 de dezembro, o jornal argumenta que, se aprovadas, as sugestões levantadas no encontro serviriam como entrave à atuação da iniciativa privada no setor de comunicação. “O evento foi encerrado com uma série de recomendações ideologicamente enviesadas que, se transformadas em lei, restringiriam a liberdade de infor-

mação e criariam obstáculos à ação da iniciativa privada no setor, a pretexto de promover o ‘controle público’, social e popular das atividades jornalísticas”, disse o jornal em seu editorial, apontando ainda propostas que considera graves, como a elaboração de código de ética para o jornalismo, a volta da obrigatoriedade do diploma, a proposta de uma nova Lei de Imprensa e a implantação de um tribunal de mídia. Também a Presidente da ANJ, uma das entidades que abandonaram a 1ª Confecom, fez duras críticas às propostas apresentadas. “O Brasil está diante da encruzilhada. Podemos escolher um caminho “bolivariano”, caso sigamos pauta de debates como a proposta pela Confecom, a recém-encerrada Conferência de Comunicação Social. Discursos como o controle da mídia ou a instituição de conselhos de jornalismo são opções pelo retrocesso. Já sabemos aonde vai dar esse caminho: na prática, significa calar as vozes opositoras e impor uma única forma de pensamento, uma única orientação política”, escreveu a Presidente da ANJ, Judith Brito, em artigo divulgado no dia 29 de dezembro. A 1ª Confecom teve quatro dias intensos de trabalho no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília, onde os delegados discutiram questões relativas aos três eixos temáticos da Conferência: Produção de Conteúdo; Meios de Distribuição; e Cidadania: Direitos e Deveres. No evento foram aprovadas 672 propostas que podem, no futuro, “tornarse projetos de leis ou servir de referência na elaboração de políticas públicas para o setor”, como afirmou o Ministro das Comunicações, Franklin Martins. (Paulo Chico)


UDETTMAR/SCO-STF

Direitos humanos

A ANISTIA CHEGA ÀS ORIGENS DO GOLPE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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A ABI expressou no dia 11 de dezembro o “grande desconforto da comunidade jornalística do País” diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, adotada em sua sessão da véspera, de coonestar a censura prévia imposta há mais de quatro meses ao jornal O Estado de S. Paulo pelo Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Em declaração firmada por seu Presidente, Maurício Azêdo, disse a ABI que a decisão sacramenta a mordaça à liberdade de informação típica da ditadura militar; trata-se de um aval à censura prévia. A declaração da ABI tem o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa lamenta ter que registrar o grande desconforto da comunidade jornalística do País diante da decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal em sua sessão do dia 10 de dezembro de coonestar a censura prévia imposta há mais de quatro meses a O Estado de S.Paulo pelo Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que proibiu o jornal de divulgar qualquer informação acerca do envolvimento do empresário Fernando Sarney nas práticas em apuração na chamada Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. Por seis votos a três, o Supremo emprestou seu aval a uma restrição à liberdade de imprensa expressamente vedada pela Constituição da República. Além de sacramentar a mordaça à liberdade de informação típica da ditadura militar, o Supremo Tribunal deu mostra de seu inadequado entendimento acerca da Constituição, persistindo em incompreensões constantes em votos de vários dos seus membros, como o Ministro Gilmar Mendes, que se tornou, como demonstram recentes julgamentos da Suprema Corte, um defensor de restrições ao exercício da liberdade de imprensa que a Carta Magna não admite. Preocupante nesse pronunciamento, ainda que o Supremo tenha evitado o julgamento do mérito do ato que priva o Estadão do direito de informar, é que vários dos seus ministros se detiveram em tecnicalidades que prolongam a censura prévia imposta ao jornal com grave violação da ordem constitucional. Com fortes razões o Ministro Celso de Melo, decano do Supremo, assinalou que “tem sido tão abusivo o comportamento de alguns magistrados e tribunais que, hoje, o poder geral de cautela é o novo nome da censura judicial no nosso País”. Ele advertiu: “ E isso é muito grave, porque nos faz voltar ao passado colonial”. A ABI reitera sua solidariedade ao Estadão e exorta o jornal e a empresa a prosseguirem na busca dos direitos constitucionais que lhes são sonegados. Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2009. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”

seus diplomas de graduação e mestrado no Brasil. Ele espera, agora, que a condição de anistiado facilite esse processo. Emocionado, Luís Carlos disse que ficou positivamente ‘impressionado’ pela maneira cidadã como foi tratado pela Comissão e disse que “é melhor morrer em pé do que viver ajoelhado”. Ele dedicou a conquista à mãe, Maria do Carmo Ribeiro Prestes, que estava presente ao julgamento do pedido, e revelou que só recentemente contou à família que havia entrado com o processo na Comissão de Anistia. Ele é o primeiro filho de Prestes a fazer tal solicitação. Os filhos de João Goulart – João Vicente Fontella Goulart e Denise Fernandes Goulart – também participaram da sessão na Comissão de Anistia. Ambos tiveram que se exilar na companhia do pai, primeiramente na Argentina e logo depois no Uruguai. Os filhos do ex-Governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, José Vicente Goulart Brizola, Neusa Maria Goulart Brizola e João Octavio Goulart Brizola, tiveram que deixar o País logo

depois que os direitos políticos do pai foram cassados pelo governo militar. Só retornaram ao Brasil após a edição da Lei da Anistia, em 1979. Ao todo, 16 processos foram julgados e deferidos na sessão do dia 13 de janeiro, como o da jornalista Angela Lucena, de 43 anos. Ela e os dois irmãos viram, ainda crianças, o pai ser assassinado com um tiro na cabeça e passaram cerca de dez anos com a mãe, Damaris Lucena, no exílio em Cuba. “Não somos pessoas amargas, mas é preciso não esquecer que existiu a tortura neste País”, disse. O Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abraão, aproveitou o evento para apoiar a posição do Ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, sobre o III Programa Nacional de Direitos Humanos. Ele disse ser favorável à abertura dos arquivos do regime militar e à criação da Comissão da Verdade e destacou a importância desse processo de resgate histórico. “Hoje é o dia de o Estado Brasileiro se dirigir a essas pessoas e familiares e pedir desculpas”, disse. (Paulo Chico)

ARQUIVO ABI

Por proposta dele e contrariando a Constituição, o Supremo Tribunal Federal deu aval à censura prévia ao jornal.

A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça decidiu, no dia 13 de janeiro, conceder a anistia aos filhos de três personagens da recente História Política do Brasil. Um filho do líder comunista Luís Carlos Prestes, dois do exPresidente João Goulart e três do ex-Governador Leonel Brizola terão direito a receber uma reparação, em parcela única, de aproximadamente R$ 100 mil, cada. Também serão beneficiados outros filhos e netos de oposicionistas ao regime militar (1964-1985), que entraram para a clandestinidade ou foram fichados, presos, torturados ou exilados do País na companhia de seus pais e avós. Exilado aos nove anos de idade, Luís Carlos Ribeiro Prestes, hoje com 50 anos e um dos dez filhos de Prestes, viveu com a família na antiga União Soviética por cerca de 15 anos. “Não há reparação que apague o fato de uma criança ter que visitar o pai de olhos vendados e só poder conviver com ele por umas poucas horas”. Luís Carlos estudou cinema na União Soviética, mas ainda não conseguiu a validação de

Agora é Gilmar quem segura a mordaça no Estadão

Quase meio século depois, os filhos de Luís Carlos Prestes, João Goulart e Leonel Brizola, primeiros políticos cassados pela ditadura militar, recebem a reparação devida pelo Estado nacional.

Gilmar: contumaz na defesa de restrições à imprensa.

Jango, Brizola e Prestes: incluídos na primeira lista de cassações, em abril de 1964, tiveram suas famílias arrastadas para o exílio e toda sorte de privações, só agora reparadas pelo Estado.

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Direitos humanos

A ABI EXIGE APURAÇÃO: QUEM MATOU E ESQUARTEJOU RUBENS PAIVA? Em petição dirigida ao Ministério Público da União, a Casa reclama investigação sobre a declaração de um membro da repressão de que o ex-Deputado foi torturado e assassinado. Depois, seu corpo foi retalhado. Por iniciativa da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos e de seu Presidente, Orpheu Santos Salles, a ABI protocolou em 11 de dezembro no Ministério Público da União petição em que reclama a instauração de investigações sobre a morte do ex-Deputado Rubens Paiva (PTB-SP), que teria sido torturado, assassinado e esquartejado pela ditadura militar, segundo relatado por um exagente da repressão, o ex-Sargento Marival Chaves, então em atividade no DoiCodi de São Paulo. Na petição, destaca a ABI que a morte de Rubens Paiva e do metalúrgico Manoel Fiel Filho, dias após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog no mesmo Doi-Codi, “estão sendo fartamente divulgados, como se depreende das diligências feitas pelo cineasta e jornalista Jorge de Oliveira, na elaboração do filme Perdão Mister Fiel, como relatado no suplemento Diversão & Arte, na edição do Correio Braziliense de 19 de novembro passado. A petição da ABI tem o seguinte teor: “Ilustríssimo Procurador-Geral da República, A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA, com sede na cidade do Rio de Janeiro, Rua Araújo Porto Alegre, 71, Castelo, e-mail: abi.presidencia@gmail.com, por seu presidente, jornalista Maurício Azêdo, coadjuvada pela sua Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, presidida pelo jornalista Orpheu Santos Salles, vem, respeitosamente, perante o dignitário da Procuradoria-Geral da República, solicitar as providências próprias e necessárias para investigar, apurar e esclarecer os fatos que a seguir expõe, para formulação das medidas que julgar oportunas e condizentes, para reprimir os crimes praticados em desconsideração e contra os direitos humanos. 1. É público e notório que durante o período da ditadura militar imposta ao País, a par-

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tir de 3l de março de 1964 até à instauração do regime democrático vigente, ocorreram fatos criminosos, inclusive crimes contra a Humanidade, praticados por agentes do Poder Público, que constituem atos penais que se encontram até o presente sem o devido esclarecimento e responsabilidade. 2. Dentre esses escabrosos fatos há o caso do desaparecimento do jornalista e Deputado federal RUBENS PAIVA, preso durante o período da ditadura militar por agentes do Doi-Codi, sediados na cidade do Rio de Janeiro, e desaparecido até os dias de hoje, sem que se pudesse obter

qualquer informação a respeito do seu paradeiro. 3. Acontece que os jornais O Globo e Correio Braziliense, de 18 e 19 de novembro corrente, publicaram matérias nas quais constam declarações de um ex-agente militar, identificado como Marival Chaves, sargento aposentado do Exército e do DoiCodi, que afirma que o Deputado Rubens Paiva foi torturado e assassinado, além de ter o seu corpo esquartejado, tudo como noticiado nas páginas dos citados orgãos de imprensa, conforme comprovam os recortes dos jornais anexos. 4. Outro pormenor ocorrido que poderá elucidar o paradeiro do corpo do Deputado Rubens Paiva é o depoimento prestado pelo jornalista Tarcisio Holanda, VicePresidente da ABI, residente em Brasília, sobre um diálogo havido na ocasião da prisão e morte do referido Deputado, entre o então Ministro do Exército, General Orlando Geisel, e o Presidente da República, Emilio Garrastazzu Médici, no qual essas duas autoridades falam da morte do Deputado, como relatado pelo jornalista em um programa de televisão, conforme consta no vídeo anexo. 5. Estes dois fatos, divulgados em órgãos da imprensa, evidenciam circunstâncias objetivas que poderão trazer a lume o que realmente ocorreu com a morte e o desaparecimento do cadáver do jornalista e Deputado federal RUBENS PAIVA, razão fundamental do pedido de providências que a ABI formula ao eminente Procurador-Geral da República. 6. Acrescente-se, também, a esses fatos o acontecido no Doi-Codi de São Paulo, com a tortura e morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho, ocorrida dias após o assassinato de Vladimir Herzog e que motivou a demissão pelo Presidente da República Ernesto Geisel do Comandante do II Exército, General Ednardo D’Avila Mello, crimes esses que somente agora estão sendo fartamente divulgados, como se depre-


ende das diligências feitas pelo cineasta e jornalista Jorge Oliveira, na elaboração do filme Perdão Mister Fiel, como relatado no suplemento Diversão & Arte, na edição do Correio Braziliense, de 19 de novembro passado, página anexa. 7. Outro fato para o qual a ABI solicita intervenção e participação da Procuradoria-Geral da República é a questão da criminalização dos agentes públicos que no passado, durante o regime da ditadura militar, praticaram violências e monstruosas torturas contra presos políticos, ocasionando centenas de mortes e inclusive a ocultação dos cadáveres. 8. Sobre a questão dos torturadores é oportuno lembrar o questionamento no Supremo Tribunal Federal, da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que requer que a Corte Suprema interprete o artigo 1º da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, e declare que a Anistia não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra seus opositores políticos. 9. É relevante, pelas circunstâncias e similitude, que os crimes de tortura praticada nos períodos das ditaduras estejam sendo levantados, investigados e apurados nos países que vivenciam hoje o regime democrático, como acontece na Argentina, Chile, Uruguai, Espanha, Itália e, inclusive, na Alemanha, onde as monstruosidades praticadas estão sendo consideradas e julgadas como crimes contra a Humanidade. 10. No tocante às criminosas torturas praticadas pelos agentes públicos, a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA solicita seja considerada pela Procuradoria-Geral da República a possibilidade da investigação, apuração dos fatos e o devido processo penal contra os conhecidos torturadores que atuaram nos Doi-Codi, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. 11. Por oportuno e relevante, são anexados à presente postulação o exemplar da revista Justiça & Cidadania, edição de novembro de 2009, e o livro Pela Democracia, Contra o Arbítrio, editado pela Fundação Perseu Abramo, nos quais são descritos fatos e expostas considerações sobre as revoltantes ações desumanas praticadas pelos torturadores. 12. A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA, pela sua Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, coloca-se à disposição da Procuradoria–Geral da República para colaborar e elucidar com mais informações sobre crimes perpetrados pelos torturadores. 13. Finalmente, como remate da brutalidade e desumanidade como os algozes torturadores barbarizavam suas indefesas vítimas, segue como ilustração do pedido a transcrição de parte do triste e horroroso testemunho do jornalista Sérgio Gomes, como relatado nas páginas 40 e 41 da citada revista: “Naquele dia 25 de outubro de 1975, a equipe de torturadores era dirigida pelo Capitão

“DIANTE DE SITUAÇÕES-LIMITE COMO ESTA, DE DORES MUITO AGUDAS E AFLIÇÕES INTENSAS, O CÉREBRO DÁ UM TIPO DE DESCARGA E MATA O INDIVÍDUO PARA SALVÁ-LO DO ENLOUQUECIMENTO.”

