MOÇAMBI-CÁ
EXPOSIÇÃO DE ARTISTAS PLÁSTICOS DE MOÇAMBIQUE
A curadoria considera Moçambique enquanto território composto por ecossistemas de múltiplos significados e discursos étnicos culturais, linguísticos e criativos. Mas também como um espaço conflituoso de coabitação, intersecção e encontro celebrativo de várias formas artísticas, herdadas do passado longínquo e transmitidas entre diferentes gerações enquanto forma de resistência cultural, social, económica e política. A mostra pretende, igualmente, refletir em torno do movimento interno e externo das artes produzidas por artistas de Moçambique ao longo deste percurso histórico, facto que nos permite compreender as diferentes nuances e condicionalismos históricos postos em diálogo com o passado, desafiando o presente e perspetivando o futuro.
Moçambi-Cá é uma exposição de artistas plásticos com as suas raízes em Moçambique: os que aí vivem e trabalham; os que repartem a sua vida entre Cá e Lá, nos lugares mais inesperados, os que nos deixaram fisicamente, mas cuja obra os faz perdurar, consubstanciando a sua diáspora em Portugal e noutros países. Moçambi-Cá é uma mostra coletiva de autores moçambicanos de diferentes gerações, mas todos com um contributo artístico de grande relevância cultural e social. Agradecemos a todos os que ajudaram a construir esta mostra, à UCCLA, à Embaixada de Moçambique e em especial a todos os artistas. Esta Mostra dá-nos a oportunidade de apreciar e de surpreender com a riqueza e diversidade de obras moçambicanas presentes em Portugal, como o título indica, do lado de CÁ, no essencial através de Galerias e Coleções Privadas de singulares ou de instituições de relevo no domínio da vida cultural portuguesa que disponibilizaram obras de uma enorme importância.1
1 A curadoria agradece a cedência das obras expostas, às seguintes instituições, aqui apresentadas por ordem alfabética. Galerias: MOVART, Nimba Art Gallery, Perve, This is Not White Cube. Instituições: Centro de Arte Manuel de Brio, CPS – Centro Português de Serigrafia,
CONTEXTO: MOÇAMBIQUE INDEPENDENTE
Para melhor compreendermos os artistas e as suas obras, representadas na nossa mostra Moçambi-Cá, será importante termos em conta o processo histórico de conquista da independência da jovem nação moçambicana. A Luta Armada de Libertação Nacional teve início a 25 de Setembro de 1964, com o ataque da guerrilha, da Frente de Libertação de Moçambique às forças do exército colonial português, instaladas no posto administrativo de Chai, na atual província de Cabo Delgado. Após dez anos de guerra, com a exaustão das forças militares coloniais e em consequência da implantação da Democracia em Portugal, com o 25 de Abril de 1974, é declarado, a 8 setembro de 1974, o cessar-fogo definitivo. No ano seguinte, em 1975, é assinalado em Maputo, com o hastear da nova bandeira e o entoar do novo Hino, o nascimento da jovem Nação. A presença portuguesa perpetuou-se, em território africano, durante cinco séculos, em Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e, no essencial, a luta heróica dos movimentos de autodeterminação e libertação, constituídos no pós II Guerra Mundial, teve um papel determinante no debelar do poder colonial, ostensivamente opressivo, discriminatório e racista.
A consciência dos Movimentos de Libertação de que o seu inimigo era o Estado Fascista e não o Povo português (que era igualmente reprimido e cuja oposição ao regime fascista tinha criado em Portugal um forte movimento antiguerra colonial e apoiado os movimentos de libertação), as declarações do fim da Guerra colonial e das independências das colónias pela Revolução dos Cravos contribuíram para que todos os países, recentemente libertados e independentes, viessem a declarar a Língua Portuguesa como a língua oficial e de união dos seus 6 estados.
Em Moçambique, tragicamente, a ambição de se construir um Futuro em paz e progresso, terminou passados escassos dois anos. Foi o deflagrar de um novo conflito armado, que terminou com o acordo para a Paz entre a Frelimo e a Renamo, em 1994, sendo o passo para a concretização das primeiras eleições livres no país. Na realidade, Moçambique perCulturgest, Fundação PLMJ, MNAC, Museu Nacional de Etnologia, UCCLA - União de Cidades Capitais de Língua Portuguesa. Coleções de propriedade individual: Frank Ntaluma, Lívio de Morais, Sandra Pacheco, Irmãos Moreira, Paulo Varandas, Roberto Chichorro e a Célia Bragança e Margarida de Araújo e Eugénia Mussa por terem executado obras especificas para esta exposição.
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faz 47 anos de vida, mas só usufrui vinte e seis anos em PAZ. O Futuro delonga, mas as aspirações mantêm-se vivas: “Na memória de África e do mundo, Pátria bela dos que ousaram lutar. Moçambique, o teu nome é liberdade… Pedra a pedra construindo um novo dia. Milhões de braços, uma só força. Ó pátria amada, vamos vencer” (do hino de Moçambique).
A circunstância de Moçambi-Cá ser inaugurada no Dia dos Heróis da Nação e o facto de a exposição ser uma iniciativa da União das Capitais Cidades de Língua Portuguesa (UCCLA) e decorrer na sua galeria, em Lisboa é, em si, um acontecimento significativo que honra a amizade e a cooperação entre povos irmãos de Moçambique e de Portugal.
Esta é também uma oportunidade para, através de diferentes sensibilidades artísticas, se recordar que o esclavagismo visou negar aos africanos a própria condição Humana, considerando-os como simples mercadoria (peças). A criação artística, no geral, não era alheia a este ambiente de terror, déspota. Sob o colonialismo, a arte africana, no geral, era considerada como menor, como “artesanato”, fora das criações do género erudito, atributo só reconhecido a autores provenientes da civilização ocidental.
MOÇAMBI-CÁ, É MUNDO, OLHOS NOS OLHOS
Moçambi-Cá é o reflexo da criatividade de um povo, que alicerça a sua cultura. É uma intervenção artística de defesa dos direitos humanos (da identidade, de género, religiosos e políticos). São sensibilidades sem amarras, cuja clarividência comunicacional de cada obra aqui apresentada, acrescenta e são uma força libertadora, são um instrumento de conhecimento emancipador.
Moçambi-Cá é um lugar onde a interrogação é a razão para um entendimento sincero, reflexivo, em torno das coisas visíveis e não visíveis. As obras marcam o espaço, e como um rosto, isolado ou na multidão, encaram-nos frequentemente olhos nos olhos. São rostos de luta, de resistência, de trabalho e de esperança, são resignação ou vontade participativa em cidadania, emanam liberdade e fantasia, soltam-se ao nosso olhar e contagiam-nos. O impacto visual é também, muitas vezes, impregnado pelo tempo da nossa História recente e atual.
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Moçambi-Cá é mais uma janela por onde somos convidados a espreitar uma reflexão sobre as Artes em Moçambique. As obras presentes são um estímulo para uma experiência estética, para abraçar mais longe, como para estender uma ponte entre países, entre continentes sem fronteiras.
O ESPAÇO DE EXPOSIÇÃO: O ARTISTA, A OBRA E O PÚBLICO VISITANTE
Trata-se de uma exposição que congrega cerca de meia centena de autores, das mais diversas gerações e diferentes áreas de expressão plástica. A surpresa é relevante, face ao embate com o elemento plástico mais inesperado. A disposição dos trabalhos selecionados revela uma amplitude que se adequa ao espaço disponível, conferindo-lhe um carácter dialogante, como se o fim fosse a sua transmutação constante. As obras ganham interpretações diversas ao serem confrontadas umas com as outras. É um diálogo aberto, dinâmico e interativo. Cada elemento aqui assinalado, manifesta sentimentos de esperança, de deceção, de nostalgia, de revolta e de desejo. O humor, a sátira e a ironia estão patentes em muitas das obras, que articulam de forma mais realista ou abstratizante, falando-nos de opressão, obscurantismo, de amor e de humanidade. Deste modo “Moçambi-Cá”, entre vários objetivos, pretende (re)pensar os modos de representação das obras e do pensamento dos artistas estabelecidos em Portugal e Moçambique, e convidar à aprendizagem mútua, à experimentação de novas abordagens temáticas e disciplinares, tais como: vídeo – instalação, performance e multimédia, ainda muito pouco explorados no cerne das artes visuais no contexto moçambicano. Na atualidade, um amplo conjunto de autores pertencentes à nova geração nascida a partir dos anos 80, têm vindo a afirmar-se no domínio da arte contemporânea com recurso a novos suportes.
Por outro lado, os curadores Ntaluma, Titos Pelembe, Rui A. Pereira, e Ricardo Vicente gostariam de expressar o seu reconhecimento à UCCLA, ao fazer desta exposição também uma homenagem ao nosso “Mais Velho”, o artista e Mestre Roberto Chichorro, como referência pelo contributo para o desenvolvimento da Arte e Cultura de Moçambique.
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Nesta exposição é importante perceber que existe uma relação concetual comum entre as obras e a trajetória do artista, pelo facto de todas as obras refletirem sobre questões relevantes da sociedade moçambicana.
Por razões metodológicas, a curadoria optou por expor as obras numa linha temporal, organizadas por décadas, que se desenvolve globalmente nos três períodos seguintes:
> O primeiro período abrange o passado colonial até 1974;
> O segundo período, marcado pela conquista da independência, em 1975, estende-se até ao final do século XX;
> O terceiro período abrange as obras produzidas nas duas últimas décadas (2000 –2023). É composto por obras que expomos de forma a cruzar artistas consagrados, das primeiras gerações, com os mais recentes artistas, criando, desta forma, um diálogo entre as diferenças temáticas e estéticas das obras expostas.
Todos os artistas presentes na exposição Moçambi-Cá contribuem para a afirmação internacional da história das artes visuais de Moçambique. Os períodos apresentados permitem compreender melhor os diferentes contextos de produção das obras e respetivos ambientes socioculturais e políticos que os autores vivenciaram.
Esperamos que este catálogo possa contribuir para uma compreensão mais aprofundada, pelo que integramos textos sobre os autores e a sua obra, para além das curtas biografias dos artistas no final do catálogo. Pretende-se, desta forma, que o visitante interessado possa ter uma perceção mais completa do que apenas uma leitura banal, baseada na imagética das obras (antes armadilhada com visões estereotipadas que se limitam a entender o diferente como exótico), produzidas por artistas de origem africana ou descendentes. Apesar da apresentação de uma perspetiva holística das obras, em função dos períodos estabelecidos, é necessário referir a legitimidade da singularidade do pensamento de cada artista ao expressar a sua própria narrativa histórica e social ativamente na primeira pessoa.
Ntaluma, Escultor Makonde, Ricardo Vicente, Roberto Chichorro, Rui A. Pereira, Titos Pelembe
ALBERTO CHISSANO esclarece a corpulência escultórica, adiciona volume, talha a matéria até configurar uma presença. São seres humanos, animais, ramificações da natureza, tudo se intersecta, tudo transpõe o visível. Em cada obra o escultor descreve o formal mais integral ou simplesmente indicia uma aparência inacabada, a que se subentende no vácuo não preenchido pela matéria. O mestre trabalha a madeira, de forma singular, e naturalmente com grande destreza. As fisionomias que nos são dadas a conhecer têm um tecido que resvala suavemente. É o deleite das formas que se articulam, é o impulsionar do toque, do abraço, do querer simplesmente percorrer a textura corporal. As representações de Alberto Chissano impõem o seu povo, a sua tradição, refletem as suas crenças, a firmeza de quem nasce e vive em sintonia com a natureza, a terra que o circunda, os seus lugares existenciais, a alma que atenta a mãe África. Cada escultura é um baluarte na luta contra a opressão colonialista, é uma expressão de liberdade e de resistência.
Alberto Chissano nasceu em Majacaze, no ano de 1934. Logo à nascença ficou órfão da figura paterna e foi a sua mãe e os seus avós quem lhe transmitiram a sabedoria e o vigor. Educaram-no e guiaram-no até às raízes do seu povo, em especial a sua avó, uma curandeira reverenciada, que lhe “talhou” todo um mundo simbólico, manifesto na sua arte. Malangatana, Mestre da pintura moçambicana, foi nos anos 60 quem lhe aconselhou e, incutiu, de alguma forma, esta vontade incondicional pela escultura. Alberto Chissano tem como substância da sua obra a fortaleza do seu pensamento. A sua cadeira, talhada na matéria de sua eleição, expressa a força de um povo, um rosto em evidência, pernas robustas, braços, homens e mulheres como alicerces simbólicos de poder… a cadeira da soberana nação. Honrar a humanidade, é razão, é resistência e um grito de revolta contra o sofrimento, a fome e a injustiça mais cruel. Cada máscara, cada corpo, cada existência, renova-se passo a passo. Chissano é vanguarda é recriação autêntica, é arte transformadora a clamar pelo Futuro.
Rui A. Pereira
Alberto Chissano Sem título (série de Tronos) 1960 escultura de madeira 58x57x99 cm Colectivo Multimédia Perve
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AMILTON NEVES CUNA fotografa o espaço interior e exterior e ambientes de cor determinados pelo efeito de luz. Cada imagem pede o nosso olhar, configura o claro/escuro, recorta o ocupado e o que se encontra irreversivelmente, ou temporariamente, vazio. Portas fechadas, entreabertas, casas desocupadas com adereços, objetos domésticos, uma televisão apagada, uma mesa, cadeiras despidas de gente e uma janela aberta, um foco de claridade num lugar obscurecido e, de fora, desvendamos uma mulher que se nos apresenta em pose no exterior para ver quem passa. O fotógrafo imobiliza espaços vivenciais, fixa o habitat, a casa, casarões, salas de espetáculo, descreve o lugar e contextualiza-o em imagem. Define a trajetória e o ângulo captado e encena como um farol que define o porto de partida e chegada. Amilton Neves Cuna, com uma linguagem expressiva, amplamente realista, retrata com os seus atores, avós, mulheres, jovens e as mais maduras no palco da vida em paz e as marcas da guerra de uma terra corroída. Amilton Neves Cuna elucida o lugar, o espaço familiar, o da comunidade, o público e o privado, a aldeia, a cidade, apresenta o mundo íntimo e o exterior como um todo envolvente. Cada imagem é marcada pelo espaço e tempo com representações distintas onde coabitam, em paralelo, a alegria e o medo, a liberdade e a marca da opressão.
Amilton Neves Cuna Godmothers of War 2015-2017 fotografia 75x110 cm Art Dispersion Unipessoal, Lda. através de This Is Not a White Cube
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Cada fotografia é, ao mesmo tempo, um universo total e parcial, descreve o corpo carcomido e o novo, é ritmo formal e é o evidenciar do que sobressai. Cada compartimento liga-nos simbolicamente ao fervor da vida… um encontro que nos avizinha sensorialmente da memória e do sonho. Somos todos convidados a entrar na descoberta de um lugar de encontro e de introspeção. Como visitantes, transitamos no domínio do questionamento e fotografar é aqui comunicar é cruzar, é rodar em torno de cada momento único, mais ou menos claro: relembrar o passado, a terra libertada e a nova nação em construção…a realidade, cada dia que se passa, mas que não se omite ao ser inscrito, figurando no papel impresso.
Rui A. Pereira
Amilton Neves Cuna Godmothers of War 2015-2017 fotografia 75x110 cm Art Dispersion Unipessoal, Lda. através de This Is Not a White Cube
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ÂNGELA FERREIRA tem como fundamento para a sua criação comunicar, o revelar de uma mensagem, uma intenção, um intento que regenera, que gera um conceito, uma ideia, que não é alheia à realidade onde vai interferir. Com os seus objetos escultóricos, fotográficos, a instalação, a performance convoca-nos para a criação artística contemporânea e para o ativismo político, em especial no que se refere a povos que provaram a tirania fascista, alicerçada no colonialismo e na exploração. A obra de Ângela Ferreira, liga-se, de alguma forma, ao multiculturalismo, ao cruzamento entre continentes, para contrapor a europeização selvagem, o capitalismo e o neocolonialismo que perdura com outras configurações. A artista, de origem portuguesa, nasceu em 1958 em Maputo. Cresceu em Moçambique, então colónia portuguesa, viu-a nascer como nação independente, testemunhou o apartheid da África do Sul, onde se formou em escultura e obteve o seu Master of Fine Arts na Michaelis School of Fine Arts, Universidade da Cidade do Cabo. Presentemente vive e trabalha em Lisboa onde se doutorou pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
A dimensão da obra de Ângela Ferreira é vasta e diversa. As suas influências passam pelo minimalismo de Robert Smithson, pioneiro do movimento Land Art no agitar de espaços inativos e pela vanguarda construtivista russa, quando define peças
© CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS Tiago Pinto, 2013 Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica (DGPC/ADF)
Ângela Ferreira Marquise 1993-2006 instalação de alumínio, plexiglas, PVC e zinco 214,7x131,5x160,8 cm Coleção do MNAC - Museu Nacional de Arte Contemporânea
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que, na sua totalidade, são escultura, arquitetura, engenharia, fotografia e propaganda ilimitada. Ângela Ferreira concebe objetos estruturantes, interativos, que são modernidade na sua forma de construir. São a matéria, o ferro, o alumínio, a madeira, a luz, a multimédia, a fotografia conexão para agitar a nossa mente.
Na instalação Marquise, a autora conduz-nos para uma conceção de espaço fechado, como acréscimo ao interior habitado que se entreabre, vagamente, ao exterior. É de salientar que, qualquer objeto estético/de intervenção, por si idealizado, tem inerente um referente que pode ser o habitat, a ideia de que um edifício, um objeto de uso, o contar histórias enraizadas na vida real do passado e no presente. Quando define esta peça está a dirigir-nos para uma realidade cosmopolita, em especial a das grandes cidades, onde vale tudo para se “ganhar uma divisão” em casa… Tudo se acumula, o tráfego, as pessoas que circulam na rua e o edificado que germina surge como autênticas gaiolas humanas. A obra de Ângela Ferreira configura a desumanização de uma sociedade que se autoconsome, que nos domina e nos futiliza… são vidas suburbanas.
Rui A. Pereira
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS © Tiago Pinto, 2013 Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica (DGPC/ADF)
Ângela Ferreira Marquise 1993-2006 instalação de alumínio, plexiglas, PVC e zinco 160,8x131,5x214,7 cm Coleção do MNAC - Museu Nacional de Arte Contemporânea
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ÂNGELO DE SOUSA nasceu em Maputo em 1934 e a cidade do Porto, a partir de 1955, foi a terra onde escolheu viver, tendo sido Professor Catedrático da Escola Superior de Belas-Artes do Porto, e onde veio a falecer em 2011.
A sua obra teve grande pertinência no contexto artístico do século XX, ao afirmar-se, a partir dos anos 60, segundo uma nova-figuração atípica, «formas ancestrais e quotidianas, simples e comuns, como uma árvore, uma flor, um rosto, um nariz […] mediante o registo rápido e elementar de figurações esquemáticas”. Este ensejo esquemático ganha escala e acaba por consubstanciar, no essencial, o seu intento artístico.
Na pintura e na tridimensionalidade sintética desenvolve as suas construções. São esculturas formais ritmadas, planos recortados ou dobrados que, em aço e ferro, por vezes pintados com cores complementares, nos conduzem para a abstração. As figuras justapõem-se, encontram-se a definir diálogos com o rigor de uma linha, de uma configuração geométrica, quadrada, circular, o ponto, um arco ou uma espiral, tudo converge num todo concetual, a reiterar forma e os seus elementos construtivos. A sua obra pictural e/ou escultórica revigora as formas, dá-lhes sentido formal dinâmico, por vezes com efeito cinético do cheio e do vazio, da desloca-
ção, do tempo difuso, desarrumado ou mais estruturado. A pintura, o desenho e a escultura atestam a síntese, mais ou menos evidente, a ideia de que linhas-objetos suspensas no teto, na parede, ou no chão cadenciam a existência construtiva.
Tudo é forma e jogo estrutural, é a cobertura compreensível que resulta do pincelar na tela ou no metal que avoluma. Tudo é, descoberta e cruzamento, é matéria de natureza diversa, é experimentação plástica e projeto. Ângelo de Sousa não integrou nenhuma corrente estética em si, avizinhou-se de uma conceção própria, para a vida e para arte. O seu fundamento existencial e estético tinha como alicerce a obra aberta, sem barreiras para a criação. O exaltar da pintura, a sua génese é, no limite, o do elogio da matéria… a densificação pictórica, o acrescentar camada sobre camada, dar-lhe pele, textura…, é o dilatar, o densificar do suporte pintado com a cor, é o contraste da coloração quente e fria, ou da mais ténue, é o gerar de formas geométricas simples, dinâmicas, linhas, planos esvoaçantes, num todo espacial. Curiosamente, na década de 70, paralelamente à pintura e à escultura, realiza fotografias e autorretratos e filmes experimentais onde capta simplesmente o movimento. Tudo é uma manifestação de movimento, temporal e espacial.
A. Pereira
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Rui
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS © Mário Valente, 2004 Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica (DGPC/ADF)
Ângelo de Sousa Sem título 1972 óleo s/ tela de serapilheira 195x130 cm Coleção do MNACMuseu Nacional de Arte Contemporânea
© CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica (DGPC/ADF)
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ATIJA ASSANE
Uma jovem artista e feminista, nascida na década da 1990, período marcado pelas várias e relevantes transformações políticas, económicas e sociais no progresso da nação moçambicana. A assinatura dos acordos Gerais de Paz (Roma 1992) e a realização das primeiras eleições multipartidárias em 1994, são ocorrências incontornáveis e as práticas artísticas não foram alheias a este contexto de mudanças significativas no final do século XX, quer em Moçambique, quer na região austral do continente africano e no mundo. As novas formas de comunicação, entre outras formas de experimentação artística, também encontraram um ambiente propício ao seu progresso. Atija Assane é uma das artistas em processo de afirmação que tem explorado nas suas criações o domínio da performance e vídeo, como se observa nesta obra, “Se as vaginas falassem”, em que a dimensão performativa está intrinsecamente presente. Este trabalho lança um olhar crítico sobre o impacto negativo e violento do modus operandi da política colonial na vida sexual e reprodutiva das mulheres submetidas ao processo de exploração. A obra discute os impactos das práticas coloniais, patriarcais e capitalistas na saúde ginecológica e abre um espaço de reflexão sobre a perpetuação do simbolismo da mulher como subalterna e o seu corpo como instrumento na sociedade contemporânea.
