Revista de Doutrina e Jurisprudência - Tribunal de Justiça do Amazonas

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Comissão de Jurisprudência Presidente: Des. Jorge Manoel Lopes Lins Membros: Des. Flávio Humberto Pascarelli Lopes Dr. Adalberto Carim Antonio - Juiz de Direito Dr. Francisco Carlos Gonçalves Queiroz - Juiz de Direito Equipe técnica Álvaro Marcelo Corado Pereira Antônio Cláudio Simas Gaia Chistiane M. Guimarães Raszl Dulcemar de Oliveira Ferreira Heraldo S. Bezerra Júnior Marcelo J. Gomes de Leiros Michelle Moraes de Souza Ocenice A. Serique Michiles Colaborador: Dr. Diogo Oliveira Lins Os conceitos e opiniões emitidas em artigos publicados pela revista são de inteira responsabilidade de seus autores.

Revista de Doutrina e Jurisprudência/Tribunal de Justiça do Estado Amazonas. – n. 1 (ago./nov. 2002). – Manaus: TJAM, 2012510p. Semestral. Continuidade da Revista de Doutrina e Jurisprudência fev./jun. n. 4/2004. 1. Direito – Periódico. 2. Direito – Jurisprudência 3. Direito – Sentença I. Amazonas. Tribunal de Justiça. CDD 340.05

Catalogação elaborada pela bibliotecária do TJAM – Maria das Graças Caldeira – CRB/11- 363


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS Desembargador Ari Jorge Moutinho da Costa PRESIDENTE Desembargador Luiz Wilson Barroso VICE-PRESIDENTE Desembargador Yedo Simões de Oliveira CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA Lista de antiguidade dos membros do Poder Judiciário do Estado do Amazonas até 31 de dezembro de 2012, organizada de acordo com o art. Art. 193, inciso I, da Lei Complementar nº 17, de 23/01/1997. Desembargador Djalma Martins da Costa..................................... 29/03/1989 Desembargador João de Abdala Simões...................................... Desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo............. Desembargador Ari Jorge Moutinho da Costa.............................. Desembargadora Maria do P. Socorro Guedes Moura................ Desembargador Domingos Jorge Chalub Pereira........................ Desembargador Yedo Simões de Oliveira.................................... Desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes..................... Desembargador Luiz Wilson Barroso............................................. Desembargador Paulo César Caminha Lima................................ Desembargador Rafael de Araújo Romano.................................. Desembargador Aristóteles Lima Thury......................................... Desembargadora Encarnação das Graças S. Salgado............... Desembargador João Mauro Bessa............................................... Desembargador Cláudio César Ramalheira Roessing................ Desembargador Sabino da Silva Marques.................................... Desembargadora Carla Maria dos Santos dos Reis.................... Desembargador Wellington José de Araújo.................................. Desembargador Jorge Manoel Lopes Lins....................................

01/09/2004 15/10/2004 15/10/2004 17/12/2004 17/12/2004 16/06/2005 29/04/2004 04/09/2008 31/10/2008 04/11/2008 18/12/2008 19/03/2009 16/07/2009 15/10/2009 08/04/2010 19/10/2010 14/12/2010 26/07/2011


SUMÁRIO

DOUTRINA 15 Anos de uma justiça verde.........................................11 Dr. Adalberto Carim Antônio

I Congresso Internacional de Magistrados sobre Meio Ambiente.........................................................................25 Dra. Lúcia Maria Corrêa Viana

Violência infanto-juvenil – novamente, o bullying..........49. Ivana Leite

A razoável duração do processo em face a virtualização no Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.............59 Alessandra Lima Oliveira

JURISPRUDÊNCIA Cível e Criminal...............................................................83

SENTENÇA Cível e Criminal.............................................................487

ÍNDICES Numérico por Acórdãos.................................................506 Numérico por Sentenças...............................................508 Onomástico....................................................................509


APRESENTAÇÃO A ideia do relançamento da Revista de Doutrina e Jurisprudência nasceu de um convite da atual administração de nossa Corte de Justiça, sob a direção do Desembargador Ari Jorge Moutinho da Costa, a fim de que eu coordenasse os trabalhos de elaboração, em atendimento ao Regimento Interno, para dar continuidade ao trabalho de divulgação dos julgados, suprindo uma lacuna deixada pela falta de publicação de novas edições, promovendo assim, um resgate da história deste Tribunal, ao atender aos anseios da comunidade jurídica. A presente revista é um desejo há muito alentado em nossos corações e aguardado, não só por nós Magistrados, mas também pelos operadores do Direito que assim labutam em seu profícuo ofício, também por servidores e acadêmicos na busca do conhecimento, portanto é com orgulho que apresento a mais nova Edição da Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas. O Direito, enquanto sistema de leis, é estático, quase imutável, fechado, só admite transformações a passos muito lentos, quando já ultrapassado pela própria realidade dos fatos sociais. Ao que parece, estamos numa fase de transição, em que mudanças ocorrem numa velocidade nunca vista antes e no mundo globalizado esta concepção do Direito se revela ultrapassada. Vivemos na era da informática, da internet on line e de muitas inovações tecnológicas, a exigir uma abordagem de conceitos que, para nós, pareciam solidamente estabelecidos. Assim, nós, juízes, precisamos nos preparar para conviver com um novo modelo de fazer Justiça, aceitando as mudanças e participando intensamente da nova ordem jurídica, como agentes transformadores que somos e principalmente precisamos contribuir com a nova feição do Poder Judiciário, preservando valores humanos como a dignidade, a fim de fortalecer a defesa e o respeito pelos direitos fundamentais do homem, os quais no presente, consistem na proteção do indivíduo contra o global.


A presente revista vem sintonizada com as mais recentes decisões e entendimentos de nosso Tribunal, pelos seus julgados. Será possível verificar as posições adotadas pelo Tribunal ou a sua evolução, pois no Direito, diferentemente do que ocorre em outras ciências, há uma dialeticidade de princípios, normas e costumes, uma verdadeira simbiose científica que cria e modifica o entendimento de outrora pelo de agora, sem se descuidar da segurança jurídica. Assim a afirmação da veracidade de um enunciado não implica a exclusão dos que com eles são incompatíveis. Isso faz da doutrina jurídica algo plural, na qual se encontram as mais diferentes ideias, teses, correntes e tendências. A presente Edição, além de trazer notáveis sentenças conta ainda com artigos doutrinários, produções intelectuais da mais alta qualidade sobre temas atuais e de grande relevância jurídica. Contudo, “um sonho sonhado sozinho é apenas um sonho. Mas um sonho sonhado junto é realidade”, e conosco não foi diferente, foram diversas as reuniões e trocas de ideias, a fim de produzir uma obra de qualidade. Gostaria de agradecer o trabalho dos membros da Comissão, cuja dedicação e competência foram fundamentais na concretização deste projeto. Este livro é um tributo do Tribunal de Justiça do Amazonas para a sociedade. Nasce com o intuito de divulgar o pensamento dos magistrados amazonenses e colaborar com o aprimoramento dos profissionais do ramo do direito, proporcionando mais uma fonte de pesquisa segura e atualizada para atender às expectativas dos leitores na busca do conhecimento jurídico, aberta a novas ideias e atenta às transformações sociais que o Judiciário há de acompanhar, e... como escreveu Fernando Pessoa, “Que sinta-se nascida a cada momento, para a eterna novidade do Mundo [...]”. Boa leitura. Manaus, 18 de dezembro de 2012. Desembargador Jorge Manoel Lopes Lins Presidente da Comissão Permanente de Jurisprudência


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15 ANOS DE UMA JUSTIÇA VERDE *

Dr. Adalberto Carim Antônio

Magistrado do TJ/AM

INTRODUÇÃO Foi na Carta Régia de 17 de março de 1796, criada a figura do “Juiz Conservador das Matas”. Cabia a esse julgador de antanho prender e julgar os criminosos que de forma desmedida destruíam as preciosas árvores e lesavam a Coroa. É claro que o escopo, na ocasião residia preponderantemente na salvaguarda dos interesses econômicos do Rei, abarcando a defesa das matas propriamente considerada de forma indireta. O momento é outro. Do século XVIII, para cá, sem sombra de dúvidas, muita coisa mudou. O avanço tecnológico, a mudança dos valores sociais, a rarefação dos recursos naturais tidos “a priori” como renováveis demanda nitidamente que os poderes basilares em um Estado de Direito tenham um mister muito mais abrangente do que o clássico sistema de freios e contrapesos idealizado por Montesquieu. Paralelo a essas radicais mudanças a humanidade desse limiar de século parece vivenciar um período em que uma miríade de questões cruciais são levantadas, de forma que se possa tentar entender com propriedade os fatos que circundam a realidade atual. O Brasil em particular, como jovem nação principia um caminho em que indagações são maciçamente efetuadas para *

Doutor em Direito do Urbanismo e do Meio Ambiente pela Universidade de Limoges – França. Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado Amazonas. Juiz de Direito Titular da VEMAQA - Vara Especializada do Meio Ambiente e de Questões Agrárias do Estado do Amazonas. Presidente da Comissão de Gestão Ambiental do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. R. Dout. Jurisp. AM

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explanar aspectos atinentes a origem e perenização de determinadas situações paradoxais nesses pouco mais de 500 anos de história. A população brasileira silente durante os nebulosos anos da ditadura, assim, passa a se questionar como Pátria, perquirindo os mecanismos do Estado à vista de rios mortos pela contaminação provocada por fábricas, pela poluição orgânica, química, entre outras mazelas deitadas na água a guisa de um suposto progresso que parece muitas vezes beneficiar alguns poucos em detrimento de milhões. Devastamse enormes quantidades de terra em nome de um irracional e ilógico plano de ocupação do solo, expulsando e destruindo impiedosamente animais que constituem vital parte do grande ecossistema, que verdadeiramente abarca todo o país. É nesse contexto de degradação ambiental, de diminuição substancial da qualidade de vida do meio ambiente urbano, que se deve refletir sobre o papel do Poder Judiciário enquanto repositório final das esperanças e dos anseios acalentados por uma sociedade que optou ser regida por leis, que em analise coerente devem refletir com a mais viva intensidade a realidade dos fatos e a tendência esposada pelos cidadãos. Um breve recuo na história na formação do Jus Ambientalista. Muito tempo efetivamente decorreu desde a importante Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente realizada em Estocolmo, Suécia e que legou a humanidade 25 princípios contidos em uma declaração que revolucionou a maneira de enxergar e de entender o desenvolvimento por parte das nações e de seus nacionais. É importante rememorar o teor do princípio 22 que aduz os estados cooperarão para o desenvolvimento internacional no tocante às questões legais de responsabilidade e indenização às vítimas da poluição e de outros danos ambientais causados à áreas situadas além da jurisdição de tais estados por atividades realizadas dentro de sua jurisdição R. Dout. Jurisp. AM

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Esse embrião principiológico do direito ambiental desenvolveu por todo o globo elementos de cunho legislativo destinados a evitar que tragédias como Minamata e Torrey Canyon nunca mais se repetissem. O Brasil em um contexto pioneiro na América do sul materializou pioneiramente a Lei da Política Nacional do Meio ambiente (lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981) revolucionando diversos preceitos estabelecendo uma política voltada para compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Firmou o mencionado diploma legal instrumentos dessa política entre os quais a importante avaliação de impactos ambientais, conceituando tecnicamente termos como meio ambiente, poluição, poluidor e recursos ambientais. Gradativamente o legislador nacional formou um anteparo destinado a conter a sanha destruidora que ceifou quase toda a mata atlântica e que redundou em frases bastante infelizes como aquela de um ministro brasileiro na década de 70, que afirmou ante a surpresa da comunidade internacional que o Brasil importaria poluição caso fosse isso necessário para o desenvolvimento do país. A constituição cidadã ora vigente foi indubitavelmente o maior passo dado para consolidar o direito do povo brasileiro ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A lei maior em seu capítulo VI dedicou especial atenção à questão ambiental expressando nitidamente no caput do artigo 225 a imposição ao poder público e a coletividade de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Infere-se desse comando constitucional que o Poder Judiciário integrando inquestionavelmente o indigitado Poder Público não pode em qualquer momento olvidar o mister de proteção ambiental. De extrema valia nesse aspecto o ensinamento do Desembargador Corregedor do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo José R. Dout. Jurisp. AM

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Renato Nalini que evidencia: ainda não existe consciência de que o Judiciário é também destinatário do comando contido no artigo 225 e seus incisos da lei fundamental. Titulariza a o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações e incumbe-lhe precipuamente, promover a educação ambiental e a conscientização pública direcionada ao mesmo objetivo.

Conveniente ainda o comentário de Paulo de Bessa Antunes que expressa que a Constituição Federal de 1998 deu um grande impulso ao papel desempenhado pelo Poder Judiciário na defesa do meio ambiente e da qualidade de vida. Isto ocorreu em razão da existência de um capítulo próprio sobre o meio ambiente, pela ampliação das hipóteses de cabimento da ação civil publica, e mais especificamente, pela ampliação do papel do Ministério Público.

De fato a constituição de 1988, em mais de duas décadas corporificou uma postura para os poderes que constituem este País, eminentemente voltada para a conservação ambiental, inclusive quanto ao inciso VI do aludido artigo 225 que preceitua a promoção da “educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Essa nova feição apresentada ao Judiciário conquanto não imediatamente absorvida por todos seus integrantes é sem sombra de dúvidas partilhada pela maioria de seus membros, principalmente como enfatizado por viver o Poder em lume uma período de juvenilização, fato obviamente bastante salutar. É imperioso denotar, entretanto, que a consciência ambiental, apesar de espraiar com mais R. Dout. Jurisp. AM

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intensidade entre os magistrados mais novos, não constitui fato inusitado para a classe judicante. São exemplos para toda a classe jurídica brasileira o trabalho realizado há anos pelos irmãos e magistrados Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, que em sua respeitada obra crimes contra a natureza expressam que o juiz tem um relevante papel em matéria ambiental: primeiro, por exercer um dos poderes da república em nome do povo e ter a obrigação defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (CF,arts. 1, parágrafo único, e 225, caput); segundo, como intérprete da norma ambiental. Como representante do poder público poderá, dependendo do local e época em que atua, exercer importante papel. Como juiz de comarca interiorana, sua presença servirá de grande estímulo às atividades estudantis ou comunitárias de defesa do meio ambiente. Nas associações poderá estimular a realização de cursos, concursos e atividades assemelhadas. Nos tribunais muito poderá ser feito. No âmbito de administração da justiça, a especialização de varas é imprescindível.

O Professor Dalmo de Abreu Dallari enfatiza que além da preparação técnico-jurídica cabe a figura do juiz relevante papel social que lhe atribui o povo e a proteção dos direitos humanos entre os quais se encontra o direito à qualidade de vida inerente ao meio ambiente equilibrado. Aponta o respeitado jurista que esse ideal ainda está um tanto quanto distante e que para atingilo é fundamental o aperfeiçoamento das justiças nacionais. Assim é preciso ter muito claro, entretanto, que para real proteção judicial dos direitos humanos não é suficiente e, pelo contrário, é perigoso só cumprir formalidades judiciárias, ter uma aparência de R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas proteção judicial, que adormece a vigilância e que não é, porém, mais do que uma ilusão de justiça.

A ojeriza ao formalismo é portanto um grave óbice que deve ser suplantado para que a classe que compõe o Poder Judiciário possa atingir patamar que se coadune ao escopo constitucional previamente considerado nesse texto. Acrescenta Dallari que tal formalismo presente infelizmente em nosso meio jurídico favorece a impunidade e que seus defensores geralmente fanatizados pela lógica aparente do positivismo jurídico, muitas vezes não chegam a perceber que o excessivo apego às exigências formais impede ou dificulta a extrema a consideração dos direitos envolvidos no processo. Condicionados por uma visão exclusivamente formalista do direito, esses juízes concebem o respeito das formalidades processuais como objetivo mais importante da função judicial. Não se sensibilizam pelas mais graves violações de direitos humanos, desde que sejam respeitadas as formalidades. Por isso que se pode dizer que os juízes formalistas são cúmplices inconsciente dos violadores de direitos humanos e concorrem de maneira significativa para garantir sua impunidade (o poder dos juízes, Editora Saraiva, p. 38).

É inegável, portanto o fato de que existem ainda muitos passos a serem tomados para incutir a importância ambiental para aqueles que Milaré denomina de “marginalizados da macroilegalidade”, referindo-se aqueles magistrados que relutam em enxergar ascensão dos novos direitos sociais. Não se trata contudo, de visão irreversível, pois o quadro que ora desponta mostra magistrados se não profundos conhecedores da situação ambiental mundial, ao menos conscientes de que seu papel transcende o de mero aplicador da lei, incorporando presentemente também a condição de tripulante dessa imensa R. Dout. Jurisp. AM

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nave denominada terra. Assim o agente político magistrado não precisa ser necessariamente um vocacionado para as causas ambientais, basta que, como um homem culto que deve ser, esteja em sua função jurisdicional, antenado na essência de seu trabalho, que é primordialmente integrado aos anseios da sociedade, da qual se originou para magistratura. O cidadão comum após ingressar no Poder Judiciário permanece cidadão, e como juiz cidadão suas responsabilidades para com o meio social se intensificam. Como bem acentua Édis Milaré cabe ao Judiciário a adoção de “uma nova postura e sensibilidade à gravidade do problema que lhe dá a nova ordem, de modo a desprender-se dos preconceitos do individualismo jurídico para assumir, resoluto, as responsabilidades que a justiça social lei impõe”. Muitas coisas poderiam ser aqui elencadas como fundamentais para a formação do juiz ambientalista, e que na prática já se materializam em inúmeras decisões da justiça que reverberam positivamente para o meio ambiente. Recentemente, inclusive, corroborando esse posicionamento verde do Judiciário brasileiro uma revista nacional de grande circulação estampou a algum tempo atrás manchete denominada “Castigo do bem”, decisões da Justiça obrigam vilões ambientais a criar áreas de preservação. Em seu texto a matéria ressalta “que substancial parte dos 65500 quilômetros quadrados acrescidos às áreas de preservação pública do país nos últimos dez anos foi fruto de acordos e decisões judiciais” que impõem, aqueles que destroem a natureza, a obrigação de tomar medidas que compensem os estragos produzidos. Na maioria dos casos, empresas poluídoras ou responsáveis por obras que geram grande impacto ambiental “são condenadas a criar parques, reservas e estações ecológicas, e depois manter essas áreas com seus próprios recursos”. Exemplos desse tipo, são verdadeiramente encontrados na Justiça de todo o país. A Justiça de Minas Gerais por exemplo intermediou acordo com a Fiat, que fabricara modelo de automóvel que emitia gases R. Dout. Jurisp. AM

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poluentes acima dos limites legais, de forma que esta além de doar 6000 hectares ao IBAMA, obrigou-se a implantar infraestrutura no norte de minas, em um dos maiores complexos espeleológicos do país, mas precisamente, no Parque Nacional do Vale do Peruaçu. O Poder Judiciário, nesse contexto de aceleradas mudanças deixou de ser unicamente o sistemático aplicador da lei, o boca da lei, para tomar através de seus juízes, que também são cidadãos, uma posição condizente as necessidades coetâneas de seus jurisdicionados, determinadora do desenvolvimento jurídico. O Judiciário assume os moldes preconizados por Henri de Page “que a interpretação das leis não deve ser formal, mas sim antes de tudo humana, socialmente útil”. A ciência jurídica procurou ,assim, se especializar aos moldes de outros tantos ramos do conhecimento humano, para a terceira geração dos direitos do homem. Segmentos do Direito voltados para o trato da infância e juventude, do consumidor foram surgindo de modo a atender esse reclamos .Enquanto muitas infrações previstas nos volumosos textos legais foram caindo no desuso, uma infinidade de novas figuras delituosas foram sendo, incorporadas ao dia a dia da sociedade moderna. Entre elas a do crime ecológico denunciado as escâncaras pela imprensa mundial. O Judiciário amazonense não poderia ignorar que a população da maior floresta tropical do planeta estava a exigir uma pronta e eficiente resposta dos administradores da justiça para os problemas ecológicos, verificados intensamente até nos mais longínquos rincões da selva amazônica. Com essas indispensáveis considerações preambulares, e com a consciência de que a responsabilidade de alumiar o assunto proposto se magnífica em um panorama de vaticínios ambientais apocalípticos deve-se enfocar o âmago do assunto, esclarecendo o papel da Vara Especializada do Meio Ambiente como paradigma na relação ambiente/justiça e sua efetiva contribuição para a solução dos problemas R. Dout. Jurisp. AM

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ambientais do Amazonas nos últimos anos. A eclosão da Justiça ecológica amazonense. O projeto de dotar a Justiça amazonense de um braço especializado no trato das questões ambientais retrocede no tempo, mais precisamente a setembro de 1994. Naquela ocasião, o então Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e respeitado jus ambientalista Édis Milaré, expressou, sabedor desse intuito, através do ofício SMA – 1.171/94 dirigido ao Presidente do Tribunal de Justiça à época, que nessa “região prioritária das atenções mundiais e de inafastável soberania nacional”, seria oportuno dotar o Judiciário amazonense de um instrumento de distribuição de justiça “cujo pioneirismo e descortíneo merecerão, por certo, o reconhecimento das presentes e futuras gerações”. Sua operacionalização, por absoluta falta de recursos (realidade visceral da Justiça brasileira) deu-se, entretanto, apenas no segundo semestre do ano de 1997, por sinal, ambientalmente trágico para a região assolada pelo fenômeno “El niño”, que reduziu para aproximadamente 40% a umidade do a r, q u e a d i c i o n a d a a s q u e i m a d a s p r o d u z i d a s inconsequentemente para a limpeza dos terrenos formou uma espessa nuvem de fumaça comparável ao foggy londrino, ocasionando, além do aumento de doenças respiratórias, inéditas colisões de barcos no Rio Negro, por total falta de visibilidade. Foi em meio a esse panorama surrealista, finalmente anunciada a implantação de uma Vara Ambiental no Amazonas. A notícia foi recebida pela população da cidade de Manaus com grande alento, uma vez que a intensidade do aludido fenômeno chegou a ponto de alterar o cotidiano das pessoas, que também padeciam com a falta de energia elétrica advinda da seca que, consequentemente, reduziu a capacidade da Hidrelétrica de Balbina. A Vara Especializada de Meio Ambiente e de Questões Agrárias foi no prisma eminentemente sistemático instalada pela Resolução nº 05 de 25 de julho de 1997 e referendada pelo R. Dout. Jurisp. AM

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Egrégio Tribunal de Justiça do Estado em sessão plenária de 14 de agosto de 1997. Muito mais que datas e números, entretanto, a Vara Especializada do Meio Ambiente e de Questões Agrárias, VEMAQA como é conhecida representa um gigantesco passo para o Judiciário amazonense que em ato arrojado e pioneiro do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas trouxe um conceito novo de prestação jurisdicional ao considerar precipuamente no cerne da mencionada resolução nº 5 que “a proteção ambiental deve merecer especial atenção de todos os segmentos da sociedade, mormente das autoridades constituídas”. Outro por sinal, não é o entendimento da Constituição Federal que como enfatizado em plano anterior desta exposição em capítulo especifico dedicou significativa atenção a problemática ambiental, cada vez mais presente, nesse inicio de milênio. O que significa efetivamente dispor de uma Justiça Especializada em matéria ambiental para a população amazonense? Primeiramente não se pretende efetivar uma justiça que seja a panacéia para todos os males ecológicos, tal providência mostra-se impossível até para os países ditos desenvolvidos como os Estados Unidos e o Japão que convivem com problemas como a Poluição Hídrica no Alasca e contaminação por metal pesado, que ceifou dezenas de vidas em Minamata no Japão. Na forma estruturada originalmente na mencionada Resolução a Vara tinha competência concorrente com o Juízo de Direito da Comarca onde existisse questão ambiental a ser decidida. Hodiernamente sua competência se limita a região metropolitana e apresenta a seguinte competência material: Na esfera cível: a) Processar e julgar as ações referentes ao Meio Ambiente, assim definidas em Lei, bem como os executivos fiscais oriundos de multas aplicadas por ofensa ecológica; R. Dout. Jurisp. AM

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b) Processar e julgar as ações relativas às questões fundiárias relativas a função ambiental da sociedade. Na esfera criminal: a) Processar e julgar as infrações de competência dos Juizados Especiais, definidos na Lei Federal nº 9.099/95, bem como aquelas atinentes a Justiça Estadual prevista na recente Lei nº 9.605/98, denominada popularmente Lei da Natureza. Como se pode observar a tarefa atribuída ao Juiz Dirigente e aos poucos serventuários de justiça que compõem a estrutura da especializada não é das mais fáceis, porquanto primordialmente pretende racionalizar o direcionamento jurisdicional ambiental de comarcas relevantes, tornando-o harmônico, coerente, de maneira a impedir que decisões dispares venham afetar o bem de uso comum do povo consagrado na inteligência do Art. 225 da Carta Magna e Art. 229 da Constituição do Estado do Amazonas. A labuta é eminentemente árdua e pressupõe também significativo investimento da Justiça na conscientização ambiental, dever do Poder Público, aliás cristalinamente expresso no inciso VI do retromencionado Artigo da Lei Maior. A Especializada vem assim penalizando pessoas físicas e jurídicas conforme previsão da Lei de Crimes Ambientais de forma a ressocializar o infrator, raras vezes um ecocida convicto. A prestação de serviços a comunidade em parques, jardins públicos, entre outros locais afetos a ecologia transcende o radicalismo do caráter segregatório, hoje contemplado pelos penalistas como medida de exceção, posto que o intento maior é trazer o apenado de volta ao convívio da sociedade para que com ela possa contribuir. O modelo clássico prisional apresenta incontestáveis mazelas que geralmente acabam por onerar mais ainda a sociedade lesada. A educação ambiental tem nesses moldes sido priorizada no cotidiano da Vara R. Dout. Jurisp. AM

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Especializada, também com a edição e distribuição gratuita de exemplares da Lei nº 9.605/98, além de palestras e outros materiais informativos que chegam aos jurisdicionados, principalmente aos estudantes a quem cabe realmente o futuro deste país. O resultado de cunho mais positivo na implementação da VEMAQA, como a Vara especializada é conhecida popularmente foi, assim, o aumento da percepção da população desse direito de 3a. geração, que é o direito ao meio ambiente equilibrado, benéfico para todos indistintamente e a conseqüente demanda por uma postura adequada do Estado. Hoje a Vara Ambiental tem mais de 2.000 (dois mil) processos, com significativa predominância dos criminais. Conclui-se, pois que a fórmula da Justiça Ambiental pioneira na Amazônia, como aliás foi pioneiro o Amazonas na inclusão da própria Disciplina Direito Ecológico no curso de Direito no Brasil, por parte de um dos maiores especialistas no assunto o saudoso Prof. Roberto dos Santos Vieira, logrou êxito, tanto assim que vários Estados da Federação demonstraram interesse em projetos embasados na experiência amazonense. Expoentes da imprensa nacional como a Folha de São Paulo e a Gazeta Mercantil cobriram o desempenho da VEMAQA dispensando comentários estimulantes. Organismos como o departamento de Governo Americano voltado para assuntos da América Latina, estiveram aqui e puderam atestar em documento a impressão positiva que causou internacionalmente a criação de uma Justiça Ecológica. Destaques em prêmios nacionais como o INNOVARE de 2007 e Internacionais como o Chico Mendes foram reconhecimentos desse trabalho reafirmado na maior pesquisa realizada no planeta com Varas e Tribunais Ambientais oriunda da ONU e da Universidade do Colorado – USA. Não se pode, no entanto, repousar cinicamente nesses frutos até então colhidos. A meta é gigantesca e deve abarcar todos os seguimentos da sociedade. Como o maior celeiro R. Dout. Jurisp. AM

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genético do mundo a Amazônia e em especial o Estado do Amazonas inegavelmente desperta a cobiça de outras nações. É essencial que todo cidadão brasileiro repila projetos políticos demagogos elaborados nos insensíveis gabinetes refrigerados por gente que mesmo detendo procuração do povo para representá-los, revela profunda miopia no que tange a realidade amazônica e sua importância para o futuro do país e do próprio planeta. É necessário se aprovar um Código Ambiental brasileiro, com medidas urgentes que combatam racionalmente a Biopirataria, negócio dos mais torpes que movimenta em torno de 15 bilhões de dólares por ano e que de certo modo também ocorreu pioneiramente no maior Estado da Federação com o contrabando de sementes da seringueiras e que condenou o Amazonas a estagnação econômica e cultural por mais de meio século. Finalmente diante de tudo quanto foi exposto, pode-se enxergar a situação com extremo alento. Surge toda uma geração de julgadores que vem modificando grandemente a imagem hermética apresentada pelo Poder Judiciário. Serão esses homens e mulheres ciosos seu fundamental papel pacificador na sociedade, agentes de transformação social no século XXI, capazes certamente de labutar com mais denodo, quando os interesses a serem preservados superaram muito nitidamente o individualismo classicamente apregoado na formação dos operários da lei e vai de encontro ao ideal garantidor da presença humana na superfície desse planeta por ainda muitos milênios. Referências AMAZONAS. Constituição Estadual do Amazonas. AMAZONAS. Resolução nº 05 de 14 de agosto de 1997 do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. R. Dout. Jurisp. AM

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ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1998. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Juarez de Oliveira (org.). São Paulo: Saraiva, 1990. (Série Legislação Brasileira) DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza (de acordo com a lei 9605/ 98). 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. LEI AMBIENTAL BRASILEIRA. Manaus: VEMAQA/Imprensa Oficial do Estado, 1998. MILARÉ, Édis. A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos. São Paulo: Saraiva, 1974.

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I CONGRESSO INTERNACIONAL DE MAGISTRADOS SOBRE MEIO AMBIENTE *

Lúcia Maria Corrêa Viana

Magistrada do TJ/AM

I Congresso Internacional de Magistrados sobre Meio Ambiente – “ IN DUBIO PRO NATURA”, realizado em Manaus/AM, Hotel Tropical, no período de 08 a 11 de agosto de 2012, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, em co-realização com a Associação dos Magistrados do Amazonas – AMAZON e Escola Nacional da Magistratura – ENM. Pretende-se pelo presente artigo apresentar narrativa comentada acerca dos principais pontos elencados pelos conferencistas, palestrantes e debatedores, de maneira suscinta, frente ao evento realizado, que redundou em magnânine ganho cultural a respeito dos temas abordados, surpreendendo a seleta platéia, donde se constatou superação, envolvimento, responsabilidade, preocupação e paixão pela temática, registrando-se os valorosos currículos dos apresentadores, seu expertise, experiência e profundo conhecimento sobre as questões ambientais explanadas. Após o pronunciamento inicial declarando aberto o Congresso realizado pelo Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, eminente Desembargador Henrique Nelson Calandra, que não mediu esforços para que o *

Professora de Direito Ambiental e Processo Ambiental da FMF, ESMAM, UEA, Mestre em Direito Ambiental pela UEA, Doutoranda pela UCSF, Argentina, Pós-Doutorada pela UNILAM, Buenos Aires, Argentina, Conselheira do Conselho do Meio Ambiente e do Conselho Penitenciário do Estado do Amazonas, e escritora. R. Dout. Jurisp. AM

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evento se realizasse da forma magnânime como se deu, e após pronunciamento e esforço conjunto com o Desembargador Aristóteles Lima Thury, Presidente da Associação dos Magistrados do Amazonas – AMAZON, fora realizada a palestra de abertura proferida pela Secretária Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SDS, Nádia D'Avila Ferreira sobre o tema “Meio Ambiente e Desenvolvimento”. A competente palestrante organizou a sua fala a partir de três enfoques: Entes Federados, Países Resilientes, e Índice da Felicidade. Comentando a respeito do índice da felicidade, medido por pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, informou que o Brasil se encontra em 150º lugar no ranking mundial. Enriqueceu sua fala com o tema Transição para uma Economia Verde, e apresentou dez setores que se encontram mais impactados por essa transição, sendo eles, agricultura, construção civil, geração de energia, pesca, silvicultura, indústria, turismo, transportes, resíduos sólidos, e recursos hídricos. A despeito dos setores mais beneficiados por essa economia verde, apresentou, energia renovável, como a solar, construção sustentável, transporte coletivo, alternativa para mobilidade, agricultura baixa de carbono, reciclagem, entre outros. Comentou sobre pontos positivos em que o Brasil tem se destacado no cenário mundial, como destaque junto ao BRIC, tem se mostrado inovador, tem sido destacado internacionalmente pela energia limpa, redução no desmatamento, preservação de Áreas de Preservação Permanente – APPs, redução da miséria e ampliação da classe média, se encontrando o Brasil no 88º em educação entre 127 países. Citou entre os principais gargalos e desafios essa colocação na área de educação, na ciência, tecnologia e inovação, segurança pública, logística, comunicação, reforma fiscal e tributária, resíduos sólidos e possível enfraquecimento do Código Florestal, pela Medida Provisória no. 571, válida até 08 de outubro, onde mais de 300 destaques reduziram-se a 38. R. Dout. Jurisp. AM

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Discorreu ainda sobre a PAN Amazônia, citando seus 7,5 milhões de Km2, a grande biodiversidade sócio-ambiental e compartilhada entre 09 países, seus 33 milhões de habitantes, mais de 370 povos indígenas e diversidade cultural, declínio de desmatamento com taxa em 2003 de 1.558 hectares e 502 em 2011, e elevação do PIB, variação de focos de calor em que houve redução em 53% entre 2008 a 2011, e número das Unidades de Conservação, de 12 em 2002 para 41 em 2009. Comentou a respeito dos PLAMSAN e PMGIRS, Planos Municipais de Saneamento e de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Destacou que apesar do Amazonas possuir 92% de florestas preservadas, entretanto ainda mantém 98% de lixões. Por fim, finalizando a sua brilhante explanação, referiu-se à minuta de Projeto de Lei sobre Política Estadual sobre Serviços Ambientais, sobre a Carta da Amazônia/2012, sobre Proposta de criação do Conselho de Desenvolvimento do Amazonas, em parceria com a União, Estado, Município e sociedade civil. No Painel Panorama Mundial do Direito e Políticas Ambientais, o primeiro tema “Os resultados da Rio mais 20”, fora apresentado por Andrea Brusco, representante do PNUMA, sobre “Nueva métrica del desarrollo sostenible”, a qual refletiu sobre a sua importância e aplicação. Comentou ainda a respeito da “Declaracion del Rio mais 20 sobre Justicia, Derecho y Gobernanza para la sostenibilidad ambiental – Reconoce la importante contribución de la comunidad legal. Establece principios para el avance de la justicia, la gobernanza e el derecho. La Declaración hace un llamado a la conformación de un red institucional internacional para la promoción de la Justicia, Gobernanza e Derecho para la sostenibilidad ambiental en el siglo XXI, con el liderazgo del PNUMA”. O segundo tema “Tendências e Desafios do Direito Ambiental” fora comentado por Nicholas Robinson, professor da Universidade Pace – EUA. Discorreu sobre ecocentrismo, justiça ecológica, apresentando seus conceitos, seus princípios, como apreciar a R. Dout. Jurisp. AM

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natureza, referiu-se à Conferência de Estocolmo, ao princípio 10 sobre acesso à informação e às cortes, e referiu-se ainda ao Tribunal Internacional de Haia, o qual tem corte ambiental. A seguir, no Painel O Judiciário e o Meio Ambiente, o tema “Interpretação do Código Florestal” magnificamente defendido pelo eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, em que iniciou seu pronunciamento informando que estamos diante de um texto semiacabado e medida provisória que está sendo apreciada pelo Congresso, o que deixa o código sobre profunda instabilidade. O Ministro prometeu abordagem sobre os aspectos constitucionais, legais e jurisprudenciais, seus precedentes, sobre o tema. Iniciou comentando acerca do regime jurídico das florestas no Brasil, como essas são regradas pelo ordenamento jurídico brasileiro. A primeira proposição enfrentada pelo tema seria denominar tetra (%) dimensionamento, ou sejam cinco regulamentos florestais no sistema brasileiro. O primeiro seria a própria Constituição Federal, a segunda seria a Lei nº 4.771, Código Florestal, a terceira como fonte em outras leis ambientais, a quarta a Lei nº 6.938/81, Lei da política Nacional do Meio Ambiente, e a quinta, regulação pelas normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, e conselhos estaduais e municipais. Nessa análise, considerou, uma não exclui a outra, não há prevalência, mas há hierarquia entre as constitucionais e as infraconstitucionais. Ensinou que além do Código Florestal, temos regramento código principiológico traçado na CF, como meta código que vai traçar as orientações a serem seguidas pelo Judiciário. Passando à hermenêutica desse Código Florestal, indagar se a legislação protege floresta. Citou que o Ministro Mauro Campbell Marques tem precedente deixando claro na perspectiva do texto do Código Florestal, que esse protege não apenas floresta mas demais formas de vegetação nativa. A legislação florestal tem no seu campo de aplicação desde floresta densa às gramas. Há de se indagar ainda se a R. Dout. Jurisp. AM

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vegetação é nativa ou se trata de espécies exóticas, plantadas pelo bioma brasileiro. Como os magistrados devem interpretar a legislação ambiental? O debate no Congresso Nacional ainda não concluiu , assim não se pode analisar aquilo que ainda está indefinido. Na perspectiva da CF não se pode interpretar diretamente do texto, mas interpretação reflexa. Após essas considerações, iniciou com o primeiro norte da hermenêutica do tema: Princípio da proibição do retrocesso, reconhecido pelo precedente do Ministro Teori Zavascki, e informa que fomos o primeiro país do mundo em que reconhece não apenas na doutrina, mas nas cortes de justiça, no caso, o STJ. Princípio previsto também na carta de Mangaratiba, recentemente no Congresso Mundial do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que terá publicação na Revista de Direito Ambiental, também no site do PNUMA. Asseverou o conferencista que o princípio diz o óbvio, pois no Direito às vezes somos obrigados a repetir como se fosse novo fenômeno da natureza. Lembrou que desde o iluminismo a marca que caracteriza a civilização é avançar em termos de progresso, crescimento material constante, transportada para a pauta dos Direitos Humanos. Se com todas as legislações que temos aumenta o número de espécies ameaçadas de extinção, sobretudo por isso, a legislação não pode ser afrouxada. Também o Senado Federal possui livro publicado eletronicamente sobre esse princípio da proibição do retrocesso. O segundo norte ou baliza hermenêutica da legislação ambiental, contém outras duas balizas previstas na CF: jurídicas puras, e teórico científicas. A primeira emerge do princípio da garantia dos princípios ecológicos essenciais, vide art. 225, parágrafo 1º, inciso I, cuja repercussão prática desse princípio é enorme, como ferramenta de facilitação de prestação jurisdicional, como por exemplo, necessidade de perícia de imóvel de 100 mil hectares, tomado de monocultura, cabendo a indagação, esses princípios aqui não existem? Considerou R. Dout. Jurisp. AM

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como segundo norte o Princípio da preservação da biodiversidade, patrimônio genético e integridade, previsto no art. 225, parágrafo 1º, inciso II – dever de preservar, tomando como exemplo de novo imóvel de 100 mil hectares, coberto pela monocultura. Ilustrou que em New Hampshire, EUA, possui 80% de cobertura de vegetação nativa, em inversão absoluta ao passado, pois áreas permaneceram com bancos de sementes. Demonstrou outras balizas constitucionais, como o princípio do dever do in dubio pro natura, como estritamente no plano técnico jurídico, como orientação hermenêutica mais importante, que se organizam em dois grupos. No primeiro grupo, com precedente da Ministra Eliana Calmon, em que retirou do princípio da precaução o princípio in dubio pro natura, fazendo inversão do ônus da prova. No segundo grupo, oriundo da 2ª Turma do STJ, orientando que na dúvida a interpretação deve ser aquela que assegura a proteção do meio ambiente. Se houver duas ou cinco interpretações, deve ser utilizada aquela mais favorável ao meio ambiente. Interpretação já pacificada. Finalizou seus ensinamentos apontando para dois princípios constitucionais de apoio: 1) Princípio do reconhecimento do direito de propriedade pleno na proteção ao meio ambiente, previsto no art. 186, inciso II, da CF. Brasil e Colômbia trataram expressamente desse princípio, enquanto outros países o utilizam implicitamente. O ordenamento jurídico brasileiro protege o direito de propriedade desde a Constituição de 1824. 2) As práticas de uso dos recursos naturais são legitimadas pela CF desde que cumpram essa função ecológica da propriedade. “A Especialização da Justiça Ambiental”, tema defendido pelo reverenciado doutrinador ambiental Desembargador Vladimir Passos de Freitas, Ex-Presidente do TRF 4ª Região, o qual iniciou sua fala apontando para dados como no Brasil, vinte e seis Estados, 190.000.000 milhões de habitantes, e 8.511.926 Km2 de extensão. Lembrou o 1º Congresso Ambiental realizado pelo Programa das Nações Unidas pelo Meio Ambiente – R. Dout. Jurisp. AM

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PNUMA, e que de 1972 a 1988 foram inúmeras as tentativas de implementação do Direito Ambiental, em que a CF/1988 fortalece legislação que já existia, como a Lei nº 6.938/1981, entretanto não havia preocupação do Poder Judiciário, mas já havia do Ministério Público. Citou o jurista Luis Roberto Barroso, quando ensina da aproximação, como ação tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social. Indaga, Judicializar tudo? Tribunais de Justiça capacitados? Órgãos carecem de efetividade, de estrutura, existem os problemas políticos, ineficácia das penas de multa, pois caem nas Varas de Execuções Fiscais, incompetências de gestão para tanto. Ressaltou o novo papel do Judiciário, avaliar políticas públicas, o juiz se substituir ao administrador público, sob a crítica da usurpação dos poderes do Executivo, mas que entretanto, o juiz não pode deixar de apreciar pedido apresentado ao juízo, como por exemplo, em situação de política de saneamento, decidiu o TRF4, em Apelação Cível no. 2004.72.00017675-8/SC, 4ª Turma, Relatora Des. Marga Tessler, 26.08.2009. Recorda Des. José Renato Nallini, quando afirma que o Judiciário assume papel de condutor de políticas públicas, e tem dever de promover a efetividade. Instiga se tem se alcançado essa efetividade, e cita o art. 5º da CF, em relação à prazos razoáveis e em face à casos notórios e com mídia, mas em relação aqueles casos que não aparecem? Essa insegurança tem sido comentada. Cita, em relação à decisões conflitantes, capital com 25 Varas Cíveis, a obra A natureza do processo judicial, de Benjamim Cardoso, Editora Martins Fontes, 2004, uma vez que as empresas se ressentem de grande insegurança jurídica, uma vez que algumas varas cencedem outras não. Citou ainda outro importante julgado, como a Apelação Cível no. 1.0188.07.063974, 2ª Câmara, TJ/MG, como decisão de vara não especializada, mas igualmente importante. Referencia cinco tribunais ambientais no mundo, como a corte na Austrália, Nova Zelândia, Suécia, R. Dout. Jurisp. AM

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Índia, e China, e nesse aspecto Brasil ainda timidamente. Relativamente a uma justiça especializada, enumerou vantagens como, juízes e funcionários especializados, maior eficiência, visibilidade, conhecimento em relação à peritos, preocupação por judiciário oportuno, valores obtidos nas transações e nas suspensões condicionais dos processos, encaminhados diretamente para entidades de proteção. Todavia, enumerou aspectos da resistência dos juízes como, medo do novo, muita meditação enquanto o mundo muda rapidamente, não há número equânime de processos, possibilidade de ferir o princípio do juiz natural, com a alegação de que algumas das ações são mais importantes, dão mídia, o fato de não poder ter multirão, e muito poder para poucos juízes. Criticou a falta de resultados estatísticos no Brasil, muito embora frágeis, mas que com a institucionalização do Conselho Nacional de Justiça já melhorou. Apresentou alguns dados como, Blumenau/SC, com relação à sentenças criminais, com aumento de 1998 a 1999, 84, de 2000 a 2001, 591. Relativamente a quem pode especializar, por regimento interno de cada tribunal, com autonomia, e não órgãos públicos ou políticos. Citou TRF 4ª Região, como único, em crimes ambientais. Ilustrou semiespecializações como, São Paulo, Rio Grande do Sul com câmara criminal em crimes ambientais, e citou julgado Apelação Criminal nº 700.29495421-2009, 4ª Câmara Criminal, Relator Des. Constantino Lisboa. Sugeriu vara especializada em questões indígenas, e reforçou o tripé, meio ambiente, economia e social. Exemplificou com casos como exploração do pré-sal, com imagens de juízes em aterro sanitários, , e citou dados da Vara especializada de Curitiba, Paraná, com 1.511 processos ambientais, ACP, 34, ordinárias, 64, ação penal, 26, ação popular, uma, execução fiscal, 641, embargos, e outras, TC, usucapião, 224, reintegração de posse, precatórios, etc. Finalizou afirmando que ações populares, nesse contexto, são revanches políticas, e constatação de R. Dout. Jurisp. AM

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fracassos nas ações ambientais, e que não há outro caminho senão a especialização ambiental, como única solução para eficiência do Judiciário, de outra feita estará prejudicado. O tema “A Experiência da Câmara de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo”, exposto pelo Des. Ricardo Cintra Torres de Carvalho, como Presidente da Câmara, a partir de singelo relato, informou que a mesma fora criada em 2005, onde era Câmara Especial e passou a ser Câmara Reservada ao Meio Ambiente, como permanente ou temporária, mas que não implicam em gastos extras. Essa Câmara estabeleceu jurisprudência firme para todo o juízo de primeiro grau, unificou jurisdição ambiental e afastou a necessidade de criação de varas ambientais em primeiro grau. Na Câmara tramitam atualmente 511 feitos, de 2005 a junho/2012 foram distribuídos 13.355 processos, tem julgado em torno de 200 processos por mês, e de 2.200 a 2.400 por ano. É composta por cinco membros titulares, que reúnem a cada três semanas fazendo coro com as outras câmaras, e tem julgado entre outras, ações como, recomposição de reserva florestal, mananciais, implantação de saneamento em áreas de esgoto, maus tratos de animais, queima da palha da cana-de-açúcar, execuções fiscais ambientais, etc. A despeito do Painel Principio In Dubio Pro Natura, sob o tema “Prova no Direito Ambiental”, igualmente brilhante fora a exposição do conferencista especialista em Direito Processual Civil, professor titular da Universidade Federal do Paraná, Luiz Guilherme Marinoni, que abordou sobre duas principais questões na matéria, uma, relativa à unificação das categorias da ilicitude no processo civil relativo aos danos ambientais, e a outra, referentemente à própria teoria da convicção. Referindose à primeira, considerou a necessária separação do ato contrário ao direito e fato danoso. Asseverou que o Estado constitucional tem o dever de dar proteção aos direitos fundamentais, que não mais se subsumen aos direitos de R. Dout. Jurisp. AM

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liberdade, e editar normas para tutelar direitos. Não é mais possível o Estado constitucional cumprir sua missão de tutelar direitos, modernamente, apenas na modalidade na forma ressarcitória. Nesse contexto deve estar o desejo de proteção contido na norma editada pelo legislador. É necessária tutela específica da norma. Após a conduta violadora da norma, não apenas o ressarcimento do dano, mas ação de remoção do ilícito, remover os efeitos concretos derivados do dano. O Juiz deve perquirir da probabilidade do dano, pela prova, pela perícia. Dessa forma, na primeira análise, temos problema de tema probando, o que se deve exigir de prova nos casos em que a norma fora violada. Demonstração de ato contrário ao direito, que já ocorreu. Surge a tutela antecipatória inibitória nos casos de ameaça, probabilidade, verossimilhança de ato futuro, fato indiciado. Juízes perguntando sobre probabilidade do dano, como direito como uma coisa voltada ao valor da prova. Impor conteúdo de proteção pelo processo civil. A segunda abordagem refere-se à Teoria da Convicção, a qual parte da premissa de que a regra do ônus da prova deve sofrer limitação nos casos concretos. Citou ainda a Teoria da Verossimilhança, que consiste no dever do juiz de chegar à verdade. Assevera que não é possível ter valor unitário de prova para todos os casos concretos. Renos que ter modelos probatórios distinguidos de acordo com as diferenças das situações do direito material. Para alguns casos, aplica-se a inversão do ônus da prova, o que deve acontecer ainda na audiência. Para buscar-se a tutela do direito ambiental devem ser observados critérios racionais, que possam justificar a racionalização e legitimação das decisões judiciais, como também trabalhar com necessidade de gerenciamento do risco, pois quem paga pela necessidade de esclarecimento do risco é a própria sociedade. Por fim, comentou que um outro critério que deve ser considerado é a violação da norma de proteção ao dano pela inascleracidade dos fatos, dos riscos, para justificar redução da R. Dout. Jurisp. AM

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exigência de prova. Ainda sobre o mesmo tema “Princípio In Dubio Pro Natura”, palestrou o brilhante processualista, Professor Doutor da Universidade de São Paulo, Kazuo Watanabe, iniciando sua fala afirmando que o tema comporta abordagem a partir do direito processual e material. Comentou que existem variadas formas de pensar o Direito Ambiental, antropocêntrica, egocêntrica, entre outras. Reverencia Canotilho nos seus ensinamentos, e assevera mudanças dos paradigmas, principalmente no Direito Ambiental, passamos da 1ª e da 2ª geração dos problemas ecológicos; na 1ª ofensa aos elementos constitutivos do meio ambiente, e na 2ª proteção dos elementos constitutivos como um todo, lembrando fuligem de Fukushima atingindo até o Canadá. Registra ainda que os sujeitos relevantes do Direito Ambiental não são mais pessoas ou grupos de pessoas, mas gerações de pessoas. A euforia dos direitos fundamentais tem que passar para a euforia dos deveres ambientais. Ensinou que dois princípios importantes devem ser considerados: Prevenção e Precaução, distinguindose perigo e risco. Citou, por fim, precedentes do STJ, de relatoria do Ministro Humberto Martins, com base no princípio da precaução em processo de queima de palha de cana-de-açúcar, e referiu-se ao princípio in dubio pro natura pelo qual justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo-se para o poluidor o ônus dessa. Por ocasião do Painel Resíduos Sólidos: Prevenção e Reparação do Dano Ambiental, explanou brilhantemente, o magistrado da Vara Especializada de Meio Ambiente e de Questões Agrárias do Amazonas – VEMAQA, Adalberto Carin Antonio, o qual registrou que a mesma fora criada pela Resolição nº 05 de 25/07/1997, tendo sido efetivamente instalada nos termos do art. 409 da Lei Complementar nº 17 de 23/01/1997, e que representou gigantesco passo para o judiciário amazonense, que, em ato arrojado e pioneiro do R. Dout. Jurisp. AM