Ramiro... O Capitão Ramiro tinha um estilo diferente das duas outras equipes. Andava sempre munido de um sarrafo e sabia exatamente onde bater, nos cotovelos, nos joelhos, nos tornozelos – nas articulações. Ele conhecia muito bem a anatomia humana e desmontava uma pessoa com poucos golpes e sem barulho. Tinha prazer especial em amarrar as pessoas na chamada cadeira do dragão, que é uma espécie de troninho, de metal, molhado, onde os braços e as pernas são imobilizados, amarra-se um fio elétrico no pênis, outro na orelha e aí, em seguida, com uma maquininha, um dínamo, chamada “pimentinha”, iam dando choques. Não é um choque que queima, não sei dizer se é amperagem ou voltagem. Depois de encapuzar a pessoa, o Capitão Ramiro jogava amoníaco sobre a parte frontal do capuz e apertava aqui na parte abaixo do queixo, de tal maneira que a pessoa ficava com aquele capuz bem colado no rosto. Ao mesmo tempo, Ramiro dava porradas, gritos, choques elétricos e jogava amoníaco no capuz – a pessoa ia respirando esse amoníaco. À medida que o choque elétrico se dá, se você estiver expirando, você não consegue inspirar, e se você estiver inspirando, não consegue expirar. Então, como os choques são dados aos trancos, você vai ficando com a respiração completamente descontrolada e esse amoníaco entra pelas suas narinas, invade o cérebro como se fosse uma batalha de espadas, uma coisa maluca, cortando seu cérebro de todo jeito – e você imobilizado, levando choques, porradas, gritos. Tudo isso arma uma situação que é como se fosse surreal, você já não tem mais noção de se é com você mesmo que está acontecendo, começa a ficar confuso, não há saída para aquilo, você está amarrado.

Entre a loucura e a morte

Fui submetido a isso várias vezes e percebi que a qualquer momento morreria, a qualquer momento podia ter um derrame, um colapso, a coisa ia se desagregar. Sentia essa proximidade. Você vai ficando completamente fora de si. É uma coisa que até precisaria ser vista por médicos neurologistas, para saber o que acontece, porque eu soube depois que, diante de situações-limite como esta, de dores muito agudas e aflições intensas, o cérebro dá um tipo de

descarga e mata o indivíduo para salvá-lo do enlouquecimento. Se a pessoa sofre um acidente de automóvel e tem esmagamento da coluna, por exemplo, que dizem ser a mais terrível das dores, o sujeito morre de dor, morre para fugir dessa dor, que é tão lancinante que a pessoa vai enlouquecer. Então, antes de enlouquecer, a pessoa se salva morrendo.

A morte como alternativa

Eu senti isso. Tanto é que numa dessas ocasiões, depois de passar por uma das sessões do Capitão Ramiro, me desamarraram, me tiraram o capuz, me deixaram lá, eu vomitei bílis, vomitei uma coisa como se fosse placenta, eu estava todo erodido, me lembro que abriram a porta do lugar onde estava, trouxeram uma pessoa, que não sei quem é, que tinha sido recentemente presa, e lhe disseram: “Olha, é melhor colaborar senão vai acontecer com você a mesma coisa que está acontecendo com esse cara aí, que já está no fim”. Isto me deixou com uma mistura de cagaço e humilhação, porque eu estava sendo usado a essa altura já como exemplo do estrago que se pode fazer com um ser humano. Depois de vários dias eu tinha emagrecido bem, estava todo arrebentado, minha condição era usada para produzir pavor nos outros. Estou alí e vejo sobre um banquinho um vidro de amoníaco, o vidro que o Capitão Ramiro usava. Então fico olhando para aquele vidro e resolvo me suicidar, porque a coisa tinha passado do que parecia suportável, eu ia enlouquecer. Pego o vidro e tento tirar a tampa de plástico, dessas que têm como se fosse um biquinho de peito por dentro, cuja borda de plástico praticamente adere ao gargalo. Você tem de ter uma unha muito boa para conseguir separar esse plástico, que tem uma certa pressãozinha que resiste, ou então você tem de tirar com os dentes. Eu estava com a boca toda fodida, então estava tentando tirar com o dente e com a mão, torcendo para que engolir o amoníaco daquele vidro fosse suficiente para me matar logo. Estou nessa tentativa desesperada para me matar quando entram o Capitão Ramiro de novo e o seu grupo, e arrancam aquele vidro, me reamarram na cadeira do dragão e aí começa outra sessão indescritível, coisa maluca”. 14. O exposto acima (item 13), transcrito também na revista Justiça & Cidadania, é um dos relatos constantes do livro Pela Democracia, Contra o Arbítrio, páginas 129-132, editado pela Fundação Perseu Abramo, que inclusive transcreve outras inomináveis torturas. 15. A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA, face à importância e gravidade dos fatos descritos, em especial a morte e a ocultação do cadáver do jornalista e Deputado federal RUBENS PAIVA, reitera o pedido das providências pela Procuradoria-Geral da República, através do seu eminente titular. Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, Presidente; Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, Orpheu Santos Salles, Presidente.”

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Direitos humanos Pedida a exumação dos corpos de JK e Lacerda Tal como o ex-Presidente chileno Eduardo Frei, eles podem ter sido envenenados, diz Milton Coelho. Em intervenção na reunião de dezembro do Conselho Deliberativo, o Conselheiro Milton Coelho da Graça propôs que a ABI solicite à Procuradoria-Geral da República a exumação dos restos mortais do ex-Presidente João Goulart e do ex-Governador Carlos Lacerda, para investigar se existem traços de veneno nestes corpos. Disse Milton Coelho que o seu pedido tem como base a constatação de que o ex-Presidente do Chile Eduardo Frei Montalva – que morreu após uma simples cirurgia de hérnia em 1982 – foi na verdade envenenado. O Juiz chileno Alejandro Madrid comprovou o envenenamento e indiciou seis pessoas de cumplicidade na morte, há menos de 30 dias. “Quero pegar carona no trabalho da ABI de pedir à Procuradoria-Geral da República investigações sobre as violações de direitos humanos na ditadura e solicitar que, aproveitando o que acaba de acontecer no Chile, sejam exumados os corpos de João Goulart e Carlos Lacerda, porque foram mortes de causas muito estranhas. Como a Dina chilena (Dirección de Inteligencia Nacional, polícia se-

creta do Chile, criada pelo ditador Augusto Pinochet) e os serviços secretos militares argentinos e brasileiros trabalhavam em comum acordo, temos todos o direito e dever de duvidar das razões dessas mortes”, disse Milton. Eduardo Frei Montalva foi Presidente do Chile de 1964 a 1970, eleito pelo Partido Democrata Cristão, e sucedido por Salvador Allende. Após o golpe de Estado comandado pelo General Augusto Pinochet, em 1973, Eduardo Frei tornou-se um opositor do regime. No final do ano de 1981, internou-se em uma clínica para a retirada de uma hérnia. Morreu no dia 22 de janeiro de 1982. Na época, o Governo Pinochet, que durou até 1990, anunciou a morte do ex-Presidente como conseqüência de uma infecção bacteriana. No dia 8 de dezembro de 2009 o Juiz Alejandro Madrid confirmou a morte por envenenamento. Ele revelou que as perícias efetuadas durante o processo judicial indicam que o falecimento foi provocado pela “introdução paulatina de substâncias tóxicas não convencionais e pela aplicação de um produto farmacológico não autorizado”.

Incúria da Cemig já matou 57 desde 2003

Rio Claro quer o corpo do poeta Fagundes Varela A ABI aderiu à Comissão de Honra de transladação dos restos mortais do poeta Fagundes Varela do cemitério de Maruí, em Niterói – onde Fagundes Varela morreu em 18 de fevereiro de 1875 –, para a cidade de Rio Claro, no interior fluminense, onde o poeta nasceu a 17 de agosto de 1841, na fazenda Santa Rita. O convite foi feito pelo Prefeito Raul Fonseca Machado. – Ainda estamos em conversação com o Prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, para realizarmos a transferência, mas decidimos antecipar um passo e convocar algumas personalidades de destaque no cenário nacional, para integrar a Comissão de Honra que cuidará da transferência. Além de Maurício Azêdo, Presidente da ABI, também foram convidados a integrar a Comissão Cícero Sandroni, Presidente da Academia Brasileira de Letras, cuja cadeira nº 11 tem como patrono o próprio Fagundes Varela; Jorge Fernando Loretti, Presidente da Academia Niteroiense de Letras (ANL); e Lucy Figueira Nery e seu filho Daniel Nery Zaccaro, trineta e tetraneto de Fagundes Varela, que são os únicos descendentes diretos do poeta. A Comissão de Honra irá atuar na

intermediação das negociações de transferência junto ao Governo de Niterói, decidir a data do translado e definir como será realizada a solenidade e a criação do memorial e da herma que abrigará os restos mortais do poeta. Fagundes Varela também atuou na imprensa na época em que cursava a Faculdade de Direito de São Paulo. Colaborou com o suplemento literário Revista Dramática, comandada por Peçanha Póvoa, em que também atuaram Joaquim Tito Nabuco de Araújo e Salvador de Mendonça. Em Rio Claro, em agosto, mês em que o poeta nasceu, todo ano é realizada a Semana Fagundes Varela. A homenagem inclui concurso de poesia e representações teatrais sobre a vida do homenageado, que já contaram com as participações dos atores Paulo Goulart e Cássia Kiss. Na Câmara Municipal é realizada sessão solene com outorga da Medalha do Mérito Fagundes Varela a personalidades que contribuíram de alguma forma para o desenvolvimento de Rio Claro, como já aconteceu com os jornalistas e escritores Marcelo Câmara e Emmanuel de Macedo Soares, especialistas na obra do poeta.

Esse é o custo da terceirização, denuncia sindicato de eletricitários de Minas O Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores da Indústria Energética de Minas Gerais-Sindieletro-MG encaminhou diversos ofícios à ABI relatando questões relacionadas com a categoria, em especial o aumento de casos de acidentes de trabalho relacionados à Companhia Energética de Minas Gerais-Cemig. Segundo o Sindieletro-MG, de 2003 até hoje 57 trabalhadores, 49 terceirizados, morreram vítimas de acidentes enquanto prestavam serviços para a Cemig. A ABI entrou em contato com a Cemig para apurar a posição da empresa diante das inúmeras denúncias. Através de sua assessoria de comunicação, a empresa informou que não comentará o caso. A denúncia do Sindieletro foi formalizada neste ofício dirigido à ABI em 24 de setembro passado: “O Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores da Indústria Energética de Minas Gerais-Sindieletro–MG, mais uma vez, encaminha correspondência com o objetivo de não somente denunciar os acidentes fatais ocorridos na Companhia Energética de Minas Gerais-Cemig com os trabalhadores de seu quadro próprio e terceirizado, mas buscando, principalmente, apoio para reduzir a zero estes acidentes. Vale ressaltar que os acidentes de trabalho trazem grandes prejuízos às famílias desses trabalhadores, aos cofres públicos e à sociedade. No dia 5 de setembro de 2009, Fernando Cardoso, empregado da empresa contratada pela Cemig CVL Construções Elé-

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tricas, exercendo suas funções de eletricista, saiu pela manhã para trabalhar no Distrito de Córrego Urucu, próximo a Porto dos Volantes, em um caminhão ano 92 da referida empreiteira, com uma turma de sete trabalhadores. Chegando à região do distrito de Santana do Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, o motorista perdeu o controle do veículo, abalroando-o na parede do imóvel, e vindo a falecer no local. Conforme o Boletim de Ocorrência, o caminhão, com 17 anos de uso, não apresentava condições de trânsito e a causa do acidente foi uma falha no sistema de freio. O Sindieletro/MG, através desta denúncia, busca o apoio da opinião pública e das autoridades para conter o descaso da Cemig com as condições de trabalho e a vida de seus trabalhadores. A terceirização – com a precarização da mão-de-obra, dos equipamentos e veículos utilizados pelas contratadas, as horas extras e a carga de trabalho excessiva – é a principal causa dos acidentes de trabalho. De 2003 até hoje, 57 trabalhadores morreram vítimas de acidentes enquanto prestavam serviços para a Cemig. Destes, 49 eram terceirizados. Isto posto, solicitamos, mais uma vez, que sejam tomadas as providências cabíveis para a apuração dos acidentes o quanto antes, para que não ocorram ouras perdas. Atenciosamente (a) Willian Vagner Moreira, Diretor e Coordenador-Geral; Argemiro Ferro Filho, Secretário de Saúde e Segurança no Trabalho.”

A vida de infortúnios, do calvário à bebida Filho de Emiliano Fagundes Varela e Emília Andrade, o poeta Luís Nicolau Fagundes Varela aos 11 anos de idade percorreu com a família os sertões do Brasil até se estabelecer na cidade de Catalão,GO. Devido às sucessivas transferências do pai, Juiz de Direito, Fagundes Varela residiu nas cidades fluminenses de Angra dos Reis e Petrópolis, onde concluiu os estudos nos cursos primário e secundário. Em 1859, mudou-se para São Paulo e três anos depois matriculou-se na Faculdade de Direito, mas nunca chegou a concluir o curso, devido à dedicação à sua vocação literária. No ano anterior, publicou Noturnas, seu primeiro livro de poesias. Depois vieram as obras O Estandarte Auriverde (1863), Vozes da América (1864) e Cantos e Fantasias (1865). Ainda em São Paulo, casou-se com a artista circense Alice Guilhermina Luande, com quem teve o primeiro filho, Emiliano, morto aos três meses de idade. A tragédia acentuou sua tendência à boemia e ao alcoolismo e o inspirou a compor o poema Cântico do Calvário (1863), considerado um dos mais importantes de sua obra. Com a morte da primeira esposa, retornou a Rio Claro e selou matri-

mônio com Maria Belisária de Brito Lambert, com quem teve duas filhas e um filho, também morto precocemente. Em 1870, passou a viver em Niterói, onde morreu de apoplexia cinco anos mais tarde. Seus restos mortais se encontram atualmente no Cemitério de Maruí. A bibliografia de Fagundes Varela ainda inclui Cantos Meridionais (1869), Cantos do Ermo e da Cidade (1869), Anchieta ou Evangelho na Selva (1875), Cantos Religiosos (1878) e Diário de Lázaro (1880).