Titos Pelembe
Atija Assane
Performance “Se as vaginas falassem” 2022 vídeo
Duração: 11’ 34’’ Coleção de artista
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BELA ROCHA nasceu em Maputo onde, muito cedo, desde a sua adolescência, vivenciou todo um ambiente cultural e artístico diligente que pulsava em seu redor. O seu fascínio pelas artes revela-se, transversalmente, na dança, na pintura e na ilustração. Estudou teatro no Berliner Ensemble, em Berlim. No Brasil, onde viveu cinco anos, para além da pintura, desenvolveu também peças para a Alta Costura. Expôs coletiva e individualmente em Moçambique, Portugal e também internacionalmente. É de realçar que, juntamente com o Mestre Malangatana, foram os dois os artistas convidados a expor a sua obra na Expo’ 98, no pavilhão de Moçambique. Bela Rocha está representada em coleções particulares na Alemanha, Brasil, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da América, Finlândia, França, Haiti, Itália, Moçambique e Portugal, incluindo: Museu Nacional de Artes de Moçambique, Museu Alpooy Ako, Finlândia, e na Sede Internacional da UNICEF.
No que concerne à sua obra, podemos afirmar que a sua essência nos remete, em especial, para a cultura ancestral africana, sem excluir pontes antro-
pológicas com outros povos, outras culturas. Bela Rocha desconstrói formas, metamorfoseia-as, cruza o figurativo do real, pessoas, animais e monstros que coexistem num todo que se encontra. A pintura expressa um mundo amplamente poético e onírico, narra o feminino a nu, o amor, a volúpia dos enamorados, o voo dum pássaro, o deleite por uma flor, um olhar que nos agarra, um mundo narrado encantatório como uma recriação de um paraíso que é luz e fragrância de um todo terreno. Tudo é cor e textura, formas, “aromas” que nos despertam para o querer saber, a curiosidade, o questionamento e para nos dar respostas para o sentido da humanidade: simplesmente a descoberta do íntimo, a felicidade algo divina e ao mesmo tempo humana. Como refere Mia Couto, “Bela pinta como se escrevesse, como se contasse histórias. Cada uma das histórias convocam contrastes entre a pujança das cores e a delicadeza do traço… um lugar de sonho onde acontece a harmonia”.
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Rui A. Pereira
Bela Rocha
O sonho que sonhei
2022 acrílico s/ tela 89x139 cm Coleção de artista
CARLOS NOGUEIRA define o campo visual na extensão do aparente manifesto, no exterior e no interior habitado. Valoriza o processo, a atividade de projetar, o esboço, a síntese, um registo desenhado, a ideia, o que é gráfico, é texto e imagem, o volume e a superfície dos objetos. Tudo se ergue inerente ao entendimento das coisas, à estrutura, à sua formação, a base do construído como efeito e fundamento.
A sua obra dita uma ideia, compõe, descreve, percorre o espaço enquanto conceito, traça, define linhas, é um projeto artístico, escultura, pintura, desenho, é conexão, é poesia, é o plano, é chão, é parede, é luz, é volume, arquitetura, ambiente, é natureza, é lugar, frase, tudo se estabelece, tudo se acomoda.
Em Casa aberta com um pátio na sua essência interior e exterior, é casa, é um casulo, o ritmo de uma identidade morfológica. Tudo é diálogo, é o ser e o não ser, o cheio e o vazio, é cadência entre o tijolo maciço que se encaixa, que se sobrepõe, é muro e uma estrutura de ferro com quatro pernas. Tudo é uma identidade espacial, é habitat, são o volume escultórico e arquitetónico, é a epítome de uma ideia. O ritmo de uma identidade, entre paredes, pedra, ferro, vidro, a matéria regista a textura de um corpo, a força do que permanece, do que é construído, fundamenta, é existência, a terra, o ser. Para o autor, questionar é transformar, é o tempo que nasce e espreita a claridade que acorda com um sonho poético que inscreve e grava a sua vontade em desenho, no
texto e na matéria volumétrica. Quando o autor acolhe em círculo uma árvore, recebe, e atenta mundo em diálogo construído e o da natureza. No espaço, entre paredes, o tempo espreita, vivência, regista a textura de um corpo, de uma casa integral. A natureza e o objeto construído remetem-nos para o ar puro, o abraçar a liberdade, para a parte e a totalidade plural. O desígnio de um trabalho comprova uma intenção. O autor, em cada trabalho, ao acentuar a sua componente estética, está no seu íntimo a salientar a essência formal geométrica da matéria. O teor abstratizante supera o formal realista para que, com formas puras, linhas e a matéria defina o meio, a envolvente espacial e do tempo. A obra de Carlos Nogueira tem um teor formalista, aberto, o de obra aberta, que trabalha o impacto estético sobre cada olhar: o observador, ao confrontar-se com uma obra, é chamado a intervir, a refletir sobre a sua subjetividade, o seu desígnio, a sua perceção integral.
Rui A. Pereira
Carlos Nogueira Construção vertical 1 2015 madeira, ferro, esmalte e vidro (díptico) 64,8x37,8x258,6 cm / 61,2x37,8x258,6 cm
Galeria 3+1 Arte Contemporânea
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CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS © António Jorge Silva, cortesia 3+1 Arte Contemporânea
CELESTINO MUDAULANE
É quase impossível descrever o presente desenho do mestre e professor Mudaulane sem falar da cerâmica artística contemporânea dominante em Moçambique. A matriz estética do desenho praticado por este autor reflete a dimensão expandida da sua escultura em cerâmica. A densidade das linhas, as formas regulares e assimétricas emprestadas às composições em cerâmica, que marcam o percurso artístico deste criativo pensador constituem, de certa forma, uma continuidade da mesma lógica pensamento. O suporte configura-se apenas como um meio que permite experimentar diferentes expressões e materialidades. Desta forma, a escultura de Mudaulane está deslocada do espaço tridimensional para o meio bidimensional condensado sobre papel. Mesmo assim, mantém a forma
cuidada da aplicação das cores sobre os espaços delimitados da composição, tal como geralmente ocorre na aplicação dos engobes coloridos nas superfícies das peças de argila. Contudo, de ponto de vista temático, este trabalho, apesar de intitulado “Sem título”, retrata as vivências sociais que marcam particularmente a sociedade moçambicana, as três camionetas em volta das numerosas figuras zoomórficas retratam o dilema diário da corrida pelos transportes públicos. E, paralelamente, no extremo superior esquerdo da obra, estão presentes formas geométricas que sugerem o jogo de tabuleiro tradicional denominado Tchuva na zona sul do país, entre outras composições abstratas que compõem a imagética da obra.
Titos Pelembe
Celestino Mudaulane Sem título 2014 mista s/ papel 61x85,5 cm Coleção particular de Rui Brito
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CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS © Ana Luísa Alvim DMC/CML
CÉLIA BRAGANÇA
Uma força diligente que eleva o nosso olhar… nasce e renasce da terra de Moçambique para ganhar vida melódica que é ritmo a narrar a memória do tempo. A Casa Melo, em Inhambane, obra inscrita no papel, desperta-nos para um habitat ancestral por si abraçado, com seu avô Damião de Melo, a refletir a sua idade menina e o da mulher de olhar firme que aqui desenha o seu abrigo hemisfério sul. Com a imensidão do Oceano Índico sempre presente, a artista interioriza um sentimento muito forte do que é o interior e o exterior, o ser “de cá de dentro” ou “de lá de fora”. É cada vez maior a sua convicção (e identificação) de que os Homens e as Mulheres são cidadãos do Mundo, com os mesmos direitos e deveres, seja em que lugar for. Para isso contribui, decisivamente a sua origem Goesa, a naturalidade Moçambicana, a nacionalidade Portuguesa, e viver na cidade de Lisboa, outras vezes, em Valência ou em Madrid. Para Célia Bragança, cada lugar tem as suas cores, o seu movimento cultural, a sua casa a expressar identidade e mundo! Célia Bragança designa simbolicamente a Casa Melo e o quadro de Malangatana que, com o seu avô, eram uma expressão emancipadora imparável e eterna.
Célia Bragança
Casa Melo - Damião de Melo – Inhambane 1 2022 técnica mista s/ chapa de zinco 120x70 cm Coleção de artista
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Na sua obra - Casa Melo, Célia Bragança a problemática em torno da Casa é expressa para testemunhar as marcas corrosivas do tempo, nas paredes, no edificado e na pessoa humana. Tudo é movimento giratório, é viagem infinda, é um trajeto inscrito nas suas reminiscências. Em Inhambane na correria da vida, tudo se revolve, tudo se movimenta com o rasgo mais enérgico. A morada inscreve o local da lembrança numa narrativa que insiste em perdurar. Ao gravar ou a pintar está a afirmar o âmago daquele lugar. Os traços vincam gestos, a ação mais súbita, mais acidental como uma viagem para a criação. Célia Bragança, entre a figuração mais realista e a mais surreal, reordena, agita, arrasta um todo edificado como uma dança, ou uma melodia, que nos faz voar. O confronto dos tons negros com a brecha de luz dos tons cinza define toda uma intensidade plástica amplamente poética.
A Artista Plástica, tem-se evidenciado, a nível nacional e internacional, em especial em Espanha, com prémios, em concursos internacionais, sobretudo na técnica de gravura.
Rui A. Pereira
Casa
técnica mista / chapa de zinco 120x70 cm Coleção de artista
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Célia Bragança
Melo - Damião de Melo – Inhambane 2 2022
ERNESTO SHIKHANI marca, fortemente, o contexto artístico do século XX de Moçambique: a sua obra pronuncia a imensidão dos oprimidos e da revolta; exprime, em imagem, a intensidade mais veemente, a dor, o terror feroz que oprime; define um todo existencial total, uno, uma corrente humana que não quebra e que não se resigna perante o Futuro. Pintar e esculpir é, para este autor, aproximação, confrontação, cor e/ou volume, a textura mais translúcida e/ou a mais compacta. É movimento, é o engrossar da matéria, o sobrepor que adensa toda a sua expressão artística. Numa tela de tons azulados deparamos com um corpo, em dor, enfurecido? É uma máscara, humana e/ou animal, a estruturar esquematicamente uma realidade absurda, desoladora, imersa na insanidade mais cruel. Autores como o Shikhani, Malangatana, Alberto Chissano enaltecem o vindouro, são o batimento dos corações do povo a chamarem pela pátria amada. São símbolos de resistência, de Arte como Intervenção, são o continente africano, em rostos e punhos cerrados. Shikhani, como artista plástico, recorta decididamente o objetivar da robustez mais genuína, resvala persuasivamente, vinca mãos, pés, dedos e unhas na cadência de uma força motora, com um olhar sempre frontal. Caracteriza as personagens, algo distorcidas, para proclamar a chama mais bravia. De alguma forma, podemos afirmar, que a sua vida marcou decisivamente a identidade da sua obra. A sua origem numa família camponesa e a
sua experiência como pastor até aos 16 anos, terá tido influência decisiva na sua consciência social e política. A obra de Ernesto Shikhani é uma representação vibrante de denúncia da exploração e da discriminação de toda a sociedade racista. Na arca, obra escultórica em alto-relevo aqui apresentada, o autor define corpos, volumes, rostos expressivos a configurar a revolta mais insubmissa. É de referir que a sua obra escultórica faz ramificar formas inesperadas, volumes cúbicos e/ou mais ovalados, o esférico que condensa e um todo que se acrescenta até se avizinhar do simbólico mais representativo. Formas arvoram da matéria talhada para nos mobilizar o toque de todos os sentidos…, tudo é deleite, tudo é criação e magia que nasce no assentamento da madeira. O Mestre Ernesto Shikhani (1934- 2010) deixou-nos um exemplo de intervenção cívica, de lutador Antifascista, Anticolonialista e de Criador que perdurará com a sua Obra.
Rui A. Pereira
Ernesto Shikhani Sem título 1976 escultura de madeira 120x60x80 cm Coleção particular de Paulo Varanda
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ESTEVÃO MUCAVELE
A pintura de Mucavele nasce da repetição de pontos e de pequenas manchas de cor, o gesto repetitivo do pontilhismo molda a paisagem sempre presente na sua pintura. Mucavele apropria-se da paisagem e dá-lhe um significado diferente na formação de novas personagens compostas por montanhas “gémeas” ou apenas companheiras da natureza. As formas montanhosas são moldadas delicadamente por meio de gestos pictóricos de forma a adicionar-lhes uma voz e expressão próprias. A suavidade das cores utilizadas monocromaticamente expressa um profundo sentimento de estado de paz no interior das florestas ou de esgotamento dos próprios recursos florestais. A singularidade plástica da obra de Mucavele, em relação às tendências de representação estética mais destacadas em Moçambique, posicionam o seu trabalho numa dimensão naife segundo vários pesquisadores. A obra de Mucavele tem vindo a resistir às influências do ambiente artístico que o cerca, o Núcleo de Arte, e às criações dos seus confrades contemporâneos. Mucavele, o artista, parece viver apenas no seu mundo das montanhas mágicas da terra.
Titos Pelembe
Estevão Mucavele Sem título sem data óleo s/ tela 72x93 cm
Coleção particular de Roberto Chichorro
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EUGÉNIA MUSSA configura, no essencial, o seu eu feminino como um ser intimista que guarda as suas memórias. Nasceu em Maputo, em 1978, onde viveu até aos seus 5 anos e vive, atualmente, em Portugal. Regista cenas da vida, histórias que a marcam, narrativas encantatórias, menciona quem passa, na rua, no espaço habitado, junto à natureza e à gente circundante. A artista plástica pinta a óleo sobre tela justapondo a pincelada, de perfil, de frente. Tudo é pretexto para uma cadência formal, com planos aproximados e outros recuados. Define o tempo, toca-nos, aproxima-nos do momento, como se soubéssemos a hora em que cada cena acontece.
Palavreando o pensamento da curadora e investigadora Maria do Mar Fazenda (2021:141-146 in Atlantica: Contemporary Art from Mozambique and its Diaspora), a prática artística da Eugénia Mussa é descrita como um arquipélago de pintura sem nenhum centro, tanto de ponto de vista do trabalho visual, assim como da sua forma de encarar a vida. A curadora refere ainda que o uso da palavra centro é intencional porque nem a ideia de estilo ou família, muito menos o conceito de origem ou pátria, se aplica à sua pintura.
Daí, compreende-se a transversalidade temática fruto da sua convivência e memórias de vida as quais atravessam inevitavelmente o seu processo criativo, pese embora nas suas pinturas Eugénia não confronte diretamente a temática da identi-
dade africana / moçambicana de forma problemática ou crítica. A sua exploração consiste ocasionalmente em abordar alguns elementos, formas e figurativos que nos remetem à memória da sua infância, paisagem da cultura africana urbana em intersecção com outras vivências ocidentais. Na tela que apresentamos nesta exposição, um bolo gigante onde as cores do arco-íris no seu interior, coberto por uma camada de açúcar, chupa-chupas e bolinhas com colorações de sabor diverso. Tudo é festa enraizada num lugar onde imperam os tons azuis, desde o mais escuro até aos tons água com o rosa translúcido.
Eugénia Mussa cruza tecnicamente várias tendências de estilos entre a figuração, impressionismo e abstracionismo lírico que lhe permite explorar a musicalidade das formas e tons delicadamente flutuantes.
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Eugénia Mussa Cake 2 2022 óleo s/ tela 198x196 cm Monitor
Rui A. Pereira e Titos Pelembe
FERNANDO MACHIANA
Cada um de nós se alimenta da energia emitida pelo contato com os outros. O desenvolvimento artístico depende, em grande medida, da aprendizagem que é assimilada através de tudo o que nos toca, o que tem a ver connosco, com a nossa vontade, o querer ser, individual e todos nós… o artista recebe, apreende o que escuta, o que vê, o que assimila de todo um meio social.
Machiane é assertivo no desenhar, no riscar, no gravar de uma máscara, um ritual, uma fábula, com árvores, palmeiras, flores, animais, tudo é o lugar em comunidade.
Machiane cria o seu mundo, a sua linha, e enche-nos de orgulho na partilha do seu espaço. Tudo nos espreita quando desenha, pinta, a tinta-da-china, aguarela ou a óleo, ou quando faz gravura, sentimos a nossa gente. As mulheres alteiam potes com água, cestos, as pombas voam, os corpos juntam-se como um único corpo, o de Moçambique e de África. Mestre Machiana, melhor que ninguém, faz-nos caminhar pelas raízes, pelos rituais ancestrais do antes e de hoje. Tudo é festa una. Este Homem, que nasceu em 1939, em Matalana, tem um percurso ímpar, bem visível e significativo. Não nos esquecemos que é um dos membros fundadores do Centro Cultural de Matalana, com o Grande Mestre Malangatana, e um dos seus forma-
dores. As suas obras evocam o meio rural moçambicano e as suas tradições. A sua obra é conhecida e reconhecida em Moçambique e no exterior. Viveu o tempo colonial e, com Malangatana, soube manter a chama viva da resistência e da vontade de encontrar um país livre e independente.
A sua obra é uma referência. A sua Arte é eterna na vontade de nos dizer que valeu a pena dignificar a nossa força cultural e a identidade do nosso povo. Obrigado Machiane.
Ntaluma, Escultor Makonde
Fernando Machiana Sem título 2007 intaglio, fabriano art paper GF 300gr 28x25 cm
CPS - Centro Português de Serigrafia
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FILIPE BRANQUINHO nasceu em Maputo em 1977.
A sua formação de base é a Arquitetura, no entanto, a sua atividade profissional alargou-se a áreas do conhecimento como a fotografia, o design e a ilustração. É neste contexto individual, multidisciplinar, que vai integrar a fotografia como espaço de eleição para a sua atividade artística. Em Moçambique, no Brasil, em Portugal e na África do Sul apresentou, individual e coletivamente, o seu trabalho e são várias as suas obras em coleções particulares e institucionais. Tem como essência artística, a natureza da sua gente, o espaço público habitado e o casario no seu íntimo e no que é inerente ao exterior: África é o mote, é onde encontra as suas referências, onde descobre histórias de vida para contar. De certa forma, é na ação, no confronto com o retratado, que fixa e onde decorre a experiência estética. É como se existisse um magnetismo, uma entrega que consagra elos que preservam a lembrança, o reconhecimento da aproximação entre seres.
Francisco Branquinho, como fotógrafo e artista plástico, capta o ser comum, a gente que circula na rua, no trabalho, na urbe que não para, tudo é pretexto para exaltar a presença humana, vidas cheias ou precárias, com mais propriedade ou despojadas, tudo é simplesmente vida que acontece, que é Moçambique: Numa foto, um pescador, um barco que navega e uma gaivota; noutra surge uma mulher pescadora, no interior de uma casa simplesmente
Filipe Branquinho
Iron house, reception 2014 fotografia 310 gr s/ dibond de alumínio com moldura de perfil Nielsen alumínio revestido com folha de madeira de carvalho. Ed. 3+1AP 30x45 cm
This Is Not a White Cube art gallery. Cortesia do artista.
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a presença de uma trabalhadora doméstica; um militar em pose; tudo é retrato e espaço in situ. Nada acontece do acaso e é, muitas vezes, este que se interceta com o momento. Filipe Branquinho faz do andar, do caminho percorrido, a base das suas construções, de forma a, na ocasião mais inesperada, dar-se o encontro, o tempo que discorre e assim é fixo. A fotografia é imagem, é um ícone, é um símbolo de presença, é uma explosão de emoções que se abriga.
Nas duas fotografias, em diálogo, nesta exposição, intituladas Iron house, reception, de 2014, Casa-velha, stage, de 2011, o interior de duas distintas casas é-nos apresentado como se fossem um palco cenograficamente decorado para a representação da vida dos seus proprietários. Os edifícios nos seus interiores e exteriores são como uma caixa, um tesouro que guarda a existência mais recôndita. O fotógrafo enobrece a componente humana e a construída no íntimo que é edificado: o interior de uma casa, e de um palácio, o contraste de cor, a profundidade, as paredes, o teto, um sofá negro e uma secretária avermelhada, janelas, portas, tudo se abre ao olhar do observador que por aqui transita e é no ponto central da imagem onde tudo conflui.
Rui A. Pereira
Filipe Branquinho Casa-Velha, stage 2011 fotografia 310 gr s/ dibond de alumínio com moldura de perfil Nielsen alumínio revestido com folha de madeira de carvalho. Ed. 3+1AP 30x45 cm
This Is Not a White Cube art gallery. Cortesia do artista.
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GEMUCE
A encenação, o drama, o questionamento, a fantasia e a espetacularidade são alguns dos elementos que compõem a poética e a metáfora visual da vasta obra deste autor. Artista reconhecido pelas suas pinturas, desenhos, esculturas e instalações com cunho bastante político, filosófico e simultaneamente crítico. Partindo do domínio das técnicas clássicas e modernas de representação, decorrentes da escola artística ocidental, Gemuce encontrou a sua própria voz na representação das suas inquietações e visões do mundo, desamarradas das vicissitudes em torno da ideia problemática de autenticidade, identidade da arte e dos artistas africanos contemporâneos.
“Heaven” (da série “Cumplicidade Social”, de 2008) apresenta uma composição estética que pode ser interpretada de vários pontos de vistas e tendências artísticas ou filosóficas. O gesto sublime e performativo da mulher em pleno auge do movimento do baloiço abre espaço para múltiplos debates e interpretações paralelas. Será que o baloiço representa um momento de fuga de uma vida e realidade aprisionada? Ou ainda a felicidade de viver para além de todas as diversidades e estereótipos associados à condição da mulher no contexto da religião e comunidade muçulmana. As linhas, a luz e as nuances pictóricas transmitem uma sensação de deslocação impulsiva do corpo baloiçando no
paraíso. A questão central que emerge passa por decifrar os códigos ou metáforas visuais empregues na transmissão da mensagem da obra.
Esta, à semelhança de outras obras de Gemuce, convida o público a dar continuidade ao processo de desenvolvimento conceptual, por meio de uma interpretação subjetiva suscitada em cada espectador.
