Peça Arame Farpado (Dramaturgia 2022)

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Arame Farpado

OrganizaçãoDramatúrgica:PhellipeAzevedo.

Dramaturgia: João Pedro Zabeti, Lidiane Oliveira, Peterson Oliveira, Phellipe Azevedo e SolTargino.

OrientaçãoDramatúrgica:RosyaneTrotta

OrientaçãoTeórica:MarinaHenriques [Prólogo]

Antes do espetáculo começar é distribuído uma prova sobre os territórios dos atores. A plateia entra de acordo com sua nota na prova. Os primeiros chamados são os que tiraram a nota zero e os últimos são os que tiraram a nota 10. Sol, Peterson e João estão no fundo do palco segurando uma caixa de papelão e com óculos de sol. No chão, também no fundo do palco, estão diversas caixas de papelão empilhadas. Funk no talo. Os atores escolhem pessoas da plateia para substituírem eles no palco, os colocando na mesma função que eles anteriormente: Parados, segurando a caixa de papelão no fundo do palco com óculos de sol. Paralelamente, eles dançam funk com outras pessoas da plateia.

VozOff-BoaNoite!

Enquanto a Voz Off está falando, atores correm e expulsam a plateia do palco. Se arrumam, colocam o óculos de sol, pegam a caixa de papelão e retornam para o fundo do palco.

Voz Off - Apresentamos Arame Farpado com parceria da Cia Marginal, ColetivoParalelase Centro de Artes da Maré. Também conta com os apoios de Drau Animations, Programa Teatro em Comunidades e Stereo Studios. Temos o patrocínio do ilustríssimo senhor ninguém, então nãosejaumMuquiraJoneseprocurea produçãoparaumapossívelparceria.

Arame Farpado é baseado em fatos reais, mas em caso de processo foi tudo inventado. Por favor, eu imploro, desliguem seus celulares, não tirem fotos sem autorização da produção –que no caso é a gente mesmo – e se ficar bolado com alguma coisa… reclama na boca. Desejamosumótimoespetáculo!

[CADEIRADEPRAIAVERDEFLORESCENTECOMENCOSTOPARAOSPÉS.]

João Pedro Zabeti - Estou sentado numa cadeira de praia. Mas não é qualquer cadeira, é a cadeira de praia mais cobiçada da minhacasa.Elaéverdefluorescenteetemencostoparaos pés! É a cadeira da minha tia, a tia Rute. Sempre quando a gente vai pra laje é uma disputa

CENA1

pra ver quem vai sentar na cadeira, menos quando a tia Rute está. E como elanãoestáaqui, eu sou o privilegiado que vai sentar na cadeira de praia. Domingo 7 de outubro de 2016, inicio minha escrita para a monografia. Leio o material da exposição de CíceroDias.Elefoi um pintor brasileiro modernista que viveu no período da Ditadura Vargas. É dacalcinhaque gosto, carrego no coração. Depois de ser perseguido pela Ditadura Vargas, ele decidiu se mudar para Paris com muito apoio do seu amigo Di Cavalcanti. Inverno ou verão o meu coração vai te ver. Chegando em Paris ele foi super bem recebido, fez logo a sua primeira exposição na Galerie Jeanne Castel, que foi um sucesso de críticas e de vendas e fez atéum Crush: Picasso. É da calcinha que eugosto,carregonocoração.Lembro,então,deumaparte da exposição onde estava descrita a fase boêmia aqui no Rio de Janeiro: Ele acordavatarde, pintava uns quadros, depois saía na parte da noite e voltava às 4 da manhã pra novamente acordar, pintar e sair. Inverno ou verãoomeucoraçãovaiferver.Euestousentadonacadeira de praia verde florescente com encosto para os pés na minha laje, no morro da Providência, aosomdomeuvizinhoquetocaCalcinhaPreta.

Sol e Peterson cantam.

SolePetersonQualénãofiqueemcasachorando,porque

ACalcinhaPretachegoupratever Énossa,énossa,énossa

João - Escolhi alajeporqueéolugarmaissilenciosodaminhacasa.Ficomeperguntoseem Paris,CíceroDiastambémtinhaseussilêncios.

SolePeterson-

Ondetemcalcinhaeuvou

Ondetemcalcinhaeuvou

Ondetemcalcinhapreta

Euvou,euvou,euvou

Ondetemcalcinhaeuvou

Ondetemcalcinhaeuvou

Ondetemcalcinhapreta

Euvou,euvou,euvou

João - Eu acho que Cícero e eu somos privilegiados. Ele com sua primeira exposição bem sucedida na Galerie Castel em Paris, e eu aqui sentado na cadeira mais cobiçada da minha casa.

Entra a música “A Calcinha Preta é Nossa” e atores começam a espalhar as caixas de papelão pelo palco.

CENA 2

[POR QUE UNS E NÃO OUTROS?]

Atores arrumam as caixas de papelão.

João - Eu troquei o Cícero Dias por Jailson de Souza Silva. Ele é um escritor e escreveu o livro“Porqueunsenãooutros”,entrevistandoalgumaspessoasdaMaré.

Sol - Algumas pessoas não, ele entrevistou 11 moradores da Maré e uma delaséaAna,que entrounafaculdadeem1987.

João - A Ana foi a primeira entrevistada do livro,elaénegraemoradoradaNovaHolanda, umadasfavelasdobairroMaré.

Sol – E é foda saber que na década de 80 já tinha mulher, negra, favelada entrando pra universidadenumaépocaemqueeunemeranascida.

Peterson-EesselivrofoioresultadodatesededoutoradodoJailson.... (Lidiane entra com roupa de época e com alguém do público carregando uma caixa pra ela) Esselivrofoi...