LITERATURA

Scliar, o Jabuti de Ficção 2009 Romancista gaúcho recebe a maior láurea num ano em que o prêmio teve 2.574 inscritos. DIVULGAÇÃO

POR CLAUDIA SOUZA

Cerca de 1.300 pessoas prestigiaram na noite de 4 de novembro a cerimônia de entrega do 51º Prêmio Jabuti, um dos mais importantes da literatura brasileira, organizado pela Câmara Brasileira do Livro-CBL. A solenidade, conduzida pelo jornalista e crítico de cinema Rubens Ewald Filho, foi realizada na Sala São Paulo, no Centro da capital paulista. Mais de 50 jornalistas de todo o País participaram da cobertura do evento, que teve como grande estrela o escritor e acadêmico Moacyr Scliar, vencedor do Melhor Livro de Ficção do Ano e da categoria Romance com o livro Manual da Paixão Solitária, editado pela Companhia das Letras. Os ganhadores das 21 categorias foram recebidos no palco da Sala São Paulo por Rosely Boschini, Presidente da CBL; José Luiz Goldfarb, curador do Prêmio Jabuti; Marcelo Almeida, Deputado federal e Presidente da Frente Parlamentar da Leitura; e, representando o Prefeito Gilberto Kassab, Carlos Calil, Secretário de Cultura do Município de São Paulo. Além de Scliar, brilharam Marisa Mojolo e João Luís Ceccantini, que conquistaram o Prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano de Não-Ficção, com a obra Monteiro Lobato: Livro a Livro (Unesp/ Imprensa Oficial), que também venceu na categoria Teoria/Crítica Literária. – Gostaria de mencionar a Câmara Brasileira do Livro, que consolidou este prêmio como Oscar literário – destacou Moacyr Scliar no discurso de agradecimento. O estímulo do Prêmio Jabuti à pesquisa acadêmica foi exaltado por Marisa Mojolo, que contou com o envolvimento de 50 pesquisadores de diversas universidades brasileiras para traçar o panorama da obra infantil escrita por Monteiro Lobato. – A idéia do livro nasceu de pesquisa desenvolvida pela Unicamp e Unesp, com o apoio da Fapesp. É uma alegria vencer com este trabalho acadêmico coletivo. O livro foi produzido por jovens mestrandos e doutorandos e publicado por uma editora universitária, a Unesp, e por uma editora pública – a Imprensa Oficial. Escrever, um delírio A cerimônia foi marcada por intervenções literárias do ator Mauro Mendonça, que fez a leitura de trechos de obras de escritores de destaque como Euclides da Cunha – cujo centenário de morte foi brindado com diversas homenagens ao longo de 2009 – e de vencedores da 51ª edição do Prêmio Jabuti, como Moacyr Scliar e Fabricio Carpi-

Premiado por seu romance Manual da Paixão Solitária, Moacyr Scliar recebeu o Prêmio Jabuti como uima espécie de Oscar literário: é a maior láurea da área cultural do País.

nejar, 1º lugar na categoria Contos e Crônicas, com o livro Canalha! – crônicas, da Editora Bertrand Brasil. – Este prêmio não é para prender o papel e sim para libertar o papel. Me deixa mais inconsciente, aumenta o delírio de escrever. É uma vaidade, mas uma vaidade bem dosada que faz bem e exercita a alma crítica. É uma demonstração do retorno do leitor e da crítica. Perante este reconhecimento, não há como não morder o lábio – afirmou Carpinejar. Vanessa Bárbara, autora de O Livro Amarelo do Terminal (Cosac Naify), 1º lugar na categoria Reportagem, também sublinhou o incentivo resultante da conquista da tradicional premiação: – Receber o Jabuti estimula e dá a vontade de continuar a escrever. E não

apenas para mim, mas para outros autores como eu. Dumas, pela Zahar Em razão das celebrações oficiais do Ano da França no Brasil, a organização do Prêmio Jabuti criou a categoria Melhor Tradução de obra literária francês-português, exclusivamente para esta edição. Segundo Rosely Boschini, Presidente da CBL, o francês é a segunda língua mais traduzida no mercado editorial brasileiro, que conta com uma fatia de 30% de obras estrangeiras. O livro vencedor foi O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, traduzido por André Telles e Rodrigo Lacerda, pela Jorge Zahar Editora. O segundo lugar ficou com Topografia ideal para uma agressão caracterizada,

de Rachid Boudjedra, com tradução de Flávia Nascimento, pela Editora Estação Liberdade. Em terceiro lugar, A elegância do ouriço, de Muriel Barbery, traduzido por Rosa Freire d’Aguiar, pela Editora Schwarcz. O Presidente do Comissariado Brasileiro do Ano da França no Brasil, Danilo Santos de Miranda, comentou o caráter singular da participação no prêmio: – O fato de se homenagear uma obra francesa por ocasião da entrega desse tradicional prêmio é sem dúvida uma ocasião muito especial. O Ano da França no Brasil se sente muito bem homenageado e representado por integrar esta que é a grande celebração do livro e na literatura no Brasil. O adido de Cooperação e Ação Cultural do Consulado da França em São Paulo, Jean-Martin Tidori, afirmou que a participação francesa no Jabuti vai contribuir para o crescente interesse do público brasileiro por livros franceses. – É muito importante participarmos da tradição desse evento, já que o francês faz parte das raízes da literatura e cultura brasileiras. O adido para a promoção do livro do Consulado-Geral da França no Rio de Janeiro e Diretor da Mediateca da Maison de France, Jérémie Desjardins, elogiou a oportunidade lembrando ser a primeira oferecida pelo Jabuti a um país estrangeiro. – Cerca de 500 títulos franceses são comprados por ano pelo mercado nacional, o que não significa que são publicados. O projeto do Ano da França no Brasil contribuiu com a compra de mais 100 deles, aumentando significativamente a fatia das obras francesas no circuito. Recorde, mesmo com crise O curador do Prêmio Jabuti José Luiz Goldfard comemorou o recorde de inscrições em um ano de crise econômica, que totalizou 2.574 participantes, o que representa um crescimento em torno de 20% em relação à edição 2008: – Além do recorde de inscritos, mantivemos a qualidade, pois as disputas foram bem acirradas, os jurados tiveram dificuldades para definir os ganhadores. Em relação ao Ano da França no Brasil, a influência francesa faz parte de nossa cultura. O Jabuti se mostrou antenado ao criar uma categoria só para este ano. Tanto nas obras que ganharam quanto nas que perderam houve uma variedade de clássicos traduzidos por nomes de altíssimo nível. Mostra a presença atual dos autores franceses, sem ficar só nas grandes referências do passado. A lista completa dos vencedores pode ser acessada no site www.cbl.org.br. Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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LANÇAMENTO

A arte de pensar o cinema O crítico Celso Sabadin premia o público com dois livros que abordam a história da Sétima Arte e suas relações com a sociedade.

O jornalista Celso Sabadin costuma dizer que em sua vida o cinema não é trabalho, é prazer. Ainda assim, quando trata da Sétima Arte não se limita à diversão; para ele, o cinema deve ser pensado e estimular o público a pensar. Essa marca, que o acompanha desde suas primeiras críticas em 1979 até os recentes cursos livres que promove desde 2003, está presente também em seus dois últimos livros, ambos nas livrarias desde o fim do ano passado: o novíssimo Francisco Ramalho Jr. – Éramos Apenas Paulistas (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo) e, em nova edição, Vocês Ainda Não Ouviram Nada – A Barulhenta História do Cinema Mudo (Summus Editorial). Fazendo uma junção entre História, jornalismo e cinema, ele escreve não apenas para os aficionados, mas para aqueles que desejam conhecer melhor o processo de como a vida real imita a tela e vice-versa. Em Éramos Apenas Paulistas, mais um volume da Coleção Aplauso, Sabadin conta um pouco da trajetória do cineasta, diretor e produtor Francisco Ramalho Jr., uma das figuras mais importantes do cinema paulista e brasileiro das últimas décadas. Ramalho Jr. produziu obras como O Contador de Histórias, de Luiz Villaça, O Casamento de Romeu e Julieta, de Bruno Barreto, O Beijo da Mulher Aranha e Brincando nos Campos do Senhor, ambos de Hector Babenco. Entre as películas que dirigiu estão Canta Maria, Besame Mucho, O Cortiço e À Flor da Pele.

Uma das cenas mais famosas de Harold Lloyd

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sabe ao certo quando começou sua relação com o cinema. Mas desde pequeno, quando costumava folhear revistas e jornais, já trazia consigo uma certeza: queria ser jornalista e crítico de cinema. Entretanto, começou trabalhando na área de publicidade. Foi apenas quando concluiu a graduação em Jornalismo, em 1979, que se especializou e começou a fazer matérias e críticas sobre as mais diversas películas. Entre os veículos em que trabalhou estão os jornais Folha da Tarde, O Estado de S. Paulo, Jornal do Vídeo e Folha de S. Paulo; as revistas Claudia, Vídeo Business, Íris Foto, Vídeo News, MovieStar e Ver Vídeo. Além disso, produziu e apresentou programas sobre trilhas sonoras de cinema nas rádios Usp, Brasil 2000 e 89 FM e apresentou prograSabadin e seus dois livros: um panorama do cinema mas de televisão na Rede Banpaulistano e brasileiro e o resgate do cinema mudo. deirantes, BandNews e Canal 21. Em 1985, ele criou o Planeta Tela, uma empresa para dar asses– Conheci o Ramalho em 79, quansoria de imprensa a filmes nacionais e do trabalhávamos em um cursinho préfestivais de cinema. Oito anos depois, vestibular em São Paulo. Ele, também além de ganhar a internet como um site engenheiro, era professor ali e eu, ressobre cinema, o Planeta Tela tornou-se ponsável pelo jornal interno. Fizemos um centro de difusão cultural, abrinamizade, mas com o passar do tempo do um espaço na capital paulista, onde acabamos nos afastando. Quando o o próprio Sabadin organiza e ministra Rubens Ewald Filho, Coordenadorcursos livres. Geral da coleção Aplauso, apresentouFoi a partir de uma das disciplinas, a me o convite para ser um dos escritoHistória do Cinema, que Sabadin dava res nesse projeto de resgate da históantes mesmo do surgimento do espaço ria cultural brasileira, na mesma hora cultural, que surgiu a idéia de escrever sugeri fazer algo sobre a vida do RamaVocês Ainda não Ouviram Nada: lho. Conhecia a riqueza do personagem – Havia uma grande dificuldade para e ainda teria a oportunidade de me reos alunos entenderem o cinema mudo. aproximar dele – lembra Sabadin. Primeiro, pela inexistência de livros Como outros volumes da mesma sobre o tema em português. Mas tamcoleção, Éramos Apenas Paulistas não é bém por um certo preconceito. Ao faestritamente uma biografia. Misto de lar em cinema mudo, muita gente torce memórias e perfil, a obra levou cinco anos o nariz, pensando que se trata de uma para ser escrita. Em parte porque Ramapré-história ou de um subdesenvolvilho tinha uma agenda sempre apertada mento se comparado às grandes e ou porque costumava pedir longos temmodernas produções. Não sabem que pos para refletir sobre cada situação de a base do cinema se estabeleceu ali. As sua vida. Sabadin não se opunha: aproboas idéias, que valem até hoje, surgiveitava cada oportunidade para absorram naquela época. Algumas coisas ver tudo o que podia. O resultado é um foram aprimoradas, sim, mas a maior belo panorama da indústria cinematoevolução foi mesmo tecnológica, com gráfica brasileira nos últimos tempos, o som e as cores. com reflexões que vão desde a importância da Vera Cruz ao papel dos filmes Chaplin, Griffith, Valentino na época da ditadura militar. Para resgatar a história de filmes mudos, bastidores das produções e hisCorinthians, cinema e jornalismo tórias interessantes sobre Charles ChaComo a paixão pelo Corinthians, plin, O Gordo e O Magro, Greta Garbo, seu time de coração, Celso Sabadin não DIVULGAÇÃO

POR MARCOS STEFANO


Dois dos mais importantes filmes já produzidos na história do cinema são da era do cinema mudo: Tempos Modernos, de Chales Chaplin, e Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein.

Rodolfo Valentino, D. W. Griffith, Thomas Edison, Georges Méliès, os irmãos Warner e tantos outros, Sabadin usa um texto simples e divertido, característica que o acompanha e que foi fundamental para seu sucesso na televisão. Ele é atencioso e simpático na frente e atrás das câmeras, escrevendo ou conversando com as pessoas. Mas em Vocês Ainda não Ouviram Nada não se limita a divertir ou apenas sumariar uma série de invenções. Ao falar do nascimento do cinema nos Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Rússia, Austrália e Brasil, ele também contextualiza os momentos marcantes com o cenário histórico e traça as conseqüências para o mundo das artes. Assim, ao falar sobre o aparecimento do star system, a criação da linguagem cinematográfica, das técnicas de animação e das salas de exibição, também aborda o surgimento das primeiras leis, a relação do cinema com o Estado e, especialmente, a descoberta do fascínio da arte sobre as massas e como regimes democráticos e autoritários se aproveitaram disso. A nova edição, que foi revisada, ampliada com novas fotos, ilustrações e informações e teve alguns trechos reescritos, dá especial atenção a essas relações. Celso Sabadin não deve parar por aí. Mesmo com uma série de compromissos – além das aulas, é crítico na TV Gazeta, escreve para os sites Cineclick, Yahoo, 100% Vídeo e Planeta Tela, para a publicação Revista de Cinema, continua na programação da Rádio Bandeirantes e é curador de festivais de cinema –, ele prepara uma análise aprofundada sobre os 32 filmes estrelados por Mazzaropi. Uma máxima ainda atual Em tempos de revolução 3D nos cinemas, Sabadin ainda faz uma análise entre os modernos blockbusters como Avatar e os grandes clássicos do passado:

Os primeiros desenhos animados, como Oswald, the Lucky Rabbit, personagem Disney pré-camundongo Mickey, e os impagáveis Laurel & Hardy são lembrados em Vocês Ainda Não Ouviram Nada. Ao lado, Maria de Medeiros e o menino Marco Antônio no filme O Contador de Histórias, produzido por Francisco Ramalho Jr.

– Estamos presenciando uma mudança técnica, mas não de formato ou conteúdo. É boa, porém mais uma exigência do mercado para segurar a pirataria. Não acredito naquela história de que “não se fazem mais filmes como antigamente”: existem novas e surpreendentes produções, tão exuberantes quanto os clássicos do passado. A verdade é que a máxima de que para um bom filme é preciso apenas uma câmera na mão e uma boa idéia na cabeça ainda continua valendo. Precisamos de boas idéias e uma platéia que queira mais do que apenas assistir. Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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FOTOS: DIVULGAÇÃO

Repórter, homem de Redação, mais do que empresário e dono de jornal, Samuel ia às oficinas para acompanhar o fechamento e impressão dos jornais que fazia, como UH.