Titos Pelembe
Gemuce
Heaven (da série Cumplicidade Social) 2008
óleo s/ tela 120x150 cm Fundação PLMJ
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GONÇALO MABUNDA
A criação artística do escultor Mabunda busca o diálogo entre os signos tradicionais das máscaras africanas e a expressão plástica contemporânea, recorrendo quase sempre à exploração de temas ligados ao poder político e à sua força hegemonicamente tendenciosa na manutenção do poder das forças internas e globais. Os “tronos” por ele criados instigam ao pensamento crítico de resiliência contra todas as formas de subordinação humana em prol da subversão e emancipação das sociedades. Aliás, o gesto de transformar as armas em obras de arte é, antes de mais, uma atitude política, crítica e um pretexto para um grito contra as guerras, que continuam a devastar o mundo e, em particular, a mãe África. O “Trono”, enquanto símbolo de poder e soberania, é por vezes (des)configurado como objeto de adorno que, não obstante, não deixa de refletir a questão do poder implícito nas suas diferentes dimensões. O trono também retrata os dilemas sociais criados à volta do poder. Cada bala e fragmentos bélicos explorados na obra de Mabunda refletem/homenageam as vidas humanas que viriam a ser sacrificadas, pese embora, dada a conjuntura global, este desejo de paz esteja longe de ser alcançado.
Titos Pelembe
Gonçalo Mabunda Trono 2015 mista, metal e armas recicladas 88x58x118 cm MOVART
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ÍDASSE TEMBE
O trabalho criativo do mestre Ídasse floresce sempre de forma multidisciplinar em volta de um determinado corpo ou organismo. A zoomorfização é um dos aspetos relevantes da sua criação, como é evidente neste trabalho: as três figuras “supostamente suadas” traduzem o momento de interação entre os seres humanos e não só, razão pela qual cada membro ou órgão dos corpos ilustrados parecem estar em processo de metamorfose. Diferentes espécies de répteis “bicho homem” emergem harmoniosamente na forma de novos corpos de homens, mulheres e crianças.
A precisão dos gestos em forma de manchas soltas presentes neste trabalho revelam-nos a maturidade em relação ao uso de ferramentas, ao traço com carvão ou com tinta-da-china sobre papel. Ídasse explora elementos figurativos dispostos de forma não habitual no mundo do desenho artístico dominante em Moçambique, visto que esta disciplina foi, durante algum tempo, norteada concetualmente por padrões estéticos enraizados na expressão plástica da arte popular. Ao longo da sua carreira, a obra de Ídasse tem vindo sem dúvida a contribuir para o despontar de uma nova linguagem figurativa contemporânea, principalmente entre a geração jovem.
Titos Pelembe
Ídasse Tembe Dança de corpos suados 2008 carvão e tinta-da-china s/ papel 50x60 cm Fundação PLMJ
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ILÍDIO CANDJA CANDJA
Através desta pintura “All because I am Black”, Ilídio Candja Candja mergulha intimamente no discurso afrocêntrico, questionando valores e práticas paternalistas ainda presentes na contemporaneidade. A desobediência pictórica intrínseca nesta obra revela-nos a preocupação de autoderminação estética e concetualmente ativista. O campo visual desta obra é significativamente animado pelas vibrações rítmicas irregulares e cores sobrepostas em diferentes tons de azul, verde, rosa, laranja, preto e branco, por exemplo. Esses elementos visuais corporizam o ambiente pictórico que, por sua vez, é dominado pelas manchas “cut–off” descontraídas e simultaneamente espontâneas que refletem perfeitamente o ato gestual e performativo empregado pelo artista. Os resquícios textuais na origem do título da pintura reforçam a rebeldia pictórica e a necessidade de construção de novos códigos e releituras visuais dos factos sociais.
Por outro lado, procuram igualmente transmitir a energia espiritual centrada nas raízes das culturas ancestrais e contemporâneas primordialmente africanas. Revisitando deste modo o passado pelas lentes reflexivas do presente.
Titos Pelembe
Ilídio Candja
All because I am Black 2021 mista s/ tela 200x180 cm
This Is Not a White Cube art gallery. Cortesia do artista.
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JOSÉ CABRAL. Cada fotografia não incita, apazigua. A imagem espontânea sorri, avizinha-se do lado puro, da existência mais delicada e fraterna. José Cabral documenta, fala da realidade sem a caracterizar, porque não pretende interferir no campo privado, intimista. O fotógrafo define o universo da criação da imagem sem intervir na vida das pessoas, meramente visita-as. Cada imagem é, de alguma forma, como um abrigo no fantasioso, numa realidade literária, num livro, uma narrativa poética, da pintura, na arte em geral fora do concreto. Encaixa-se seguramente numa vertente artística alicerçada na crítica, como pensamento individual, como uma essência autoral com fundamento estético, assente num espírito libertário. Capta a realidade, numa ilha, a de Moçambique, com frutos rubros, um búzio e uma pedra numa toalha que anuncia a presença humana. Numa outra fotografia uma mulher negra, de boina e t-shirt branca afasta o arvoredo que a envolve para nos sorrir…
José Cabral apresenta-nos uma mulher sem vestes a ocultar o seu rosto. Está-nos a atentar, com a sua máscara posta? Apresenta-se com um gesto de proteção instintivo. Dialoga connosco sem se evidenciar? Tudo é sedução, são seios manifestos, são o ventre e sensualidade. O fundo branco salienta o tempo exato em que a retratada se entrega em pose. No canto esquerdo, uma cortina aberta, um rasgo negro que se abre para deixar figurar o feminino.
Em “os seus filhos e os filhos dos outros”, reflete, em bruto, a criança da rua, com a sua cor, contraste, a sua feição social em privado. Não circunscreve o
lugar, a família no seu habitat, não nos encaminha, não nos distrai com encenações dramatizadas define o mais desapossado.
José Cabral nasceu em Maputo, em 1952. Seu pai, técnico dos Caminhos de Ferro de Moçambique, nos tempos livres fotógrafo amador, foi quem lhe incutiu o gosto pela fotografia. Profissionalmente, tudo teve início no ano de 1975, quando nasceu Moçambique Independente e viu o colonialismo português extinguir-se. Mais tarde, já como fotojornalista, incorpora, entre outras instituições, a Agência de Informação de Moçambique (AIM), e os jornais Notícias e Domingo. Em 1996 recebe uma bolsa de estudo da Mid-American Arts Alliance, nos EUA. Com um percurso que, à época, lhe permitiu conhecer e desenvolver a sua obra em paralelo com expoentes máximos da fotografia moçambicana de então, como Ricardo Rangel ou Kok Nam. Na década em que o Presidente Samora Machel, o pai da Nação, mobilizou o país para o processo revolucionário em curso, a fotografia e o cinema foram instrumentais para uma ação comunicativa mobilizadora. José Cabral vai captando imagens ao seu redor, a gente e os lugares, sem se agarrar a qualquer tipo de desassossego, inquietações sociais, políticas ou de caracterização, de raízes etnográficas. Prossegue o rigor e a mestria da fotografia dos mestres daquele tempo, mas individualiza o seu olhar. Torna a fotografia algo naturalista, como se o seu mundo fosse simplesmente contemplativo, percorre o país para interiorizar a sua beleza, o ar circundante, livre, sem definir uma narrativa. A sua obra não denuncia, não quer intervir. Rui A. Pereira
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2009,
CRÉDITOS
José Cabral Sem título, Mueda, Cabo Delgado 1998 prova gelatina sal de prata 30,3x40,6 cm
Coleção da Caixa Geral de Depósitos, Lisboa
FOTOGRÁFICOS © DMF, Lisboa,
Cortesia CulturgestFundação Caixa Geral de Depósitos
JOSÉ PÁDUA é uma referência incontornável do mundo das Artes Plásticas de Moçambique. Nasceu em 1934 na cidade da Beira e até ao ano de 1977 desenvolveu, neste lugar, de forma única e imparável, a sua obra. A partir desta data passa a residir em Lisboa sem nunca se desenraizar das suas origens, a terra onde lavrou a sua entidade.
José Pádua exprimiu de forma única a alma africana, pintou o seu corpo, os cheiros, o calor do seu povo. Desenhou a Mulher, em especial, caracterizou homens, crianças e animais, descreveu comunidades, vivências. O Mestre José Pádua era um desenhador exímio e a pintura era algo que lhe era inato. A sua relação com a criação artística era umbilical, era acordar, dia após dia, com um sorriso e como se abraçasse o mundo. Numa representação sua eternizava o bem-querer e simplesmente captava apaixonadamente o pulsar da natureza.
Já a residir em Lisboa, pintou esta cidade, abraçou-a com a luz e cor do edificado e da sua gente. Cogitar sobre este autor é afiançar sobre a humanidade como espaço de diálogo, de inclusão, de encontro fraterno e de clamor ao amanhã.
A máscara pintada sobre tela, presente nesta exposição, é simbolicamente uma evocação existencial. Este trabalho celebra a vida numa dimensão humana e animal. O seu semblante de olhar inacessível e introspetivo parece querer adormecer-nos para o sonho mais enérgico: o acalentar amarelo solar
contrasta com o encarnado e a ostentação dos apetrechos de um animal parece querer, em metamorfose, soltar os demónios mais ocultos para adormecer em paz.
Pádua descrevia com o traço, figurava uma ideia que nos contava, intuitivamente, uma história. Comunicava sonho, esperança e sempre o mais autêntico. Este Homem marca o seu tempo em Moçambique e em Portugal com a sua força expressiva, rápida a delinear com o seu pensamento amplamente plástico.
Rui A. Pereira
José Pádua Sem título 1992 acrílico s/ tela 70x50 cm Coleção Serigrafia Artística António Moreira
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LÍVIO DE MORAIS é, em si mesmo, uma expressão de vida plena, no ser, no querer, no sonhar com um advir fecundo de progresso para toda a Mãe África. Pintar ou esculpir é, segundo este autor, dar, é definir corpo, é matéria humana figurada, é uma vontade sôfrega em comunicar, em participar, em dar ao mundo presença que revela o porvir. Cada peça, bidimensional ou em volume, molda o fôlego humano, circula pelo espaço da memória, pousa nas suas origens, no seu ninho, no cerne da criação… Lívio reflete a essência, a dádiva da vida, o belo, a revelação do amor como entrega, como um cordão umbilical que nos une ao terreno. Tudo é terracota, argamassa, é o pigmento da tinta, a textura da pedra, é o metal fundido, é bronze, a exteriorizar feminino em harmonia com o Mestre Criador. Nos primórdios da nossa substância, a obra Puberdade define simbolicamente uma representação da Mãe Eva. As suas formas são resumidas e os seus volumes discorrem numa pose decidida. É o enunciar da maturidade sexual e a magia do desejo que adivinha a descoberta mais íntima. Esta obra, ao não esclarecer nenhum rosto concreto, está a revelar um ente materno universal. Noutra obra, com formas tendencialmente esféricas, o autor faz-nos mergulhar na profundeza do mar, com peixes em cardume a circundar o novelo da pedra. Podemos afirmar que, na sua generalidade a arte do Mestre revela-nos rostos em comunhão, o sorrir, o gritar, o
Lívio de Morais Puberdade (Mãe Eva) 1993 escultura de bronze de Itália 40x35x120 cm Coleção de artista
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Lívio de Morais Mistérios dos Oceanos 2013 escultura de mármore | 90x35x138 cm Coleção de artista
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Lívio de Morais África 2006 escultura de mármore 35x45x338 cm Coleção de artista
simplesmente olhar, a vida em paz e harmonia a fazer ressoar a singularidade do seu povo.
O Mestre Lívio é uma referência intelectual e humana, multifacetada, reconhecida em Moçambique e em Portugal. Tem como seu primado a investigação da arte africana e a obra de ensaio. Natural da Zambézia, Moçambique, nasceu em 1945. O seu mundo das Artes revelou-se em Maputo no seu Centro de Arte. Formou-se em Belas Artes em Lisboa e as suas paixões diversificam-se também pela fotografia de cariótipo para investigação médica (Genética), estudou Sociologia e Antropologia. Está representado em coleções diversas por esse mundo fora. Tem uma atividade cívica e política de relevo, em especial na problemática da Multiculturalidade. É de salientar que nunca deixou de partilhar a sua vida, com a sua companheira, cruzando Portugal e Moçambique e que, em junho de 2008, a Casa de Cultura de Mira Sintra adquiriu o seu nome em vida. Curiosamente, este espaço é um lugar de excelência de aproximação, de cruzamento e uma forte fonte de aproximação cultural de todo um universo amplamente artístico.
Rui A. Pereira
Lívio de Morais Máscaras Rituais 1991
óleo s/tela 150x115 cm Coleção de artista
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LIZETTE CHIRRIME, faz parte da geração de artistas moçambicanos nascidos na década de 1970, orgulhosamente celebrada como o período do advento da independência nacional. As suas primeiras aparições públicas datam de 2004, em Maputo. Desde então, o trabalho apresentado em várias exposições subsequentes exprime vontade de crescer, de encontrar novos caminhos reveladores da sua personalidade e consciência de vida. Chirrime tem vindo, ao longo do tempo, a experimentar uma proposta de linguagem conceptual e técnica distante dos suportes e formas de representação enraizadas na arte popular moçambicana e moderna. A combinação das técnicas de pintura e costura é um dos caminhos trilhados pela artista, com obras de grandes dimensões de têxteis sobre tela ou simplesmente sobre os próprios fragmentos costurados de tecidos, couros ou cordas, entre outros materiais. Formalmente, os trabalhos em causa caracterizam-se pelas formas abstratas inicialmente inspiradas nos trajes tradicionais africanos denominados tshewe-tshwe, dos quais a artista faz emergir silhuetas irregulares de corpos mágicos em movimento, como a dança, o reencontro, entre outras particularidades ou realidades imaginárias. “Breaking Boundaries” (2019), é uma das obras que melhor permite compreender o universo criativo de Lizette Chirrime.
Titos Pelembe
Lizette Chirrime
The Fluid Dance 2019 técnica mista em tecido e cordas cosidas à mão 122x92 cm
This Is Not a White Cube art gallery. Cortesia do artista.
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MAIMUNA ADAM
Muitas vezes pode parecer que a arte corre o risco de sucumbir pela palavra, porque raramente estamos, verdadeiramente, dispostos a aceitar um rumo novo que se nos apresenta. Dissertações, discursos, conferências, todos em uníssono, parecem estar prontos para nos dizer o que é e o que não é a arte. De alguma forma, estão todos influenciados por um pequeno mundo artístico que tenta condicionar uma visão sobre a arte africana do nosso tempo como insegura…, e o que acontece é que pensamos e falamos demais sobre ela. Na verdade, pouco refletimos e nos envolvemos nela, nas razões da sua verdadeira existência porque, muitas vezes, nos afastamos da sua substância, como herdeiros da nossa própria cultura. Maimuna apresenta-nos uma instalação, “Fazer a mala”, que nos questiona sobre o ato de pertença, de um lugar para outro a vida surge como uma viagem. Esta autora nascida em Maputo utiliza como suporte para a sua criação o vídeo, o cinema, o desenho, a arte em geral… o que importa é o fim, a comunicação que deixa para cada observador assimilar e recriar a sua própria obra, o seu mundo, que assim se move no espaço e no tempo. Maimuna é uma autora de futuro. Nasceu nos anos oitenta e foi, desde muito cedo, a imagem em movimento que mais a sensibilizou, a agarrou, o cinema é para si uma paixão inseparável. Licenciou-se em Belas Ar-
tes na Universidade de Pretória, na África do Sul, no ano de 2008 e, no ano seguinte, foi premiada, com uma menção honrosa na Bienal TDM 2009, na sua cidade natal. Paralelamente à sua obra em multimédia, o desenho surge como uma outra atividade relevante no seu percurso e, nos anos seguintes, vai mesmo lecionar esta área de expressão. Maimuna Adam viaja por um universo criativo contemporâneo que se apresenta com a surpresa de reinventar os processos comunicativos, que são as imagens em movimento, com a identidade Moçambicana viva.
Ntaluma. Escultor Makonde
Duração: 7’ 59’’ Fundação PLMJ
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Maimuna Adam Fazer a Mala 2011 vídeo
MALANGATANA
A obra de Malangatana está intrinsecamente associada à história do renascimento da pintura moderna de expressão puramente africana, e à das raízes fundadoras das artes plásticas moçambicanas. Alguns classificaram a sua obra como de um autêntico surrealismo natural, uma poesia expressa em formas e cores (Costa, 2013:175). As suas obras representam sonhos, fantasias e contos populares absorvidos ao longo de vários períodos da sua convivência familiar e social. À noite, em Matalane, à volta da fogueira com familiares e amigos, adquiriu conhecimentos que lhe permitiram explorar, no seu trabalho, as narrativas da sua terra natal e do seu país. As obras de Malangatana retratam ainda as vozes e os clamores do povo, dos homens, mulheres e crianças quando invocam os anseios e a esperança de um futuro melhor. Com o seu traço também
denuncia a opressão e as atrocidades vividas durante o período colonial, e os desafios enfrentados depois da independência de Moçambique.
A densidade das formas, linhas espontâneas suaves ou grossas e elementos decorativos de carácter geométrico, fundem-se nas ilustrações dos rostos, olhos e cabeças exageradamente grandes, suportados geralmente por corpos finos de barrigas vazias. A (des)construção das formas, o preenchimento do espaço visual de qualquer suporte, tela ou papel, como no caso da presente obra, torna a leitura quase infinita, sem indicação do ponto inicial e muito menos final. Cada obra do mestre é como se tratasse de um pequeno fragmento de uma longa malha de estórias e histórias de vida.
Titos Pelembe
Malangatana Ngwenya Sem título 1971 tinta-da-china s/ papel 39x54,5 cm
UCCLA - União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa
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MALENGA
Foi a pequena aldeia de Muela, na Província de Cabo Delgado, que viu nascer Malenga, doze anos depois de Moçambique Independente e, relativamente às suas origens, há que afirmar que não são alheias à sua obra: o seu povo, o Makonde, tem fortemente enraizado em si um amplo património artístico, em especial o da escultura em madeira. Com cerca de 16 anos Malenga inicia a sua caminhada pelas artes na cidade de Pemba e, dois anos depois, em Maputo, para trabalhar na Cooperativa de Arte Makonde e posteriormente integrar um grupo de artistas do Museu Nacional de Arte de Moçambique. Com os seus 32 anos, no ano de 2007, ganha uma bolsa de estudos e vai frequentar a Ar.Co, Centro de Arte e Comunicação Visual e um ano depois a Faculdade de Belas Artes no Porto, em Portugal. Malenga configura todo um ambiente escultórico que transita pelo espaço e um tempo ancestral, o da tribo Makonde num presente que é por si recriado. São esculturas talhadas na matéria, na madeira ou pedra, a revelar rostos, máscaras expressivas, a fisionomia do corpo, de um olhar cavado e o inspirar profundo do ar que circula. As suas peças sugerem o carácter do ser, a volúpia formal do corpo que se subentende, uma mão que agarra a esfera do mundo, um braço firme que se eleva.
Malenga nomeia a pessoa, como uma descoberta de um eu reflexivo, algo libertador. São esculturas desbastadas, polidas, são pele macia que contrasta com o inacabado bruto. Moldar é para este autor como engrandecer a essência do ser que nasce, que cresce e que se desenvolve. Malenga, entre a matéria moldada, o vazio e o preenchido, o côncavo e o convexo, gera o orgânico figurado, o espiralado, estruturas que se desconstroem, ramificações, tecidos enrugados e formas estruturantes que se sintetizam. Tendo sempre presente, em cada sua criação artística, o imaginário coletivo do seu povo, o “Shetani” surge inevitavelmente: são figuras escultóricas antropomórficas cobertas por tecido, criadas para afastar os espíritos maléficos. E o autor refere “a minha obra não desvenda as formas fantásticas que acredito estarem escondidas debaixo do tecido que esculpo…” e considera que é desta forma que concebe as suas criações mais abstratizantes: o visível e o oculto, o visível e o encoberto surgem implicitamente em cada seu trabalho, como “Fluídos” a peça apresentada em exposição.
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Rui A. Pereira
Malenga Fluídos 2013 escultura de madeira 25x24x74 cm Coleção particular de Horácio Figueiredo
MANKEW MAHUMANA integra o coletivo de artistas plásticos cultores da escola artística de “Matalane”, constituído por um grupo multidisciplinar de artistas nacionalistas que, juntamente com Malangatana, Oblino Mabjaia, Shikhani, Lindo Hlongo e tantos outros, desenvolveram uma forma singular de se expressar artisticamente em várias disciplinas.
Cada artista aperfeiçoou ao longo do tempo o seu próprio discurso e caminho artístico. Mankew é uma das figuras, cujas obras (quer em pintura, desenho ou em outros suportes) são inconfundíveis devido à forma típica como as suas personagens são apresentadas.
Criou, portanto, uma iconografia de representação própria, apesar da mesma estar em diálogo permanente com a simbologia da arte popular domi-
nante no contexto pós-independência. Tal como se observa nesta pintura, em que o artista retrata uma mãe com aspeto de vida sofrida, carregada de frutas ou alimentos na cabeça e com um bebé faminto às costas. A cabaça, um objeto natural bastante representado na arte popular moçambicana, é geralmente usada pelas populações para o transporte e como reservatório de água, também está pintada na obra do Mankew. A obra de Mankew representa perfeitamente algumas das temáticas relevantes na década da 70 e posterior. Tal como referiu o artista numa entrevista concedida ao Semanário Domingo, de Maputo, em 1984, que “os meus pincéis denunciavam a escravatura que o meu povo sofreu”.
Mankew Mahumana Sem título
1976
óleo s/ contraplacado 130x56 cm
Coleção particular de Paulo Varanda
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Titos Pelembe
MAPFARA é um dos notáveis e promissores jovens artistas que se expressa através de esculturas em cerâmica. O seu percurso no mundo da arte está associado a movimentos artísticos urbanos, nomeadamente a ACHUFRE e a ACLA, Associação Cultural Lhuvuka Arte, que surgiram no bairro de Hulene, nos arredores da cidade de Maputo, entre o fim dos anos 90 e início dos anos 2000. De modo geral, o trabalho de Mapfara tem profundas raízes na escola artística de “Hulene”. As formas (des)figuradas predominantes nas peças deste autor apresentam um tipo de tratamento bastante peculiar em comparação com as outras correntes ou forma de produção artística cerâmica contemporânea. As obras, em escala reduzida, são delicadamente cuidadas ao nível de acabamentos decorativos e cromáti-
cos. Os padrões que compõem os motivos geométricos, florais e abertos explorados na decoração das peças também são específicos deste artista. Contudo, Mapfara encontrou o seu próprio discurso e linguagem artística, cruzando diferentes técnicas e conceitos de representação; a zoomorfização também é um recurso sempre presente nas suas esculturas. A exploração do movimento dos braços, pernas, troncos e cabeças estilizados são elementos que dialogam com as formas comuns de representação da arte popular moçambicana. Mais do que isso, Mapfara apropria-se destes elementos, atribuindo-lhes novos e singulares significados que melhor descrevem o seu pensamento diante das múltiplas realidades que a vida impõe.