Lidiane-Podecolocarali,porfavor ContinuaPeterson.

João - LI-DI-A-NE, LIDIANE DE OLIVEIRA FRANCISCO, AGORA EU ENTENDI TUDO!Éclaro,gente!SéculoXIX,educação,agentetemquecomeçarapeçaassim,óbvio!

Lidiane-Eeutrouxepravocêtambém.

João - AAH NÃO ACREDITO! (pega o leque e vai para o lado de Sol que começa a rir). Sol Targino! Quenda nesse leque bafo mona. Agora olha pra câmera, faz a Beyoncé no ventilador, agora faz a Marquezine discreta! É isso! Arame-se amapoa! (volta para caixa de papelão, pega uma peruca de época e vai até Peterson) PetersonOliveira!QuequefoiBixa? Cagou no maiô? Vaificarfazendoessacaradecupreso?Quendanessepicumãbabado!Você vai trancar no baile. Vai ser muita lacração, muita beijação e muita pegação. Só no carão. Agora é só a Senhora afiar bem as suasgarras,fazeraxucavaporeto,quevaichoverdeneca nasualaje.

Sol gargalha. João volta para caixa de papelão, pega uma bengala e um colete de época.

Sol-Bixaparaporquetámuitofalso!

João-Para,Sol,ésério,eutenhoqueserhétero.

Lidiane - Para que ele tá maravilhoso. Pensa só, nós vamos pegar uma cronologia desde o século XIX até os dias de hoje. Vai ser maravilhoso. Eu sempre quis fazer novela de época.

Mas não é como escravizada não. Eu quero ser a Sinhá. Quero ter uma fazenda cheia de escravosbrancocatandoalgodão,arroz,palmito.Váriospalmiteiros.

João – E ali vai ficar o nosso Jardim das Cerejeiras e você vai ter três irmãs. Enósvamos falardotempo!(pausa)Olá,Olga!Gostariadecheirarumrapé?

Lidiane-Estouindoacidade,TioVânia!

João-Ondeestáasuagaivota,Nina?

Lidiane - Ah, Trepliov...Gente para tudo. Peterson e Sol parem de arrumar e venham até aqui. Vem comigo, João. Imagina só, 4 negros emcenanopalcodo(citarnomedoTeatrodo dia da apresentação). Nós vamos tombar com todos os palcos desse Brasil. Vai ser maravilhoso.TodomundofazÉpoca. Nósvamosfazertambém.

João - E ali vai ficar o nosso canavial, aqui a plantação de algodão, no fundo vai ficar a nossacasagrandeenomeiodopátiovaiterPedroII...emRealengo.

CENA 3 [PEDRO II + CAPOEIRA]

João - No sétimo ano do fundamental eu aprendi a questionar o que me diziam serverdade absoluta. No segundo anodoensinomédioeuparticipeidacriaçãodeumcoletivoLGBTQe de uma Frente negra no colégio onde eu estudava, no Pedro II,emRealengo.Euchegueina universidade pública e me senti completamente sozinho. Exceto por umas pessoas que eu conheci noônibus.ElassãodeAustin,NovaIguaçuepassaramparaaminhaturma.Eutinha o sentimento de que esse encontro iria ser bom.Euficomuitofelizporvocêsestaremaquie eu espero que isso seja o início de uma jornada juntos. Não tem nada pra acusar porque só temos que contar a nossa história e narrar um novo conhecimento. Pra mim é mais do que umembatepeloembate,éafirmação.Eutôaquipracontaraminhahistória.

Atores cantam e João joga capoeira.

Dimdimdimaruandê aruandaaruandaaruandê

“dimdimdimaruandê” Ôharuandaaruandaaruandê

“dimdimdimaruandê” ÔhLuanda,ôhLuanda

“dimdimdimaruandê” Ôhralaococo

“Catarina” Fazercocada

“Catarina” Cocadadoce

“Catarina”

Açucarada

“Catarina” Lavai,lavaiosolláemcimadomorrovaiosol

“lávai,lávaiosol” Láemcimadomorrovaiosol

“lavai,lavaiosol”

Mãeamanhãeuvou, Mãeamanhãeuchegolá

“Mãeamanhãeuvou, Mãeamanhãeuchegolá”

Sol - Eu tenhoumprimochamadoCláudio,eueelesemprefomosmelhoresamigosdesdea infância. No ensino fundamental éramos os melhores alunos de sala, sendo que havia uma diferença entre mim e ele, ele era mega inteligente, passava dias estudando pra prova e eu me sentia mega esperta, só precisava de algumas horas pra fazer a cola com tudo que iria cair na prova. Quando a gente prestou o vestibular, o Cláudio conseguiupassardeprimeira

para a engenharia civileeusóconseguipassarparaauniversidadedepoisdedoisanos.Me lembro até hoje doprimeirodiadeaulanafaculdadedeletras,aprofessorapediupralerum texto sobre “A Morte de Danton”. Eu comecei a gaguejar, fiquei nervosa... e ela pediu pra parar de ler e me deu um conselho: VOCÊ DEVERIA PASSAR O DIA TODO NA

BIBLIOTECA PORQUE SÓ ASSIM, VOCÊ VAI CONSEGUIR MELHORAR A SUA

LEITURA. Naquele momento todos os olhares da sala estavam direcionados a mim, me senti uma ANALFABETA. (pausa) Mas, eu descobri as regras do jogo. Descobri que a vaidade dos professores era mais forte que eles. E só assim eu consegui terminar a universidade com os pés nas costas. Tudo o que eu fazia no ensino médio, eu fiz na universidade. Entrei pra tribo dos professores, lia o necessário, comentava o que eles queriam ouvir e escrevia o que eles queriam que eu escrevesse, mas eu nunca me senti em casa,aqui.