Uma viagem no tempo da Última Hora Com pesquisa, depoimentos e sobretudo com o que gravou na memória, Benício Medeiros narra o colapso e a agonia do jornal de Samuel Wainer. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

A oportunidade de escrever A Rotativa Parou – Os Últimos Dias da Última Hora de Samuel Wainer (Ed. Civilização Brasileira, 2009), do jornalista Benício Medeiros, que é Conselheiro e Diretor de Jornalismo da ABI, que acaba de chegar as livrarias, é descrita pelo autor como um prazeroso retorno ao período em que dava os seus primeiros passos no jornalismo, na Redação do jornal criado por Samuel Wainer. A obra é um relato bem estruturado sobre os últimos anos de funcionamento da Última Hora, que sofreu um duro revés com a ditadura militar implantada no País com o golpe de 1964, que praticamente decretou a sua venda em 1971. Diz Benício Medeiros que um dos principais motivos que o levou a escrever o livro foi o fato de ter testemunhado um episódio que ele considera importante para o conhecimento da nova geração de jornalistas: – A partir do momento que a gente se torna testemunha ocular da História certas coisas podem ter importân36

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cia para as novas gerações. De início eu pensei em escrever um artigo para o Jornal da ABI, dando um testemunho do que foi o jornal Última Hora do Samuel Wainer. Mas foram surgindo tantas lembranças que eu senti a necessidade de contextualizá-las historicamente e assim nasceu a idéia do livro. Nessas lembranças de Benício Medeiros contadas no livro aparece o período em que Samuel Wainer era o diretor da revista Diretrizes, que circulou durante o Estado Novo: – Era uma publicação voltada para os problemas da realidade brasileira, que tinha como colaboradores Aníbal Machado, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Joel Silveira e o próprio Carlos Lacerda, que veio a se transformar em inimigo do Samuel. Diretrizes deixou de circular porque publicava matérias que não agradavam ao Governo Getúlio. Curiosamente, conforme registrado no livro, para fundar a Última Hora Samuel Wainer contou com o beneplácito do próprio Getúlio Vargas, de quem se aproximara quando era repórter de O Jornal e fez com o ex-Presidente a fa-

mosa entrevista que gerou a matéria Eu voltarei como líder das massas. Benício Medeiros diz que considerava Samuel Wainer um visionário, que depois da fundação da Última Hora no Rio, em 1951, lançou o jornal em São Paulo e acabou, na década de 1960,

controlando uma rede que fazia circular o jornal em sete Estados do País: – O golpe de 64 veio para acabar com o seu sonho, mas ele também não media muito as conseqüências e construiu um império de alicerces claudicantes na base do improviso, até que depois de muitas tentativas, inclusive do exílio, de manter o jornal, com a ditadura militar a Última Hora foi decaindo até ser golpeada definitivamente em 1971. Autor do texto da orelha do livro, o jornalista Jânio de Freitas escreveu que não se trata de um livro de memórias, mas de lembranças de um jovem jornalista “perceptivo, talentoso e consciente” que “colhe aqui uma figura interessante, ali uma tarefa, um episódio interno, ora um boato, ora histórias, o cômico e o dramático, o lamentável e o saudoso, as tensões infinitas – e aí estão as pinceladas que afiguram a vida de redação”. Para o colunista da Folha de S.Paulo, o livro de Benício Medeiros ressalta um singular depoimento de alguém que experimentava um momento singular da sua vida como profissional, bem como as situações graves e dramáticas


que levaram ao fechamento do jornal, com espaço para aquelas que podem ser consideradas como cômicas, que ele também testemunhou. No momento em que a prática jornalística vem passando por significativas transformações tecnológicas e crescem também as discussões sobre os padrões éticos, o cenário traçado por Benício Medeiros sobre a Última Hora funciona como uma viagem no tempo, por meio dos episódios relatados pelo autor sobre o dia em que a rotativa do jornal parou. Vejamos então como a cena é contada pelo próprio Benício Medeiros: “A paciência da redação ia-se esgotando. E decidiu-se por uma paralisação, no horário do fechamento, em sinal de protesto contra uma situação que se revelava insustentável. Coisa inédita em quase vinte anos de contínua atividade: a Redação da UH, nesse dia, parou por um interminável minuto. Samuel trabalhava normalmente no seu aquário, subindo e descendo os seus óculos como sempre, quando percebeu uma estranha calmaria. Levantou-se e viu a cena chocante. Estavam todos de pé, num silêncio lutuoso, pois nada, na verdade, precisava ser dito. Samuel parecia não acreditar no que via, disfarçava, não sabia onde pôr as mãos, o que dizer ou fazer. Me deu pena ver o seu olhar atônito, por trás do vidro do aquário. Não era o olhar do patrão nem do jornalista, mas o olhar de um homem comum diante da própria ruína, diante do fim da sua grande aventura.” Para chegar ao bom resultado que conseguiu alcançar para contar o pior momento vivido pela Redação da Última Hora, Benício pesquisou e colheu depoimentos para resgatar fatos e nomes relevantes à época e fez uma preciosa seleção de fotos, inéditas ou pouco conhecidas, que ilustram o livro: – Recorri a alguma pesquisa e a alguns pouco depoimentos, mas o que tenho de verdade a acrescentar a tudo o que já se escreveu sobre a Última Hora é pura matéria de memória – diz Benício. – Um material precioso para quem quer conhecer um pedaço importante da História recente do Brasil. Depois de sua passagem pela Última Hora, Benício Medeiros atuou em algumas das Redações mais importantes do Rio de Janeiro. Entre outras funções, foi repórter e crítico literário da revista Veja, redator da revista IstoÉ, editor do Jornal da Globo, editorialista do Jornal do Brasil e editor-executivo da revista Manchete. Atualmente, é Conselheiro e Diretor de Jornalismo da ABI e editor da Revista do Livro da Biblioteca Nacional. É autor de A Poeira da Glória (Relume Dumará, 1998) e Brilho e Sombra (Bem-Te-Vi, 2006), sobre a vida e obra de Oto Lara Resende.

O poderio de UH como jornal popular e como empresa, visível na numerosa frota de veículos que possuía, atraía a ira dos conservadores e a admiração dos setores democráticos, que organizavam atos em que Samuel se fazia presente. Daí a fúria com que os golpístas e seus partidários agiram contra o jornal já nas primeiras horas do golpe.

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Livros

O sonho de liberdade de João Cândido em edição atualizada Obra de Edmar Morel ganha ilustrações e notas explicativas de seu neto, historiador Marco Morel. POR BERNARDO COSTA E M ARCOS S TEFANO

“Sou o Almirante Negro, um bravo feiticeiro, o grande dragão do mar. Não é ilusão o que vocês verão. A Marinha tinha preconceitos e injustiças; e, nos pampas, minha infância foi trocada por batalhas imortais, me revoltando no navio Minas Gerais. Na batida do tambor, ô, ô, ô, o lamento se escondia, lá laiá. E na chibata do senhor, o movimento de revolta se expandia. Assim, o tal Catete enganava o mundo inteiro com a anistia aclamada. Na Ilha das Cobras, a vingança foi voraz; ignoraram a bandeira da paz. E o sofrimento rumo à Amazônia selava o destino, fim da vida ou escravidão. Glória ao nosso povo brasileiro, meu sonho hoje é verdadeiro. Sou mestre-sala João Cândido, o guerreiro.” “Quem será este crioulo? Este herói popular? Que João Bosco cantou, para quem Morel arrumou, na História um lugar.” Cantado na forma de samba pela Camisa Verde e Branco, no desfile das escolas de São Paulo, em 2003, e de cordel, com uma composição de Clóvis Correia,

que foi editada em 1982, pelo movimento dos religiosos, seminaristas e padres negros do Rio de Janeiro, o marinheiro João Cândido Felisberto provoca controvérsias há quase um século. Em 1910, ele liderou a rebelião de 2.300 marujos contra os maus-tratos que sofriam os praças da Marinha de Guerra do Brasil, exigindo o fim dos castigos físicos com chibatadas ou chicotadas, melhoria na alimentação e anistia para os revoltosos. Até hoje a Revolta da Chibata é encarada como um verdadeiro tabu na História brasileira. Se para muita gente João Cândido e seus companheiros são verdadeiros heróis nacionais, isso se deve muito a um livro publicado pela primeira vez há exatos 50 anos. Não apenas isso: mesmo o nome pelo qual o movimento ficou consagrado só começou a ser usado depois do lançamento de A Revolta da Chibata, do jornalista Edmar Morel. Agora, o livro ganha uma nova edição comemorativa pela Editora Paz e Terra, organizada pelo neto do jornalista, o historiador Marco Morel. Além da narrativa original da revolta, escrita por Morel em forma de repor-

tagem, o novo volume traz diversos outros conteúdos. A começar por um rico acervo iconográfico, com fotos e ilustrações inéditas ou que até então não tinham sido devidamente identificadas. Além disso, são incorporadas na forma de anexos as memórias de João Cândido, o testemunho de um dos advogados dos rebelados, Evaristo de Moraes, e o texto do comandante Luís Alves de Oliveira Bello, que se tornaria uma espécie de contraversão oficial da Marinha. Marco Morel, mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, acrescentou um texto de apresentação e diversas notas de rodapé que explicam alguns trechos e situam o leitor, contextualizando o relato: – A prática dos castigos corporais era uma tradição arraigada na Marinha em vários países. Mas em 1910 apenas o Brasil ainda mantinha a chibata como instrumento punitivo da marujada. E os oficiais não estavam interessados em negociar essas relações. A mentalidade escravocrata ainda se encontrava forte naquela sociedade oligárquica recém-saída da escravidão – explica ele.

Um alvo: o Rio de Janeiro Enquanto o Marechal Hermes da Fonseca tomava posse na Presidência da República, em 15 de novembro de 1910, os praças da Marinha de Guerra, muitos deles negros e mulatos, planejavam a insurreição contra os maustratos conduzidos por uma oficialidade na maioria branca. Os castigos variavam da prisão na solitária por quase uma semana às chibatadas. Faltas graves chegavam a ser punidas com 25 açoites. A revolta foi precipitada pela punição aplicada ao marinheiro Marcelino Rodrigues. Ele teria trazido para bordo de seu navio, o encouraçado Minas Gerais, uma garrafa de cachaça e ferido com uma navalha o cabo que o denunciou. Foi sentenciado não a 25, mas a 250 chibatadas, na presença de toda a tropa e ao som de tambores. O motim agravou-se com a morte do comandante do navio e mais três oficiais. Já na Baía da Guanabara, os revoltosos conseguiram o apoio dos marinheiros dos encouraçados São Paulo e Deodoro, do cruzador Bahia e de outras quatro embarcações. Caso não fossem cumpridas suas reivindicações, os revoltosos ameaçaram bombardear a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Diante da gravidade da situação, Hermes da Fonseca resolveu aceitar o 38

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ultimato dos revoltosos. No entanto, logo depois de os marinheiros entregarem as armas e embarcações, o Governo expulsou alguns deles das Forças Armadas. Com o aumento dos boatos e da insatisfação, os fuzileiros fizeram novo levante na Ilha das Cobras, sendo duramente reprimidos. Presos nos calabouços da Fortaleza de São José das Ilhas das Cobras, diversos marinheiros morreram com as condições desumanas a que eram submetidos. Outros foram enviados para a Amazônia, onde deveriam prestar trabalhos forçados na produção de borracha. João Cândido foi expulso da Marinha e internado como louco no Hospital de Alienados. Em 1912, foi absolvido junto com outros marinheiros que participaram da revolta. Apesar disso, a vida nunca mais foi a mesma. Até sua morte, João Cândido enfrentou discriminação, quando não perseguição. O Almirante Negro, como se tornou conhecido na época da revolta por causa das reportagens publicadas pelos jornais, sustentava-se vendendo peixes na Praça XV. Subversivos e terroristas – A Revolta da Chibata colocou abaixo todo um sistema de dominação, causando um trauma nos setores mais con-

servadores e preconceituosos da sociedade brasileira. Tanto que é encarada como tabu até hoje. No ano passado, a Marinha de Guerra divulgou uma nota, publicada na Folha de S. Paulo pelo jornalista Marcelo Beraba, repudiando o episódio e utilizando os mesmos termos preconceituosos do passado. A mesma versão anteriormente publicada no livro A Revolta dos Marinheiros de 1910, do ViceAlmirante reformado e empresário Hélio Leôncio Martins. Nesse livro, de 1988, ele condena os abusos e a violência dos dirigentes da Marinha, mas qualifica os revoltosos como “subversivos e terroristas” – afirma Marco Morel. Foi justamente essa visão conservadora que Edmar Morel contestou em seu livro. Ao escrever A Revolta da Chibata, ele assumiu uma posição clara, que considera o movimento como um ato em busca da dignidade humana e de justiça social. Nele, os marinheiros negros e pobres são protagonistas dos acontecimentos. Morel decidiu dedicar-se ao tema há 50 anos, depois de perceber que todas as tentativas de escrever sobre a revolta tinham sofrido represálias, principalmente durante o Estado Novo, um tempo em que era formalmente proibido falar no assunto.

O livro foi objeto de crônicas de Rubem Braga, Sérgio Porto – o Stanislaw Ponte Preta –, Paulo Mendes Campos, Raimundo Magalhães Júnior, Joel Silveira e Eneida de Morais. Esteve na lista dos mais vendidos ao lado de Gabriela, Cravo e Canela. Compareceram à noite de autógrafos e cumprimentos Jorge Amado, Vinícius de Morais, Manuel Bandeira e Clarice Lispector. João Cândido considerava-o a “minha história”. Tudo isso não foi suficiente para evitar as dificuldades que cercaram o lançamento das novas edições, sempre atualizadas pelo autor. As mesmas dificuldades perseguiriam Edmar Morel. Com o golpe militar de 1964, o jornalista teve seus direitos cassados a pedido de oficiais da Marinha. Sofreu uma série de sanções e não mais conseguiu se manter trabalhando como repórter. Passou a se sustentar trabalhando como relações-públicas. Mas com orgulho dizia, como João Cândido, que faria tudo novamente. Sem hesitação. Poucos movimentos identificam-se de maneira tão significativa com as lutas contra a escravidão realizadas pelas camadas pobres da população quanto a Revolta da Chibata. Por causa dessa ligação, João Bosco e Aldir Blanc disseram nos versos iniciais de O Mestre-Sala dos Mares: “Há muito tempo nas águas da Guanabara, o Dragão do Mar reapareceu”. “Dragão do Mar” era o apelido do jangadeiro Francisco José do Nascimento, o Chico Matilde, que foi um dos líderes do movimento que levou à abolição da escravidão no Ceará, em 1884. Anos depois, esse “dragão” reapareceria nas águas da Guanabara na “figura de um bravo marinheiro”. – Esse simbolismo permanece nos dias de hoje. Relembrar as lutas daqueles marinheiros ajuda a compreender problemas ainda inquietantes para a sociedade brasileira, como o racismo, a desigualdade social, a violência cotidiana do Estado sobre as camadas mais pobres da população e a falta de democracia nas Forças Armadas. Sem esquecer do mito que ainda permanece de que existe uma tradição ordeira, pacífica e conciliadora na História do Brasil – diz Marco Morel. (Bermardo Costa)


A edição de 15 de dezembro do jornal A Gazeta, de São Paulo, noticia que a Capital do País está “sobre um vulcão”: censura à imprensa e suspensão das garantias constitucionais. Abaixo, um recorte da mesma edição informa que um tenente da Armada foi morto num combate de bordo.

HISTÓRIAS QUE A IMPRENSA CONTOU Jornais da época noticiaram a rebelião com preconceito, hostilidade e ironia. Quem leu as reportagens nos grandes jornais ou assistiu às matérias produzidas pelas redes de televisão por ocasião da anistia póstuma concedida a João Cândido e aos demais marinheiros pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho de 2008, surpreendeuse positivamente. O tratamento dado na atualidade pela imprensa nacional aos participantes da Revolta da Chibata, de 1910, em nada lembra aquilo que foi dito há quase um século sobre o movimento. Com uma ou outra exceção – e aí se inclui o Correio da Manhã, que realizou uma cobertura mais imparcial, rechaçando veementemente a violência contra os revoltosos já anistiados –, a grande maioria dos veículos estimulava o clima de medo e apreensão que reinava na capital federal, adotava tons oficialescos em suas páginas e, não raro, ironizava João Cândido, hora com charges e caricaturas, hora chamando-o de “almirante”, assim mesmo, entre aspas. – Os jornais extravasavam muito preconceito racial nessas ilustrações e em seus artigos e editoriais. Isso ficou muito claro nas últimas pesquisas que fiz para o Projeto Memória João Cândido – A Luta Pelos Direitos Humanos. O conservadorismo que domina nossa imprensa não é de hoje – afirma o historiador Marco Morel, organizador da nova edição do livro A Revolta da Chibata. No período, a chefatura de polícia do Rio de Janeiro enviou aos jornais uma circular “recomendando tranqüilidade à imprensa”: “A polícia aconselha à imprensa, na vigência do estado de sítio, abster-se de propagar quaisquer versões capazes de concorrer para a intranqüilidade pública; comedimento na análise da situação que o País atravessa; e que serão submetidos à censura os editoriais que se refiram à rebelião”.