Titos Pelembe Mapfara Sem título 2017 escultura de cerâmica 15x20x27 cm Colectivo Multimédia Perve
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MARGARIDA DE ARAÚJO
Entranha-se na massa da terracota como fundamento para a sua obra: uma dimensão expressiva que aclama a terra, moldável, palpável que, ao apropriar-se da semente criadora, junta, num todo, a cor, a forma e a textura originando o seu carácter físico. Sente-se a veemência abrasadora do calor que abre os poros das placas de argila cozida, onde tudo acontece. O acabamento da matéria, trabalhada sem minúcia, adensa toda uma experiência estética empírica impregnada no seu corpo barrento. No trilho da memória vincula o tempo: entre Moçambique, Portugal e o mundo descreve a morfologia dos seres, dos animais, das pessoas para, posteriormente, caracterizar uma nova aparência das coisas, do espaço e dos lugares por si moldados.
A cerâmica em placas de terracota pintada é norteada sensorialmente pela natureza e por um sentido místico cultural que assevera África, em especial, e outras culturas distantes que cruzam vários continentes. Margarida de Araújo nasceu em Maputo, no
ano de 1967. A partir de 1987, em Viena e Portugal, frequenta cursos diversos de pintura sobre seda e olaria. Entre Londres e Roma, em 1993, desenvolve o seu trabalho no atelier de Ersillieta Gabrielli. A partir do ano de 2000, já a viver em Serpa, dá formação em cerâmica artística em Escolas de Arte e Ofícios Tradicionais pelo Baixo Alentejo fora e inaugura o seu Atelier Galeria Margarida de Araújo. Expõe, individual e coletivamente, no estrangeiro e no País. Em 2013, vê erguer-se uma Escultura Pública de sua autoria no Parque de Feiras de Beja, no âmbito das comemorações do 30º Aniversário da Ovibeja. Margarida de Araújo funde os pigmentos de cor na terracota, engobes e pastas cerâmicas para enunciar o mais enérgico: os seus tons ocres remetem-nos para um campo sedento de ardor fecundo. Na pintura, ilustração, serigrafia ou na obra cerâmica bidimensional e escultórica tudo é, de alguma forma, o adjetivar no feminino.
Margarida de Araújo Sem título 2022 2x (25x25) cm cerâmica Coleção de artista
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Rui A. Pereira
MARGOT DIAS. A obra de Margot Dias tem uma substância documental, com uma dimensão etnográfica de inegável importância. Os seus conteúdos entram no âmago do povo Maconde, incorpora-se no domínio da sua gente, capta a sua vivência, circunda o seu meio cultural, social, os seus hábitos, os ritos, as envolvências mais identitárias. Compreender, conhecer as raízes deste povo, é aclamar um tempo passado, aqui registado, guardado, que nomeia um todo habitado. São registos visuais e sonoros, demorados, são memória, uma expressão vivencial, património físico e imaterial de uma idade que passou e que assim não se apaga.
A cineasta e sonoplasta capta a riqueza humana num rosto, agarra a ressonância da gente em comunidade, a festa, os rituais, os cultos de iniciação, a opulência de toda a sua vertente espiritual, da música, dos corpos que dançam, dos instrumentos que tocam, das vozes que se dão a conhecer… tudo é simplesmente imagem e, ao mesmo tempo, um registo de um todo fértil na expressão musical, na dança, na cerâmica, na cestaria, na arte de esculpir, no contar a sua história… e tudo é também o retorno a um passado, o do colonialismo português, em que os nativos eram, tão só, encarados como gente exótica menor que, pela cor era inferior. Margot conheceu este mundo e também o rasgar da revolta, com os primeiros sinais de luta armada pela libertação. Ao viajarmos por esta obra estamos, presentemente, a experienciar um povo fechado na ignorância e no rebaixamento, à semelhança do que sucedia em Portugal, até à chegada do 25 de Abril e a queda do fascismo.
Margot Dias reporta-nos para a História de um país com tradições enraizadas, um encontro com a memória que desvenda a sua cultura, a pertença de um povo. Antes de nos deixar, em 2001, ainda revisitou estes mesmos lugares e afirmou: “o que me traz aqui, agora, a uma cidade que não conheço, é um encontro com os Maconde de hoje, urbanos. Trago comigo estas imagens que são e serão sempre deles e repito o gesto frágil de filmar a vida que acontece.” Em 2016, o Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, e a Cinemateca Portuguesa, lançaram em DVD os filmes etnográficos realizados por Margot Dias entre 1958 e 1961.
Margot Schmidt nasceu em Nuremberga em 1908. Formou-se na Academia de Música de Munique como mestre em piano, tendo realizado o seu último concerto em 1956. A circunstância de ter conhecido o etnólogo Jorge Dias, seu futuro companheiro de vida, e terem ido viver para Portugal, antes do fim da 2ª Guerra Mundial, acaba por ligá-los numa mesma paixão, a dos estudos antropológicos. Com o apoio de Manuel Viegas Guerreiro, percorrem as Províncias Ultramarinas de Angola, Guiné e Moçambique, tendo como missão o estudo das “minorias étnicas e a sua repercussão na cultura portuguesa”. Nas campanhas de investigação, em Moçambique, entre 1957 e 1961, estudam, entre outros, os Macondes e os Chopes e, em Angola, os Bosquímanos.
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Rui A. Pereira
Margot Dias Filmes etnográficos 1958-1961 2016 vídeo Duração: 273 Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema IP, Direção-Geral do Património Cultural e Museu Nacional de Etnologia
MARIO MACILAU
O Reino emocional do artista, a relação consigo próprio e o Mundo que o rodeia, está entranhado na forma de comunicar com cada rosto, com cada lugar impresso no papel fotográfico. O sentimento e a imaginação estão presentes em cada obra. Sem a imaginação a obra ficaria mortalmente apagada, sem ordem, e o olhar do fotógrafo, seria caótico. Sem sentimento seriamos indiferentes. A arte não tem nacionalidade na vontade de entender, possuir o carácter humano. Ninguém produz condignamente o que não sente, o que não entende. No reino do artista, o de Mário Macilau, o imaginário é sintetizado com um golpe do seu dedo para proclamar liberdade. Este autor é um eco que penetra nos ouvidos dos amantes de uma terra melhor. Num olhar, num gesto, na pose, os seus retratos evidenciam um lugar, nem sempre afável, mas que é também sempre esperança no futuro. Em “Deus Abençoe o Meu Filho”, um corpo maternal posa à nossa frente. De barriga cheia, subentende-se o nascimento, menina ou menino. O título diz tudo no desejo infinito do bem-querer ao seu rebento. Não conhecemos o rosto. A sua máscara branca contrasta com o corporal.
Macilau é um artista versátil, imprevisível, de cada imagem faz um momento único. Caracteriza a força bruta da existência, pessoas, animais, a paz e a guerra. Tudo é expressão imparável documental e retrato individual e coletivo, o do seu povo. É um autor multifacetado que tem como base a fotografia mas que, por vezes, pinta, escreve e trabalha com o vídeo e a instalação.
Atualmente vive entre Maputo e Lisboa. Iniciou o seu percurso na fotografia em 2003, e profissionalizou-se em 2007. Macilau nasceu em 1984 e cedo começou a agarrar a imagem fotográfica, primeiro com o telemóvel da sua mãe e depois com a sua primeira máquina fotográfica. Tem sido reconhecido com prémios de relevo e apresenta-se regularmente em exposições individuais e coletivas, em Moçambique e no estrangeiro. O seu trabalho é divulgado em diversas publicações, nacionais e internacionais, e a sua obra consta em várias instituições públicas e privadas.
Ntaluma, Escultor Makonde Mário Macilau Deus Abençoe o Meu Filho 2015 impressão a jato de tinta 50x70 cm MOVART
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MAURO PINTO
Na fotografia de grupo e/ou individual, só sobressaem os importantes ou famosos? Ou na fotografia entram simplesmente os rostos dos que invocam a experiência dura da vida vivida? Mauro Pinto descreve o mundo do trabalho nos subsolos, na mina, ou no ar livre contaminado. A fotografia ocupa o espaço e o tempo de partilha, a imagem mais austera que não esconde a dor.
O contraste é evidente. A matéria rochosa, um rosto que nos aponta com o olhar determinado, instrumentos do trabalho, sente-se o bater na matéria dura, as imagens são ruído ensurdecedor, são silêncio, a impotência humana, e o autor apresenta espaços interiores de casas sem gente… Mauro Pinto, com temáticas realistas, onde espelha vidas difíceis, não deixa de entrar pelo sarcasmo das coisas simples da vida. Por vezes é cáustico, por vezes entra pelo humor. Acontece com frequência vermos e sentirmos certas mensagens transmitidas que com a intervenção visual do artista extravasam a palavra. Guarda uma visão para penetrar na
mente, até ao limite mais inesperado. Na fotografia “Mercearia do Povo” o autor capta simplesmente uma ideia de instalação, de comércio informal na rua, que parece querer insinuar ser uma criação artística do próprio comerciante. A criação deste objeto de venda ao público na forma de dispor os produtos, os ritmos, o encontro do mais inesperado, tudo é um processo dinâmico visual e também a expressão de uma economia social que sustenta muita gente deste país. São em si um objeto de fotografia e uma instalação não premeditada.
Mauro Pinto vive e trabalha em Moçambique. Por aqui nasceu, no ano de 1974. A sua fotografia artística, visivelmente contemporânea, não é alheia ao curso de fotografia, nos anos 90, pela Monitor Internacional School, e o estágio marcante com o fotógrafo José Machado. Mauro Pinto é um nome a reter no contexto da fotografia que se desenvolve, imparavelmente, por Moçambique.
Ntaluma, Escultor Makonde
Mauro Pinto A voz 2005 prova de gelatina e prata 45x69 cm Fundação PLMJ
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MOIRA FORJAZ faz da fotografia uma arma de intervenção cultural e de ação política. Fala-nos da África Austral, do tempo colonial de dominação do homem branco, do seu Zimbabué onde nasceu (Bulawayo, 1942), da África do Sul onde estudou e de Moçambique onde viveu e se entregou à causa da emancipação dos povos deste Continente. Num mundo desigual, os contrastes entre a luz e a escuridão acentua a discriminação dos seres humanos: pela raça; pelo género; pelo credo; por serem pessoas com deficiência dita visível e com os que se acham eleitos (superiores/puros) para exercerem o bullying, dos mais fortes sobre os mais fracos. Moira Forjaz é uma ativista, uma das heroínas que se juntou à Frente de Libertação de Moçambique para engrossar as fileiras dos combatentes do lado certo da História: tornar realidade o novo dia, o do fim da ostracização colonialista Moira Forjaz fez parte do grupo que fundou a Associação Moçambicana de Fotografia e foi a primeira mulher a dirigir um filme do Instituto Nacional de Cinema de Moçambique. Teve um papel determinante na valorização da comunicação visual fotográfica e da multimédia. Estimulou a Arte como ferramenta de ação artística, documental e de vanguarda na recriação de um novo Moçambique. A fotografia do ano de 1983, no 4º Congresso da Frelimo, traduz, no essencial, a força transformadora, imparável, de esperança e Futuro expresso num olhar…, um jovem com a bandeira de uma terra, com os escassos nove anos, em
liberdade. Como se estivesse de sentinela, vigilante, deteta o disparo da máquina fotográfica. Parece espreitar o vindouro e querer vincar a sua presença neste coletivo humano que tem, como pai da sua origem, enquanto Nação, a liderança do Homem querido, de estatura maior, que foi Samora Machel. A imagem evidencia, nos vértices da direita para a esquerda, de baixo para cima, uma cadência humana e de cadeiras a indiciar uma progressão ilimitada, estando o retratado no centro da fotografia, a chamar-nos para aquele acontecimento? Moira Forjaz tem uma obra significativa que faz ressaltar a firmeza de um povo, na pose, no feminino, nas mulheres e homens que seguem a convicção de que há que continuar a lutar sempre, contra a injustiça, a desigualdade, a pensar no caminho do progresso humano, mais fraterno, em paz e em cooperação na sua plenitude. A cor ou a Preto e Branco, a fotógrafa apropria-se da câmara para afirmar a alma da sua terra, a da mãe África.
Rui A. Pereira
Moira Forjaz
4º Congresso da Frelimo, Maputo 1983 prova de brometo de prata 14x21 cm Fundação PLMJ
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MUDUNGAZE
É um artista emergente, com múltiplos interesses para além das artes plásticas, como a música, o teatro e muito mais. Mas o epicentro da sua prática artística no domínio da escultura ou da técnica de assemblagem está no recurso à reutilização de materiais usados, tais como: plástico, madeira, metal, lixo eletrónico, entre outros resíduos. Importa realçar que, em Moçambique, a reutilização de materiais descartados na produção artística desenvolve-se com bastante vigor a partir dos anos 90, particularmente no contexto artístico da cidade de Maputo. Atualmente, Mudungaze notabiliza-se como um dos artistas proeminentes na temática da sustentabilidade. As suas obras emergem nos últimos anos centradas na problemática da urgência
ecológica global: o artista assume o papel de “artivismo” ambiental e social que se manifesta também através das múltiplas inquietações retratadas nas suas criações. Mudungaze apropria-se dos materiais descartados e atribui-lhes novos significados enquanto meio de expressão que lhe permitem falar sobre a contemporaneidade numa linguagem visual inspirada na herança estética das máscaras africanas entre outras simbologias africanas relevantes. Progressivamente, Mudungaze tem vindo a consolidar o seu discurso e a sua linguagem artística na experimentação com os objetos “rede-made” e manipulados que povoam o imaginário espacial do artista, como esta peça bem demonstra.
Titos Pelembe
Mudungaze
Pos futuristic african human being 2018 escultura de ferro, plástico, borracha e papel 22x12x40 cm Galeria Nimba
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NAGUIB ABDULA
Figura de reconhecido mérito, militante incondicional na causa da formação da identidade plástica nacional. Artista irreverente, Naguib Abdula procura sempre responder e superar os desafios do seu tempo através da sua criatividade. A vasta obra deste autor ao longo do seu percurso, iniciado no contexto da revolução pós-colonial desencadeada depois da proclamação da independência de Moçambique, em 1975, pode ser homenageada e valorizada através de vários momentos ou realizações de extrema importância que marcam o desenvolvimento das artes plásticas em diferentes disciplinas, abordagens temáticas e técnicas.
“Grito da Paz” (1986), a primeira exposição do artista, foi um dos mais notáveis contributos na vida artística da capital e do país. O tema desta mostra, para além de testemunho da realização do sonho
da conquista da independência nacional, é também um apelo ao fim da guerra civil que fustigava desde 1977 a recém-criada nação moçambicana. Esta exposição é igualmente uma proposta pictórica e de representação estética que se caracteriza pela presença estilizada dos pombos, homens e mulheres nus em movimentos apelativos, abraços, olhares de espanto e determinação que sobressaem na composição das obras. O grafismo geométrico que representa parte da pintura popular moçambicana / africana também foi um dos elementos visuais explorados para evidenciar a beleza da mulher e seus adornos. 36 anos depois, o “Grito da Paz” continua presente, atual e é cada vez mais urgente que se faça ouvir em Moçambique assim como no mundo.
Titos Pelembe
Naguib Abdula Grito de paz 1986 óleo s/ tela 100x100 cm Coleção particular de Sandra Pacheco
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NÁLIA AGOSTINHO
“Dreams Sinergy” evoca a reflexão, convívio, conexão de afetos e experiências sociais da vida urbana. A sinergia dos sonhos encontra sentido no dinamismo da vida juvenil contemporânea que, para além das extremas desigualdades, riqueza, opressão e pressão social, também é bastante criativa na busca de novos horizontes e soluções alternativas tendentes a melhorar a perspetiva de vida das sociedades. A fusão dos diversos padrões estéticos, ritmos e símbolos visuais extraídos da cultura popular notável na cidade de cimento de Maputo e arredores, enriquece o imaginário artístico da artista. Tanto como o mundo global, cada vez mais próximo, impulsionado pelo imediatismo das redes sociais e, paradoxalmente, mais distante em termos da solidariedade humana.
De modo geral, o trabalho pictórico de Nália busca retratar momentos de interação social, o mundo onírico e fantasioso enquanto meio de perspetivar um futuro melhor. A (des)figuração é uma das características formais essenciais na composição pictórica desta jovem artista. A representação do rosto, sobretudo feminino, em jeito de silhueta ou retrato composto por manchas, rasuras e linhas espontâneas que transmitem várias sensações de movimentos de corpos humanos e objetos soltos no espaço, são alguns dos elementos visuais de eleição nas suas composições. A vibração cromática descontraída varia entre os tons quentes, por vezes alternados monocromaticamente.
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Titos Pelembe
Nália
Agostinho Dreams Sinergy 2021 mista 130x150 cm MOVART
NTALUMA, Escultor Makonde nasceu em 1969, no nordeste de Moçambique, no forte de Nanhagaia. Os seus pais eram então guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique, e foi nesse contexto de guerra que sua mãe deu à vida o futuro escultor. Falar de Ntaluma é assim, com os seus pais, o evocar do heroísmo dos que incondicionalmente se entregaram à causa da libertação das amarras colonialistas. E lembro, tão só, o dia em que foi perpetrado pelas Forças Armadas Portuguesas um ataque feroz que obrigou à fuga de seu pai para a mata com Ntaluma ao colo. Experienciou a fome, a dor, a inquietação e o medo… e passados 53 anos, após anos constantes de embate, viu à luz do dia na sua terra nascer esta Jovem Nação. Pode-se afirmar que a construção do seu Universo artístico de raízes Maconde teve, no essencial, a influência do seu mestre Crisando Ambelikola e o ano de 1990, com a sua primeira exposição de escultura em madeira no Museu de Etnologia de Nampula, sinaliza o início de um percurso artístico promissor. Dois anos passados, funda, em Maputo, com um grupo de amigos, artistas da sua etnia, a “Favana”. Em 2000, no despoletar do século XXI, integra a ASEMA no Museu Nacional de Arte de Maputo. Em 2002, já em Portugal, participa no projeto multicultural ALDCI, de ensino na área da escultura.
Ntaluma, Escultor Makonde
Paz pelo mundo 2016 escultura de mármore 60x70x320 cm Coleção de artista
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Ntaluma, com o caminhar do tempo, exercitou o seu saber, experimentou novas técnicas e descobriu, gradualmente, o seu Universo artístico. Hoje é um autor de relevo no panorama artístico moçambicano e português. Está representado em coleções individuais e privadas por este mundo fora. A sua obra afirma-se no espaço público com batuques que não cessam de expressar ritmos de vida. O conjunto escultórico em mármore instalado no Parque dos Poetas, em Oeiras, é um exemplo, significativo disso mesmo. A sua obra chama-nos, mexe connosco, gira, é dinâmica, não cessa, combina as formas, agita os sentidos, molda, envolve. Ntaluma define rostos, “máscaras”, corpos, a terra e o calor mais intenso dos trópicos. Invoca rituais ancestrais e a memória de um povo unido. Manifesta o nascer que amanhece, a maternidade, a esperança que é Futuro. Este evento, ao ser inaugurado no dia 3 de fevereiro, “dia dos heróis desta Jovem Nação”, está a pulsar História e evoca liberdade. Para Ntaluma, cada criação é transformação, é encontro formal, é assombro que permanece.
Rui A. Pereira
Ntaluma, Escultor Makonde Sensação familiar 2018 escultura de madeira nganga 30x24x90 cm Coleção de artista
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Ntaluma, Escultor Makonde Imigrantes 2016 escultura de pedra ónix 62x25x63 cm Coleção de artista
REINATA SADIMBA
Considerada por muitos dos apreciadores da sua obra como “deusa e mãe da cerâmica artística moçambicana”. O progresso da sua produção autoral confunde-se com a sua vida pessoal, os temas retratados são, em muitos casos, vivenciados na primeira pessoa. A tradição oral da etnia Maconde é uma das principais fontes de inspiração: a obra de Reinata nasce das formas simples dos objetos de uso corrente, como potes, panelas e diferentes utensílios de barro. Os rostos sempre presentes com feições muito expressivas remetem-nos para os vestígios das máscaras típicas do norte de Moçambique, repletas de tatuagens entre outros sinais estéticos. Reinata, através da moldagem do barro, procura dar forma aos temas e momentos marcantes da sua vivência em comunidade. Embora nem sempre essa convivência seja pacífica, os conflitos, os mitos e os sonhos coabitam de modo harmonioso ao saírem das mãos de Reinata. Assim, cada escultura moldada reflete uma determinada narrativa, que, para além de representar simplesmente o belo das formas imaginadas, também questiona e avalia os próprios acontecimentos.
Titos Pelembe
Reinata Sadimba Sem título sem data esculturas de barro 17x10x42cm e 19x21x47cm
Coleção particular de Paulo Varanda
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RICARDO RANGEL
Doravante, falar da tradição fotográfica em Moçambique significa antes de mais um acto generoso de prestação de tributo aos seus precursores dos quais a figura do Ricardo Rangel é inquestionavelmente fundamental. Rangel trilhou os primeiros passos no mundo da fotografia a partir dos anos 40 e fez do ato fotográfico um modo de vida, mais do que um simples ofício de sobrevivência. É considerado o precursor do fotojornalismo moçambicano que tornou possível a sua miragem fotográfica numa realidade. Portanto, merece o total reconhecimento social, a par dos seus contemporâneos que se ocuparam na captura de momentos e cenários históricos, através da materialidade fotográfica produzida. Pois, as imagens captura-
das representam o espírito de resiliência e a força matriz da resistência popular, da classe operária, enquanto meio de subversão de todas as formas de subordinação humana. A imagem “Paradoxo de Contexto. Porteiro do Cabaré, Moulin Rouge” (1965), foi fotografada num período colonial socialmente crítico para a maioria da população nativa moçambicana.