CENA 4 [COMO SE DAR BEM?]

Palestrante – Boa noite. (Para João) Querido, você pode pegar um cafépramim?Obrigada. Nossa como esse lugar tá cheio. Vejo que todo mundo aqui tá com o mesmo objetivo: Querendo aprender como se dar bem aqui. (João entrega uma xícara para Peterson) Obrigado. Hum… cafezinho com gosto da Brahma Puro Malte. Porque ninguém veio neste lugarlongedetudoepertodenadaprasedarmal.Eeutenho4dicaspravocês.

Peterson escolhe pessoas brancas da plateia para perguntar

1° Dica: Não seja rude. Oi querida? Tudo bom? Viu? Troca nahora.Porquenãoimportapra ninguém se você levou 2h baldeando pra chegar aqui. Pegando ônibus, Barca e Trem. Oi Queridaaa?Viuosorriso?Trocanahora.

2°Dica:Sejaumbomouvinte.Querver? (para plateia) Querido?Contapragentecomovocê fez pra chegar aqui hoje. (Plateia responde). Nossa, parabéns! Veio de uber direto pra cá. Arrasô! Viu, gente? Fui um bom ouvinte. Eu ouvi a história dela, fiz com que todo mundo ouvissetambém.Eolhacomoelaficoufeliz.

3° Dica: Fale coisas agradáveis às pessoas. Querido, esse seu óculos está maravilhoso. (à parte) Quem disse que usar óculos escuro em lugar fechado é bonito. Eu detestei. Mas ele nãoprecisasaber (para plateia) Arrasô,étendência?

4° Dica: Concordem com tudo que falem aqui. Fernanda Montenegro é uma atrizfantástica. Sim, ela é fantástica. Não lembro dessa branca sem ser protagonista. Não tem racismo nas universidades. Sim, nãotem.PicharamPretosFedemnasparedeseerabrincadeira.Oeneme as cotas, empobreceram o ensino das universidades. Sim, empobreceram. Agora tem mais Preto e Pobre nas universidades públicas. Viu gente? É só concordar que tudo dá certo. E agora tenho a dica bônus. Toda vez que uma pessoa tiver colocando a cara, ensinando o

caminho das pedras, quando ela disser: “Boa Noite” e “Obrigado”. Vamos aplaudir né? Boa Noite.Obrigado!Óooooadicabônusjáaprenderam.

CENA 5 [ESTÚDIOS GLOBO]

Lidiane - No meu primeiro período, uma professora levou a gente pra uma excursão no PROJAC. Pra conhecer os estúdios Globo. Nesse dia participamos de um programa de entrevista. Do meu ladoestavammeusamigosoWalaceeaDuda.Sol, Petersonfazpramim por favor. Nesse dia, eu estava nolugarcertoenahoracerta.Coloqueiomaiorturbanteefui maravilhosa.Edonadaumprodutormechamou...

João-Ei,psiu,podechamarelapramimporfavor?

SolePeterson–Lidi,estátechamando.

João - Oi, linda! Nossa que linda, você, com essa roupa maravilhosa. E esse lenço? Como queénomemesmo?

Lidiane-Turbante.

João-Tur-Ban-Te?Vocêquefez?Quelindo,gente!Euprecisomuitofalarcomvocê...

Lidiane- Então, tava rolandoumaaudiçãopromusicaldavidadeumadasmaiorescantoras desse Brasil. Desde pequenininha eu cantava igual aela.Minhavósemprepedia:Cantapra vovó. Canta pra vovó. Ela ficava toda arrepiada. Ela choravaaaaa. E a aparência?

Conforme fui crescendo, eu fui ficando cara ela. Essa é a minha chance, não tem pra ninguém. Esse papel é meu. (Canta Madalena e Como Nossos Pais interpretada por Elis Regina.) Passei com certeza. Só colocar uma peruquinha. O problema é que ela fumava a beça...

João-Entãoéissolinda,BBBBeijos,BrigadoeBoasorte,digo,Axé!

Sol-Eaíoqueelequeria?

Lidiane-Nadademais...

Peterson–Comonada?EletedeuBoasorte.

Lidiane–Vocêviu,né?Boasortenaglobovocêjáestábatizada.

Peterson–Masoqueelequeria?

Lidiane –Nadademais.Bobeira.Eleadoroumeuturbante.Dissequeeueralinda.Esó pediu pra eu sair da frente da câmera, porque meu turbante estava atrapalhando a gravação.

Entra música Breu de Xênia França. Lidiane solta os cabelos e dança.

CENA 6 [BART SIMPSON]

Essa cena se estabelece através de um jogo de palavras. Um ator/atriz começa a contar uma história. Outro ator/atriz, que está ouvindo, pega uma palavra da história do ator/atriz que está falando e começa a contar outra história a partir da mesma palavra que fez associação.

E o jogo acontece assim por diante, podendo todes roubarem a fala através do jogo de associação de palavras. Porém, existem esses dispositivos gerais:

1- No primeiro momento es atores/atrizes terão que contar histórias da infância.

2- No segundo momento contam histórias de sexo.

3- No terceiro momento contam histórias da faculdade.

Dispositivos internos:

1- João só pode contar histórias de alunes.

2- Peterson conta histórias de professores.

3- Lidiane e Sol contam histórias fictícias.

Porém, quem fala da universidade vai pro castigo.

Castigo: Colocar a cabeça de burro e pixar “Não devo falar da universidade” nas caixas de papelão, em seguida coloca a cabeça de burro da cabeça da coleguinha de elenco e senta no lugar dele/dela.