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TJ/AM trouxe um conceito novo de prestação jurisdicional ao considerar que a proteção ambiental deve merecer especial atenção de todos os segmentos da sociedade, mormente das autoridades constituídas. Fora explicado que a mencionada vara é híbrida, com competência concorrente com as varas de todas as comarcas, e que tem competência material, na esfera cível, para processar e julgar as ações referentes ao Meio Ambiente, assim definidas em lei, bem como os executivos fiscais oriundas de multas aplicadas por ofensa ecológica, assim como às relativas às questões fundiárias pertinentes à função ambiental da sociedade. Na esfera criminal, processar e julgar as infrações de competência dos Juizados Especiais, definidos na Lei Federal nº 9.099/95, bem como as atinentes à Lei nº 9.605/98, vulgarmente conhecida por lei de crimes ambientais, ou lei da natureza. A VEMAQA vem assim penalizando pessoas físicas e jurídicas de forma a ressocializar o infrator, raras vezes um ecocida convicto, nas palavras do explanador, assim como tem aplicado penas como prestação de serviço à comunidade em parques, jardins públicos, além de, nos moldes da educação ambiental, estar sendo priorizada a edição e distribuição gratuita de exemplares da lei de crimes ambientais, além de palestras e outros materiais informativos que chegam aos jurisdicionados. A VEMAQA tem servido de experiências para instalação de outras varas semelhantes em diversos estados da federação, cujo desempenho fora atestado e divulgado por expoentes da imprensa nacional como Folha de São Paulo e Gazeta Mercantil, assim como organismos como departamento de governo americano voltado para assuntos da América Latina atestando impressão positiva internacionalmente a criação de uma Justiça Verde. Destacou o eminente magistrado a publicação do terceiro volume da obra Direito Ambiental Concreto/AM, organizada a partir de peças elaboradas pelo MP e pelo judiciário, que coincide com a realização da Rio mais 20, desse Congresso Internacional, além R. Dout. Jurisp. AM

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dos 15 anos da vara, cuja obra oferece mostra bastante densa do cotidiano de uma vara ambiental, pioneira na região, e que em mais de uma década de existência alcançou reconhecimento internacional de seu trabalho e relevantes projetos, em estudos como o GREENING JUSTICE: Creating and Improving Environmental Courts and Tribunals, da UNESP, e da Universidade do Colorado/USA. Por fim, em seu pronunciamento, o magistrado registrou que a estruturação da vara ambiental levou o Poder Judiciário Amazonense a atravessar fronteiras ganhando espaço como paradigma em grandiosas conferências na América do Sul e na Ásia. Ainda no painel Resíduos Sólidos, o tema “O Tratamento de Resíduos Sólidos” ficou a cargo do Promotor de Justiça/RJ, Sávio Renato Bittencourt Soares Silva, Presidente da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente ABRAMPA, em que iniciou seu pronunciamento fazendo referência à recente Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, mais especificamente pela importância dos artigos 16, 18 e 55, que passaram a valer e ter exigência no dia 10.08.2012, ou seja, nessa data expirariam os prazos para todos os municípios apresentarem seus planos de resíduos sólidos, assim como em agosto de 2014, nenhum município do país poderá operar com lixões. Considerou que o meio ambiente urbano é o patinho feio, cuja poluição é insidiosa, é invisível, como grandes ácidos e crimes ambientais. Frequentemente o meio ambiente é atingido por atividades que somente são percebidos a longo prazo o seu impacto. De igual importância mencionou os Planos de Saneamento Básico e Planos de Gestão de Resíduos dos Municípios. Referiu-se ao ano de 2014 como aquele em que tudo irá funcionar, com obras probas, licenciadas, nenhum lixão, realização da COPA e o Brasil campeão. Para realização de todas as obras necessárias a todo esse projeto mencionou o Princípio da Reserva do Possível. Comentou que a recente legislação trouxe forte menção à R. Dout. Jurisp. AM

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extinção dos lixões, regulação de catadores, e cooperativas. A lei é de cunho ambiental, e assim nenhuma solução pode ser viável à luz do art. 225, que não passe pela consideração de que o meio ambiente defendido deve estar a salvo, assim as cooperativas devem existir e ser eficientes sob o ponto de vista ambiental e social. A erradicação da pobreza, e em nome dela, não pode ser utilizada para impedir a proteção do meio ambiente, dessa forma, a inserção dos catadores é bem vinda, mas não pode engessar a defesa do meio ambiente. E nesse aspecto mencionou modelo de gestão no setor produtivo relativamente às cooperativas, como inserção social com interesse das empresas pela reciclagem. Por fim, finalizou com a responsabilização compartilhada para encontrar soluções. “A reparação do dano ambiental” foi tema desenvolvido por Annelise Monteiro Steigleder, do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Iniciou sua explanação citando artigo Reparação Integral do Dano, publicado na Revista de Direito Ambiental no. 09, em que a abordagem à responsabilidade civil por dano ambiental é realizada por Herman Benjamim. A palestrante passa a considerar os desafios dessa responsabilização, como identificar o dano ambiental, quais são os bens jurídicos lesados quando da degradação ambiental, e como reparar integralmente o dano. Relativamente às dimensões do dano ambiental, para os biólogos o dano ambiental é irreparável. Citou o princípio da reparação integral. Indagou como assegurar uma perícia interdisciplinar que consiga identificar todos os serviços do ecosistema, lesados? Indagou como conhecer o estado anterior do ambiente? Indagou qual a meta da remediação a ser alcançada? Quais os serviços que anteriormente ao dano eram prestados pelo meio ambiente? Afirmou não haver como reabilitar o ar, o sossego. A responsabilidade civil tem o escopo de mudar o modus operandi, e não tão somente a reparação ambiental. Citou julgado por morte de cadela preta, TJRS – AC 70037156205; R. Dout. Jurisp. AM

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poluição sonora AC 70005093406. Comentou acerca do dano material e extrapatrimonial e ensinou formas de reparação do dano ambiental, como, restauração ou recuperação in situ, compensação ecológica, e indenização por danos irreversíveis e por danos extrapatrimoniais, e invocou princípio da proporcionalidade. Citou ainda outros julgados, tais quais como, STJ – RESP 625.249/PR, cumulação, obrigação de fazer, não fazer, e indenização pecuniária; e TJRS, AC 70024991580. Com relação à indenização do dano material irreversível, deve-se levar em conta, ABNT, NBR 14653, parte 6, como custo de restauração/reposição para poluição sonora e atmosférica pode ser balizador, e para bens materiais também pode ser critério, assim como custos de controles evitados, e valor de bens substitutos. Concluiu pela prioridade da restauração natural do dano; indenização pecuniária cabível como medida subsidiária/complementar à compensação e à restauração, e, cumulação com indenização por dano. Ainda no Painel Resíduos Sólidos, de maneira inovadora com relação ao novo perfil dos Tribunais de Contas, brilhantemente explanou o Conselheiro Julio Pinheiro acerca do tema “Tribunais de Contas e Prevenção do Dano Ambiental”. Iniciou lembrando a realização pelo TCE/AM do I Simpósio Internacional de Controles de Contas pelos TCEs, e indagou o que tem a ver TCEs com proteção ambiental, e para tanto, invocou os dispositivos da carta magna, art. 225 e arts. 70 e 71, que trata do controle externo. Apontou risco ambiental, e dano ambiental sob controle por ação preventiva do TCE/AM através de monitoramento das suas ameaças, ao invés de agir posteriormente a ocorrência do dano quando os conflitos já se encontram instalados. Ressaltou que os TCEs também agem proativamente quando analisam contas públicas e licitações. Informou que dos 5.565 municípios do Brasil, ou seja, 91,2% desses ainda não haviam cumprido com a entrega dos Planos de Resíduos Sólidos até aquela data, mas que todos deverão ter R. Dout. Jurisp. AM

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seus lixões extintos até 2014. Ilustrou com a realidade dos 62 municípios do Amazonas, sendo que há somente um aterro controlado, de Manaus, tendo sido realizadas auditorias ambientais em lixões de 20 municípios do interior. Em meio a essas auditorias fora detectado risco aviário, com registro de dois acidentes em Tabatinga, e oito em Manaus. Mencionou não confundir controle prévio com controle preventivo dos TCEs, e registrou que os TCEs tem acompanhado implementação da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, como também licenciamentos, planos de manejo, e apresentou recomendações ao Governo do Estado, Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Instituto de Proteção am Meio Ambiente/AM. Ao final, informou das propostas e objetivos desse novo modelo por TCEs ambientais, acompanhando as conclusões dos Planos de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos pelos Municípios; às licenças ambientais expedidas com estrita observância à legislação ambiental; disseminação da conscientização e educação ambiental, e apresentou como compromissos reafirmar aqueles assumidos na Agenda 21, monitorar focos de calor,qualidade da água, cheia e vazante, qualidade do solo, monitoramento de obras, ordenamento territorial e plano diretor, e desmatamento, RIMA e compensação ambiental. O Painel O Novo Código Florestal fora iniciado com a magnífica explanação do Procurador Regional da República Nicolau Dino, citando Des. Elton Leme, do Rio de Janeiro, quando afirma que todos somos semiimputáveis ambientais, quando entendemos a gravidade, mas não nos comportamos como deveríamos. Elencou como principais pontos de sua exposição o enquadramento legal e a Constituição Federal ao analizar o regime jurídico das Áreas de Preservação Permanente; aspectos relativos ao dever de manutenção das APPs; e, as alterações com mudanças para pior com a nova Lei nº 12.651, de maio de 2012. Ensinou que as APPs tem sua raiz R. Dout. Jurisp. AM

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no Decreto nº 23.793, era Vargas, sendo divididas em: remanescentes, protetoras, nessas incluídas a preservação dos recursos hídricos, solo, populações humanas, e biodiversidade, modelos, e de rendimento. Considerou as APPs como também Espaços Territoriais Especialmente Protegidos, apresentando como conceito, a abrangência de áreas urbanas, rurais, cobertas ou não, recuperadas, de vegetação natural e plantada, citando assim, o art. 3º da nova lei. Considerou que subsistem independentemente das áreas destinadas à reserva legal. São as Reservas legais e APPs, instrumentos distintos de salvaguarda ambiental. Todas são ETEP, e uma não subtrai o espaço da outra. Refletiu também acerca do cômputo das APPs no cálculo da RL, ou seja, reduzir aquelas. Ensinou que , conservar e preservar são equivalentes, e relativamente ao regime jurídico, no sentido jurídico não se confundem, pois preservar impõe mecanismos mais rígidos, pressupõe integridade e perenidade dos recursos ambientais, e, conservar, como utilização racional com mecanismos de manejo. Têm-se ainda como APP, limitação administrativa ditada pelo interesse público na proteção do ecossistema. Desse regime jurídico podem ser apontadas duas consequências, previsão das APPs não implica supressão ao direito de propriedade, restringe direito de fruição do bem e, não impõe perda da capacidade econômica da propriedade. A propriedade já nasce e se desenvolve condicionada à função ambiental. Também descabimento de indenização por essa intervenção já que essa já era prevista. Tudo isso já pacificado pelo STJ, vide Agravo de Instrumento nº 1220762, da lavra do Ministro Mauro Campbell Marques, também RESP nº 146656 do Ministro Herman Benjamim. No sentido diametralmente oposto decidiu o STF, baseado em precedente do Ministro Francisco Resek, em Recurso Extraordinário no. 100717, ao decidir que as APPs são indenizáveis, uma vez que persiste seu valor econômico. O STF prevê indenização e expropriação sobre essas áreas, mas trataR. Dout. Jurisp. AM

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se de grande equívoco pois isso é algo que não pode ter expressão econômica? Assim deixou de ser matéria do STF pois trata-se de ofensa direta à Constituição, pois no mínimo essa ofensa é reflexa, ou por ação direta de inconstitucionalidade? Comentou também sobre o regime especial e CF, art. 225, par. 1º, III, e asseverou que não é concebível o desenvolvimento de atividades que desnaturem a essência para a qual foram criadas. Um outro aspecto importante ao qual destacou fora com relação à forma como deve ser aceita intervenção humana em APPs, a qual somente por lei em regime formal e que já fora pacificado. Destacou que a nova lei incide em requintes de gravidade ao estabelecer hipóteses de supressão, vide art. 3º, alínea J, “outras obras...decreto do poder executivo”, antes era do CONAMA, agora fica à vontade ou à merce do legislativo, prevendo mandato em branco, além do excesso de regulamentação, e portanto inconstitucional por parte da nova lei. Finalizou concluindo pela previsão de anistia para desmatadores pelo marco aleatório do prazo de 2008, exploração das APPs e Reserva Legal, e espécies exóticas. Por ocasião do sub-tema Questões Complexas do Código Florestal, explanado pelo Consultor Geral Jurídico do Meio Ambiente, José Mauro de Lima O' de Almeida, registrou que essas questões complexas se iniciam pela própria tramitação. O origem de tudo deu-se com um Projeto 1876/99 que começou com 34 artigos e que terminou com 88, e que dada a fragilidade governamental transformou esse projeto no que se está vendo atualmente acerca dessa discussão. Posteriormente fora restruturado pelo Senado determinando que a Câmara o modificasse mais uma vez, e por sua vez a Presidência da República reformula mais ainda por Medida Provisória. Nesse interim a Comissão apresenta 695 emendas, e dessas permaneceram 37 destaques em bloco, que resultaram em modificações com derrota para o governo. Nas principais R. Dout. Jurisp. AM

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discussões em pauta estão supressão de área abandonada, tempo de uso, etc. Há possibilidade de que a MP não seja aprovada até outubro/2012, seu tempo de caducar, e o código venha a ficar em situação complicada, frágil juridicamente. Tudo se iniciou por demanda de grupo forte que tentava resolver seus problemas político administrativos, e até penais. O que se constata é que não demos conta do passado e criamos passivos, e então demos abertura para que grupos políticos bem organizados, pecuaristas, empreendedores, colocassem em mesa gestão florestal. Existem 64 referências a órgãos no texto sem definir quem sejam, além de estoques de ações judiciais e demandas do Ministério Público. Afastando-se da questão científica e indo para a social aplicada, o mundo inteiro está sendo clamado a um novo conceito social, saindo dos seus nichos com mudança de passividade. Estamos falando de um Código, em que para, tanto a elaboração de Códigos como Civil e Penal, exigiu a formação de comissão de notáveis juristas. O que houve foram estudos e comissões sobre APPs. Por que não se exigiu e compôs essa para dar conta do Código Florestal? Por interesses econômicos? Se esse for mais pernicioso do que benéfico, vamos ter que dar conta disso. A solução para essa questão de uso florestal vai se dar pelo cunho econômico. Observe-se art. 67. O Ministério do Meio Ambiente pediu 60 vetos e 4 ou 5 não foram contemplados. A sustentabilidade não é mais questão de idealismo, mas de pragmatismo, como afirma a Ministra do Meio Ambiente. A brilhante conferência de encerramento, sob o tema “Jurisprudência Ambiental do STJ”, fora proferida pelo Ministro Mauro Campbell Marques. Iniciou seu discurso afirmando que o STJ, como legislador constituinte, não vislumbrou corte de cassação no Brasil. Informou que somente fora possível chegarmos a esses momentos históricos graças ao trabalho de magistrados do país, que ouvindo as suas teses, o STJ tem firmado construções jurisprudenciais de monta. Há valores que R. Dout. Jurisp. AM

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são da humanidade, que transcendem, são norte para a humanidade, democracia, moralidade pública e meio ambiente, e tem sido nesse sentido o posicionamento do STJ. A densidade técnica de seus precedentes deve-se ao Ministro Herman Benjamim, em que pode-se afirmar que em casos concretos, votos somente ficaram adensados porque o Ministro Mauro Campbell transcreveu trechos ambientais da lavra de Nicolau Dino, e o Ministro Hermam Benjamim fez o fechamento. Confesso que condensei alguns precedentes juntamente com o Ministro Hermam Benjamim, graças ao prequestionamento provocado pelas partes. Registre-se que o alcance desses preceitos não ficam restritos à matéria ambiental. Citou caso concreto no Piauí, em que seu órgão ambiental recebera oito ofícios para se pronunciar em ação civil pública, e levou três anos para responder e instruí-la, vide recurso especial, RESP 116964 Piauí. Isso significa levar a ação ambiental para o arquivo. O tempo não é um aliado, mas um inimigo na preservação ambiental, cite-se RESP 1116.000964, em que os autos foram devolvidos para início da ação de improbidade administrativa. Outro caso em Mandado de Segurança 16.074 Distrito Federal, que tratava de omissão de autoridade coatora em normatizar formalidade na cor da semente de soja. Outra situação, Agravo Regimental 1213.458, Responsabilidade por dano ambiental é subjetiva, dispensa culpa, apenas necessidade de nexo causal. Outro caso, RESP 1.237.071, da lavra de Humberto Martins, Código Florestal, art. 18, e obrigação propter rem. Inúmeros outros assentos jurisprudenciais podem ser citados, como, pela necessiade de reparação integral ao meio ambiente permite acumulação de obrigação de fazer, de não fazer, e de indenizar, vide RESP 1.179.316, relator Teori Zavascki. Outra citação, pelo corolário do princípio in dubio pro natura justifica-se a princípio da inversão do ônus da prova, vide RESP 883.656/2002, RS, relator Hermam Benjamim. Outro, em matéria de proteção R. Dout. Jurisp. AM

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ambiental, responsabilidade civil do Estado, dever de fiscalizar, agravamento do dano, responsabilidade subsidiária, vide RESP 1.001.780, PA, ministro Teori Zavascki. Outro, matéria de meio ambiente, princípio da precaução, aplicação e execução de penalidades, limitações aos transgressores, mas a reparação pode abranger todos os poluidores, vide RESP 1.251.697, Paraná, Relator Mauro Campbell Marques. Citou ainda julgado referente à fiscalização do IBAMA em barco no rio, como motivação de autuação a pesca e despejamento no rio, vide arts. 34, 35, e 36, LCA, ainda RESP 1.223.132 Paraná, Relator Mauro Campbell, responsabilização objetiva por transporte de carga perigosa, também RESP 1.114.398, relativa a averbação condicionada para fins tributários a favor do meio ambiente, ainda RESP 27.051 SC, bem ambiental como bem maior relativamente à proteção às dunas, outro RESP 1.690.151 SC, da lavra de Mauro Campbell Marques, e RESP 418.655 SP, relator Ministro Teori Zavascki, e precursor Ministro Humberto Martins, relacionados à queimada de palha de cana de açúcar, e uso de fogo abrangendo todas as áreas de preservação, e por fim, citou RESP RJ referentemente a caso de brejo drenado por órgão estatal para construção de estrada, em que o MP fora vencido em todas as instâncias, entretanto o STJ determinou dar início a ação penal, com apuração de dano e solidariedade imposta. Finalizou destacando a didática da Constituição Federal, e norte da magistratura brasileira. Por ocasião do último Painel, VII, com o tema “A Prova no Processo Civil Ambiental”, destacada fora a brilhante explanação da Desembargadora Federal, Presidente do TRF 4ª. Região e Conselheira da ENFAM, Marga Inge Barth Tessler, que iniciou conceituando prova como meio para chegar a verdade dos fatos, e que tem como objetivo discriminar a verdade do erro. Elencou como pontos de referência, a CF, art. 5º., XXIV, indeclinabilidade da jurisdição, XXVI, devido processo legal, e art. 225, caput, proteção ambiental específica, e invocou R. Dout. Jurisp. AM

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princípio in dubio pro natura na insuficiência de dados. Lembrou a Trajédia Orestes que por voto de minerva que deu origem ao principio in dubio pro réu. Referenciou como importância do tema o fato de que o destino da demanda depende de provas, o estabelecimento da verdade nos autos, e indagou se é possível chegar à verdade, na importância do tema. Citou Carnelutti quando ensina que não podemos chegar à verdade absoluta, mas chegar à relativa certeza. Com relação à verdade real nos autos invocou HC 155.149, relator Ministro Felix Fisher. Comentou que a verdade material que se busca em processo penal não é o conhecimento ou a apreensão absoluta de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade da compreensão humana. Lembrou na esfera cível dois tipos de sistemas, ações individuais, vide CPC, e ações coletivas, Lei de Ação Civil Pública e Código de Defesa do Consumidor, com aplicação subsidiária do CPC. Explicou que devemos utilizar dois modelos, concepção persuasiva, e concepção demonstrativa. Os Códigos de Processo Civil e Penal rejeitam o modelo puramente demonstrativo, vide art. 436, CPC. Lembrou a Recomendação da XVI Cúpula Judicial Iberoamericana, na Argentina, em 2012, com a premissa de buscar a verdade real e encontrar a solução mais justa possível. Ensinou que o processo ambiental exige sensibilidade e criatividade do juiz. Ainda lembrou Candido Dinamarco quando preleciona que não se vai alcançar a verdade no processo, mas a certeza. Reverberou da aplicação do princípio da inversão do ônus da prova in dubio pro natura, que o o ordenamento jurídico tem que ser dinamizado, e para tanto, será alcançado por meio dos elementos, distribuição dinâmica do ônus da prova e princípio da precaução. Citou precedentes relevantes como os votos da Ministra Eliana Calmon e Francisco Falcão. Lembrou teoria da constatação cujo motivo seja expor o raciocínio efetuado Finalizou com jurisprudência exemplar do STJ, pelo RESP 88.656/2010, relativa à aplicação da inversão do ônus da prova, R. Dout. Jurisp. AM

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e art. 333, CPC, e lembrando que deve-se dar a cada um o que é seu no sentido mais amplo, mais ainda quando se trata do meio ambiente, e pauta mínima, direito material evoluindo cada vez mais, vide valores consagrados no ordenamento jurídico como os previstos no art. 225, CF. Apresentou esquema meramente didático, citando Prof. Danilo: demandas cíveis-litígios privados, preponderância das provas; demandas coletivas, questôes de relevância social, prova clara e convinvente. Emvnah, subjetivismo, teoria estática. Aletáeia, pragmatismo/criticismodistribuição dinâmica do ônus; crime/ações de improbidadeprova acima de dúvida razoável. Veritas, dogmatismo, teoria estática. Ainda no mesmo painel, manifestou-se o Des. Marcos Alaor Diniz Granjeia/RO e Conselheiro da ENFAM, e iniciou citando Moacir Amaral Santos, conceituando prova como o meio utilizado para persuadir o espírito de uma verdade. Referiu Santiago Santis Alvendo: “Pero si la prueba se definia en función del término verdad tampouco se puede olvidar...”. Lembrou prova como liberdade de produção para se chegar a verdade. Invocou prova por Álvaro Luiz Valery Mirra: busca da verdade real; maior inquisitividade no processo coletivo; afirmação do dever de cooperação das partes; abandono da concepção estática na distribuição do ônus probatório. Apresentou marcos estruturantes da prova no D. Ambiental, como art. 130, CPC, e art. 339, art. 6º, VIII, CDC, e art. 18 da ACP, Lei nº 7.347/1985. Destacou dever de colaboração de todos que nele atuam, como algo finalístico da jurisdição. Citou RESP 1.049.822, relator Ministro Francisco Falcão, em cabimento da inversão do ônus da prova em prol da sociedade, em razão de hiposuficiência dessa, e não de quem detém poderes para realizá-la. Referiu-se ao destaque do Ministro Teori Zavascki, e ainda não confundir responsabilidade financeira com responsabilidade para realização do ônus da prova. Ensinou como efeito prático necessidade de produzir prova no tempo adequado sobretudo R. Dout. Jurisp. AM

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em relação aos danos ambientais. Reverenciou entendimento do STJ, MP não está obrigado a adiantar os custos para produção de prova, relatora Ministra Eliana Calmon, e destaques Benedito Gonçalves, PESP 579.944/RJ, Ministro Carlos Alberto Direito, e RESP 443.208/RJ, Nancy Andrighi, e Luiz Fux. Usou Súmula 7/STJ relativamente à inversão do ônus da prova, e concluiu pelo abandono da concepção estática da distribuição do ônus probatório como medida que se impõe. Dessa feita, apresentou assim, o presente artigo, reflexões resumo de algumas das principais palestras do evento, que teve por escopo discutir questões ambientais e processuais ambientais no seio da floresta amazônica, ante a importância a que o tema merece no cenário internacional, alcançando assim o magífico congresso seu objetivo.

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VIOLÊNCIA INFANTO -JUVENIL-NOVAMENTE, O BULLYING * Ivana Leite Tema cada vez mais recorrente na mídia dos nossos dias, a violência praticada por crianças e adolescentes já há muito vem desbordando os limites da convivência familiar e não mais pode ser tratado como uma “fase”. Revela, em grande medida, a ausência dos pais na educação e orientação dos seus filhos. Podem ser apontados como fatores desta realidade, entre outros, a imaturidade dos próprios genitores, quando formam uma família muito jovens, sem qualquer planejamento, assim como a busca por subsistência que afasta muitos pais de suas proles. Acrescente-se, ademais, a cultura hodierna equivocada – que não escolhe classe social – de que a educação dos infantes é tarefa que compete às instituições de ensino. Pais que não sabem ou não querem educar seus filhos, por se tratar de tarefa tormentosa, acabam deixando-os a cargo de outros familiares ou babás, num primeiro momento e, posteriormente, da escola, o que gera verdadeiros monarcasmirins, cujos desejos devem ser imediatamente satisfeitos, não lhes sendo imposta qualquer disciplina. Diante deste quadro – que não é novo – não era difícil prever-se o porvir: a violência que chegou às escolas. É diante deste cenário que se vem delineando e tomando proporções cada vez maiores, o denominado bullying, que traduz a absoluta falta de limites e a crescente intolerância à * Texto orginalmente publicado na edição n. 56 da Revista Visão Jurídica como matéria principal de capa. * Coautora da obra Constituição e Processo Civil. Coordenador: Vallisney de Souza Oliveira. Ed. Saraiva – 2008. Assessora Jurídica do Tribunal de Justiça do Amazonas. Graduada em Letras e Direito pela UFAM. Pós-Graduada em Direito Civil e Processual Civil. R. Dout. Jurisp. AM

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diversidade, às diferenças, assim como às contrariedades, desde tenra idade. Nossas crianças não tem parâmetros de limites, porque na celula mater isso não lhes vem sendo ensinado – são produtos da liberdade quase irrestrita. Ao não resistirem à imposição dos filhos os pais não percebem o preço alto que impingirão à convivência social no futuro e, obviamente, as implicações jurídicas que surgirão como consequência de sua omissão.

Nesta contextura é que se impõe necessária a reflexão acerca das responsabilidades pelos atos de violência praticados por crianças e adolescentes, no âmbito das escolas, quando fontes de danos materiais e morais. Remansosa é a jurisprudência pátria no sentido de que danos ocorridos a menores dentro das escolas são responsabilidade destas, em razão do seu dever de vigilância dos menores, equiparando-se-lhes a defeito do serviço. Todavia, questão a ser posta diz com aquelas situações em que estas instituições, em especial as de iniciativa privada, R. Dout. Jurisp. AM

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convocam os pais ou responsáveis, ao menor sinal de desajuste ou de agressividade dos menores sob sua guarda, no intuito de informá-los acerca do problema que se delineia para conclamálos a participar na solução dele. Dessarte, não se entremostra consentâneo com o postulado da razoabilidade que o pai ou responsável de menor praticante de violência contra outro menor, quando ciente do comportamento desajustado de seu filho, não seja responsabilizado, solidariamente, com a instituição de ensino na reparação dos danos causados. A responsabilização da instituição se justifica, como se disse, pela falha na vigilância dos menores, enquanto que a dos responsáveis se dá em razão de sua inoperância e mesmo omissão quanto à importante parcela de responsabilidade que lhes cabe na educação dos seus filhos. O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente –, em seu artigo 4º, impõe primeiramente à família, embora não só a ela, o dever de zelar pelos direitos básicos do menor, dentre os quais aqui se destaca a educação. O mesmo Estatuto, no artigo 5º, impõe a proteção a crianças e adolescentes contra “qualquer forma de negligência”, onde inserida, portanto, a negligência quanto a sua educação, especialmente tendo em vista que a referida lei impõe, expressamente, a observância dos “fins sociais a que ela [lei] se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos.” Por esta senda, uma vez que fique evidenciada a desídia dos pais devem eles, necessariamente, arcar com os prejuízos materiais e morais que dela decorram, sob pena de sobrecarregarmos os educadores e penalizarmos excessivamente a administração das escolas com uma responsabilidade que não é só sua. Logo, corre-se o risco de ao não se imputar aos pais a quota de responsabilidade que lhes cabe, não ser dada a devida solução para o problema, insistindo-se nas medidas paliativas, como sói ocorrer em outras circunstâncias. R. Dout. Jurisp. AM

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Gize-se que como corolário da dignidade da pessoa humana (art. 1º, CF), constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, para a qual todos, sem exceção, devem concorrer, razão primeira para destacar-se a importância da restauração do papel da família nesta tarefa, na condição de primitivo núcleo social. Robustecendo esta linha teórica, prescreve o Código Civil de 2002, aos pais, a reparação civil pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Logo, sem embargos da responsabilização imputada às escolas, na modalidade objetiva, quer pelo que dispõe o artigo 37 da CF – quando se cuidar de escola pública - quer pelo que dispõe o artigo 14 do CDC – quando se tratar de escola privada - há que se reconhecer a responsabilidade dos pais que venham sendo informados e advertidos que seus filhos vem demonstrando comportamento violento, intolerante e agressivo e não tomam qualquer atitude tendente a concorrer para a solução do problema. Neste cenário, não assiste razão por que penalizar apenas a instituição que é co-responsável pela formação dos menores. Colacionam-se arestos dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal, respectivamente, no sentido da responsabilização da escola quanto aos atos de violência praticados nas suas dependências, ipsis verbis: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO. ATO OMISSIVO. LESÕES CORPORAIS SOFRIDAS POR ALUNO DECORRENTE DE AGRESSÃO PERPETRADA POR COLEGA EM SALA DE AULA DA REDE MUNICIPAL. PERDA SUBSTANCIAL DA VISÃO DE UM DOS OLHOS. DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANO POR RICOCHETE. PENSIONAMENTO. R. Dout. Jurisp. AM

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R E S P O N S A B I L I D A D E O B J E T I VA D O MUNICIPIO. 1. A questão de fundo versa sobre a responsabilidade civil por omissão do ente público em razão de lesão corporal sofrida pelo menor em escola municipal, ocasionada por agressão física arremesso de objeto perpetrada por outro aluno, causando-lhe substancial perda da visão em um dos olhos. 2. O sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil. Para que incida a responsabilidade objetiva, em razão dos termos da norma constitucional em destaque, há necessidade de que o dano causado a terceiros seja provocado por agentes estatais nessa qualidade. 3. O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, estabeleceu a responsabilidade objetiva direta para todos os fornecedores de serviços em relação aos danos causados aos seus hóspedes, educandos, etc., que tenham por causa o defeito do serviço. Trata-se de responsabilidade, fundada no fato do serviço, e não mais indireta, fundada no fato do preposto ou de outrem. Precedentes do STJ. 4. Na casuística, restou incontroverso nos autos o arremesso de objeto contra o autor, em sala de aula, efetuado por colega de classe, o que acabou provocando grave lesão em um de seus olhos, acarretando-lhe substancial perda em sua visão, bem como posterior intervenção cirúrgica. Não tendo o ente público demandado se desincumbido de seu ônus probatório, permanece responsável por indenizar os danos sofridos pelo menor, porquanto não há R. Dout. Jurisp. AM

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falar em culpa exclusiva ou concorrente da vítima, considerando, ainda, que o menor agressor também estava sob cuidados e vigilância do estabelecimento de ensino. Ademais, a mãe do estudante, em momento anterior ao fato lesivo, alertara a escola sobre a violência existente dentro da instituição de ensino, postulando a adoção de providências para resguardar a incolumidade dos alunos. 5. DANOS MATERIAIS. Os danos materiais, consubstanciados em despesas com medicamentos, exames e consultas médicas após o evento lesivo, foram devidamente comprovados. 6. [...] Omissis; 7. DANOS MORAIS. O dano moral relaciona-se ao sofrimento psíquico que molestou a parte afetiva do patrimônio moral do autor, gerando-lhe tristeza e constrangimento, motivo pelo qual o mesmo é tido como in re ipsa, sendo presumível, prescindindo de prova de sua efetiva ocorrência. Admissível, ainda, a indenização postulada pela autora, mãe do menor, na modalidade de dano por ricochete, considerando o sofrimento injustamente impingido pela omissão do ente público em resguardar a incolumidade de seu filho. Inquestionável a faculdade que possui a mãe para postular em juízo jure próprio, por dano moral puro, como lesada indireta no valor de afeição, vinculado pelo sofrimento reflexo do dano direto sofrido por seu filho. 8. [...] Omissis; (original sem grifos). (Apelação e Reexame Necessário Nº 70019324268, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 04/12/2007).

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ABALOS PSICOLÓGICOS DECORRENTES DE VIOLÊNCIA ESCOLAR. BULLYING. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO DO COLÉGIO. VA L O R M Ó D I C O AT E N D E N D O - S E À S PECULIARIDADES DO CASO. 1. Cuida-se de recurso de apelação interposto de sentença que julgou improcedente pedido de indenização por danos morais por entender que não restou configurado o nexo causal entre a conduta do colégio e eventual dano moral alegado pelo autor. Este pretende receber indenização sob o argumento de haver estudado no estabelecimento de ensino em 2005 e ali teria sido alvo de várias agressões físicas que o deixaram com traumas que refletem em sua conduta e na dificuldade de aprendizado. 2. Na espécie, restou demonstrado nos autos que o recorrente sofreu agressões físicas e verbais de alguns colegas de turma que iam muito além de pequenos atritos entre crianças daquela idade, no interior do estabelecimento réu, durante todo o ano letivo de 2005. É certo que tais agressões, por si só, configuram dano moral cuja responsabilidade de indenização seria do Colégio em razão de sua responsabilidade objetiva. Com efeito, o Colégio réu tomou algumas medidas na tentativa de contornar a situação, contudo, tais providências foram inócuas para solucionar o problema, tendo em vista que as agressões se perpetuaram pelo ano letivo. Talvez porque o estabelecimento de ensino apelado não atentou para o papel da escola como R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas instrumento de inclusão social, sobretudo no caso de crianças tidas como "diferentes". Nesse ponto, vale registrar que o ingresso no mundo adulto requer a apropriação de conhecimentos socialmente produzidos. A interiorização de tais conhecimentos e experiências vividas se processa, primeiro, no interior da família e do grupo em que este indivíduo se insere, e, depois, em instituições como a escola. No dizer de Helder Baruffi, "Neste processo de socialização ou de inserção do indivíduo na sociedade, a educação tem papel estratégico, principalmente na construção da cidadania." (original sem grifos). (20060310083312APC, Relator WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR, 2ª Turma Cível, julgado em 09/07/2008, DJ 25/08/2008 p. 70).

Neste diapasão, é de se destacar que o nobre Desembargador, neste último julgado, reconhece a responsabilidade concorrente da célula mater e da instituição de ensino na tarefa de contribuir para a formação dos jovens, na esteira do que se fincam as bases da tese ora esposada. Noutro julgado, proveniente da Corte Cidadã, é feita ponderação com relação à situação na qual, cientes de traço negativo no comportamento dos filhos, os pais podem ser chamados a responder pelos danos causados por aqueles. Confira-se a ementa na sua literalidade: CIVIL E PROCESSUAL. ACIDENTE DE T R Â N S I T O . V Í T I M A FATA L . V E Í C U L O CAUSADOR DIRIGIDO E PERTENCENTE A MENOR PÚBERE LEGALMENTE HABILITADO. R E S P O N S A B I L I D A D E D O S PA I S N Ã O CONFIGURADA. CARÊNCIA DA AÇÃO. CPC, ART. 267, VI. R. Dout. Jurisp. AM

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I. Achando-se o menor púbere legalmente habilitado à condução de veículo automotor de sua propriedade, os danos por ele provocados a terceiros em acidente no qual também perdeu a vida não devem ser suportados pelos pais, eis que o dever de vigilância inerente ao exercício do pátrio poder não se estende sobre atos para os quais o filho se achava apto a praticar de forma absolutamente autônoma. II. Conquanto possível, ainda assim, em hipóteses excepcionais, atribuir-se aos pais responsabilidade civil pelo comportamento do filho menor púbere, quando, sendo de seu conhecimento que ele padece de vício (alcoolismo, drogas, etc), doença ou tratamento que lhe retira reflexo ou capacidade de discernimento para dirigir, se omitem na tomada das providências necessárias, tais situações não se verificam no caso dos autos. III. Recurso especial conhecido e provido, extinto o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, da lei adjetiva civil. (REsp 392.099/DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07/03/2002, DJ 15/04/2002 p. 231)

Note-se que, em que pese o julgado de 2002 não se referir a situação análoga a ora debatida, guarda estreita relação com a tese defendida. Por fim, gize-se que a proposição ora sustentada é no sentido de que os tribunais pátrios devem amadurecer o entendimento de que, de acordo com o caso concreto apresentado, há a necessidade de reconhecer-se a responsabilidade solidária dos pais, quando alertados acerca da demonstração de comportamentos violentos, causadores de R. Dout. Jurisp. AM

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danos físicos e psicológicos a outros menores, caracterizandose o bullying. O referido posicionamento repousa nas razões já demonstradas, além do fato de que, quando se tratar de evento ocorrido no âmbito das escolas públicas, não se deve olvidar que há o agravante de que a indenização imposta, ao final, é paga por toda a sociedade, como é sabido. Além disso, é imperioso que os pais voltem a ser chamados à responsabilidade de orientar e educar seus filhos, antes que se instale o caos na sociedade nos próximos anos.

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A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO EM FACE A VIRTUALIZAÇÃO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DOAMAZONAS Alessandra Lima Oliveira

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RESUMO A inovação do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, disciplinando por meio de Resolução a virtualização dos processos. Em busca da razoável duração do processo em face da demora na prestação jurisdicional em contrapartida a hipótese de responsabilizar o Estado. A morosidade do processo como elemento causador da insegurança jurídica que foi devidamente contextualizada perante a sistemática constitucional vigente. O problema da excessiva duração do processo não é recente e muito já discutida no âmbito jurídico. Já no século XIII começou um movimento na Europa para corrigir a interminável duração dos processos. Passaram-se os séculos, mas o problema da excessiva duração do processo ainda persiste, não apenas na Europa, como na América e, especialmente, entre nós.Vale dizer que no Brasil, buscando combater a excessiva duração do processo, várias leis reformistas foram sancionadas, especialmente ao longo da última década. Assim, no dia 31 de dezembro de 2004, entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 45, a qual implantou diversas alterações na Constituição, dentre elas, de especial interesse aqui, a inclusão do inciso LXXVIII ao art. 5°, assim redigido: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que *

Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas. Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pelo CIESA * Artigo apresentado ao Centro Universitário de Ensino Superior CIESA como requisito parcial ao título de Especialista em Direito Civil e Processual Civil. R. Dout. Jurisp. AM

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garantam a celeridade de sua tramitação”. PALAVRAS-CHAVE: Direito Fundamental. Razoável duração do Processo. Virtualização. Morosidade. Prestação Jurisdicional. INTRODUÇÃO O tema abordado neste trabalho nos dará uma oportunidade de sabermos se a Resolução nº 15/2011, aprovada no Pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas nos trará uma nova perspectiva para efetivação do princípio da razoável duração do processo ou até mesmo uma nova sistemática para o processo na Comarca de Manaus.Contudo, temos que reconhecer que a morosidade dos serviços prestados pelo Poder Judiciário tem sido elemento inibidor para que o cidadão procure, pelos caminhos legais os seus direitos. Pois, as custas processuais e honorários advocatícios por demais elevados retiram das faixas mais pobres da população a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, gerando, consequentemente, ao menos, três posturas indesejáveis e altamente prejudiciais no comportamento social do cidadão. A primeira é permanecer em silêncio, omisso, retendo os piores sentimentos, durante a frustração e a insegurança, geradas pela ausência de proteção dos seus direitos pelo Judiciário; a segunda é contratar alguém para fazer a Justiça que ele, titular do direito, entende ser o detentor, e fazendo a “entrega da prestação jurisdicional” nos moldes do seu próprio entendimento; e a terceira, é fazer Justiça com as suas próprias mãos, para amenizar o sofrimento do cidadão, é a responsabilização do Estado pelo anormal funcionamento da administração da Justiça. Os motivos que geram o mau funcionamento dos R. Dout. Jurisp. AM

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serviços judiciários que decorrem de dolo ou negligência dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes, quando praticada no exercício e por causa das suas funções leva à responsabilidade do Estado. Vale ressaltar que muitas vezes o dano decorre de faltas ou falhas de serviço por causa da administração judicial antiquada que não acompanhou a evolução tecnológica, não racionalizou o modo de fazer o processo, não atentou para o aumento da litigiosidade, por causa da proliferação de legislação processual como tentativa de resolução de dificuldades estruturais, por causa da falta de preparação, inadaptação, negligência dos funcionários e dos juízes ou ainda por utilizarem métodos obsoletos, que repercutem no cumprimento dos prazos processuais e acabam por alongar injustificadamente o processo. Contudo, torna-se imperiosa, então, a seguinte indagação: “Até que ponto a resolução nº 15/2011, que disciplina a virtualização dos processos atenderá o princípio da razoável duração do processo art. 5º, LXXVIII, Constituição Federal de 1988?” O presente estudo terá, como objetivo geral verificar a garantia ao Direito Fundamental e a razoável duração do processo, e ainda, a necessidade da implantação de medidas alternativas voltadas à desburocratização e racionalização de atos para otimizar a função jurisdicional. Para tanto deverão ser observados os seguintes objetivos específicos: Identificar a natureza do Direito Fundamental e a garantia constitucional da duração razoável do processo; Descrever as consequências da morosidade processual no Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas; Estudar a resolução nº15/2011, sobre a implantação do R. Dout. Jurisp. AM

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processo eletrônico no âmbito do Estado. Quanto à estrutura da pesquisa, esta será dividida em 03 capítulos: Resgatar a fundamentação teórica da pesquisa referente ao estudo do direito fundamental; A morosidade na prestação jurisdicional e suas consequências; A implementação e a utilização do meio eletrônico/virtual, em atendimento ao princípio da razoável duração do processo. O propósito do primeiro capítulo é construir a fundamentação teórica que será o alicerce do presente estudo e, para tanto, será dividido em dois subcapítulos: 1) Evolução do Direito Fundamental, apresentará os direitos fundamentais como uma verdadeira conquista da humanidade, uma vez que hodiernamente foram consagrados tanto no plano constitucional quanto no internacional; 2) A Eficácia Plena do art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, que identificará as razões da não utilização de uma norma de eficácia plena com atribuição de aplicabilidade imediata e ainda, apresentando a garantia constitucional da razoável duração do processo. No segundo capítulo deverão ser identificados os elementos que estão ligados a demora na prestação jurisdicional. Compõem-se de dois subcapítulos: 1) A morosidade dos processos como o elemento causador da insegurança jurídica, abordará a natureza da segurança jurídica, ou seja, uma necessidade vital do ser humano, em busca deste valor que chega a ser utilizada como justificativa e fundamentação da organização estatal e do exercício do poder. 2) À Razoável Duração do Processo na legislação atual e seus critérios para avaliação, analisará a comparação utilizada para a contagem da razoável duração e valoração do tempo de duração, e ainda, os prazos abstratos concedidos a Fazenda Pública e ao Ministério Público. O terceiro capítulo, trará dois subcapítulos: 1) A virtualização dos processos no âmbito do Tribunal de Justiça do R. Dout. Jurisp. AM

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Amazonas, que identificará a melhoria trazida com a resolução nº 15/2011, nos termos da Lei nº 11.419/06. 2) O comportamento das partes litigantes e dos Juízes, Serventuários e Advogados em face do novo procedimento virtual, em suma trará o comportamento das partes no deslinde da demanda tendo como base o novo procedimento adotado na Comarca de Manaus, após a virtualização dos processos. O último capítulo, por sua vez, o objeto central do presente estudo – A razoável duração do processo em face a virtualização no Tribunal de Justiça do Amazonas – apresentando as posições doutrinárias, bem como os principais julgados sobre o tema. Quanto a metodologia utilizada na pesquisa, o estudo foi classificado quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins, a pesquisa será exploratória, descritiva e explicativa. Exploratória porque visa identificar a natureza do direito fundamental à razoável duração do processo, especialmente por se tratar de uma das garantias constitucionais elencadas no art. 5º da Constituição Federal, descritiva porque visa apresentar as causas da demora na prestação jurisdicional, e por fim, explicativa pois visa analisar as consequências causadas pela implementação da resolução nº 15/2011. Quanto aos meios, a pesquisa será bibliográfica, pois recorrerá aos posicionamentos jurisprudências e doutrinários acessíveis ao público em geral, visando a fundamentação do tema proposto. Nos dias atuais, é necessário o debate do referido tema, após a edição da resolução nº 15/2011, que trata sobre a virtualização dos processos na Comarca de Manaus, tendo em vista a real situação do Judiciário Amazonense, e ainda, não apenas com a falta de servidores e Juízes que abate o poder já há algum tempo, mais a possibilidade de proporcionar cursos atuais para aqueles, no intuito de que sejam reciclados, pois R. Dout. Jurisp. AM

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seus métodos não tão eficazes hodiernamente, sejam substituídos por algo mais atual e célere, visando tão somente, a razoável duração do processo, garantia esta tão almejada pelos legisladores e todo o jurisdicionado. 1 HISTÓRIA DO DIREITO FUNDAMENTAL 1.1 Evolução do Direito Fundamental Os direitos fundamentais são uma verdadeira conquista da humanidade, uma vez hodiernamente foram consagrados tanto no plano constitucional quanto no internacional. Imperioso citar que em síntese, sua trajetória de consagração, a partir de uma perspectiva histórica, a qual nos possibilitará a visualização da transmudação de uma concepção naturalística para a atribuição do caráter de fundamentalidade constitucional aos direitos do homem, sendo esta coincidente com o surgimento do Estado constitucional, ainda vale ressaltar que esteve marcado pela proteção da dignidade da pessoa humana. É imperioso, frisar o pensamento de Santo Tomás de Aquino, que, já na Idade Média, além de conceber a igualdade dos homens perante a ordem divina, postulava a existência de duas ordens distintas: uma, formada pelo direito natural, resultante da condição de homem enquanto tal; e outra, identificada com o direito positivo, o qual deveria estar de acordo com os postulados jusnaturalísticos, sob pena de um direito de resistência da população que daí adviria. Enfim, o pensamento tomista se caracterizou pela ênfase dada à dignidade da pessoa humana, valor este inato e incondicional inerente à personalidade humana. Os direitos fundamentais de primeira dimensão, contemporâneos do liberalismo político, nesse contexto, R. Dout. Jurisp. AM

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surgiram os direitos fundamentais de segunda dimensão, denominadas de direitos sociais, econômicos e culturais. Esses direitos impõe ao Estado uma atuação prestacional voltada para satisfação das carências da coletividade. Através deles, buscava-se tornar os homens, já livres, iguais no plano fenomênico. São exemplos destes direitos: direito à saúde, ao trabalho, a assistência, a educação, liberdade, de sindicalização, direito a greve, direito a férias e ao repouso semanal remunerado. Os direitos fundamentais até então assegurados, tinham como destinatários o homem enquanto indivíduo. Já os direitos fundamentais de Terceira Dimensão tem com traço características o fato de não mais estarem centrados no homem individualmente considerado, mas sim na coletividade, surgem os direitos coletivos difusos. São eles: o direito a paz, ao meio ambiente e a conservação do patrimônio cultural. Já se ventila hoje a quarta dimensão dos direitos fundamentais. Os seus defensores argumentam que os direitos fundamentais precisam acompanhar a globalização, que, pondo fim as fronteiras geográficas entre o países exigem, sua universalização. O homem não pode ser visto em cada Estado, mas sim como entidade universal. Se não há mais fronteiras para as relações políticas, econômicas e sociais é preciso que também não haja fronteiras para os direitos fundamentais. Entretanto, é preciso ressaltar que essa universalização não pode ser instrumento de imposição ou superação de culturas e de minorias. São reputados como direitos de quarta geração o direito a democracia, o direito a enfumaça e o direito ao pluralismo. Contudo, não podemos estudar os direitos fundamentais dissociados de um contexto histórico, pois reflete todos os anseios e desafios enfrentados pela sociedade face a sua natureza histórica, pois os direitos fundamentais evoluíram e sofreram várias transformações em seu conteúdo, R. Dout. Jurisp. AM

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titularidade, eficácia e efetivação. 1.2 A Eficácia Plena do art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal Comentando o dispositivo acima citado, há quem defenda que a referida norma nada significa na prática, pois depende da implementação dos meios que garantam a celeridade, objetivo qual a ser concretizado pelo legislador. No plano infraconstitucional, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica, de que o Brasil é signatário e que foi introduzido no ordenamento jurídico através do Decreto nº 678/92, é farta de disposições que se destina a assegurar a tutela jurisdicional a tempo hábil. Cumpre ressaltar que há uma intima ligação entre o direito assegurado no art. 5º, inciso LXXVIII, com a proteção dos direitos humanos, já que inserida em Convenções que tratam sobre esse tema, o Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 8º dispõe: Art. 8º Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhistas, fiscal ou de qualquer natureza.

Silva (2003, p. 165), em seu estudo sistemático, reconhece apenas eficácia contida, na seguinte consideração: Por regra, as normas que consubstanciam os R. Dout. Jurisp. AM

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direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata [...]. A orientação doutrinária moderna é no sentido de reconhecer a eficácia plena e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daquelas de caráter sócioideológico, as quais até bem recentemente não passavam de princípios programáticos.