De outro modo, falar da fotografia em Moçambique implica igualmente falar de um instrumento que tem contribuído significativamente nas lutas sociais, tal como foi no processo da luta armada que culminou no processo da conquista da independência nacional.
Ricardo Rangel
Paradoxo de contexto.
Porteiro do cabaré “Moulin Rouge” Beira 1965
prova de gelatina sal de prata 40x30 cm Coleção da Caixa Geral de Depósitos, Lisboa
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Titos Pelembe
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS © Laura Castro Caldas / Paulo Cintra, Cortesia CulturgestFundação Caixa Geral de Depósitos
ROBERTO CHICHORRO, na generalidade da sua obra, imprime uma intensidade formal e colorida intrínseca à vida. Revela o íntimo, a paixão mais afetuosa, a veemência pictórica mais esvoaçante. O seu traço é vigoroso a declarar o figurado, o volume, e define o claro/escuro mais enérgico. Em cada tela, a cor verde, a amarela, o vermelho, o azul, o preto e o branco surgem, em gradação mesclada, a revelar tantas outras cores. Chichorro define planos verticais e horizontais que se incorporam num todo corpóreo, físico e espiritual. Descreve o feitiço do amor que abre portas, janelas e rasgos de luz. Ritualiza o acasalamento na entrega e descoberta mais florida. Por estes lados a lua cheia palpita acelerada e os enamorados ao arrepio declaram promessas de amor eterno. Tudo é ritmo, é poesia, são retalhos de vida, são um beijo colado, são dois seres de perfil, juntos, um com um semblante branco cal, no feminino e o outro azul, masculino. Ligados enlaçam-se em harmonia. O autor, numa mesma obra, avizinha em epílogo o amanhecer acordado com o que anoitece aveludado. A cor mais luminosa evidencia-se perante o escurecido mais profundo. O Mestre narra, de algum modo, o delicado, o mais sensível, para
Roberto Chichorro
Festa em noite suburbana 2009 acrílico s/ tela 125x200 cm Coleção de artista
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nos remeter para um imaginário diverso: o circense; a figura do arlequim em palco; a fábula com cabras, pássaros de fogo, beija-flores, peixes, burros e gatos. Cada trabalho é, em si, uma melodia, uma pauta musical, um corpo desnudado feminino a tocar violino, um arlequim de bicicleta a “chilrear” com uma flauta transversal, um baile de máscaras, a dança corporal merengue e homens à guitarra, o acordeão, a gaita-de-foles…, neste universo plástico, tudo é deleite, tudo é contentamento. Com pinceladas, manchas coloridas e riscos acelerados, estrutura, delimita, um todo espacial que descreve o lugar. A figuração converge de forma ativa e esvoaçante –salta, pula e convida-nos a entrar no ritual da fantasia, em quimera. A pintura é assim, no essencial, o rosto estrelar, de pincelada delicada, a açucarar o espetáculo de cor. As duas telas apresentadas nesta exposição – “Festa em noite suburbana”, de 2009, está inserida na linha cronológica respetiva e a outra, “Nus sonhando gatos em azul”, foi termina-
da agora, expressamente para encerrar esta exposição. A obra de Roberto Chichorro fala-nos da amizade mais pura e da paixão acerbada. Nasceu em Maputo em 19 de dezembro de 1941, expôs pela primeira vez em 1967 e foi nos anos 80 que conseguiu entregar-se, em plenitude, ao Mundo das Artes. Este autor, com uma obra amplamente relevante e reconhecida, está representado em instituições como o Museu de Arte Contemporânea de Lisboa e o de Luanda. É de referenciar que, de forma metafórica, denunciou a repressão do tempo colonial, a censura e o calabouço. Chichorro caracterizou a Pide, a polícia política de então, com animais que, em metamorfose, definem a besta a espiar. O Mestre exalta a memória passada mais obscurantista e as suas origens. Para o Mestre, a criação é, em si, uma afirmação de Liberdade, de Independência individual e coletiva, a sua e a do seu povo.
Roberto Chichorro Nus sonhando gatos em azul 2022 acrílico s/ tela 100x150 cm Coleção de artista
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Rui A. Pereira
SAMATE MULUNGO inicia a sua carreira artística em 1959, num contexto bastante peculiar na história recente das artes plásticas moçambicanas. Influenciado pelo contexto de abertura criativa registado na então cidade de Lourenço Marques, por intermédio das atividades e oficinas artísticas desenvolvidas pelo Núcleo de Arte. Primordialmente, Samate foi incentivado pela pintura de Jacob Estevão e começou a expor ativamente na década da independência. A pintura deste artista apresenta uma imagética singular para a época, devido a sua característica tendencialmente abstracionista. Visto que a matriz da pintura popular em voga na época era de carácter figurativa, por um lado impulsionada pela necessidade de documentar de forma clara e direta o momento de euforia popular movida pelo advento da independência. Em contrapartida, tal como descreveu Julieta Massimbe (2012), que a pintura de Samate “não se apega à simbologia. Recria a realidade através da cor como forma”. Os tons de pastéis a óleo aplicados de modo desordenado e espontâneo moldam as personagens e cenários recriados em ambientes centrados em volta das composições circulares. Através destas emergem formas geométricas e abstratas de alguns símbolos que nos remetem para certas expressões decorativas ou elementos corporais, quer faciais, como: boca, dentes, olhos e outros como os dedos das mãos ou dos pés.
Titos Pelembe
Samate Mulungo Sem título 1987 acrílico s/ tela 33x33 cm
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Coleção particular de Roberto Chichorro
SÉRGIO SANTIMANO nasceu em Maputo em 1956, vive e trabalha atualmente na Suécia e Moçambique. É um fotojornalista com uma vasta obra editada internacionalmente. O seu trabalho manifesta um forte comprometimento cívico e social. A fome e a guerra são temas que marcaram, inevitavelmente, a sua ação. Com o cessar da guerra civil de Moçambique, em 1992, vai inscrever com o seu engenho imagens que captam os efeitos horrendos da devastação da guerra e, ao mesmo tempo, abraça os tempos vindouros de esperança com a reconstrução desta Nação.
Sérgio Santimano liga-nos simbolicamente ao fervor da vida, a um plano ritualizado que corre pelo caminho do sonho. Cada registo avizinha-nos sensorialmente, a cor ou preto e branco, à emoção da imagem. A luz corre, é um rasgo concreto, e nomeia a superfície como uma espiral do pensamento. Santimano é descoberta, é memória, documenta tempos que não se omitem e que aclaram a fragrância terrena e mais esvoaçante, o que nasce, e faz perpetuar a claridade.
Conhecer o seu trabalho é “percorrer mundo..., é o belo, é um sorriso, é ondular simbolicamente pelo campo mais ilimitado. A fotografia retira-nos da escuridão para fundamentar o estrelado, a extensão que alvora Moçambique, Goa das suas origens, e um todo Universal. Nas duas fotos, em diálogo, nesta exposição - “Uma história de fotográfica sobre Áfri-
Sérgio Santimano Auto-retrato - da série “Cabo-Delgado - Uma história fotográfica sobre África” - Pemba 1997
lambda (impressão digital) 40x60 cm Colectivo Multimédia Perve
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ca”, de 1996 e na de “Lupilichi – Da série “Terra incógnita”,– o Mestre fotógrafo remete-nos para um plano existencial unificador, como se um todo convergente apagasse o supérfluo para se cingir ao essencial, o foco elementar. Contemplar o visível é, aqui, através do olhar, capturar a alma e o corpo, eternizar a plenitude emancipadora da integridade humana. O seu foco é diverso, é um plano aproximado e, ou, afastado, é o contraste preto no branco, são silhuetas em evidência, em pose estática, ou o movimento em correria. Tudo é alegria esfuziante e a máquina de cartão que nos fotografa com um click aprisiona-nos. Trata-se de um gesto que nos liga num triângulo fraterno: Santimano capta o menino fotógrafo, olhos nos olhos e o nosso como observadores.
Rui A. Pereira
Sérgio Santimano
Lupilichi - Da série “Terra Incógnita”, Niassa Ocidental 2003 lambda (impressão digital) 40x60 cm Colectivo Multimédia Perve
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SUZY BILA
A inquietude, a revolta e a rebeldia, mas também o deambular à procura do sossego de espírito e corpo em algum lugar do planeta, é uma das primeiras sensações que as manchas pictóricas e o movimento lírico na obra desta artista suscitam em mim. Creio que parte destes sentimentos seja comum à dos demais apreciadores e admiradores da obra de Suzy Bila. O árduo e magnífico trabalho desta artista radicada em Portugal já há alguns anos, possibilita múltiplas visões e concetualizações. Um aspeto importante a reter na pintura de Suzy Bila é o abandono de todas as formas de representação gráfica e pictórica inerentes à matriz da paleta de cores e técnicas recorrentes da pintura popular e moderna de Moçambique. Esta rutura ou afastamento inclui também o âmbito temático: nesta perspetiva, Bila opta pela via abstrata, expressionista e sobretudo subjetiva.
A subjetividade da imagética das pinturas da Suzy, e na obra aqui exposta em particular, provoca no espectador uma sensação vibrante e expandida da liberdade dos céus, dos mares, das florestas, dos desertos.... A liberdade de imaginar diversos mundos utópicos em alteridade ao planeta Terra é uma das hipóteses presentes na tentativa de descrever este trabalho. A escala em ponto maior, geralmente explorada nas pinturas da Suzy Bila, tende a absorver o olhar do espectador e expandi-lo na sua imaginação, em que cada mancha, pincelada ou espatulada em tons azulados suscitam um determinado objeto ou fragmento aleatório.
Susy Bila Liberdade 2018 acrílico s/ tela 210x264 cm Coleção de artista
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Titos Pelembe
VICTOR SOUSA é um autor multifacetado. O Mestre, como era intitulado por amigos do meio, experimentou formas diversas de expressão artística que abarcam, entre outras técnicas, a pintura, a gravura, a serigrafia, o desenho e a escultura cerâmica. Foi professor de Artes Visuais na Escola de Artes Visuais em Maputo. A sua obra está patente no Museu Nacional em Maputo, cidade onde nasceu em 1952. Tem obra em coleções particulares, no estrangeiro e no seu país de origem. A exaltação do feminino, na vertente da Maternidade, é uma das suas representações mais reveladas e em constante renovação: figurar a mãe África como cerne de vida; como âmago existencial; estrutura basilar transformadora com a sua presença assente na sua origem, em raízes firmes, a etnia, os costumes e os valores que definem a sua identidade, inerente ao seu povo, geracionalmente, a elucidar Futuro. A trajetória artística do Mestre, a forma como delineia, grava, pinta ou esculpe, não obedece, no essencial, a nenhuma norma estética fechada. A expressão, a definição de contornos formais evidentes são, no
geral, uma marca na intensidade plástica geral incutida em cada obra. As representações formais no feminino, entre o figurativo evidente e o desconstruído, ilustram o deleite sensual do corpo, a justaposição das formas, lábios, olhos, rostos, tudo é substância, tudo é presença, tudo encarna uma força terrena. Noutras vertentes da sua obra, o autor entrega-se ao pincelar colorido livre mais compacto ou mais solto, desapegado. Victor Sousa, quando entra num trilho formal mais orgânico, com formas circulares, ramificações, flores, mãos, corpos, olhos indefinidos, pouco claros, faz sobressair um todo, amplamente pictórico que, em contraste, faz brilhar a intensidade da cor mais vibrante. Entre o mais delicado, mais singelo e o austero, Victor Sousa incute em cada peça a força mais pura, mais genuína e verdadeira. O Mestre deixou-nos no mês de setembro de 2017. Moçambique honra a sua obra perpetuando-a na sua Casa das Artes como um filho da Nação.
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Rui A. Pereira
Victor Sousa Regresso sem data óleo s/ tela 88x78 cm
Coleção particular de Roberto Chichorro
ZAQUEU UBISSE é um artista que teve a oportunidade de aprender a arte de expressar-se através da madeira com o celebre escultor Alberto Chissano, ou por outras palavras, diríamos que no início da sua carreira frequentou a escola de “Chissano”, situada no bairro de Fomento na cidade da Matola.
Zaqueu esculpe cenas variadas da vida, carrega na sua obra a matriz formal que caracteriza igualmente as esculturas produzidas pelos seus contemporâneos, marcada pela (des)figuração que atribui muita importância expressiva às composições de cabeças grandes, formas vazadas e elementos corporais estilizados, geralmente finos e alongados. Na peça em exposição, de 1989, o autor representa duas cabeças humanas que, de forma incorpórea, dialogam o sentir ancestral e cujas vozes trazem ao observador as vibrações telúricas de África. Os cabelos abraçam os dois rostos de uma expressividade impressionante. Titos Pelembe
Zaqueu Ubisse Sem título 1989 escultura de madeira exótica 10,5x11,5x49 cm
Coleção da Caixa Geral de Depósitos, Lisboa
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CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS © CulturgestFundação Caixa Geral de Depósitos
ARTE E CULTURA MAKONDE, MÁSCARA MAPIKO
Nas décadas de 40 a 60 do século passado, os estudos académicos realizados sobre arte africana, em particular a que se produzia na África Austral, detinham, no essencial, uma sentença crítica de natureza colonial. E quando se menciona escultura da África Austral e Oriental, naturalmente, as de origem Maconde inserem-se neste contexto.
Foi em Marangu, no norte da Tanzânia, mais precisamente no pico do Quilimanjaro, que foi inaugurada uma exposição com obras escultóricas em pau-preto oriundas desta região e foi aí que elas ganharam notoriedade.
No ano de 1965, em Nairobi, Quénia, realizou-se uma outra exposição, com as mesmas peças, o que permitiu, de forma alargada, que elas fossem dadas a conhecer ao mundo. Na altura, ficou assinalado como “um fenómeno artístico”, de Arte “moderna”. Proporcionou a sua globalização, quando a criatividade destas peças foi dada a conhecer, junto da maioria da arte africana, em publicações e em outros meios de comunicação internacionais.
Ainda relativamente à exposição apresentada em Nairobi, na Kibo Art Gallery, o colecionador americano J. Anthony Stout publica o artigo “Modern Ma-
Sem título Etnia: Maconde década de 1960 madeira 16x27x21 cm Coleção particular de Paulo Varanda
na página seguinte
Sem título Etnia: Maconde 1955 pau-preto 12xØ6 cm Coleção particular de Paulo Varanda
Sem título Etnia: Maconde década de 1960 pau-preto 13x15x27 cm Coleção particular de Paulo Varanda
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konde Sculpture” em que afirma ter sido confrontado por “surpreendentes esculturas makonde”.
Nos anos seguintes, o fenómeno internacionalizar-se-ia com exposições nos Estados Unidos (Universidade de Los Angeles, 1967; Universidade de Syracusa, 1968), Inglaterra (Grosvenor Gallery, Londres, 1969), Alemanha (Volkerkunde Museum de Mannheim, 1969; Estugarda, maio 1971; Bona 1971), França (Paris, Galeria “La Brocantérie”, 1971), Paris, 1988. Em Narita, no Japão. Revistas da especialidade, como a muito conceituada African Arts, publicam artigos sobre a “modern makonde sculpture”.
Da globalização da arte makonde depressa resultaria, no domínio da então designada “arte africana”, uma notável densificação crítica. A revelação da arte makonde passa a ser denominada, na visão de uns, por arte contemporânea e, por outros, etnológica. Todos falam de arte, alguns académicos falam tanto sobre arte que chegam ao ponto de negligenciar o essencial, o que é arte e o que não é! Weule1, na década anterior, já falava da escultura em madeira da autoria dos Makonde, que esta tinha uma raiz “tradicional” ancestral e que a criatividade deste povo se estendeu por territórios “exóticos” da África Oriental.
1 Nota da editora (N.E.): Karl Weule foi um etnólogo alemão que, no início do século XX, pesquisou e escreveu sobre a arte escultórica maconde.
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Na realidade, as esculturas de “arte africana” que surpreenderam o mundo em meados da década de 60 nas exposições de Marangu e Nairobi, foram as famosas Ujamaa e os Shetanis em pau-preto. Falando do passado, do presente e dos tempos vindouros, diria: a aprendizagem é parte integrante da nossa vida quotidiana. Somos seres sociais, o que implica que sejamos capazes de manter a nossa identidade, o que somos, com as nossas práticas e, ao mesmo tempo, cruzar o local com o global, o de dentro com o de fora. Nessa dinâmica pode extrair-se um novo significado e sentido de participação e de criatividade surpreendentes. Articular o presente com o futuro é projetar o que somos no que gostaríamos de ser. Pensar cultura é entender, numa perspetiva sociológica e antropológica, o que configura todo o nosso ambiente vivencial e organizacional e, ao mesmo tempo, lidar com os novos tempos, fortemente tecnológicos. Mas, o que é cultura? Será que está relacionada com o comportamento das pessoas e com o que produzem? Será que as organizações/estruturas modernas podem harmonizar, valorizar, indivíduos e grupos e agilizar interesses comuns?
Não será exagero dizer que a Cultura é inerente ao ser humano. O ritual é algo que marca os seres vivos no geral e a Arte Makonde reflete na sua existência isso mesmo. Na sociedade, em geral, valoriza-se a passagem de uma vida para outra, de um estatu-
Sem título
Etnia: Maconde década de 1960 pau-preto 14x14x47 cm Coleção particular de Paulo Varanda
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to social para outro, quando se promove alguém a um cargo de chefia ou de direção existe, de algum modo, o ritual de tomada de posse, quando se é condecorado com uma certa insígnia, existe o ritual solene de graduação. O mesmo acontece com os Makondes quando, por exemplo, assinalam ritualmente uma dada formação técnico-profissional de nível secundário, médio, ou superior, na nossa sociedade makonde. Os Makondes, com os seus rituais, enaltecem a passagem para a vida adulta, o nascimento, a morte, a puberdade e a passagem de um estatuto social para outro. Toda a população se envolve em quatro momentos basilares: o nascimento, a puberdade, o casamento e a morte. Existem rituais de passagem, masculinos e femininos, os eufóricos e os famosos momentos de Likumbi2 e Ing’oma respetivamente. O Lipiko3 exibe os seus passos sumptuosos, e os Vanalombwa, como mestres de cerimónia de incontornável carga simbólica: são médicos tradicionais, mestres de ritos de iniciação; ditam as regras do ritual, o início, o decurso e o fim das cerimónias. Os Vanalombwa apresentam-se geralmente com pinturas brancas, configurando-se como verdadeiros seres leopardizados, míticos, singulares. Os Vanalombwa dançam, com surpreendente arte, saltam e exaltam-se com uma mística que lhes é inerente, que
2
Nota da editora: Cerimónias tradicionais Maconde, localmente conhecidas por Likumbi, que visa dotar o rapaz de educação básica, transitando da fase de criança para a adulta.
3 N.E.: Nome igualmente dado à máscara usada primariamente para a dança do mapiko nos rituais de passagem à idade adulta de rapazes e raparigas e nos funerais.
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não tem par. Trocam os passos duma maneira inverosímil. Gritam, sorriem, aborrecem-se enfim, cómicos e teatrais, celebram o grande mistério da vida. É o centro fundamental em torno do qual gravita (KULIKUMBI) o ritual de iniciação de passagem masculina e a festa de Ing’oma, que é o ritual de iniciação de passagem feminina: são os mestres de circuncisão masculina, (os Makondes não têm práticas de excisão feminina), as meninas têm o rito de estar dentro duma casa durante dois ou mais meses a aprender como cuidar do marido e dos filhos. Os mapiko ou lipiko são educativos, teatrais e cómi-
cos, promovendo, através da sua apresentação, interações entre grupos similares de aldeias vizinhas, ligado ou não por laços de parentesco, promovendo um grande festival de tipos e diversas danças makondes, a entrada e a saída de Likumbi.
Todos os rituais estão entranhados na cultura social Makonde e a sua Arte é uma expressão viva que não está desligada, no essencial, destes ritos ancestrais.
Makonde que sou, sirvo de testemunho vivo.
Ntaluma, Escultor Makonde
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na página anterior
Kaniki
Máscara mapiko retratando o colonialista Etnia: Maconde | década de 1980 madeira (Ntene) | 23x17x27 cm
Proprietário: Coleção particular de Ntaluma, Escultor Makonde
Shindiliya
Máscara mapiko Manganyamu, teatral Etnia: Maconde | década de 1980 madeira (Ntene) | 22x19x24 cm
Coleção particular de Ntaluma, Escultor Makonde
Kaniki
Máscara mapiko
Etnia: Maconde | década de 1980 madeira (Ntene) | 21x19x23 cm
Coleção particular de Ntaluma, Escultor Makonde
Lipiko
Máscara utilizada nas danças do Mapiko ligadas aos rituais iniciáticos comunitários Etnia: Maconde | décadas de 1940/1950 madeira, cabelo humano e pigmentos | 28x19x26 cm Coleção particular de Ntaluma, Escultor Makonde
Lipiko
Máscara utilizada nas danças do Mapiko ligadas aos rituais iniciáticos comunitários
Etnia: Maconde | década de 1950 madeira, cabelo humano e pigmentos | 25x19x23 cm
Coleção particular de Ntaluma, Escultor Makonde
Bastão Maconde
Peça de aparato ligada aos rituais iniciáticos comunitários
Etnia: Maconde | década de 1920 madeira | 4,5 Øx78 cm
Coleção particular de Ntaluma, Escultor Makonde
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A comunidade Macua é descendente de uma grande migração de um grupo Banto, originário da região centro-africana dos grandes lagos. Instalaram-se e ocuparam a região norte de Moçambique, na zona do Niassa, assim como em alguns países vizinhos, na demanda de terras férteis. Culturalmente, os Macuas organizam-se de forma matrilinear, e a sua origem descende de uma consanguinidade pertencente a uma mulher antepassada.
Este grupo escultórico é composto pela figura de um homem e de uma mulher, que transportam em si essa memória cultural e social, refletindo-se na sua plasticidade telúrica. Escultura “pés de chão” onde se debruçam as visões encantatórias da comunhão dos homens com a natureza, da liberdade dos corpos e dos rituais ancestrais. São estas cerimónias que justificam a existência de um pequeno espaço interior (contentor) para depositar elementos rituais, que incorporam um valor superior a estas peças. Alegoria “terra-mãe”.