CENA 7 [BUSÃO]

Entra a música “Calor do Amor” da Mahmundi e atores fazem uma partitura corporal simbolizando o cansaço do transporte público e estudo.

CENA 8

[PISCINA DO CAJU]

Lidiane - Eu morei no Caju até os meus 26 anos. (Sol e João vão até uma caixa de papelão, pegam o linóleo e a piscina. João enche a piscina inflável. Peterson pega uma mesa com churrasqueira elétrica e começa a cortar o churrasco numa bandeja.) Etodomundofalaque no Caju não tem nada, que só tem o cemitério. (pausa) E só tem mesmo. E as carretas. As empresas. E uma delas é a Fronape. A Fronape é uma ramificação da Petrobrás.Edentroda Fronape tem uma piscina gigantesca. O meu amigo Neném morava na Rua E. A parede da casa do Neném ficava colada naparededaFronape.Sendoqueelescolocaramumaumcerca de arame farpado pra impedir que os favelados pulassem o muro. E criança não tem ideia não, né? Isso era mole pra gente. A gente pegava uma escada na casa do Neném, dessas de subir emposte,colocavanomuro,abriaacerca,prendiaemcima,prendiaembaixoepronto! Tava todo mundo lá dentro. Sendo que cada um só podialevar3amigos.Porquesenãosabe comoé?Muitagentenoesquema,estragaobagulho.Eaídácaô!

Entra a música “Arrocha Afronta é Guerra''. Cada atriz/ator convida pessoas da plateia para subirem no palco e participar do Baile com churrasco e piscina. Acontece nesse momento um Baile Funk no palco. Até que a música é interrompida por uma Mc de funk convidada e inicia o show dessa cantora no Baile.

Dispositivos internos:

1- Lidiane leva o público para a coxia para pegar os baldes com água para encher a piscina no palco.

2- Lidiane pega o cooler e distribui cervejas.

3- Pete distribui churrasco.

4 - João flerta e beija alguém da plateia.

5- Sol puxa dança coletiva, sobe no cubo e cai.

CENA 9 [CHURRASCO NA LAJE]

Peterson–Galeraessaaqui (Nome da Cantora),palmaspraela.

Lidiane conta uma memória pessoal em que a cantora faz parte.

Peterson – Produção, quero na próxima apresentação o Abdullah aqui no palco. Vocês lembram do Abdullah? Um negão com uns dreads foda? Lembra? Quando eu conheci Abdullah ele tava na TV e do lado dele tava a Xuxa. (Nesse momento o ator transforma a cantora na personagem Xuxa e a platéia que está no palco em Paquitas). Atrás estavam todas as Paquitas. E eles cantavam assim: “Tá todomundoaqui,prontinhoprazuar Liberaa energia que o planeta vai girar Tá todomundoaqui,prontinhoprazuar Liberaaenergiaque o planeta vai girar.” Eu e meu irmão quando vimos o Abdulah na TV, a gente pirou. Porque eleédeSãoGonçalo.EeusoudeSãoGonçalo.

Lidiane - Eu acho que todo mundo tem alguma história com oplanetaXuxa. Porquenarua onde eu moro, sempre tinha caravana pra lá e eu sempre ia. E lá tinha aquele quadro vocês lembram? "Transformação". Eles pegavam alguém da plateia, que eles achavam que estava pior. Pior de cabelo, pior de roupa, pior de maquiagem e levavam pra participar da transformação. Nesse dia eu fui escolhida.Masfoiótimo,porqueeuganheitudodegraça,só que no camarim não tinha espelho. Eles faziam meu cabelo, maquiagem... Fernando Torquatto me maquiou. No final, um cabeleireiro colocava uma venda nos meus olhos e me acompanhava até o palco. Quando eu entrava a plateiagritava.Depoisumapaquitacolocava um espelho na lateral. AXuxavinhaanunciaratransformação: (Lidiane pede para a cantora anunciar ela) "E com vocês a transformação de hoje, Lidiane Oliveira!" Um dos “You Can Dance”gostosovinhatiraraminhavenda.Eaíelescantavamumamúsica.

Todes- (cantam) -Aleluia!

Lidiane-Elesalisaramomeucabelo.

CENA 10 [SALA DE PETE]

Peterson – Aí onde vocês estão é o quintal da minha casa. E naquele canto a minha mãe cortava o meu black, que era mais fácil pra varrer. Desse lado, fica a porta de entrada da minha casa. E de saída também, né. (atores expulsam plateia do palco) E aqui desse lado tem duas estantes, uma grande cheiadelivrosdauniversidadeeumaoutramenorcomCDs. Nela tem um cd do musical Gonzagão a lenda, que conta toda a história de vida de Luíz

Gonzaga. (canta e dança “Eus só quero um xodó) – “Que falta eu sinto de um bem, que falta me faz um xodó”. Eu assisti esse musical três vezes. Duas no Rio e uma em Aracaju (canta e dança) – “Mas como eu não tenho ninguém eu levo a vida assim tão só”. Esse musical mexeu muito comigo. Ele lembra os meus pais. (canta e dança) -“Eusóqueroum amor que acabe o meu sofrer, um xodó pra mimdomeujeitoassimquealegreomeuviver. Um xodó pra mim...” Quandojuntamamãeepapai, (aponta para o caneco) dánisso.Esseé o caneco do primeiro festival de choop daLapinha.Eosmeuspaisvenceramoconcursode forró. Eu e meu irmão ficavababandovendoelesdançarem.Eusoudançarinodesalão.Sou convidado pra vários bailes: Estudantina, os Sesc's do Brasil, praça de alimentação de shopping e supermercado Guanabara. Em4horasdedançaganho150,00reais.Masquando estou livre em uma festa e toca um ritmo de música específico, as pessoas me olham esperando que eu (Samba exaustivamente. Atores dançam samba, funk, axé dividindo um latão de cerveja).