Destarte, não comungamos da mesma opinião, pois, imperioso lembrar que a aceitação desse pensamento seria um retrocesso na evolução da moderna doutrina constitucionalista, no que diz respeito a efetividade dos direitos fundamentais. Vale citar, que implicaria atribuir ao legislador infraconstitucional excessiva parcela da responsabilidade pelas mudanças buscadas pelo constituinte e contidas no texto da Emenda nº 45/04. Nesse âmbito, cabe ao interprete da Constituição e da lei não pode se ver fora do processo de transformação presente no concerne da reforma constitucional. Compartilhamos do pensamento da melhor doutrina brasileira na qual sustenta que a respeito da eficácia dos direitos fundamentais previsto no Título II da Constituição Federal de 1988. Contudo, o mesmo constitucionalista Lopes (2004, p.330), fazendo uma análise mais acurada ao artigo 5º, da Constituição da República, faz a seguinte ressalva: Então, que valor tem o disposto no § 1º o art. 5º, que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento, em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, R. Dout. Jurisp. AM

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E nesse mesmo sentido, mencione-se o entendimento de Barroso apud Spalding (2005, p.34), Sarlet (2003). Nos fundamentos desta teoria, pode-se encontrar a defesa do princípio da máxima eficiência ou máxima eficácia. E em Miranda (2011) a afirmação de que “A uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê”. Tecendo tais considerações e à luz da teoria da efetividade dos direitos fundamentais, entendemos que se deva atribuir aplicabilidade imediata e eficácia plena à garantia constitucional da razoável duração do processo, sendo assim de inteira responsabilidade do intérprete da norma e com o objetivo de lhe conferir máxima efetividade, identificação dos meios possíveis para a consecução das finalidades a que a norma se destina. 2 A MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS 2.1 A morosidade dos processos como o elemento causador da insegurança jurídica Quando falamos do conceito de tempo e segurança jurídica é comum que nos remeta a ideia de retroatividade das normas e do direito, fazendo uma leitura dos dois conceitos chegamos a noção de estabilidade ou duração do direito. E ainda, na evolução dos direitos fundamentais é de certa forma a evolução de uma insegurança perante os excessos do Estado até uma insegurança pela inércia estatal, a que se contrapuseram os direitos de defesa e posteriormente os R. Dout. Jurisp. AM

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direitos de prestação. Vale lembrar, que a pendência do litígio judicial nos leva pensar a ter uma situação de intranquilidade jurídica, por mais clara que seja a prescrição legal, só teremos a certeza após o pronunciamento do Poder Judiciário. Comenta-se que esse período de espera pela prestação jurisdicional é chamado na doutrina de insegurança jurídica, em algumas situações o direito discutido é realmente controverso e sua aplicação nos leva a dúvidas entre os próprios doutrinadores especialistas na matéria. Nestes casos é comum que ocorra decisões conflitantes, mesmo entre órgão de segunda instância, isto gera ao jurisdicionado uma situação de perplexidade sendo que não é possível ter a certeza qual o comando normativo está a impor. Assim, a insegurança jurídica torna-se mais evidente com a morosidade jurisdicional, aquela é causada pela desconfiança no Judiciário, à perturbação e insatisfação que um litígio pendente proporciona em exagerado tempo. Essa soma de fatores, gera a insegurança em um sistema jurídico, e este princípio do ordenamento jurídico só será válido quando for assegurado a proteção jurídica ao que se refere ao lapso temporal. A doutrina e os setores da comunidade jurídica, especialmente os advogados, são unânimes ao situar o problema da morosidade do processo como um dos desafios capitais do nosso sistema jurídico. A análise de Dallari (1996, p.5) atribui a atual situação do Judiciário ao seu relacionamento distanciando com os demais poderes no curso da história, num processo que chama de “tradição paralisante”. Esse processo de aproximação com os demais Poderes da República mostra-se fundamental para que o Judiciário possa obter os recursos necessários à implementação de projetos relacionados à informatização, à contratação aperfeiçoamento de pessoal, ao aumento do número de magistrados, com vistas à garantia de acesso à justiça. Nesse sentido Dinamarco (2003, p. 37): “[...] não tem R. Dout. Jurisp. AM

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acesso à justiça aquele que sequer consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas mazelas do processo, recebem uma justiça tardia ou uma justiça de qualquer ordem” Na mesma direção, Marcato (2004, p. 138), observa: Realmente, os mais visíveis e angustiante obstáculos que se antepõe ao destinatário final da atividade exercida através do processo são, imediatamente o seu custo e a sua duração, com efeitos que podem ser devastadores [...].

E, citando Cappelletti (1988) conclui:“E como já se alertou, à Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível, ao passo que a demora pode representar, ao final, a denegação da própria justiça”. Nosso sistema processual não está alheio ao problema em tela, pois em nosso ordenamento jurídico tem como saída um pouco mais eficaz as tutelas de urgência, com o fito de evitar o perecimento dos direitos, são as cautelares e as antecipações dos efeitos da tutela pretendida. Tais mecanismos, todavia, ainda não são suficientes, pois deve ser observados alguns requisitos para sua concessão, pois são previsto como exceção, mas hoje utilizados como regra. 2.2 A razoável duração do processo na legislação atual e os critérios de avaliação e os prazos abstratos concedidos a Fazenda Pública e ao Ministério Público Com relação a contagem dos prazos, em matéria civil, o prazo inicial começa a correr (dies a quo), sendo contado a partir da propositura da ação ao Tribunal, ou seja da data da distribuição da petição inicial. Em algumas situações, o termo R. Dout. Jurisp. AM

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inicial tem-se na fase preliminar obrigatória ou na fase administrativa. Segundo a melhor doutrina, o termo inicial é contado a partir da citação do réu, de acordo com a tradicional teoria geral do processo, momento em que a relação processual se aperfeiçoa ou segundo alguns autores quando o juiz da causa é designado. Porém, de qualquer forma temos como início a data da distribuição que é o critério mais correto e adequado, seja pela facilidade de verificação. Temos como termo final (dies ad quem) é a data do trânsito em julgado da sentença ou acórdão que põe fim ao litígio. Tanto em matéria cível como penal o termo final cobre todo o processo, sendo incluído todas as instâncias recursais. Vale lembrar, que computa-se o prazo de duração quando se estende a fase de execução. Sendo neste caso, o termo final a data da intimação da sentença extintiva de execução.O direito brasileiro concedeu prazos processuais a Fazenda Pública e ao Ministério Público privilegiados para a prática de atos processuais. Dispõe o artigo 188 do Código de Processo Civil:“Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda ou o Ministério Público”. Tal norma é plenamente justificável, tendo em vista a carência dos Órgãos encarregados a defesa judicial do Poder Público, é apontado também o fato de volume de processos a ser na maioria das vezes desumano ajuizados por esses Órgãos ou a seu desfavor. Cabe perquirir, se essa prerrogativa preenche o princípio da congruência ou é manifesta desarrazobilidade, que ao Poder Judicial caberia reconhecer nelas a verdadeira afronta à razoável duração do processo. Segundo Dinamarco (2001, p. 33), expressam uma “autoritária preocupação em favorecer o Estado enquanto litigante, e acabam por transformá-lo em uma super parte e tornando-se cada vez mais difícil de litigar contra o R. Dout. Jurisp. AM

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mesmo”. Podemos notar, que a razoabilidade em abstrato não deve ser contada com relação ao tempo que é o único prazo mais alargado, mas sim de forma mais ampla somando-se todas as fases como por exemplo, nas fases de contestação, recursos, etc. sendo incluída a fase de execução. 3 A VIRTUALIZAÇÃO DOS PROCESSOS NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO AMAZONAS 3.1 A Resolução nº15/2011 que disciplina o processo virtual O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas usando de suas atribuições constitucionais, legais e regimentais inovou com a Resolução nº 15/2011 que regulamenta a implantação do processo eletrônico/virtual em todos os Órgãos do Poder Judiciário da Comarca. A referida Resolução trouxe, sem dúvidas, grandes possibilidades de efetividade ao princípio constitucional da razoável duração do processo, insculpido no artigo 5º da Carta Magna. Contudo, não apenas este princípio específico, mas podemos falar da celeridade processual e economia processual. Pois, com o processo virtual a sociedade ganha, ou seja, não apenas na rapidez no deslinde da demanda, mas na economia processual. A Lei Federal nº 11.419/06, dispõe sobre a informatização do processo judicial já utilizada em Tribunais Superiores, regulamenta: Art. 10. A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem R. Dout. Jurisp. AM

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necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo. (grifo nosso)

Os legisladores recentemente começaram a buscar meios para efetivação máxima dos direitos fundamentais, buscando mecanismos para tal, sendo de inteira importância esta Lei elencada acima, pois baseada nela é que os Tribunais de cada Estado irão regulamentar a implantação do processo virtual de suas capitais sempre atento com suas peculiaridades. O Tribunal, nesta esteira, nos trouxe a Resolução nº 05/2012, que disciplina o julgamento de processos, por meio virtual, no âmbito do Estado do Amazonas, visando à necessidade de evitar que os recursos oriundos da primeira instância, já virtualizados, tenham que ser materializados para julgamento pelos órgãos do Tribunal de Justiça, evitando assim gastos com insumos. A referida Resolução busca medidas alternativas voltadas a desburocratização e racionalização de atos para otimizar a função jurisdicional, mediante aprimoramento e agilização dos julgamentos dos recursos e ações de competência originária do Tribunal, inclusive por meio eletrônico, de acordo com o artigo 154 do Código de Processo Civil. O julgamento dos recursos e ações de competência do Tribunal de Justiça, serão julgados em ambiente virtual, conforme constante no artigo 1º da referida Resolução. Fato este que já acontece nos Tribunais Superiores, a celeridade e a economicidade que o julgamento eletrônico proporciona é salutar. 3.2 O comportamento das partes litigantes e dos Juízes, Serventuários e Advogados em face do novo procedimento virtual R. Dout. Jurisp. AM

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O comportamento das partes em litígio é primordial para que o processo tenha sua marcha conforme preconiza do Código de Processo Civil, mas nem sempre isso é possível dado a inúmeros recurso que a legislação dispõe. No processo eletrônico, as partes tem uma liberdade maior quanto a visualização em qualquer momento dos autos, e seus advogados, ressalvados os casos de segredo de justiça. A grande diferença entre o processo físico e o processo virtual, reside além da celeridade dos atos, a comodidade do advogado poder trabalhar nos autos em qualquer localidade, e ainda, o próprio Juiz poderá ter essa maior mobilidade, para proferir suas decisões e sentenças. Uma vez que os autos poderá ser visualizados em qualquer computador, deixando assim, aquela tradição de advogados em ir até o cartório para impulsionar mero atos ordinários, uma vez que ele mesmo poderá protocolar suas peças via web do seu escritório, em alguns casos juntar as peças nos autos, e ainda, ambas as partes poderão ter acesso aos autos, o que não ocorreria no físico. O processo é meio de ter uma verdadeira tutela jurisdicional nos diversos ordenamentos jurídicos, deve servir como instrumento para realização de direito material e não como arma de embaraço para a outra parte em litígio. De acordo com o artigo 125, II do CPC, cabe ao Juiz dirigir o processo e velar pela rápida solução do litígio. Aos auxiliares da justiça cabe também cumprir seu oficio no prazo estipulado por lei. Impulso processual é aquele dado ou pela parte ou pelo Juiz a fim de que o processo siga seu curso normal. Incumbe também aos advogados o zelo pela marcha processual de forma ética e leal, tendo em vista não apenas os interesses das partes em litígio, mas a boa administração da justiça e o verdadeiro sentido da palavra, evitando-se assim aquelas velhas práticas abusivas e de má-fé. Vale ressaltar, que com tantas inovações nos procedimentos processuais é imperioso investir no treinamento R. Dout. Jurisp. AM

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desses Servidores para que o objetivo seja alcançado, de nada vale tantas inovações, e ainda, máquinas modernas sem o servidor devidamente treinado para manuseá-las. O importante é que os atos antigos e obsoletos sejam exterminados, um novo Judiciário começa com o processo eletrônico, em busca de uma tutela efetiva para todos e respeitando os princípios basilares da Constituição Federal. CONCLUSÃO O Poder Judiciário, nos dias de hoje, sofre da demora na prestação jurisdicional, a morosidade no trâmite processual, bem como imperioso citar as excessivas formalidades são considerados característico do Poder. O debate em busca da solução para tal problema, não é recente, as reformas legislativas tem como escopo promover a agilização dos procedimentos processuais. Ao longo da pesquisa foram debatidos inúmeros pontos no qual a morosidade na entrega da prestação jurisdicional se equivale a uma situação de verdadeira injustiça. Concluímos que o reflexo de tempo na tramitação do processo está diretamente relacionado à ideia de efetividade. Com o advento da Lei nº 11.419/06, que trouxe uma nova sistemática com relação ao processo virtual, a primeira vista pensamos que o processo será mais célere, no entanto, a celeridade na produção dos atos decisórios do processo necessita estar aliada à certeza de que grande maioria da população terá acesso a esse novo modelo de processo com amparo na garantia de acesso à justiça. Urge salientar, que celeridade e acesso à justiça foram consagrados pela Emenda nº 45/04, bem como o princípio da razoável duração do processo e outros princípios processuais constitucionais. Diante do questionamento levado a R. Dout. Jurisp. AM

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investigação deste texto, em que se indagava à razoável duração do processo em face ao novo procedimento, qual seja, a virtualização no âmbito do Tribunal de Justiça do Amazonas, o que pareceu uma tarefa dificultosa no início, veio a revelar-se no desenvolvimento do estudo. Foram levantados os principais pontos da celeuma, dando-se ênfase aos questionamentos levantados acerca da mudança do procedimento, dando ciência da nova realidade processual, com respaldo da Tecnologia da Informação, o processo eletrônico ou digital, mostra-se uma ferramenta importante na busca da melhor efetividade, que é o objetivo da jurisdição. O desafio a ser examinado de forma mais acurada é o de adequação dos vetores principiológicos tradicionais à nova realidade processual apresentada pelo processo virtual. O presente estudo visa demonstrar um apanhado final permitindo concluir quão importante é a inovação tecnológica, principalmente a virtualização do processo, como elemento contribuidor da modernização do Judiciário como um todo, buscando maior rapidez para a efetivação das decisões judiciais e, assim, promover-se o aprimoramento da justiça. E de se concluir, então, que não se constatou que o objetivo máximo da razoável duração do processo princípio este constitucional, vem sendo cada vez mais discutido na seara jurídica em busca de uma justiça mais célere e eficaz. Cumpre salientar, ainda, que o processo judicial eletrônico, em si, merece ser enaltecido, pois é a resposta para o combate à morosidade do Judiciário e direciona-se para facilitação e a simplificação na entrega da tutela jurisdicional, de forma segura e realmente efetiva.

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APELAÇÃO CÍVEL N° 2011.001295-1 - MANACAPURU - AM

Primeira Apelação Apelante: ISI TELEINFORMÁTICA LTDA Advogados: DRA. KÁTIA DE OLIVEIRA PINHEIRO E OUTRO. Apelada: ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS BATARÁ LTDA. Advogados: DR. JURANDIR ALMEIDA DE TOLEDO E OUTRA. Segunda Apelação Apelante: AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS LTDA. Advogado: DR. NEY BASTOS SOARES JÚNIOR. 1ª Apelada: ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS BATARÁ LTDA. Advogado: DR. JURANDIR ALMEIDA DE TOLEDO E OUTRA. 2ª Apelada: ISI TELEINFORMÁTICA LTDA. Advogados: DRA. KÁTIA DE OLIVEIRA PINHEIRO E OUTRO. Revisor: Desembargador ARISTÓTELES LIMA THURY. Relator: Desembargador ARI JORGE MOUTINHO DA COSTA. EMENTA: CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ CONTRATUAL EM FAVOR DA PRIMEIRA APELADA. EXCESSO NO USO DA PROCURAÇÃO QUE FOI OUTORGADO POR APENAS UM DOS SÓCIOS. AFRONTA AO ESTATUÍDO NO CONTRATO SOCIAL DA EMPRESA PRIMEIRA APELANTE. RESPONSABILIZAÇÃO DA FIADORA E SEU SÓCIO PELO ADIMPLEMENTO DA DÍVIDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA. CORRETA. REFORMA DA SENTENÇA. 1 No caso em tela, correta é aplicação do princípio da boa fé em favor da primeira Apelada porque se tornou incontroversa a existência do contrato R. Dout. Jurisp. AM

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entabulado entre as partes. 2 No entanto, devido ao excesso do uso da procuração, por alguém que se dizia representante da primeira Apelante, outorgada por apenas um dos sócios quando o Contrato Social previa de outra forma, deve a execução serevada a cabo em nome da fiadora e Sr. Alessandro Bronze Toniza. 3 Tendo em vista que a execução opera-se de modo menos gravoso para o devedor, conforme inteligência do artigo 620 do Código de Processo Civil, correta foi a decisão que manteve a substituição do bem imóvel penhorado. RECURSOS CONHECIDOS PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO E IMPROVIMENTO AO SEGUNDO.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível n° 2011.001295-1 - Manaus-AM, em que são partes as acima nominadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por unanimidade, conhecer dos apelos, para prover parcialmente o primeiro e improver o segundo, na forma exposta no voto condutor desta decisão. PUBLIQUE-SE. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em Manaus, de de 2012. Desembargador ARI JORGE MOUTINHO DA COSTA PRESIDENTE/RELATOR R. Dout. Jurisp. AM

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MEMBRO RELATÓRIO Adoto o relatório inserto no decisum de fls. 137/143, eis que explicita bem a questão. Adito-o. Trata-se de dupla Apelação contra a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 7ª Vara Cível da Capital, Dr. Rosselberto Himenes, nos autos nº. 001.05.011519-8/002, que julgou improcedentes os Embargos à Execução, mantendo, desta feita, a constrição levada a efeito no bem penhorado através do BACENJUD, condenando, ainda, a Embargante aos ônus de sucumbência, com o pagamento das custas processuais e honorários, arbitrados na ordem de 15% (quinze por cento). Em grau de recurso, a empresa ISI TELEINFORMÁTICA LTDA, primeira Apelante, alega em preliminar, ilegitimidade ativa da empresa Administradora de Imóveis Batará Ltda para figurar na execução. Aduz, em síntese, que o contrato de locação executado é nulo de pleno direito, tendo em vista ter afirmado desconhecer a empresa Apelada, não havendo qualquer relação jurídica entre as partes envolvidas (fls. 155/197). Segue noticiando que nunca exerceu suas atividades na nesta cidade, inexistindo, portanto, motivo que pudesse justificar um contrato de aluguel com valor mensal e R$ 10.000,00 (dez mil reais). In fine, requer a reforma da sentença, com o escopo de reconhecer a dita nulidade. Já a segunda Apelante, a empresa AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS, traduz seu inconformismo através dos seguintes pontos: a) da nulidade do contrato de locação e consequentemente de fiança, b) do vício de consentimento no contrato de fiança, c) da extinção do contrato R. Dout. Jurisp. AM

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de fiança, e d) do benefício de ordem (fls. 201/214). Finalmente, requer o conhecimento e provimento da apelação interposta. Instada a se manifestar, a ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS BATARÁ LTDA, contraminutou pugnando a intempestividade do recurso da Amazônia Operações Portuárias e, principalmente, pela confirmação do julgado guerreado, eis que este obedeceu aos elementos de provas existentes no processo, não havendo nenhuma irregularidade passível de ser sanada pelos presentes recursos (fls. 236/248). Às fls. 256/271, a empresa ISI TELEINFORMÁTICA LTDA, apresentou “contrarrazões”, visando, mormente, a ilegitimidade ativa da empresa Amazônia Operações Portuárias Ltda para apelar ou que seja negado provimento ao recurso manejado por ela, com a devida decretação de fraude à execução motivada pela ora Apelante. Ressalta, também, sua ilegitimidade passiva para compor a Ação de Execução. Ás fls. 555/564, voto para cumprimento de diligências, determinando a intimação da primeira Apelante para juntada de todos os documentos indispensáveis constantes do processo de execução, sob pena de não conhecimento da apelação. Ato contínuo, a expedição de ofício ao Primeiro Grau a fim de que o Juízo proceda ao envio da Ação Cautelar Inominada (001.09.264024-0) a este Tribunal. Após, vieram conclusos os presentes autos. É o relatório, no essencial. VOTO Conheço dos recursos, pois presentes os seus pressupostos de admissibilidade. Cumpre, de antemão, analisar as preliminares arguidas: intempestividade do recurso de Apelação da AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS LTDA, ilegitimidade ativa da Apelada (ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS BATARÁ LTDA) R. Dout. Jurisp. AM

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para ação de execução, bem como da empresa AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS para Apelar e passiva da ISI TELEINFORMÁTICA LTDA. De logo, registro a rejeição de todas elas. Vejamos. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO DE APELAÇÃO DA AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS Aduz, em suas contrarrazões, a Apelada ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS BATARÁ LIDA, que o recurso apresentado pela empresa AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS estaria intempestivo. A alegação não merece prosperar, porquanto emerge dos autos situação fora dos padrões normais do trâmite processual. Assim, constato que o patrono da Apelada ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS BATARÁ LIDA retirou os autos do cartório quando o prazo era comum para o oferecimento do recurso de Apelação, devolvendo-os no dia 13/01/2011, conforme certidão de fls. 154v. Feita essa observação, tenho que o prazo para a AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS deve começar a partir do momento da devolução do processo em cartório para que a Recorrente não tenha nenhum prejuízo de tempo para interpor o competente recurso. Assim considero tempestiva a apelação. ILEGITIMIDADE ATIVA DA EMPRESA ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS BATARÁ LTDA. Sustenta a Primeira Apelante (ISI TELEINFORMÁTICA LTDA) que a Administradora de Imóveis Batará Ltda seria parte ilegítima para figurar no pólo ativo da demanda (execução), uma vez que o contrato de administração contém apenas a assinatura do Sr. Cassiano Cirilo Anunciação como proprietário R. Dout. Jurisp. AM

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e sócio do imóvel alugado objeto do litígio, tendo sido assinado em 15.01.2000, mas apresentado no dia 15.12.2004, sem o reconhecimento de firma, com uma testemunha sem identificação e autenticado em 24.08.2009, levando a crer que tinha sido confeccionado em data posterior à execução. Pois bem. Ao analisar a petição dos Embargos à Execução, constato que em momento algum a primeira Recorrente se reportou ao aduzido acima, fazendo-o somente por ocasião do recurso de apelação, a ensejar preclusão do direito de levantar tal tese porque, de igual modo não foi objeto também da sentença. ILEGITIMIDADE ATIVA DA EMPRESA AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS PARA INTERPOR RECURSO DE APELAÇÃO. Aduz em suas contrarrazões (ISI TELEINFORMÁTICA LT D A ) q u e a e m p r e s a A M A Z Ô N I A O P E R A Ç Õ E S PORTUÁRIAS não teria legitimidade para apelar, já que não foi parte nos Embargos à Execução. Não prospera essa afirmativa, porquanto a matéria tratada nos presentes autos envolve a empresa em questão, tendo esta participado dos Embargos à Execução, da Ação de Execução e, inda, foi sucumbente na sentença prolatada em Primeiro Grau. I L E G I T I M I D A D E PA S S I VA D A E M P R E S A I S I TELEINFORMÁRICA LTDA PARA COMPOR A AÇÃO DE EXECUÇÃO. A Sociedade ISI TELEINFORMÁTICA LTDA, ressalta sua a ilegitimidade consubstanciada no fato de que nunca se beneficiou ou mesmo firmou qualquer ato contratual com a Administradora Batará Ltda. Entretanto, este assunto não é causa de ilegitimidade, R. Dout. Jurisp. AM

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tendo em vista que se confunde com o próprio mérito da causa, onde se procurará efetivar a mais correta solução à lide. Diante disso, afasto cada uma das preliminares suscitadas, para, em seguida, adentrar no mérito da causa. De início, trata-se de Apelação em Embargos à Execução onde se discute a validade e consequências advindas de um contrato de locação realizado pela empresa ISI TELEINFORMÁTICA LTDA, por intermédio de um de seus sócios, individualmente, que outorgou procuração ao Sr. ALESSANDRO BRONZE TONIZA, para locar imóvel em nome dessa empresa, representando-a como sócio-gerente, pelo valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) mensais, por período de 36 (trinta e seis) meses. Funcionou como fiadora da operação a empresa AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIA que teve penhorado um bem como garantia da dívida e, posteriormente, liberado/substituído na Ação Cautelar Incidental. Tratando-se de causa de grande complexidade, hei por bem tecer algumas considerações, adiantando que a sentença merece parcial reforma. Ao analisar a presente demanda, ressai que a primeira Apelada Administradora de Imóveis Batará Ltda, efetivamente, não se cercou de todos os cuidados preliminares necessários quando da celebração do contrato de locação. Senão, vejamos. Primeiramente, uma avença nesse porte exigiria uma consulta cadastral da empresa locatária, com verificação da extensão dos poderes conferidos ao Sr. Alexandre Bronze Toniza ou mesmo se exercia o cargo de sócio-gerente, análise que poderia ser aferida com uma simples conferência do Contrato Social da empresa, dados estes imprescindíveis para evitar-se fraude. Evidente, conforme fls. 36/64 que a empresa (ISI TELEINFORMÁTICA LTDA) não reunia condições financeiras para tal intento, tendo em vista seu capital social, bem como não fora exigido do suposto representante as alterações contratuais, caso houvesse, CPF dos sócios, além da procuração não R. Dout. Jurisp. AM

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apresentar a qualificação pessoal do representante, o que denota negligência do locador. E, mais, não conseguiu explicar porque deixou o contrato fluir por 22 (vinte e dois meses) sem pagamento, quando o acordo estipulava que 30 (trinta) dias de inadimplemento seriam causa de rescisão contratual. No entanto, um fato tornou-se incontroverso na presente demanda, a existência do contrato entabulado entre as partes. Isso ficou comprovado não só pelos documentos carreados aos autos (fls. 65/68), mas, também, pelas declarações contidas nas peças apresentadas pela ISI TELEINFORMÁTICA LTDA, onde consigna que a empresa ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS BATARÁ LTDA teria sido vítima de fraude de terceiro. Outra prova de sua existência é o pedido da primeira Apelante (ISI) para ser aplicada a rescisão contratual. Igualmente, para corroborar ainda mais esta afirmação, cumpre esclarecer que a empresa AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS foi a fiadora do negócio jurídico e pediu a substituição do bem dado em garantia, reconhecendo tacitamente a dívida em questão. Assim é que, neste caso, correta é a aplicação do princípio da boa fé objetiva e subjetiva no contrato em tela. Para alicerçar cito artigos do Código Civil: Artigo 113 – os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 422 – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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Com efeito, a boa fé subjetiva se traduz na intenção do contratante de que agiu corretamente quando da celebração do contrato. Já a boa fé objetiva manifesta-se por intermédio da conduta da parte que deve seguir um padrão moral, ou seja, um comportamento confiável nas pessoas envolvidas no negócio jurídico. Desta feita, não há como negar a vigência do Contrato de Locação. Trago à colação a Jurisprudência do Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul: Ementa: PLANTA COMUNITÁRIA. CONTRATO FIRMADO NO ANO DE 1996, ONDE A CONCESSIONÁRIA ESTABELECEU A DOAÇÃO D O S B E N S A D Q U I R I D O S PA R A A I M P L A N TA Ç Ã O D O S S E R V I Ç O S D E TELEFONIA. Aplicação do princípio da boa fé objetiva a determinar, a beneficiária (CRT) a devolução do valor pago (custo do investimento), deduzido o valor do terminal telefônico, devidamente corrigido. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME (Apelação Cível Nº 70046789624, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 21/03/2012). Ementa: CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. PLANTA COMUNITÁRIA - PCT. D E V O L U Ç Ã O D O VA L O R I N V E S T I D O . ILEGITIMIDADE PASSIVA. CARÊNCIA DE AÇÃO. PRESCRIÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DO VALOR APORTADO. JUROS MORATÓRIOS. JUROS COMPENSATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Como beneficiária do valor investido no contrato celebrado entre a parte autora e terceiro para implantação do terminal telefônico, pactuado sob a égide da Portaria Ministerial nº 610/94, a ré detém R. Dout. Jurisp. AM

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legitimidade para integrar o pólo passivo da presente demanda. 2. O interesse de agir decorre do próprio direito de crédito da parte autora frente à ré, que se beneficiou do investimento por ele realizado. 3. Prescrição inocorrente. Aplicação, na espécie, do prazo prescricional próprio das ações pessoais (art. 177 do CC de 1916 e art. 205 do novo Código Civil). 4. Os contratos de adesão ao plano conhecido como Planta Comunitária de Telefonia (PCT), firmados à época em que vigente a Portaria Ministerial nº 610/94, possuíam cláusula contratual que previa a incorporação ao patrimônio da empresa telefônica da obra financiada pelo consumidor. Tal estipulação acarretou em evidente perda patrimonial do consumidor, que, em situação de sujeição administrativa, firmou contrato que lhe era desfavorável como único meio de obtenção dos serviços. 5. Com base no princípio da boa-fé objetiva, cabível a restituição do valor aportado, com juros de mora e correção monetária. 6. Incidem os juros compensatórios, como remuneração do capital no período em que indisponível ao consumidor. 7. Honorários de sucumbência arbitrados conforme critérios do §3º do art. 20 do CPC. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA. (destaquei) (Apelação Cível Nº 70040738460, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 13/03/2012).

Para corroborar, cito lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Curso de Direito Civil, Contratos: Teoria Geral, 7ª edição, Volume IV, Editora Saraiva, página R. Dout. Jurisp. AM

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101/102), citando Giselda Hironaka: Esta é a interessante visão da boa-fé pela sua angulação subjetiva; contudo, enquanto princípio informador da validade e eficácia contratual, a principiologia deve orientar-se pelo viés objetivo do conceito de boa-fé, pois visa garantir a estabilidade e a segurança dos negócios jurídicos, tutelando a justa expectativa do contraente que acredita e espera que a outra parte aja em conformidade com o avençado, cumprindo as obrigações assumidas.

Em contrapartida, não há que se falar em vício de consentimento no Contrato de Fiança alegado pela Segunda Apelante (AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS) que somente garantiu o pagamento da obrigação porque acreditara, de fato, que o Sr. Alessandro Bronze Toniza era representante da empresa afiançada, o que acabou por macular a manifestação de sua vontade. Decerto, as evidências mostram, justamente, o contrário do aduzido, tendo em vista que ao analisar a demanda em apreciação, observa-se claramente os excessos praticados no uso da procuração outorgada ao Sr. Alessandro Bronze Toniza que não se pode deixar passar in albis. Ademais, oportuno destacar, para afastar o vício de consentimento, é que a empresa fiadora tem como sócio o suposto representante (Sr. Alessandro Bronze Toniza), conforme se pode deduzir das fls. 78. Além disso, a procuração apresentada foi assinada por somente uma das sócias, em afronta ao estatuído no Contrato Social da empresa ISI TELEINFORMÁTICA LTDA (fls. 26/29) que afirma a necessidade das assinaturas de ambos os sócios nos contratos que onerem a Sociedade, a teor da cláusula quinta, parágrafo primeiro. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas CLÁUSULA QUINTA – A gerência e a Administração será exercida pelos sócios CARLOS ROBERTO DAVENA ARCOVERDE FILHO e ILLONA RITUMS, cabendo-lhe também o uso da denominação social. PA R Á G R A F O P R I M E I R O – O s a t o s administrativos, bem como, todos os demais atos que importarem em responsabilidade financeira, ônus ou gravames para sociedade, serão assinados em conjunto pelos sócios CARLOS ROBERTO DAVENA ARCOVERDE FILHO E ILLONA RITUMS, o qual representa a sociedade ativa e passivamente, em juízo ou fora dele ficando expressamente vedado o uso da sociedade em negócios estranhos aos seus interesses sociais.

Diante desse quadro, desarrazoada a alegação de vício de consentimento se um dos sócios da fiadora era supostamente representante da primeira Apelante, não podendo alegar desconhecimento da cláusula acima. Certo é que, como representante que se dizia ser, não poderia ignorar o mandamento consignado naquele contrato social, mas, mesmo assim, utilizou o instrumento procuratório como representante e sócio – gerente da primeira Apelante (ISI), tendo, posteriormente, vindo à Juízo (fls. 70) e afirmado que nunca fora sócio da empresa em nítida contradição ao consignado no preâmbulo do Contrato de Locação (fls. 65), onde ficou estabelecido que a locadora (ISI) naquele ato, seria representada pelo “sócio-gerente Sr. Alessandro Bronze Toniza”. Destaca-se, outrossim, que a primeira Apelante (ISI), não tinha condições financeiras para suportar um contrato de vultosa quantia, é o que se depreende em análise do Capital Social e do Demonstrativo de Rendimentos declarados a Receita Federal juntados às fls. 36/64), fato que não foi levado R. Dout. Jurisp. AM

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em conta pelo dito representante. De outra sorte, destaco que a locação não se destinou às finalidades da empresa locatária, como afirmado pela primeira Apelada, tendo em vista que explorou o estacionamento do imóvel, objeto diverso da empresa de informática. Verifico, nos autos, às fls. 106, não constar na Junta Comercial ou Prefeitura de Manaus, o exercício da atividade nesta cidade, assim como a ocorrência de ações trabalhistas ajuizadas em face da Primeira Apelante (ISI), mas que foram resolvidas pelo suposto procurador, contudo, sem a anuência da Matriz, na forma exposta nas fls. 340/341, e 352 Desta forma é nítido que a empresa ISI TELEINFORMÁTICA LTDA não desenvolveu atividade comercial na cidade de Manaus e, portanto, não se beneficiou do contrato de locação ou praticou qualquer ato contratual. Logo, o pacto, ora em discussão, padece de vícios latentes e, por isso, inaplicável a extinção do Contrato de Fiança porque tudo leva a crer que a fiadora (AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS) utilizou-se do imóvel em questão, porquanto tinha como sócio o próprio Sr. Alessandro Bronze Toniza, a ensejar fraude contratual, não podendo ser beneficiária da nulidade a que ela mesma deu causa. Desta forma, devem ser responsabilizados pela dívida discutida a fiadora e o procurador em decorrência do uso indevido da procuração, haja vista que foi penhorado bem de sua propriedade, fato que não foi contestado como afirmou o Juízo monocrático. Outro ponto que merece destaque é o benefício de ordem arguido pela fiadora para que seja acionado o devedor principal para o cumprimento do encargo antes de ser obrigado a responder pela dívida, a teor do artigo 827 do Código Civil. Não obstante, está legalmente amparado pela norma, entretanto, merece destaque o estatuído no artigo 828 do mesmo Código: R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador: I - se ele o renunciou expressamente; II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário; III - se o devedor for insolvente, ou falido.

Ocorre que, o Contrato de Locação (fls. 65/68, na sua cláusula oitava, sobre a garantia, explicita: Como fiadora, e principal pagadora, assina também o presente contrato a AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS, inscrita no CNPJ/MF nº 04.028.495/0001-18, Inscrição Estadual Isenta, com sede à Rua Marquês de Santa Cruz, nº 25 – Centro – nesta cidade de Manaus, Estado do Amazonas, representado pelo Sr. Eric Stone de Holanda, RG nº 491748-9 e CPF nº 146.637.402-00, assume responsabilidade solidária com a LOCATÁRIA pelo exato cumprimento de todas as obrigações decorrentes deste contrato, responsabilidade essa que somente cessará com a efetiva restituição do imóvel ao LOCADOR e que perdurará, portanto, mesmo quando findo o prazo do presente contrato.

Destarte, não há outra resposta senão a de que restou prejudicado tal pedido porque não aproveita o benefício de ordem a empresa fiadora. Além do que, consta dos autos que no momento da penhora foi constatada, conforme Auto de Penhora e Depósito, a ausência (fls. 593) de bens em nome da executada principal (ISI TELEINFORMÁTICA LTDA). De outro giro, apesar de todo o inconformismo da primeira Apelante (ISI TELEINFORMÁTICA LTDA) pela decisão prolatada em Ação Cautelar Inominada com pedido de liminar, proposta pela AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS para ser liberado da penhora do imóvel situado à rua Tamandaré (fls. R. Dout. Jurisp. AM

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595) e a devida substituição por uma embarcação flutuante de 24 metros de comprimento, 4 metros de boca e pontal de 1,80 metros, casco de aço naval, registrada em cartório marítimo, matrícula nº 04.204, não merece prosperar a insatisfação. Notadamente, o valor do bem acima, produzido unilateralmente (fls. 38/41), é de R$ 669.209,31 (seiscentos e sessenta e nove mil, duzentos e nove reais e trinta e um centavos) e foi confirmado por ocasião da efetivação do Mandado de Penhora e Avaliação, inserido às fls. 82/85. O pleito em questão deu-se em virtude de um empréstimo para a restauração e revitalização do bem penhorado em cumprimento do “Programa Monumenta”, do Ministério da Cultura, por meio da Caixa Econômica Federal, cuja garantia, aduz a fiadora, que, foi rechaçada em virtude da constrição judicial, causando-lhe prejuízos, o qual foi deferido em sede de liminar, cuja decisão coube Agravo de Instrumento que foi convertido em retido (fls. 102/105). Tendo em conta que mesmo sendo o objetivo principal da execução a plena satisfação do crédito, esta deve operar pelo modo menos gravoso para o devedor como estabelecido pelo artigo 620 do Código de Processo Civil e jurisprudência pátria: AÇÃO CAUTELAR INOMINADA SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA DE BEM IMÓVEL POR DINHEIRO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 620, DO CPC - MODO MENOS GRAVOSO PARA O DEVEDOR - DESCONSTITUIÇÃO DA PENHORA - SUBSTITUIÇÃO POR DEPÓSITO EM DINHEIRO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 668, DO CPC. A penhora deve operar-se pelo modo menos gravoso ao devedor, conforme dispõe o artigo 620, do Código de Processo Civil. O devedor pode a qualquer tempo, antes da arrematação ou da adjudicação, requerer a substituição do bem penhorado por dinheiro, conforme dispõe o artigo R. Dout. Jurisp. AM

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668, do Código de Processo Civil. Preliminares rejeitadas e recurso provido. (Relator: Des.(a) Pereira da Silva, Agravo de Instrumento Cv 1.0024.09.680054-5/001, Órgão Julgador: 10ª Câmara Cível, Belo Horizonte, data do julgamento: 18/05/2010, publicado em 08/06/2010).

Relativamente a este item, a sentença monocrática não merece reforma. Assim, deve a Empresa ISI TELEINFORMÁTICA LTDA ser excluída da lide e a Execução continuar em nome da fiadora AMAZÔNIA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS LTDA do Sr. Alessandro Bronze Toniza que à época era representante da Primeira Apelante (ISI) e sócio da garantidora, mantendo a constrição levada a efeito e, consequentemente, condeno a sucumbente ao pagamento custas processuais e honorários advocatício, arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa. Ante o exposto, nos termos supra consignados conheço das Apelações interpostas, para dar parcial provimento a primeira e negar provimento a segunda, reformando a sentença monocrática. É como voto. Manaus,

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2011.001605-2 – Manaus-AM APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. ADVOGADO: DR. EDSON ROSAS JÚNIOR. APELADO: JESMART TURISMO LTDA. REVISOR: DESEMBARGADOR ARISTÓTELES LIMA THURY. RELATOR: DESEMBARGADOR ARI JORGE MOUTINHO DA COSTA. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. HIPÓTESE EM QUE O PROCESSO NÃO FICOU PARALISADO POR INÉRCIA DO EXEQUENTE. EXTINÇÃO AFASTADA. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO. REFORMA DA DECISÃO HOSTILIZADA. - A prescrição intercorrente pressupõe inércia do autor durante todo o curso do lapso prescricional, circunstância não configurada nestes autos. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível nº 2011.001605-2 - Manaus-AM em que são partes as acima nominadas, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes desta Egrégia Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao presente Apelo, reformando, com isso, a decisão recorrida, na forma exposta no voto condutor desta decisão. PUBLIQUE-SE. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça Estado R. Dout. Jurisp. AM

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do Amazonas, em Manaus,

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Desembargador ARI JORGE MOUTINHO DA COSTA Presidente/Relator Membro RELATÓRIO Adoto o relatório inserto no decisum de fls. 102/104, eis que explicita bem a questão. Adito-o. Trata-se de Apelação Cível interposta por diante da decisão proferida pela MM. Juíza de Direito da 6a Vara Cível e de Acidentes de Trabalho, Dra. Nélia Caminha Jorge, que extinguiu com resolução de mérito o processo executivo, nos termos do art. 269, IV do CPC. O Apelante alega que ocorreu omissão acerca do pedido de fls. 98, não podendo ser configurado abandono de causa, de modo que não se verifica prescrição intercorrente do presente caso. Requer que seja reconhecida a Apelação com finalidade de anular a r. Sentença recorrida, determinando a continuação do feito. O graduado Órgão Ministerial, às fls. 129/132, pugnou pelo conhecimento do apelo e, no mérito, deixou de se manifestar, tendo em vista sua desnecessária intervenção. É o relatório. VOTO Primeiramente, saliento que todos os requisitos de admissibilidade recursal foram atendidos, sendo o preparo recolhido de forma regular conforme demonstra documento de fls. 107. Passo, então, à análise da questão de fundo do presente recurso. R. Dout. Jurisp. AM

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A Apelação em apreço comporta provimento, uma vez que não restou consumada a prescrição intercorrente. Com efeito, esta somente pode ser reconhecida nos casos em que o processo permanece paralisado por inação unicamente imputável ao credor. Mas não há como acolher-se a tese contida na sentença, porquanto a referida prescrição pressupõe inércia do autor durante todo o curso do lapso prescricional, do que aqui não se pode cogitar. Segundo resulta dos autos, o Exequente/Apelante pleiteou por diversas vezes a intimação da parte executada, para o fim de localizar bens passíveis de serem penhorados, requerendo, inclusive, a expedição de edital de citação, tendo em vista não ter logrado êxito nas suas investidas anteriores (fls. 87). Por petições datadas de 20/03/1997 (fls. 15) e 19/08/1997 (fls. 64), requereu o Exequente a juntada dos comprovantes dos importes de custas alusivos ao cumprimento dos respectivos mandados de citação e penhora, o que, sobremodo, fulmina a tese de desídia da parte demandante, haja vista não ter se quedado silente em momento algum, ao contrário do que afirma a Douta Magistrada Sentenciante. Bem se vê, pois, que não houve paralisação do processo a configurar prescrição intercorrente, porquanto ficou indubitavelmente demonstrada pelo Autor sua intenção em receber o valor contido na nota promissória. Realmente, não se pode ignorar o fato de que a aludida prescrição começa a partir do último ato processual que competir ao Autor, sem que este o pratique, abandonando o feito - circunstância não configurada nestes autos. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO. ENSINO PA RT I C U L A R . P R E S C R I Ç Ã O INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. R. Dout. Jurisp. AM

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AUSÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA OU DESÍDIA DA PARTE. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO JUDICIAL. - Para a ocorrência da prescrição intercorrente é necessária a comprovação de desinteresse ou desídia por parte do credor, o que não é o caso dos autos. - Sentença desconstituída. Apelo provido. (grifei). (TJRS - Apelação Cível Nº 70041961285, Sexta Câmara Cível. Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 28/07/2011).

De outra banda, cumpre ressaltar que a Executada/Apelada foi regularmente citada em 10/03/1997, conforme demonstra documento de fls. 17, consequentemente, não há falar-se em desobediência ao imperativo legal estatuído no art. 77 do Decreto nº 57.663/66 (lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias), como quer fazer crer a MM. Juíza a quo. Em tais condições, não consumada a prescrição intercorrente, os autos deverão retornar ao juízo de origem para prosseguimento da execução. Por todo o exposto, conheço do Apelo para dar-lhe provimento, reformando, com isso, o decisum guerreado. É como voto. Manaus,

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Desembargador ARI JORGE MOUTINHO DA COSTA Relator

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AÇÃO RESCISÓRIA - MANAUS Nº 2011.001291-3 REQUERENTE: ESTADO DO AMAZONAS PROCURADORA: DRA. SÁLVIA HADDAD G. DO AMARAL REQUERIDO: JAMIL DA SILVA REQUERIDO: AMAZONPREV DECISÃO Cuida-se de ação rescisória (fls. 02/27) contra o v. acórdão (fls. 181/187 e 222/225) pelo qual as e. Câmaras Reunidas concederam mandado de segurança. Em síntese, o requerente, ao invocar o apoio do art. 485, V, do CPC, alegou que o v. acórdão impugnado violou (a) as redações primitivas dos arts. 37, XIII e 39, § 1.º, da Carta Federal, pois permitiu a paridade remuneratória entre os cargos de Técnico de Incentivos de 1.ª Classe da SEPLAN e de Auditor Fiscal de Tributos da SEFAZ; (b) a redação primitiva do art. 37, X e o art. 61, § 1.º, II, a, da Carta Federal, pois não cabe ao Poder Judiciário conceder reajuste remuneratório, ainda que com fundamento no princípio da isonomia; (c) o art. 5.º, XXXVI, da Carta Federal, pois inexiste direito adquirido a regime jurídico. Requereu antecipação de tutela com o objetivo de suspender a execução do v. acórdão impugnado. Por decisão localizada à fl. 406, fixei prazo para que o requerente promovesse a citação do Fundo Previdenciário do Estado do Amazonas (AMAZONPREV). O requerente, por petição anexada à fl. 410, cumpriu a diligência. Exposto o breve sumário, passo a decidir. Cabível requerer, em sede de ação rescisória, antecipação de tutela com o escopo de sustar a execução da decisão rescindenda. O ajuizamento da ação rescisória não impede o cumprimento da R. Dout. Jurisp. AM

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sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei, de medidas de natureza cautelar ou antecipatória de tutela (CPC, art. 489, com redação dada pela Lei nº 11.280/2006). “Consoante entendimento desta Corte, é admitido, excepcionalmente, a antecipação dos efeitos da tutela em sede de ação rescisória, para suspender a execução da decisão rescindenda, quando presentes as hipóteses previstas no artigo 273 do Código de Processo Civil” (STJ-4.ª Turma, REsp 356.402-PB, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 15.08.2006, não conheceram, unânime, DJ 11.09.2006, p. 285). Nos autos do Mandado de Segurança 2005004411-7, o primeiro requerido, servidor aposentado da SEPLAN, oriundo da extinta SIC, exigiu que seus proventos fossem reajustados, de molde a que correspondessem a 80% (oitenta por cento) da remuneração do cargo de Auditor Fiscal da SEFAZ. Invocou o Decreto nº 16.282/94. Vislumbro a ofensa à redação primitiva do art. 37, XII, da Carta Federal e, por conseguinte, violação de literal disposição de lei (CPC, art. 485, V) e alegação verossimilhante (CPC, art. 273, caput, com redação dada pela Lei nº 8.952/94). Em voto que proferi nos autos do Mandado de Segurança 2009002458-8, assim examinei a matéria: O Decreto nº 16.282/941 vinculou a remuneração dos servidores da extinta SIC e SEFAZ. Se a retribuição dos servidores da SEFAZ sofresse reajuste, a remuneração dos servidores da SIC também seria reajustada, para que a segunda correspondesse a 80% (oitenta por cento) da primeira. É clara a ofensa ao texto original do art. 37, XIII, da Carta Magna. Conforme proclamou a Suprema Corte, [...] a Constituição mantém a R. Dout. Jurisp. AM

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proibição, vinda de 1967, de vinculações ou equiparações de vencimentos (CF 88, art. 37, XIII), o que basta para elidir qualquer ensaio – a partir do princípio geral da isonomia – de extrair, de uma lei ou resolução atributiva de vencimento ou vantagens determinadas a um cargo, força bastante para estendê-los a outro cargo, por maior que seja a similitude de sua posição e de suas funções. Daí que, segundo a invariável orientação do STF, o princípio constitucional da isonomia do art. 39, § 1.º não elide o da legalidade dos vencimentos do servidor público, mas, ao contrário, dada a proibição pelos textos posteriores da equiparação ou vinculação entre eles, reforça a Súmula 339, fruto da jurisprudência já consolidada sob a Constituição de 1946, que não continha tal vedação expressa. (STF-Pleno, ADIMC 1.776-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18.03.1998, deferiram, maioria, DJ 26.05.2000, p. 24).

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Art. 1º - Fica mantida para os servidores da SECRETARIA DE ESTADO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO E TURISMO, a paridade de 80% (oitenta por cento) da remuneração percebida pelos servidores da SECRETARIA DA FAZENDA, para cada cargo, nível e referência correspondente. 2 XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos, para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, ressalvado o disposto no inciso anterior e no art. 39, § 1º. R. Dout. Jurisp. AM

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Além disso, em sede controle difuso, o Plenário desta Casa não hesitou em proclamar a inconstitucionalidade do Decreto nº 16.282/94. O v. acórdão recebeu a seguinte ementa: CONSTITUCIONAL. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL Nº 16.282/94. VINCULAÇÃO REMUNERATÓRIA ENTRE CATEGORIAS FUNCIONAIS DISTINTAS. IMPOSSIBILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N 19/79. ARTIGO 37 INCISO XIII. 1. O artigo 37, XIII da Constituição Federal impede a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração do servidor público. 2. Resta, portanto, patente a inconstitucionalidade do artigo 1.º da Lei Estadual n.º 16.282/94, uma vez que institui a paridade de vencimentos entre os servidores da Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo com os servidores da SEFAZ. 3. Inconstitucionalidade declarada. 4. Processo extinto sem resolução do mérito em razão do acolhimento da preliminar de inconstitucionalidade. (TJAM-Pleno, Arguição de Inconstitucionalidade em Mandado de Segurança 2007001731-2/0001.00, rel. Des. Maria das Graças P. Figueiredo, j. 12.03.2009, declararam a inconstitucionalidade, v. u., DJE 25.03.2009, p. 4).

