Revista CNT Transporte Atual-FEV/2003

Page 40

40 CNT REVISTA FEVEREIRO 2003

OPINIÃO ALEXANDRE GARCIA

Com a faca e o queijo

O MOMENTO DAS REFORMAS É AGORA. POUCAS VEZES NA HISTÓRIA DO PAÍS HOUVE OPORTUNIDADES ASSIM

A

mais recente pesquisa CNT/Sensus mostra que o governo Lula tem mais expectativa favorável agora – 78,4% – do que logo após a eleição – 71%. O principal programa do governo, o Fome Zero, tem 87,3% de aprovação, acima do Cruzado. Na época, o então presidente José Sarney me disse que não precisava da imprensa porque tinha o povo a seu lado. Hoje, nota-se que o atual presidente continua julgando indispensável o apoio do povo, como demonstra no corpo-a-corpo com que renova energias. O brilho interno de Lula reforça-se no exterior. Sua atuação em relação à Venezuela, a sabedoria de ser o elo entre os Fóruns Social e Econômico, o sucesso na Alemanha e França – onde editorial do “Le Monde” o chamou de “professor” – dão-lhe credenciais que fortalecem a posição interna. A bem conduzida administração política no Congresso aumentou a base de sustentação do seu governo e o deixa com presidentes amigos na Câmara e no Senado. O cenário está pronto para que sejam feitas as reformas de que o Brasil precisa. Chance de fazer não apenas as da Previdência e tributária, mas também a reforma trabalhista e política. A composição equilibrada do Ministério e a sensatez da condução econômica conquistaram confiança interna e externa. Adiar a compra de aviões de guerra e reexaminar licitações no Ministério dos Transportes mostraram a coerência de um governo que quer combater a fome. Dois terços dos entrevistados na pesquisa CNT/Sensus aprovaram o cancelamento das

licitações. Uma cautela confirmada pelos fatos. Só vou citar um exemplo. Para consertar 50 quilômetros esburacados da BR-163, em Guarantã do Norte (MT), divisa com o Pará, foi destinado R$ 1,5 milhão. Passou por lá uma motoniveladora e a estrada continuou intransitável. Aí, a Associação dos Produtores Rurais Vale do XV se cotizou e consertou a estrada por R$ 75 mil! Se a gente aplicar a mesma proporção sobre o total das 60 licitações canceladas, chega à conclusão de que, em vez de gastar R$ 5 bilhões, a conta poderia ficar por R$ 250 milhões. O momento das reformas é agora. Poucas vezes houve oportunidades assim. Os militares tinham a espada e a caneta para redigir atos institucionais e fazer as mudanças que julgavam necessárias. Collor teve a força das urnas e um Congresso recém-chegado para converter em lei as absurdas medidas provisórias do congelamento da nossa poupança. FHC me disse que, não sendo autoritário, não seguiria o exemplo de Collor e deixaria o Congresso discutir as reformas. Ele passou e as reformas, não. Ao se despedir de Lula, o ex-presidente augurou: “Espero que você consiga fazer as reformas que não consegui”. O Brasil é o país das oportunidades perdidas. Refugou o imposto único; fez corpo mole com a revisão constitucional, que continha todas as reformas; ficou olhando a História chegar para a Coréia do Sul, o Sudeste Asiático, o México, o Chile... Agora é a hora. Lula está com a faca e o queijo nas mãos.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.