A reação de alguns jornais, como o Diário de Notícias, foi publicar em branco os espaços reservados aos editoriais. A censura incomodava também nas províncias. “Continua o Governo a exercer rigorosa censura nos serviços telegráficos. Os despachos, para serem transmitidos, são previamente visados. A transmissão tem sido, por isso, nestes dois últimos dias, de uma enorme lentidão. Ora, essa censura que prejudica enormemente não só a imprensa, como o público em geral, é de efeito negativo. Pesa sobre a capital federal uma atmosfera cheia de apreensões. Ninguém sabe, ao certo, o que paira no ar”, reclamou A Gazeta, em São Paulo, no dia 14 de dezembro de 1910. Por outro lado, o tratamento dado aos revoltosos na maioria dos veículos era declaradamente negativo, beirando tons de ameaça. Jornais falavam em “terror” e diziam que “o Rio de Janeiro estava sobre um vulcão”. O Malho denotou racismo ao publicar uma caricatura de um enorme “Almirante Negro” com um lenço vermelho e postura displicente, detalhes que o associavam aos “malandros” da época. Ao lado dele e batendo continência, um diminuto almirante branco. Era a tal “disciplina invertida”. Durante o auge da revolta, quando a cidade estava sob a mira dos canhões dos navios, O Paiz, um dos mais influentes diários da época, publicou um telegrama enviado ao Marechal Hermes da Fonseca por um representante da Guarda Nacional, na certeza de que influiria no ânimo da marujada rebelada: “Ponho à disposição de Vossa Excelência, para a defesa da República, um inflamável de minha invenção, com que, bombardeado, qualquer navio tornar-se-á inabitável em poucos minutos e cuja ação não poderá ser impedida senão por quem conheça sua técnica”. Puro disparate. A situação era mesmo dramática, mas para quem não tinha medo de falar a verdade. Em A Revolta da Chibata, Edmar Morel conta como João Cândido encontrou na prisão no 1º Regimento de Infantaria um de seus amigos de infância: “De tanto apanhar, ficou com um olho vazado e várias costelas quebradas. Não recebeu socorro médico e, em conseqüência dos maus-tratos, faleceu

no calabouço”. Seu crime? Exaltar a revolta de novembro, bem em frente do edifício da Gazeta de Notícias. Pior foi a posição dos jornais conservadores diante da anistia concedida pelo poder público: “O Governo suicidou-se e nunca mais recuperará o nome perdido. A nódoa de covardia não há benzina que a tire, e o estado sanitário governamental é comparável ao dos enfermos atacados pelo mais característico dos sintomas de cólera”, escreveu o jornal católico Universo. A Fanfulla, jornal italiano de São Paulo, foi na mesma toada: “É bem doloroso para um país forte e altivo ter de sujeitar-se às imposições de 700 ou 800 negros e mulatos que, senhores dos canhões, ameaçaram a capital da República”. No exterior, como aqui, o episódio tinha grande repercussão, mas a imprensa reproduzia semelhantes discursos. “O Governo preferiu como solução a capitulação integral. Uma paz conquistada a esse preço não é muito gloriosa”, afirmou o jornal francês Liberté. Versões e memórias Apesar de adotar essa orientação, a imprensa também teve em outras oportunidades papel importante na denúncia de atrocidades e da injustiça cometida com os marinheiros. O jornal A Gazeta, de São Paulo publicou no dia 15 de dezembro o relato de um jornalista que havia presenciado os castigos físicos a bordo de um scoout: “No tombadilho, sob os ardores da canícula, um marinheiro gemia sob ferros. Do seu rosto transpareciam os sofrimentos atrozes por que havia passado. Parece mesmo que a chibata aviltante lhe vergastara, na véspera, o dorso nu”. Ao noticiar o julgamento de Dilermando de Assis pelo assassinato do escritor Euclides da Cunha, a mesma A Gazeta mais uma vez criticou o tratamento dado à imprensa liberal: “A suspensão das garantias constitucionais pesa também sobre a imprensa, que não tem liberdade de externar-se sobre a situação, de veicular para suas colunas os nomes dos inúmeros encarcerados, bem como os fatos do dia. Os corresponden-

tes dos jornais de S. Paulo na capital federal estão incluídos no rol dos perigosos. A polícia vigialhes todos os passos, prontos a deitar-lhes as garras, na primeira oportunidade”.. Apesar de tudo, é devido a posições como esta que as memórias pessoais do marinheiro João Cândido ainda podem ser lidas. Em entrevista a Edmar Morel para o livro A Revolta da Chibata, o ex-marujo afirma que suas memórias, escritas logo após o movimento, haviam se perdido. Mas, na verdade, antes que isso acontecesse, elas foram publicadas, no fim de 1912 e começo de 1913, pela Gazeta de Notícias. Nestas memórias, ele confirma aspectos já tratados e esclarece outros, até então desconhecidos, até mesmo dos estudiosos. Logo no começo, o jornalista – que não se identifica – afirma que as memórias não foram escritas “de afogadilho”, mas ditadas em duas etapas: primeiro no Hospital dos Alienados e depois em outro hospital no qual João Cândido esteve quando voltou à prisão na Ilha das Cobras. O redator afirma que já tinha o material há mais de um ano e estava apenas aguardando o melhor momento para sua publicação. E essa oportunidade veio com a libertação do marinheiro. – As memórias saíram em 12 capítulos no jornal. Encontrei esse material na Biblioteca Mário de Andrade, no Centro de São Paulo – conta o historiador Marco Morel, que as publicou como anexo da nova edição de A Revolta da Chibata. Ele não têm dúvidas quanto à pessoa que originou os fatos contados. Apesar das distorções em alguns pontos, como em certo momento em que João Cândido teria afirmado que nasceu na Argentina, ou em outro, no qual teria dito que se escondeu numa torre do navio para não ter de aceitar a liderança da revolta, e que fizeram com que o próprio marinheiro fosse ao jornal para reclamar, há informações que só ele poderia revelar. Fora essas ocasiões, as modificações, como afirma a própria Gazeta de Notícias, foram pontuais, para dar ritmo ao texto publicado em primeira pessoa. E aí, as dúvidas passam a ser quem entrevistou e redigiu as memórias. Para o pesquisador e escritor João Carlos Rodrigues, em entrevista a Marco Morel, a verve do texto indica a pena de ninguém menos do que o repórter e cronista João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto, então principal redator do jornal, como a origem do material publicado. (Marcos Stefano-Bernardo Costa) Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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Livros

As relações entre a mídia e o poder

A história do Vasco, por Aldir Blanc

Pesquisadores expõem suas reflexões sobre temas pouco conhecidos, como o fechamento da TV Excelsior, em 1970. “Uma permissão para que estas análises ampliem o universo de seus leitores.” Esta é uma das principais expectativas da doutora em História Social do Trabalho Beatriz Kushnir, organizadora da coletânea Maços na Gaveta: Reflexões Sobre Mídia, livro lançado na Bienal de 2009, em setembro, no Rio de Janeiro. Com 15 estudos de historiadores, cientistas sociais, jornalistas e literatos, os textos fazem diversos questionamentos sobre o bloqueio dos acessos aos arquivos, as relações do poder no “universo de conivências” das redações, rádios e tvs e a questão da ética, promovendo uma reflexão sobre a sociedade e os veículos de comunicação. Maços na Gaveta (Editora da UFF, 308p., R$ 34,00) aborda ainda questões como o acesso à informação; a censura, a atuação de intelectuais “(jornalistas/homens de jornal), engajados politicamente à esquerda e/ou a serviço do Estado, seus itinerários e vínculos políticos”, a constituição das esferas públicas e a função da imprensa versus o processo de cidadania republicana.

Também alerta para os percursos dos meios de comunicação e dos conglomerados de informação e a percepção da imprensa como empresa privada que vende um serviço de utilidade pública. A idéia da obra partiu do Professor Norberto Osvaldo Ferreras, segundo a própria organizadora, desafiada a reu-

nir análises sobre censura e imprensa. Ela já havia constatado inúmeras reflexões sobre o assunto que não chegavam ao público leitor. Portanto, era preciso retirar esses “maços da gaveta”. O material reunido surgiu nos encontros nacionais e regionais do Seminário Temático História e Comunicação: Mídias, Intelectuais e Participação Política, realizados em vários Estados a partir de 2003 pela Associação Nacional de História (ANPUH). Conta Beatriz Kushnir que a EdUFF havia lançado um edital propondo o lançamento de uma obra sobre o assunto e ela resolveu participar, convidando os pesquisadores com trabalhos já prontos e apresentados nos seminários. – Tivemos cerca de 20 dias para receber e escolher os trabalhos. Ao saber do resultado do edital, tivemos uns oito meses de preparação dos originais – explica a pesquisadora. O livro pode ser encontrado em livrarias, no site da Editora da Universidade Federal Fluminense (www.editora. uff.br) ou pelo e-mail comunicação@ editora.uff.br

Os textos, seus autores O texto que abre o livro, do historiador Aldrin Moura de Figueiredo, mostra a relação entre a produção artística, as malhas político-administrativas, a imprensa e a censura em Belém (PA) na virada do século XIX para o XX. Utilizando-se das trajetórias de pintores paraenses e de outros Estados, ele relata como se formou um mercado de pinturas com galerias, sob incentivo governamental, e, com isso, uma crítica especializada que pretendeu ditar os traços estéticos por meio da imprensa local. A mestre em História Regma Maria dos Santos destaca a utilização política de rádios e jornais na cidade de Uberlândia (MG), entre 1958 e 1963. De acordo com ela, vários candidatos às eleições naquele período se utilizaram ou criaram veículos de imprensa para impulsionar suas candidaturas, observando o caso das eleições municipais em 1958. O cientista social Áureo Busetto expõe a relação da ditadura militar em 1964 com a televisão, resultando no fechamento da TV Excelsior, em 1970, e quatro anos depois o dono da emisssora, Wallace Simonsen Neto, ser denunciado pelo Ministério Público por crime falimentar. O Governo golpista já havia dado dois duros golpes nas finanças da família Simonsen, ao cassar as linhas aéreas da Panair e a proibição da Companhia Paulista de Comércio de Café de fazer exportações, criando barreiras econômico-financeiras àqueles que não desejavam manter seus negócios à sombra da política oficial. Giordano Bruno Reis dos Santos, estudante de História, discorre sobre a 40

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mesma temática, mas analisando a relação sob o prisma da TV Globo. Ele cruza em um labirinto de espelhos as trajetórias do então articulador da emissora, Walter Clark, que criou o “Padrão Globo de Qualidade”, e de intelectuais de esquerda contratados pela emissora, como Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, criador de casos especiais e de A Grande Família. Os Idos de Março e a Queda em Abril, coletânea organizada pelo jornalista Alberto Dines, editada em maio de 1964, é a fonte de análise do mestre em História João Amado. O texto mostra como os oito jornalistas que escreveram os artigos eram favoráveis ao golpe militar e à deposição do Presidente João Goulart. Segundo o pesquisador, alguns dos jornalistas não incluem a participação no livro em suas biografias completas. A mestre em História Sandra Alves Horta faz uma análise do que se chamou nas décadas de 1960 a 1980 de Imprensa Alternativa e Cultura Popular, cujos artistas, intelectuais, jornalistas, chegaram à conclusão de que “não representavam uma cultura alternativa à cultura dominante, mas uma cultura de resistência à opressão de qualquer natureza”. O doutor Norberto Osvaldo Ferreras discorre sobre o golpe na Argentina, em 1976. Segundo ele, “poucos setores da sociedade contribuíram tanto para que os militares permanecessem no poder quanto a imprensa. A graduanda Marina Maria de Lima Rocha também usa o país vizinho como tema, mostrando os comunicados publicados nos periódicos

argentinos entre 1975 e 1976. O artigo do jornalista Roberto Elísio dos Santos usa como tema as histórias em quadrinhos, “que teriam como objetivo principal entreter e divertir”, e seu uso foi como “veículo de transmissão e persuasão de valores e idéias políticas”. Em O Papel da Imprensa por Ela Mesma: Golpe, Ditadura e Transição em Jornais e Revistas Brasileiros, entre 1984 e 2004, a também jornalista em mestre em História Flavia Biroli analisa os discursos na ditadura pelos responsáveis dos impressos mais importantes do País. A jornalista Mônica Carvalho verifica a inserção do “intelectual-jornalista” no jornalismo, focando a participação de intelectuais nos meios de comunicação. A coordenadora do trabalho destaca a questão premente que envolve a legislação e o acesso aos arquivos da História do Tempo Presente, a censura ao acesso e a “ausência de um debate sobre esse interdito”. O doutor em História Social Francisco Fonseca destaca “as características essenciais da mídia contemporânea e suas conseqüências sociais”, debatendo a relação entre as esferas púbicas e privadas. Mayra Rodrigues Gomes, doutora em Ciências da Comunicação, analisa o papel da produção jornalística, suas pautas e polêmicas sensacionalistas. Por fim, o mestrando em História Élson Lima aponta as delicadas relações entre as esferas pública do Estado e das empresas de comunicação, a partir do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, no Estados Unidos. (Alcenir Santos)

Unido ao botafoguense José Reinaldo Marques, ele mostra a trajetória do clube da Colina desde 1898. Uma tabelinha entre o escritor e compositor Aldir Blanc e o jornalista José Reinaldo Marques, repórter do ABI Online, resultou no lançamento do livro Vasco – A Cruz do Bacalhau (Editora Ediouro, 248 páginas, R$ 49,90), já disponível nas livrarias. Com um texto leve, bastante compreensível, os autores mostram como desde as primeiras décadas de existência o Vasco da Gama atraiu a atenção das massas, no Brasil e na Europa, quando despontou no remo e no futebol, a sua história e suas glórias até os dias mais recentes. O livro revela ainda as primeiras reuniões para a fundação de um clube de remo, em 1898, a ascensão à elite do futebol, as querelas políticas para a decisão do local de construção da sede, o fiel tesoureiro que fez a negociação da compra do terreno onde foi construído o estádio de São Januário e o enfrentamento do preconceito e do racismo dos clubes cariocas de futebol, que não aceitavam atletas negros ou de classes menos favorecidas. Vasco – A Cruz do Bacalhau fala da história dos grandes jogadores que passaram pelo Vasco, os títulos estaduais, nacionais e internacionais conquistados, os lances históricos, como Pelé usando a camisa do clube após marcar seu milésimo gol, e – quebrando mais uma vez os tabus da cultura futebolística – a primeira torcida organizada chefiada por uma mulher, mas também não deixa de citar as desventuras de sua torcida. A publicação é composta com muitas piadas, poemas de exaltação à agremiação e crônicas emocionadas sobre alguns episódios marcantes. Vasco – A Cruz do Bacalhau é um completo documento da vida, glórias e raras tristezas do clube da Cruz de Malta, que, como diz Sergio Cabral, outro vascaíno ilustre, na orelha do livro, “é um clube popular sem ser vulgar ou populista (...). É o clube mais brasileiro de todos, a começar pela sua formação, a mesma do Brasil. É o clube que enfrentou e venceu o racismo dos seus adversários, que preferiam um futebol praticado apenas pelos brancos da classe A”. Uma boa notícia para os associados: o livro foi doado à Biblioteca Bastos Tigre da ABI e já se encontra à disposição para leitura. (Alcenir Santos)