CENA 11 [KARAOKÊ GRÔMELO]

Atores cantam e dançam.

PacamediColonodo

ColonodoPacamedi

BatropiCoronoti

MadidiMeyerRoldi(2x)

TricipaviMalati

PatricePaviê

MocoçoMocoloço

Munquimaeterlinequê(2x)

Magdôdôdô

RaciniMindiguê(4x)

Macalácitô

Bagadalálaô

Macalacito

BagadiGaLileulá

MaliciStan

ERainerMüller

Ficatodaassanhada

MaracáMaracati

DiderrôMaracaçá

EShakesPareShakesParty

Digdim

BagadaBagadelaDigdim

Sheikisper

Magalelapacitá

DoidapraZolar

BambiDjalánoaxé

Aristotelé

Bolabequibagdi

DançaBecketi

ViskLélanoGroto

ChupaDiderró

LekitinoPiterBru

LekitinoCú

CENA 12 [RUA NINJA]

Sol - Hoje eu acordei às 5h da manhã e não era o meu despertador, era o barulho do helicóptero sobrevoando a minhacasa.Maisumdiadeoperação!Aminhamãejátinhasaído pra trabalhar, tenho umarelaçãomuitodifícilcomela,elaaindaachaquesouumamenininha que até hoje tenho que chegar em casa as23hdanoite,acredita?Quandoeuerapequena,ela me levava pra casa da patroa dela pra ajudar na faxina. Ela me dava 10 reais e eu mesentia mega recompensada. Até hoje ela diz que a organização da casa é minha desde cedo. Mas essa parte do dia é mais tranquila, fui treinada pra isso, eu sou uma ninja. Hoje eu tenho prova sobre as transformações do drama. Primeiro eu começo pelo quarto da minha mãe, dobro os lençóis, forro a cama e passo a vassoura na casa. Depois vou pra sala e passo óleo de peroba nos móveis. Vou pra cozinha, lavo, seco e guardo os pratos, tiro a carne pra descongelar e depois coloco algumas roupas sujas pra bater. Enquanto isso, leio um texto sobreodramaburguês.Acreditaquenaconstruçãodessacenamedisseramqueeutenhouma

vida muito burguesa? Pronto. Acabei. Agora tenho que acordar o meu irmão mais velho pra ele ir trabalhar. Enquanto ele sai, vejo alguém mexendo na minha porta, é um policial, ele entra naminhacasasemmandado,vasculhaasminhascoisas,olhaosmeuslivros,epergunta se eu sou anarquista. Nessa hora eu penso nobeloegrotescoquecairánaprova.RÚBRICA:

O BELO ERA PRESENTE EM SEU FIGURINO, tinha um toque de Prêt-à-Porter, estilo escravista como na Zara e na Forever 21. A blusa era preta, a calça também era preta estilo militar. Afinal de contas veio com tudo nesse outono e inverno. O coturno era preto vinil, detalhe vinil é tendência. O telefone do policial toca, ele atende,éocomandantedelequedá algumas ordens, ele desliga. E começa a lavar as minhas calcinhas, a estender as minhas roupas, passar pano na minha casa e lavar o meu banheiro. Ele foi embora. Pego a minha marmita, saio nessa chuva de tiro, pego o primeiro ônibus que dá a volta no cu do mundo, chego na universidade, faltam 15 minutos pra chegar na sala. Chego na sala e escrevo por duas horas sobre o sofrimento da burguesia por não se sentir representada nos palcos. Uma coisa eu aprendi com eles, sofra, mas seja virtuosa. 19h, acabaram as aulas. É o meu momento de ser bastante virtuosa, ligo pro boy, marco comeleàs19:30nomotel.Depoisde duas horas de oba oba, o telefone toca, é a minha mãe, ela ainda acha que eu sou virgem. Nesse momento pego a minha calcinha e saio no maior desespero. O boy fica sem entender nada. Pego o ônibus, desço do ônibus, faltam 5 minutos pras 23h. Respira. Neutraliza. 23h. Oimãe,suafilhavirtuosaeburguesaacaboudechegar.

CENA 13 [BANHEIRO DE LIDI + THIAGUINHO]

Sol (canta “Viver sem ti” do Exaltasamba) –Eunãovousaberviversemti…

(Todos cantam)

Omundonãotemrazãopramim

Nãomefaleadeus

Nãovououvir

Nãovouaceitarofim

Nãomecomplica

Nãofazassim

Tambémnãovaiserfácilpramim

Ensaieitantopraviraqui

Infelizmenteéofim

Medizaondefoiqueeuerrei?

Eujásei

Temoutroalguém

Tentandoatrapalharonossoamor

Calma!Senta,nãotemninguémnão,não

É pior tente

entender Eu não amo

mais você Para por favor não vá! Eu não

quero te assustarMas não dá pra continuar

Semvocê

Eu vou rezar por vocêPorqueseique vaidoer

MasnãodápracontinuarcomvocêEuvouchorar!

Fazer o que? Eu vou lutar!

Lutar pra que?

Acabou.

Nãoacabounão,não

Acabousim Nãoacabounão,não

Acabou.