Em julgamentos recentes, as e. Câmaras Reunidas têm confirmado a inconstitucionalidade do Decreto nº 16.282/94 e indeferido qualquer pretensão a reajuste estipendiário que dele R. Dout. Jurisp. AM

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resulte. Nesse sentido: MANDADO DE SEGURANÇA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.° DO DECRETO ESTADUAL N.º 16.282/94 PELO PLENÁRIO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CASO A N Á L O G O . P R E J U D I C I A L D E M É R I TO ACOLHIDA PARA DENEGAR A SEGURANÇA E EXTINGUIR O PROCESSO COM JULGAMENTO DO MÉRITO. – O Decreto n.º 16.282/94, que concedeu a Gratificação de Atividade Industrial - GAI aos servidores lotados na Subsecretaria de Economia, atualmente SEPLAN, teve seu art. 1.° declarado inconstitucional, à unanimidade, pelo E. Tribunal Pleno desta Corte de Justiça, nos autos do MS n.º 2007.001731-2, de relatoria da Des. Maria das Graças Pessoa Figueiredo. – Nos termos do art. 154, § 7.º, do Regimento Interno deste Tribunal “a decisão declaratória de inconstitucionalidade, se for unânime, constituirá, para o futuro, decisão definitiva e de aplicação obrigatória nos casos análogos...”. – Prejudicial de mérito acolhida para denegar a segurança, extinguindo-se o processo com julgamento do mérito.” (TJAM-Câmaras Reunidas, MS 2007004435-7, rel. Des. Aristóteles L. Thury, rel. p/ o acórdão Des. Paulo César C. e Lima, j. 24.02.2010, denegaram o mandamus, maioria, DJE 11.03.2010, p. 16) PROCESSO R. Dout. Jurisp. AM

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DECLARAÇÃO EM MANDADO DE S E G U R A N Ç A . O M I S S Ã O . INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DO D E C R E T O E S TA D U A L N º 1 6 . 2 8 2 / 9 4 DECLARADA PELO PLENÁRIO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREJUDICIAL DE MÉRITO. EMBARGOS ACOLHIDOS SUPRINDO A OMISSÃO APONTADA PELO EMBARGANTE. – O Decreto nº 16.282/94, que concedeu a Gratificação de Atividade Industrial - GAI aos servidores lotados na Subsecretaria de Economia, atualmente SEPLAN, teve seu art. 1.º declarado inconstitucional, à unanimidade, pelo E. Tribunal Pleno desta Corte de Justiça, nos autos do MS nº 2007.001731-2, de relatoria da Des. Maria das Graças Pessoa Figueiredo. – Sendo matéria de ordem pública, a inconstitucionalidade pode ser conhecida de ofício e a qualquer tempo pelo juízo. – Nos termos do art. 154, § 7.º, do Regimento Interno deste Tribunal “a decisão declaratória de inconstitucionalidade, se for unânime, constituirá, para o futuro, decisão definitiva e de aplicação obrigatória nos casos análogos [...]” – Embargos acolhidos, com efeitos infringentes, suprindo a omissão apontada pelo Embargante acerca da inconstitucionalidade do Decreto Estadual n.º 16.282/94, para denegar a segurança, extinguindo o processo com julgamento do mérito.” (TJAM-Câmaras Reunidas, EDMS 2008005423R. Dout. Jurisp. AM

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4/0001.00, rel. Des. Paulo César C. e Lima, j. 03.02.2010, acolheram os embargos e lhes atribuíram efeitos infringentes, v. u., DJE 24.02.2010, pp. 6/7)”

Acresce que, nos autos do Mandado de Segurança 2009002458-8, as e. Câmaras Reunidas, acolhendo o voto acima transcrito, por unanimidade, indeferiram o mandamus. O v. acórdão recebeu a seguinte ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR DA EXTINTA SECRETARIA DE ESTADO DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO (SIC). REAJUSTE. REMUNERAÇÃO VINCULADA À RETRIBUIÇÃO DOS SERVIDORES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA (SEFAZ). DECRETO Nº 16.282/94. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENÁRIO DO TJAM. I. O art. 1.º, do Decreto nº 16.282/94 vinculou a remuneração dos servidores da extinta SIC e da SEFAZ. II. Em sede de controle difuso desencadeado nos autos do Mandado de Segurança 2007001731-2, o Plenário do TJAM, ao enxergar ofensa à vedação imposta pelo art. 37, XIII, da Carta Federal, declarou inconstitucional o art. 1.º, do Decreto nº 16.282/94 (DJE 25.03.2009, p. 4). III. As e. Câmaras Reunidas, em julgamentos recentes, têm confirmado a inconstitucionalidade daquela norma e indeferido qualquer pretensão a reajuste estipendiário que dela resulte. R. Dout. Jurisp. AM

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IV. Mandado de segurança indeferido. (TJAMCâmaras Reunidas, MS 2009002458-8, rel. Des. Luiz Wilson Barroso, j. 31.03.2010, denegaram, unânime, DJE 28.04.2010, p. 5)

Os tribunais, tratando-se de ofensa à disposição constitucional, afastam o óbice do Enunciado 343/STF: A Súmula n.º 343 do Supremo Tribunal Federal não se aplica aos casos em que o objeto da controvérsia for matéria de índole constitucional, na medida em que nestas hipóteses não é suficiente a interpretação apenas razoável da lei, mas sim a juridicamente correta no âmbito do Supremo Tribunal (STJ-2.ª Turma, REsp 1.208.008-RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 02.12.2010, negaram provimento, unânime, DJE 14.12.2010). A Corte Especial, em razão do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, tem afastado a incidência da Súmula 343/STF nos casos em que a interpretação controvertida diz respeito a texto constitucional (STJ-1.ª Seção, AR 1.545-PR, rel. Min. Castro Meira, j. 25.08.2010, julgaram improcedente, unânime, DJE 01.10.2010).

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Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais. R. Dout. Jurisp. AM

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Quanto ao fundado receio de dano de difícil ou incerta reparação (CPC, art. 273, I, acrescentado pela Lei nº 8.952/94), a requerente demonstrou ter sido instaurada execução do v. acórdão rescindendo. Ora, daí pode resultar pagamento e, por conseguinte, dano irreparável ou de difícil reparação. Oportuno lembrar que os atos

decisórios proferidos em execução, na visão do legislador processual, ensejam risco de prejuízo irremediável, razão por que (a) não provocam retenção de recurso especial (CPC, art. 542, § 3.º, com redação dada pela Lei nº 9.756/98); e (b) afastam a conversão de agravo de instrumento em agravo retido, ainda mais porque as questões suscitadas no processo executivo não podem ser imediatamente desafiadas por apelação e a sentença somente será proferida depois de extinta a obrigação (CPC, arts. 475-R, incluído pela Lei nº 11.232/2005, 794 e 795). A conversão do agravo de instrumento em agravo retido preceituada no artigo 523 do CPC, resta vedada na hipótese da decisão agravada, proferida pelo juízo a quo, se esgotar com a sua mera prolação, surtindo efeitos imediatos e irreversíveis, sob pena de tornar a via recursal inócua, máxime quando versar questão incidente em sede de execução, que não desafia apelação. (STJ-1.ª Turma, REsp 886.667-PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 03.04.2008, deram provimento, v. u., DJE 24.04.2008).

Amparado pelas razões acima fincadas, defiro a tutela antecipada para suspender o cumprimento do v. acórdão rescindendo. Comunique-se ao ilustre Presidente das e. Câmaras Reunidas, autoridade responsável pela execução do v. acórdão impugnado. Citem-se os requeridos para, querendo, responder os termos da ação rescisória, no prazo de 30 (trinta) R. Dout. Jurisp. AM

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dias (CPC, art. 491). Intimem-se. Manaus, 12 de abril de 2011.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA - MANAUS Nº 2011.000397-6 AGRAVANTE: ESTADO DO AMAZONAS PROCURADORA: DRA. VIRGÍNIA NUNES BESSA AGRAVADOS: BERNARDO WALTER LEMOS DE ALMEIDA e OUTRO ADVOGADA: DRA. MARTHA MAFRA GONZALEZ DECISÃO Cuida-se de agravo de instrumento (fls. 02/23) flexionado contra a r. decisão (fls. 282/283) pela qual o Juízo de Direito da 1.ª Vara da Fazenda Pública Estadual, em sede de mandado de segurança, homologou desistência e concedeu liminar. Em síntese, o agravante sustentou que (a) a autoridade coatora revogou a Portaria nº 05/2008, por meio da qual transferiu os agravados para a reserva remunerada da PM, motivo por que deve ser reconhecida a perda de objeto do mandamus; (b) quando a Lei Complementar Estadual nº 30/2001 revogou o art. 90, II, da Lei Estadual nº 1.154/75, estava em vigor a redação que lhe havia sido dada pela Lei Complementar Estadual nº 16/96, ou seja, estava prevista a transferência ex officio para a reserva remunerada da PM quando completasse o servidor militar 30 (trinta) anos de efetivo serviço; a Lei Complementar Estadual 43/2005 restaurou a referida redação do art. 90, II, da Lei Estadual nº 1.154/75; (c) a Lei Estadual nº 1.154/75 foi recepcionada pela Emenda Constitucional 20/98, pois a própria Constituição Federal deixou à lei ordinária a tarefa de dispor sobre as condições de transferência do militar para a inatividade; (d) o limite de 70 (setenta) anos de idade para fins de aposentadoria compulsória somente alcança os servidores R. Dout. Jurisp. AM

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públicos, mas não os militares; (e) as alterações do regime jurídico de aposentadoria impostas pelas Emendas Constitucionais 20/98 e 41/2003 não se aplicam aos militares; (f) precedente das e. Câmaras Reunidas concluiu que servidor militar não tinha direito de ser transferido para a reserva remunerada da PM somente aos 70 (setenta) anos de idade. Pediu efeito suspensivo. Exposto o breve sumário, passo a decidir. Cabível o recurso, ex vi do § 1.º, do art. 7.º, da Lei nº 12.016/2009. Não se pode esquecer que o agravo de instrumento desafia uma decisão interlocutória (CPC, art. 522, com redação dada pela Lei nº 11.187/2005), ou seja, o ato decisório mediante o qual o juiz soluciona uma questão incidente (CPC, art. 162, § 2.º). A r. liminar impugnada nada decidiu a respeito da alegação de perda de objeto. O tribunal, caso optasse por apreciá-la, acabaria por suprimir um grau de jurisdição. O agravo de instrumento não se presta ao desiderato de resolver questão incidente per saltum, isto é, aquela que não foi decidida na esfera da instância monocrática: 1 É certo que tanto a decisão que defere o pedido de redirecionamento do executivo fiscal quanto a que determina a penhora em contas bancárias do responsável tributário são recorríveis, na forma e no prazo previstos na lei. Contudo, se há pretensão de suspensão do feito executivo ou de nãorealização das penhoras já ordenadas, em virtude de algum motivo suscitado pelo executado, tal pedido há de ser formulado ao juízo da execução. Nessa hipótese, mostra-se descabida a apresentação direta de agravo de instrumento ao respectivo tribunal, sob o fundamento de que a R. Dout. Jurisp. AM

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efetivação da penhora constitui ato lesivo ao direito da parte, tendo em vista que, além de caracterizar supressão de instância, inexiste decisão interlocutória passível de impugnação por meio de agravo de instrumento.? (STJ-1.ª Turma, REsp 754.435-PR, rel. Min. Denise Arruda, j. 08.04.2008, deram provimento parcial, unânime, DJ 28.04.2008, p. 1) 2 Se o julgador monocrático resolve diferir a análise de pedido de antecipação de tutela para momento processual – no seu modo de ver – mais adequado (postergando-a para depois da contestação), tal fato não conduz a prejuízo processual ao autor (agravante), pois a necessidade de contraditório e a eventual necessidade de instrução que preceda a possível decisão (positiva ou negativa) são temas que ao magistrado, destinatário das provas, cabe aquilatar. Por isso que não é possível manifestação desta Corte sobre o tema. Tal situação configuraria nítida supressão de instância, acarretando ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição. Tema não examinado pelo julgador primário não pode – 'per saltum' – ascender à Corte Revisora.? (AGTAG n.º 2007.01.00.050559-4/MG — Relator Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Convocado) — TRF/1.ª Região-7.ª Turma — Unânime — e-DJF1 02/5/2008 — pág. 230.)? (TRF-1.ª Região-7.ª Turma, AGAI 1

§ 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil. R. Dout. Jurisp. AM

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200901000321656, rel. Des. Catão Alves, j. 02.02.2010, negaram provimento, unânime, eDJF1 19.02.2010, p. 411) O agravo de instrumento não é via adequada para discussões de questões que ainda não foram devidamente deslindadas pelo juízo a quo, sob pena de supressão de grau de jurisdição. (TJDFT1.ª Turma Cível, Agravo de Instrumento 20000020050612-DF, rel. Des. Ana Maria Duarte Amarante, j. 12.03.2001, negaram provimento, unânime, DJ 06.06.2001, p. 16).

Em sua redação original, o § 9º, do art. 42, da Constituição 2 Federal , determinava que caberia à lei dispor sobre os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do servidor militar para a inatividade. Essa regra claramente excluía os servidores militares do regime jurídico de aposentadoria conferido aos servidores públicos civis pela redação primitiva do art. 40, da Carta Magna, salvo no tocante à isonomia estipendiária atribuída aos servidores ativos, pensionistas e servidores em atividade. A ressalva constava

expressamente do § 10, do art. 42, da Constituição Federal. Com o surgimento da Emenda Constitucional 18/98, o art. 42, da Constituição Federal passou a tratar apenas dos militares estaduais e do Distrito Federal. O § 1.º, daquele dispositivo, com redação dada pela Emenda Constitucional 18/98, ao se referir expressamente à nova redação dada, pela mesma emenda, ao art. 142, § 3º, X, da Constituição Federal, estabeleceu que caberia à lei estadual específica dispor sobre o ingresso na Corporação, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a 2

§ 9.º A lei disporá sobre os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do servidor militar para a inatividade. R. Dout. Jurisp. AM

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inatividade, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. O art. 142, § 3º, X, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 18/98 pertencia ao Capítulo II (Das Forças Armadas), do Título V (Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas), da Carta Federal. Portanto, a Emenda Constitucional 18/98 reafirmou que os militares estaduais e federais continuavam excluídos do regime jurídico de aposentadoria dispensado aos servidores civis. Persistiu, como exceção, a isonomia estipendiária atribuída aos servidores ativos, pensionistas e servidores em atividade (Constituição Federal, art.42, § 2.º, com

redação dada pela Emenda Constitucional 18/98; art. 142, § 3.º, IX, com redação dada pela Emenda Constitucional 18/98). A Emenda Constitucional 20/98, embora alterasse a redação do § 1º, do art. 42, da Constituição Federal, reafirmou que caberia à lei estadual específica dispor sobre o ingresso na 3

§ 10 - Aplica-se aos servidores a que se refere este artigo, e a seus pensionistas, o disposto no art. 40, §§ 4º e 5º. 4 § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8.º; do art. 40, § 3.º; e do art. 142, §§ 2.º e 3.º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, 3.º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos Governadores. (redação dada pela Emenda Constitucional 18/98). 5 X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (incluído pela Emenda Constitucional 18/98). R. Dout. Jurisp. AM

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Corporação, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. Em outras palavras, repetiu a referência ao art. 142, § 3.º, X, da Carta Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 18/98. Uma vez que a Emenda Constitucional 20/98 havia passado as regras sobre a isonomia estipendiária entre servidores inativos, pensionistas e aposentados para os §§ 7.º e 8.º, do art. 40, da Carta Federal, também alterou o § 2º, do art. 42 e o inciso IX, do § 3º, do art. 142, de molde a assegurar que a mesma seguisse aplicável aos militares estaduais e federais. Como a Emenda Constitucional 41/2003 extinguiu a isonomia estipendiária entre servidores inativos, pensionistas e aposentados, tratou de alterar o § 2.º, do art. 42 e de revogar o

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§ 2.º Aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e a seus pensionistas, aplica-se o disposto no art. 40, §§ 4º e 5º; e aos militares do Distrito Federal e dos Territórios, o disposto no art. 40, § 6º. (redação dada pela Emenda Constitucional 18/98). 7 IX - aplica-se aos militares e a seus pensionistas o disposto no art. 40, §§ 4º, 5º e 6º; (incluído pela Emenda Constitucional 18/98). 8 § 1.º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8.º; do art. 40, § 9.º; e do art. 142, §§ 2.º e 3.º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3.º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (redação dada pela Emenda Constitucional 20/98) R. Dout. Jurisp. AM

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inciso IX, do art. 142, todos da Constituição Federal. Atualmente, cabe à lei específica dos Estados e do Distrito Federal dispor sobre os pensionistas de seus servidores militares (Carta Federal, art. 42, § 2.º, com redação dada pela Emenda Constitucional 41/2003). Observa-se, portanto, que, a despeito das sucessivas alterações sofridas pelos arts. 42 e 142, da Carta Federal, seguiu inalterada a regra de que à lei específica incumbe dispor sobre as condições de

transferência do militar para a inatividade. No âmbito do Estado do Amazonas, as regras sobre a inatividade dos militares era 9

§ 7º Lei disporá sobre a concessão do benefício da pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de seu falecimento, observado o disposto no § 3º. (incluído pela Emenda Constitucional 20/98) § 8º Observado o disposto no art. 37, XI, os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei. (incluído pela Emenda Constitucional 20/98) 10 § 2.º Aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e a seus pensionistas, aplica-se o disposto no art. 40, §§ 7º e 8º. (redação dada pela Emenda Constitucional 20/98) 11 IX - aplica-se aos militares e a seus pensionistas o disposto no art. 40, §§ 7.º e 8.º; (redação dada pela Emenda Constitucional 20/98) 12 § 2.º Aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente estatal. (redação dada pela Emenda Constitucional 41/2003). 13 Art. 10. Revogam-se o inciso IX do § 3.º do art. 142 da Constituição Federal, bem como os arts. 8.º e 10 da Emenda Constitucional n.º 20, de 15 de dezembro de 1998. R. Dout. Jurisp. AM

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disciplinada pela Lei Estadual nº 1.154/75. Ocorre que o Estado do Amazonas, provocado pela Emenda Constitucional 20/98, ao dispor sobre o seu regime próprio de previdência social (RPPS), por meio da Lei Complementar Estadual 30/2001, aparentemente sem enxergar que o regime jurídico de inatividade dos servidores militares não havia sido alterado pela referida emenda constitucional, findou por revogar as regras da Lei Estadual nº 1.154/75 que dispunham sobre a matéria (Lei nº 1.154/75, arts. 88, 89, 90, 93 a 99, 101 e 102). A falha fez com que, temporariamente, o regime jurídico de aposentadoria com base no tempo de contribuição, imposto aos servidores civis pela Emenda Constitucional 20/98, passasse a ser aplicado, também, aos militares estaduais, embora lhes tivesse sido assegurada redução do tempo de contribuição para fins de aposentadoria voluntária, semelhante àquela atribuída aos professores, e redução do limite de idade para fins de aposentadoria compulsória (Lei Complementar Estadual nº 30/2001, arts. 25 a 27). Percebendo o equívoco, o Estado do Amazonas, por intermédio da Lei Complementar Estadual nº 43/2005, restaurou as regras da Lei Estadual nº 1.154/75 que tratavam da inatividade dos militares estaduais, indevidamente revogadas. 14

Art. 122. Ficam revogados as Leis nos 201, de 03 de maio de 1965, 1.064, de 14 de dezembro de 1972, 1.543, de 16 de agosto de 1982, 1.705, de 02 de outubro de 1985, 2.017, de 04 de janeiro de 1991, 2.537, de 26 de maio de 1999, os arts. 88, 89, 90, 93 a 99, 101 e 102 da Lei nº 1.154, de 09 de dezembro de 1975, o inciso IX do art. 7.º e os arts. 293 a 296 e 321 a 324, da Lei Complementar n.º 11, de 17 de dezembro de 1993, o art. 129 da Lei n.º 1.639, de 30 de dezembro de 1983, os arts. 151, 68 a 71, 73, 111, 112, 131 a 143 e 210 da Lei nº 1.762, de 14 de novembro de 1986, os art. 132 a 144 da Lei nº 1.778, de 8 de janeiro de 1987, o art. 25 da Lei n.º 2.531, de 16 de abril de 1999, o art. 2.º da Lei n.º 2.543, de 25 de junho de 1999 e a Lei nº 2.633, de 08 de janeiro de 2001, e as demais disposições em contrário. R. Dout. Jurisp. AM

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Os agravados impetraram mandado de segurança (fls. 27/48) para impedir a sua transferência ex officio para a reserva remunerada com base no art. 90, II, da Lei Estadual nº 1.154/75. Alegaram, resumidamente, que não contavam tempo de efetivo serviço suficiente; que a aposentadoria compulsória somente se aplicava quando o servidor completasse 70 (setenta) anos de idade; que o art. 90, II, da Lei Estadual nº 1.154/75 previu transferência ex officio para a reserva remunerada quando o oficial PM completasse 7 (sete) anos no último posto, ou seja, não foi restaurada a redação dada àquele dispositivo pela Lei Complementar Estadual nº 16/96. Ora, tendo em vista que o mandamus foi impetrado em 26.05.2008, e que o menor tempo de efetivo serviço alegado na inicial (fl. 25) era de 28 (vinte e oito) anos e 3 (três) meses, não há dúvida de que todos os impetrantes excederam 30 (trinta) anos de efetivo serviço. Conforme demonstrado acima, a aposentadoria compulsória aos 70 15

Art. 25. Os Policiais Militares, inclusive do Corpo de Bombeiros, farão jus às reduções de que trata o artigo 21, desde que comprovem ter trabalhado durante todo o tempo de contribuição em atividade no serviço público. Art. 26. O oficial militar será aposentado compulsoriamente aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade; a dos demais militares aos 55 (cinquenta e cinco) anos de idade. Parágrafo único. A aposentadoria compulsória de que trata este artigo terá proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Art. 27. O benefício da promoção post mortem de que tratam os §§ 13 e 14 do art. 113 da Constituição Estadual será custeado com recursos específicos correndo à conta de dotação própria do Estado. 16 Art. 3.º Com efeitos à data de vigência da Lei Complementar n.º 30, de 27 de dezembro de 2001, ficam restabelecidos os artigos 68 a 70 da Lei nº 1.762, de 14 de novembro de 1986 e os artigos 88, 89, 90, 93 a 99, 101 e 102 da Lei nº 1.154, de 09 de dezembro de 1975. R. Dout. Jurisp. AM

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(setenta) anos de idade não se aplica aos servidores militares. À lei estadual específica incumbe dispor sobre as condições de

transferência do militar para inatividade (Constituição Federal, arts. 42, § 1º, com redação dada pela Emenda Constitucional 20/98, e 142, § 3º, X, com redação dada pela Emenda Constitucional 18/98). Nesse sentido: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE S E G U R A N Ç A . M I L I TA R E S TA D U A L . TRANSFERÊNCIA PARA A INATIVIDADE. MATÉRIA REGULADA POR LEI ESTADUAL ESPECÍFICA, CONFORME O DISPOSTO NOS ARTIGOS 42, § 1º, E 142, § 3º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR N.º 16/96 DO ESTADO DO AMAZONAS. INCIDÊNCIA. 1 Conforme dispõe a Constituição Federal em seus artigos 42, § 1.º, e 142, § 3.º, inciso X, cabe a Lei Estadual específica dispor sobre a transferência do militar para a inatividade. 2 O Estado do Amazonas editou a Lei Estadual n.º 1.154/75 (Estatuto dos Policiais Militares), cujo artigo 90, com redação dada pela Lei Complementar n.º 16/96, determina que “A transferência 'ex-offício' para a reserva remunerada, verificar-se-á sempre que o policialmilitar incidir nos seguintes casos: [...] II Completar o Policial Militar 30 (trinta) anos de efetivo serviço. 3 Na hipótese, tendo o Recorrente atingido o tempo de serviço previsto na lei de regência (30 R. Dout. Jurisp. AM

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anos), que tem respaldo constitucional, não prevalece a pretensão de que a autoridade coatora o reintegre e se abstenha de aposentá-lo, sob o argumento de que deve ser observado o limite de 70 (setenta) anos de idade previsto para a aposentadoria compulsória. 4 Recurso desprovido. (STJ-5.ª Turma, RMS 27.555-AM, rel. Min. Laurita Vaz, j. 28.10.2008, negaram provimento, unânime, DJE 17.11.2008).

Uma vez que a redação dada ao art. 90, II, da Lei Estadual nº 1.154/75 havia sido alterada pela Lei Complementar Estadual nº 16/96, não há dúvida de que a redação revogada pelo art. 122, da Lei Complementar Estadual nº 30/2001 e restaurada pela Lei Complementar Estadual nº 43/2005 somente poderia ser aquela. Com o lastro das razões acima fincadas, ao reconhecer, em sumária cognição, que procedem as alegações do agravante, e que os agravados não contam com o apoio do fumus boni juris, defiro o efeito suspensivo (CPC, art. 527, III, com redação dada pela Lei nº 10.352/2001). Intimem-se os agravados para responder e juntar a documentação que considerar oportuna (CPC, art. 527, V, com redação dada pela Lei nº 11.187/2005). Comunique-se ao juízo a quo.

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Art. 90. A transferência “ex-offício” para a reserva remunerada, verificar-seá sempre que o policial-militar incidir nos seguintes casos: [...]

II - Completar o Policial Militar 30 (trinta) anos de efetivo serviço; (redação dada pela Lei Complementar Estadual nº 16/96) R. Dout. Jurisp. AM

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Des. LUIZ WILSON BARROSO Relator

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2010.003722-8 SEGUNDA CÂMARA CÍVEL APELANTE: AMY CHAUVIN GONÇALVES DE OLIVEIRA APELADO: ESTADO DO AMAZONAS APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR FORMALMENTE REGULAR. APLICAÇÃO DA SANÇÃO DEMISSÓRIA À SERVIDORA PÚBLICA COM MAIS DE 20 ANOS DE SERVIÇO, SOB O FUNDAMENTO DE ABANDONO DE CARGO. ART. 161, II DA LEI 1,762/86. INOBSERVÂNCIA DA REGRA DE OURO DA PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE ANTECEDENTES FUNCIONAIS DESFAVORÁVEIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1 Embora as sanções administrativas disciplinares aplicáveis ao Servidor Público sejam legalmente fixadas em razão da própria infração - e não entre um mínimo e máximo de pena, como ocorre na seara criminal - não está a Administração isenta da demonstração da proporcionalidade da medida (adequação entre a infração e a sanção), eis que deverá observar os parâmetros do art. 128 da Lei nº 8.112/90 (natureza e gravidade da infração, danos dela decorrentes e suportados pelo Serviço Público, circunstâncias agravantes e atenuantes e ainda os antecedentes funcionais); 2 Assim, incide em ilegalidade o ato demissório do Servidor Público que ostenta mais de 20 anos ininterruptos de serviço sem qualquer punição R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas administrativa, dando-se à sua ausência ao trabalho por mais de 30 dias, o valor de abandono de cargo, punível com a demissão as sanções disciplinares não se aplicam de forma discricionária ou automática, senão vinculadas às normas e sobretudo aos princípios que regem e norteiam a atividade punitiva no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar ou Sancionador; 3 No exercício da atividade punitiva a Administração pratica atos materialmente jurisdicionais, por isso que se submete à observância obrigatória de todas as garantias subjetivas consagradas no Processo Penal contemporâneo, onde não encontram abrigo as posturas autoritárias, arbitrárias ou desvinculadas dos valores da cultura; 4 Recurso conhecido e provido para reformando a sentença, determinar a reintegração da Servidora ao cargo de Agente Fazendária, com o ressarcimento de todos os seus direitos, inclusive vencimentos e cômputo do tempo de serviço, desde a data da edição do ato demissório, face a flagrante ilegalidade do ato demissório, sem prejuízo da aplicação de outra sanção administrativa, observado o devido processo legal.

ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Cível, acordam os integrantes da Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, à unanimidade e, em desarmonia com o Parecer Ministerial, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para reformando a sentença recorrida, anular o ato administrativo demissório e reintegrar Apelante, nos termos do voto do Relator, que passa a integrar o julgado. R. Dout. Jurisp. AM

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Publique-se. Sala das sessões da Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, aos dias do mês de setembro de 2011. Desdor. Presidente Desdor. Relator Dr. Procurador de Justiça RELATÓRIO Tratam os autos de Recurso de Apelação Cível, interposta em face de sentença que julgou improcedente os pedidos constantes da inicial, mantendo o ato demissional da autora, ora recorrente, que lhe afastou do serviço público por abandono de cargo. Condenando-a, ainda, a pagar as custas do processo e honorários do Procurador do Estado, arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais). Nos autos, a autora da ação, ora apelante, requereu a sua reintegração ao cargo de Agente de Arrecadação da SEFAZ, do qual foi demitida por abandono do serviço por mais de 30 (trinta) dias. Aduziu que se ausentou para viajar à Fortaleza com intuito de adotar uma criança. Tendo, no entanto, obtido autorização do seu superior imediato e antecipado as suas férias. O requerido, ora apelado, alegou que por meio de processo administrativo, encaminhado a SEAD, apurou que a apelante faltou o serviço durante todo o mês de janeiro de 2001, R. Dout. Jurisp. AM

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porém o processo não teve seguimento, pois a mesma veio a reassumir as suas funções, com a complacência da administração. Embora já tenha apresentado o mesmo comportamento em outra oportunidade (03/06/2000 a 31/07/200), ocasião em que apresentou comprovante de licença médica. Diz, ainda, que o processo que deu origem a demissão da apelante originou-se da SEFAZ com o número 03.419/02-2 SEFAZ e depois, encaminhado à SEAD, tomando o nº 856/2002-SEAD, onde houve a comunicação de que a autora faltou de 28/11/2001 a 31/12/2001 e no mês seguinte, usufruiu de um período de férias regulamentares (02/01/2002 a 31/01/2002), não mais retornando ao serviço. A justificativa da apelante para a sua ausência, sempre foi a de ter sido autorizada pelo seu superior imediato, sem, no entanto, comprovar nos autos essa autorização. Com relação a licença especial, afirmada pela requerente/apelante, não consta nos autos pedido neste sentido. Sentença às fls. 384/387, na qual o MM. Juiz julgou improcedente a ação, mantendo o ato demissional da autora, ora recorrente, que lhe afastou do serviço público por abandono de cargo. Condenando-a, ainda, a pagar as custas do processo e honorários do Procurador do Estado, arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais). Razões de Apelação às fls. 393 a 405, nas quais a apelante aduz que desejando adotar uma criança, solicitou antecipação de férias para o mês de fevereiro de 2001, havendo concordância. No entanto, estava lotada no Município de Coari, o que ocasionou atraso em seu pedido através de memorando, o que culminou com lançamento de 15 (quinze) dias de faltas. O erro praticado pela Agência da Fazenda do Município de Coari, terminou por causar prejuízo a apelante, pois foi instaurado inquérito administrativo. R. Dout. Jurisp. AM

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Afirma que se ausentou com autorização do seu superior imediato para dar prosseguimento ao processo de adoção, ocasião em que solicitou licença pelo prazo de 120 (cento e vinte dias), que posteriormente foi negada, apesar de ter sido acertado previamente que o seu direito seria respeitado. A apelante afirma que, conforme as provas carreadas aos autos, jamais teve a intenção de abandonar o emprego, inclusive considerando que possuía mais de 20 (vinte) anos de trabalho. No pedido, requer o provimento à apelação com escopo de total reforma da sentença, para tornar nulo o processo administrativo, para ser a apelante reintegrada no cargo, função e lotação que exercia na época da sua demissão, restabelecendo-se ao estado em que se encontrava antes, para que os efeitos da decretação de nulidade se operem ex tunc, ou seja, retroaja às suas origens. Requer, ainda, a condenação do apelado em custas e honorários em 20% ao valor da causa. Contrarrazões às fls. 408 a 421, nas quais o apelado ressalta que o ato que se pretende invalidar, foi regular e o processo que deu origem à demissão da ex-funcionária, não se relaciona com os fatos narrados nos autos. Esclarece que o pedido de licença maternidade, por adoção, foi negado e que entre 28/11/2001 a 31/12/2001 e ressalta que no mês de janeiro seguinte a apelante usufruiu de férias e não mais retornou ao serviço. Além disso, o pedido de licença maternidade, apontado pela apelante, em virtude de adoção de menor de idade, foi negado pela junta médica do Estado e foi disponibilizado para ciência da mesma. Ressalta que não cabe ao Poder Judiciário o julgamento acerca da conveniência e oportunidade de um ato, que não configurou qualquer mácula formal ou cerceamento de defesa, razão pela qual, requer de logo, o improvimento do recurso interposto. Frisa que não pode ser dado provimento ao recurso, R. Dout. Jurisp. AM

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também por falta de provas a demonstrar suficientemente a ilegalidade arguída pela apelante, tornando inócuo os seus argumentos. No pedido requer, sejam recebidas as presentes contrarrazões, pugnando pela negativa de provimento à apelação, mantendo-se a sentença em sua integralidade. Manifestação Ministerial às fls. 428 a 436, na qual considerou configurado o abandono de cargo pela apelante, devendo ser mantida a decisão administrativa que determinou a sua demissão. Por esse motivo, pugnou o Agente Ministerial pelo conhecimento e improvimento do Recurso de Apelação, mantendo-se na íntegra a sentença proferida pelo juízo a quo. Recebidos e conclusos. Feito devidamente instruído, trago a julgamento. VOTO O recurso prospera. Da análise dos autos e dos documentos acostados verifico que o feito merece acolhida, uma vez que, não observado pela Administração Pública, regra de ouro do sistema pátrio, ou seja, da proporcionalidade. No que concerne a alegação de ausência de prova do abandono, passo a sua análise. Dispõe a Lei nº 1.762/86: Art. 161 – A pena de demissão será aplicada nos casos de: [...] II – Abandono de cargo; [...] R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas § 1. Considera-se abandono de cargo a ausência ao serviço, sem justa causa, por mais de trinta dias consecutivos.

Da leitura dos dispositivos, constata-se que para a caracterização do abandono de cargo é necessário o preenchimento de dois requisitos, quais sejam: ocorrência de faltas injustificadas no período de 30 dias consecutivos, bem como a demonstração do animus específico de abandonar o cargo. Nesse mesmo sentido, os julgados do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR PÚBLICO. ABANDONO DE CARGO MOTIVADO POR QUADRO DE DEPRESSÃO. ANIMUS ABANDONANDI. NÃO-CONFIGURAÇÃO. I - É entendimento firmado no âmbito desta e. Corte que, para a tipificação da infração administrativa de abandono de cargo, punível com demissão, fazse necessário investigar a intenção deliberada do servidor de abandonar o cargo. II - Os problemas de saúde da recorrente (depressão) ocasionados pela traumática experiência de ter um membro familiar em quadro de dependência química, e as sucessivas licenças médicas concedidas, embora não comunicadas à Administração, afastam a presença do animus abandonandi. Recurso ordinário provido (RMS 21.392/PR, 5T, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 3.3.2008). ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DO ANIMUS R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas ABANDONANDI. 1. É imprescindível para a tipificação da infração administrativa de abandono de cargo, punível com a demissão, o animus abandonandi, consoante precedente da 3ª Seção desta Corte. 2. Assevere-se que, no caso em tela, o animus de abandonar o cargo restou afastado pelo Tribunal a quo após uma percuciente análise dos fatos e provas carreados aos autos, motivo pelo qual impôs a reintegração do servidor. Nesse contexto, fica vedado o reexame da questão na via do recurso especial pela incidência da Súmula n.º 7 desta Corte. 3. Recurso especial não conhecido (REsp. 501.716/DF, 5T, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU de 17.11.2003, p. 360). 15. No presente caso, o requisito objetivo encontra-se devidamente comprovado, não tendo, inclusive, a parte se insurgido contra a sua ocorrência.

No que concerne ao requisito subjetivo, a Impetrante afasta veementemente a sua intenção direta de abandonar o cargo que ocupa há mais de 20 anos, justificando sua ausência no fato de ter se deslocado a cidade de Fortaleza para procedimento de adoção de menor, tendo, no entanto, procedido pedido de licença médica que foi negada e mais, pedido de licença para interesse particular. Argumenta mais, que seu obteve autorização direta de seu superior hierárquico, sendo que, não conseguiu comprovar tal fato em processo administrativo disciplinar. Sendo certo que o ônus da prova cabe a quem alega. Passo a análise da sanção aplicada. No que concerne a sanção, a meu sentir fere, esta fere de forma gritante a razoabilidade. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as penas aplicadas aos servidores no âmbito dos processos administrativos devem obedecer a R. Dout. Jurisp. AM

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proporcionalidade, regra de ouro do Estado Democrático de Direito. Salienta o Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra da Napoleão Nunes Maia Filho que não se deve perder de vista que, embora as sanções administrativas disciplinares aplicáveis ao Servidor Público sejam legalmente fixadas em razão da própria infração - e não entre um mínimo e máximo de pena, como ocorre na seara criminal não está a Administração isenta da demonstração da proporcionalidade da medida (adequação entre a infração e a sanção), eis que deverá observar os parâmetros do art. 128 da Lei nº 8.112/90 (natureza e gravidade da infração, danos dela decorrentes e suportados pelo Serviço Público, circunstâncias agravantes e atenuantes e ainda os antecedentes funcionais).

A corroborar esse entendimento, trago a colação julgados do Superior Tribunal de Justiça: MS 13791 / DF MANDADO DE SEGURANÇA 2008/0192543-9 Relator(a) Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133) Órgão Julgador S3 TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 13/04/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 2 5 / 0 4 / 2 0 11 E m e n t a M A N D A D O D E SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. REVELIA. N O M E A Ç Ã O D E D E F E N S O R D AT I V O . PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR FORMALMENTE REGULAR. APLICAÇÃO DA R. Dout. Jurisp. AM

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SANÇÃO DEMISSÓRIA À SERVIDORA PÚBLICA COM MAIS DE 30 ANOS DE SERVIÇO, SOB O FUNDAMENTO DE ABANDONO DE CARGO. ART. 132, II DA LEI Nº 8.112/90. INOBSERVÂNCIA D A R E G R A D E O U R O D A PROPORCIONALIDADE. ANTECEDENTES FUNCIONAIS FAVORÁVEIS. ART. 128 DA LEI Nº 8 . 11 2 / 9 0 . O R D E M C O N C E D I D A E M C O N F O R M I D A D E C O M O PA R E C E R MINISTERIAL. 1. Com a edição da Súmula Vinculante 5, do colendo STF, não há mais que se falar em indispensabilidade, no Procedimento Administrativo Disciplinar, de que a defesa do indiciado seja necessariamente realizada por Advogado, ou que, na ausência deste, a Administração esteja obrigada a nomear-lhe Defensor Dativo. 2. Embora não seja indispensável a atuação de Advogado no PAD, uma vez que a própria lei prevê a manifestação pessoal do Servidor, à toda evidência, não se exclui a necessidade de efetiva defesa, como decorrência, inclusive, do princípio do devido processo legal; a ausência de Defensor constituído no decorrer da instrução do Processo Administrativo Disciplinar não importa, necessariamente, em sua nulidade, desde que tenha sido oportunizada e efetivamente exercida a defesa do indiciado, ainda que pessoalmente. 3. In casu, porém, a Impetrante foi citada por edital para acompanhar o procedimento, tendo sua procuradora, não Advogada, comparecido espontaneamente à Comissão, oportunidade em que foi inquirida sobre os fatos alegados sem, contudo, apresentar justificativa para as faltas. Em face de revelia da Servidora, foi regularmente R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas designado Defensor Dativo para exercer sua defesa, tendo este oportunamente apresentado defesa escrita. 4. O procedimento sumário, previsto pelo art. 133 da Lei nº 8.112/90 para a apuração de abandono de cargo, prevê que a Comissão Processante será composta por 2 Servidores estáveis, afastando, assim, a aplicação do art. 149 da Lei nº 8.112/90 (que impõe que a Comissão Processante será composta por 3 Servidores estáveis). 5. Embora as sanções administrativas disciplinares aplicáveis ao Servidor Público sejam legalmente fixadas em razão da própria infração - e não entre um mínimo e máximo de pena, como ocorre na seara criminal não está a Administração isenta da demonstração da proporcionalidade da medida (adequação entre a infração e a sanção), eis que deverá observar os parâmetros do art. 128 da Lei nº 8.112/90 (natureza e gravidade da infração, danos dela decorrentes e suportados pelo Serviço Público, circunstâncias agravantes e atenuantes e ainda os antecedentes funcionais). 6. Assim, incide em ilegalidade o ato demissório do Servidor Público que ostenta mais de 30 anos ininterruptos de serviço sem qualquer punição administrativa, dando-se à sua ausência ao trabalho por 42 dias (de 23.7.2007 a 3.9.2007) o valor de abandono de cargo, punível com a demissão (art. 132, II da Lei nº 8.112/90); as sanções disciplinares não se aplicam de forma discricionária ou automática, senão vinculadas às normas e sobretudo aos princípios que regem e norteiam a atividade punitiva no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar ou Sancionador. 7. No exercício da atividade punitiva a Administração pratica atos materialmente jurisdicionais, por isso R. Dout. Jurisp. AM

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que se submete à observância obrigatória de todas as garantias subjetivas consagradas no Processo Penal contemporâneo, onde não encontram abrigo as posturas autoritárias, arbitrárias ou desvinculadas dos valores da cultura. 8. Ordem concedida para reintegrar a Servidora no cargo de Agente Administrativo do Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde/GO, com o ressarcimento de todos os seus direitos, inclusive vencimentos e cômputo do tempo de serviço, desde a data da edição do ato demissório (Portaria 776/GM, de 24.4.2008, publicada no DOU 79, de 25.4.2008), sem prejuízo da aplicação de outra sanção administrativa, observado o devido processo legal. DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADO DE POLÍCIA. DEMISSÃO. UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO ROUBADO. CRIME DE RECEPTAÇÃO E UTILIZAÇÃO DOLOSA DO VEÍCULO NÃO C O M P R O VA D O S . P R I N C Í P I O D A PROPORCIONALIDADE. APLICAÇÃO. I N D E F E R I M E N TO D E P R O VA S . CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃOOCORRÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É firme o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que somente se declara nulidade de processo administrativo quando for evidente o prejuízo à defesa. Precedentes. 2. O indeferimento motivado de produção de provas, mormente quando se mostram dispensáveis diante do conjunto probatório, não enseja cerceamento de defesa. 3. Na aplicação de penalidade, deve a R. Dout. Jurisp. AM

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Administração observar o princípio da proporcionalidade em sentido amplo: “exigência de adequação da medida restritiva ao fim ditado pela própria lei; necessidade da restrição para garantir a efetividade do direito e a proporcionalidade em sentido estrito, pela qual se pondera a relação entre a carga de restrição e o resultado” (Suzana de Toledo Barros). 4. Hipótese em que se mostra desproporcional a aplicação da pena de demissão ao recorrente, Delegado de Polícia do Estado de São Paulo com mais de dezesseis anos de serviço e sem antecedentes disciplinares, por ter sido flagrado dirigindo veículo anteriormente roubado, sem que restasse comprovada no processo administrativo disciplinar a que foi submetido a prática do crime de receptação de que foi acusado ou o dolo na utilização do veículo. 5. Recurso ordinário parcialmente provido para anular a portaria de demissão e determinar a reintegração do recorrente ao cargo público, ressalvada à Administração a aplicação de penalidade de menor gravidade, pelos ilícitos administrativos já apurados, se for o caso (RMS 23.143/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 19.5.2008). MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO A D M I N I S T R AT I V O D I S C I P L I N A R . IRREGULARIDADES FORMAIS. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. OCORRÊNCIA. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Não enseja nulidade do Processo Administrativo Disciplinar o simples fato de sua instauração ser motivada por fita de vídeo encaminhada

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anonimamente à autoridade pública, vez que esta, ao ter ciência de irregularidade no serviço, é obrigada a promover sua apuração. 2. Não configura prova ilícita gravação feita em espaço público, no caso, rodovia federal, tendo em vista a inexistência de "situação de intimidade" (HC 87.341/PR, Rel. Min. EROS GRAU, DJU 03.03.2006). 3. O contraditório na prova pericial se desenvolve por meio da apresentação de quesitos, não havendo disposição legal que assegure às partes o acompanhamento direto da elaboração do laudo pericial. Art. 156 da Lei nº 8.112/90. 4. A infração funcional consistente em recebimento de vantagem econômica indevida, e de resto todas as infrações que possam levar à penalidade de demissão, deve ser respaldada em prova convincente, sob pena de comprometimento da razoabilidade e proporcionalidade. Segurança concedida (MS 12.429/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJU 29.06.2007).

ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. NULIDADES DE ORDEM F O R M A L A F A S T A D A S . DESPROPORCIONALIDADE DA SANÇÃO. OCORRÊNCIA. PRECEDENTE ESPECÍFICO. 1. A autoridade administrativa, ciente da prática de qualquer irregularidade no serviço público, deve, de ofício, por mandamento legal, determinar a apuração dos fatos imediatamente, assegurada ao acusado a ampla defesa. Inteligência do art. 143 da Lei nº 8.112/90. 2. A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem estar dirigida, desde logo, à aplicação de sanção, R. Dout. Jurisp. AM

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prescinde da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar, ainda sem a presença obrigatória de acusados. 3. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica em afirmar que o excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não conduz à nulidade deste. 4. O mandado de segurança somente se viabiliza quando o alegado direito Líquido e certo, que se visa proteger, vier comprovado de plano, aferindo-se sua existência apenas com as provas trazidas com a impetração, nos limites do procedimento sumário, característico dos remédios constitucionais. 5. A autoridade julgadora pode acatar o parecer de sua Consultoria Jurídica, servindo aquele como elemento integrante do ato demissionário, sem que isso vicie o procedimento administrativo. 6. A punição administrativa há de se nortear, porém, segundo o princípio da proporcionalidade, não se ajustando à espécie a pena de demissão, ante a insignificância da conduta do agente, consideradas as peculiaridades verificadas (MS 10.827/DF, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 6/2/2006). 7. Ordem parcialmente concedida (MS 10.828/DF Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJU 02.10.2006). ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. EMISSÃO IRREGULAR DE PORTE DE ARMA. PENA. SUGESTÃO DA COMISSÃO DE INQUÉRITO. AGRAVAMENTO R. Dout. Jurisp. AM

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D E S F U N D A M E N TA D O . P R I N C Í P I O D A PROPORCIONALIDADE. 1. Constando do ato de indiciamento a precisa descrição dos fatos imputados ao servidor, não tem procedência a alegação de nulidade do processo porque punido por falta diversa, pois a defesa é exercitada contra os fatos imputados e não contra a eventual definição jurídica. 2. A autoridade administrativa competente, ao efetuar o julgamento dos fatos apurados em processo administrativo disciplinar, não está vinculada às conclusões do parecer da Comissão de Inquérito, podendo aplicar sanção diversa da sugerida, mesmo mais severa, desde que adequadamente fundamentada. E ao afastarse do sugerido no parecer, deve especificar os pontos em que o mesmo se dissocia das provas colhidas no procedimento, de modo a demonstrar a necessidade de agravamento da sanção disciplinar, na linha do comando expresso no art. 168, da Lei nº 8.112, de 1990. 3. Na imposição de pena disciplinar, deve a autoridade observar o princípio da proporcionalidade, pondo em confronto a gravidade da falta, o dano causado ao serviço público, o grau de responsabilidade de servidor e os seus antecedentes funcionais de modo a demonstrar a justeza da sanção. 4. Segurança concedida (MS 8.106/DF Rel. Min. VICENTE LEAL, DJU 28.10.2002). A D M I N I S T R AT I V O – M A N D A D O D E SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO – DEMISSÃO – PRELIMINAR DE CARÊNCIA DA AÇÃO AFASTADA – PRÁTICA DE USURA NÃO C O M P R O VA D A – P R I N C Í P I O D A PROPORCIONALIDADE – NÃO OBSERVÂNCIA R. Dout. Jurisp. AM

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– ILEGALIDADE – CONCESSÃO. 1. Visa a via mandamental a proteger direito, individual ou coletivo, líquido e certo, de lesão ou ameaça de lesão por ato da autoridade. Conforme se depreende dos autos, a pena imposta ao impetrante, bem como uma decisão judicial desta Corte Superior de Uniformização Infraconstitucional, idêntica ao presente caso, com certeza, são hábeis a sustentar esta impetração. Preliminar de carência rejeitada. 2. No mérito, deve a autoridade competente, na aplicação da penalidade, em respeito ao princípio da proporcionalidade (devida correlação na qualidade e quantidade da sanção, com a grandeza da falta e o grau de responsabilidade do servidor), observar as normas contidas no ordenamento jurídico próprio, verificando a natureza da infração, os danos para o serviço público, as circunstâncias atenuantes ou agravantes e os antecedentes funcionais do servidor. Inteligência do art. 128, da Lei nº 8.112/90. Assim, não havendo prova da prática de usura, bem como da utilização de recursos materiais da repartição, não há como manter a aplicação de tal penalidade. 3. Ademais registro que, por se tratar de demissão, pena capital aplicada a um servidor público, a afronta ao princípio supracitado constitui desvio de finalidade por parte da Administração, tornando a sanção aplicada ilegal, sujeita a revisão pelo Poder Judiciário. Deve a dosagem da pena, também, atender ao princípio da individualização inserto na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XLVI), traduzindo-se na adequação da punição disciplinar à falta cometida. 4. Precedente da 3a. Seção (MS 6.663/DF). 5. Preliminar rejeitada e segurança R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas concedida para determinar que sejam anulados os atos que impuseram a pena de demissão ao impetrante, com a conseqüente reintegração do mesmo no cargo que ocupava, sem prejuízo de que, em nova e regular decisão, a Administração Pública aplique a penalidade adequada à infração administrativa. Os efeitos financeiros retroativos devem ser reclamados em via adequada, consoante Súmula 271/STF. 6. Custas ex lege. Sem honorários advocatícios a teor das Súmulas 512/STF e 105/STJ (MS 7.260/DF Ministro JORGE SCARTEZZINI DJU 26.08.2002).