MARCOS STEFANO

Konder narra seus exílios Perseguido pelo regime militar, ele viveu em três países e esteve em outros 17 e 40 cidades. A Biblioteca Bastos Tigre da ABI acaba de receber como doação o recémlançado livro O Destino e a Neve (RG Editores, 2009), do jornalista e escritor Rodolfo Konder. A obra reúne uma série de crônicas escritas pelo autor sobre viagens que realizou a cerca de 20 países e 40 cidades. Algumas dessas histórias marcam inclusive o período em que Rodolfo Konder esteve no exílio: a primeira vez entre 1964 e 1965, no México e no Uruguai, respectivamente; a segunda, entre os anos de 1976 e 1978, no Canadá e nos Estados Unidos: – Este livro é uma espécie de roteiro. São textos de viagens, que marcam a trajetória profissional como jornalista, e outros com abordagem política, quando menciono os meus dois exílios; no México e no Uruguai, onde eu conversei com pessoas como Jango e Brizola, e o segundo no Canadá, depois que eu fugi do

Brasil pela fronteira com a Argentina. Morei também um ano em Nova York. Konder esteve detido pelo Doi-Codi de São Paulo juntamente com Vladimir Herzog, e foi a última pessoa a vê-lo com vida, antes da sessão de tortura e do cruel assassinato do jornalista, em 25 de outubro de 1975, pelos agentes da ditadura militar. As feridas desse pesadelo ele relembra no texto de abertura do livro, que fala do período em que se exilou em Nova York: “... na madrugada de frio e neblina, nos cafés, nas trilhas de ‘croos-country’ encontrei, aos poucos, o antídoto para as seqüelas da tortura”. Na crônica Nossos Demônios, escrita para o jornal O Mensageiro, em 2004, Rodolfo Konder relata o encontro que teve com o então Presidente João Goulart, em uma praça central de Montevidéu, antes de atravessar clandestinamente a fronteira com o Brasil, em Rivera e

Companheiro de prisão de Vladimir Herzog, Konder teve de se exilar em Nova York após o assassinato do jornalista. Nas madrugadas de neve e frio, superou os traumas da tortura.

Santana do Livramento, conforme orientação do ex-Deputado Demistóclides Batista. “Vi o Presidente João Goulart pela terceira e última vez ao me despedir dele, em Montevidéu... O ex-Deputado e eu fomos encontrar o Presidente numa praça central da capital uruguaia, onde eu o abracei. Ele me desejou sorte. “Estaremos esperando a sua volta”, eu disse, sem muita convicção”, escreveu Konder. Ao ler sobre as suas experiências de viagem como exilado e na condição de

jornalista, diz Rodolfo, o leitor terá a oportunidade de conhecer os caminhos que ele percorreu e que lhe permitiram viver experiências diversificadas, a exemplo da missão na Guatemala quando era representante da Anistia Internacional no Brasil. Seu livro é uma grande viagem, mas que não é turística: – E uma realização que só foi possível pelo hábito que nós jornalistas temos de observar, registrar e pesquisar. Nós pesquisamos para dar a informação. (José Reinaldo Marques) FRANCISCO UCHA

Poerner vai fundo na noite do Leme Em versão atualizada e ampliada, o bairro da sua paixão. O jornalista e escritor Arthur Poerner chega aos 70 anos em plena atividade: ele promoveu em novembro o lançamento do livro Leme, viagem no tempo ao fundo da noite, um retrato do bairro que escolheu para viver após retornar ao Brasil depois de 14 anos de exílio na Alemanha. O evento foi no restaurante Fiorentina, local de encontro de artistas e intelectuais do Rio de Janeiro, onde Poerner marca presença constantemente. Editado pela Booklink, o livro é uma versão atualizada, ilustrada e ampliada da primeira edição, publicada em 1998 pela editora Relume Dumará, parte integrante da coleção Cantos do Rio, em que autores destacados contaram a história de seus bairros. Além de Poerner, Carlos Heitor Cony

escreveu sobre a Lagoa, Cícero Sandroni sobre o Cosme Velho e Aldir Blanc sobre Vila Isabel. Quem assina o texto da orelha é Cícero Sandroni – atual Presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) –, que conviveu com Poerner na Redação do Correio da Manhã e morou no Leme por 12 anos. O prefácio é de autoria do Diretor de Cultura da Associação de Moradores do Morro da Babilônia, Álvaro Maciel, uma iniciativa que, segundo autor, evidencia o propósito do livro: “Unir morro e asfalto para dar um panorama completo do Leme, que, como legítimo bairro carioca, congrega, em um mesmo espaço, realidades sociais distintas”. O mais jovem brasileiro (26 anos na época) a ter os direitos políticos cassa-

Mesmo distante de seu bairro por força de prolongado exílio, Poerner jamais se desligou afetivamente do Leme, onde morara e mora. Seu livro é um mergulho profundo nessa área do Rio.

dos, Arthur Poerner se destacou na imprensa brasileira por sua atuação contra o regime militar, quando trabalhava no Correio da Manhã. Como aluno de Direito da Faculdade Nacional, participava ativamente do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira e fazia a ponte entre o jornal e os estudantes.

Na literatura, também resistia à ditadura, escrevendo livros de conteúdo político e de protesto. Em 1968, publicou pela Civilização Brasileira sua mais importante obra: O Poder Jovem – História da Participação Política dos Estudantes Brasileiros, proibido no início do ano seguinte em todo o território nacional. Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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Vidas

Adriano Barbosa, sempre repórter Foi ele quem levantou o mistério do Crime do Sacopã, um dos mais célebres casos policiais do Rio. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

Ex-chefe de Reportagem dos jornais O Globo, O Dia e Jornal dos Sports, Adriano do Nascimento Barbosa se destacou na imprensa carioca pelo seu especialíssimo senso de apuração, que o levou a desvendar um caso que chocou o Brasil nos anos 50 – conhecido como o Crime da Sacopã –, quando era repórter da revista O Mundo Ilustrado. Foi a partir das investigações de Adriano que a verdade sobre o assassinato de um funcionário do Banco do Brasil chamado Afrânio – acusado de aplicar golpes em meninas ricas da Zona Sul – veio à tona. O corpo foi encontrado na noite de 7 de abril de 1952, dentro de um Citroen preto, na Ladeira do Sacopã, no bairro da Lagoa, no Rio. A história foi contada por Adriano Barbosa no livro Sacopã – Bandeira / Herzog / Delane. No túmulo da cidadania. Segundo ele, a moça tinha um caso com um coronel chamado Alencastro, que acionou seus contatos no Governo Vargas, cuja polícia secreta supostamente teria sido responsável pela morte de Afrânio. No entanto, quem acabou como bode expiatório, preso e condenado a 15 anos 42

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de prisão, foi um oficial da Aeronáutica chamado Jorge Alberto Franco Bandeira, que chegou a cumprir sete anos de reclusão. Para o jornalista Jorge Antônio Barros, do blog Repórter de Crime e subeditor da Editoria Rio de O Globo, Adriano Barbosa foi um dos mais importantes profissionais do jornalismo criminal e sua morte causa tristeza. Em nota no seu blog no dia 4 de janeiro, Jorge Antônio Barros conta que ficou sabendo da morte de Adriano Barbosa por intermédio de outro repórter policial chamado Ubirajara Moura Roulien, que foi o proponente do ingresso de Adriano na ABI, à qual ele se filiou como sócio efetivo em 27 de maio de 2003. “Fiquei triste pela perda que ele representa para o jornalismo e porque fui desleixado e não gravei em vídeo o depoimento que teria que ter gravado com este homem que acompanhou uns 50 anos de reportagem criminal no Rio. Ele, por exemplo, me contou com detalhes a história dos mendigos afogados no Rio da Guarda, no Rio, na década de 60”, escreveu Jorge Antônio Barros, acrescentando que Adriano Barbosa foi um dos chefes de Reportagem de O Globo que mais tempo permaneceu no cargo.

Simplicidade

Adriano Barbosa escreveu também o livro Esquadrão da Morte – Um Mal Necessário? (editora Mandarino, 1971). A obra foi prefaciada por Nélson Rodrigues, que trabalhou com Adriano na Redação de O Globo. No texto, Nélson destaca a simplicidade de Adriano Barbosa e a sua vocação para exercer qualquer função dentro de uma Redação, inclusive a de contínuo, se fosse preciso. Eis um trecho do prefácio de Nélson Rodrigues: “Quem foi uma vez repórter de polícia será pra sempre repórter de polícia. É o caso, exatamente, de Adriano Barbosa. (...) Hoje, é muito mais da reportagem geral. Só que o repórter de polícia está enterrado nele como um sapo de macumba. Mas o sapo de macumba está morto, ao passo que Adriano Barbosa tem em si um sapo vivo... Adriano Barbosa tem em si um sapo vivo. É um homem que numa redação fará tudo, tantas são as funções profissionais que já exerceu. Só não foi contínuo, mas o seria pelo simples e desinteressado gosto de uma experiência nova. E já uma dúvida se insinua no meu espírito. No nosso próximo encontro hei de perguntar-lhe: Já foste

contínuo, meu bom Adriano? Portanto, ficam vocês sabendo que o repórter de polícia é uma de suas dimensões definitivas. E, como tal repórter, ele tem uma ótica especialíssima, de implacável lucidez, para contemplar os fatos, as figuras, os mitos de sua época. No tempo da reportagem aprendeu a lidar com a catástrofe. Nada escapou ao seu mètier: o patético, o sublime, o grotesco, a sordidez e a pureza da condição humana. (...) Nos Estados Unidos, Adriano Barbosa não seria nem Barbosa nem Adriano, mas gloriosamente Truman Capote.” O jornalista Pinheiro Júnior disse que trabalhava na Última Hora quando conheceu Adriano Barbosa, com quem se encontrou diversas vezes durante a produção de reportagens policiais. Surpreso com a notícia da morte de Adriano, ele falou sobre o colega: – O Adriano Barbosa era um repórter extraordinário, que eu digo que se equiparava ao estilo do Amado Ribeiro. Era um profissional que ia fundo nas suas matérias, apurava tudo até o fim apontando as chagas sociais. Adriano faleceu no dia 31 de dezembro, aos 87 anos.

ARQUIVO PESSOAL

Morador do Leblon, Adriano freqüentava a praia não para tomar banho de mar, mas para bater papo com a família e os amigos, que adoravam os causos que ele contava, com os detalhes de uma memória prodigiosa.


“Um homem de fé, de estudo, da palavra” Uma prece comovente de Tânia Barbosa, filha de Adriano. Diante de dezenas de amigos e companheiros reunidos na missa de sétimo dia na Igreja de Santa Mônica, no Leblon, Zona Sul do Rio, no dia 8 de janeiro, a filha do jornalista Adriano Barbosa, Tânia Barbosa, fez uma comovida e comovente evocação de seu pai, por ela definido como “homem de fé, de estudo, das letras e da palavra; de cultura e conhecimentos infindáveis; de memória incalculável”. Lida com grande emoção, que se transmitiu aos presentes, dizia a oração de Tânia Barbosa: “Em meu nome e de minha família, agradeço as orações e manifestações de carinho, solidariedade de cada um de vocês. Sei que meu pai, Adriano Barbosa, deixará enorme vazio em nossas vidas, por tudo que ele significa e representa para nós: homem de fé; de estudo, das letras e da palavra; de cultura, e conhecimentos infindáveis; de memória incalculável, relatava fatos históricos ou corriqueiros com preciosismo nos detalhes; grande amigo de todos os momentos; guerreiro, na luta pelas causas em que acreditava; amor pelos animais, incondicional, principalmente, por seu companheiro, o Nicky, que partiu e lhe deixou imensa dor. Muitas vezes, afirmava: “aos animais tudo, eles já vieram prontos, nem precisam falar”, mas, em relação à humanidade, dizia, “ah... ainda tem que aprender muito”. Tinha sabedoria e prazer perante a vida; foi profissional que marcou seu tempo, com “ótica especialíssima, de implacável lucidez para contemplar e narrar os fatos, as figuras, os mitos de sua época”, escreveu Nelson Rodrigues, no prefácio de um de seus livros. Apesar de ocupar funções de destaque em jornais e revistas, com sua simplicidade, costumava fazer uma síntese de tudo isso, em uma palavra que, em sua opinião, definia o jornalista: “Sou um repórter.” Sua simplicidade, humildade em essência, foi definida por amiga que muito lhe amava: “Há estrelas que brilham fulgurantes, mesmo que tentem ficar escondidas. Assim é Adriano Barbosa, que deixa sua marca de verdade, justiça, fraternidade. Homem de caráter e honestidade inquestionáveis.” Essas qualidades, que determinaram sua natureza, seu modo de ser, o transformaram num encantador de pessoas. Quanta consternação, carinho e admiração nos foram demonstrados, por todos

que o conheciam, nesses dias de pesar e falta. Quanto amor! Seus passos não marcarão mais as ruas do Leblon, mas ele ficará eternizado em nossas lembranças e em nossos corações. Partilho com vocês trecho da mensagem que escreveu para a família, e que, certamente, encaminharia aos amigos: “MEDITEM, OREM, VIGIEM, enquanto vou sumindo nas brumas da eternidade...” Tenho convicção de que meu pai não gostaria que saíssemos desta celebração tristes, com a alma partida. E, como prova disso, segue a mensagem, de Santo Agostinho, que mantinha em sua cabeceira, e que nos deixou: “A morte não é nada, eu apenas passei para o outro lado do caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês eu continuarei sendo. Dêem-me o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, e eu estou vivendo no mundo do Criador. Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza. A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Por que eu estaria fora dos seus pensamentos agora que estou apenas fora de suas vidas? Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho... Você que aí ficou, siga em frente. A vida continua... LINDA E BELA COMO SEMPRE FOI.”

Pai, a missão que lhe coube, por decisão divina, foi digna e exemplarmente cumprida. Fique em paz! Da filha que o ama, o admira e foi, em todos os sentidos, encantada por você. (a) Tânia.”