Lidiane – Da janela do banheiro daqui de casa dá pra ver a árvore que fica lá na calçada. Minha avó adorava ficar sentada embaixo da árvore pegando uma fresca com as vizinhas. Quando eu comecei a minha transição capilar, minha avó entrou numa de dizer que meu cabelo era muito duro: "Lidiane, passa o pente quente da vovó nesse cabelo, tá muito duro, não tá legal não.” E eu dizia, vó, nosso cabelo é assim, crespo, afro e lindo. É a nossa essência. Ela falava: Ai não tá legal não. Até que um diaelaviuTaísAraújonumcomercial, com um black lindo e me falou : "Sabe que eu vi aquela menina no comercial comocabelo duro igual o teu, até que tava bonito!" Aí ela começou a se acostumar Eu sempre fui Exaltamaníaca. Mas dessas loucas. Mas isso começou com o Thiaguinho lá no FAMA. Quando eu vi aquele Pretinho cantando, eu falei: Vó, eu vou casar com esse Pretinho. A minha avó dizia: Lidiane, o Thiaguinhovaificarfamosoevaicasarcomumamulherbranca.

Minha avó sempre tinha razão. A gente ligava muito pra ele ganhar o programa. Mas tinha um cara que ligava direto lá pra casa pedindo voto. Ele dizia: liga, liga, o Thiago precisa ganhar o programa.AgentetemfamílianoBrasilinteiro.AtéemPresidentePrudente.Eesse cara que ligava era um primo distante da minha avó e pai do Thiaguinho. Eu sou prima do Thiago. Quando eu ia nos shows tinha uma troca intensa entre a gente. (Imita Thiaguinho cantando ”Eu sou o cara pra você”). Mas aí passaram-se os anos, Thiaguinho estouradono Exalta, vai lá e casa com quem? Com a Mili da Chiquititas. Minha avó sempre tinha razão.

Ela também dizia que um dia aindaiamevernatelevisão.Queeuiaserartista,igualaomeu primo Thiaguinho. Mas minha avó faleceu. E só 6 anos depois eu consigo entrar pra faculdade de teatro. Só com 27anoseuentreipraUnirio.Masminhaavósempretinharazão.

E hoje eu tô aqui, Artista.Eela?Elatambémtáaqui (canta) Eunãovousaberviversemti,o mundonãotemrazãopramim...

CENA 14 [QUARTO

CONHECIMENTO]

João- (Canta) Trabalhando o sal

É amor, o suor que me sai

É Vou viver cantando

O dia tão quente que faz

João-MinhaTiaLéocantavaassim:

Homem ver criança

Buscando conchinhas no mar

Trabalho o dia inteiro

Pra vida de gente levar

João - Antes de eu nascer isso aqui tudo era um cômodo só e tinha um carpete enorme no chão. Minha mãe e minhas tias sempre chamavam os amigos delas aqui doprédiopravirem pra cá pra beber, zoar, dançar, ouvir música. Minha avó acolhia todos os viados do prédio nesse apartamento. Depois que eu e meu irmão gêmeo nascemos, esse cômodo foi dividido em dois pra fazer um quarto pra gente. Tiraram o carpete ecolocarampisonochãoporquea gente tem bronquite. Aqui onde eu tô ficava uma cama, que na época parecia enorme. Eu ficava do lado direito e meu irmão do lado esquerdo. Em determinado momento a gente falava: “ÔH VÓ! ME LEVA PRAS NUVENS?” Aí ela vinha aqui pra beira da cama, levantava o edredom e dizia: “Ôh, meus meninos, então vamos pras nuvens”. Eracomoseo tempo tivesse parado. E a gente ficava ali, no céu, onde nada podia atingiragente.Eladizia

que liberdade pra ela, era não sentir medo. Na minhaprimeiraauladeteatroaminhavótava comigo. Na primeira vez que eu subi no palco minha avó tava ali, naquela coxia, improvisando comigo. Eu só tô tentando ver como é que são as coisas aqui de cima. (Entra música Feeling Good) Você está ouvindo, Peterson? Ela tá falando sobre liberdade. Que é um novo amanhecer, um novo dia, uma nova vida pra ela. Ouve Peterson... Ela tá bem, Peterson, ela tá bem. Um peixedentrodooceanoécomoelatásesentindo.Eladiziaquenão tinha como traduzir liberdade. Que era como se apaixonar Como é que você explica pra alguém que nuncaseapaixonou,comoéseapaixonar?Eladiziaqueliberdadepraelaeranão sentir medo. Que algumas crianças não sentem medo. E queesseeraomaispróximoqueela podiachegardeliberdade. Eladiziaqueliberdadeésentimento.Ésentimento.

Peterson – Desce. Desce João. No livro do JaílsonaAnafalaqueseuirmãonãogostavade estudar, mas ela fala também que hojeelesearrepende.Nossa,olhaessepalco.Maravigold.

Quando o meu pai foimeassistirpelaprimeiravezlánauniversidade.Elefalou:Nossa,que palco é esse?Todoremendado,cheiodeburaco,barulhento.Issoépalcopraartistapisar?Se ele pudesse, ele faria um palcoigualaesse,láfaculdade.Tiravaoburacoquetemnotetono meio da plateia. Reformava toda a parte elétrica. Porque se tem dois espetáculos na mesma hora, a luzcai.Eacoxia?Acoxiadeláéumazona. (Pete vai para coxia) Temdiasquenem tem água pra dar descarga no banheiro. É umnojo.Masacoxiadaqui...meuamor...tematé comida. Tô igual um pinto no lixo. (Peterson volta para o palco comendo.) Setivesse10% desse investimento daqui nas universidades públicas, aí a coisa ia ser diferente (Peterson acha o pandeiro) Sempre quando a minha Tia me via com o pandeiro falava: “Peterson, larga esse pandeiro.Nãovaificarigualaoseupaiquenãogostavadeestudar Ahô.Meupai tocava todos os instrumentos. Só não toca a cuícaporqueocaraqueiaensinaraelemorreu.