Rui Vasquez
Figuras de antepassados Figuras matriciais ligadas ao panteão mitológico Macua
Etnia: Macua década de 1950 madeira 15x47 cm Coleção particular de Ntaluma, Escultor Makonde
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ARTISTAS REPRESENTADOS
ALBERTO CHISSANO
Alberto Chissano foi um escultor moçambicano de renome internacional, considerado por organizações culturais nacionais como o mais importante escultor moçambicano.
Chissano nasceu em 1935, em Manjacase, em Gaza, Moçambique, e suicidou-se em 1994, em sua casa, na cidade da Matola.
A avó, uma famosa curandeira, ensinou-o a observar a natureza que o rodeava e transmitiu-lhe um vasto mundo simbólico que, de certa forma, inspirou a sua arte. Outra das influências marcantes no seu trabalho foi a cultura do povo changana (do grupo étnico tsonga-changana), que conheceu de perto. Depois de vários empregos temporários em Maputo, começou a trabalhar no Núcleo de Arte, sendo incentivado a desenvolver a arte da escultura pelo pintor moçambicano Malangatana. Realizou a sua primeira exposição em 1966 no 1º Salão de Arte Moderna e, em 1969, esteve representado na “Contemporary African Art” no Camden Art Centre, em Londres. A partir de 1974, realizou exposições em Portugal, onde foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian.
O material utilizado por Chissano foi a madeira. Algumas das suas esculturas têm cerca de três metros de altura e todas as suas obras refletem a tristeza que caracterizava o escultor, como símbolo do sofrimento, da fome e da miséria. O escultor
fundou o Museu Galeria Alberto Chissano na sua casa da Matola. Podem encontrar-se obras do escultor no Museu Galeria Chissano, na Matola; no Museu Nacional de Arte, Maputo African Contemporary | Galeria de Arte de África Contemporâneo.
AMILTON NEVES CUNA
Amilton Neves Cuna é um fotógrafo profissional baseado em Maputo, Moçambique, e Tampa, Florida (EUA).
Com base nos seus conhecimentos como antropólogo, Cuna retrata questões sociais contemporâneas usando técnicas de narrativa e documentário. Os seus projetos passados e atuais abordam as perceções de pessoas que se encontram à margem da sociedade, preservando aspetos muitas vezes esquecidos da história moderna de Moçambique. Depois dos dois violentos ciclones, Idai e Kenneth (2019), que devastaram grandes áreas do território moçambicano, causando centenas de mortos e afetando mais de dois milhões de pessoas, Amilton Neves começou a dedicar-se ao problema dos efeitos das mudanças climáticas.
O fotógrafo fez formação na Sooke Photography School, no Canadá, no Nuku Studio, no Gana, e na International Urban Photography Summer School da Goldsmiths University, em Londres. Foi destaque no Centro Cultural Franco Moçambicano, em Maputo, bem como em galerias no
Gana, Portugal, Brasil, Etiópia e Canadá. A sua coleção “Madrinhas de Guerra” recebeu o Palm Springs Photo Festival Portfolio Prize (2018) e foi finalista do International Contemporary African Photography Award (2018).
Em 2019, foi nomeado pelo 6×6 Global Talent Program da World Press Photo Foundation. Nii Obodai Provencal, fotógrafo ganês e membro do júri, escreveu sobre Amilton Neves: Através das suas imagens e histórias [...] dá voz aos que foram marginalizados ou relegados para os mundos invisíveis da turbulenta e violenta luta de Moçambique pela independência, questionando a própria noção de vencedores e vencidos, opressores e vítimas [...].
https:// www.worldpressphoto.org/education/programs/6x6/africa/amilton-neves-cuna Biografia | Amilton Neves (amiltonnevesphotography. com)
ÂNGELA FERREIRA
Nascida em Maputo, em 1958, Ângela Ferreira formou-se em Escultura pela Michaelis School of Fine Arts da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, em 1983. Desde 2003, é professora assistente na Faculdade de Belas Artes de Lisboa.
O trabalho da artista, que possui dupla nacionalidade, portuguesa e moçambicana, detém-se largamente na exploração das relações interculturais e identitárias
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entre o mundo ocidental e o mundo africano. Do formalismo que explorou nas suas primeiras esculturas, Ângela Ferreira evoluiu para trabalhos marcados pela confrontação de objetos, memórias e arquiteturas, recorrendo à fotografia, ao vídeo e à instalação, meios que lhe permitem desenvolver concetualmente uma reflexão sobre os modelos estéticos e culturais modernistas e a sua leitura teórica e histórica.
Em 1995, foi galardoada com o Prémio de Escultura na Bienal das Caldas da Rainha. Foi a representante de Portugal na Bienal de Veneza de 2007 com a obra Maison Tropicale. Esteve também presente nas Bienais de Istambul (1999), São Paulo (2008) e Bucareste (2010). O seu trabalho tem sido apresentado em inúmeras exposições nacionais e internacionais e está representada em diversas coleções públicas e privadas em todo o mundo.
ÂNGELO DE SOUSA
Ângelo César Cardoso de Sousa nasceu em 1938, em Moçambique. Com uma bolsa de estudo em Belas Artes concedida pela Caixa Económica Postal de Lourenço Marques (atual Maputo), aos 17 anos viajou para Portugal e fixou-se no Porto. Licenciou-se em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP) com a nota máxima, 20 valores, integrando logo depois o corpo docente da faculdade, onde lecionou durante quase quatro décadas. Ângelo de Sousa foi o primeiro Professor Catedrático em
Pintura daquela faculdade e jubilou-se em 2000. Também no Porto realizou a primeira exposição individual (1959) com Almada Negreiros, na Galeria Divulgação. Entre 1961 e 1969, trabalhou como cenógrafo e figurinista no Teatro Experimental do Porto.
Na década de sessenta, dedicou-se sobretudo à escultura, e frequentou a St. Martin’s School of Art e a Slade School of Fine Arts (Londres), com uma bolsa de estudos do British Council, atribuída pelo Governo Britânico.
Em 1972, passou a Professor Agregado da ESBAP (hoje Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto). Regressou à pintura, compondo as primeiras “pinturas envelope”, e começou a utilizar tintas acrílicas.
Durante toda a vida desenhou, tendo publicado vários livros de desenhos e ilustrado livros de autores portugueses. Realizou e integrou inúmeras exposições, individuais e coletivas, em Portugal (Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves e Centro Cultural de Belém), e no estrangeiro, tendo recebido diversos prémios. Faleceu em 2011, na cidade do Porto.
(In, CPS – Centro Português de Serigrafia)
ATIJA ASSANE
Atija Assane é uma jovem moçambicana, nascida em 1991, no distrito de Magude, província de Maputo. Foi gestora de projetos na consultora Novabase, na MOZEFO, do grupo SOICO (grupo privado de comunicação social) e posteriormente diretora de planificação no Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE). Nos últimos anos decidiu libertar-se das amarras de um emprego fixo para abraçar novas experiências e realidades, viajando pelo mundo, vivendo de voluntariado e de arte, para construir e partilhar narrativas alternativas sobre escolhas de impacto pessoal e social, e desta forma contribuir para a criação de um movimento de reflexão transformador.
“Se as vaginas falassem” é o nome do projeto que Atija Assane apresentou no Upcycle 2021, na Fortaleza de Maputo. A proposta discute os impactos das práticas coloniais, patriarcais e capitalistas na saúde ginecológica. É um trabalho essencialmente de questionamentos e partilha e não de respostas. Atija considera o corpo um espaço de vivências, registo e revisita de memória e aborda também a instrumentalização da mulher, numa perspetiva temporal.
“O trabalho é inspirado numa série de conversas com mulheres que passaram por experiências negativas com os seus corpos”, contou Atija Assane e nasceu de uma experiência pessoal que a levou a uma introspeção em torno das práticas que colocavam a sua saúde em causa.
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“Conversei com outras mulheres e percebi que, afinal, somos muitas e todas nós temos perguntas e coisas para partilhar”.
http://camoes-ccpmocambique.co.mz/eventos/2a-edicao-upcycles-residencia-criativa-audiovisual/ https://mbenga.co.mz/blog/2021/09/12/e-se-as-vaginas-falassem/
BELA ROCHA
Bela Rocha nasceu em Maputo. Cresceu num ambiente que sublinhava o gosto pelas artes e cultura em geral. Plural e facetada, a sua procura artística começou na adolescência, entre a dança e a pintura. Estudou teatro no Berliner Ensemble, em Berlim. No domínio da ilustração, colaborou no livro Raízes de Orvalho, de Mia Couto. No Brasil, onde viveu, desenvolveu a técnica da pintura sobre seda e a sua arte foi aplicada, em termos próprios, na Alta Costura.
Bela Rocha realizou diversas exposições individuais, nomeadamente em Moçambique, Portugal e Alemanha. Integrou igualmente inúmeras mostras coletivas, em Moçambique, Finlândia e Portugal, entre outros países. Está representada em coleções particulares na Alemanha, Brasil, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da América, Finlândia, França, Haiti, Itália, Moçambique e Portugal, incluindo: Museu Nacional de Artes de Moçambique, Museu Alpooy Ako, Finlândia, e na Sede Internacional da UNICEF. Em 2011, a conceituada revista parisiense “Latitude”, publicou uma extensa refe-
rência à obra de Bela Rocha. Em 2014, a artista foi convidada a participar no Congresso Internacional de Antropologia em Coimbra, Portugal, onde deu uma palestra sobre as suas obras, finalizando com um debate.
CARLOS NOGUEIRA
Carlos Nogueira nasceu em Moçambique, em 1947, vive e trabalha em Lisboa. Estudou Escultura nas Escolas Superiores de Belas Artes do Porto e de Lisboa e foi bolseiro da Fundação Gulbenkian, da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. O seu trabalho é marcado pela permanente investigação das relações entre a escultura e a arquitetura. O tema da casa e a exploração do conceito da casa atravessa toda a sua obra, manifestando-se através dos títulos ou dos materiais escolhidos – ferro, madeira, cimento, vidro, cal e carvão. Integrou as representações portuguesas à Bienal de Veneza (1986) e à Trienal de Arquitetura de Milão (1996). Realizou inúmeras exposições individuais, entre outras, no Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva e Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico, Lisboa; Museu Internacional de Escultura Contemporânea, Santo Tirso, Portugal; Fundação Gulbenkian, Museu da Eletricidade – Fundação EDP, Museu Nacional de Arte Antiga e Museu da Cidade, Lisboa; Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de Janeiro. Coau-
tor em trabalhos de arquitetura com Ueli Krauss, Miguel Nery, José Manuel Fernandes, Maria de Lurdes Janeiro, Manuel Aires Mateus, José Adrião, entre outros. Tem obras nas seguintes coleções: Fundação Serralves; Fundação Calouste Gulbenkian; Museo Nacional de Arte Reina Sofia; Archivo Lafuente; Museu do Chiado; Brighton University; Coleção de Arte Fundação EDP; Centro Cultural de Belém; Coleção Berardo e Câmara Municipal de Lisboa, entre outras coleções públicas e privadas internacionais. Prémio Camões da II Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira (1980) e Menção Honrosa na Bienal Internacional de Escultura e Desenho das Caldas da Rainha (1995).
https://3m1arte.com/artista/carlos-nogueira/
CELESTINO MUDAULANE
Celestino Mudaulane (Celestino Bento Mondlane) nasceu em 1972 em Maputo, Moçambique. Licenciado em História pela Universidade Eduardo Mondlane, concluiu em 1992 o curso de cerâmica na Escola de Artes Visuais do Maputo. Desde 1993 é professor de cerâmica e desenho na Escola Nacional de Artes Visuais. Foi professor de desenho, artes e habilidades e Educação Visual no Instituto Nília, na capital moçambicana. Foi também professor do primeiro curso de Educação Visual
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no Centro Cultural de Matalana e do curso de cerâmica para artesãs de Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Trabalhou como educador de infância no jardim de infância Piu-Piu, em Maputo. É ainda membro do Núcleo de Arte e membro fundador do Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique (MUVART).
Em 2014 integrou a exposição coletiva Cata-Ventos na Galeria 111. Em 2015 foi um dos artistas representado na 56ª Bienal de Veneza. Recebeu em 2003 o 1º. Prémio de Cerâmica da Bienal TDM e o Prémio Consagração da Fundação Alberto Chissano (Maputo). Está representado em coleções privadas na África do Sul, Alemanha, Dinamarca e em Portugal (como as coleções Manuel de Brito e Fundação PLMJ)
Nos últimos anos participou em exposições na Dorsky Gallery, em Nova Iorque, na Feira de Arte Contemporânea de Lisboa e na Fundação Calouste Gulbenkian, na ARCO Madrid, e no Instituto Camões em Maputo.
CÉLIA BRAGANÇA
Célia de Melo Bragança nasceu em Moçambique em 1965. É doutorada em Grabado y Estampación, pela Faculdade de Belas Artes de San Carlos da Universidade Politécnica de Valência, e especialista universitária na mesma área. Tem o grau de Mestre pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Leciona Gravura na área das Artes Plásticas e Design gráfico, na Escola Superior Artes e
Design, Caldas da Rainha, ESAD, IPLeiria. Foi bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) entre 2010-2014, tendo completado uma pós-graduação em Curadoria e Programação das Artes na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. Desde 2015, foi Curadora de vários projetos coletivos, em Portugal (Caldas da Rainha) e realizou várias exposições individuais, em galerias e museus de várias cidades, em Portugal e Espanha. Célia Bragança tem-se evidenciado, a nível nacional e internacional, em especial em Espanha, e sobretudo na técnica de gravura, tendo sido galardoada com vários prémios, entre os quais o Premio de Gravura – VI Concurso Galileo Galilei – UPValência (2003); Premio de Gravura – V Concurso Galileo Galilei – UPValência (2002); Prémio de Aquisição Amadora 20 anos – VII Bienal de Gravura, 1ª Internacional de Gravura, Amadora (2000); Prémio de Edição – VI Bienal de Gravura – Fábrica da Cultura, Amadora (1998).
ERNESTO SHIKHANI
Ernesto Shikhani nasceu em 1934, em Muvesha, província de Maputo, Moçambique, onde faleceu em 2010. Pintor e escultor, Shikhani foi um dos artistas africanos mais importantes do século XX. Contemporâneo de Malangatana, de quem foi amigo, e de Alberto Chissano, iniciou os seus estudos em escultura no Núcleo de Arte, com o escultor português
Lobo Fernandes e em 1963 tornou-se assistente do escultor Silva Porto, professor na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque. Realizou a sua primeira exposição coletiva, em 1968, em Matalana, e a sua primeira exposição individual, em 1969, em Lourenço Marques (atual Maputo). Na década de 70, passou a dedicar-se também à pintura e, em 1973, obteve uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para aprofundar os seus conhecimentos em Lisboa. Em 1976, estabeleceu-se na cidade da Beira, Moçambique, onde lecionou Desenho no Auditório-Galeria. Em 1979, recebeu uma bolsa de estudo de seis meses, na URSS. Shikani expôs os seus trabalhos, em mostras individuais e coletivas, em diversas cidades moçambicanas e no estrangeiro, nomeadamente em Portugal, Zimbabué, Zâmbia, Estados Unidos, Alemanha, Angola, URSS, Cuba, Grã-Bretanha e Hungria, entre outros países. Tem obra representada em diversos museus em Portugal e em coleções privadas dentro e fora de Moçambique. O artista exprimiu várias formas de sofrimento através da escultura em madeira e sua pintura destaca-se pelos traços fortes e cores exuberantes. Tem vários murais em baixo relevo na Beira, em Moçambique.
https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$shikhani https://www.africancontemporary.com/Ernesto%20 Shikhani-pt.htm
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ESTEVÃO MUCAVELE
Estevão Mucavele nasceu em 1941, em Manjacaze, Moçambique, no seio de uma família de camponeses. Estudou numa escola de missionários católicos, mas não foi além do 3º ano da instrução primária. Aos 16 anos, juntamente com outros moçambicanos, Mucavele partiu para as minas da África do Sul em busca de uma vida melhor. Em 1958, Mucavele deixou as minas e conseguiu um emprego como varredor numa galeria de arte de Joanesburgo. Em 1966, foi para a Cidade do Cabo, onde arranjou emprego como porteiro, e nos tempos livres começou a pintar. Dois anos depois, realizou sua primeira exposição individual na Cidade do Cabo. Em 1971, Mucavele integrou uma exposição coletiva e, face à crítica favorável que o seu trabalho mereceu, resolveu dedicar-se exclusivamente à pintura. Em 1976, um ano depois da independência de Moçambique, Estevão Mucavele regressa ao seu país. Aí colaborou com outros pintores no mural da Praça dos Heróis e participou no grupo itinerante que se deslocou a Angola, à República Democrática da Alemanha e à União Soviética. Estevão Mucavele pinta principalmente paisagens: as que ele viu na África do Sul, as minas, o mar e, muitas vezes, as suas “paisagens imaginárias”. Nas palavras de Malangatana, a arte de Mucavele é “intransigente”.
EUGÉNIA MUSSA
Nasceu em Maputo, Moçambique em 1978. Iniciou os seus estudos em artes plásticas na City & Islington College, em Londres e formou-se em Pintura na Ar.Co, em 2009, ano em que foi uma das finalistas do Prémio Anteciparte.
Em 2010, recebeu uma Menção Honrosa na exposição comemorativa do 25º aniversário do Banco de Moçambique. Em 2013, em Lisboa, realizou uma exposição individual no Espaço Arte Tranquilidade, expôs na Fundação Calouste Gulbenkian e na Galeria João Esteves Oliveira, onde continua a expor regularmente. Eugénia Mussa esteve igualmente presente nas seguintes exposições coletivas: “Regresso ao Acervo”, na Galeria João Esteves Oliveira em Lisboa, em 2015, e no projeto “Lisboa Futura”, em Lisboa, em 2017. Na sua prática artística podemos encontrar uma preocupação constante com o repensar a história dos movimentos artísticos da pintura. Atualmente, vive em Lisboa e as suas obras fazem parte de coleções particulares e institucionais.
Cultural de Matalana, criado e dirigido pelo pintor Malangatana, onde exerce a atividade de formador, dirigindo-se em especial aos jovens, a fim de que o gosto pela arte não se perca. Em 1965, iniciou a sua atividade artística fazendo desenhos a tinta-da-china, aguarela e alguns óleos. As suas obras evocam tradições e cenas da vida do quotidiano do meio rural moçambicano, com destaque para a sua terra natal.
As suas obras revelam enorme desassossego, não só através das figuras, mas também pelas cores sombrias que escolhe, onde nunca falta o preto, símbolo africano de dor e luto, como mostra a sua utilização de tinta da-da-china sobre papel. Em 1968 realizou a sua primeira exposição individual na Escola de Matalana e desde então tem participado em diversas exposições coletivas em Moçambique, África do Sul, URRS, Itália, Nigéria, Holanda e Portugal.
FERNANDO MACHIANA
Fernando Machiana nasceu em 1939 em Matalana, Moçambique. O seu percurso artístico começou há muito, na sua terra natal, e expandiu-se além-fronteiras. É um dos membros fundadores do Centro
Desde 2006, frequenta o atelier do Centro Português de Serigrafia com o objetivo de dominar a técnica e transmitir esses conhecimentos aos grupos de trabalho no Centro Cultural de Matalana. Está representado no Museu de Arte de Moçambique, no Núcleo de Arte de Maputo, assim como em diversas coleções particulares.
Fontes: https://verdade.co.mz/fernando-machiana-a-esperanca-de-matalana/ https://www.cps.pt/pt/
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FILIPE BRANQUINHO
Filipe Branquinho nasceu em 1977, em Maputo e cresceu durante a Guerra Civil de Moçambique, em contacto com jornalistas e artistas e os maiores nomes da fotografia moçambicana, como Ricardo Rangel, Kok Nam ou José Cabral. Formou-se em Arquitetura pela Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, e pela Universidade Estadual de Londrina, no Brasil, onde o desenho e a ilustração, a par da sua formação em arquitetura, o levam a experimentar a fotografia como arte. Atualmente trabalha como freelancer em fotografia e ilustração em Maputo.
Através da sua obra, Filipe Branquinho explora a realidade de Moçambique, abordando questões sociais, culturais, políticas, memória coletiva e condições de trabalho. Integra a sua visão da arquitetura e a sua familiaridade com a “escola” de fotografia moçambicana, fundindo os géneros fotografia e paisagem. Retratos em grande formato, ao mesmo tempo retrato de pessoa e de arquitetura, são o traço distintivo da sua produção.
Em 2013, com a sua série “Showtime”, Filipe Branquinho foi finalista do Prémio BES Photo. Em 2015, com a série “Paisagens de Interiores” (2011-2014) ganhou o prémio Popcap’15, Prémio Internacional de Fotografia Africana Contemporânea. Participou em várias exposições coletivas e individuais em Moçambique e no estrangeiro, como Brasil, África do Sul e Portugal e tem diversas obras em coleções particulares.
Fontes:
xhttps://thisisnotawhitecube.com/artists/ https://www.artedegema.com/artistas/5/acercadoartista.html
https://www.buala.org/pt/autor/filipe-branquinho
GEMUCE
Pompílio Hilário Gemuce nasceu em Quelimane, Moçambique, em 1963. Frequentou o curso médio de cerâmica na Escola de Artes Visuais, em Maputo e licenciou-se em Belas Artes no Instituto de Belas Artes de Kiev, Ucrânia, em 1980. Em 1993 fez um Mestrado em Pintura de Murais naquela Academia de Kiev e, em 2001, fez um Mestrado em Conceção, Decisão e Gestão de Projetos Culturais na Universidade FCP3 Sorbonne Nouvelle, França.
O artista foi professor na Escola de Artes Visuais (ENAV) em Maputo, entre 1993 e 2008. Atualmente é docente do Curso de Artes Visuais no Instituto Superior de Arte e Cultura (ISArC) em Maputo. É fundador da Agência e galeria de arte Arte de Gema, foi membro fundador da Associação Arte Feliz e co-fundador do Muvart (Movimento de Arte Contemporânea) entre 2002 e 2008. Gemuce exprime-se essencialmente através da pintura explorando técnicas de óleo, acrílico, aguarela, colagem e técnicas mistas. Expõe desde o início da década de 1990, tanto individual como coletivamente, tendo apresentado o seu trabalho em países como Moçambique, África do Sul,
Senegal, Portugal, Espanha, Alemanha, Reino Unido, Noruega, Finlândia Ucrânia e Brasil. Adicionalmente, tem sido convidado para participar em júris de vários concursos de arte e curador de exposições. As suas obras integram diversas coleções públicas e privadas em Moçambique e no estrangeiro. Em 1994 foi-lhe atribuído o 1º Prémio USIS pela Embaixada dos Estados Unidos em Moçambique.
http://www.kulungwana.org.mz/Artistas2/Gemuce2/ Biografia
GONÇALO MABUNDA
Nasceu em Maputo, Moçambique, em 1975. Mabunda está interessado na memória coletiva do seu país, que só recentemente emergiu de uma longa e terrível guerra civil e por isso trabalha com as armas recuperadas em 1992, no final do conflito de dezasseis anos que dividiu Moçambique.