Observo que no caso em comento, a ora Recorrente, guarda mais de vinte anos de serviço público como Agente Fazendária, não apresentando qualquer punição em sua ficha funcional, razão pela qual, parece desproporcional a pena de demissão ora aplicada. Neste contexto, incide em ilegalidade o ato demissório do Servidor que ostenta mais de 20 anos ininterruptos de serviço sem qualquer punição administrativa. Observa-se que as sanções disciplinares não podem ser aplicadas de forma discricionária ou automática, senão vinculadas às normas e sobretudo aos princípios que regem e norteiam a atividade punitiva no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar ou Sancionador. No exercício da atividade punitiva a Administração pratica atos materialmente jurisdicionais, por isso que se submete à observância obrigatória de todas as garantias subjetivas consagradas no Processo Penal contemporâneo, onde não encontram abrigo as posturas autoritárias, arbitrárias ou desvinculadas dos valores da cultura. Do exposto, conheço do recurso e, em desarmonia com o Parecer Ministerial, dou provimento para reformando a sentença recorrida, anular o ato demissório nulo por afronta a R. Dout. Jurisp. AM

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proporcionalidade e determinar a imediata reintegração da Servidora no cargo de Agente Fazendária, com o ressarcimento de todos os seus direitos, inclusive vencimentos e cômputo do tempo de serviço, desde a data da edição do ato demissório nulo, sem prejuízo da aplicação de outra sanção administrativa, observado o devido processo legal e a proporcionalidade. Por oportuno, inverto a sucumbência e condeno o Estado do Amazoans ao pagamento de custas e honorários na base de 10% sobre o montante da condenação a ser apurado em liquidação de sentença. É como voto. Manaus,

de setembro de 2011.

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AÇÃO PENAL Nº 2011.007170 - 4 MANAUS/AM (Tribunal Pleno) VOTO DIVERGENTE Ab initio, adoto o relatório do Exmo. Sr. Desdor. João Mauro Bessa. No que pese a forte argumentação despendida para o recebimento da denúncia em análise, ouso discordar e o faço pelas razões de fato e de direito que passarei a expor. Cumpre, ao divergir, iniciar saudando o Exmo Sr. Procurador Geral de Justiça que, instado pelo Tribunal de Contas quando do atraso na prestação das contas do denunciado, bem exerceu seu mister oferecendo a denúncia ora em discussão, sendo certo, no entanto, que a esta Corte cabe a imparcialidade de julgamento e a análise não só das condições da ação mas, da justa causa para processamento. Justa causa esta, que deve ser submetida a todos os princípios do direito processual penal moderno. Parto para a análise do caso concreto. Cuida-se, como já afirmado, de Denúncia em face de Prefeito pela suposta prática do crime descrito no art. 1º, inciso VI, do Decreto Lei nº. 201/67, que trago a colação: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos;

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Da análise dos autos e de tudo que deles consta, verifico inexistir justa causa a determinar o recebimento da Exordial Acusatória, uma vez que, não demonstrado na peça em análise o perigo ou dano da conduta perpetrada ao bem jurídico tutelado. É que, salvo melhor juízo, o crime descrito no inciso VI, art. 1º, do Decreto Lei nº 201/67, deve ser classificado como de perigo abstrato e que determina como condicio sine qua non para o recebimento da denúncia a demonstração de perigo ou lesão ao bem jurídico tutelado. Crimes de perigo abstrato são aqueles em que o legislador não define um resultado jurídico/naturalístico a ser alcançado, presumindo, pois, um perigo de dano apenas com a prática da conduta. Não há que se confundir com crimes de mera conduta onde não há a previsão de resultado naturalístico, diferentemente dos crimes materiais e formais que trazem resultado naturalístico expresso, uma vez que, o agente ao praticar a conduta apenas causa um resultado naturalístico. Crimes de perigo abstrato são aqueles que não há exigência de lesão a um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto, o que determina ofensa ao principio da lesividade a ser apurada no caso concreto. São tipos penais que descrevem apenas um comportamento, uma conduta, sem apontar um resultado específico como elemento expresso do injusto o que os aproxima do crime de mera conduta. Podemos citar como exemplo o crime de dirigir embriagado (Lei nº 9.503/97 “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”). O tipo penal não exige a lesão ou a morte de alguém, e também não prevê que seja demonstrado que alguém foi exposto a um risco concreto pelo veículo dirigido R. Dout. Jurisp. AM

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pelo condutor embriagado. Descreve apenas um comportamento e determina a aplicação da pena, independente do resultado. Impossível ainda, confundir resultado jurídico com resultado naturalístico, uma vez que o resultado naturalístico é a modificação no mundo dos fatos enquanto que o resultado jurídico é a modificação no mundo jurídico com a violação da norma. Somando-se ao já exposto, importante repisar que o conceito analítico de crime pelo finalismo clássico, trouxe como evolução do causalismo, o deslocamento do dolo e da culpa da CULPABILIDADE para o FATO TÍPICO, o que evidencia que para a existência de todo e qualquer conduta típica deverá haver, ab initio, o dolo ou a culpa. Desta feita, evoluindo-se em face do Direito Constitucional e o do Neoconstitucionalismo, passou o operador do direito a avaliar ainda no fato típico a três requisitos dentro do fato típico material: - valoração de conduta, valoração de resultado e imputação objetiva do resultado. Surge, portanto, a denominada Teoria Constitucional do Delito, que divide o fato típico em formal e material. Observe-se que o denominado fato típico formal (conduta + nexo + resultado), nada mais é do que a fato típico finalista, enquanto que o fato típico material (valoração de conduta/criar ou incrementar risco proibido + imputação objetiva do resultado + valoração de resultado/se o bem jurídico protegido sofreu lesão ou perigo de lesão relevante), sofre a influência do direito constitucional e de todos os princípios constitucionais/penais modernos, tais como o da intervenção mínima, ofensividade/lesividade, da subsidiariedade, da fragmentariedade, entre outros. Ainda, no dizer de Luiz Flávio Gomes: Na realidade, acolhendo-se o paradigma da ofensividade lastreado em todos os argumentos R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas até aqui expendidos, impõe-se a conclusão de que todos os delitos (todos os injustos penais) existem um resultado distinto do naturalismo, sendo certo que este último aparece (tão-somente) em alguns tipos penais (os materiais). Esse resultado outro não é senão o jurídico, que consiste precisamente na legao ou perigo de concreto de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Desvalor da ação e desvalor do resultado: ambos são imprescindíveis para a tipicidade penal. Toda concepção unilateral (que funda o injusto em um outro desvalor, isoladamente) deve ser refutada. Ambos são relevantes para a configuração da tipicidade em sentido material. Disso decorre que a tipicidade já não pode ser enfocada só em seu aspecto formal (subsunção do fato a letra da lei). Esse lado formal da tipicidade é necessário mas, insuficiente. A tipicidade, doravante, diante da exigência do resultado jurídico (lesão ou perigo de concreto de lesão), passa a contar também com esse requisito em seu aspecto material. Essa é a grande conquista que implica a teoria constitucionalista do delito.

Assim, observa-se que o princípio da ofensividade e da intervenção mínima vem inserto no FATO TÍPICO MATERIAL e, subdivide-se: SUBSIDIARIEDADE: A subsidiariedade norteia a intervenção em abstrato: ela determina que o Direito Penal deve ser a última ratio no controle dos fatos humanos indesejados. Assim, o Direito Penal só estaria legitimado a intervir em abstrato quando os demais ramos do direito fracassarem, ou seja, o Direito Penal só está legitimado a criar tipos penais R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas quando os demais ramos do Direito fracassassem.

Como bem disse o Prof. Paulo José da Costa Junior: “O Direito Penal é a derradeira trincheira no combate aos comportamentos humanos indesejados”. Assim, a FRAGMENTARIEDADE norteia a intervenção no caso concreto. A aplicação do Direito Penal está condicionada a relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. – Dai a necessidade de verificação da justa causa quando do recebimento das denúncias. É ainda da fragmentariedade que se extrai o princípio da insignificância, pois é nela que se verifica se a conduta foi capaz de causar lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. O princípio da intervenção mínima é a soma da subsidiariedade e da fragmentariedade. Desta feita, muito embora nos idos de 1967 fosse necessária apenas para o recebimento da denúncia a existência de indícios de autoria e de prova da materialidade, imprescindível após a Constituição de 1988 a análise prévia da tipicidade da conduta constituindo justa causa, face a todos os princípios constitucionais norteadores do direito penal moderno. Nos crimes de perigo abstrato tais como o em tela, ou ainda, o de dirigir sob a influência de álcool ou portar munição, o STF tem decidido que cabe ao Ministério Público, o denunciante, no momento de oferecimento da exordial, a demonstração do perigo concreto da conduta, sob pena do não fechamento do tipo penal. Indiscutível que os crimes de perigo abstrato são rechaçados não só pelo direito penal moderno, mas, principalmente, pelo direito constitucional por violação de seus princípios, valendo segundo o STF a avaliação no caso concreto, com a demonstração da lesividade/ofensividade da conduta no momento da apresentação da denúncia. Como leanding case dessa nova orientação (fundada no Direito penal da ofensividade) podemos citar o seguinte julgado: R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas STJ, Resp 34.322-0, rel. Min. Luiz Vicente Cernichiaro, que no tempo em que se discute se o art. 32 a LCP, era de perigo concreto ou abstrato, proclamou: “A infração penal não é só conduta. É também resultado no sentido jurídico normativo, ou seja, lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. A doutrina renega os crimes de perigo abstrato. Com efeito não tem sentido punir a simples conduta se ela não conta, ao menos, com probabilidade de risco ao bem jurídico. O ilícito penal não resulta do simples conduzir sem o correspondente documento. Isso é ilícito administrativo. A relevância penal nasce quando a conduta põe em perigo o bem jurídico.” Hoje essa polêmica perdeu todo sentido depois que o STF (RHC 80. 362 – SP, Min. Ilmar Galvão, j. 14.02.2001), sinalizando que no moderno direito penal (que acolhe o principio da ofensividade) não há espaço para as infrações de perigo abstrato, reconheceu que o art. 32 foi derrogado pelo art. 309 do CTB (informativo do STF n. 271).

Trago a colação julgados do STF: RHC 81057 / SP - SÃO PAULO RECURSO EM HABEAS CORPUS Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 25/05/2004 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação DJ 29-042005 PP-00030 EMENT VOL-02189-02 PP-00257 RTJ VOL-00193-03 PP-00984 Parte(s) RECTE.: LOURIVAL DANTAS ROTEAS ADVOGADO: PGESP - SERGIO GARDENGHI SUIAMA RECDO.: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Ementa EMENTA: Arma de fogo: porte consigo de arma de R. Dout. Jurisp. AM

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fogo, no entanto, desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato: 1. Para a teoria moderna - que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso - o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato. 2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte. 3. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo. 4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça - pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro - cujo porte não R. Dout. Jurisp. AM

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constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena. 5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em consequência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica. HC 99449 / MG - MINAS GERAIS HABEAS CORPUS Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 25/08/2009. Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação DJe-027 DIVULG 1102-2010 PUBLIC 12-02-2010 EMENT VOL02389-03 PP-00454 Parte(s) PACTE.(S): PEDRO ALVES MARTINS IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ementa EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime. Arma de fogo. Porte ilegal. Arma desmuniciada, sem disponibilidade imediata de munição. Fato atípico. Falta de ofensividade. Atipicidade reconhecida. Absolvição. HC concedido para esse fim. Inteligência do art. 10 da Lei n° 9.437/97. Voto vencido. Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, sem que o portador tenha disponibilidade imediata de munição, não R. Dout. Jurisp. AM

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configura o tipo previsto no art. 10 da Lei n° 9.437/97. Decisão A Turma, por maioria, vencida a Senhora Ministra-Relatora, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Senhor Ministro Cezar Peluso. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Cezar Peluso. Falou, pelo paciente, o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro.

Nesse sentido, vale destacar a paradigmática a decisão da 1ª Turma do STF no HC 90.779/PR que afastou a tipicidade do comportamento de comerciantes flagrados tendo em depósito produtos fabricados para o consumo sem registro no Ministério da Saúde. O Tribunal reconheceu, nesse caso, que o crime é de perigo abstrato “mas que é preciso a demonstração de que o produto está realmente impróprio para consumo para que se caracterize o crime”. Em outras palavras, exigiu a caracterização da potencialidade lesiva para o reconhecimento do crime de perigo abstrato. Julgados dos Tribunais de Justiça, caminham em idêntico sentido: Processo: 3058506 MG 2.0000.00.3058506/000(1) Relator(a): ALEXANDRE VICTOR DE C A RVA L H O J u l g a m e n t o : 0 3 / 0 8 / 2 0 0 0 Publicação: 26/08/2000. EMENTA: JOGO DO BICHO - REVOGAÇÃO DO ART. 58 DO DECRETO-LEI Nº 3.688/41 PELO ART. 58 DO DECRETO-LEI Nº 6.259/44 - EMENDATIO LIBELLI - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NA 2ª INSTÂNCIA SE RESULTA OFENSA AO PRINCÍPIO QUE PROÍBE A REFORMATIO IN PEJUS - PORTE DE ARMA - ART. 10 DA LEI Nº 9.437/97 C R I M E D E P E R I G O A B S T R AT O R. Dout. Jurisp. AM

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INCONSTITUCIONALIDADE - PRINCÍPIO DA LESIVIDADE - PORTE NÃO OSTENSIVO ARMA DESMUNICIADA - AUSÊNCIA DE RISCO À INCOLUMIDADE PÚBLICA ABSOLVIÇÃO DECRETADA. I- A norma do art. 58 da Lei de Contravenções Penais foi revogada pelo art. 58 do Decreto-lei nº 6.259/44, lei posterior que disciplinou totalmente a matéria. II- A possibilidade de aplicação da emendatio libelli na Instância Recursal não pode implicar em pena mais grave para o réu se o Ministério Público não apelou, em obediência ao princípio ne reformatio in pejus. III - Quando o agente traz consigo arma de fogo desmuniciada de maneira não ostensiva, não colocando em risco a incolumidade pública, é de se reconhecer a ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela lei penal. IV - Não havendo a imperiosidade da proteção de bem jurídico, fato existente nos chamados crimes de perigo abstrato meramente formais, é inaceitável a intervenção penal, porquanto inócua e estigmatizante. V - O princípio da lesividade ou ofensividade possui lastro constitucional exatamente no art. 5º, inciso XXXIX, CF/88, e, no âmbito penal, qualquer tentativa de aplicação de um direito preventivo, mostra-se insubmissa e desgarrada da Regra Excelsa, o que é vedado. VI - Precedentes desta Corte. VII - Absolvição decretada.

Desta feita, necessário concluir que para a existência de tipicidade nos crimes de perigo abstrato, necessariamente, na peça acusatória deverá estar demonstrada a relevância da R. Dout. Jurisp. AM

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conduta e a ofensa ou perigo de dano ao bem jurídico tutelado, sob pena de ser reconhecida a atipicidade material do fato. No caso em apreço, verifico inexistir na inicial acusatória a demonstração ou alusão a qualquer perigo ou dano sofrido pelo bem jurídico tutelado e mais, nem sequer foi apontado o bem jurídico que, em tese, teria sofrido violação. Salvo melhor juízo, o ora Denunciado apresentou as contas com TREZE dias de atraso, é certo que fora do prazo legal, mas, não há nos autos qualquer documento ou menção acerca da intensão em atrapalhar apuração das contas ou ainda, que estas tenham sido reprovadas pelo TCE. Nulla lex sine iniuria – não há lei sem ofensa. Segundo o Prof. Luiz Flávio Gomes: “A lei penal deve descrever um verbo ofensivo ao bem jurídico”. Cumpre ainda, fazer menção ao denominado principio da materialidade do direito italiano: Nullum crimen sine iniuria - brocardo latino che significa: è da considerarsi reato solo l'offesa a un bene giuridico costituzionalmente tutelato. Insiemente al principio di materialità costituisce presupposto del principio di offensività Nullum crimen sine iniuria Tradução: NÃO HÁ CRIME SEM LESÃO/OFENSA – brocardo latino que significa a máxima: ele é considerado uma ofensa única, ofensa a um bem legal ou constitucionalmente tutelado. Assim, o princípio da materialidade é uma exigência do princípio da ofensividade.

No dizer do Prof. Luiz Flávio Gomes: Ofensa e legalidade (nulla injuria sine lex; nulla lex sine injuria) R. Dout. Jurisp. AM

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O princípio da ofensividade está estritamente coligado com o da legalidade (que no âmbito do direito penal incriminador, ganha o status de princípio da reserva legal). Do ponto de vista sistemático ou, mais precisamente, dogmático, já tivemos ocasião de sublinhar que a ofensa (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) não é o um plus extranormativo (inventado pelo interprete) que é exigido para a existência do delito (injusto penal), senão (mais) um requisitos (do fato típico) que esta condicionado e limitado pela legalidade (nulla injuria sine lex). Não há como se descobrir o teor da ofensa, sem a lei. A lei é veiculo da norma; a norma é o veiculo do bem jurídico; a ofensa a esse bem jurídico a essência do delito. Conclusão: não há delito materialmente típico sem lei. É disso que se infere a concepção (constitucionalista e garantista) do delito ou do injusto como um “fato ofensivo típico” (ou seja: fato formal e materialmente típico). O que interessa, portanto, agora, é examinar não o aspecto sistemático ou dogmático senão o técnicolegislativo da questão, que é regido pelo axioma nulla lex sine injuria (não pode haver lei sem ofensa, ou seja, não pode haver lei penal sem que ela descreva com clareza a ofensa ao bem jurídico. [...] É que o delito, em sua essência, não significa (desde a perspectiva do paradigma da ofensividade) tão somente a realização da literalidade legal ou a simples contradição “formal” (antinormatividade formal) com a norma (imperativa). O delito não se esgota na realização literal da letra da lei nem tampouco na mera antinormatividade formal: delito é infração formal e R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas material ao Direito, isto é a violação da norma imperativa mas sobretudo da valorativa ou, simplesmente, a afetação do bem jurídico valorado positivamente e protegido pela norma jurídica.

O princípio da Ofensividade no Direito brasileiro, segundo a doutrina, tem base constitucional (princípio implícito) e legal (CP, art. 13). Trago a colação: “Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”. Para Luiz Flávio Gomes: Não existe crime sem resultado, diz o art. 13, em sua primeira parte. [...] Consequentemente, o resultado exigido pelo art. 13 (em todos os delitos) só pode ser o jurídico. Esse resultado que deve estar presente em todos os crimes. É o que se entende por resultado jurídico? É a ofensa ao bem jurídico, que se expressa numa lesão ou perigo concreto de lesão. O resultado jurídico, portanto, possui natureza normativa (ou seja: é um juízo de valor que o juiz deve fazer em cada caso para verificar se ele é valioso ou desvalioso). [...] Em conclusão o art. 13 do CP, coerentemente com a Constituição brasileira exige resultado jurídico em todos os delitos. Recorde-se a sua redação: “O resultado, de que depende a existência do crime [...]. o juízo de tipicidade, destarte, já não se esgota na mera constatação da subsunção formal da conduta à letra da lei. Depois disso, ainda se faz imprescindível indagar sobre o bem jurídico e sua R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas necessidade de afetação. A velha classificação (delitos materiais, formais e de mera conduta) tem valor relativo (e, mesmo assim, no plano da tipicidade formal). Mas, fundamental é a distinção entre delitos de lesão e delitos de perigo concreto.

Em outras palavras, não se afina com nosso Direito positivo a postura doutrinária que procura fundamentar o injusto penal (exclusiva ou prioritamente) no desvalor da ação. Não basta a conduta e seu desvalor para a existência do crime. Fundamental é a existência do resultado jurídico. Prova disso é o art. 17 do CP, que não pune o crime impossível no Brasil. Assim, a meu sentir, não tendo o Agente Ministerial subscritor, determinado de forma clara e, ao menos, perfunctória, a POTENCIALIDADE LESIVA da conduta/atraso na prestação de contas, nada mais resta a Corte, que não seja o reconhecimento da ausência de justa causa para processamento. Repito e chamo a atenção da Corte para o fato de que não há na Exordial em análise qualquer alusão a LESIVIDADE/OFENSIVIDADE da conduta, sendo certo que, o simples atraso na prestação de contas não determina a ofensividade da conduta/a potencialidade de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Observo mais, como bem determinado nos julgados trazidos a colação, o STF exige como conditio sine qua non, a demonstração da LESIVIDADE quando do oferecimento da denúncia para que seja aberta a possibilidade de processamento. Desta feita, não tendo sido demonstrada na inicial acusatória a potencialidade de lesão na conduta em julgamento, prestar contas fora do prazo legal, outra saída não resta, salvo o NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Tudo quanto acaba de ser dito constitui a base do que estamos chamando de teoria constitucionalista do delito, cujo desenvolvimento lógico é o seguinte: a lei penal é o veículo da norma; a norma é o veículo do bem jurídico; o bem jurídico é o veículo da ofensa; a ofensa (jurídica) é o veículo da tipicidade material; a tipicidade material é o veículo do injusto penal materialmente concebido.

Por derradeiro, salutar destacar que o crime em comento data dos idos de 1967, quando a República Federativa do Brasil, não podia ser chamada de ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO, sendo denominada simplesmente de ESTADO DE DIREITO. E é em razão deste Estado Constitucional de Direito que, segundo Masimo Domini: se já não é possível questionar o valor do princípio da ofensividade, inclusive e especialmente para a legitimação da intervenção penal, todas as vezes que o legislador não cumprir seu dever de configurar ilícito penal em termos garantistas (legalidade estrita, taxatividade, clareza, certeza ofensividade etc), não restará outra saída senão a intervenção do interprete e do aplicador da lei no sentido de não permitir a aplicação meramente formalista do Direito penal. Ao contrário, impõe-se fazer prevalecer o nullum crimen sine injuria, em toda a sua dimensão garantista e constitucional. A omissão do legislador deve ser suprida pelo interprete, pelo juiz. Nisso consiste um outro corolário natural do reconhecimento do princípio da ofensividade. R. Dout. Jurisp. AM

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No lecionar de Licia Laghi: A tipicidade penal, portanto, doravante será sempre compreendida em sentido material e garantista e dela também faz parte, como requisito implícito, a ofensa ao bem jurídico, seja na forma de lesão, seja na forma de perigo concreto. Disso também se infere, obviamente, que o princípio da ofensividade está destinado a funcionar como critério hermenêutico de extraordinário valor, em virtude do qual resulta impossível sancionar penalmente todos os comportamentos que concretamente não chegam a 'perturbar' ou afetar o bem consagrado normativamente. Para que um ato humano seja considerado penalmente relevante, mas além da materialização (exteriorização) de uma vontade criminosa , que é exigência do princípio do fato, faz-se necessário um plus, que é precisamente a ofensa (a injúria). Precisamente nos tristes momentos históricos de eclipse mais agudo do princípio da ofensividade, é que mais arbítrio se cometeu contra a liberdade humana. No tempo do nazismo, quando se prescindiu por completo não só do bem jurídico como da sua necessária ofensa, o delito foi configurado como mera desobediência à norma e todas as atrocidades daí derivadas saem amplamente conhecidas. Como bem ressaltou Zaffaroni, o injusto concebido como lesão a um dever é uma concepção positivista extremada [...]; é a consagração irracional do dever pelo dever mesmo. Não há dúvida que sempre existe no injusto uma lesão ao dever (uma violação à norma imperativa), porém o correto é afirmar que só R. Dout. Jurisp. AM

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existe essa violação quando se afeta o bem jurídico tutelado. Não se pode interromper arbitrariamente a análise do fato punível e se a ação não prejudica terceiro, deve ficar impune, por expressa previsão constitucional.

Do exposto, NÃO RECEBO A DENÚNCIA, por ausência de justa causa (tipicidade material) e finalizo, transcrevendo trecho do voto proferido quando do julgamento do HC 81.057, pelo STF, relatoria do Min. Sepulveda Pertence: O interprete e o juiz, quando o legislador não configura o tipo penal em termos ofensivos, tem a obrigação de extrair do texto legal o seu significado mais profundo de consonância com o princípio da ofensividade. E por quê: Porque delito não é só violação da lei, senão sobretudo violação da norma (valorativa) que é veiculada pela lei. O juiz que só consegue ver o texto legal é um juiz que conhece o Direito Penal pela metade, visto que ignora a dimensão oculta da lei, que é a norma, e ignora, ademais, a dupla função dessa norma (imperativa e valorativa), sendo-lhe impossível, desse modo, ver a essência da norma valorativa que é o bem jurídico.

É como voto. Manaus,

de junho de 2012.

Desdor. Yedo Simões de Oliveira

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AÇÃO DI RETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2006.004193-2 – MANAUS/AM

TRIBUNAL PLENO Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS, por intermédio de seu então Procurador-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Vicente Augusto Cruz Oliveira. Autoridade notificada (art. 6º da Lei nº 9.868/99): Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Manaus. Autoridade citada (art. 75, § 2º da CE): Exmo. Sr. Raimundo Frânio de Almeida Lima, Procurador-Geral do Estado do Amazonas. Relator: Des. DJALMA MARTINS DA COSTA. E M E N T A : A Ç Ã O D I R E TA D E INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL Nº 169, DE 13/12/2005, QUE DISPÕE SOBRE O PLANO DE CARGOS, CARREIRAS E VENCIMENTOS DOS SERVIDORES DO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL DE MANAUS – ENQUADRAMENTO – APROVEITAMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ANTERIOR – INADMISSIBILIDADE NO QUE CONCERNE À PROGRESSÃO FUNCIONAL – PRECEDEN-TE DO C. STJ – INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUI-ÇÃO – AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. Colhe-se da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o seguinte precedente: “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. P R O G R E S S Ã O F U N C I O N A L . APROVEITAMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO R. Dout. Jurisp. AM

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ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. A movimentação na carreira pela progressão funcional objetiva estimular o servidor a se tornar mais eficiente no serviço público, eficiência aferível mediante avaliação funcional, necessitando, por isso, que o servidor conte com determinado tempo de serviço no cargo, sendo inadmissível, para esse fim, contar o tempo de serviço em cargo anterior. Recurso ordinário desprovido.” (STJ, RMS 22866/MT, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 29/06/2007). (grifei).

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes do Egrégio Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, à unanimidade de votos e em discordância com o parecer do Graduado Órgão Ministerial, em julgar parcialmente procedente a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, para o fim de emprestar interpretação conforme a Constituição, para entender que as expressões “enquadramento” e “tempo de serviço público”, constantes nos arts. 9º e 21, inc. XVIII, da Lei Municipal nº 169, de 13/12/2005, não comportam aproveitamento do tempo de serviço público em cargo anterior, trazido pelo servidor, para fins de progressão funcional nos quadros da Câmara Municipal de Manaus. R E LAT Ó R I O Adoto o relatório de fls. 76/81, apresentado pelo d. Procurador-Geral de Justiça, complementando-o ao seu término: R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo então Procurador-Geral de Justiça, com fulcro no art. 75, §1°, VII, da Constituição do Estado do Amazonas, com a finalidade de obter a declaração de inconstitucionalidade das normas constantes no art. 9º e 21, XVIII, da Lei Municipal nº 169/2005, que dispõe sobre o Plano de Cargos e Salários das Carreiras de Apoio do Poder Legislativo Municipal. Sustenta o autor, inicialmente, que somente mediante uma interpretação conforme a Constituição Estadual, poderiam os referidos artigos permanecerem vigentes no Ordenamento Jurídicos Estadual, posto que, do contrário, estariam eivados pelo vício da inconstitucionalidade material, uma vez que violam princípios balizadores presentes tanto na Constituição Federal como na Constituição Estadual, a saber os princípios da igualdade e da razoabilidade. Desse modo, segundo o Requerente, a expressão 'tempo de serviço público' deveria ser entendida como 'tempo de serviço público nos quadros da Câmara Municipal de Manaus', sob pena de si dispensar tratamento diferenciados entre servidores vindos da iniciativa privada e servidores oriundos de outro entes federativos, colidindo-se, assim, com os princípios suprareferidos. Em vista disso, requereu a concessão da medida liminar inaudita altera pares buscando suspender toda e qualquer interpretação que amplie o alcance do termo 'tempo de serviço público', salvo aquela pertinente ao 'tempo de serviço nos quadros da Câmara Municipal de Manaus'. A medida liminar antecipatória da tutela principal almejada não foi concedida, como se vê às fls. 35 do caderno processual. Instado a se manifestar acerca da declaração de inconstitucionalidade dos artigos da Lei ora impugnada, o Procurador-Geral da Estado do Amazonas alegou as seguintes questões: impossibilidade jurídica do pedido; da R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas constitucional amplitude de interpretação do termo 'tempo de serviço público'; da inexistência de violação aos princípios da igualdade e razoabilidade; da autonomia legislativa municipal; e da possibilidade de contagem, mediante lei, para efeitos diversos, de tempo de serviço público prestado a outro ente federado. Por sua vez, a Câmara Municipal de Manaus, por intermédio de seu Presidente, à época, aduziu que a Lei Municipal 169/2005 é totalmente constitucional, uma vez que em nenhum momento violou qualquer preceito presente no ordenamento jurídico, seja no âmbito federal ou estadual, razão pela qual a mesma não carecia de qualquer interpretação conforme a Constituição Estadual, devendo ser compreendida a interpretada na exata expressão do texto legal.”

O d. Procurador-Geral de Justiça, em seu judicioso parecer de fls. 76/81, manifestou-se pela declaração de constitucionalidade material dos arts. 9º e 21, inc. XVIII, da Lei Municipal nº 169, de 13/12/2005, “pugnando, consequentemente, pela improcedência do pedido inicial e extinção do feito com julgamento do mérito, nos termos do art. 24 da Lei Federal 9.868/99” (fls. 81). Os autos vieram-me conclusos após distribuição deste Relatório entre os membros deste Colegiado. É o relatório. VOTO Inicialmente, ressalto que a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade encontra-se numa situação esdrúxula, porém passível de ser conhecida, pois embora ajuizada pela d. Procuradoria-Geral de Justiça, em 09 de outubro de 2006, após nova manifestação, desta feita, como Órgão Fiscal, o Graduado Parquet, que se vê impossibilitado de desistir da aludida actio, em virtude do Princípio da Indisponibilidade elencado no art. 5º da Lei Federal nº 9.868/99, opina pela declaração de constitucionalidade dos dispositivos impugnados, manifestando-se pela improcedência do pedido inicial, extinguindo-se o feito com a resolução do mérito, R. Dout. Jurisp. AM

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contribuindo para tanto “uma análise mais acurada do texto da Lei Municipal” (fl. 78). Apesar da mudança de entendimento do Graduado Órgão Ministerial, entendo que os arts. 9º e 21, inc. XVIII, da Lei Municipal nº 169, de 13/12/2005, realmente demandam interpretação condizente com o texto constitucional, senão vejamos: Art. 9º – O enquadramento inicial dos ocupantes dos cargos das carreiras do Grupo Ocupacional de provimento efetivo dar-se-á com base na admissão do servidor no serviço público, de forma que a cada dois anos de serviço avance uma referência ou classe, estabelecidos na tabela de progressão do Anexo IV combinado como Anexo V. Art. 21 – Para todos os efeitos desta Lei, aplicamse os seguintes conceitos: [...] XVIII – Enquadramento: é o processo em que se analisará o tempo de serviço público de todos os servidores com o objetivo de alocá-los nas classes e referências do Anexo IV combinado no o Anexo V.” (grifei)

Em suas judiciosas informações, o Exmo. Sr. Presidente da Augusta Câmara Municipal de Manaus, defendeu os comandos normativos hostilizados afirmando que o reconhecimento do tempo de serviço público outrora prestado pelo servidor objetivará “um melhor enquadramento no plano de cargos, carreiras e vencimentos da CMM” (fl. 70). Com efeito, sabe-se que o enquadramento, por definição, consiste no ato que, frente a legislação vigente, situa o servidor no plano de carreira. Segundo a doutrina de Antônio Flávio de Oliveira (In R. Dout. Jurisp. AM

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“Servidor Público: remoção, cessão, enquadramento e redistribuição”. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 111): [...] Assim, o servidor que se encontre no serviço público passará, posteriormente a ocorrência de alteração legislativa e, em virtude dessa modificação, a ter cambiada a nomenclatura, o símbolo, o sistema de progressão na carreira etc., do cargo que ocupa. A solução do problema ocasionado pela necessidade de tradução do cargo anterior ao novo cargo criado é dada pelo instituto do enquadramento, que consiste o ato de identificar a situação anterior do servidor, encontrando a novel situação correspondente e diante disso fazer o seu enquadramento [...].

A análise do “tempo de serviço público” inserta no art. 21 da Lei Municipal nº 169/2005, de maneira abrangente, à toda evidência não guarda simetria com o preceito isonômico, pois basta atentar para o caso do servidor da CMM recém empossado, cujo tempo de serviço público prestado em outra esfera legislativa foi aproveitado em seus assentamentos funcionais, o qual poderá inclusive se posicionar no último nível e classe da carreira, configurando, ao meu sentir, repugnável discriminação administrativa. Conforme decidiu a 5ª T. do C. STJ, “não há como ingressar no serviço público na classe final da carreira, a qual foi empossada, devendo passar pelos degraus de acesso, ou seja, pela denominada progressão vertical”. (RMS nº 13.649-RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini) (grifei). Permito-me transcrever do Voto do Exmo. Sr. Min. Felix Fischer, proferido nos autos do RMS nº 22.866-MT, o seguinte: [...] A d. Supbrocuradoria-Geral da República, em parecer da lavra da Dra. Maria Caetana Cintra dos R. Dout. Jurisp. AM

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Santos, opina pelo desprovimento do recurso, nos seguintes termos: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROGRESSÃO FUNCIONAL. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO EXERCIDO EM CARGO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. - A progressão funcional serve para estimular e premiar o servidor pelo bom desempenho no trabalho combinado com a antiguidade numa carreira específica, vedado o cômputo do tempo de serviço exercido em cargo diverso. Parecer pelo desprovimento do recurso'. (fl. 142). (grifei).

Mais adiante prossegue: [...] Como bem observou a Subprocuradoria-Geral da República, 'a finalidade do instituto da progressão funcional é estimular o servidor público que ingressa numa determinada carreira a buscar a qualidade na prestação do serviço, a se tornar mais eficiente .. não seria razoável admitir que o servidor, recém ingressado no cargo, tivesse assegurado o direito ao nível superior aos demais servidores, em decorrência do desempenho de função anterior totalmente estranha ao cargo atual[...].' Destaco que não é ocaso de se falar em direito adquirido, pois o servidor nunca teve incorporado ao seu patrimônio jurídico direito à progressão vertical sem observância do requisito temporal e da avaliação funcional.

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Poderá o recorrente utilizar o tempo de serviço averbado para fins de aposentadoria, disponibilidade, licença-prêmio (se houver) etc., mas nunca para obter progressão funcional, pois, nesse caso, a lei estabelece os requisitos que deverão ser observados para a movimentação na carreira.” (STJ, RMS 22866/MT, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 29/06/2007). (grifei).

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso é neste sentido: Ementa: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL PROGRESSÃO FUNCIONAL ENQUADRAMENTO - CARGOS DE C A R R E I R A S D I F E R E N T E S IMPOSSIBILIDADE - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL - AFRONTA AO ARTIGO 37, II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO IMPROVIDO. Não há falar-se em elevação de nível, sem prévio concurso público, ante ao estabelecido no art. 37, II da Carta Magna de 1988, máxime quando o servidor que visa tal benefício integra carreiras diferentes com ocupações e responsabilidades diversas.” (TJMT, Ap. Cível nº 47545/2003, 2ª C. Cível, Rel. Des. Marcelo Souza de Barros, j. 13/04/2004). (grifei).

Dessa forma, ponderando-se no domínio específico da jurisdição constitucional o princípio do favor legis, (CANOTILHO. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1991. p. 1117), permite salvarem-se as disposições questionadas, desde que interpretadas e aplicadas em estrita R. Dout. Jurisp. AM

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congruência com o preceito isonômico da Carta Estadual, que por seu turno, resguarda a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais da Constituição da República, verbis: Constituição do Estado do Amazonas: Art. 3º O Estado, nos limites de sua competência, assegura em seu território, a brasileiros e estrangeiros, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais declarados na Constituição da República. · Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade [...]. (grifei). ·

A tanto contribui, paradoxalmente, a própria dicção dos artigos do diploma enfocado, aos quais conferem a análise de modo amplo do “tempo de serviço público” trazido pelo servidor para fins de enquadramento, ensejando a fixação de uma leitura compatível com o Texto Constitucional por meio da técnica de controle da “interpretação conforme a Constituição” (Verfassungskonforme Auslegung). E sua aplicação pressupõe que o texto legal questionado não se reduza a um sentido univocamente inconstitucional, senão que virtualize interpretações concorrentes, uma delas harmonizável com as normas da Constituição, que passa a valer como a única expressão denotativa e conotativa do enunciado legal. A Suprema Corte, a propósito, vem aplicando essa técnica de controle, tal como se extrai do seguinte trecho do voto do Min. Celso de Mello proferido na ADIn 581-DF: A incidência desse postulado permite, desse R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas modo, que, reconhecendo-se legitimidade constitucional a uma determinada proposta interpretativa, excluam-se as demais construções exegéticas propiciadas pelo conteúdo normativo do ato questionado. Em suma: o princípio da interpretação conforme a Constituição, ao reduzir a expressão semiológica do ato impugnado a um único sentido interpretativo, garante, a partir de sua concreta incidência, a integridade do ato do Poder Público no sistema de direito positivo. Essa função conservadora da norma permite que se realize, sem redução do texto, o controle de sua constitucionalidade. (RTJ 144, p. 154). (grifei).

Corolário dessa orientação do Pretório Excelso, alinhada, por sinal, com a doutrina e jurisprudência alemãs, foi bem sintetizado nessa passagem de Luís Roberto Barroso: [...] quando o Judiciário condiciona a validade da lei a uma determinada interpretação ou declara que certas aplicações não são compatíveis com a Constituição está, em verdade, declarando a inconstitucionalidade de outras possibilidades de interpretação [...] ou de outras possíveis aplicações [...] (Interpretação e aplicação da constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 177).

Assim, desde que a abrangente enunciação dos referidos artigos 9º e 21, inc. XVIII, da Lei Municipal nº 169, de 13/12/2005, enseja leitura acomodável às provisões constitucionais tidas como afrontadas, deverão - sem que tanto implique em modificar a intenção dos comandos neles contidos ou o seu texto - ser interpretados e aplicados como dispondo R. Dout. Jurisp. AM

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sobre impossibilidade de aproveitamento do tempo de serviço público em cargo anterior, trazido pelo servidor, para fins de progressão funcional nos quadros da Câmara Municipal de Manaus, ressalvadas as considerações óbvias de averbação explicitadas pelo Exmo. Sr. Min. Felix Fischer, nos autos do RMS 22866/MT, que me permito reiterar: Poderá o recorrente utilizar o tempo de serviço averbado para fins de aposentadoria, disponibilidade, licença-prêmio (se houver) etc., mas nunca para obter progressão funcional, pois, nesse caso, a lei estabelece os requisitos que deverão ser observados para a movimentação na carreira. (STJ, RMS 22866/MT, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 29/06/2007). (grifei).

Ante o exposto, em discordância com o parecer ministerial, julgo parcialmente procedente a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, ao fito de emprestar interpretação conforme a Constituição para entender que as expressões “enquadramento” e “tempo de serviço público”, constantes nos arts. 9º e 21, inc. XVIII, da Lei Municipal nº 169, de 13/12/2005, não comportam aproveitamento do tempo de serviço público em cargo anterior, trazido pelo servidor, para fins de progressão funcional nos quadros da Câmara Municipal de Manaus. É como voto. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça, em Manaus, aos dias do mês de de 2008.

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Desdor.___________________ Presidente

Desdor.___________________ Djalma Martins da Costa Relator

Dr._______________________ Procurador de Justiça

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2011.001172-2 - PARINTINS

2ª CÂMARA CRIMINAL Apelante: JOÃO NASCIMENTO PONTES. Advogado: Dr. Edmilson das Neves Guerra. Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS. Relator do Voto Vista: Des. Djalma Martins da Costa. Procurador-Geral de Justiça: Dr. Francisco das Chagas Santiago da Cruz. Procurador de Justiça: Dr. Flávio Ferreira Lopes.

VOTO-VISTA E M E N T A: APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO – MENOR –VIOLÊNCIA PRESUMIDA – CARÁTER RELATIVO DA PRESUNÇÃO – PALAVRA DA VÍTIMA EM DESARMONIA COM OUTRAS PROVAS DA OCORRÊNCIA DO CRIME – DESCARACTERIZAÇÃO DO TIPO PENAL DO ART. 213 DO CP - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS – APELO PROVIDO. - Em crimes de estupro contra menor, inexistindo violência real ou grave ameaça, a presunção é relativa, devendo ser analisada e provada conforme a conduta e comportamento da vítima; - Descaracteriza-se o crime de estupro, quando a palavra da vítima está em desarmonia com as outras provas da ocorrência do crime; R. Dout. Jurisp. AM

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- Insuficientes as provas da materialidade e autoria exigidas pelo tipo penal descrito no art. 213, do CP, absolve-se em homenagem ao princípio in dubio pro reo. Segundo a doutrina de Guilherme de Souza Nucci: “Uma menor de 14 anos prostituída, que já tenha tido inúmeros contatos sexuais, com a ciência geral da comunidade, inclusive de seus pais, não poderia ser considerada incapaz de dar o seu consentimento. Não seria razoável – e o direito, em última análise, busca a justiça – punir o agente por estupro, caso mantenha com a jovem conjunção carnal. Há precedentes do Supremo Tribunal Federal nesse sentido, embora polêmico. Votou o Min. Marco Aurélio (relator): 'O quadro revela-se estarrecedor, porquanto se constata que menor, contando com apenas doze anos, levava vida promíscua, tudo conduzindo à procedência do que articulado pela defesa sobre a aparência de idade superior aos citados doze anos. A presunção de violência prevista no art. 224 do Código Penal cede à realidade. Até porque não há como deixar de reconhecer a modificação de costumes havida, de maneira assustadoramente vertiginosa, nas últimas décadas, mormente na qual quadra […]. A presunção não é absoluta, cedendo às peculiaridades do caso como são as já apontadas, ou seja, o fato de a vítima aparentar mais idade, levar vida dissoluta, saindo altas horas da noite e mantendo relações sexuais com outros rapazes, como reconhecido no seu depoimento e era de conhecimento público.” (In “Código Penal Comentado”. RT, 8ª ed., 2008, fls. 883/884).(g.n.).

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O EXMO. SR. DES. DJALMA MARTINS DA COSTA

Adoto o relatório da lavra do Exmo. Sr. Des. Relator, às fls. 977 e verso. Ab initio, permito-me divergir dos argumentos expendidos pelo Eminente Relator, e ouso, com arrimo no princípio do duplo grau de jurisdição (art. 513, do CPC, subsidiariamente), tomar conhecimento de toda a matéria de fato e direito constante dos autos. Em detida análise, observo que o Apelante foi denunciado e condenado por infração aos arts. 213 e 224, ambos do CP, à pena de 9 (nove) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicialmente fechado. Acessoriamente, foi declarada a perda do cargo de vereador, tendo em vista o mandato eletivo que exercia. O declinado art. 213, do CP, dispõe: Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”

A violência, portanto, pode ser real ou presumida, esta decorrente da lei, levando em conta a idade da vítima, por força do que estabelece o art. 224, alínea “a”, daquele Codex e, ainda assim, pode ser absoluta ou relativa, desde que analisados, em cada caso, os fatos efetivamente ocorridos. O que se tem, de concreto, como sustentáculo da condenação, são as declarações da pretensamente ofendida, que já as prestou, quando maior de 14 anos e com vida R. Dout. Jurisp. AM

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desregrada. Com efeito, essa pretensa vítima, tem um histórico de vida pouco recomendável. Não se trata de menor recatada que, por infelicidade ou não, tenha sofrido a ação de alguém, que a tivesse violado sexualmente, de forma à permitir o enquadramento no tipo penal. Atenho-me às declarações de todas as menores, ou não, envolvidas no caso, que denotam a existência de uma rede de prostituição, a que se dedicava a vítima Jéssica Sabrina e as que figuram como testemunhas no processo. Perlustrando acerca da materialidade e autoria do delito, não se tem prova alguma, suficiente para embasar o decreto condenatório. Não há, sequer, certeza, por parte da ofendida, da data precisa do ilícito penal, restando, porém, inconteste, que os fatos relatados teriam ocorrido antes da vigência da Lei nº 12.015, de 7.8.2009, o que afasta, de plano, qualquer aplicação das modificações introduzidas por aquela lei, no Código Penal, alterando a redação do art. 213 e revogando o art. 214, por completa inadequação do tipo, aos tempos atuais. Os arts. 213 e 214 abrangiam os denominados crimes contra os costumes, dentre os quais aqueles praticados contra a liberdade sexual e atentado violento ao pudor. Hoje e com as alterações redacionais introduzidas, acham-se tais crimes ao abrigo do atual art. 213, da Lei Material Penal. Com exceção das declarações das supostas vítimas e testemunhas, nenhuma outra prova dá sustentabilidade ao édito condenatório do Apelante. Nesse aspecto, tem-se a impossibilidade de ser recebida sem reservas a palavra da vítima quando outros elementos R. Dout. Jurisp. AM

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probatórios se apresentam em conflito com suas declarações e qualquer dúvida, ainda que ínfima, no espírito do julgador, deve ser resolvida em favor do réu. A vítima Jéssica Sabrina declara, nos vários depoimentos, que: Seus programas sexuais sempre eram em companhia de sua amiga Paloma (depoimento de 2.2.2010, às fls. 13); Que confirma seu depoimento prestado no dia 25.2.2010, afirmando que conheceu João Bacú através de sua amiga Paloma; Que não sabia que sua amiga Paloma fazia programas e a mesma dizia que João Bacú lhe ajudava com dinheiro (declarações prestadas em 17.3.2010, fls.16).

Por sua vez, a testemunha Paloma da Silva Oliveira, nas declarações prestadas em 20.2.2010, afirmou o seguinte: Que começou a fazer programas influenciada através de sua amiga Jéssica Sabrina e que em meados de março/2009 fez o primeiro programa sexual com João Bacú (fls. 18); Que a segunda vez que fez programa com João Bacú foi na companhia de Jéssica Sabrina, que com ela fez sexo anal e vaginal com a depoente, pagando a importância de R$ 150,00 (fls. 18).(g.n.).

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A Senhora Cleide Maria Muniz dos Reis, que é tia materna de Jéssica Sabrina, respondeu, nas declarações prestadas em 17.3.2010, na Polícia, que: Em data não lembrada, na época do Festival (junho/2009) Jéssica Sabrina chegou em casa, por volta das 04h00, com batom, celular e preservativo; Que toda a família desconfiava que Jéssica Sabrina fazia programas sexuais; Disse que Jéssica Sabrina confessou à Polícia, na presença da depoente que fazia programas sexuais (fls. 22). (g.n.).

Já a Conselheira Tutelar, Senhora Edina Garcia Lopes, declarou, no dia 13.2.2010, dentre outros fatos, que: A menor Jéssica Sabrina confessou que era prostituída por vários homens, recebendo a quantia de R$ 100,00 (fls. 24)

Já a Senhora Ivaneide Muniz Reis, mãe biológica de Jéssica Sabrina, declarou que: Sua filha lhe confessou que era garota de programa. (fls. 25)

À luz de tais declarações e contradições, inclusive, entre a vítima e sua testemunha, Paloma, verifico que as palavras da ofendida não têm credibilidade, o que afasta a presunção de violência ficta, uma vez que, já tendo colocado seu corpo à venda, mesmo levando em conta a idade (13 anos à época), R. Dout. Jurisp. AM

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para ser presumida como absoluta, deveria ficar cabalmente demonstrada – o que não ocorre nos presentes autos. Outro ponto de enfoque reporta-se à data do suposto crime praticado pelo acusado, de que não se tem notícia precisa, nem qualquer indicação confiável, por parte da suposta vítima, pelo que, repiso, não há força probante nas palavras da vítima. Ora, no crime de estupro, como não poderia deixar de ser, a violência deve ser normalmente real e, excepcionalmente, presumida. No entanto, inexistindo violência real ou grave ameaça, a presunção é relativa, devendo ser analisada e provada conforme a conduta e comportamento da vítima. Na hipótese, a vítima mostrou-se confusa ao relatar o que teria acontecido em meados de junho de 2009, através de sua amiga Paloma, mas o laudo tanto o laudo de conjunção carnal quanto o laudo complementar são inconclusivos quanto à ocorrência de tal prática. Essencial acrescer que esta não compareceu em juízo para depor. Ao aferir que não houve violência real e, para que tivesse havido, tal fato seria corroborado através de lesões corporais outras e deveria estar estampado no laudo pericial. In casu, referido laudo de conjunção carnal, datado de 22.2.2010 (fls. 43), não sustenta a acusação, não a reforça e nem o exame complementar, de fls. 409, ao demonstrar o intercurso anal – pois a menor teve contato com vários homens até ser submetida aos exames. Dessa percuciente análise, entendo que a presunção da violência se faz relativa, visto que a vítima, ao que deflui do conjunto probatório, tinha controle sobre sua conduta e vida sexual. R. Dout. Jurisp. AM

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Nesse pensar não posso atribuir ao Apelante as características descritas no tipo penal pelo qual responde, entendimento este que aplico ao caso, com arrimo no seguinte aresto: Penal. Processo Penal. Apelação Criminal. Estupro com violência presumida. Ausência de provas da ocorrência do crime. Absolvição. Vítima que afirma a inexistência de violência real. Tese acusatória não comprovada. Menor com vida sexual ativa. Caráter relativo da presunção de violência. Recurso provido. Nos dias atuais, o crime de estupro, com violência presumida, deverá ser analisado em conformidade com a conduta e o comportamento da menor. Caso inexista violência real e a vítima possua vida sexual ativa, bem como, demonstra capacidade de se autodeterminar sexualmente, não há que se falar em condenação, tendo em vista o caráter relativo da presunção de violência. Recurso provido (TJMA, ApCrim nº. 23478/2008, Segunda Câmara Criminal, rel. Desdor. José Bernardo Silva Rodrigues, j. 19.2.2009)

A doutrina é neste sentido: Uma menor de 14 anos prostituída, que já tenha tido inúmeros contatos sexuais, com a ciência geral da comunidade, inclusive de seus pais, não poderia ser considerada incapaz de dar o seu consentimento. Não seria razoável – e o direito, em última análise, busca a justiça – punir o agente por

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estupro, caso mantenha com a jovem conjunção carnal. Há precedentes do Supremo Tribunal Federal nesse sentido, embora polêmico. Votou o Min. Marco Aurélio (relator): 'O quadro revela-se estarrecedor, porquanto se constata que menor, contando com apenas doze anos, levava vida promíscua, tudo conduzindo à procedência do que articulado pela defesa sobre a aparência de idade superior aos citados doze anos. A presunção de violência prevista no art. 224 do Código Penal cede à realidade. Até porque não há como deixar de reconhecer a modificação de costumes havida, de maneira assustadoramente vertiginosa, nas últimas décadas, mormente na qual quadra […] A presunção não é absoluta, cedendo às peculiaridades do caso como são as já apontadas, ou seja, o fato de a vítima aparentar mais idade, levar vida dissoluta, saindo altas horas da noite e mantendo relações sexuais com outros rapazes, como reconhecido no seu depoimento e era de conhecimento público. (NUCCI, Guilherme de Souza. In “Código Penal Comentado”. RT, 8ª ed., 2008, fls. 883/884).