A caminhada, de O Mundo a O Globo POR A NDRÉ MOREAU

O sopro intenso que do pó revela a todo instante gente como a gente também ressalta fragilidades, conseqüências trágicas da falta de humanismo, dessa mesma gente. Por omissão ou por obra divina, o sopro transforma tudo em pó e “como Elias, num carro azul de glórias”, leva o nosso companheiro jornalista Adriano Barbosa, Conselheiro Fiscal da ABI, escritor e professor, a se despedir no último 31 de dezembro e retornar ao pó. Adriano Barbosa entrou no jornalismo pela mão do jornalista Hugo Corrêa, que o apresentou ao diretor do diário Diretrizes, o gladiador Samuel Wainer. Começou no time de cima, onde pontificavam Nélson Rodrigues, Gondim da Fonseca, Joel Silveira, João Duarte, filho, Egídio Squeff e tantas outras feras. A guerra tinha acabado e Adriano, que participou de operações bélicas nos mares do Sul, deixou a farda e pegou sua nova arma: a máquina de escrever. Com mais de 86 anos, dos quais cerca de 60 vividos nas trincheiras dos jornais, foi fundador de O Mundo, do velho guerreiro Geraldo Rocha. Ali, chegou, viu e venceu “cesarianamente”, e por lá ficou por 15 anos, chefiando a Reportagem, até que o velho Geraldo lhe deu um tranco e o jogou para o andar de cima. Foi dirigir a revista da casa, Mundo Ilustrado. Com a morte de Geraldo Rocha e a venda da empresa à família Orlando Dantas, nosso companheiro foi parar em O Globo, onde chegou pela mão do competente Nilo Dante, que apresentou Adriano Barbosa ao poderoso chefão da Redação, Alves Pinheiro. Adriano chegou, viu e ficou. Dedicou-se a O Globo por vinte anos, ali se aposentou, sem parar sua corrida no jornalismo. Sempre atento aos fatos, por decisão do empresário Roberto Marinho acumulou a chefia de Reportagem Geral com o comando da chefia de Reportagem de Polícia, que ele transformou na primeira editoria do jornal. Pintou e bordou, orientando sua equipe em grandes casos. Levou a Editoria de Polícia a destaque na Europa, quando localizou, no Rio, o jovem Guizeti, mistério que por longos e sofridos anos angustiou a família italiana. Desafiou autoridades européias e de outros mundos. Ao final do drama, a senhora Guizeti foi escolhida a “Mãe do ano”, da Itália, e abençoada pelo Papa em cerimônia no Vaticano. Adriano Barbosa, professor catedrático de Jornalismo pela extinta Universidade do Brasil, publicou Sacopã, no ano de 2007, pela Edições Condão, denunciando o truncamento de informações nos casos dos injustiçados – Bandeira, dos torturados – Herzog e

da dor que se prolonga na incerteza – Delanne: A Covardia do Silêncio. O templo da verdade, do respeito, dos deveres e direitos, da cidadania e da fé, não pode ser profanado, destruído pelas hordas continuadas e impunes dos assassinos, dos violentos, dos corruptos e saqueadores, nos novos tempos, como o foi, nos perdidos tempos do ano 586 antes de Cristo, o Templo de Salomão, no Monte Moab. Cabenos defendê-lo, saindo da covardia do silêncio que consente para a ação da luta do bem contra o mal. Se a lei falha dos homens nos impede, o primeiro combate é para demoli-la, jogar nos porões do esquecimento seus escombros, limpar os caminhos da Verdade e da Justiça. André Moreau Jornalista, suplente do Conselho Deliberativo da ABI e Diretor do Programa Idea Unitevê (Universidade Federal Fluminense)

A NOTÍCIA E O TEMPO

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Vidas

Ruy Bello, o superleitor Amante dos livros, ele devorou bibliotecas inteiras, com um despojamento raro: se gostava de uma obra, doava-a a algum amigo, para que também este desfrutasse do mesmo prazer. POR MAURÍCIO AZÊDO

Foi muito moço, mal terminado o curso colegial no Instituto Rabelo, um tradicional colégio da Tijuca já desaparecido, que o alagoano Ruy de Mesquita Bello fez a opção que definiria o seu caminho pelo resto da vida. Arrimo de família, com a obrigação de prover o sustento da mãe, além do dele próprio, ele tratou logo de fazer concurso para o Banco do Brasil, que oferecia oportunidades de trabalho com remuneração relativamente boa e a garantia de estabilidade. Aprovado e admitido, iniciou uma carreira ascendente no BB e depois, quando este foi criado e precisou de quadros qualificados, no Banco Central do Brasil, pelo qual se aposentaria por tempo de serviço. Ruy não era o bancário tradicional ou o burocrata clássico. Também desde cedo revelou mais afinidade com as coisas do espírito e da cultura, o que o fez procurar logo uma atividade compatível com suas aptidões e, igualmente importante, que lhe complementasse o salário. Não era para menos: casado jovem com a companheira Sandra, com quem viveria por cerca de 50 anos, e com dois filhos, Eric e Katia, para sustentar, ele encontrou no jornalismo o meio ideal para completar o salário e, tão importante quanto, atender às suas preocupações intelectuais. Dono de sólidos conhecimentos da língua, com familiaridade com o ato de escrever e capacidade de absorver a técnica jornalística e suas inovações, que desde então foram marcantes – era a época da generalização do uso do lide pela imprensa diária e da titulação desprovida dos vícios e cacoetes que dominavam sobretudo os jornais –,

Ruy pôde iniciar uma trajetória profissional que se estenderia por quase 30 anos após o seu ingresso em O Globo, em 1959. Neste permaneceu até 1962, quando se transferiu para o Jornal do Brasil, com que sonhavam jornalistas experimentados e aprendizes da profissão, os focas sedentos de encontrar seu espaço. Ruy integrou até 1968 as brilhantes equipes lideradas por Alberto Dines, sempre como discreto operário da Redação: ele não cobiçava cargos, não cortejava chefes, não integrava patotas que disputassem o poder interno. Contentava-se em cumprir o que constava da sua carteira de trabalho: era redator, sem pretensões de alçar-se a editor, subeditor ou função que o destacasse no conjunto e que pudessem colidir com sua atividade principal: afinal, ele era bancário, funcionário do principal banco do País, o BB, e mais tarde, do Banco Central da República. Desprovido de vaidade e de vaidades, Ruy atravessou assim diferentes Redações: a do Correio da Manhã, antes do colapso imposto pelas perseguições da ditadura militar; a de Última Hora, em 1968, já na fase declinante do jornal de Samuel Wainer; a do Correio da ManhãÚltima Hora, após a compra dos títulos dos dois jornais pela empresa Ecos, criada pelo empreiteiro Maurício Nunes de Alencar para pavimentar a frustrada caminhada do Ministro Mário Andreazza no rumo da Presidência da República; a de O Jornal, entre 1970 e 1972, quando o antigo diário líder da cadeia dos Diários Associados fazia o derradeiro e fracassado esforço para sobreviver; a da agência United Press Internacional, na qual teve breve passagem, entre fevereiro e julho de 1986.

A atração por idiomas: até o finlandês, o mandarim Em todos esses veículos Ruy trabalhou na Editoria Internacional, que ainda não era chamada assim. Os jornais eram então abastecidos por equipamentos de telex instalados nas Redações, pelos quais as agências noticiosas internacionais – a UPI, a Associated Press, a France Presse — martelavam dia e noite informações proceden44

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tes do mundo inteiro, boa parte delas redigidas em inglês. Fosse inglês ou outro idioma dominante no Ocidente, Ruy não se apertaria: ele falava fluentemente inglês, francês e espanhol; tinha familiaridade com a língua italiana, principalmente para a leitura, e possuía incrível facilidade de apreensão e aprendizado de outros idiomas.

Ele estudou alemão, russo, árabe, mandarim (o idioma oficial da elite chinesa), tcheco, polonês, e só não se aprofundou no conhecimento e dominio dessas línguas porque o que o movia era a curiosidade intelectual; uma curiosidade que se estendia a línguas mortas, como o latim e o sânscrito. Não era raro encontrá-lo com um dicionário de um desses idiomas estranhos, como um de finlandês, por exemplo, e ouvilo discorrer sobre identidades e diferenças entre termos dessa língua e os de, por exemplo, uma língua eslava. Essas semelhanças e dessemelhanças eram um desafio e um conforto prazerosos para seu espírito. A atração de Ruy por outros idiomas foi cultivada por um hábito que pôde manter após desligar-se pouco a pouco do jornalismo e de se afastar da rotina das Redações. Ele adorava viajar e, em que pese a saudade da família, se sentia à vontade ao se instalar em outro país ou outra cidade. Ele morou em Brasília e em São Paulo, mas essas mudanças não tinham o teor de radicalidade presente em outros momentos de sua vida: ele viveu anos na Polônia, na Alemanha, na China; trabalhou no Kuwait, nos Estados Unidos (Washington e Los Angeles), na Rússia. Uma de suas adorações era Praga, a capital da antiga Tcheco-Eslováquia, com a qual manteve um idílio após deixar o serviço ativo do Banco Central. Ele viajava com freqüência à cidade, tendo para isso um forte pretexto e motivação: a conclusão de negócios de importação e exportação com o país que redescobria o capitalismo. Essa afeição por Praga é referida no texto que sua filha Katia elaborou para esta edição. Praga foi, aliás, a razão de uma guinada radical no pensamento de Ruy Bello, que militou na União da Juventude Comunista-UJC nos anos 50, participou ativamente do Partidão na maturidade e manteve suas convicções marxistas-leninistas e a filiação partidária até agosto de 1968, quando os tanques soviéticos ocuparam a capital tcheca em quatro horas. Admirador do Partido Comunista Italiano e simpatizante do eurocomunismo que o PCI concebera e defendia, Ruy considerou intolerável e anti-socialista a intervenção que Leonid Brezhnev, o poderoso líder soviético, promovera para o esmagamento da chamada Primavera de Praga.

A paixão sem medida: o livro, muitos livros Ruy tinha uma grande e insuperável paixão: os livros, que ocupavam tanto os espaços existentes na sua casa numa rua da Tijuca, Zona Norte do Rio, como outros que ele criava, acrescentando cômodos para receber em condições de dignidade e assepsia a massa de volumes da biblioteca do leitor insaciável que ele era. No seu acervo pessoal, muito bem cuidado, encontravam-se dicionários e vocabulários de variados idiomas; romances, poesias e ensaios literários; biografias e estudos históricos; obras de política, economia, geografia humana e política; enfim, uma diversidade temática que correspondia à serena inquietação de seu espírito, expressão de seu caráter e seu temperamento: nunca ninguém o viu gritar com alguém, tratar os outros com presunção ou descortesia, afetar ou simular superioridade em qualquer assunto. O prazer de Ruy diante do livro era tal, tão forte, que ele procurava proporcionar igual emoção ou conforto aos amigos: depois de ler uma obra, ele não a devolvia logo à sua biblioteca. Indagava de um amigo se a conhecia ou a lera e se tinha interesse nela. Diante da resposta afirmativa, doava o livro ao amigo. Assim como gostava de ler e adorava os livros como objeto, como peça material, ele se comprazia em mostrar as obras de sua biblioteca, apontando aqui e ali as virtudes de tal ou qual livro; aqui e ali, doando o livro ao amigo a quem fazia essa exposição. Além de desprendido, fraterno, era generoso. Além dos livros, Ruy tinha outras paixões: a família, como é natural; o Clube de Regatas do Flamengo – seu esquife, no ato de cremação, foi recoberto com uma bandeira rubro-negra – e o ato de comer: adorava uma feijoada, um cozido, um prato bem brasileiro ou carioca. Nos anos 60-70, antes do périplo que o levou, a serviço do Banco Central, a Varsóvia e a Pequim, Ruy dividia com amigos fraternais, como Jorge Natal Pinheiro da Costa, já falecido, e João Duque Estrada Meyer, jornalistas como ele, o prazer de descobrir no Centro do Rio de Janeiro os restaurantes que tinham boa comida, bom chope, bons preços e garções atenciosos. Ruy Bello morreu no dia 8 de janeiro, vítima de câncer e de complicações cardíacas , um mês após completar 78 anos (ele nasceu em 8 de dezembro de 1931). Embora com longa militância na imprensa, mas em razão de seu afastamento do Brasil por períodos prolongados, ele só ingressou na ABI em 26 de agosto de 2004, por proposta subscrita pelo associado Aristélio Travassos de Andrade. Era membro do Conselho Deliberativo da ABI, para o qual foi eleito suplente em abril de 2008.


Muíbo César Cury, o versátil ARQUIVO PESSOAL

Locutor, apresentador, repórter, dublador, ator, cantor e compositor, ele desenvolveu uma brilhante carreira durante mais de 60 anos. Deixou uma multidão de admiradores e seguidores. POR MARCOS STEFANO

Um ser sem amargura nem rancor POR KATIA BELLO

saudade de meu pai, padre. Do seu colo, das suas cantigas amadoras, das histórias recontadas de uma vida marcada pela dor. Meu pai sofreu muito. E sem lamúrias. Minha fortaleza partiu para junto de Deus. Eu entendo que estamos aqui de passagem. Tenho fé de que há um outro por vir, um lindo céu, que nos aguarda, mas isso não retira de mim a saudade que dói.” Finalizei com uma parte da resposta do Padre Fábio: “O amor nos socorre do esquecimento. Retira o poder definitivo da lápide, porque sobrevive na continuidade do que plantamos.” Papai não era religioso, mas ao longo dos anos falava em Deus. Isto para um ex-comunista era uma coisa! Dizia que no dia que os russos invadiram Praga o comunismo acabou para ele. No dia de sua morte, fiquei com ele por duas horas e falamos da vida. Ele me disse que os outros sempre falavam que ele era um bobo, enganado por muitos, etc. mas que ele estava em paz, pois sempre fez sem pensar no que viria em troca, quer fosse reconhecimento ou benesse; o que importava era ele querer fazer. Estava na sua natureza, e não lhe trazia amargura ou rancor. Se foi em paz. Partiu quando deixou de fazer planos, de sonhar com suas viagens a Praga, com seus eternos negócios e com suas feijoadas.” Katia Bello, médica, fala aqui das palavras que proferiu na vigília fúnebre do pai, Ruy Bello. A pedido do Jornal da ABI ela reproduziu o texto que leu em homenagem a ele, ao qual acrescentou palavras de emoção.