Meu pai toca em todos blocos do Rio. Centro, Lapa, Catete, Flamengo, Botafogo, Copacabana, Ipanema, Leblon. Eu lembro do meu pai indo em casa tomar banho, trocar de roupa, comer alguma coisa, dava o dinheiro pra minha mãe e voltava para os blocos. A minha mãe pegava esse dinheiro, arrumava a gente e leva pro bloco do meu pai. Mas, hoje ele toma conta dabateriadoblocodoPeru,queéumblocoemSãoGonçalo,Boassu. (Todes Canta) “Glu glu glu dá aqui o meu piru. O meu piru tava fortinho praparado pra voar. Ele deu mole e perdeu a cabeça. Colocaram na panela preparando pro natal. Ele deu mole e agora querem meu pau.” Todes lá em casa ganham a camisa do bloco. E vai afamíliatoda com o Perunopeito.Láemcasasomosseisirmãos,Simone,Silene,Silete,Sileide,Sidneye eu,Peterson,etudoissoomeupaifezcomumpirusó.

João-Seupaiéfoda.

(Todes cantam música do bloco do Peru)

CENA 15 [RAINCOAT]

Professor– Boa noite. Que ótimo, a turma está cheia. Você leu o texto? Depois vocês reclamam que o professor dá palestra. Mas ninguém leu o texto. Então eu vou dar uma palestra. Vamos àaula.IremosfalarsobreaindumentáriadoséculoXIX.AeraVitoriana.A rainha Vitória maravilhosa, era a época dos figurinos mais lindos, o seu reino tinha muita paz, não tinha confusão, não tinha problema no seu reino e não vai voltar nunca mais. Eu vimassim,todaparamentadaparamostrarcomoeranaquelaépoca.EufuiaLondresassistir uma peça e caia uma chuva torrencial. E eu estava com meu sapatinho todo feito a mão.E eunãopodiadeixarmolhardejeitonenhum.Nãomesmo.Entãoeufuinalojaecompreium raincoast. Aqui vocês chamam de capa de chuva, lá é raincoat. Lá é maravilhoso, porque apesar de serem super tecnológicos, as compras eram analógica. Me deram um… Oh my God! Aquele negócio que vocês usam pra escrever...Sabe?Queusamparaescrevernaaula. Qual nome? Isso! Ca – Ne – Ta. Lá é pen. Eles me deram uma pen tinteira. Assinei meu nome e pah. Sai maravilhosa pro Globe Theatre.Euchegueiseca.Osapatointacto.Assistir uma peça maravilhosa:Macbeth.Issoépraexplicarpravocêsqueéimportantíssimosairdo Brasil. Vocês têm que viajar Tem que ir pra fora. Tem que conhecer outras culturas. Não podem entrar na universidade e achar que já resolveram tudo. É importante sair do Brasil, aprender outras culturas e trazer pra cá. Sai do Brasil. Aprende e trás. Sai. Aprende e trás. Sai. Aprende e? Você pode me informar as horas? Tá vendo? Já está em cima da hora pra entregar a prova para vocês. E a aulafoioque?Maravilhosaenempareceupalestra.Telão, primeiraprova.

1° prova – Não saber que Jardim Palmares fica em Paciência é muito complicado. Você precisa sair da UNIRIO, expandir, não dá pra se fechar no mundinho da universidade e achar que é suficiente. Tem que atravessar o túnel, conhecer Santa Cruz, Maré, Realengo, atravessaraponte,SãoGonçalo.Paciênciagente.

2° prova – Como você não sabe que Abdullah é um cantor de São Gonçalo? Vocêprecisa pesquisar, porque é impossível não saber essas coisas. Isso é porquenãolê,teaconselhoa ficarnabibliotecaestudando.

3° prova – Pelo amor de Deus. Na Maré tem tudo querido. Ciclovia, Escola de Dança,Cia de Teatro e Museu. Como este tipodeerropodeaindaacontecer?AquiéumaUniversidade Federal. Quem paga é a população, então você deveria usar com sabedoria e não de qualquerjeito.

4° prova - João, eu até entendo o que você escreve, mas oproblemaéquevocênãoescreve

nas normas acadêmicas, e outra você não usou nenhuma referência, quem é você sem referência?Ninguém.

5° prova – É complicado não saber que a Escola de Samba de Santa Cruz é verde e branco.Euqueriaque...

CENA 15 [NOSSO LUGAR DE FALA]

João-Professor,euposso...Euprecisofalaraquicomtodomundoporquenãoéalgo particular

Professor–VoltaaprovadoJoãonotelão.Eusónãoqueriateexpor.

João e Professor começam a discutir.