Optando pela escultura, Mabunda dá formas antropomórficas a AK47s, lançadores de foguetes, pistolas e outros objetos de destruição. Embora se possa dizer que as máscaras se baseiam numa história local da arte tradicional africana, o trabalho de Mabunda adquire uma impressionante vantagem modernista à semelhança das imagens de Braque e Picasso. As armas de guerra, desativadas, possuem fortes conotações políticas, mas, simultaneamente, as peças que Mabunda cria transmitem uma reflexão
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positiva sobre o poder transformador da arte e a resiliência e criatividade das sociedades civis africanas. Mabunda é mais conhecido pelos seus “tronos”. Segundo o artista, os tronos funcionam como atributos de poder, símbolos tribais e peças tradicionais da arte étnica africana. São uma forma irónica de comentar a sua experiência infantil de violência e absurdo e a guerra civil em Moçambique, que isolou o país por um longo período.
O trabalho de Mabunda já foi exposto no Museu Kunst Palast, em Dusseldorf, na Hayward Gallery, em Londres, no Centro Pompidou, em Paris, no Museu de Arte de Mori, em Tóquio, e na Galeria de Arte de Joanesburgo, em Joanesburgo, entre outros espaços museológicos.
ÍDASSE TEMBE
Artista plástico moçambicano, Ídasse Ekson Malendza Tembe nasceu em Infulene, província de Maputo, em 1955. Na escola secundária Manuel Sena, os professores de desenho despertaram-no para a arte do desenho, pintura e cerâmica. Em 1979, fez um curso de animador cultural no Centro de Estudos Culturais, com Malangatana e Domingos Manhiça e frequentou a galeria de Inácio Matsinhe que lhe ensinou rudimentos de arte. Concluiu o curso de Comunicação Gráfica sob a orientação de António Quadros. Trabalhou no Instituto Nacional de Cinema, criando o Departamento de Arte,
fez vários desenhos para capas de livros, revistas e jornais literários e integrou o movimento artístico da “Charrua”. Em 1982, passa a dedicar-se exclusivamente às artes plásticas. Ídasse expôs coletiva e individualmente em vários países, como Moçambique, Portugal, Angola, França, Bélgica, Zimbabwe. Foi membro do júri da 1ª exposição do Centro Cultural Português, organizada pelo Instituto Camões. Atualmente pertence aos corpos diretivos da Associação dos Escritores Moçambicanos e da Associação Cultural “Tchova Xita Duma” e membro do Núcleo de Arte (Maputo) e membro fundador do “Movimento de Artistas contra a Pobreza”. Pertence ainda à Comissão Organizadora da Bienal TDM’99 Está representado no Museu Nacional de Arte de Moçambique, e em coleções particulares nacionais e estrangeiras.
Em 1991 recebeu o 1.º Prémio de Desenho Anual do MNA e em 1997 recebeu o 1.º Prémio de Desenho Anual Musart-TDM 97 e, em 1998 o 1.º Prémio de Desenho Musart 98.
Acervo 06 - Biografia Idasse (pervegaleria.eu) https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$idasse
ILÍDIO CANDJA
Candja nasceu em 1976, em Maputo, Moçambique. Estudou na Escola de Artes Visuais de Maputo e atualmente vive e trabalha na cidade do Porto, em Portugal. A insatisfação pela desvalorização do pa-
trimónio legado pelos seus antepassados proporcionou-lhe o mote e a inspiração para o seu trabalho. As suas pinturas são uma explosão de cores quentes e húmidas, carregadas de pinceladas enérgicas e da simbologia rupestre encontrada nas raízes africanas. É nas suas origens que Candja resgata a tradição, recriando a contemporaneidade e criando a partir delas a sua própria linguagem. O seu portfólio refere várias exposições individuais e coletivas em diversos países. Para além de Moçambique, Candja expôs em Portugal, Espanha, Suíça, França, Estados Unidos, Reino Unido, África do Sul e Bélgica.
Nos anos mais recentes, as exposições individuais incluem, em 2022, “A magnificência. luz e fusão”, Galeria São Mamede, Lisboa; em 2021, “Octopus & Myopia”, Gallery Quadrum, Lisboa; em 2019, “Memory and fantasy part#2”, Galeria São Mamede, Porto, e “Legacy », Galerie Le Sud, Zurique (Suíça); em 2018 “Nothing is Lost, Everything Becomes...Cosmos part#2 », Galerie Frederic Storme, Lille, França. Algumas participações em mostras coletivas: em 2020, “Winter exhibition” e “Summer exhibition”, Galeria São Mamede, Lisboa; “African Art”, Museum Miramar, Sitges-Barcelona, Espanha; Arco Lisboa, Galeria Movart, Lisboa; em 2019, “Nature redeems us”, Galeria Garcia Diego, La Palma, Espanha.
https://www.buala.org/pt/da-fala/etiquetas/ilidio-candja-candja
https://zet.gallery/artista/ilidio-candja-candja-14592 https://www.saomamede.com/mobile/artista.php?ver=bio&id_artista=224
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JOSÉ CABRAL
José Cabral nasceu em 1952, em Maputo, e iniciou-se no mundo da fotografia com o pai, fotógrafo amador e projecionista de filmes. Entre 1975 e 1978, trabalhou no Departamento de fotografia do Instituto Nacional de Cinema e, em 1983, ingressou no Ministério da Agricultura como responsável pelo Departamento de Fotografia. Em 1996, José Cabral publicou o seu primeiro livro, A Guerra da Água (Ed. Ébano Multimédia), associada ao filme de Licínio de Azevedo com o mesmo nome. Elogiado pelo seu talento nas áreas de vídeo, cinema e fotografia, particularmente de cenários urbanos, José Cabral conta já com muitas realizações e exposições, entre as quais, “A Guerra da Água” (1995), “Moamba, o Homem e a Seca” (1984), “Os Americanos» (1996), “Itália 87” (1987), «Mueda, Planalto Maconde» (1998), «As Linhas da Minha Mão» (2006), «Anjos Urbanos» (2009) e «Espelhos Quebrados» (2013), para além das presenças destacadas em exibições coletivas como “Karingana ua Karingana” (1990), “A Árvore” (1997) e “Iluminando Vidas” (2002-05). A mais recente exposição de Cabral, “Moçambique – José Cabral”, foi inaugurada em abril de 2018, em Maputo, resultando de uma parceria entre o Camões – Centro Cultural Português em Maputo e a Associação Kulungwana, com curadoria de Filipe Branquinho e Alexandre Pomar. Uma apresentação antológica inédita do trabalho do fotógrafo moçambica-
no. A exposição é acompanhada do livro Moçambique – José Cabral, uma edição bilingue (português/inglês), coordenada por Alexandre Pomar. O livro reúne mais de 100 fotografias de José Cabral e inclui textos do coordenador e de Drew Thompson (EUA). Grande parte do espólio do artista é detido pela coleção da Caixa Geral de Depósitos (CGD) em Lisboa.
JOSÉ PÁDUA
José Pádua nasceu na cidade da Beira, Moçambique, em 1934, residindo em Lisboa desde 1977. Foi eleito Artista Plástico de 1966 pelo jornal A Tribuna de Moçambique, pelo seu trabalho como pintor, decorador, ilustrador e gravador. Entre 1974 e 1978 trabalhou exclusivamente para a Galeria de Arte R. Rennie, Harare, Zimbabué. De 1979 a 1981 foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, frequentando cursos de gravura em metal e de litografia. Em 1980 e 1981 foi distinguido com os 2º e 1º Prémios, respetivamente, em exposições sobre temas de Lisboa.
Tem também trabalhos na área da escultura e azulejaria, bem como murais em cimento em Joanesburgo no Bank of Lisbon & South Africa e, em Moçambique, nos aeroportos de Mavalane e Beira, Banco Pinto & Sotto Mayor, Montepio de Moçambique, Banco de Crédito Comercial e Industrial, piscinas do Complexo Desportivo dos Caminhos de Ferro da Beira, Banco de Moçambique e Cinema Novocine.
José Pádua está representado em inúmeras coleções particulares em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente na África do Sul, Zimbabué, Malawi, Moçambique, Angola, Espanha, Suécia, Áustria, Brasil, Venezuela, EUA, Canadá, Israel, Japão e Austrália. Além de ter participado em várias exposições coletivas, fez parte do grupo “A Tertúlia de Artistas de Moçambique”, que realiza exposições todos os anos, desde 1984, em vários países do mundo. José Pádua faleceu em 2016, com 81 anos, na cidade da Amadora, Portugal.
Fonte – https://www.cps.pt/en/artists/jose-padua
LÍVIO DE MORAIS
Escultor, professor e investigador, Lívio de Morais nasceu em Moçambique em 1945 e vive em Portugal desde 1971. Licenciado e Mestre em História de África pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi professor durante 36 anos na Escola Secundária Ferreira Dias, no Cacém. É Presidente do Centro Cultural Luso Moçambicano, membro do Conselho do Alto Comissariado para as Migrações e do Conselho de Opinião da RTP, e ainda curador de exposições de artistas da CPLP em Lisboa, Berlim e Bona. Autor com obra premiada e internacionalmente reconhecida, foi coautor da escultura que dá corpo ao Prémio Norte-Sul atribuído pelo Conselho da Europa. Lívio de Morais expõe desde 1964 e está representado em instituições públicas
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e privadas em África, Europa e América, com pintura e escultura em bronze, betão e pedra em espaços públicos. Proferiu várias conferências sobre Arte Africana e Património de África e, em 1997, participou no “Congrès Mondial sur la Condition de l’Artist”, na UNESCO.
Lívio de Morais é autor de quatro obras literárias: Homenagem à Família; Homenagem à Criança; Homenagem a Fernando Pessoa e Catálogo Arte Africana dos Museus de Etnologia da Europa, África. Em 2015, por ocasião do seu aniversário foi homenageado pelo município de Sintra com a atribuição do seu nome, “Casa da Cultura Lívio de Morais”, à Casa da Cultura de Mira Sintra. Em 2021 recebeu da RTP, o Prémio “25 Anos de RDP-África”.
LIZETTE CHIRRIME
Lizette Chirrime nasceu em 1973, em Maputo, Moçambique, onde cresceu e estudou até aos 17 anos. Sem educação artística formal, começou a criar obras de arte com tinta e tecidos. Em 2004, foi convidada para fazer a sua primeira exposição individual em Moçambique e, em 2005, aceitou uma residência de três meses nos Greatmore Studios, na Cidade do Cabo, África do Sul, onde viveu e trabalhou até 2021, regressando então a Moçambique.
O seu trabalho em grande formato sobre tela apresenta formas abstratas concretizadas em colagem de vários tecidos
estampados com motivos tradicionais, utilizados em peças de vestuário, como as capulanas. A interação entre têxteis, abstração e arte como ferramenta terapêutica e espiritual tornam a arte de Chirrime única e distintamente africana. “Cresci em condições muito duras, zangada e com medo da vida e sem autoestima [...]. Quando era jovem, encontrei-me numa ilha ao largo da costa de Nyambane, em Moçambique, onde vivi sozinha durante meses [...]. Mantive-me ocupada a criar obras de arte a partir de materiais encontrados. Foi aqui que começou o processo de cura. Acabei por regressar a Maputo e comecei a fazer e a vender peças de roupa únicas. Estas tornaram-se procurados e fui convidada a participar em exposições de grupo e eventos relacionados. O meu trabalho é guiado e influenciado pela água, pela fêmea e por uma combinação de felicidade e tristeza”, conta. Desde 2004, Lizette Chirrime já realizou várias exposições individuais e dezenas de coletivas no seu país e no estrangeiro, nomeadamente em África e na Europa.
https://asai.co.za/artist/lizette-chirrime/ https://www.vaticannews.va/pt/africa/news/2022-04/ lizete-chirrime-arte-contempornea-fora-da-caixa.html
MAIMUNA ADAM
Maimuna Adam nasceu em 1984 em Maputo, Moçambique. Passou a infância entre Gotemburgo, Suécia, e Maputo, onde vive e trabalha. Licenciou-se em Belas Ar-
tes na Universidade de Pretória, na África do Sul. É docente no Instituto Superior de Artes e Cultura, em Maputo. Expõe desde meados da década de 2000.
Em 2009, juntou-se ao primeiro grupo de formadores do departamento de Artes Visuais do Instituto Superior de Artes e Cultura em Machava, com o qual colaborou até 2012. Participou na VI Bienal de São Tomé e Príncipe, em 2011 e na Bienal MUVART’12 em Maputo, 2012, colaborou com a artista Cornelia Enderlein em “Entre ali e aqui”, no Instituto Cultural Moçambique-Alemanha.
Em 2014 ganhou uma bolsa de estudo para uma residência de curadoria em Iwalewahaus, na Universidade de Bayreuth, Alemanha, dedicada à investigação, documentação e ensino da arte contemporânea em África. Em 2019, foi tutora, ao lado de Ângela Ferreira, na UPCycles 2019, de uma residência para Países de Língua Oficial Portuguesa, financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, organizada pela Associação Amigos do Museu do Cinema em Moçambique.
Tem participado em diversas exposições coletivas e residências artísticas em Moçambique, África do Sul e Portugal. Nas suas obras recorre a materiais diversos como café, papel de fibra de banana, carvão, tinta acrílica, objetos e livros encontrados.
Fundação PLMJ | Artistas (fundacaoplmj.com) https://pt.wikipedia.org/wiki/Maimuna_Adam https://hangar.com.pt/
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MALANGATANA
Malangatana Valente Ngwenya nasceu em Maputo, Moçambique. Estudou na escola primária da Matalana e, posteriormente, em Maputo, nos primeiros anos da Escola Comercial. Foi pastor, aprendiz de medicina tradicional e empregado no clube da elite colonial de Lourenço Marques. Tornou-se artista profissional em 1960, graças ao apoio do arquiteto português Pancho Guedes, que lhe cedeu a garagem para usar como atelier e que lhe adquiria dois quadros por mês. Detido pela polícia colonial, ficou preso durante cerca de dois anos, tendo conseguido pintar alguns trabalhos na prisão. Após a independência do país, foi um dos criadores do Museu Nacional de Artes de Moçambique, onde procurou manter e dinamizar o Núcleo de Arte.
Malangatana destaca-se não só como artista plástico, mas também como poeta. A sua obra é hoje reconhecida em Moçambique e internacionalmente.
Com a Perve Galeria participou em diversas mostras coletivas com as exposições “Maniguemente Ser”, em 2001, e “Da Convergência dos Rios”, em 2004. Esteve representado por esta galeria na Feira da Arte Contemporânea de Lisboa, em 2004 e 2005, e na Feira de Arte Contemporânea de Madrid, em 2006 e 2008.
Malangatana foi galardoado com vários prémios, tais como o 1º Prémio de Pintura nas Comemorações de Lourenço Marques, 1962; Diploma e Medalha de Mérito da Aca-
demia Tomase Campanella de Artes e Ciências, Itália, 1970; Medalha Nachingwea pela contribuição para a Cultura Moçambicana, 1984; prémio da Associação Internacional de Críticos de Arte, Lisboa, 1990.
Em 1995, foi condecorado, em Portugal, como Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e, em 1997, foi nomeado pela UNESCO como “Artista pela Paz” e galardoado com o prémio da Fundação holandesa Príncipe Claus. A sua vasta obra encontra-se presente em vários museus e galerias públicas, bem como em coleções privadas em várias partes do Mundo. Malangatana faleceu em 2011, em Matosinhos, Portugal.
dualmente, desde 2005, em Moçambique, Portugal, na República Checa e Suécia, estando a sua obra representada em coleções privadas em diversos países.
MALENGA
Malenga, artista e músico, nasceu na aldeia de Mualela, província de Cabo Delgado, Moçambique, no coração da região Maconde. Com cerca de 16 anos, já na cidade de Pemba, seguindo a tradição familiar, dedica-se à escultura. Dois anos mais tarde muda-se para Maputo, onde trabalha com mestres de escultura maconde na Cooperativa de Arte Maconde, integrando-se posteriormente num grupo de artistas do Museu Nacional de Arte.
Em 2007 é distinguido com uma bolsa de estudos para um estágio no Ar.Co (Centro de Arte e Comunicação Visual), em Lisboa, e em 2008, na Faculdade de Belas Artes do Porto. Expõe coletivamente desde 1992 em Moçambique e Portugal, com trabalhos de escultura e pintura, e, indivi-
O seu percurso musical começou ainda em Maputo, a partir de 1992, quando ingressou na Escola Nacional de Música, onde estudou piano e guitarra clássica. Já em Portugal, Malenga continuou os seus estudos de guitarra clássica na Escola de Música Guilhermina Suggia, e dedicou-se também ao estudo do jazz na Escola de Jazz do Porto. É em Portugal que começa a compor temas originais, inspirado no imaginário da sua infância e juventude, o que o levou a fundar o Projeto Kundonde, em 2012. Tem obra em local público: a Instalação no Freedom Festival, Portugal (2009) e a Instalação no Boom Festival, Portugal (2010).
MALENGA | malenga (makondeart.wixsite.com)
MANKEW
Mankew Valente Mahumana nasceu em Marracuene (Maputo), a 1 de janeiro de 1934. Figura de renome no Núcleo de Arte de Maputo, Mankew fez parte da geração de artistas e nacionalistas como Malangatana, Oblino Mabjaia, Chissano, Shikani ou Lindo Hlongo. Trabalhou nas minas da África do Sul, durante grande parte da década de 1950. Entre 1961 e 1962, exercita exaustivamente o desenho. Autodidata, Mankew inicia o seu percurso na pintura em 1963. Participou, pela primeira vez, numa coletiva, em 1968. A
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sua primeira exposição individual foi em 1973, na antiga Lourenço Marques, hoje Maputo. Depois da independência, Mankew integrou, com outros artistas, as comitivas do Presidente Samora Machel em viagens internacionais, o que lhe permitiu conhecer vários países, nos quais chegou a expor e a dirigir oficinas criativas. Foi numa dessas viagens que recebeu, e aceitou, o convite para ser membro da Academia das Artes da República Democrática Alemã (RDA). Mankew é autor de murais na Presidência da República (Maputo), Moatize (Tete) e na Alemanha Federal. Uma das suas últimas exposições foi a coletiva “Simbiose”, que esteve patente na Galeria da Fundação Fernando Leite Couto, em Maputo. Ao longo de uma carreira de mais de 60 anos, viu as suas obras exibidas, além de Moçambique, em Portugal, Inglaterra, Noruega, Alemanha, entre outros. Mankew faleceu em setembro de 2021, em Maputo.
http://www.kulungwana.org.mz/Exposicoes/Coleccao-Crescente/Mankew2/Biografia https://mbenga.co.mz/blog/2017/10/13/mankew-mahumana-arte-sem-politica-e-um-prato-sem-sal/
MAPFARA
António Horácio Sitoi nasceu a 29 de outubro de 1979 em Maputo, Moçambique. É membro do Núcleo de Arte da ACHUFRE (Associação Cultural Hulene em Frente). Iniciou a sua carreira artística em 1999,
quando se juntou à Achufre. Começou, desde então, a desenvolver a sua arte, onde aprende a fazer cerâmica como autodidata, baseando-se nas suas vivências, ideologias e crenças. Mapfara torna-se um ícone e deixa a sua marca na cultura moçambicana quando, entre outras inúmeras distinções, foi vencedor na categoria de escultura da Commonwealth Artsand Crafts Awards (Austrália – 2007/2008) e recebeu o Prémio ‘Revelação’, pela Fundação Alberto Chissano. Foi também premiado no concurso Footarte (2010); na Bienal das ex-TDM (2009); e no Concurso ‘Descoberta’ –Centro de Estudos Brasileiros (2005).
MARGARIDA DE ARAÚJO
Margarida de Araújo nasceu em Lourenço Marques, atual Maputo, em 1967, e vive em Serpa, Portugal. Na sua formação e atividade artística destacam-se o curso de pintura sobre seda e olaria em Viena de Áustria, em 1987, o curso de olaria Cencal (Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica) e o estágio na Fábrica de Azulejos Viúva Lamego. No início dos anos noventa estudou modelação decorativa e cerâmica raku no Cencal, e modelação no atelier de Luigi Diotallevi, em Roma, onde frequentou também o atelier da ceramista Ersillieta Gabrielli. A partir de 2000, em Serpa, foi formadora na Escola de Artes e Ofícios Tradicionais
na área de cerâmica artística e lecionou o Curso de Mestre de Cerâmica Artística. Foi formadora de cerâmica no curso de Reprodução Artesanal do Património de Alcácer do Sal, e da Escola Oficina de Azulejaria e Pintura de Louça Cerâmica, em Serpa. Em 2010 inaugurou o seu próprio atelier, em Serpa, e em 2011 participou num workshop de escultura em resina com João Pedro Rodrigues. De 2010 a 2012 expôs e apresentou a obra de outros autores no seu atelier e noutras localidades e deu formação no curso de Pintura de Azulejo, em Serpa, e de Olaria, Cerâmica, Estampagem e Pintura de Tecidos noutras localidades. Expõe desde 1992, individual e coletivamente, em Portugal e no estrangeiro. Já recebeu Menções Honrosas e foi convidada para a criação da Escultura Pública, no Parque de Feiras de Beja, no âmbito das comemorações do 30º Aniversário da Ovibeja.
http://www.margaridadearaujo.com/biografia.html
MARGOT DIAS
Pianista de formação, Margot Schmidt nasceu na Alemanha, em 1908, adotando o apelido Dias pelo casamento com um antropólogo português, no começo da guerra, em 1940. O casal dedicou-se ao estudo do povo maconde quando Moçambique era ainda uma colónia.