REPRODUÇÃO

“O texto que li foi retirado de um livro chamado Cartas entre Amigos, da primeira carta trocada entre Gabriel Chalita e Fábio de Mello, ele mesmo, o padre. O Gabriel é mestre em sociologia e em filosofia do direito, membro da Academia Paulista de Letras. Dizia o texto: “Não entendo a tristeza como a ausência de felicidade.Acho que elas coexistem.Somos felizes e tristes. Felizes porque tentamos entender a nossa missão.Tristes porque assim tem de ser. A tristeza nos empresta respeito ao outro e percepção mais aguçada da dor.Talvez tristeza seja ausência de alegria,de riso fácil, não de felicidade. Hoje é véspera de um outro dia qualquer e eu estou triste. Acordei com saudade do meu pai. Tantas coisas aconteceram em minha vida depois que ele se foi. Meu pai. Quando escrevi a sua história como um presente de aniversário de 80 anos, não tive dúvidas quanto ao título: Memórias de um Homem Bom. Sua simplicidade falava-me de um Deus que mora na ternura que acolhe. Sua sabedoria falava-me de um Deus que não julga, mas compreende; que não afasta, mas ama. Seu olhar permitia-me viajar por aventuras ora corretas, ora necessárias para minha curiosidade. Caí algumas vezes. Mas eu sabia que ele estava ali para qualquer arranhão mais doloroso. Ele não está mais aqui comigo, está em mim, porque trago muito do que ele deixou. Mas não me abraça. Não sorri para mim.Não me diz coisas que cicatrizam minhas feridas.Tenho

Em um tempo no qual a internet não passava de um projeto de segurança do Governo norte-americano e a televisão ainda dava seus primeiros e insipientes passos por aqui, o rádio era o principal veículo de comunicação do Brasil, o responsável por criar sonhos e transformar sons em imagens no imaginário de milhões de lares. Nessa história, poucas figuras foram tão competentes e marcantes quanto Muíbo César Cury. Locutor, apresentador, repórter, dublador, ator, cantor e compositor, durante mais de seis décadas ele usou os microfones, especialmente os da Rádio Bandeirantes, de São Paulo, para informar e cativar os ouvintes, influenciando gerações de profissionais. Por tudo isso, sua morte, no último dia 26 de dezembro, aos 80 anos de idade, foi uma perda lamentada na área da comunicação. Muhib Cury ou Muíbo César Cury, como se tornou conhecido, nasceu em Duartina, cidade a 366 quilômetros de São Paulo, na região central do Estado, em 15 de janeiro de 1929. Foi lá que começou sua carreira. Depois de trabalhar como auxiliar de escritório e contínuo de banco, mostrou seu talento como locutor de alto-falante nas quermesses locais. Essa experiência abriu-lhe as portas da Rádio Clube de Marília, onde fez sua estréia oficial. Pouco tempo depois, já residindo na capital paulista, passou pela Rádio América e em 1952 chegou à Bandeirantes, emissora em que começou como apresentador de programas de música sertaneja e como rádio-ator, passando depois para locutor e apresentador de vários programas jornalísticos, esportivos e musicais durante décadas. Na década de 1960, compondo e cantando música regional, virou o Barroso, da dupla Barreto e Barroso. Ao lado de Teddy Vieira, compôs João de Barro, uma das músicas mais conhecidas do cancioneiro popular, regravada mais de 60 vezes. O sucesso no rádio e na música levou-o para a tele-

visão. Cury trabalhou em telenovelas na TV Tupi e na TV Bandeirantes. Na Globo, atuou na minissérie Memórias de um Gigolô. Também trabalhou na dublagem de diversas séries e filmes, como Viagem ao Fundo do Mar, Daniel Boone, Jeannie é um Gênio, Missão Impossível e Jornada nas Estrelas. Apesar da longa carreira e dos muitos e marcantes trabalhos, Cury costumava comentar que se considerava um “aprendiz” da mídia. “Faço estágio, estou terminando meu período de experiência”, brincou, certa vez. Nos últimos anos, ele vinha apresentando os programas Arquivo Musical e Jornal em Três Tempos, este ao lado de Chiara Luzzati e Paulo Galvão, na Rádio Bandeirantes. Conciliou-os durante certo tempo com Raízes do Brasil, atração que comandou na Cultura AM durante as madrugadas, em substituição ao Estrela da Manhã, de Inezita Barroso.

Reverenciado pela sensibilidade, pela versatilidade e pelo talento que permitiam que se dedicasse com a mesma qualidade a trabalhos tão diferentes, Cury estava internado no Hospital São Luiz, em São Paulo, onde faleceu em decorrência de problemas cardíacos, deixando uma multidão de admiradores e seguidores, para quem a criatividade como a dele ainda é a maior força na comunicação.

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Vidas

Lombardi, a voz sem rosto Locutor de Silvio Santos, ele era considerado um dos maiores mistérios da televisão: o público conhecia a sua voz, mas jamais via sua imagem.

FRANCISCO UCHA

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CÉSAR RODRIGUES /FOLHA IMAGEM

REPRODUÇÃO

“É com você, Lombardi!” Uma das expressões preferidas do apresentador Silvio Santos em seus programas de auditório virou um bordão na televisão brasileira. Assim como o homem com quem o dono do SBT conversava: Luiz Lombardi Neto. Falecido em dezembro, o locutor era dono de uma voz de veludo, empostada, de dicção perfeita e grandiloqüente. Mais parecia um sujeito fora de tempo, já que narrava como se estivesse 50 anos no passado, num daqueles antigos programas de rádio. Só que não anunciava notícias de última hora ou era ator de alguma radio-novela. Anunciava quadros e produtos, desde carnês de compras a títulos de capitalização e cosméticos. Claro, também os prêmios que cada participante ganhava. Parece uma chatice em tempos de apuradas técnicas de comunicação para se falar com o público alvo e uma receita para o fracasso. Mas não, nada disso. Na contramão da modernidade, Lombardi tornou-se uma das vozes mais conhecidas da televisão brasileira, um sucesso espantoso e alvo de humoristas que tentavam imitar os Lombardi (no alto) dizia que não tinha vaidade de aparecer, até porque não se considerava um galã. programas do Dono do Baú. Mesmo Durante anos, Sílvio Santos (à direita) impôs-lhe um contrato em que ele era proibido de mostrar o rosto. sem nunca aparecer, Lombardi transformou-se numa das “caras” mais conhecidas do SBT. rosto da lenda era um privilégio resDito e feito. Lombardi começou a Ao não mostrar o rosto, Lombardi trito aqueles que tinham a experiêntrabalhar com Silvio Santos em 1965. também se tornou um dos maiores cia de ir aos programas. Quando o apresentador deixou a Glomistérios da tv. Mestre da comunicaÉ muito possível que Silvio Santos bo para criar a TVS, foi junto. Apesar ção e em criar lendas, Silvio Santos fizesse sucesso sem Lombardi. Mas não de permanecer mais de quatro décadas criou uma aura em seria a mesma coisa nos bastidores, isso não parecia incotorno do locutor. se o locutor não timodar Lombardi. Alguns diziam que vesse surgido em seu – Costumo dizer que fama e anonisuas aparições púcaminho na década mato andam sempre juntos. Não tenho blicas eram proibide 1960. Paulistano essa vaidade de aparecer. Sei que não sou proibição de mostrar o rosto tenha deidas por contrato. do Bexiga, quando nenhum galã”, disse ele em entrevista xado de existir e Lombardi tenha conReal ou não, a fascicriança Lombardi à Folha de S. Paulo, em 2000. Essa estreita cedido algumas entrevistas para jornação e a curiosidasonhava ser locutor relação fez que não apenas Silvio, mas nais e tv, sua voz tornou-se inconfunde atiçavam o públide futebol. Fez testes todo o pessoal do SBT lamentasse aindível, a ponto de ele não perder mais co, especialmente para o rádio, mas da mais a perda do locutor. o carisma. quando Silvio resolacabou mesmo na “Não temos o que falar... O nosso Lombardi tinha 69 anos e foi enconvia estender a contelevisão. Foi na TV coração está apertado com o ocorrido. trado morto em sua casa no dia 2 de deversa com o locutor, Paulista, transmisLombardi não era apenas um colega, ele zembro passado, por volta das oito olhando para o cansora da TV Globo em era amigo. Faz parte da nossa história... horas da manhã, pela mulher, Eni. O to do palco onde São Paulo, onde trada família SBT. Triste pensar em não locutor sofreu um infarto agudo do Lombardi se enconbalhou por 15 anos escutar a voz dele nos programas ou vêmiocárdio enquanto dormia. Como trava sem que as câcomo locutor de calo andando pela praça do SBT”, escrenão tinha histórico de doenças nem meras fizessem o bine e de chamadas, veu Daniela Beyruti, filha de Silvio problemas de saúde, a morte pegou a mesmo. que Lombardi coSantos e Diretora-Geral da emissora. família e os amigos de surpresa. “Conhecia o Lom- Serginho Groisman, da TV Globo, tentou nheceu Silvio. Em O sucesso na tv ainda impulsionou Mesmo em um tempo em que qualentrevistar Lombardi mas nunca seu site, ele relatou bardi pessoalmena carreira de Lombardi no rádio. Duquer um pode ser locutor, gravando conseguiu. Sílvio Santos não deixava. o início do relaciote. Até tentei, mas rante anos, ele comandou atrações em podcasts no computador ou vídeos no nunca pude entrenamento com o “paemissoras como a Rádio Cultura AM, Youtube, Lombardi continuará sendo vistá-lo porque o Silvio queria que ele trão” – forma pela qual se referia ao de Santos, e, ultimamente, em uma ráuma lenda. Seu rosto... Bem, o rosto fosse reconhecido apenas pela voz, fiapresentador: dio de Santo André, no ABC Paulista, dificilmente será lembrado, mas a voz, casse na memória”, disse o apresenta— Logo no primeiro contato, ele onde morava. Mas nada que se comaquela voz, permanecerá como uma dor Serginho Groisman por ocasião da chegou para mim e falou: ‘Vou fazer de parasse à lenda criada na televisão. autêntica entonação da televisão bramorte do locutor. Assim, conhecer o você o locutor mais famoso do Brasil”. Ainda que, de uns tempos para cá, a sileira. (Marcos Stefano)


Elza Cansanção, a heroína Aos 22 anos ela se alistou como voluntária para participar da guerra contra o nazismo. Dotada de multifacetada qualificação, era jornalista, escritora, artista plástica.

A interprete Em 16 de julho, dia seguinte à chegada a Nápoles, Elza foi para a seção hospitalar brasileira do 45th Field Hospital, recebendo cerca de 300 brasileiros que chegaram feridos e que para aquele hospital haviam sido encaminhados. Distribuídos nas várias enfermarias que compunham o hospital, os pracinhas ficaram também sob os cuidados das enfermeiras e dos médicos norte-americanos. Como os brasileiros e os norte-americanos não compreendiam o idioma uns dos outros, a enfermeira Elza foi também intérprete, tendo seu nome chamado pelos alto-falantes do hospital inúmeras vezes. O Comando Militar do Leste ressaltou que nenhum dos feridos cuidados por ela veio a falecer. Com o fim da guerra, em 8 de maio de 1945, a ainda Tenente Elza foi licenciada do Exército no mês de julho. Mas ela foi uma das 24 das 67 enfermeiras promovidas rapidamente da segunda para a primeira categoria. Passou dois anos viajando e em 1947 ingressou, por

ARQUIVO ABI

Enfermeira reformada do Exército Brasileiro e detentora da patente de major do Exército, Elza Cansanção Medeiros foi a primeira voluntária a se apresentar para servir na Segunda Guerra Mundial pelo Brasil.Ela se alistou no dia 18 de abril de 1943, logo após terminar o curso de Enfermagem das Samaritanas da Cruz Vermelha. Assim, atendeu prontamente ao chamado patriótico que a Nação fazia após o torpedeamento dos navios da Marinha Mercante brasileira. Elza dizia que cumpria um dever, porque seu pai, o sanitarista Tadeu de Araújo Medeiros, auxiliar direto de Osvaldo Cruz na campanha contra a febre amarela, já estava com mais de 60 anos e seu único irmão já havia falecido. Elza Cansanção Medeiros nasceu em 21 de outubro de 1921, no Rio de Janeiro, filha de pais alagoanos. Com a criação do Quadro de Enfermeiras da Reserva do Exército, a jovem de 22 anos participou da primeira turma do Curso de Emergência de Enfermeiras do Exército, em 1944. Em 25 de março daquele ano, ela estava formada nas primeiras colocações, junto a Maria do Carmo Correa e Castro e Berta Morais, todas com notas 9,5. Elza ficou em terceiro lugar por ser a mais nova do grupo, porém teve a honra de ser a oradora da turma quando do envio das tropas brasileiras à Itália, foi a primeira convidada para integrar o Destacamento Precursor de Saúde, enviado àquele país em 9 de julho de 1944.

Jane Paiva, a sindicalista Conhecida profissionalmente como Jane Paiva, a jornalista Janise Moreira de Paiva iniciou a atividade jornalística na Tribuna da Imprensa e por muitos anos assinou no jornal Última Hora a coluna dedicada ao movimento sindical. Na década de 80, Jane Paiva foi convidada pelo médico Sérgio Arouca a integrar a equipe de jornalistas da Assessoria de Comunicação Social da Fiocruz, instituição pela qual se aposentou após trinta anos de profissão. Jane foi também Diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. Ela faleceu no dia 20 de novembro, em conseqüência de arritmia cardíaca, e deixa os filhos Lênin e Yasmim Paiva, que teve com o jornalista Lênin Novaes, e a neta Caroline, de sete anos.

Coelho Neto, o dínamo

Elza Cansanção foi uma moça muito bonita e conservou essa beleza até os 88 anos, quando um acidente provocou a sua morte.

concurso público, no Serviço Médico do Banco do Brasil, onde ficou por 12 anos. Já formada jornalista pela antiga Faculdade Nacional de Filosofia, ela se filiou à ABI e em 1955 publicou seu primeiro livro, Nas barbas de Tedesco, contando a atuação da Força Aérea Brasileira nos campos da Itália. Decana das mulheres militares Em setembro de 1957, Elza Cansanção foi convocada, por força de lei, e voltou ao Exército como adida à Diretoria-Geral de Saúde. Daquele ano até 1962, serviu em várias unidades e chegou a ser condecorada pelo Governo do Paraguai. Em sua passagem pelo Exército, colecionou 36 medalhas, sendo considerada a decana das mulheres militares do Brasil. Ela é autora de outros livros, além de Nas barbas de Te-

desco: E Foi Assim Que a Cobra Fumou, Dicionário de Alagoanês, Eu estava lá e 1...2...Esquerda...Direita...Acertem o Passo. No ano passado Elza estava à procura de uma editora para publicar Mulheres: Alicerce de Uma Pátria Forte, perfil de 110 personagens femininas cujas vidas foram marcadas pelo pioneirismo. Artista plástica com produções premiadas em escultura, pintura, tapeçaria e artes cênicas e também cantora de rádio, a múltipla personalidade de Elza Cansanção Medeiros soube, ao longo de todos os papéis que representou na vida, dignificar o Brasil não só como heroína de guerra e preservadora da memória histórica da Força Expedicionária Brasileira-Feb. A Major Elza morreu no dia 8 de dezembro, no Rio de Janeiro, de complicações de uma fratura no fêmur.

O Maranhão perdeu no dia 8 de janeiro um dos principais incentivadores da formação e da organização dos profissionais da comunicação no Estado, o jornalista e radialista Raimundo Coelho Neto, suplente do Conselho Deliberativo da ABI. Segundo informações da família, ele estava com a saúde debilitada e morreu enquanto dormia. Como professor da Universidade Federal do Maranhão, Coelho Neto coordenava as atividades do Congresso de Jornalistas e Radialistas do Maranhão, realizado anualmente em São Luís. Coelho Neto foi eleito suplente do Conselho Deliberativo da ABI na eleição de abril de 2009 e desenvolveu intenso trabalho de divulgação da Casa nos últimos três anos junto a dezenas de jornalistas maranhenses. Seu sonho era criar uma Representação da ABI no Maranhão e com esse fim, com grande dinamismo, chegou a elaborar um projeto de estatuto pelo qual, sem perder a vinculação à ABI central, no Rio de Janeiro, a Representação teria ampla autonomia e grande poder de iniciativa. Ele era sócio da ABI desde 27 de setembro de 1994, por proposta subscrita pelo associado Amaury Fonseca de Almeida, então Diretor da Casa. Jornal da ABI 350 Janeiro de 2010

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