Descaracteriza-se, então, o crime de estupro em voga, ainda que haja presunção de violência, que é relativizada, principalmente, quando a palavra da vítima está em nítida desarmonia com as outras provas da ocorrência do crime denunciado, mormente porque a conduta e o comportamento desta, do que se extrai do caderno processual, denotam que faz R. Dout. Jurisp. AM

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prática da profissão mais antiga do mundo. Esse entendimento também é expendido pelo Ministério Público do Trabalho, no procedimento que elegeu perante a Justiça do Trabalho, ao afirmar que a vítima e suas colegas eram “menores que trabalhavam como empregadas do sexo”, exsurgindo, por evidente, que “entre as menores e seus exploradores sexuais havia nítida relação de trabalho” (fls. 1004). Enfim, vislumbro que os fatos não ocorreram na forma narrada na denúncia, tanto que a “vítima” afirmou que fez programas com o Apelante, não uma, mas duas ou mais vezes, ou seja, se ofereceu e recebeu sua contraprestação, ao admitir o fato para fins de argumentação. Nessa mesma ideia, trilha a jurisprudência: APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – MENOR DE 14 ANOS – PALAVRA DA VÍTIMA INCONSISTENTE – CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE - ABSOLVIÇÃO. I. Se a palavra da vítima não é coerente e não há qualquer elemento nos autos que aponte a autoria, o réu deve ser absolvido. II. A condenação só pode advir da certeza plena. Aplicado o in dubio pro reo. III. Apelo provido para absolver o réu por insuficiência de provas”. (TJDF, Ap Crim 20060310092840APR, Primeira Turma, rel. Desdora. Sandra de Santis, j. em 1.10.2009) .....................................................................................................................................

Apelação. Estupro. Apelo exclusivo do Ministério Público. Vítima maior de 12 e menor de 14 anos. Vulnerabilidade relativa. Vítimas prostituídas. R. Dout. Jurisp. AM

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Inexistência de violência presumida. Vítima que namorava o réu. Ausência de violência real. Conduta atípica. Matéria de ordem pública. Ordem concedida de ofício para trancar a ação p e n a l . ( T J S P, A p . C r i m 3 0 0 0 0 8 3 78.2009.8.26.0024, 16 Câmara de Direito Criminal, rel. Souza Nucci, j. em 30.8.2011)

O Apelante, por sua vez e desde o início, negou qualquer participação nos ilícitos que lhe são imputados. Em sentido contrário, não há qualquer prova, por mínima que seja, à exceção das declarações da vítima, que levem ao entendimento da prática de tais atos pelo apelante, até porque, relembro, não foram confirmadas por Paloma, através de quem, disse a vítima, ter iniciado sua vida sexual, pois esta não compareceu em juízo. Diante das insuficientes provas da materialidade e autoria exigidas pelo tipo penal descrito no art. 213, do CP, tenho por bem absolvê-lo em homenagem ao princípio in dubio pro reo. Além, as pesadíssimas acusações que inelutavelmente deixaram sequelas indeléveis no apelante e sua família, como também está comprovado nos autos, pois está segregado cautelarmente desde o mês de junho de 2010 e afastado de sua função pública, de sua vida familiar, de seu ofício e da vida social, enfim. Pelas razões expostas, permito-me divergir do voto do Relator, Des. Rafael de Araújo Romano, no sentido de prover o presente Recurso de Apelação, em discordância com o parecer ministerial, para julgar improcedente a ação penal, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, e presunção da inocência que milita em favor do acusado e, em consequência, ordenar a soltura do apelante, expedindo-se, para tanto, o competente contramandado de prisão, se por outro motivo não estiver preso. R. Dout. Jurisp. AM

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É como voto. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça, em Manaus, aos dias do mês de de 2011.

Des.___________________ Presidente

Des.___________________ Djalma Martins da Costa Relator do Voto-Vista

Dr.____________________ Procurador de Justiça

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2011.005259-1 TERCEIRA CÂMARA CÍVEL 1ª Apelante: MANAUS TAXI AÉREO LTDA. Advogada: Dra. Carolina Ribeiro Botelho Apelada: ANA LUCIA REIS LAURIA Advogados: Dr. Jurandir Almeida de Toledo e Outro 2ª Apelante: ANA LUCIA REIS LAURIA Advogados: Dr. Jurandir Almeida de Toledo e Outro Apelada: MANAUS TAXI AÉREO LTDA. Advogada: Dra. Carolina Ribeiro Botelho EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE AÉREO. VÍTIMA SOBREVIVENTE. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DANO MATERIAL. LUCROS CESSANTES. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO PARCIAMENTE PROVIDO. I – A sobrevivente de acidente aéreo faz jus à indenização por dano moral e pelo dano material sofrido com a queda da aeronave, sendo que esse último deve estar devidamente comprovado nos autos. II – In casu, a vítima deixou de prestar serviço em cidades do interior do Estado, ensejando a indenização pelos lucros cessantes. III – A teoria da perda de uma chance requer que a chance mostre-se razoável, séria e real, o que não se vislumbra nos autos. Precedentes do STJ. IV - Apelação conhecida e provida parcialmente.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os Desembargadores que compõem a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, à R. Dout. Jurisp. AM

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unanimidade e em consonância com o parecer oral ministerial, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Sala de sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, em Manaus/AM, 03 de setembro de 2012. Desembargador Presidente Desembargador JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES Relator Dr. Procurador de Justiça 01 RELATÓRIO 01.01. Adoto o relatório de fls. 548/551 destes autos, o qual passa a compor este decisório. 02 VOTO 02.01. Ab initio, cumpre ressaltar que recebo os recursos de apelação, em seu duplo efeito, por estarem presentes os requisitos necessários à sua admissibilidade. 02.02. No que se refere à apelação de fls. 457/466, interposta por MANAUS AEROTÁXI LTDA., verifico que o preparo foi devidamente recolhido, conforme consta à fl. 467, e que o recurso é tempestivo, na medida em que a disponibilização da sentença guerreada ocorreu em 19/04/2011, o prazo para interposição do recurso iniciou-se no primeiro dia útil seguinte, tendo o protocolo do recurso sido realizado em 04/05/2011, dentro, portanto, da quinzena legal. R. Dout. Jurisp. AM

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02.03. Já no que tange ao recurso de fls. 478/499, interposto por ANA LÚCIA REIS LÁUREA, constato que foi deferido o pedido de justiça gratuita formulado, e que essa apelação também é tempestiva, uma vez que a sentença dos embargos de declaração opostos foi disponibilizada em 21/07/2011, o prazo para interposição da apelação iniciou-se no primeiro dia útil seguinte e o protocolo ocorrido em 08/08/2011. 02.04. O caso em tela visa a reparação dos danos morais e materiais, bem como lucros cessantes e a indenização pela perda de uma chance, em razão de acidente aéreo ocorrido em 07/02/2009, durante o trajeto que seria realizado do Município de Coari para a Cidade de Manaus. Referido acidente vitimou 24 (vinte e quatro) pessoas, tendo a ora Recorrente sido um dos 4 (quatro) sobreviventes. 02.05. Nesse sentido, perlustrando as apelações interpostas verifica-se que a controvérsia instaurada recai sobre (i) o quantum indenizatório fixado a título de dano moral pelo juiz de primeiro grau, (ii) o indeferimento do pleito de indenização por danos materiais referente ao seu computador pessoal da vítima; (iii) o indeferimento do pedido de lucros cessantes e de “perda de uma chance”, bem como (iv) a omissão da sentença quanto ao valor do seguro Reta a ser pago pela empresa. 02.06. Primeiramente, mister realçar que o Código Civil de 2002 assenta, nos termos do art. 734, que “o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade”, o que ratifica o então entendimento do Supremo Tribunal Federal exposto na Súmula 161: “em contrato de transporte é inoperante a cláusula de não indenizar”. R. Dout. Jurisp. AM

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02.07. N e s s a e s t e i r a , a r e s p o n s a b i l i d a d e d o transportador assumiu o caráter objetivo, independente de culpa, tanto pelo tratamento conferido pela jurisprudência pátria, quanto pela obrigação de resultado que lhe foi imputada, bem como pelo enquadramento do contrato numa relação de consumo, conforme já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal no AgRg no RE 575.803/TJ. 02.08. Frise-se ainda que a responsabilidade objetiva do transportador, em caso de acidente, encontra fundamento no art. 735 do CC, abaixo: Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. (Grifei)

02.09. Assim, configurada a responsabilidade da empresa de táxi aéreo pelo acidente, foram adequadamente aplicadas ao caso as disposições da legislação consumerista, de forma que a legislação aeronáutica, anterior à Constituição de 1988, assume caráter, nesse caso, de lei esparsa. 02.10. Nesse contexto, o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelece: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição e risco. (Grifei)

02.11. Evidencia-se, assim, a responsabilidade civil R. Dout. Jurisp. AM

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objetiva, que determina o dever de indenizar independentemente de culpa, satisfazendo-se com a existência de dano e nexo de causalidade, uma vez que a empresa assume os riscos do transporte aéreo, cuja responsabilidade não pode ser elidida nem diante de caso fortuito ou força maior. 02.12. A consequência imediata da culpa ser presumida em lei é a inversão do ônus da prova, de forma que ao autor da ação cabe tão somente demonstrar a ação ou omissão e o dano resultante dela, apresentando o nexo de causalidade, de forma que impõe a obrigação de indenizar, estatuída pelo parágrafo único do art. 927 do Código Civil: Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem. (Grifei)

02.13. Isso posto, destaca-se o conceito de dano, dado pelo ilustre professor Sílvio de Salvo Venosa: Dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente. Pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico e não econômico. 02.14. Importa ainda mencionar que os danos morais, ao inverso dos patrimoniais, não necessitam ser provados, uma vez que possuem natureza de foro íntimo, por isso, de difícil apreciação jurídica em relação à produção de provas. 02.15. Nessa seara, transcrevo o conceito de Rizzatto Nunes:

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02.16. Reforçando a desnecessidade da produção de provas referentes aos danos morais, traz-se à baila a doutrina deSérgio Cavalieri Filho: [...] que o dano moral existe em re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral a guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum. (Grifei)

02.17. Em apertada síntese, portanto, constata-se que o contrato de transporte aéreo está regido pela legislação consumerista a qual revela a responsabilidade objetiva do transportador, nos termos do art. 14 do CDC, i. e., a qual prescinde de culpa, bastando que, para o dever de indenizar, se comprove o nexo de causalidade, pela ação ou omissão do agente a existência de dano, sendo esse último elemento independentemente de prova, quando a indenização requerida for por dano moral. 02.18. Feitas essas considerações, no que se refere ao 1

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 29. 2 NUNES, Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor, p. 155. 3

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 80. R. Dout. Jurisp. AM

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dano moral arbitrado em primeiro grau, no valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais), verifica-se que a empresa de táxi aéreo, no recurso de apelação apresentado, pugna pela redução do montante fixado, à luz dos Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade. 02.19. De fato, há que se reconhecer, no presente caso, que a quantia arbitrada supera os parâmetros fixados pelos nossos Tribunais em casos semelhantes, o que não se confunde com o menosprezo da dor que sentiu a acidentada, a qual, embora tenha passado por um trauma, ainda pode ser considerada vitoriosa por ter sobrevivido, sem quaisquer sequelas, de um acidente aéreo que vitimou muitas pessoas. 02.20. Nessa esteira, inevitável a observância do art. 944 do Código Civil, que assim estabelece: Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. (Grifei)

02.21. Assim, previu o legislador que para se aferir qual o real valor devido a título de indenização por dano, seja este moral ou material, deve-se atentar para o resultado da lesão, para o dano e sua extensão. Feito esse juízo de avaliação, vislumbra-se, in casu, que a indenização pelo dano moral inicialmente fixado revela-se demasiada, devendo ser reduzida para R$100.000,00 (cem mil reais). 02.22. No que condiz à indenização por danos materiais referente ao computador pessoal da vítima, requerida no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), o juízo a quo entendeu ser R. Dout. Jurisp. AM

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excessiva a quantia cobrada e inexistente nos autos qualquer indício de que a vítima possuía e portava o notebook, bem como a especificação do produto. 02.23. Conforme já exposto, o dano material a ser ressarcido necessita de prova cabal de sua ocorrência, e, perlustrando o caderno processual, verifica-se que, à fl. 110, consta o auto de entrega expedido pelo Departamento de Polícia do Interior, o qual menciona que a vítima recebeu de volta um “notebook cor preta – marca HP”, que se encontrava em sua mochila. Tal computador, inclusive, havia sido declarado pela vítima no Termo de Declaração acostado à fl. 106, que foi realizado no dia do acidente, perante a Polícia Civil. Dessa forma, verifico que a vítima, embora não tenha apresentado a nota fiscal do aparelho, de fato portava um computador pessoal no momento do acidente. 02.24. Ocorre que, no que tange ao valor requerido a título de indenização pela perda do lap top, percebo que, de acordo com a configuração que consta no laudo técnico de fl. 113, a indenização pelo dano material requerida pela sua inutilização mostra-se excessiva, devendo ser reduzida para R$2.000,00 (dois mil reais), que é mais condizente com o computador desse porte, já usado. 02.25. Outrossim, com relação ao indeferimento do pedido de indenização pelos lucros cessantes e perda de uma chance, cabe tecer algumas considerações. 02.26. Nas lições de Flávio Tartuce, a teoria da perda de uma chance encontra-se ainda delineada: A perda de uma chance está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal. A partir dessa ideia, como expõem R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas os autores citados, essa chance deve ser séria e real. Buscando critérios objetivos para a aplicação da teoria, Sérgio Savi leciona que a perda da chance estará caracterizada quando a probabilidade da oportunidade for superior a 50% (cinquenta por cento). […] […] Pois bem, este autor vê com ressalvas o enquadramento da perda de uma chance como nova categoria de dano. Isso porque tais danos são, na grande maioria das situações, hipotéticos ou eventuais, sendo certo que os arts. 186 e 403 do CC exigem o dano presente e efetivo. A perda de uma chance, na verdade, trabalha com suposições, com o se. Muitas situações descritas pelos adeptos da teoria podem ser resolvidas em sede de danos morais, sem que a vítima tenha necessidade de provar que a chance é real e séria.(Grifei)

02.27. Tal teoria também já foi objeto de reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo esse consignado, como seus elementos, a razoabilidade, a seriedade e realidade da situação, aí sim cabível a indenização pela expectativa frustrada, in litteris: RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PAT R O N O . P R E J U Í Z O M AT E R I A L PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente 4

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 470-472. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. […] 3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance", condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido. (REsp 1190180/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 22/11/2010) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. PRESSUPOSTOS INDENIZATÓRIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL. D A N O M AT E R I A L H I P O T É T I C O . IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. ACÓRDÃO A QUO BASEADO NO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA Nº 07/STJ. […] 3. A pretensão não encontra amparo na "teoria R. Dout. Jurisp. AM

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02.28. Isso posto, para que haja o dever de indenizar pela perda de uma chance, necessita-se o cumprimento dos seus pressupostos, isto é, que essa chance demonstre-se razoável, séria e real, o que difere eminentemente da indenização pelos lucros cessantes, essa devida em razão do que pessoa eminentemente perdeu e razoavelmente deixou de lucrar. 02.29. Nesse aspecto, alega a vítima que o acidente lhe causou lesões psicológicas que lhe impediram de realizar viagens em aviões de pequeno porte para o interior do Estado, o que teria afetado os compromissos profissionais já assumidos, bem como ensejado a recusa de proposta de emprego e serviço. 02.30. Sob esse prisma, verifico que a vítima colacionou recibos, notas fiscais e notas de empenho diversas dos serviços prestados, algumas inclusive já antigas, emitidas nos exercícios de 2006/2007/2008; carta de interesse em trabalho no Município de Coari; declaração de que deixou de prestar serviço junto ao Município de Novo Aripuanã; bem como declarações de imposto de renda da pessoa física e da empresa. 02.31. Os documentos em apreço não servem para comprovar a existência de prestação de serviço futuro às Prefeituras de Coari e Novo Aripuanã, mas trazem indícios que a relação profissional perduraria em virtude dos serviços já executados nesses Municípios, ainda que não exista, na realidade dos autos, qualquer contrato firmado, mas tão somente documento que indique que a prestação de serviço na Prefeitura de Novo Aripuanã iria perdurar e que foi subitamente interrompida por ocasião do acidente (fl. 16). 02.32. Da análise das notas fiscais, recibos e notas de empenho esparsas dos exercícios anteriores, julgo admissível que a vítima continuasse a prestar o serviço em vista da R. Dout. Jurisp. AM

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existência de uma relação profissional desenvolvida com as Prefeituras ao longo dos anos, pelo menos durante o exercício de 2009, de forma que faz jus à indenização por lucros cessantes na soma de R$6.731,25 (seis mil setecentos e trinta e um reais e vinte e cinco centavos), obtida através da média dos serviços prestados nos últimos anos. 02.33. No que toca, contudo, à indenização pela perda de uma chance, vislumbro que essa não merece prosperar, em que pese a carta de interesse de sua contratação (fl. 14), tendo em vista que, caso houvesse de fato interesse na proposta, o deslocamento da vítima ao Município de Coari poderia ter sido realizado de outra maneira, por meio de embarcação, de forma que documentação acostada não serve para demonstrar a perda de uma chance razoável, séria e real, a qual a vítima não teve qualquer condição de agarrar. 02.34 Por fim, no que se refere à alegação de aumento da importância devida a título de Seguro RETA (Seguro de Responsabilidade da Empresa de Transporte Aéreo), constatase que é uma cobertura de seguro de responsabilidade civil que toda aeronave, independentemente de sua operação ou utilização, deve possuir, e que remonta o total de 3.500 (três mil e quinhentas) OTNs, nos termos do art. 269 da Lei nº 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica) e da Resolução nº 37/2008. 02.35. Cumpre destacar, nesse sentido, que a Resolução nº 37, publicada em 07/08/2008, a qual entrou em vigor após 180 (cento e oitenta) dias, i. e., um dia antes do acidente em apreço, atualizou o valor da OTN, de forma que o seguro passou a corresponder a R$40.950,00 (quarenta mil, novecentos e cinquenta reais), conforme arguiu a vítima. 02.36. Em que pesem as alegações da empresa de táxi R. Dout. Jurisp. AM

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aéreo, que menciona que a indenização paga pelo seguro RETA visa à reparação do dano sofrido e que, por perfazer um quantum menor do que o geralmente arbitrado à título de indenização, deve ser complementado pelo responsável, deixando de configurar um montante a mais a ser recebido, sob pena de caracterizar dupla indenização sobre um mesmo fato, verifica-se que essas não merecem progredir. 02.37. Isso porque, há manifestação do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o recebimento do seguro de transporte aéreo não obsta o recebimento de indenização, podendo ambas indenizações serem cumuladas, conforme abaixo: Ação de indenização. Acidente aéreo. Vôo doméstico. Morte de passageiros. Danos pessoais. Recibo de quitação. Seguro obrigatório. Danos morais. I - O recibo de quitação de sinistro referente a seguro de risco aéreo, de natureza obrigatória, não exclui a pretensão de recebimento de indenização pelo direito comum. Precedente desta Corte. [...] IV - Recurso especial não conhecido. (REsp 245.465/MG, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/05/2005, DJ 20/06/2005, p. 264, REPDJ 05/09/2005, p. 396) (Grifei)

02.39. Sendo assim, entendo que é direito da vítima o recebimento do seguro RETA no total de R$ 40.950,00 (quarenta mil, novecentos e cinquenta reais), de acordo com o valor da OTN atualizado pela Resolução nº 37/2008, uma vez que essa recebeu quantia correspondente ao valor antigo da OTN. R. Dout. Jurisp. AM

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02.40. Forte nesses argumentos, e após o exame dos autos determino a redução do valor da indenização a título de dano moral para R$100.000,00 (cem mil reais); o deferimento do pagamento de indenização pela perda do computador da vítima, a título de dano material, no montante de R$2.000,00 (dois mil reais); o deferimento da indenização por perdas e danos no montante de R$6.731,25 (seis mil setecentos e trinta e um reais e vinte cinco centavos); o indeferimento o pleito de indenização pela perda de uma chance; bem como o pagamento do complemento do valor do seguro RETA, que deve alcançar o total de R$40.950,00 (quarenta mil, novecentos e cinquenta reais). 02.41. Fincado nas razões expostas, em consonância com o parecer oral do ministério proferido em sessão de julgamento, conheço dos recursos interpostos para dar-lhes parcial provimento, reformando-se a sentença vergastada nos termos deste voto. 02.42. É como voto. Manaus/AM, 03 de setembro de 2012. Desembargador JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES Relator

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2011.001517-7 TERCEIRA CÂMARA CÍVEL 1º Apelante: FLEX. IMP. EXP. E COM. DE MAQ E MONT.LTDA. Advogada:Dra. Michele de M. Freitas. 1º Apelado: SAN REMO PALACE HOTEL LTDA. Advogado: Dr. Sandro Abreu Torres. 2º Apelante:SAN REMO PALACE HOTEL LTDA. Advogado: Dr. Sandro Abreu Torres. 2ª Apelada: FLEX. IMP. EXP. E COM. DE MAQ. E MONT. LTDA. Advogada: Dra. Michele de M. Freitas. EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ACEITE DE DUPLICATA POR PESSOA NÃO AUTORIZADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE RELAÇÃO SUBJACENTE. INEXIGIBILIDADE COMPROVADA DO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS A CARGO DA PARTE VENCIDA. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS. CONHEÇO AS APELAÇÕES CÍVEIS PARA DAR PROVIMENTO À PRIMEIRA. CONDENAÇÃO DE CUSTAS E HONORÁRIOS DE ADVOGADO. E NEGAR PROVIMENTO À SEGUNDA A FIM DE MANTER OS DEMAIS TERMOS DA R. SENTENÇA DE FLS. 405/408. I – A Lei 5.474/68 estabelece em seu artigo 2º os requisitos para a validade da duplicata. Quando não comprovada a relação subjacente de compra e venda ou prestação de serviços que deu ensejo ao título executivo, este não pode ser aceito; II – Fraude frequente em notas fiscais e duplicatas. Quando o aceite não observar o artigo 15, I da Lei 5.474/68 título executivo torna-se inexigível; III – Sucumbência fica a cargo da parte vencida, R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas porquanto não ter tido o dever objetivo de cuidado para validade do negócio jurídico; IV – Conhecidas as Apelações Cíveis para dar provimento à primeira condenando a parte vencida aos ônus de sucumbência e negar provimento à segunda a fim de manter a r. sentença de fls. 405/408.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os Desembargadores integrantes das Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, à unanimidade, em conhecer as Apelações Cíveis, concedendo provimento à interposta por FLEX IMP. E EXP. E COM. DE MAQ. E MONT. LTDA. e negando provimento à interposta por SAN REMO PALACE HOTEL LTDA. a fim de manter os demais termos da r. sentença de fls. 405/408. Sala de sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, em Manaus/AM, 27 de agosto de 2012. Desembargador Presidente Desembargador JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES Relator 01 RELATÓRIO 01.01. No que tange ao relatório, adoto o já lançado nos autos às fls. 489/491. 02 VOTO 02.01. Inicialmente, conheço o recurso, uma vez que R. Dout. Jurisp. AM

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tempestivo, consoante art. 508 do CPC (certidão de fls. 409 e 436). Confirma-se o recolhimento do preparo, às fls. 435 e 471 e presentes os demais requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade. 02.02. Mister destacar que para ter validade, a duplicata deve necessariamente possuir aceite ou recusa pelo sacado, porém no caso em concreto, o aceite se deu por pessoa notadamente acusada de participação na fraude, inclusive maior beneficiária Sra. Karla Kelly de Souza Vasconcelos, presumindo-se que os títulos executivos desta execução também foram utilizados para a produção de dinheiro em agências de factoring. 02.03. É oportuno ressaltar que a duplicata é um título causal, devendo corresponder a negócio jurídico subjacente, sendo que, in casu, está comprovada a origem fraudulenta do título não havendo autorização da presente execução. Entendese, portanto, como exigível das empresas endossatárias, que atuam no ramo do fomento mercantil, a averiguação das formalidades e requisitos de que se revestem os títulos negociados com o fito de ter maior segurança, certeza e exibilidade do seu pagamento, sob pena de responderem por eventuais danos causados. 02.04. A duplicata nada mais é que um título de crédito formal, fundado em crédito originário de contrato de compra e venda mercantil ou prestação de serviços. Depreende-se dos fatos que fora negociado um título de crédito em contrato de fomento mercantil para a empresa endossatária, contudo, esta não tomou as devidas providências e cautelas para a constatação da efetiva relação subjacente de compra e venda de mercadorias – condição necessária à validade do título -, ademais, à fl. 190 a embargante relata os fatos a Brasil Factoring comunicando a produção das duplicatas com o intuito de R. Dout. Jurisp. AM

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específico de estelionato. 02.05. Ratifica-se o entendimento pacífico da jurisprudência dos Tribunais Pátrios pela falta de exigibilidade da duplicata nestes casos: Duplicata. Entrega da mercadoria não comprovada. Inexigibilidade da duplicata. Declaratória de nulidade procedente. Ônus da prova imputado à ré. Recurso improvido. (TJSP APL 7073063700 SP. Relator: Hamid Charaf Bdine Júnior. Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado. Julgamento em 16/12/2009). (grifo nosso). DUPLICATA. Ação declaratória de inexigibilidade de título de crédito, reunida a medida cautelar de sustação de protesto para julgamento conjunto. Hipótese em que a suposta relação jurídica existente entre as partes está consubstanciada em eventual prestação de serviços. Saque de duplicata mercantil. Protesto por indicação Inadmissibilidade, pois a duplicata deve corresponder ao negócio jurídico celebrado pelas partes, sendo vedado o saque de duplicata mercantil se a causa subjacente versa sobre suposta prestação de serviços. Inexigibilidade da cártula reconhecida por não atender à forma prevista em lei. Enfoque da questão sob a ótica estritamente cambial, reservada para as vias adequadas a discussão acerca da efetiva existência do crédito estampado na cártula. Matéria relativa aos atributos formais da duplicata que é de ordem pública e pode ser conhecida, até mesmo de ofício, a qualquer momento e grau de jurisdição,independentemente de requerimento da parte. Pedidos principal e cautelar julgados procedentes,invertidos os ônus sucumbenciais. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP - APL 9206602262007826 SP 9206602-26.2007.8.26.0000. Relator: João R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Camillo de Almeida Prado Costa. Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado. Julgamento em 30/08/2011). (grifo nosso) AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULOS E INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS, PRECEDIDA DE MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. Apelação. Recolhimento do preparo a menor. Intimação para pagamento da diferença - Complementação insuficiente pelo Banco Mercantil do Brasil S/A, suficientes a do Banco Bradesco S/A e da Retífica de Motores São Carlos Ltda.? Recurso julgado deserto. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULOS E INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS, PRECEDIDA DE MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO? Duplicatas mercantis Ausência de lastro Inexistência de relação jurídica subjacente confirmada pela própria sacadora Responsabilidade da sacadora decorrente da emissão das duplicatas frias e de sua circulação Imposição dos ônus de sucumbência em relação à sacadora e às instituições financeiras endossatárias Ausência de cautela quando do recebimento dos títulos em desconto Responsabilidade do banco pela indicação dos títulos a protestos sem os devidos comprovantes Incidência da verba sucumbencial sobre a somatória dos valores atribuídos às causas principais e cautelares Manutenção da repartição proporcional dos ônus da sucumbência Recursos dos corréus desprovidos e provido parcialmente o da autor (TJSC - AC 629076 SC 2010.062907-6. Relator: Volnei Celso Tomazini. Órgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Comercial. Julgamento em 27/10/2011) (grifo nosso).

02.06. Diante da comprovação de inexistência de relação subjacente que deu ensejo à duplicata, não se pode falar em prosseguimento da execução, uma vez comprovada a R. Dout. Jurisp. AM

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inexigibilidade do título. 02.07. Quanto aos argumentos expostos na segunda apelação cível invoca-se o princípio da sucumbência para condenar o embargado ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado, uma vez que, embora não tenha dado causa direta à procedência dos embargos à execução, esta teria o encargo de verificar se o título executivo possuía todos os requisitos legais antes de negociá-lo. 02.08. Com essas razões, conheço o recurso de Apelação Cível interposto por FLEX IMP. E EXP. E COM. DE MAQ. E MONT. LTDA. concedendo provimento para condenar o embargado ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado fixados em 10% do valor da causa, entretanto, conheço a Apelação Cível de SAN REMO PALACE HOTEL LTDA. negando-lhe provimento a fim de manter os demais termos da v. sentença de 405/408. É como voto. Manaus/AM, 27 de agosto de 2012.

Desembargador JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES Relator

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2008.005626-9/0001.00/MANAUS TRIBUNAL PLENO RELATORA: DESª MARIA DAS GRAÇAS PESSÔA FIGUEIREDO. IMPETRANTE: CARLOS AUGUSTO DE SOUZA SANTOS IMPETRANTE: HUGO RABELO DA SILVA. ADVOGADO: RAFAEL ROCHA DE SÁ PEIXOTO. IMPETRADO: COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR. EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO C O N T R A AT O P R AT I C A D O P E L O COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO AMAZONAS. AUTORIDADE QUE NÃO ESTÁ ARROLADA EXPRESSAMENTE ENTRE AQUELAS CUJO MANDADO DE SEGURANÇA PROCESSA-SE ORIGINARIAMENTE PELO TRIBUNAL, NEM NA NORMA CONSTITUCIONAL ESTADUAL, NEM NA LEI C O M P L E M E N TA R D E O R G A N I Z A Ç Ã O JUDICIÁRIA. COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA. MATÉRIA DA CARTA ESTADUAL REGULAMENTÁVEL POR LEI COMPLEMENTAR DE INICIATIVA PRIVATIVA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEI DELEGADA ESTADUAL QUE ATRIBUI A DIVERSAS AUTORIDADES O STATUS DE SECRETÁRIO. POSSIBILIDADE DESDE QUE NÃO IMPLIQUE A LT E R A Ç Ã O D A C O M P E T Ê N C I A JURISDICIONAL. TÉCNICA DE JULGAMENTO. D E C L A R A Ç Ã O I N C I D E N TA L D E INCONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE TEXTO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA RECONHECIDA. 1. O art. 125, § 1.°, da Constituição da República,

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas estabelece que os estados organizarão sua justiça mediante consideração dos princípios nela estabelecidos (na Constituição da República), sendo que a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado e que a lei de organização judiciária é de iniciativa do Tribunal. 2. Tendo por base essa premissa, a lei estadual ordinária delegada que, ao conferir o status de secretário de estado a diversas autoridades estaduais, acaba por alterar, por conta disso, a competência jurisdicional originária do Tribunal de Justiça — a quem incumbe processar e julgar os mandados de segurança contra atos de secretários estaduais — é, nesse contexto, prenhe de inconstitucionalidade justamente porque afronta os citados preceitos normativos. 3. Há de se reconhecer, por um lado, que o Governador do Estado tem ampla legitimidade para conferir a qualquer um de seus subordinados, dos mais elevados aos de menor estatura funcional, o status de secretário de estado e, por conta disso, não é possível extirpar do ordenamento jurídico a citada lei delegada, senão sendo impositivo utilizar-se, como técnica de julgamento, da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, de forma a reconhecer a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei Delegada n.° 67/2007 sob o aspecto de que, apesar de conferir às autoridades ali nominadas o status de secretário de estado, isso não significa que a competência para julgar os mandados de segurança impetrados contra atos por si praticados deva ter início, de modo originário, no Tribunal de Justiça. 4. Inconstitucionalidade declarada sem redução de texto. Incompetência absoluta do Tribunal para processar e julgar o mandado de segurança impetrado contra ato do Ilmo. Sr. ComandanteGeral da Polícia Militar do Amazonas.

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ACÓRDÃO VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de Arguição de Inconstitucionalidade em Mandado de Segurança nº 2008.005626-9/0001.00, em que são partes as acima indicadas. ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Egrégia TRIBUNAL PLENO do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por unanimidade de votos, acolher o parecer do Ministério Público para declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 13 da Lei Delegada Estadual nº 67/2007, a fim de estabelecer que a concessão de status de secretário de estado às autoridades públicas lá indicadas não tem o condão de afetar a competência jurisdicional do Tribunal de Justiça, de modo que os mandados de segurança impetrados contra atos delas não se processam originariamente no Tribunal, salvo se também estiverem arroladas no art. 72, inciso I, alínea c, da Constituição estadual.

Por via de consequência, declara-se no caso concreto a incompetência absoluta para o processamento e julgamento do mandado de segurança, que deve ser redistribuído a um dos juízos competentes no primeiro grau de jurisdição. P U B L I Q U E – S E. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em ______ de ___________ de _____. Des. Presidente Desa. MARIA DAS GRAÇAS PESSÔA FIGUEIREDO Relatora Dr. Procurador-Geral de Justiça R. Dout. Jurisp. AM

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RELATÓRIO Em mandado de segurança impetrado contra ato atribuído ao Ilmo. Sr. Comandante-Geral da Polícia Militar, resolvi instaurar de ofício o incidente de inconstitucionalidade sobre a norma esculpida no art. 13 da Lei Delegada nº 67/2007. Isso porque o referido preceito legal, ao atribuir a diversas autoridades públicas estaduais, o impetrado inclusive, o status de secretário de estado, acabou por modificar a competência jurisdicional deste Tribunal, definida constitucionalmente e por lei complementar, para o julgamento dos mandados de segurança. Nesse diapasão, o Tribunal, em vez de processar e julgar apenas os mandados de segurança ajuizados contra atos das autoridades elencadas no art. 72, inciso I, alínea c, da Constituição do Amazonas, passou a decidir também as causas processadas contra autoridades estaduais que, por lei infraconstitucional, passaram a ostentar o status de secretário de estado. Ao verificar que essa norma potencialmente ofende o art. 125, § 1.º, da Carta Magna, e o citado preceito da Constituição amazonense, resolvi instaurar, em obediência ao princípio da reserva de plenário, o incidente de inconstitucionalidade. Manifestando-se sobre o incidente, tanto o Exmo. Sr. Governador do Estado do Amazonas quanto a ProcuradoriaGeral do Estado defenderam a plena conformidade do art. 13 da Lei Delegada nº 67/2007 aos ditames constitucionais federal e estadual, principalmente, quanto à Lei Fundamental do Amazonas, ao art. 55 do ADCT, que estabelece que o Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar será nomeado em comissão e terá direitos e prerrogativas de Secretário de Estado. Destacam também a natureza de órgão administrativo superior tanto da Polícia Militar quanto do Corpo de Bombeiros R. Dout. Jurisp. AM

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Militar, o que resulta, segundo a aplicação do princípio da isonomia, a igualdade de tratamento entre ambos, daí porque se o Comandante-Geral dos Bombeiros tem prerrogativas e direitos de Secretário de Estado, também os terá o Comandante da Polícia Militar. A Assembleia Legislativa estadual furtou-se a manifestarse sobre o incidente porque o ato normativo impugnado, consistindo em lei delegada, não foi emanado do Poder Legislativo, mas diretamente do Governo do Estado. O Senhor Procurador-Geral de Justiça, ao lançar parecer sobre a causa, posicionou-se pela declaração de inconstitucionalidade da norma estadual frente ao art. 125, § 1.º, da Constituição da República, e ao art. 72, inciso I, alínea c, da Carta Estadual. É o relatório. VOTO O incidente ora apreciado tem como objeto de consideração o art. 13 da Lei Delegada n° 67/2007, cuja redação é a seguinte: Art. 13. Têm responsabilidades, deveres, direitos, garantias, prerrogativas e remuneração de Secretário de Estado o Secretário de Governo, os Chefes da Casa Civil, da Casa Militar, da Agência de Comunicação Social e do Gabinete Pessoal do Governador, o Controlador Geral do Estado, o Procurador-Geral do Estado, o Ouvidor Geral do Estado, o Reitor da Universidade do Estado do Amazonas, o Delegado Geral de Polícia e os Comandantes da Polícia Militar do Estado e do Corpo de Bombeiros Militar, o Presidente da Comissão Geral de Licitação e o Presidente da Comissão de Cooperação e Relações Institucionais do Governo do Estado - CCRIA.

Numa primeira leitura, nada de errado transparece desse R. Dout. Jurisp. AM

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preceito legal, sendo absolutamente compreensível e legítimo que o Senhor Governador do Estado queira, mediante uma lei editada singularmente por ele, atribuir a quem quer que seja o status de secretário de estado, desde o seu secretário particular até, quem, sabe, num ato de benevolência, até o seu motorista de seu automóvel de representação. A questão muda de figura, contudo, quando esse mesmo preceito legal é interpretado de forma a estender a todas essas autoridades públicas agraciadas com o status de secretário do estado o mesmo privilégio deste no que tange ao processamento de mandados de segurança: é dizer, a partir disso, apenas porque o Comandante-Geral da Polícia Militar, no caso concreto, ou o Presidente da Comissão Geral de Licitação passam a ostentar essa qualidade, os mandados de segurança contra seus atos passam a tramitar originariamente neste Tribunal. Essa interpretação é que não me parece consentânea com os ditames constitucionais. Primeiramente, sob um prisma formal, porque a competência dos tribunais deve ser definida apenas pela Constituição do Estado e por lei de organização judiciária de iniciativa exclusiva do próprio Tribunal, nos termos do art. 125, § 1.°, da Carta Republicana: Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1.º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Por conta disso, interpretar-se o art. 13 da Lei Delegada nº 67/2007 de modo a estender a diversas autoridades o privilégio concedido constitucionalmente a apenas algumas delas é, por via oblíqua, alterar a competência jurisdicional R. Dout. Jurisp. AM

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originária do Tribunal, o que esbarra frontalmente no citado art. 125, § 1.°, da Constituição da República. Demais, essa mesma exegese importa em violação material ao preceituado no art. 72, inciso I, alínea c, da Carta Estadual, que especifica a competência do Tribunal pormenorizadamente e indica quais autoridades públicas têm seus mandados de segurança processados aqui: Art. 72. Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: [...] c) o habeas data e o mandado de segurança contra os atos do Governador do Estado, do Vice-Governador, dos Prefeitos Municipais, do Presidente e Membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado, do Presidente da Câmara Municipal e de sua Mesa Diretora, do Presidente e dos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, do Procurador-Geral da Justiça, do Corregedor-Geral do Ministério Público, do ProcuradorGeral do Estado, do Chefe da Defensoria Pública, de Secretários de Estado e do próprio Tribunal, do seu Presidente, do seu Vice-Presidente e do CorregedorGeral de Justiça;

Desse modo, são essas e apenas essas as autoridades públicas cujos mandados de segurança contra si impetrados são processados originariamente no Tribunal, não sendo constitucionalmente adequado que uma lei delegada estadual amplie esse rol ainda que, não o modificando frontalmente, estenda ou equipare estaturas diversas. Assim, por exemplo, ainda que uma lei concedesse ao Corregedor-Geral da Defensoria Pública o mesmo status do Corregedor-Geral do Ministério Público, apenas os atos deste são passíveis de mandado de segurança impetrado originariamente no Tribunal, porque assim é a vontade da Constituição do Amazonas, que discriminou minuciosamente o elenco de autoridades com essa prerrogativa, e também da Carta Republicana, que estabeleceu que essa competência R. Dout. Jurisp. AM

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somente pode ser estabelecida pela Lei Fundamental de cada Estado e regulamentada por lei de iniciativa exclusiva do Tribunal. Transpondo isso ao caso concreto, verifico que o Senhor Comandante Geral da Polícia Militar não é autoridade pública elencada no art. 72, inciso I, alínea c, da Carta Estadual, tampouco na Lei Complementar Estadual 17/1997, daí porque, embora o art. 13 da Lei Delegada nº 67/2007 atribua-lhe o status de Secretário de Estado, nem ele, que faz parte do caso concreto, tampouco o Ouvidor Geral do Estado, o Reitor da Universidade do Estado do Amazonas, o Delegado Geral de Polícia, o Comandante do Corpo de Bombeiros Militar, o Presidente da Comissão Geral de Licitação e o Presidente da Comissão de Cooperação e Relações Institucionais do Governo do Estado – CCRIA podem ser autoridades coatoras de mandados de segurança impetrados originariamente no Tribunal, ao menos não se figurarem como únicos impetrados. Desse modo, embora não se possa perder de vista que, sob o prisma de organização da administração pública estadual, o art. 13 da Lei Delegada nº 67/2007 é plenamente constitucional, o mesmo não é possível afirmar quando a interpretação estende-se sobre a competência jurisdicional originária do Tribunal, daí porque, diante dessa dicotomia, a melhor técnica de julgamento não é a de extirpar completamente o preceito do ordenamento jurídico estadual, como normalmente se faria. Nesse caso, melhor é se utilizar da chamada declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que, ensina Zeno Veloso (in Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, 3. ed., Ed, Del Rey, 2003, p. 165), consiste em técnica de julgamento que faz o Tribunal ... [...] reconhecer a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo sob algum aspecto, em dada situação, debaixo de determinada variante. A norma impugnada continua vigendo, na forma R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas originária. O texto continua o mesmo, mas o Tribunal limita ou restringe a sua aplicação, não permitindo que ela incida nas situações determinadas, porque, nestas, há a inconstitucionalidade. Nas outras, não.

Assim, conquanto a lei expressamente não seja, por si mesma, inconstitucional, um tipo específico de interpretação aplicada a ela, que tende a estender a competência jurisdicional originária do Tribunal, não é juridicamente adequada e, portanto, deve ser evitada a todo custo. Em vista disso, em conformidade ao parecer do Ministério Público, e tendo como parâmetros o art. 125, § 1.°, da Constituição da República, e o art. 72, inciso I, alínea c, da Carta do Estado do Amazonas declaro a inconstitucionalidade, sem redução do texto, do art. 13 da Lei Delegada n.° 67/2007, de forma a preservar no ordenamento jurídico o texto legal mas dele excluir a possibilidade de interpretação que amplie a competência jurisdicional do Tribunal de Justiça, deixando claro que os mandados de segurança contra ato do Senhor Comandante Geral da Polícia Militar do Amazonas sejam distribuídos corriqueiramente perante os juízos próprios de primeiro grau. Antes de terminar meu voto, faço dois esclarecimentos: como essa declaração de inconstitucionalidade tem aptidão para implicar a incompetência absoluta do Tribunal, é desnecessário remeter-se o processo de volta às Câmaras Reunidas, daí porque determino o seu encaminhamento diretamente à distribuição de primeiro grau. Demais, penso que, em casos assemelhados, nos quais as autoridades arroladas no art. 13 da Lei Delegada 67/2007 não estejam elencadas no art. 72, inciso I, alínea c, da Constituição do Estado do Amazonas, é profilático e profícuo que declinemos monocraticamente da competência tendo por base a mesma razão de decidir aplicada a este caso, que ordinariamente tem eficácia inter partes mas que não impede, R. Dout. Jurisp. AM

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todavia, a transcendência dos motivos determinantes da declaração de inconstitucionalidade, tese que tem guarida no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal: Reclamação 2.363/PA (Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ de 01.04.2005), Agravo Regimental na Reclamação 1.880/0SP (Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 19.03.2004), Agravo Regimental na Reclamação 5.389/PA (Relatora Ministra Cármem Lúcia, DJ de 18.12. 2007), Reclamação 4.692-MC (Relator Ministro Cezar Peluso, DJ de 14.11.2006) e Reclamação 4.416-MC (Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 29.09.2006). Por fim, determino que se envie cópia dos autos aos magistrados das Varas da Fazenda Pública Estadual e da Vara da Dívida Ativa Estadual, bem como cópia da decisão ao setor de distribuição processual de segundo grau. É o meu voto. Desa. MARIA DAS GRAÇAS PESSÔA FIGUEIREDO Relatora

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2011.003263-0/MANAUS TRIBUNAL PLENO RELATORA: DESª MARIA DAS GRAÇAS PESSÔA FIGUEIREDO. REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO. PROCURADOR: DR. JORGE ALBERTO GOMES DAMASCENO. REQUERIDO: VICENTE AUGUSTO CRUZ DE OLIVEIRA PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA APOSENTADO. ADVOGADO

: EDSON PEREIRA DUARTE.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUESTÃO DE ORDEM. PROCEDIMENTO QUE VISA CASSAÇÃO DE A P O S E N TA D O R I A D E M E M B R O APOSENTADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DESTA CORTE PARA O PROCESSAMENTO DA DEMANDA. NÃO RECONHECIDA. C O M P E T Ê N C I A N Ã O P R E V I S TA N A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E NA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO AMAZONAS. MEMBRO APOSENTADO. FORO P O R P R E R R O G AT I VA D E F U N Ç Ã O . INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM ACOLHIDA. REMESSA DOS AUTOS À PRIMEIRA INSTÂNCIA. 1. o objetivo do foro por prerrogativa de função é resguardar a função pública, protegendo o implicado de interferências no desempenho de sua atividade. Trata-se, portanto, de um privilégio instituído em benefício dos jurisdicionados e não do agente que ocupa o cargo. 2. Por conta disso, encerrada a função pública em decorrência da aposentadoria, não há mais razão para se manter o foro privilegiado. 3. Questão de ordem acolhida, para definir a competência do juízo de primeira instância para R. Dout. Jurisp. AM

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ACÓRDÃO VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de nº , em que são partes as acima indicadas. ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Egrégia do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por unanimidade de votos, acolher a questão de ordem para definir a competência do juízo de primeiro grau para processar e julgar a ação civil pública. P U B L I Q U E – S E. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em ______ de ______________ de _____. Des. Presidente Desa. MARIA DAS GRAÇAS PESSÔA FIGUEIREDO Relatora Dr. Procurador de Justiça

RELATÓRIO O Ministério Público Estadual ajuizou ação civil pública R. Dout. Jurisp. AM

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tendente a cassar a aposentadoria do ex-Procurador Geral de Justiça Vicente Augusto Cruz de Oliveira, em razão de atos de improbidade administrativa atinentes ao pagamento em dobro e em triplo do auxílio alimentação aos servidores e membros do parquet, nos meses de novembro e dezembro de 2005. Na mesma esteira, afirma que o ex-Procurador Geral de Justiça efetuou o pagamento da gratificação de produtividade à servidores do alto escalão da Instituição Ministerial sem respaldo legal, com evidente indício de irregularidade. Por conta destes fatos, o Ministério Público requer através da presente ação a decretação da perda do cargo vitalício de Procurador de Justiça, assim como a cassação dos proventos de aposentadoria de Vicente Augusto Cruz de Oliveira. O réu apresentou contestação (fls. 1.063/1.074) e, ao mesmo passo, ingressou com agravo regimental contra a decisão que recebeu a ação civil pública. No agravo regimental, o réu aduz a incompetência desta Corte para apreciar a ação, visto que em razão de seu afastamento funcional e aposentadoria compulsória, teria perdido a prerrogativa de foro, logo não se justifica o processamento da ação neste Tribunal, devendo os autos serem enviados para julgamento na primeira instância. Analisando esta questão, observei que o Ministério Público Estadual baseou-se em duas normas para fixar a competência originária desta Corte: o artigo 38, da Lei Orgânica do Ministério Público Nacional e o artigo 112, §2º da Lei R. Dout. Jurisp. AM

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Orgânica do Ministério Público do Estado do Amazonas. Nesse diapasão, há que se observar que a competência dos Tribunais de Justiça, conforme preleciona o art. 125, § 1.°, da Constituição Federal, é definida apenas através da Constituição do Estado e da Lei de Organização Judiciária. Assim, tendo por base essa premissa, há que se verificar se as normas que estabeleceram a competência originária desta Corte para o processamento da ação adequam-se ao preceito constitucional supracitado. Por conta deste fato, resolvi, de ofício, instaurar o presente incidente de inconstitucionalidade sobre as normas insculpidas nas Leis Orgânicas do Ministério Público Nacional e do Estado do Amazonas, vez que firmaram a competência deste Tribunal de Justiça para processar a ação civil pública da perda de cargo de membro do MP, sem, contudo, que este dispositivo apresente paridade com a Lei de Organização Judiciária deste Poder. Manifestando-se sobre o incidente, o Procurador Geral de Justiça afirma que a competência desta Corte para processar a ação civil pública está ligada a garantia de vitaliciedade, conferida aos Membros do Ministério Público por força da Constituição Federal. Desta forma, o Graduado Órgão Ministerial manifesta-se no sentido de inexistir qualquer inconstitucionalidade nas citadas normas, pois apenas fixam a competência originária deste Tribunal para conhecer a ação que visa a decretação da perda de cargo de membro vitalício do Ministério Público do Estado, cuja prerrogativa de função confere-lhe o direito ao processamento da ação desde o princípio no Tribunal de R. Dout. Jurisp. AM

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Justiça. O Estado do Amazonas, por meio de seu Procurador Geral, deixou de se manifestar sobre a causa, tendo em vista entender desnecessária sua intervenção nos controles incidentais de inconstitucionalidade. É o relatório. VOTO A questão de ordem que trago à apreciação tem como objeto de consideração a inconstitucionalidade do art. 112, § 2º da Lei Complementar Estadual nº 011/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Amazonas), cuja redação é a seguinte: Art. 112. Os membros do Ministério Público como agentes políticos sujeitam-se a regime jurídico especial e tem as seguintes garantias: [...] §2 º A ação civil para a decretação da perda do cargo dos membros vitalícios será proposta pelo Procurador-Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça, após autorização do Colégio de Procuradores.