Em 1957, Margot deslocou-se com o marido numa Missão do Ultramar Português, cuja competência específica era “estudar
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as minorias étnicas do ultramar português e a sua repercussão na cultura portuguesa”. Entre 1957 e 1961 realizaram campanhas de investigação sobre os Macondes do norte de Moçambique, os Chopes do sul de Moçambique e os Bosquímanos de Angola, entre outros. Dessas campanhas resultou a publicação de quatro volumes monográficos – perto de 30 filmes etnográficos, acerca dos Macondes de Moçambique. Foram produzidos registos cinematográficos de ritos de puberdade das raparigas, de danças, de contadores de histórias, de trabalhos em cerâmica e cestaria, concertos e sessões com o curandeiro, bem como gravações sonoras e detalhadas notas de campo. Desde 1965, Margot Dias apoiou a criação do Museu Nacional de Etnologia (MNE) e contribuiu com o primeiro objeto de estudo etnográfico, um pote de água maconde.
A 4 de fevereiro de 1989 foi distinguida como Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo presidente Mário Soares. Em 2016, o Museu Nacional de Etnologia (Portugal) e a Cinemateca Portuguesa, lançaram em DVD os filmes etnográficos realizados por Margot Dias entre 1958 e 1961. Margot Dias faleceu em 2001.
https://mnetnologia.files.wordpress. com/2016/08/65572502.pdf
MÁRIO MACILAU
Nasceu em Moçambique, em 1984. É uma figura de destaque de uma nova geração
de fotógrafos africanos. Iniciou o seu trabalho artístico em 2003 nas ruas de Maputo. Em 2015, participou na 56ª Bienal de Veneza, com um projeto inesperado sobre a vida das crianças de rua de Maputo, exposto no Pavilhão do Vaticano. Macilau venceu recentemente vários prémios, nomeadamente The FP Magazine’s Global Thinkers e foi finalista da UNICEF Photo of the Year em 2009. O seu trabalho tem sido largamente apresentado em exposições individuais e coletivas, tanto no seu país de origem, como a nível internacional, nomeadamente em Pangea: New Art from Africa and Latin America, Saatchi Gallery (2014), Making Africa, Vitra Design Museum (2015), Bienal de Veneza (2015) e Museu Guggenheim, Bilbao (2015-2016).
A obra de Macilau integra as coleções institucionais da Daimler Art Collection, Berlim / Estugarda, da Fundação PLMJ em Lisboa, do Banco Comercial e de Investimentos de Maputo, da Embaixada Francesa em Maputo e da African Artists’ Foundation em Lagos, Nigéria. Está ainda presente em várias coleções privadas portuguesas e internacionais (Alemanha, França, Espanha, Estados Unidos, etc).
nesburgo e, na mesma altura, um estágio com o fotógrafo José Machado, assumindo como profissão a atividade fotográfica.
MAURO PINTO
Nasceu em 1974 em Maputo, Moçambique, onde vive e trabalha. Fez as suas primeiras fotografias com o fotógrafo português Alexandre Júnior. No final dos anos 90, fez um curso de fotografia na Monitor International School, em Joa-
Mauro Pinto analisa questões do foro social, debruçando-se sobre a realidade de África, em geral, e de Moçambique, em particular. As suas fotografias consistem em registos do quotidiano, focando tanto os sujeitos como o sentido do lugar, geralmente através da representação de ações ou da envolvente arquitetónica. Realizou a primeira exposição individual em 2002, na Fortaleza de Maputo. Ainda em Maputo, apresentou “Mulher-Mãe” (2004); “Portos de Convergência” (2005). Em 2007, em Lubumbashi (RDC), a exposição “Lubumbashi – Interiores Exteriores”; em 2010, “Uma Questão de Estado”, na Rua D’Arte, em Maputo; em 2011, “Maputo – Luanda – Lubumbashi”, em Lisboa e, em 2015, no Palácio Cadaval, em Évora, a exposição “Dá Licença”. Na série “Dá Licença (2011-12)”, Pinto captou o interior das habitações do bairro da Mafalala, em Maputo, sob uma perspetiva poética. Integrou inúmeras exposições coletivas, em Lisboa, Paris, São Paulo, Joanesburgo e Londres. Em 2004, recebeu o 1º Prémio do Museu Nacional de Arte, em Maputo, em 2005 o Prémio Ricardo Rangel – Fundac, Maputo, e o Prémio BES Photo 2012, em Lisboa. Está representado em coleções em Moçambique, Portugal, Brasil, África do Sul, França e Estados Unidos.
Fundação PLMJ | Artistas (fundacaoplmj.com)
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MOIRA FORJAZ
Moira Forjaz nasceu em Matabele, Bulawayo, no Zimbabué, em 1942. Estudou na África do Sul, na Escola de Artes e Desenho de Joanesburgo, onde se formou em Artes Gráficas, e começou a trabalhar como fotojornalista na década de 60. Aprendeu muito e colaborou com outros fotógrafos, nomeadamente Jurgen Schadaberg, David Goldblatt e Sam Haskins. Casou-se com o arquiteto José Forjaz e em 1975 foi para Moçambique, tornando-se num dos principais nomes da fotografia moçambicana. Realizou uma exposição fotográfica individual “Ilha de Moçambique” em 1979, na Livraria Paese Nuove, em Roma. Na década de 80 Moira Forjaz foi um dos membros fundadores da Associação de Fotografia Moçambicana. Desde 1984 tem vindo a publicar vários livros com as suas fotografias. No final da década, foi para Portugal e fundou em Lisboa a galeria Moira (1989-2001). Em Portugal trabalhou com os realizadores José Fonseca e Costa e Rui Guerra e foi a primeira mulher a dirigir um filme no Instituto Nacional de Cinema de Moçambique. Como cineasta foi muito influenciada por Jean Rouch e Jean-Luc Godard. A sua curta-metragem “Um dia em uma aldeia comunal” ganhou o primeiro prémio no Festival de Leipzig, na Alemanha. Moira Forjaz foi diretora do Festival de Música Clássica de Viana do Castelo e, entre 2005 e 2012), dirigiu igualmente o Festival Internacional de Música de Maputo.
Em 2012 decidiu passar a viver na Ilha de Moçambique, mantendo-se por lá até hoje.
MUDUNGAZE
Mudungaze, nome artístico de Helder Manhique, nasceu em Maputo, cidade onde começou o seu percurso artístico. Ligado às artes e à literatura, sempre trabalhou na área da comunicação. Após um curso médio de documentação no Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa, tirou o curso de Economia e Educação na Universidade Pedagógica. Mudungaze trabalhou na Companhia Nacional de Canto e Dança, no setor de Documentação e Pesquisa e, nesse período, participou e criou vários projetos, cursos e workshops em Moçambique e no estrangeiro, a maioria deles ligados à Comunicação, Vídeo, Produção e Marketing. Produziu documentários sobre cultura tradicional moçambicana e trabalhou na Europa, no setor do audiovisual. Autodidata, o artista sempre gostou de colecionar objetos considerados inúteis. Graças à sua ligação às artes, principalmente à dança africana com máscaras, tem consciência da conexão entre o mundo dos homens e o mundo dos espíritos, pelo que a inspiração para a produção de máscaras, ponte entre a tradição e a modernidade, foi um processo natural. Mudungaze é talvez um dos artistas plásticos contemporâneo mais audaciosos, explorando novos espaços não convencionais para mostrar e fazer
arte. Em 2017, realizou a sua primeira exposição individual nos escombros de um edifício abandonado em Maputo. Ainda em 2017, participou numa exposição coletiva no Centro Cultural Moçambicano-Alemão, com Butcheca, Matchakossa, Nelly Guambe, Zeferino e Dalito. De 2017 a 2021 participou em inúmeras exposições coletivas, feiras e festivais, em Moçambique, Portugal, Itália, Guiné Conacri, Cabo Verde, Macau, Egipto, Noruega, Zimbabué e Emirados Árabes Unidos.
https://www.tela.org.mz/artista/mudungaze/ https://heldermanhike.wixsite.com/mudungaze
NAGUIB ABDULA
Naguib Elias Abdula nasceu em Tete, em 1955. Engenheiro civil de formação, curso feito em Maputo, e aluno de Pintura do mestre José Carlos Pádua, prosseguiu os seus estudos na Escola Superior Belas Artes de Lisboa. Fez estágios em Serigrafia Artística na Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul), de Conservação e Restauro de obras de arte no Kunst Museum de Colónia, na Alemanha, e no Departamento de Artes Visuais e Cénicas da Universidade de Northumberland, no Reino Unido.
Naguib é membro fundador da FDC (Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade), da ASEM, do Movimento dos Artistas contra a Pobreza, PNUD, 1 Artista 1 Gesto (Humanização dos Hospitais). É ainda fundador e proprietário da Acade-
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mia de Arte “Espaço Artístico – Espaço Literário”. Realizou inúmeras exposições individuais e participou em exposições coletivas em diversos países em África e na Europa, nos Estados Unidos, nomeadamente na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque e na sede do Comité Internacional da Cruz Vermelha, em Genebra, na Suíça. É autor de vários murais na cidade de Maputo, entre os quais “Ode a Samora Machel”, na Marginal de Maputo e “Os percursos de água”, no reservatório de água do Clube Desportivo do Maxaquene. A sua obra está representada em instituições públicas em Portugal, Estados Unidos, Suécia, Itália, Zimbabué, Suíça e no Vaticano. Em 2006, foi professor convidado pela Universidade de São Paulo, Brasil.
http://www.kulungwana.org.mz/Artistas2/Naguib-Abdula2/Biografia https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$naguib
NÁLIA AGOSTINHO
Nália das Dores R. J. Agostinho, artista contemporânea moçambicana, nasceu em 1990, em Maputo. A sua infância está profundamente enraizada nos bairros da Polana e de Chamanculo, em Maputo, caóticos, repletos de texturas cruas, padrões e cheiros. O amor de Nália Agostinho pela arte começou muito cedo, graças ao estímulo do pai, grande apreciador das artes e da música. A artista formou-se em Ciências Políticas
em Trento (Itália) onde viveu, estudou e trabalhou durante quase 8 anos. Frequentou a Escola Nacional de Música, onde completou a sua formação com uma certificação em 2006. Em 2018, impulsionada pela urgência de expressão do seu verdadeiro “eu”, decidiu começar a pintar profissionalmente, começando por produzir peças encomendadas, embora já estivesse a trabalhar na sua área de formação. As suas visões sobre a Pintura baseiam-se numa perceção de osmose da Vida, onde tudo o que tendemos a ser e expressar balança entre as nossas expetativas internas e externas, os nossos cenários micro e macro, os nossos polos positivos e negativos.
Desde janeiro de 2020, Nália participou em várias exposições coletivas e individuais, em várias cidades moçambicanas e em Joanesburgo, na África do Sul. Em 2022 inaugurou, com outra artista moçambicana, a exposição “Sinergia de Emoções” no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa.
https://www.tela.org.mz/artista/nalia-agostinho/ https://www.buala.org/pt/da-fala/etiquetas/exposicao?page=1
NTALUMA, ESCULTOR MAKONDE
Biografia Curadores
REINATA SADIMBA
Reinata Sadimba nasceu em 1945, na aldeia de Nemu, Cabo Delgado. Filha de camponeses, recebeu a educação tradicional da etnia maconde, que incluía o fabrico de objetos utilitários em barro, como pratos e cântaros, entre outros. Em 1972 ingressa na FRELIMO, passando à reserva em 1978. Entretanto, em 1975, dá início a uma transformação profunda na sua produção cerâmica, começando a ser conhecida em Cabo Delgado pelas sua “formas estranhas e fantásticas”. A guerra civil em Moçambique nos anos pós-independência leva-a a emigrar para a Tanzânia em 1980, onde permaneceu até 1992, regressando então a Maputo. Em 1998 realizou, na capital, uma aula de ensino sobre cerâmica tradicional. Reinata Sadimba é considerada uma das artistas mais importantes de África. Recebeu vários prémios e realizou exposições em vários países, como Bélgica, Suíça, Portugal, Dinamarca, Itália, África do Sul e Tanzânia. A sua obra está representada no Museu Nacional de Arte de Moçambique, na coleção das Nações Unidas, no Museu Nacional Nacional de Etnologia (Lisboa) e na coleção de arte africana da Culturgest (Lisboa), para além de inúmeras coleções privadas nacionais e estrangeiras, em diferentes lugares do mundo.
https://pervegaleria.eu/PerveOrg/Galeria/Acervo_06/ Biografias/bio_reinata.htm
http://www.kulungwana.org.mz/Artistas2/Reinata2/ Biografia
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RICARDO RANGEL
Ricardo Rangel nasceu em 1924, em Maputo. Iniciou a sua carreira como fotógrafo profissional em 1941, como aprendiz de laboratório de fotografia do caçador de elefantes Otílio Vasconcelos. A sua biografia, Iluminando Vidas – Ricardo Rangel e a Fotografia Moçambicana, publicada em 2002 por Christoph Merien Verlag, refere que Rangel, no laboratório do estúdio fotográfico “Focus”, começou a ganhar notoriedade como impressor a preto e branco. Passou, em seguida, a fazer revelações fotográficas na câmara-escura do jornal bilingue Lourenço Marques Guardian. Em 1970, fundou, em colaboração, a revista Tempo, da qual foi editor fotográfico. Fotografando sempre a preto e branco, mostrou a injustiça social, as atividades do homem comum, a vida noturna nos cafés e bares moçambicanos, como a série “Pão nosso de cada noite”, em que retrata a vida das prostitutas na zona do porto de Maputo.
A obra de Rangel é mundialmente conhecida e o reconhecimento internacional aconteceu em 1996, com a participação na exposição “In/sight: African Photographers, 1940 to the Present”, no Museu Guggenheim, em Nova Iorque e, em 2001, com uma exposição sobre a sua obra nos “4èmes Rencontres de la Photographie Africaine”, em Bamaco, no Mali. Pouco antes da sua morte, em 2009, recebeu o Doutoramento em História da Fotografia atribuído pela Universidade Eduardo Mondlane. Algumas das suas
obras integram exposições permanentes em algumas das mais conceituadas galerias internacionais.
ROBERTO CHICHORRO
Biografia Curadores
çambique, em 1972. Faleceu em 2012, em Maputo.
https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$samate-mulungo
http://www.kulungwana.org.mz/Artistas2/Samate2/ Biografia
SÉRGIO SANTIMANO
SAMATE MULUNGO
Samate Mulungo nasceu em 1939, no Bairro de Xipamanine, em Lourenço Marques, hoje Maputo. Autodidata, começou a pintar em 1952. Teve contato com a pintura desde muito novo, relacionando-se com outros vultos das artes plásticas moçambicanas, como Jacob Estevão Macambaco e Malangatana Valente Ngwenya. Trabalhou durante muitos anos numa empresa de navegação marítima ligada aos Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, antes de se dedicar exclusivamente à pintura, a partir de 1972. Estudou pintura em Moscovo, em 1982, e em Lisboa, em 1989.
A sua primeira exposição individual realizou-se em 1959 na cidade de Maputo. Em 1991, foi convidado para o júri do “Heritage 1991” da Galeria Nacional do Zimbabué. Participou em várias mostras individuais e coletivas, em Moçambique e no estrangeiro, nas cidades de Amesterdão, Lisboa, Berlim, Londres e Roma, entre outras.
Samate Mulungo recebeu o 1.º Prémio de Pintura dos Caminhos de Ferro de Mo-
Nasceu em Lourenço Marques (atual Maputo), em 1956, vive e trabalha em Uppsala, na Suécia, e em Moçambique. Sérgio Santimano inscreve-se na tradição do fotojornalismo com um compromisso social. Ricardo Rangel e Kok Nam são as suas referências no início de carreira quando produziu e publicou trabalhos relevantes sobre a guerra, a fome e questões políticas para a Agência Moçambicana de Informação (AIM). Em 1988, mudou-se com a sua mulher para a Suécia, onde estudou fotografia documental e fotojornalismo. Após o fim da guerra civil moçambicana, em 1992, começou a trabalhar como freelancer, documentando as consequências da guerra. No seu primeiro grande trabalho produziu uma série de retratos sobre uma vítima da explosão de uma mina, Luísa Macuácua, que o fotógrafo acompanhou desde Maputo de volta à sua cidade de Inhambane. Deste trabalho nasceu a exposição com o título “Moçambique – Caminhos / A estrada longa e sinuosa”, mostrada internacionalmente, com alguns excertos publicados na “Revue Noir” e na “Grande Reportagem”.
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No norte de Moçambique produziu várias séries de fotografias, como “Cabo Delgado – Uma história fotográfica de África” e “Terra incógnita”, sobre o Niassa. Presentemente trabalha noutro projeto na Ilha de Moçambique. Descendente de famílias goesas, Santimano iniciou, em 2016, um projeto sobre o seu legado goês, de que resultou, em 2021, a exposição “Porta para Goa”, em Castelo de Vide. Recebeu diversas bolsas da Academia Sueca para as Artes. As sua obras fazem parte do espólio de vários museus e instituições, como o Centro Português de Fotografia, o Museu Fotográfico de Charleroi, na Bélgica, o Hospital Karolinska Institut, instituição sueca que nomeia o Nobel de Medicina, e o Instituto Nórdico para África, em Uppsala, Suécia. Santimano realizou inúmeras exposições em Africa, Europa e Índia.
https://pervegaleria.eu/home/images/stories/perve/ Biografias/SSantimanoCV.pdf http://www.kulungwana.org.mz/por/Artistas2/Sergio-Santimano2/Biografia
SUZY BILA
Maria Suzete Bila nasceu a 23 de agosto de 1974 em Maputo, Moçambique. Inicia o percurso artístico em 1993, no atelier do artista moçambicano Noel Langa. Suzy Bila considera a arte uma ferramenta essencial à evolução do pensamento das crianças e investiga na área da inclusão das diferentes linguagens das crian-
ças no desenvolvimento do seu currículo. Frequentou o curso de Pintura no Ar.co, em Lisboa e em 2020/2021 implementou o seu projeto de doutoramento sobre a criatividade e o potencial de crianças e jovens em situação de negligência social, numa Unidade de Intervenção Familiar da Misericórdia de Lisboa, um projeto vinculado às Universidades de Lisboa e do Porto e ao Instituto de Educação. Em 2021 foi oradora na 8ª edição dos Encontros em Praticas de Investigação, em Educação Artística e o seu trabalho foi incluído na Ata do Encontro, Desassossegos, editada em 2022. Ainda em 2021, foi conferencista no VII Encontro Internacional sobre Educação Artística, no Mindelo, com um trabalho sobre o Ensino Artístico na CPLP: Casos de Cabo Verde e Moçambique. Em 2021, edita o seu primeiro livro, Lamura, uma crítica sobre a exploração infantil. Desde 1998, realizou inúmeras exposições individuais, em Moçambique e Portugal e, em 2022, na Expo Dubai 2020, nos Emiratos Árabes. Integrou também numerosas coletivas, em Moçambique, Portugal, Itália, Macau (China), França, Espanha, Reino Unido, África do Sul e Emiratos Árabes.
Foi galardoada com os prémios Mário Silva, Figueira da Foz – Bienal TDM e Concurso Nacional de Arte, Moçambique.
Fontes: https://i2ads.up.pt/publicacoes/desassossegos/ https://eiea.fba.up.pt/2021/
VICTOR SOUSA
Victor Sousa nasceu em 1952, em Maputo. A partir dos anos 70, trabalhou em artes gráficas e frequentou curso de Desenho Artístico e Publicitário, Desenho Mecânico, Pintura e Cerâmica. Estagiou no atelier do Artista Plástico António Inverno (Pintura e Serigrafia). Foi professor de Artes Visuais na Escola de Artes Visuais em Maputo. Em 1982 realizou a sua 1ª exposição individual no Núcleo de Arte. Em 1987, realizou uma exposição individual, com o nome de Noba Ngay. Participou em várias exposições individuais e coletivas em Moçambique, Suécia, Namíbia, Angola, Portugal, Argélia, Zimbabué, entre outros países.
Victor Sousa ganhou vários prémios como o 1º Prémio de pintura na exposição anual do Museu Nacional de Artes, em 1991; o 2º Prémio de Pintura na Bienal MUSART/TDM ’97. É membro honorário do Núcleo de Arte e está representado no Museu Nacional de Arte e em diversas coleções públicas e particulares dentro e fora do país.
Em 2004 foi convidado a participar na Expo Arte Contemporânea Moçambique, no Museu Nacional de Arte. Em 2006, integrou a exposição “Réplica e Rebeldia”, que envolveu artistas de Moçambique, Brasil e Cabo Verde. No mesmo ano, expôs individualmente, no Museu Nacional de Arte. Em 2007 esteve presente na 4ª Bienal de Gravura de Santo André, no Brasil. Victor Sousa faleceu em 2017, em Maputo.
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http://www.kulungwana.org.mz/Exposicoes/Coleccao-Crescente/Victor-Sousa2/Biografia https://www.artedegema.com/artistas/27/acercadoartista.html
ZAQUEU UBISSE
Zaqueu nasceu em Pagula (Província de Inhambane), Moçambique, em 1944. No início da sua carreira foi discípulo do escultor Alberto Chissano, com quem aprendeu a arte de expressar-se através da madeira, na cidade da Matola. Zaqueu esculpe cenas várias da vida e transporta na sua obra a matriz que caracteriza a escultura contemporânea em Moçambique.
Alberto Chissano
Amilton Neves Cuna Ângela Ferreira Ângelo de Sousa Atija Assane Bela Rocha Carlos Nogueira Celestino Mudaulane Célia Bragança Ernesto Shikhani Estevão Mucavele Eugénia Mussa Fernando Machiana Filipe Branquinho Gemuce Gonçalo Mabunda Ídasse Tembe Ilídio Candja José Cabral José Pádua
Lívio de Morais
Lizette Chirrime Maimuna Adam Malangatana Ngwenya Malenga Mankew Mahumana Mapfara Margarida de Araújo Margot Dias Mário Macilau Mauro Pinto Moira Forjaz Mudungaze Naguib Abdula Nália Agostinho Ntaluma, Escultor Makonde
Reinata Sadimba Ricardo Rangel Roberto Chichorro Samate Mulungo Sérgio Santimano Susy Bila Victor Sousa Zaqueu Ubisse
GALERIA DE EXPOSIÇÕES DA
UCCLA - União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa AVENIDA DA ÍNDIA, N.º 110 - LISBOA, PORTUGAL