João- Cala a boca. Cala a Boca. Cala a boca, Porra! Será que você não percebe o quanto esse lugar me exclui? Você me exclui, sua metodologia me exclui, as pichações racistas das paredes desse lugar me excluem o todos os dias. Eu to muito cansado. Porque a construção desse zero não foifeitasópormim.EssetipodeavaliaçãoépautadonoséculoXIXeagente estánoséculoXXIeeutomuitoassustado.Muitoassustado.Euchegoaquinasuaaulaenão consigo entender uma palavra do que você fala e isso não é normal. Nãopodesernormal.E eu sei que eu não sou burro, caralho. Quando é que a gente vai construir isso juntos? Quando? Você diz que a sua pesquisa é indumentária do século XIX, mas você ensina indumentária europeiadoséculoXIX.EseeuquiserestudarIndumentáriasAfricanas?Como é que eu faço? E eu não tô te pedindo favor nenhum! É um direito que eu tenho de entrar nesse espaço e de me reconhecer aqui. Existe uma lei: lei 11.645. Eu to muito cansado. Cansado de falar comvocêcomosevocêfosseumacriança,tendoquepegarvocêpelobraço pra você fingir que escuta tudo que euestoufalando,masvocênãoescuta!Omundoémuito maior do que a suaementa,caralho!Omundoémuitogrande.AgentevivenoplanetaTerra. Dentro do planeta Terra existe o oriente e ocidente, que são culturas completamente diferentes. Dentro do ocidente existem a América do Norte, a América Central e a América do Sul que também são culturas completamente diferentes.DentrodaAméricadoSul,existe o Brasil, dentro do BrasilnóstemosoRiodeJaneiroe,dentrodoRiodeJaneiroagentetem: O Rio de Janeiro, que, desculpa ser redundante, também tem muitas culturas, por exemplo, nóstemosaLidiane,quemoraemPalmares!

Lidiane–EmRealengomoraoJoão.

Sol-EaquificaSãoGonçalo,ondeoPetersoncresceu.

Peterson – Aqui fica a Maré, onde mora a Sol eaquificaanossauniversidade,aUNIRIO.

NaMarétemo CAM,queéoCentrodeArtesdaMaré.

Lidiane - Em Realengo onde mora o João, fica o Pedro II, onde ele terminou o ensino médio.

João – Só que o Pedro II é tipo as universidades públicas no Brasil. Ele é uma ilhadentro de Realengo. Saindo do Pedro II e entrando na Bernardo de Vasconcellos, você vai dar de cara com uma construção enorme, com umas pichações no teto. E à noite, no Espaço CulturalViadutodeRealengo,acontecemfestas,batalhasderapedeslam.

Sol - Na altura da passarela 7 tem o museu da Maré com uma exposição permanente que conta a trajetória da Maré, na entrada domuseutemumacasadepalafitaazul,linda.Vocês acham que só na zona sul tem Cristo Redentor? Maisprafrentenapassarela10,conhecido comoP.U/P.U,agentetambémtemosonossoCristoRedentor Eeleédessetamanho.

Peterson – Menina, não tem mais cristo,fizeramumapassarelanolugar.Mudouoprefeito mudou tudo. Lá em São Gonçalo, você caminha por uma trilha pormaisoumenos2heno finaldatrilhavocêencontraumvulcãoinativo.EládecimadápravertodaacidadedeSão Gonçalonumavistamaravilhosa.

Lidiane - E em Palmares, assim como no Caju, não tem nada. Palmares fica no bairro de Paciência, mas Santa Cruz ficabempertodePalmaresquetemumadascoisasquemaisamo na vida, a Escola de Samba Acadêmicos de Santa Cruz. Tem as cores verde e branco ehoje está no grupo de acesso A. Meu pai desfila desde criança e hoje ele tá na velha guarda da escola. Mas por muito tempo ele foi diretor deharmonia.Euassimcomomeupai,jádesfilei em váriasalasnaescola,jásaíemaladaalacoreografada,carroalegórico,aladaspassistas... Mas eu também quero sair de baiana, quero ser da comissão defrenteeaindavouserrainha de bateria. Porque eu mereço. Comodiretordeharmonia,meupaiajudavaorganizaraescola na avenida, ele colocava o pessoal nos carros e arrumava as alas. E assim como as outras escolas, Mangueira, Portela, Salgueiro, a Santa Cruz também tem o seu esquenta da bateria. E o de lá é assim: Sou louco por tisouverdeebranco,minhapaixão,meuorgulhomaioréo meupavilhão,felizéquemtemSantacruznocoração."

Todes cantam.

SOULOUCOPORTI OHVERDEEBRANCO MINHAPAIXÃO

MEUORGULHOMAIORÉMEUPAVILHÃO

FELIZÉQUEMTEMSANTACRUZNOCORAÇÃO

Lidiane – Para tudo. Tá tudo errado. Esse ano a escola tem que ganhar Vamos voltar do início.Imaginasó4negrosentrandoemcena.

CENA 16 [VOLTA PRA CASA]

Voz off - Preta não sei se você vai entender minha letra pois você sabe que eunãoescrevo bemeujáquisescreveramaistempomaisficavapençandoquevocêteriadeficaraumenos unsdoisdiasajuntandoosgarranxo.

Lidiane-4não,euquero8negrosaquicomagente.EUDISSESÓOSNEGROS.

Voz off- … a vó manda-lhe dizer que ficou e está muito feliz com a notícia que você mandou sobre a televisão que ela ia chegar depois do carnaval estamos muito contente a esperadestevaliosopresente.

Lidiane- 8não,16.SÓOSNEGROS.

Vozoff-Puxa!Estougostandomuitoda6°série.

Lidiane - 16 não, eu quero todos os negros presentes. EU VOU SERBEMDIDÁTICA,SÓ OSNEGROS.

Voz off- Preta você disse que tem sonhado muitas coisas e fica preocupada. é porque voçê fica pençando. quando voçê lembrar de nós pensa...há...está tudo bem...O Altamir tambem sonhou com voçê êle disse que sonhou que voçê estava chegando aquivoçêtinhaabaixado os cabelos e estava com um sacóla préta cheia de angú. Quando êle foi chegando perto de voçê voçê correu para a casa da Lía; Eu quando começo a preocupar com alguma coisa eu lembro das palavras de Deus os meus penssamentos são de paz e não afliação... Preta tem muitoserrosunseuriscrevioutroseudeixei.

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