O referido preceito repete ipsis literis o artigo 38, § 2º do Lei Federal nº 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público Nacional) contido na Lei. Numa primeira leitura, nada de errado transparece desses preceitos legais, sendo até compreensível o processamento de uma ação civil pública para a decretação da perda de cargo diretamente neste Tribunal. Todavia, essa interpretação não me parece consentânea com os ditames constitucionais, vez que, sob um prisma formal, a competência dos Tribunais de Justiça deve ser definida R. Dout. Jurisp. AM

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apenas pela Constituição do Estado e pela Lei de Organização Judiciária de iniciativa exclusiva do próprio Tribunal, nos termos do art. 125, § 1°, da Constituição Federal: Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1.º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Por conta disso, interpretar-se o art. 112, § 2º da Lei Orgânica do Ministério Público Estadual de modo a estender a competência jurisdicional originária deste Tribunal, esbarra frontalmente no citado art. 125, § 1°, da Constituição da República. Digo isso porque, nem a Constituição do Estado do Amazonas, nem a Lei de Organização Judiciária deste Poder preveem o julgamento, em sede originária, de ação civil pública para decretação de perda de cargo de membro do Ministério Público diretamente neste Tribunal. Talvez porque a lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) não instituiu juízos com competência funcional para a defesa dos interesses difusos ou coletivos. Dessa maneira, não havendo previsão na Lei de Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei complementar nº 17/97) para o processamento da ação civil pública para perda do cargo de procurador do Ministério Público perante o Tribunal de Justiça, há que se reconhecer que a referida ação deve iniciar o trâmite legal na primeira instância. No que tange a afirmação do Órgão Ministerial de que o foro privilegiado deveria ser reconhecido em função da vitaliciedade conferida aos membros do Ministério Público, ressalto que as Cortes Superiores são firmes no entendimento de que o foro por prerrogativa de função são ínsitos ao cargo, R. Dout. Jurisp. AM

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logo com a aposentadoria do titular se esvai a prerrogativa de foro, ainda que o cargo seja vitalício. Ao apreciar causa atinente a Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Espirito Santo na Reclamação nº 4.213-ES, julgada em 08 de agosto de 2012, o Superior Tribunal de Justiça assim assentou: [...] encerrada a função pública em decorrência da aposentadoria, não há mais razão para se manter o foro privilegiado. Este entendimento deve prevalecer ainda que o cargo seja vitalício, de modo que o foro por prerrogativa de função não se estende a magistrados aposentados.

O mesmo entendimento é compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal, que também afastou o foro privilegiado a membro de Poder aposentado, ainda que ocupante de cargo vitalício, ao afirmar no Recurso Extraordinário nº 549560/CE, julgado em 22 de março de 2012, que: “o foro especial por prerrogativa de função não se estende a magistrados aposentados”. Especificamente em relação a membro do Ministério Público, o Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu: AGRAVO REGIMENTAL. CORTE ESPECIAL. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. APOSENTADORIA. CESSAÇÃO. PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. Na linha da jurisprudência emanada do c. Supremo Tribunal Federal, como desta Corte, cessado o exercício da função em decorrência da aposentadoria do agente público, não subsiste a regra que determina a prerrogativa de foro. Agravo regimental desprovido. (AgRg na Pet 7.373/GO, Rel. Ministro Félix R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Fischer, Corte Especial, julgado em 24.08.2011, DJe 23.05.2011)

Ainda sobre a matéria cito outros precedentes do Superior Tribunal de Justiça em destaque: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. I M P R O B I D A D E A D M I N I S T R AT I VA . D E S E M B A R G A D O R A P O S E N TA D O . INEXISTÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que há foro privilegiado nas ações de improbidade administrativa. Precedente: Rcl 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 2.12.2009, DJe 4.3.2010. 2. No caso de magistrados, o objetivo do foro por prerrogativa de função é resguardar a função pública, protegendo o julgador de interferências no desempenho de sua atividade. Trata-se, em última análise, de um privilégio instituído em benefício dos jurisdicionados, e não do agente que ocupa o cargo. 3. Assim, deve-se entender que, encerrada a função pública em decorrência da aposentadoria, não há mais razão para se manter o foro privilegiado. Este entendimento deve prevalecer ainda que o cargo seja vitalício, de modo que o foro, por prerrogativa de função, não se estende a magistrados aposentados. Precedente do STF: RE 549560/CE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22.3.2012, acórdão pendente de publicação. 4. Portanto, em razão da aposentadoria do reclamante, que ocupou o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, não há falar em foro por prerrogativa de função para o julgamento da ação de improbidade administrativa no Superior Tribunal de Justiça. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Reclamação improcedente. (Rcl 4.213/ES, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 15/08/2012) SINDICÂNCIA. COMPETÊNCIA. Aposentado, o membro de tribunal já não goza da perrogativa de foro. Agravo regimental não provido. (AgRg na Sd .248/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/09/2010, DJe 25/10/2010)

Com efeito, o processamento da ação em instância especial somente se justifica para proteger o detentor de cargo público no desempenho de sua atividade. Desta forma, encerrada a função pública em decorrência da aposentadoria, não há porque processar a ação inicialmente na instância superior, vez que a proteção conferida pela norma é apenas ao detentor do cargo, durante o desempenho de suas atividades. Descendo ao caso dos autos, observa-se que apesar de vitalício no cargo de Procurador de Justiça, o réu da presente ação civil foi aposentado desde o ano de 2007, havendo, por consequência, desde esta data seu afastamento funcional. Por conta disso, é forçoso reconhecer que o juízo singular é o competente para processar e julgar a ação civil pública propostas contra o réu, uma vez que atualmente aposentado no cargo de procurador de justiça, inexiste qualquer motivo para conferir-lhe foro especial por prerrogativa de função. Assim, mediante o exposto, tendo como parâmetros o art. 125, § 1°, da Constituição da Federal e os precedentes do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, R. Dout. Jurisp. AM

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acolho a questão de ordem para declarar a inconstitucionalidade do art. 112, § 2º da Lei Complementar Estadual nº 011/93 e do artigo 38, § 2º da Lei n° 8.625/93, no que pertine a atribuição de competência originária deste Tribunal de Justiça para processar a ação civil pública para cassação de aposentadoria de membro aposentado do Ministério Público Estadual. Com efeito, essa declaração de inconstitucionalidade tem aptidão para implicar a incompetência absoluta deste Tribunal para apreciar em sede originária a presente demanda, logo faz-se necessário remeter o processo urgentemente à distribuição de primeiro grau. É o meu voto. Desa. MARIA DAS GRAÇAS PESSÔA FIGUEIREDO Relatora

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0260667-31.2010.8.04.0001 Segunda Câmara Cível Juiz Sentenciante: Maria Eunice Torres do Nascimento Recorrente: Banco da Amazônia S/A Advogado: Annabelle de Oliveira Machado Recorrido: E.H. Pavão Distribuidora Advogado: Amanda Ladeira Benzion, Claúdia da Silva Relatora: Desa. Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO ROTATIVO. COBRANÇA DE TAXA DE JUROS DIVERSA DA PACTUADA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. LEI N. 10.931/04. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. O apelante reconheceu cobrança de taxa de juros diversa do pactuado no contrato, porém não apresentou justificativa para tal conduta. 2. Os princípios da boa-fé e da função social do contrato demandam das partes irrenunciável respeito aos termos do instrumento contratual. 3. Deixou de ser apresentada a planilha expondo o valor principal da dívida bem como todos os encargos incidentes, a qual compõe a cédula de crédito bancária, a teor do artigo 28 da Lei n. 10.931/04. 3. Recurso conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0260667-31.2010.8.04.0001 de Manaus (AM), em que são partes as acima indicadas, ACORDAM, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem o(a) Segunda R. Dout. Jurisp. AM

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Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por _________________ de votos para conhecer o recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto condutor da decisão. Sala das Sessões, em Manaus, 04 de dezembro de 2012.

Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura Relatora RELATÓRIO Cuida-se de Apelação interposta pelo BANCO DA AMAZÔNIA S/A contra a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 9ª Vara Cível da Capital nos autos da Ação Revisional de Contrato Bancário com pedido de liminar nº 02606673 7 . 2 0 1 0 . 8 . 0 4 . 0 0 0 1 , m o v i d a p o r E . H . PAV Ã O DISTRIBUIDORA. Grife-se que foram julgados concomitantemente na mesma sentença, por força do instituto da prevenção, os autos da Execução proposta pelo Banco (nº 020080850.2011.8.04.0001) e dos Embargos de Devedor opostos pelo ora apelado (nº 0266446-64.2011.8.04.0001). A decisão vergastada julgou procedente a ação revisional por enxergar abusividade negocial na ausência de prévia informação ao consumidor da cobrança de juros em percentual diverso daquele disposto no contrato bancário de abertura de crédito rotativo, e, por decorrência lógica da nulidade da cobrança, extinguiu a execução. Irresignado (fls. 298/313), o recorrente alega que a cobrança de juros acima do pactuado percentual de 1,80% (um R. Dout. Jurisp. AM

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ponto oito por cento) ao mês não eiva a contratação da Cédula de Crédito Bancário de nulidade, porque o excedente se refere aos juros do dia da liberação da parcela do crédito. Destarte, requer o conhecimento e provimento do apelo de modo a ver reconhecida a liquidez, certeza e exigibilidade do crédito em testilha. Instado, o apelado manifestou-se em prol da manutenção da sentença e pugnou pelo não conhecimento do recurso ante a falta de relação entre a argumentação recursal e as razões do decisum vergastado (fls.317/326). No primordial, é o brevíssimo relatório. VOTO Considerando que a apelação se constrói em torno do objetivo de defender a licitude do contrato bancário, desmerece endosso o argumento do recorrido de que o apelo não guarda relação com a decisão combatida e, portanto, seria formalmente irregular. Assim sendo, julgo preenchidos os pressupostos de conhecimento do recurso. Quanto ao mérito, impende recordar que Código Civil de 2002 conferiu posição de destaque para os princípios da função social dos contratos e da boa-fé, alçando-os ao posto de vetores interpretativos de todo instrumento contratual. Rezam os mencionados dispositivos: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

A despeito de sua localização no diploma civil substantivo, a natureza cogente das regras supratranscritas R. Dout. Jurisp. AM

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autoriza-as a irradiar efeitos por todo o ordenamento, alcançando inclusive as relações de consumo, até porque harmoniza-se com a diretriz exegética traçada no artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Extrai-se da conjugação dos artigos em comento que os contratos celebrados no âmbito das relações consumeristas, além de sempre deverem ser interpretados sob a óptica mais favorável ao consumidor, também estão obrigados a respeitar os princípios da boa-fé e da função social do contrato. Pois bem, examinando o caderno processual, observase que o apelante, embora reconheça ter cobrado juros em patamar diverso daquele pactuado na Cédula de Crédito Bancária, não conseguiu articular justificativa suficientemente plausível para explicar tal procedimento em desarmonia com o avençado no pacto creditício. Nesta marcha, mister trazer à lume a cláusula terceira daquele contrato: CLÁUSULA TERCEIRA – ENCARGOS FINANCEIROS – Sobre o saldo devedor incidirão juros compensatórios (remuneratórios), capitalizados no final do mês, a taxas efetivas indicadas nos itens 2.2 e 2.3 acima, exigíveis de forma integral no primeiro dia útil de cada mês e ainda, no vencimento, na liquidação e na transferência do limite para outra agência do BANCO DA AMAZÔNIA S.A.

Deflui desta previsão contratual que a instituição financeira somente poderia cobrar is juros descritos nos itens 2.2 e 2.2 do contrato, dentre os quais não consta qualquer referência ao excedente (“over”) mencionado pelo apelante em seus razões recursais. Como se ainda fosse insuficiente, o artigo 28, §2º, I, da R. Dout. Jurisp. AM

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Lei n. 10.931/04, responsável pela disciplina das Cédulas de Crédito Bancário, exige que a execução desta espécie de título de crédito seja acompanhada de planilha de cálculo de modo a restar plenamente esclarecido qual o valor principal da dívida e o de todos encargos incidentes; veja-se: Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º. § 2º Sempre que necessário, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, representado pela Cédula de Crédito Bancário, será feita pelo credor, por meio de planilha de cálculo e, quando for o caso, de extrato emitido pela instituição financeira, em favor da qual a Cédula de Crédito Bancário foi originalmente emitida, documentos esses que integrarão a Cédula, observado que: I - os cálculos realizados deverão evidenciar de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais devidos, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela de atualização monetária ou cambial, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais, as despesas de cobrança e de honorários advocatícios devidos até a data do cálculo e, por fim, o valor total da dívida; e

Logo, revela-se acertada a decisão impugnada ao determinar que apresente novo demonstrativo do débito em R. Dout. Jurisp. AM

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consonância com a taxa de juros acordada no contrato e número de prestações fixas, a fim de possibilitar o pagamento pelo apelado. Por tudo aqui exposto, concluo que a sentença apelada não merece reparos, ao que conheço do presente recurso para lhe NEGAR PROVIMENTO. À Secretaria para as providências legais subsequentes. É como voto.

Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura Relatora

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000174-07.2012.8.04.0000 Segunda Câmara Cível Juiz Sentenciante: Sheilla Jordana de Sales Recorrente: Prefeitura Municipal de Coari/ Município de Coari Advogado: Fabíola Vasconcelos Mitoso Recorrido: Janilcia Nascimento de Oliveira Advogado: Adriana Caxeixa Alfaia Relatora: Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura APELAÇÃO. MORA SALARIAL. DANOS MORAIS. INDISPENSABILIDADE DE PROVA DO PREJUÍZO SOFRIDO. PRECEDENTES DO TST. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O mero atraso no pagamento de salário não enseja reparação por danos morais. 2. Indispensável prova de efetivo prejuízo suportado pelo sujeito. Precedentes do TST. 3. Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0000174-07.2012.8.04.0000, de Manaus (AM), em que são partes as acima indicadas, ACORDAM, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem o(a) Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por _________________ de votos para conhecer o recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto condutor da decisão. Sala das Sessões, em Manaus, 17 de dezembro de 2012.

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Desa. Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura Relatora RELATÓRIO Cuida-se de Apelação Cível interposta pelo Município de Coari visando a reforma da sentença proferida pela 1ª Vara da Comarca de Coari nos autos da Ação de Cobrança proposta por Janilcia Nascimento de Oliveira, que condenou o apelante a pagar em favor da apelada o salário do mês de setembro de 2009 e o 13º salário de 2009/2010, além de indenização por danos morais fixada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Em suas razões (fls. 38/44), o recorrente se volta contra os danos morais arbitrados no decisum com base em três argumentos: (i) as verbas reclamadas já foram pagas; (ii) a jurisprudência do TST e a doutrina entendem que o atraso no pagamento de salários não ensejaria reparação por danos morais; e (iii) ausente comprovação do dano, a indenização caracterizaria enriquecimento ilícito. Requer, destarte, conhecimento e provimento do apelo. A apelada, por sua vez (fls. 49/60), arguiu, em sede de preliminar, a ilegitimidade do representante legal do recorrente à vista da criação da Procuradoria Geral do Município de Coari pela Lei Complementar Municipal nº 005/2009. Quanto ao mérito, pugna pela mantença da decisão hostilizada por seus próprios fundamentos. Chamado a se manifestar, o Graduado Órgão Ministerial com assento nesta Câmara Cível opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso, dada a ilegalidade e imoralidade da postura do apelante (fls. 68/71). No primordial, é o brevíssimo relatório. VOTO R. Dout. Jurisp. AM

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Em preliminar o recorrido argui que a subscritora da apelação não pertence aos quadros da Procuradoria do Município de Coari, todavia, às fls. 30 consta regular procuração de poderes da municipalidade para a advogada, de forma que se revela legítima sua atuação em juízo. Superadas as questões atinentes à admissibilidade do recurso, passo a decidir o mérito. O propósito do apelante é esclarecer se o atraso no pagamento de verbas salariais é causa suficiente para suscitar indenização por danos morais. A jurisprudência do Superior Tribunal do Trabalho confere razão ao recorrente, pois exige provas dos efetivos prejuízos advindos da mora salarial, uma vez que o mero atraso não autoriza indenização por danos morais. Veja-se: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS - ATRASO NO PA G A M E N TO D O S S A L Á R I O S - N Ã O CONFIGURAÇÃO. Quando se fala em dano moral significa dizer que houve violação de algum dos valores morais do cidadão, como a honra, a imagem, o nome, a intimidade e a privacidade, que englobam os chamados direitos da personalidade. A respectiva indenização justifica-se nos casos em que há patente violação de direitos personalíssimos do trabalhador, no curso da relação empregatícia ou dela decorrente, não se configurando dano à sua esfera extrapatrimonial o simples atraso no pagamento dos salários. Agravo de instrumento desprovido. (463-74.2010.5.03.0068, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: R. Dout. Jurisp. AM

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22/08/2012, 4ª Turma, Data de Publicação: 31/08/2012). DANO MORAL. MORA SALARIAL. Fatos danosos não é suficiente para o deferimento de indenização por danos morais. Necessário seria que fosse comprovado ao menos algum fato objetivo a partir do qual pudesse se inferir que houve abalo moral. Caso contrário, impossível o deferimento de indenização , pois o que gera o dano não é a mora salarial em si, mas as consequências eventualmente advindas desse atraso. Assim, deveria a parte demonstrar de forma objetiva fatos que, decorrentes do atraso dos salários, tivessem abalado, além de seu patrimônio, a sua moral. Recurso de revista a que se dá provimento. (682-70.2010.5.03.0009, Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 11/10/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: 21/10/2011). RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS ATRASO NO PAGAMENTO DE SALÁRIOS - NÃO CONFIGURAÇÃO. Quando se fala em dano moral significa dizer que houve violação de algum dos valores morais do cidadão, como a honra, a imagem, o nome, a intimidade e a privacidade, que englobam os chamados direitos da personalidade. Referida indenização justifica-se nos casos em que há patente violação de direitos personalíssimos do trabalhador, no curso da relação empregatícia ou dela decorrente, não se configurando dano à sua esfera extrapatrimonial o simples atraso no pagamento dos salários, ainda que a ação da reclamada lhe tenha causado certa dor íntima. Precedentes desta Corte. Recurso de revista não R. Dout. Jurisp. AM

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conhecido. (989700-04.2008.5.09.0002, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 10/08/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: 26/08/2011). RECURSO DE REVISTA - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. SÚMULA 228 DO TST .228A base de cálculo do adicional de insalubridade, enquanto não editada norma específica, deve ser o salário mínimo, mantendo-se o entendimento consagrado na parte inicial da antiga redação da Súmula 228 do TST, uma vez que não cabe ao Poder Judiciário fixar base de cálculo diversa da prevista em lei. Recurso de Revista conhecido e provido. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. A jurisprudência desta Corte tem se assentado no sentido de que o atraso de salários não enseja, por si só, a reparação por danos morais. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido. DANO MATERIAL. CONFIGURAÇÃO. ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. Na hipótese dos autos, o Regional adotou tese genérica no sentido de que o atraso no pagamento dos salários é suficiente para configuração de dano material, não tendo consignado, entretanto, qualquer situação objetiva que demonstre a efetiva repercussão da mora em sua esfera patrimonial . Ocorre que o dano material exige a prova concreta de prejuízo . Recurso de Revista conhecido e provido. (17900-73.2007.5.04.0661, Relator: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 28/06/2011, 8ª Turma, Data de Publicação: 01/07/2011). R. Dout. Jurisp. AM

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Com efeito, considerando a ausência de provas referentes a evento objetivo que traduza prejuízo reparável pela indenização em comento, merece reforma a sentença vergastada. À luz do exposto, em descompasso com o parecer ministerial, conheço e dou provimento ao apelo em atenção à firme jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal do Trabalho, de modo a suprimir a condenação em danos morais arbitrada pelo juízo a quo. É como voto.

Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura Relatora

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2011.002208-6 - MANAUS SEGUNDA CÂMARA CÍVEL - TJ/AM APELANTE: BANCO ITAULEASING S/A ADVOGADO(A): ELISANGELA PEREIRA DANIEL APELADA: MARIA DE LOURDES BARBOSA FERNANDES ADVOGADO(A): NADLA CRISTINA LOPES FERNANDES RELATOR: DESEMBARGADOR DOMINGOS JORGE CHALUB PEREIRA REVISOR: DESEMBARGADOR YEDO SIMÕES DE OLIVEIRA ACÓRDÃO N. 120/2012 EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – BUSCA E APREENSÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – CONSTITUIÇÃO EM MORA – FALECIMENTO – IMPOSSIBILIDADE: - A ação de busca e apreensão tem como requisito indispensável a constituição em mora do devedor, restando impossível tal medida uma vez demonstrado o seu falecimento, devendo o feito ser extinto sem resolução de mérito. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

A C Ó R D Ã O: Vistos, relatados e discutidos os presentes Autos de Apelação Cível n. 2011.002208-6 – Manaus – em que são partes as acima nominadas. ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal, por unanimidade de votos, em consonância com o parecer ministerial, em conhecer e negar provimento ao recurso interposto, conforme as razões constantes do voto condutor desta decisão. R. Dout. Jurisp. AM

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SALA DAS SESSÕES DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em Manaus, 11 de junho de 2012. Presidente Relator Procurador (a) de Justiça RELATÓRIO Adoto o relatório inserto no parecer do Ministério Público por resumir bem os fatos: Tratam os autos de recurso de Apelação Cível interposta pelo Banco Itauleasing S/A, em face da sentença de fls. 77, proferida pela MM. Juíza de Direito da 9ª Vara Cível e de Acidente de Trabalho da Comarca de Manaus, nos autos da Ação de Reintegração de Posse, processo nº 02274222920108040001, ajuizada em face de Maria de Lourdes Barbosa Fernandes, (falecida). Na decisão recorrida, a MM. Juíza constatando o falecimento da parte ré, e sendo o bem objeto da lide intransferível por expressa determinação legal, julgou extinto o processo sem resolução do mérito nos termos do artigo 267, inciso IX, do CPC. Em razões recursais (fls. 81/86), o apelante pugna pela anulação da sentença recorrida, aduzindo que a substituição do Recorrido pelo espólio constitui aspecto jurídico relevante, possibilitando o prosseguimento do litígio, não ocorrendo, contudo, a alteração no pedido ou na causa de pedir, devendose dar continuidade ao feito com a substituição do requerido por seus herdeiros, posto não se tratar a lide, de ação personalíssima. Sustenta que a Lei nº 10.931/2004, determina no art. 3º, R. Dout. Jurisp. AM

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do Decreto Lei nº 911/69 que o prazo para resposta começa a fluir a partir da execução da medida liminar, tendo o devedor a oportunidade de contestar a busca e apreensão no de 15 dias. E em não havendo resposta a partir do cumprimento da medida liminar, o MM. Juiz deveria ter considerado o devedor revel aplicando todos os efeitos previstos em lei. Nesse sentido requer que o e. Relator determine válida a citação do espólio, para que depois não seja arguido nulidade por inobservância do devido processo legal e da ampla defesa. Ressalta que a recorrida encontra-se inadimplente desta a parcela com vencimento em 18.03.2010, e das posteriores, até a presente data. Pelo que o direito do Apelante deve ser preservado, não devendo este arcar com o ônus da inadimplência do financiado. Ao final requer, o conhecimento e provimento do recurso, a fim de anular a r. Sentença recorrida, por conseguinte, julgar totalmente procedente a ação de busca e apreensão, ratificando desta forma a medida liminar, consolidado a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem nas mãos do proprietário fiduciário. Outrossim, pugna pela condenação da Apelada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios nos termos da exordial. Ausentes contrarrazões, conforme certificado às fls. 94. Adito-o. Em fls. 99/105, manifesta-se o Ministério Público do Amazonas, pelo Conhecimento e improvimento do presente apelo, para fim de que seja mantido a decisão recorrida em todos seus termos. É o relatório. VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, deve o recurso ser conhecido. O tema se mostra de simples resolução. A ação especial R. Dout. Jurisp. AM

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de busca e apreensão em caso de alienação fiduciária possui o requisito indispensável de constituição em mora do devedor para seu deferimento. Uma vez que tal requisito não pode, por impossibilidade material ante o falecimento do devedor, ser preenchido, não se pode falar em continuidade da ação, carecendo o autor de condição de procedibilidade. Registre-se que não se nega aqui o direito postulado de reaver o bem, mas tão-somente contata-se que o meio eleito para tanto não é apto, ante a impossibilidade de preenchimento de um dos requisitos essenciais. Assim, não merece guarida o apelo. Isto posto, e por tudo o mais que consta dos autos, em conformidade com o parecer ministerial, conheço do recurso mas lhe nego provimento, nos termos acima expostos. É o voto. Manaus,

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Desembargador DOMINGOS JORGE CHALUB PEREIRA Relator

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2011.006051-2 - MANAUS SEGUNDA CÂMARA CÍVEL - TJ/AM APELANTE: CARVAJAL INFORMAÇÃO LTDA ADVOGADO(A): RODRIGO BARBOSA VILHENA APELADO: ABELHA TRANSPORTES LTDA ADVOGADO(A): MARA LÚCIA ANTONY RELATOR: DESEMBARGADOR DOMINGOS JORGE CHALUB PEREIRA REVISOR: DESEMBARGADOR YEDO SIMÕES DE OLIVEIRA ACÓRDÃO N. 124/2012 EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – REPARAÇÃO MORAL E MATERIAL – MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – DANO MATERIAL – CONFIGURAÇÃO – PESSOA JURÍDICA – HONRA OBJETIVA – DANO MORAL – INEXISTÊNCIA: - A má prestação do serviço contratado enseja a reparação material, devendo ser ressarcida a contratante no montante ao valor pago. - Somente se cogita, em sede de responsabilização civil, em dano moral a pessoa jurídica quando restar demonstrado o abalo à sua honra objetiva, considerando que inexiste honra subjetiva a ser resguardada. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SEM INTERVENÇÃO MINISTERIAL.

A C Ó R D Ã O: Vistos, relatados e discutidos os presentes Autos de Apelação Cível n. 2011.006051-2 – Manaus – em que são partes as acima nominadas. R. Dout. Jurisp. AM

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ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal, por unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso interposto, conforme as razões constantes do voto condutor desta decisão. SALA DAS SESSÕES DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em Manaus, 18 de junho de 2012 Presidente Relator RELATÓRIO Adoto o relatório inserto no parecer do ministério Público, por resumir bem os fatos: Trata-se de Apelação Cível interposta por Carvajal Informação Ltda, atual denominação de Publicar do Brasil Listas Telefônicas Ltda, irresignado com a r. Sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da 9ª Vara Cível de Acidentes do Trabalho, Dra. Maria Eunice Torres do Nascimento, às fls.150/158, nos autos da Ação de Ressarcimento de Danos Matériais e Morais de nº 024005020108040001, ajuizada por Abelha Transportes Ltda, a qual julgou procedente o pedido, a fim de condenar a requerida/apelante ao pagamento de R$ 2.850,00 (dois mil e oitocentos e cinquenta reais), a título de dano material, bem como a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais), a título de dano moral. Ademais, condenou a parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. Às fls. 163-179, Razões de Apelação. Às fls. 208-220, Contrarrazões de Apelação. Adito-o. Em fls.226/228, manifesta-se o Ministério Público do Amazonas, pelo seguimento da jornada processual R. Dout. Jurisp. AM

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sem intervenção do Parquet. É o relatório. VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, deve o recurso ser conhecido. Primeiramente, cabe a análise quanto à condenação em danos materiais. Quanto a este tema, entendo que a sentença não merece qualquer reparo, uma vez que restou demonstrado nos autos a inadimplência contratual, decorrente da má prestação do serviço contratado. O ramo de atividade da recorrida – aluguel de caminhão baú – não condiz com o espaço em que foi veiculado o anúncio publicitário contratado, reservado aos serviços de transportes especiais, levando-a a perder eventuais clientes que fossem se socorrer da lista telefônica impressa ou virtual. Assim, uma vez que o objeto do contrato era o anúncio dos serviços publicitários, este sem dúvida não foi prestado a contento, já que não inserto em local reservado àqueles de empresas com serviços idênticos, resultando, estreme de dúvidas, na má prestação do serviço contratado, sendo mister a reparação dos valores pagos, à vista disso. Portanto, deve haver reparação material, restando intocada a sentença neste capítulo. No que tange aos danos morais, entendo que cabe razão à recorrente. Não há discutir a possibilidade de fixação de indenização em razão de danos morais a pessoa jurídica, considerando que tal matéria já está pacificada tanto na doutrina quanto na jurisprudência, inclusive com entendimento sumulado. Mas a questão é diversa. O que está assente doutrinária e jurisprudencialmente é a existência de dano à honra objetiva da pessoa jurídica, e somente nesse caso. Não se há falar em R. Dout. Jurisp. AM

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danos à honra subjetiva de pessoa jurídica, pelo simples fato de que esta não a possui. Diz Carlos Roberto Gonçalves sobre o tema: A pessoa jurídica, como proclama a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, pode sofrer dano moral e, portanto, está legitimada a pleitear a sua reparação. Malgrado não tenha direito à reparação do dano moral subjetivo, por não possuir capacidade afetiva, poderá sofrer dano moral objetivo, por ter atributos sujeitos à valoração extrapatrimonial da sociedade, como o conceito e bom nome, o crédito, a probidade comercial, a boa reputação etc.

A violação, portanto, à honra de pessoa jurídica somente se dá no âmbito objetivo, assim entendida a credibilidade e a reputação que esta goza perante a sociedade. Dessa maneira, no caso de pessoas jurídicas, deve haver comprovação do dano moral que atinja a sua honra objetiva. Decidiu o E. TJRS: E M E N TA : R E S P O N S A B I L I D A D E C I V I L . DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA. IMAGEM NÃO ABALADA PERANTE A SOCIEDADE. Os fatos narrados na exordial não denotam ofensa à reputação da autora, pessoa jurídica, perante a sociedade, o que inviabiliza o reconhecimento de abalo moral passível de indenização. Embora seja admitida a indenização por abalo moral à pessoa jurídica (Súmula 227 do STF), é de se sublinhar que esse dano apenas verifica-se presente quando há lesão à honra objetiva da sociedade. Ausente dano R. Dout. Jurisp. AM

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dessa espécie, a improcedência do pleito indenizatório é o caminho a ser trilhado. APELO PROVIDO. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.

Com isso, caberia à ora recorrida a produção da prova acerca da existência de abalos à sua credibilidade e reputação perante a sociedade, o que, de fato, não aconteceu. Verifico, aqui, que, como a condenação à indenização por danos morais se deu considerando somente o critério da honra subjetiva, qual seja decepção, transtorno ou aborrecimento, esta não pode ser mantida. Assim, incabível a condenação por danos morais. Alfim, quanto às custas processuais e honorários advocatícios, em virtude da sucumbência recíproca, condeno as partes ao rateio dos valores. Isto posto, e por tudo o mais que consta dos autos, conheço do recurso e lhe dou parcial provimento, nos termos acima expostos. É o voto. Manaus,

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Desembargador DOMINGOS JORGE CHALUB PEREIRA Relator

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Responsabilidade civil. 9. ed. pp. 564/565 Apelação Cível nº 70019428333, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 30/05/2007. 2

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REMESSA EX-OFFICIO E APELAÇÃO Nº 2010.003631-2 PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL APELANTE: ESTADO DO AMAZONAS APELANTE: INSTITUTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO AMAZONAS - IPAAM APELADO: SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL DO ESTADO DO AMAZONAS - SINDUSCOM/AM. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO A M B I E N TA L . C O M P E T Ê N C I A PA R A LICENCIAR NO TERRITÓRIO MUNICIPAL. NÃO CONHECIMENTO DOS RECURSOS. PRIMEIRO RECURSO. INTERVENÇÃO ANÔMALA DO ESTADO NO PROCESSO. AUSÊNCIA DE REFLEXOS ECONÔMICOS RELEVANTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DESCONFIGURADO. PRELIMINAR REJEITADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SEGUNDO RECURSO. INTEMPESTIVIDADE COMPROVADA. NÃO INTERROMPEM O PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 508 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. A intervenção anômala não se consubstancia em ferramenta de livre interferência do poder central nas causas em que figurem suas entidades, só se justificando para esclarecer questões de fato e de direito, podendo recorrer quando a causa propagar efeitos econômicos diretos ou indiretos à pessoa de direito público. Não é o caso de se permitir a intervenção pretendida, já que o Primeiro Apelante aplica uma visão bastante ampliada da expressão "efeitos econômicos", de modo que possa interferir na defesa judicial de suas autarquias e demais R. Dout. Jurisp. AM

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entidades, bastando alegar mera alteração de suas atividades. Todavia, nem toda repercussão financeira é digna de tal comando, apenas aquelas consideradas relevantes suficientemente para que seus efeitos ultrapassem a pessoa de direito descentralizada e alcancem a saúde financeira da pessoa jurídica de direito público a quem está vinculada. Caso permitida a livre interferência judicial de qualquer ente federativo que se declare prejudicado – com base em seus próprios critérios do que é ou não é reflexo econômico –, esvaziarse-á a autonomia administrativa e financeira característica de tais entidades e aprofundar-se-ão ainda mais as diferenças processuais entre a iniciativa privada e o poder estatal. Quanto ao segundo apelo, tem-se que a oposição de embargos de declaração intempestivos não interrompe a contagem de prazo para a interposição de recurso de apelação. Nesta esteira, não se conhece da segunda apelação após exaurido o prazo de 30 (trinta) dias previsto no art. 188 do Código de Processo Civil. Recursos não conhecidos.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores, à unanimidade, em dissonância com o parecer ministerial, em não conhecer dos recursos de Apelação, nos termos do voto do relator, que passa a integrar o julgado. PUBLIQUE – SE.

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Manaus (AM), ____ de _________________ de 2011. Des. ________________________ Presidente Des. Flávio Humberto Pascarelli Lopes Relator Dr(a)._________________________ Procurador(a) de Justiça RELATÓRIO

Versam os autos sobre recurso de apelação cível interposto pelo ESTADO DO AMAZONAS e pelo INSTITUTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO AMAZONAS – IPAAM, em face da sentença (fls. 209/250) proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Especializada do Meio Ambiente e Questões Agrárias, nos autos da ação declaratória, cumulada com obrigação de não fazer e pedido tutela antecipada, que declarou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade – SEMMAS legalmente competente para exigir e realizar licenciamento ambiental das empresas associadas ao Sindicato da Indústria da Construção Civil do Amazonas, assim como condenou o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM a obrigação de não fazer, consistente em não exigir e não realizar o licenciamento das mesmas empresas associadas. O Estado do Amazonas, ora Primeiro Apelante, alegou, preliminarmente, nulidade da sentença por não ter sido citado na qualidade de litisconsorte passivo necessário e carência de ação em razão da impossibilidade de manejo da ação R. Dout. Jurisp. AM

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declaratória como meio de consulta, afetando relação jurídica futura e em tese. No mérito, aduziu que, ao fixar a competência do Município para exigir o licenciamento ambiental, a sentença não observou o contido no art. 10 da Lei nº 6.938/81 e nas Leis Estaduais nº 3.219/2007 e nº 102/2007. Afirmou, ainda, a inconstitucionalidade da Resolução nº 237 do CONAMA, sob o argumento de que viola o disposto nos arts. 5º, II, 23, VI, 24, VI §§ 1.º ao 4º, e 48, da Constituição da República. Suscitou, também, a inconstitucionalidade dos arts. 43 a 51 do Código Ambiental do Município de Manaus. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM, ora Segundo Apelante, no mesmo sentido, arguiu, basicamente, a inconstitucionalidade do art. 6.º da Resolução nº 237 do CONAMA e, por isso, a impossibilidade de fixar ao Município de Manaus a competência de licenciar empreendimentos na área do Estado do Amazonas. O Apelado, devidamente intimado, apresentou contrarrazões no prazo legal, rechaçando todos os argumentos dos Apelantes e pugnando pela manutenção da sentença. O Ministério Público opinou pelo conhecimento e provimento do recurso para decretar a nulidade da sentença por ausência de citação do litisconsorte passivo necessário. É o breve relatório. Passo ao voto. VOTO De plano, cumpre-me analisar os pressupostos formais de admissibilidade dos apelos em comento. Contudo, por assumirem condições diferenciadas no processo, os apelantes serão tratados de forma apartada para melhor compreensão dos autos. De início, no que diz respeito à atuação do Primeiro Apelante, há de se considerar que, como atua no feito como R. Dout. Jurisp. AM

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terceiro interessado, não tendo sido intimado das decisões que ora contesta, lhe é permitido intervir no processo, mesmo que intempestivamente. Assim, inicialmente, passa-se a apreciar a preliminar arguida de interesse e de legitimidade do Estado do Amazonas para interpor o presente recurso apelatório. DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO Alega o Primeiro Apelante que a ausência de seu chamamento à lide afigura-se falha grave no decurso do feito, uma vez que permitiu o aperfeiçoamento da relação jurídicoprocessual sem a participação de litisconsorte passivo necessário. Diante disso, requereu a nulidade da r. sentença, por falta de sua citação, bem como a remessa dos autos ao Juízo a quo para que se dê cumprimento ao parágrafo único do art. 47 do Código de Processo Civil. Dentre os inúmeros argumentos levantados, tenta fazer aplicar ao caso em tela as disposições normativas relacionadas à forma de intervenção (anômala) prevista no parágrafo único do art. 5.º da Lei nº 9.469/97, que assim assevera: Art. 5.º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e,

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se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes. (grifamos)

Denota-se da leitura do texto legal que a requerida intervenção anômala não se consubstancia em ferramenta de livre interferência do Poder Central (no presente caso, do Estado do Amazonas) nas causas em que figurem suas autarquias (aqui, o IPAAM, ora Segundo Apelante). Dada intervenção, por exemplo, só se justificaria para esclarecer questões de fato e de direito, podendo também recorrer quando a causa propagar efeitos econômicos diretos ou indiretos à pessoa de direito público. No presente feito, não parece ser o caso de se permitir a intervenção pretendida. Isto se dá pelo fato de que o Primeiro Apelante aplica ao caso, de modo bem peculiar, uma visão bastante ampliada da expressão “efeitos econômicos”, de modo que, por esta linha de raciocínio, poderia, sem qualquer critério mais técnico, interferir na defesa judicial de suas autarquias e demais entidades, bastanto para isso alegar mera alteração de suas atividades, já que, por óbvio, sempre desta podem decorrer reflexos econômicos ainda que mínimos. Não parece ser esta a intenção da lei. Decerto que há hipóteses em que a atuação de algumas das entidades vinculadas ao poder centralizado possa trazer a ele repercussão econômica de alguma ordem. É o que se costuma ver mais frequentemente nos casos relacionados à atividade financeira de empresas públicas e sociedades de economia mista, principalmente quando se está em pauta a regulação do mercado financeiro. Todavia, é certo também que nem toda repercussão financeira é digna de tal comando, apenas aquelas consideradas relevantes suficiente para que seus efeitos ultrapassem a pessoa de direito descentralizada e alcancem a R. Dout. Jurisp. AM

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saúde financeira da pessoa jurídica de direito público a quem está vinculada, dada a autonomia administrativa e financeira das entidades da Administração Indireta. Não parece ser este o caso, até porque não há nos autos indícios de que o IPAAM, ora Segundo Apelante, exerça papel tão importante na estrutura financeira do Estado do Amazonas. Nesse desiderato, imperioso ressaltar também que esta autarquia estadual detém competência para licenciar muitos outros empreendimentos tanto da área estadual, como das municipalidades, que não detêm estrutura para a gestão ambiental de seus recursos. Até mesmo no Município de Manaus, por exemplo, é costume do IPAAM licenciar os empreendimentos situados no Pólo Industrial. Esta observação é importante pelo simples fato de que, se for permitida a livre interferência judicial de qualquer ente federativo que se declare prejudicado – com base em seus próprios critérios do que é ou não é reflexo econômico –, estaremos, no fim das contas, esvaziando a autonomia administrativa característica de tais entidades e, desnecessariamente, aprofundando ainda mais as diferenças processuais entre a iniciativa privada e o poder estatal. Ademais, não há que se falar também em supressão de competência constitucional do Estado do Amazonas, já que a lide se resume tão somente a excesso de poder de polícia por parte do Segundo Apelante, mantendo-se incólume, por conseguinte, toda a estrutura lógico-jurídica que justifica a repartição de atribuições entre Município, Estados-Membros e suas respectivas entidades, definidas pela Constituição da República. Pelo exposto, não havendo de se cogitar, sob este fundamento, a participação da Procuradoria do Estado na presente lide, afasto a necessidade de se constituir litisconsórcio passivo necessário com o Primeiro Apelante (Estado do Amazonas), motivo pelo qual rejeito a preliminar. R. Dout. Jurisp. AM

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DO MÉRITO Ultrapassada a preliminar e resolvida a intervenção do Primeiro Apelante no feito, passa-se ao exame dos requisitos de inadimissibilidade do Segundo Apelante. Acerca da participação do Segundo Apelante, há de se constatar que da r. sentença foram opostos Embargos de Declaração (em autos apartados neste processo), sendo, logo em seguida, interposto o recurso de Apelação, ora em análise. A este respeito, imperioso, desde já, observar que o Segundo Apelante foi intimado da mencionada sentença, conforme certidão de fl. 265, em 22 de março de 2010 – nos termos do art. 5.º, § 6.º, e art. 6.º da Lei nº 11.419/06 (circulação do Diário de Justiça Eletrônico) – e, por se tratar de pessoa jurídica de direito público, aplicou-se a prerrogativa do art. 188 do Código de Processo Civil, contando-se em dobro o prazo para a Fazenda Pública recorrer. Nestes termos, como o prazo para interposição do recurso de embargos de declaração é de 05 (cinco) dias, de acordo com o que estabelece o art. 536 do Código de Processo Civil, foi dobrado por ser o Segundo Apelante autarquia estadual. O mesmo ocorrendo com a contagem do prazo para o recurso de apelação que poderia ter sido interposto em até 30 (trinta) dias subsequentes à intimação das partes. Na espécie, o prazo de 10 (dez) dias para a oposição dos Embargos de Declaração encetou seu curso no dia seguinte (23 de março), escoando em 01 de abril de 2010. Porém, os Embargos de Declaração somente foram opostos em 15 de abril. Dessarte, completamente extemporâneos, consoante certidão de fls. 286. Prevê o art. 538 do Código de Processo Civil que os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição de outros recursos. No entanto, tal interrupção somente se verifica se os embargos forem tempestivos, o que não ocorreu R. Dout. Jurisp. AM

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nos presentes autos, já que, como dito, os embargos de declaração são extemporâneos, não interrompendo do prazo para a interposição de recursos posteriores, in casu, a Apelação. No mesmo sentido tem decidido a jurisprudência: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATO ILÍCITO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO ACOLHIDOS PELO TRIBUNAL A QUO EM RAZÃO DE INTEMPESTIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE OUTROS RECURSOS. RECURSO ESPECIAL INTEMPESTIVO. I - Embargos de declaração considerados intempestivos não interrompem o prazo para interposição de outros recursos. II - É manifesta a intempestividade do recurso especial apresentado após o decurso do prazo para sua interposição, em face de acórdão proferido em sede de apelação cível, haja vista o não acolhimento dos seus anteriores embargos declaratórios por intempestividade. III - Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 720.251/RR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/04/2006, DJ 04/05/2006, p. 139)

Desta feita, considerando que o prazo para interposição de apelação é de 30 (trinta) dias, dobrado pela condição jurídica do Segundo Apelante, e que teve como marco inicial o dia 22.03.2010, concluiu-se seu lapso temporal em 21.04.2010, automaticamente prorrogado para dia útil seguinte (22.04) em razão de feriado nacional (art. 184, § 1.º, do Código de Processo R. Dout. Jurisp. AM

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Civil) . No entanto, a petição do recurso somente foi protocolada em 23.04.2010, conforme se observa às fls. 372, o que, via de consequência, torna o recurso intempestivo. Com estas razões, inadmito o recurso do Segundo Apelante, negando-lhe seguimento por manifesta intempestividade, com fulcro nos arts. 506, II, c/c 242 e 522, todos do Código de Processo Civil. Pelo exposto, antes as razões expostas, voto pelo não conhecimento de ambos os recursos de apelação interpostos. É o voto. Manaus, ......... de ................................ de 2011. Des. FLÁVIO HUMBERTO PASCARELLI LOPES Relator

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A Ç Ã O D I R E TA D E I N C O N S T I T U C I O N A L I D A D E N º 2010.000040-3 TRIBUNAL PLENO REQUERENTE: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA REQUERIDO: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS E M E N T A : A Ç Ã O D I R E T A D E INCONSTITUCIONALIDADE. CARREIRA DE A D M I N I S T R A D O R P Ú B L I C O . VA G A S DIRECIONADAS A CONCURSADOS FORMADOS PELA UEA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. VIOLAÇÃO. ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ÓRGÃO OU ENTIDADE DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL. CRITÉRIO DE DESEMPATE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO. Resta claro que o art. 3.º, caput e § 1.º, da Lei Estadual n. 2.778/2002, ao restringir o cargo de administrador público aos formados em Instituições Públicas de Ensino Superior credenciadas no Estado do Amazonas, ofendeu a igualdade entre os concorrentes, pois exclui deste cargo qualquer outro candidato. Há de se consignar também que o disposto no art. 5.º, § 4.º, do mesmo estatuto, ao estabelecer como critério de desempate entre os candidatos, o exercício de estágio profissional em órgão ou entidade do Poder Executivo do Estado do Amazonas, fixa uma outra forma de desigualdade. Precedentes do STF. Inconstitucionalidade declarada.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores, por unanimidade, conhecer da R. Dout. Jurisp. AM

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presente ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 3.º, caput e § 1.º, e § 4º do art. 5º da Lei Estadual nº 2.778/2002, nos termos do voto do relator, que passa a integrar o julgado. PUBLIQUE-SE. Manaus (AM), ....... de...................... de 2012. Des. ________________________ Presidente Des. Flávio Humberto Pascarelli Lopes Relator Dr. _____________________________ Procurador de Justiça VOTO Versam os presentes autos sobre Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, visando à declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 2.778, de 30 de dezembro de 2002, no que tange à expressão “e graduação em curso de administração pública mantida por Instituição Pública de Ensino Superior, credenciada no Estado do Amazonas”, contida no caput e § 1.º do art. 3.º e § 4.º do art. 5.º, que condicionou o ingresso no cargo de administrador público à formação dos candidatos em Instituição Superior Estadual de Ensino, violando dessa forma o disposto no art. 3.º da Constituição Estadual – que reproduz as cláusulas pétreas expressas no art. 5.º da Constituição Federal. DAS PRELIMINARES Inicialmente, antes de adentrar no mérito da demanda, necessária a análise das aduzidas preliminares. R. Dout. Jurisp. AM

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DA LITISPENDÊNCIA A Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, em informações, arguiu a preliminar de litispendência em razão da prévia existência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.659, processada perante o Supremo Tribunal Federal, promovida pelo Procurador-Geral da Republica em face do Estado do Amazonas e da Requerida. No entanto, a mencionada ADIN que tramita no Supremo Tribunal Federal possui causa de pedir distinta da presente ADIN e parâmetros de controle diversos, o que impossibilita a verificação de qualquer litispendência. Desta feita, não há de prosperar a presente preliminar. DA NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO Noutro turno, o Estado do Amazonas alegou em preliminar a necessidade de suspensão do presente processo com fundamento no art. 265, IV, a, do Código de Processo Civil. Nesses termos, vejamos o teor do dispositivo: Art. 265. Suspende-se o processo: [...] IV – Quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

Da mesma forma, também não há que prosperar a presente alegação visto que não se enquadra em nenhuma das hipóteses elencadas pelo artigo supracitado. Afasto, portanto, a presente preliminar.

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DO MÉRITO Ultrapassadas as preliminares, passo ao exame do mérito. Segundo se depreende dos autos, a referida lei incorreu em inconstitucionalidade material, da feita que – ao restringir o cargo de administrador público apenas aos candidatos formados em Instituição de Ensino Superior Estadual, credenciada no Estado do Amazonas – não observou o imposto pelo art. 3.º da Constituição do Estado do Amazonas, bem como o art. 5.º da Constituição Federal de 1988: Art. 3º O Estado, nos limites de sua competência, assegura, em seu território, a brasileiros e estrangeiros, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais declarados na Constituição da República. [...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Com efeito, resta claro que o art. 3º, caput e § 1º, da Lei Estadual nº 2.778/2002, ao restringir o cargo de administrador público aos formados em Instituições Públicas de Ensino Superior credenciadas no Estado do Amazonas, ofendeu a igualdade entre os concorrentes, pois exclui deste cargo qualquer outro candidato que tenha: a) curso superior em administração de empresas ou administração pública em Instituição de Ensino Superior Particular; b) ou mesmo curso superior em administração de empresa ou administração pública em Instituição Pública de Ensino Superior de outro estado da Federação; c) e aquele egresso de qualquer outro curso superior com especialização em Administração Pública. R. Dout. Jurisp. AM

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Ademais, imperioso antecipar que a manutenção destes dispositivos trará, inevitavelmente, repercussão direta ao direito de acesso a cargos públicos garantido pelo inciso II do art. 37 da Constituição de 1988, já que é cediço que a participação dos candidatos, no concurso público, deve sempre ser dada em igualdade de condições. (MS 26.310, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 31-10-2007. No mesmo sentido: RE 408.727-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-9-2010, Segunda Turma, DJE de 8-10-2010.) Noutra esteira, há de se consignar que o disposto no art. 5º, § 4º, do mesmo estatuto – ao estabelecer como critério de desempate entre os candidatos, o exercício de estágio profissional em órgão ou entidade do Poder Executivo do Estado do Amazonas – imprime uma outra forma de desigualdade. Como já assentado na jurisprudência, viola o princípio constitucional da isonomia norma que estabelece como título o mero exercício de função pública (ADI 3.443, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 8-9-2005, Plenário, DJ de 23-9-2005.) Ato contínuo, o Supremo Tribunal Federal também já identificou que se mostra conflitante com o princípio da razoabilidade eleger como critério de desempate tempo anterior na titularidade do serviço para o qual se realiza o concurso público. (ADI 3.522, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2411-2005, Plenário, DJ de 12-5-2006. No mesmo sentido: ADI 4.178-MC-REF, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 4-22010, Plenário, DJE de 7-5-2010.) Ante o exposto, julgo procedente o pedido contido na Ação Direta de Inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade do art. 3.º, caput e § 1.º, e § 4.º do art. 5.º, todos da Lei Estadual nº 2.778/2002. É como voto. Manaus (AM), ....... de......................... 2012. Des. FLÁVIO HUMBERTO PASCARELLI LOPES Relator R. Dout. Jurisp. AM

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2010.003868-4 PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL – MANAUS 1º APELANTE: MIGUEL DE LIMA COSTA ADVOGADAS: DÁRIA BINDÁ CIDRÔNIO E OUTROS 2º APELANTE: MUNICÍPIO DE MANAUS PROCURADORA: LORENA SILVA DE ALBUQUERQUE APELADOS: OS MESMOS EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL E MATERIAL. QUEDA EM BUEIRO. VIA PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE PLACAS DE AVISO, SINALIZAÇÃO OU INDICATIVAS DE QUE O LOCAL ERA PERIGOSO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO. Comprovada a ocorrência do fato gerador - queda do Autor da ação em bueiro, na via pública, não sinalizado - resta demonstrado o dano moral in re ipsa, este decorrente do próprio fato e independentemente de prova. Valor da condenação fixado de acordo com as peculiaridades do caso concreto, bem como observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Condenação em danos materiais mantida, posto que comprovado o prejuízo sofrido em decorrência do fato danoso. Sentença parcialmente reformada.

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ACÓRDÃO ACORDAM os Excelentíssimos Desembargadores que compõem a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, ___________ de votos, e em ___________com o parecer ministerial, em conhecer e dar provimento ao recurso de Miguel de Lima Costa, e negar provimento ao apelo do Município de Manaus, consoante relatório e voto que acompanham a presente decisão, dela fazendo parte integrante. Sala das Sessões, Manaus/AM, PRESIDENTE R E LAT O R PROCURADOR DE JUSTIÇA R E LAT Ó R I O Tratam os autos de apelações cíveis interpostas, respectivamente, por Miguel de Lima Costa e pelo Município de Manaus, contra a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Dívida Ativa Municipal, que julgou parcialmente procedente a ação de indenização pelo primeiro intentada, condenando o segundo ao pagamento de indenização por danos materiais no montante de R$ 514,19 (quinhentos e quatorze reais e dezenove centavos), reputando indevida a indenização por danos morais pleiteada. Sustenta o Apelante, Miguel de Lima Costa, em síntese, que os danos morais são devidos, pugnando pela reforma da sentença. O Município de Manaus entende que os danos materiais R. Dout. Jurisp. AM

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também são indevidos, porque não teriam sido provados, razão por que pede a reforma da sentença, para que sejam rechaçados, ou, alternativamente, seja diminuído o valor da indenização. O Ministério Público, em parecer da lavra da Exma. Procuradora Maria José da Silva Nazaré, manifesta-se pelo conhecimento de ambos os recursos e, no mérito, pelo provimento do apelo de Miguel de Lima Costa, com o reconhecimento do dano moral, fixando-o em patamar razoável, e pelo improvimento do apelo do Município de Manaus. Revistos, vieram-me os autos conclusos. VOTO Conheço dos recursos, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. A sentença, como visto, julgou procedente, em parte, o pedido de danos materiais, condenando a Fazenda Pública ao pagamento da quantia de R$ 514,19 (quinhentos e quatorze reais e dezenove centavos), referente à indenização conferida ao Autor pela perda dos óculos e celular, que portava por ocasião do acidente, ocorrido à noite. Negou, contudo, os danos materiais na modalidade de lucros cessantes e, também, os danos morais, por entender, quanto a estes últimos, não terem sido devidamente comprovados, ao menos na extensão reclamada, uma vez que o Autor “atrela” os danos morais ao trauma físico sofrido e suas consequências. Afirma a sentença, conclusivamente, no tocante aos danos morais, a inexistência de “nexo causal entre a queda no bueiro e as sequelas experimentadas 02 (dois) anos após a data do referido acidente, de modo que não comprovada a aferição dos danos morais suportados pelo Autor incabível é a sua indenização” (sic). Entendo que foi corretamente aplicada a teoria do faute du service, a indicar que se está examinando nestes autos um R. Dout. Jurisp. AM

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caso de responsabilidade subjetiva do Estado, decorrente, portanto, de omissão administrativa. O eminente Min. Rui Stoco, em sua reconhecida obra Tratado de Responsabilidade Civil, ed. RT, dilucida, às fls. 997, que a obrigação de indenizar do Estado tanto pode decorrer da responsabilidade objetiva (art. 37, §, da CF/88), como da responsabilidade subjetiva, por força da teoria do ato ilícito, a significar a omissão do Estado, seja específica de seu preposto, ou decorrente de falta ou falha anônima do serviço, empenha a identificação de culpa, informada pela teoria subjetiva. Portanto, na responsabilidade estatal por omissão, a referência é sempre o elemento subjetivo, dolo ou culpa, visto que só a inação é inteiramente inócua para efeito de responsabilidade (cf. lição de Eliana Calmon, RT 836/151).

Citando Celso Antônio, dentre outros, conclui no sentido de que a ausência do serviço causada pelo seu funcionamento defeituoso, até mesmo pelo retardamento, é quantum satis para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em favor dos administrados. Em verdade, cumpre reiterar, a responsabilidade por falta de serviço, falha de serviço ou culpa do serviço é subjetiva, porque baseada na culpa (ou dolo). Caracterizará sempre responsabilidade por comportamento ilícito quando o Estado, devendo atuar segundo certos critérios ou padrões, não o faz, ou atua de modo insuficiente.

Na hipótese dos autos, entendo configurados o ato ilícito, o dano e o nexo causal entre ambos, tanto para os danos materiais (danos emergentes), como bem identificado na R. Dout. Jurisp. AM

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sentença, como para os danos morais, no que divirjo do entendimento do eminente juiz sentenciante. No primeiro apelo, o Autor da ação insurge-se tão somente quanto à improcedência dos danos morais, pugnando por seu reconhecimento. De sua parte, o Município de Manaus pugna pela reforma da sentença quanto aos danos materiais, que reputa inexistentes, ou, alternativamente, por sua minoração. Passo ao exame das apelações. Apelação de Miguel de Lima Costa Sabido que a partir da Constituição Federal de 1988, o dano moral ganhou autonomia, ficando dispensada, para sua configuração, a prova da existência do prejuízo estético, ao qual esteve tradicionalmente vinculado. Para que o dano moral se configure, basta a lesão a um direito fundamental, com potencial para causar a dor, o vexame, o constrangimento, a vergonha ou mesmo a apreensão, prescindindo-se, portanto, dessa prova específica. Nesse sentido caminhou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao firmar, no julgamento do REsp 23.575/DF – 4ª Turma, em voto do Min. César Asfor Rocha, que A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa).

O Apelante alega que do acidente decorreram sequelas que o obrigaram, e ainda o obrigam, a manter tratamento R. Dout. Jurisp. AM

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médico que se prolonga até o momento da propositura da ação. Forçoso reconhecer, nesse passo, o acerto da sentença ao concluir não ser possível, à míngua de prova, firmar o convencimento de que os males dos quais atualmente padece o primeiro Apelante, na extensão que alcançaram, dois anos após o evento, estão, de fato, vinculados ao acidente. Todavia, diversamente do ilustre magistrado sentenciante, penso que a existência de dano moral indenizável não deve ser descartada tão somente por não ter sido comprovada essa vinculação (com os danos físicos). Entendo, ao revés, que os danos morais já estão configurados pelo só fato da queda em bueiro aberto, em virtude de que a partir dessa desagradável experiência, o Apelante, independente das lesões que do fato possam ter resultado, teve sua vida e rotina significativamente alteradas. Ainda que nenhuma deformidade física tenha restado, ou mesmo cicatrizes, os transtornos por ele experimentados como o susto da queda - o que tem relevância por tratar-se de pessoa de 57 anos; o sofrimento, a vergonha, a dor física, o constrangimento psíquico, os dissabores decorrentes desse evento, com repercussão na normalidade de sua vida e de seu trabalho, seguramente escapam da noção de mero transtorno ou dissabor eventual que, por vezes, todo ser humano enfrenta, e que tem amiúde servido de propósito para a negativa de danos morais. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em reiterados precedentes, tem acolhido a tese da existência do dano moral em hipóteses que se assemelham à dos autos, cabendo destacar, nesse sentido, o seguinte julgado: [...] RESPONSABILIDADE CIVIL. Queda em “bueiro” cuja tampa estava solta. Desídia da Administração, que não manteve o local em boas condições de uso, não sinalizou a existência de buraco, dando causa à queda e danos ao autor. Dever de indenizar. Acidente que gera transtorno psicológico. Dano moral caracterizado. Apelação R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas da prefeitura desprovida. RECURSO ADESIVO. Pedido de majoração do valor da indenização arbitrado na r. sentença. Pedido que esbarra no enriquecimento sem causa. Valor adequadamente arbitrado pelo mm. Juiz a quo. Recurso desprovido [...]. (TJSP, na Apelação Cível 994.06.099219-0 – Araraquara).

Em conclusão, entendo que há dano moral puro a ser indenizado. Considero suficiente para a indenização do Autor da ação, ora Apelante, pela extensão com que se configurou, a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Apelação do Município de Manaus. A prova técnica produzida (laudo de fls. 22 e 23 – laudo de exame: local de lesão corporal e laudo de exame de corpo de delito, à fl. 26) denota, no primeiro caso, a existência de bueiro com dois metros de profundidade, sem a tampa ou sem qualquer tapume ou qualquer tipo de sinalização; no segundo, a existência ofensa à integridade corporal da vítima em razão da queda. Confirmando a sentença, reputo que os danos materiais, na modalidade danos emergentes, efetivamente ocorreram. Colhe-se da Nota Fiscal, agregada à fl. 27, que os óculos adquiridos pelo Autor são “para longe”, o que indica derem de uso contínuo, gerando a presunção de que estavam sendo utilizados por ocasião da queda. A mesma presunção milita em favor de que o aparelho celular danificado também era portado pelo Autor, na mesma oportunidade, notadamente diante de sua ocupação de prestador de serviços autônomo, cuja captação de clientela e de serviço, hodiernamente, depende essencialmente de sua utilização. Conforme se tem notícia pela mídia, o Brasil conta, em 2011, com 210 milhões de celulares, superando a marca de um celular por habitante, segundo dados da ANATEL, na R. Dout. Jurisp. AM

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reportagem da Folha de São Paulo, ed. 20.04.2011, intitulada “Número de celulares no Brasil ultrapassa 210 milhões em março, segundo Anatel”. Segundo veiculado em 14.11.2008, no sítio “O Globo.com”, sob o título “Celular ajuda a aumentar a renda de trabalhadores autônomos”, pesquisa da UFRJ mostra que o profissional autônomo fatura quase 20% a mais, quando tem um aparelho de telefone móvel. Tais fatos, repito, reforçam a tese de que o celular era carregado pelo autor quando do acidente. Confirmo, nessa parte, a sentença, tendo por improcedente o recurso do Município. Pelas razões expostas, em harmonia com o parecer ministerial, dou provimento ao apelo de Miguel de Lima Costa, e nego provimento à apelação formulada pelo Município de Manaus, para reformar parcialmente a sentença fustigada, reconhecendo a ocorrência do dano moral. Condeno, pois, o Município de Manaus ao pagamento do valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a título de danos morais, quantia que deverá ser acrescida da indenização de R$ 514,19 (quinhentos e quatorze reais e dezenove centavos) a título de danos materiais, tal como imputada na sentença, incidindo sobre ambas as condenações juros de mora de 1% (um por cento) desde a data do evento, e correção monetária desde a data do arbitramento, na forma da Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça. Modifico o critério da verba honorária estabelecido na sentença, por entender que o Autor da ação saiu vitorioso em ambos os pedidos (danos materiais e morais). Por conta disso, em razão da sucumbência, o Município de Manaus responderá integralmente pela verba honorária, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, e, também, pelo pagamento das custas processuais. É como voto. Manaus/AM, Des. PAULO LIMA R E LAT O R R. Dout. Jurisp. AM

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 4000239-31.2012.8.04.0000MANAUS CÂMARAS REUNIDAS IMPETRANTE: VERALUCIA LEOCADIO DA SILVA ADVOGADO: ROSIMAR FERNANDES HIPÓLITO IMPETRADO: EXMO SR. PREFEITO DO MUNICIPIO DO CAREIRO DA VARZEA-AM ADVOGADA: LUCILENE HELENA DA SILVA DIAS E M E N TA ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO PUBLICADA SOMENTE PELA VIA DO DIÁRIO OFICIAL. DECURSO DE LONGO PRAZO ENTRE A HOMOLOGAÇÃO DO RESULTADO E O ATO DE NOMEAÇÃO. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE N Ã O AT E N D I D O . D E C A D Ê N C I A . INOCORRÊNCIA. PRAZO PARA IMPETRAÇÃO D O W R I T S E C O N TA A PA R T I R D O INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SEGURANÇA CONCEDIDA. - após tomado conhecimento da perda do prazo para realização de ato do concurso, em razão de falha da Administração no dever de publicidade, havendo o Administrado protocolado requerimento administrativo, é da data da notificação do indeferimento deste que se contará o prazo de 120 para impetração de Mandado de Segurança. Precedentes do STJ; - passados vários anos entre a homologação do concurso público e a nomeação do candidato aprovado, a simples publicação em diário oficial não cumpre o dever de publicidade do ato, devendo a Administração proceder a comunicação pessoal do interessado para que possa ter a oportunidade de expressar sua vontade de assumir ou não o cargo para o qual estiver sendo chamado. Precedentes do STJ; R. Dout. Jurisp. AM

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ACÓRDÃO ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem as Câmaras Reunidas do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, à unanimidade, em consonância com o parecer do G. Órgão Ministerial, conceder a segurança pleiteada, nos termos do voto que acompanha a presente decisão, dela fazendo parte integrante. Sala das Sessões, Manaus/AM, PRESIDENTE R E LAT O R PROCURADOR R E LAT Ó R I O Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por VERALÚCIA LEOCÁDIO DA SILVA contra ato, acoimado de ilegal e abusivo, atribuído ao PREFEITO MUNICIPAL DE CAREIRO DA VÁRZEA (fls. 01/09), consubstanciado no indeferimento do requerimento administrativo manejado pela Impetrante visando tomar posse no cargo público de Técnico de Enfermagem, para o qual prestou concurso, mediante a justificativa de não ter tomado conhecimento do ato de sua nomeação, em razão de haver sido R. Dout. Jurisp. AM

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veiculada em meio de publicação diverso daquele que fora informado por agentes da Secretaria responsável pelo concurso. Alega a Impetrante que foi aprovada no Concurso Público referente ao Edital nº 001/2008, para o cargo de Técnico de Enfermagem, o qual ofereceu duas vagas, obtendo aprovação em Terceiro lugar. Informa que o candidato aprovado na primeira colocação fora nomeado e não se apresentou para tomar posse, razão porque passaria a impetrante à segunda colocação no certame. Convocada para apresentar os exames médicos exigidos para assunção no cargo, realizou todas as diligências necessárias e foi orientada a aguardar a nomeação, sendo que afirma ter a Secretaria Municipal passado informação no sentido de que acompanhasse o andamento do concurso pelo Diário Oficial do Estado do Amazonas. Em 2010 tomou ciência da prorrogação do prazo de validade do referido concurso pelo prazo de dois anos. Ocorre que, em fevereiro de 2012, quando procurou a Secretaria Municipal para pedir informações a respeito do certame, veio a informação de que sua nomeação já havia sido efetuada em 7 de abril de 2011, por meio do Diário Oficial do Município, havendo a candidata sido eliminada por não ter comparecido no prazo legal. Em vista dos fatos narrados, argumenta que: a) não teve oportunidade de saber sobre a nomeação, visto ter sido orientada pela Secretaria Municipal de que deveria acompanhar os atos do concurso no Diário Oficial do Estado; b) os demais atos relativos ao r. concurso foram publicados por meio do Diário Oficial do Estado do Amazonas, sendo esta a prática do Município; e c) em, requerimento administrativo, obteve resposta negativa da municipalidade, que manteve o ato por ela impugnado. Indeferido o pleito liminar, esta relatoria determinou a notificação da autoridade impetrada para que prestasse as R. Dout. Jurisp. AM

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informações que entendesse necessárias. Em suas informações (fls. 47/55), a autoridade impetrada sustenta, preliminarmente, a decadência do direito de requerer a segurança ora pleiteada, pois já se teria passado o período de 120 dias previsto pelo art. 23, da Lei nº 12.016/2009, pelo fato de que a publicação da convocação da r. Candidata ter ocorrido em 08 de abril de 2011, pelo Decreto nº 006/2011, tendo sido o Mandado de Segurança impetrado apenas em 22 de maio de 2012, o que levaria a necessário indeferimento da inicial. Quanto ao mérito, alega que houve uma confusão por parte da impetrante, no que pertine ao meio de publicação, tendo a mesma confundido os Diários Oficiais do Município e do Estado, pois a concursanda não poderia se valer de informações que não as previstas no edital do certame, visto que havia a devida previsão no item 13.8, de que as comunicações seriam realizadas pelo Diário Oficial, sendo que o órgão oficial, nesse caso, é o Diário Oficial dos Municípios e não o Diário Oficial do Estado do Amazonas. Informa que as primeiras publicações foram realizadas pelo Diário do Estado porque o Diário dos Municípios só foi adotado em 2009. Sustenta ainda que a impetrante deveria ter acompanhado o r. Diário dos Municípios e os quadros informativos da Prefeitura. Destaca ainda que nenhum candidato foi nomeado para a vaga ora discutida, e ao final pugna pela denegação da segurança. Em razão da matéria tratada nos autos, abriu-se vista ao G. Órgão Ministerial, o qual se manifestou pelo afastamento da prejudicial de decadência, porquanto o prazo a ser observado aqui é o de validade do concurso, pois se trata de ausência de nomeação regular; e se manifesta também pela concessão da segurança, na forma como fora pleiteada, em razão de não ter sido respeitado o princípio constitucional da publicidade. É o breve relato. R. Dout. Jurisp. AM

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VOTO Trata-se de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Prefeito Municipal de Careiro da Várzea/AM, o qual teria realizado a nomeação da impetrante para posse em cargo público por meio de Órgão Oficial diverso daquele em que vinham sendo veiculados os atos dessa espécie, bem como pelo indeferimento do requerimento administrativo que impugnou o ato. PREJUDICIAL DE MÉRITO Antes de discutir a questão de fundo, a defesa do impetrado alega a ocorrência de decadência do direito de se mover Mandado de Segurança, pois estaria esgotado o prazo de 120 dias previsto pela legislação vigente para esse tipo de ação. Defende que se o ato de nomeação fora publicado em 08 de abril de 2011, a partir desse momento estaria contando o referido prazo decadencial. Data vênia à argumentação apresentada, não assiste razão ao impetrado, na medida em que tão logo tomou conhecimento do ato, em fevereiro de 2012, a candidata prejudicada protocolou requerimento administrativo em 27/02/2012, explicando a situação e pleiteando a resolução do problema (fls. 21/22). No entanto, em parecer de fls. 23/27, a Assessoria Jurídica da Prefeitura respondeu tal requerimento de forma negativa, ou seja, indeferindo-o, o que ocorreu na data de 24 de abril de 2012. Ora, se foi justamente pela dificuldade em saber da existência do ato que se deu o protocolo do requerimento administrativo, é a partir da divulgação do julgamento deste que se deve contar o prazo decadencial para o pleito da segurança pela via prevista na Lei nº 12.016/2009, pois somente após a R. Dout. Jurisp. AM

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decisão do sobre o requerimento é que se verificará efetivamente violado o direito, pois o administrado submeteu sua irresignação à Administração e esta teve a oportunidade de anular o ato; sendo completamente desarrazoado falar em indeferimento da inicial, pois havendo uma possível falha no dever de publicidade, o que leva a que o ato emanado da Administração Pública seja desconhecido pelo interessado, não se pode cogitar da perda do prazo, visto que não existe curso do prazo quando não há conhecimento do início dele por parte de quem deveria tomar algum tipo de providência dentro daquele determinado período. Ademais, conforme consta dos autos, a impetrante sempre buscou informações e diligenciou para que não ocorresse esse tipo de situação, tanto que só ficou sabendo da existência do ato de nomeação pretérito quando procurou pela Secretaria responsável. Dessa forma, considerando que a impetração do presente Writ se deu em 22 de maio de 2012, e que o indeferimento do requerimento administrativo ocorreu em 24 de abril do mesmo ano, ou seja, cerca de 32 dias depois da resposta ao requerimento, afasto a prejudicial de decadência. Nessa linha é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: EMENTA. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA BAHIA. C O N V O C A Ç Ã O D O S C A N D I D AT O S HABILITADOS PARA A SEGUNDA FASE NOVE A N O S A P Ó S O R E S U LTA D O . P R A Z O DECADENCIAL CONTADO DA CIÊNCIA DO INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO A D M I N I S T R AT I V O . P U B L I C A Ç Ã O EXCLUSIVAMENTE NO DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL DO CONCURSO. NÃO OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas RAZOABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. A fluência do prazo decadencial só se inicia na data em que o ato a ser impugnado se torna operante ou exequível, a dizer, capaz de produzir lesão ao direito vindicado, que, no caso em tela, deu-se com o indeferimento do requerimento administrativo do candidato pela Administração Pública. 2. De acordo com o princípio da publicidade, expressamente previsto no texto constitucional (art. 37, caput da CF), os atos da Administração devem ser providos da mais ampla divulgação possível a todos os administrados e, ainda com maior razão, aos sujeitos individualmente afetados. 3 [...] 4. Recurso desprovido. AgRg no Resp 959999 / BA. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. 5.ª T. DJe 11/05/2009.

MÉRITO No que pertine à questão de mérito da demanda, verifico assistir razão à impetrante, pois a mesma demonstrou ter sido diligente e interessada em saber de sua nomeação, não tendo a ela sido oportunizado o conhecimento do ato, face à desorganização dos responsáveis pelo certame, que acabaram criando uma confusão quanto aos Órgãos Oficiais de Publicação. Como bem dito na própria peça de informações do impetrado, esclarece o impetrado, a título de informação, que na época da primeira publicação só havia o Diário Oficial do Estado, pois o Diário Oficial dos Municípios só foi adotado pelo Município do Careiro da Várzea, no exercício de 2009, conforme cópia da Lei em anexo.

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Dessa forma, verifica-se que, quando da feitura do edital, que é de 18 de março de 2008, o item 13.8 daquele instrumento só poderia estar se referindo ao Diário Oficial do Estado do Amazonas, tanto que algumas publicações relativas ao mesmo certame foram ali realizadas conforme cópias trazidas aos autos (fls. 17; 19/20), veja-se o texto do item referido. 13.8 O resultado do concurso será homologado pelo Prefeito, após apreciação de todos os recursos, publicado no dia 30 de maio de 2008, no Diário Oficial e afixado na Prefeitura e na Câmara Municipal. (destaquei)

Outro fator preponderante diz respeito ao tempo decorrido entre a homologação e o ato de nomeação; pois se passaram quase três anos, o que faz presumir ser desarrazoado, por parte da Administração, esperar que o indivíduo que foi aprovado e aguarda pelo ato administrativo competente, fique por todo esse período, consultando todos os dias o caderno do Órgão Oficial de publicação dos atos daquele Ente, sendo dever da Administração Pública, respeitar o direito liquido e certo do candidato aprovado de ter sua nomeação amplamente publicada, inclusive com notificação pessoal, sob pena de afronta ao texto constitucional, que prevê como obrigatória a observância do princípio da publicidade. Nessa linha é o posicionamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, o qual fixou posicionamento no sentido de que a simples nomeação em Órgão Oficial, quando decorrido longo prazo de espera, não dá a publicidade necessária ao ato, devendo a Administração proceder à intimação pessoal do candidato, para que este possa manifestar se ainda tem interesse em ocupar o cargo para o qual prestou concurso e foi aprovado. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas PÚBLICO. PROCURADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOMEAÇÃO APÓS MAIS DE TRÊS ANOS DA DATA DE HOMOLOGAÇÃO DO CONCURSO. EFETIVAÇÃO DO ATO SOMENTE MEDIANTE PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA RAZOABILIDADE. NÃO OBSERVÂNCIA. 1. Muito embora não houvesse previsão expressa no edital do certame de intimação pessoal do candidato acerca de sua nomeação, em observância aos princípios constitucionais da publicidade e da razoabilidade, a Administração Pública deveria, mormente em face do longo lapso temporal decorrido entre homologação do concurso e a nomeação do recorrente (mais de 3 anos), comunicar pessoalmente o candidato sobre a sua nomeação, para que pudesse exercer, se fosse de seu interesse, seu direito à posse. 2. De acordo com o princípio constitucional da publicidade, insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, é dever da Administração conferir aos seus atos a mais ampla divulgação possível, principalmente quando os administrados forem individualmente afetados pela prática do ato. 3. Não se afigura razoável exigir que o candidato aprovado em concurso público leia diariamente, ao longo de 4 anos (prazo de validade do concurso), o Diário Oficial para verificar se sua nomeação foi efetivada. 4. Recurso ordinário provido. RMS 21554 / MG. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. 6.ª T. DJe 02/08/2010. EMENTA. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PRAZO PARA POSSE. COMUNICAÇÃO POR DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. A comunicação da nomeação do candidato aprovado em concurso público única e exclusivamente por meio de Diário Oficial da União, no caso concreto, não atingiu o seu objetivo e não atendeu aos princípios da publicidade e da razoabilidade. Segurança parcialmente R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas concedida. MS 16603 / DF. Min. BENEDITO GONÇALVES. PRIMEIRA SEÇÃO. DJe 02/12/2011.

Essa matéria já foi inclusive objeto de veiculação de Informativo de Jurisprudência da Corte da Cidadania. INFORMATIVO Nº 433 CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. TARDIA. A Administração, diante do longo lapso temporal (três anos) decorrido entre a homologação do concurso e a nomeação do candidato ora recorrente, em respeito aos princípios constitucionais da publicidade e da razoabilidade, deveria ter comunicado pessoalmente a ele sua nomeação, para que pudesse exercer seu direito à posse, se assim fosse de seu interesse, apesar de não haver qualquer previsão no edital do certame quanto a isso. O princípio constitucional da publicidade (art. 37 da CF/1988) impõe o dever de a Administração conferir a seus atos a mais ampla divulgação possível, principalmente quando eles atingirem individualmente o administrado. Assim, não se afigura razoável exigir do candidato aprovado a leitura do Diário Oficial durante o prazo de validade do certame (quatro anos) no intuito de verificar a efetivação de sua nomeação. Esse entendimento da Min. Relatora foi integralmente acolhido pela Turma, mas o Min. Og Fernandes adicionou a ele o de que só a publicação do resultado do certame no DO não cumpre o princípio da finalidade do ato administrativo ao qual está, também, sujeita a Administração. Por isso tudo, anulou-se o ato administrativo que tornou sem efeito a nomeação do recorrente e se R. Dout. Jurisp. AM

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determinou a efetivação de nova nomeação, com a devida intimação pessoal desse candidato. Precedentes citados: RMS 24.716-BA, DJe 22/9/2008, e RMS 22.508-BA, DJe 2/6/2008. RMS 21.554-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/5/2010.

DISPOSITIVO. Ante o exposto, firme nas razões aqui expendidas, e concordando com o parecer do G. Órgão Ministerial, concedo a segurança pleiteada, para determinar seja realizada a imediata nomeação da Impetrante, para o cargo de Técnico de Enfermagem, para o qual foi aprovada em concurso público, observando-se as formalidades inerentes ao ato administrativo, em vista de ser o ato anterior inválido por ofensa ao princípio constitucional da publicidade. É como voto. Intime-se. Cumpra-se. Manaus, Des. PAULO LIMA R E LAT O R

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HABEAS CORPUS Nº 2012.001510-1 2ª CAMARA CRIMINAL Impetrante: Dra. MARLEIDE SARAIVA DO AMARAL Paciente: ADRIANA BELÉM DE OLIVEIRA Impetrado: JUIZ DE DIREITO DA 2ª V.E.C.U.T.E. DA CAPITAL Relator: Des. RAFAEL DE ARAÚJO ROMANO EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVOLADA EM PREVENTIVA. ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO, QUANTIDADE SIGINIFICATIVA DE DROGAS, BALANÇA DE PRECISÃO E OUTROS APETRECHOS PARA O FABRICO E COMERCIALIZAÇÃO DE DROGAS, ENCONTRADOS NA RESIDÊNCIA (PONTO DE DROGAS) DA APELANTE. PRISÃO EFETUADA EM GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR. INCOERÊNCIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO DOMICILIAR POR FALTA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DO ART. 318, III DO CPP. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. I. A apreensão de arma de fogo de uso restrito, drogas e outros apetrechos, no domicílio da flagranteada, que também se prestava para fabricação e ponto de venda de drogas, enseja impossibilidade de substituição da Prisão Preventiva por Prisão Domiciliar. II. Prisão fetuada dentro dos ditames legais, em razão da garantia da ordem pública, pois trata-se de crime grave, que vem assolando a sociedade, com o aumento da escalada criminosa. R. Dout. Jurisp. AM

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III. Revogação da liminar anteriormente concedida por falta dos requisitos ensejadores do Art. 318 do Código de Processo Penal. ORDEM DENEGADA, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.

A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos de nº 2012.001510-1 ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, ______________, em denegar a Ordem, nos termos e fundamentos do voto do Relator, em consonância com o Parecer do Graduado Órgão Ministerial. Salas das Sessões da Egrégia Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Manaus, 24 de setembro de 2012. Des. Presidente Des. Relator Dr. Procurador de Justiça R. Dout. Jurisp. AM

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R E LAT Ó R I O Trata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar, impetrado pela Dra. Marleide Saraiva do Amaral, em favor da Paciente ADRIANA BELÉM DE OLIVEIRA, presa preventivamente desde o dia 18/05/2012, pela prática, em tese, dos delitos tipificados nos artigos 33 e 35 da Lei nº 11.343/2006, e Art. 16 da Lei nº 10.826/03, apontando como Autoridade Coatora o Juízo de Direito da 2ª V.E.C.U.T.E. da Comarca de Manaus, em face do indeferimento do pleito de conversão da prisão preventiva em domiciliar. Alega a Impetrante, em suma, que a Paciente preenche todos os requisitos para a substituição da Prisão Preventiva pela Prisão Domiciliar, nos termos do artigo 318, inciso III, do CPP, porquanto, além de outros irmãos menores, possui uma filha de 03 (três) anos de idade, que necessita dos cuidados imprescindíveis de sua mãe, ora Paciente, uma vez que a avó da criança, encontra-se em tratamento de saúde na Fundação CECON, o que inviabiliza o cuidado que deve cercar no tratamento dispensado a uma criança. Sustenta, ainda, que a Paciente é primária, possuidora de residência fixa e exercia atividade de faxineira, não apresentando qualquer grau de periculosidade, haja vista, ser do lar, e com filhos menores de idade para cuidar, consoante Certidões de Nascimento juntadas a estes autos. Dessa forma, requer seja concedida a ordem R. Dout. Jurisp. AM

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liminarmente para substituição da prisão preventiva pela domiciliar, expedindo-se o competente Mandado de Remoção e que, ao final, seja julgado procedente o presente writ. Com a Exordial, vieram os documentos de fls. 11/23. Às fls. 62/64, em sede de Plantão Judicial, a Eminente Desembargadora Encarnação das Graças Sampaio Salgado, após análise do pedido, vislumbrou que a Paciente deve fazer jus ao benefício da prisão domiciliar, concedendo liminarmente, a presente ordem, no tocante a substituição da Prisão Preventiva pela Prisão Domiciliar, ocasião em que determinou a expedição do competente Mandado de Remoção. Na sequência, conforme se infere do despacho de fls. 68, mantive a Prisão Domiciliar, nos moldes como facultada pela Magistrada Plantonista, momento que solicitei as informações pertinentes da autoridade apontada como coatora, e que, após, fosse dado vistas ao Graduado Órgão Ministerial para exarar Parecer. As informações foram prestadas às fls. 72/73 dando notícias sobre a Denúncia, Autoria e Materialidade do Crime, concluindo com a informação de que foi pautada audiência de Instrução e Julgamento para a data de 20.11.2012 . Às fls. 51/53 o Graduado Órgão Ministerial, manifestouse pelo conhecimento e denegação da presente ordem de habeas corpus, opinando pela cassação da liminar outrora deferida em favor da Paciente. É o relatório. DECIDO. R. Dout. Jurisp. AM

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VOTO Conheço do writ, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos para a sua admissibilidade, processamento e julgamento. Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar, impetrado por Dra. Marleide Saraiva do Amaral, em favor de ADRIANA BELÉM DE OLIVEIRA, presa em flagrante, juntamente com o nacional Paulo Cristiano Barbosa da Silva, pela prática dos crimes de tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito apontando como Autoridade Coatora o Juízo de Direito da 2ª Vara Especializada em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes da Comarca de Manaus/AM. A autoria e materialidade estão devidamente comprovados por Laudos acostados aos autos, que comprovam a apreensão de 564,02g de Cocaína, apetrechos para o refinamento, além de uma pistola colt, calibre 45, tudo evidenciando a venda e preparo da droga no domicílio da Apelante. Sem delongas, adianto que a Paciente Adriana Belém de Oliveira, não faz jús ao benefício da prisão domiciliar, porquanto a ordem não deve ser concedida. A Lei nº 12.403/2011 de 04 de maio de 2011, que alterou dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), estabeleceu em seus artigos 317 e R. Dout. Jurisp. AM

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318 a prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva com suas hipóteses de cabimento, in verbis: Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.” Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7º(sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

Silvio Maciel, na obra escrita em coautoria com Luiz Flávio Gomes, intitulada Prisão e Medidas Cautelares Comentários à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, Editora Revista dos Tribunais, esclarece de que forma o pleiteante do benefício deverá provar que faz jus ao benefício da prisão domiciliar: Ao preso compete o ônus de provar que se enquadra em uma das situações do artigo 318; a R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas ele compete demonstrar ao juiz, por meio de prova idônea, que tem o direito à prisão domiciliar. [...] Nas hipóteses dos incisos I e III, a comprovação da idade (preso com idade superior a 80 anos ou criança com idade inferior a 6 anos) deverá ser realizada com certidão de nascimento ou documento equivalente; nos casos dos incisos II e IV, a doença grave ou gravidez de alto risco deverá ser comprovada por documento médico.

Vislumbro, in casu, que a Paciente logrou demonstrar que é mãe de 02 (dois) filhos menores, além de uma criança de 03 (três) anos de idade, com residência no distrito de culpa, consoante documentos acostados aos autos, às fls. 19/21, (certidões de nascimento) e fls.16 (comprovante de residência em nome de sua genitora), motivos pelos quais entende, não poder ficar presa, visto da necessidade dos cuidados imprescindíveis de mãe com seus filhos, pois sem este convívio, a criança e seus irmãos ficarão expostos a toda sorte de adversidades, sofrendo violação em seus direitos mais fundamentais, pelo que requer a expedição do competente mandado de remoção em seu favor. Ora, na hipótese em exame, não há como se descurar da gravidade do crime e do mesmo modo, proteger os interesses das crianças, haja vista, que o Parágrafo Único do atual Art. 318 do Código de Processo Penal, condiciona para a substituição perseguida, o estrito cumprimento dos seus requisitos legais, o R. Dout. Jurisp. AM

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que inocorre, in casu. Nesse sentido, aporto julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que aduz: ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a Ordem de Habeas Corpus. EMENTA: Impetrante: LUIZ VENICIUS COMPAGNONI Paciente: ANA CAROLINA POSSER Impetrado: Juiz de Direito da 3ª VARA CRIMINAL da Comarca de CASCAVEL Relator: Des. MIGUEL PESSOA HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. REQUER PRISÃO DOMICILIAR. FILHA MENOR DE 06 ANOS SOB CUIDADOS DA AVÓ. INEXISTÊNCIA DE IMPRESCINDIBILIDADE DOS CUIDADOS MATERNOS. NÃO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. Admite-se a prisão preventiva, sob modalidade de prisão domiciliar, apenas quando há o estrito cumprimento dos requisitos legais encontrados no art. 318, do Código de Processo Penal, sem os quais não se mostra adequada a adoção de tal medida. (938236-9 (Acórdão) Relator: Miguel Pessoa Fonte: DJ: 937 Data Publicação: 29/08/2012 Órgão Julgador: 4ª Câmara Criminal Data Julgamento: 09/08/2012)

Por outro lado, noto que o flagrante na Paciente, deu-se quando praticava o crime de tráfico ilícito de substância entorpecente, juntamente com o nacional, Paulo Cristiano Barbosa da Silva, em sua própria residência, expondo deliberadamente, por via de consequência, à situação de risco e perigo, aos seus filhos, demonstrando-se assim, indubitavelmente, a gravidade dos delitos cometidos.

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Nesta senda, o entendimento manso e pacífico do STJ, que aduz: PRISÃO PREVENTIVA. MATERIALIDADE E I N D Í C I O S S U F I C I E N T E S D A A U TO R I A DELITIVA. REQUISITOS DA CUSTÓDIA CAUTELAR. PREENCHIMENTO. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. GARANTIA DA ORDEM

PÚBLICA.

SEGREGAÇÃO DEVIDAMENTE JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. COAÇÃO ILEGAL NÃO VERIFICADA. 1. Havendo provas da materialidade e indícios suficientes da autoria delitiva, preenchidos se encontram os pressupostos para a medida constritiva, que não exige prova cabal da última, reservada à condenação criminal. 2. Estando a mantença da prisão cautelar fundada na necessidade concreta de assegurar-se a ordem pública, em razão da periculosidade do agente, resta plenamente justificado o acórdão que conservou a constrição antecipada. Ordem denegada. (HC 197441/PE HC 2011/0032158-0 Min. JORGE MUSSI -

STJ/T5 - Julgamento 01/12/2011

Publicação DJe 12/12/2011)

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Ademais, cumpre ressaltar, que a motivação que dá suporte ao presente pedido, confunde-se com o mérito do writ, daí que reiteradamente, venho decidindo, ser incabível a apreciação de matérias de mérito em sede de Habeas Corpus, devendo ser a questão analisada mais detalhadamente quando da apreciação e julgamentos definitivos do remédio constitucional, o que é incabível neste momento. Assim, em perfunctória análise dos autos, verifica-se que a soltura dai Paciente põe em risco a Ordem Pública, nos termos Art. 312 do CPP. Dessa forma, por revestir-se de crime grave que vem assolando a sociedade, esta prisão, que foi efetuada dentro dos ditames legais, deverá ser mantida para a garantia da Ordem Pública, em obediência aos requisitos do Art. 312 do Código de Processo Penal. Diante do exposto, com fito de assegurar a Ordem Pública, em consonância com o Parecer Ministerial, denego a ordem de, habeas corpus, tornando sem efeito os termos da Liminar concedida. Expeça-se incontinenti o Mandado de Prisão em desfavor da nacional ADRIANA BELÉM DE OLIVEIRA. É como voto. Des. RAFAEL DE ARAÚJO ROMANO Relator

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HABEAS CORPUS Nº 2012.001317-6 2ª CAMARA CRIMINAL Impetrante: Dr. Anizio Antonio Silva de Castro Paciente: HÉLIO QUEIROZ DA SILVEIRA NETO Impetrado: JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL Relator: Des. RAFAEL DE ARAÚJO ROMANO E M E N TA : H A B E A S C O R P U S . R O U B O MAJORADO. CONCURSO DE PESSOAS. PROVAS SUFICIENTES DA MATERIALIDADE E AUTORIA. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. PEDIDO DE ISENÇÃO OU REDUÇÃO DA FIANÇA. IMPOSSIBILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO AGENTE. NÃO DEMONSTRADA. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM INDEFERIDA. I. Impossibilidade de prosperar a tese de que o Paciente se encontra em estado de miserabilidade, dado que a demonstração do alegado, se faz incipiente nos autos. II. A materialidade do crime e a sua autoria, restaram comprovadas pelo conjunto probatório formado no processo, sobretudo, pelo reconhecimento do Paciente pela vítima. III. O fato do paciente possuir predicados pessoais favoráveis, por si só, não autoriza a sua liberdade. III. O crime imputado ao acusado comporta a concessão da Liberdade Provisória com fiança, cumulada com as medidas cautelares. Inteligência dos Arts. 322 e 319, incisos I e IV, todos do CPP. ORDEM DENEGADA, EM CONSONÂNCIA COM PARECER MINISTERIAL.

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AC Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos de nº 2012.001317-6. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Egrégia Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, _____________, em denegar a ordem nos termos e fundamentos do voto do relator, em consonância com o parecer do Graduado Órgão Ministerial. Salas das Sessões da Egrégia Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado. Manaus, _____ de ____________ de 2012. Des. Presidente Des. Relator Dr. Procurador de Justiça RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado por Dr. Anizio Antonio da Silva de Castro em favor de HÉLIO QUEIROZ DA SILVEIRA NETO, apontando como autoridade coatora o MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Capital. R. Dout. Jurisp. AM

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Informa o Impetrante, em resumo, que o Paciente foi preso no dia 15 de maio de 2012, sob acusação de cometimento do delito de roubo majorado por concurso de agentes, previsto no Art. 157, §2º, inciso II, do CPB. Alega que, contra esta prisão, protocolou pedido de liberdade provisória sem fiança, tendo como resposta da Autoridade Coatora, às fls. 19/22, seu parcial deferimento, uma vez que concedeu a Liberdade Provisória, mediante fiança arbitrada em 10 salários mínimos. Após, em novo pedido de liberdade provisória em favor do Paciente, e/ou, redução do valor da fiança arbitrada, a Autoridade Coatora manteve a fiança, porém a reduziu de 10(dez) para 05(cinco) salários mínimos, ficando o valor final da fiança em R$3.110,00 (Três Mil, Cento e Dez Reais). Nessa linha, aduz o Impetrante, que a decisão ora combatida, se fundamenta no fato de que o Paciente, para provar que é pobre, teria que ser assistido pela Defensoria Pública Estadual e não, por causídico particular. Complementa que tal Decisão fere os fundamentos do Art. 93, inc. IX da Constituição da República, que preserva o direito à intimidade do interessado. Conclui, que o Paciente está sofrendo constrangimento ilegal no direito de ir e vir, já que não tem como pagar a fiança arbitrada em prol da sua liberdade, requerendo ao final a concessão deste habeas corpus, para que o mesmo responda, em liberdade, a acusação imputada e/ou, alternativamente a R. Dout. Jurisp. AM

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decretação algumas das medidas cautelares diversas da prisão. Às fls. 35 dos autos o Desembargador plantonista, indeferiu a liminar arvorada, e determinou a redistribuição do feito. Às fls. 38 dos autos, ratifiquei a Decisão prolatada em sede de Plantão Judicial e requisitei informações a Autoridade Coatora e, logo após, determinei vistas ao Graduado Órgão Ministerial para exarar Parecer. Às fls. 42/43 a Autoridade Coatora informa que o crime imputado ao Paciente comportava concessão de liberdade provisória com fiança, pelo que deferiu o pedido de Liberdade Provisória, arbitrando fiança de 10 (dez) salários mínimos, reduzindo, após novo pedido, para 05 (cinco) salários mínimos. Acrescenta que no presente caso, o Paciente está assistido por Defensor constituído, não sendo plausível a invocação do estado de pobreza para o não pagamento da fiança arbitrada, informando ao final, que os autos se encontram no aguardo do cumprimento de diligências requeridas pelo Parquet. Em Parecer, às fls. 45/46 dos autos, o douto Procurador de Justiça, aduz que o Paciente não conseguiu demonstrar, através dos documentos acostados aos presentes autos, a alegada hipossuficiência, destarte, manifestou-se pelo conhecimento do presente remédio heróico, porém quanto ao mérito, negou-lhe provimento.

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É o relatório. VOTO Conheço do writ, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos para a sua admissibilidade, processamento e julgamento. O Impetrante, manipula o presente habeas corpus, com escopo de fazer cessar o constrangimento ilegal, que porventura, padece o Paciente HÉLIO QUEIROZ DA SILVEIRA NETO, aduzindo ser a decisão interlocutória totalmente fora da sensibilidade do Estado-Juiz, visto que foi fundamentada apenas na presunção de que pessoa pobre, tem que ser assistida pela Defensoria Pública Estadual e não, por causídico particular. Enfatiza que o Paciente sofre constrangimento ilegal, já que sua situação econômica não lhe permite pagar a fiança arbitrada em prol de sua liberdade, pelo que pretende no presente writ, fazer cessar tal constrangimento, com a consequente expedição do Alvará de Soltura, para que possa defender-se, em liberdade, do crime imputado. Na análise destes autos, vislumbro que o Paciente foi preso sob acusação do crime de roubo, majorado pelo concurso de pessoas, previsto no Art.157, §2º, inciso II, do CPB, contudo, levado em conta, pelo Juízo, a quo, a presença, no caso presente, dos pressupostos dos Artigos 322 e seguintes do CPP, R. Dout. Jurisp. AM

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que o autorizaram a conceder ao Paciente, a liberdade Provisória, mediante pagamento de Fiança. Verifico, que o arbitramento da fiança, foi reduzido em 50%(cinquenta por cento) pelo Juízo, a quo, em atendimento ao pedido de reconsideração exarado pelo Impetrante, entendendo a Autoridade Coatora, por manter a fiança, embora reduzindo-a, uma vez que o Paciente, apesar de alegar hipossuficiência, não se valeu da Defensoria Pública, portanto há que dispor de pecúnia para se livrar solto, amparado pelo instituto da fiança. Ressalto, ainda que se trata de via imprópria para o exame aprofundado da qualidade das provas, visando desconstituir o arbitramento da fiança, pois diz respeito ao próprio mérito da causa, inviabilizando a apreciação em sede de habeas corpus. Nesse sentido colaciono jurisprudências: HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES DE USO RESTRITO. ARTIGO 16 DA LEI Nº 10.826/03. DECISÃO DENEGATÓRIA DE LIBERDADE PROVISÓRIA. FALTA DE REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CPP. IMPROCEDÊNCIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.

CONDIÇÕES

PESSOAIS

FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. NEGATIVA DE AUTORIA. DISCUSSÃO INVIÁVEL NA VIA R. Dout. Jurisp. AM

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ESTREITA DO WRIT. CUSTÓDIA NECESSÁRIA. CONSTRANGIMENTO

ILEGAL NÃO-

CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA. (TJPR - Habeas Corpus Crime: HC 6492168 PR 0649216-8. Relator: João Kopytowski. 2ª Câmara Criminal. Julgamento: 11/02/2010). O habeas corpus não é o meio adequado para apreciar aspectos que envolvam o exame do conjunto probatório. (STJ, HC 8.556 - RJ)

Quanto aos predicativos pessoais do réu, venho decidindo de forma reiterada que as condições subjetivas favoráveis ao Paciente, por si só, não constituem elementos que autorizem a sua liberdade. Nesse entendimento: LIBERDADE PROVISÓRIA. BENEFÍCIO PRETENDIDO. GRAVIDADE E VIOLÊNCIA DO DELITO.

BONS ANTECEDENTES

E

PRIMARIEDADE QUE NÃO SÃO SUFICIENTES PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. (TJSP – HC – Rel. Cunha Bueno – JTJ – LEX 115/218).

Nota-se que a alegação de que o Paciente não possui condições financeiras de suportar o valor arbitrado a título de fiança, não pode ser tomada isoladamente, sendo necessária a R. Dout. Jurisp. AM

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análise de todo um conjunto probatório, pois, in casu, o crime foi cometido em concurso de agentes e sua prisão foi efetuada legalmente, tendo ainda, sido reconhecido pela vítima, fatos que reforçam não ser o presente caso, passivo de simples liberdade provisória. Nesta senda, jurisprudência pacificada do STJ, que aduz: PENAL E PROCESSUAL PENAL - PORTE ILEGAL DE ARMA - DOSIMETRIA - CONFISSÃO ESPONTÂNEA - NÃO CONFIGURAÇÃO ARBITRAMENTO DE FIANÇA - POSSIBILIDADE. - [...] - De outro lado, entretanto, a fiança é cabível quando não esbarra em nenhum dos óbices previstos nos arts. 323 e 324 do CPP. - Ordem concedida, em parte, apenas para possibilitar o arbitramento de fiança. (HC 27184 / MT HABEAS CORPUS 2003/0028269-2

Relator Ministro JORGE

SCARTEZZINI STJ/T5 - Julgamento 17/06/2003)

Urge acrescentar que o Paciente encontra-se assistido por causídico particular, o que destoa de sua alegação de hipossuficiência para pagamento da fiança arbitrada, além do que, a demonstração do alegado, se faz insipiente nos autos,

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mostrando-se portanto, concebíveis, as razões apresentadas pelo Juízo a quo. Neste sentido, jurisprudência pacificada do STJ, que aduz: HABEAS CORPUS. LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA. PEDIDO DE DISPENSA DE PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO PACIENTE. ORDEM DENEGADA. 1. Concedida ao paciente liberdade provisória com fiança, a ausência de comprovação de sua hipossuficiência econômica impede o deferimento do pedido de dispensa de pagamento. 2. Ordem denegada. (Processo HC 242501 Relator Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - Publicação 24/05/2012)

Prima facie, é sabido que o magistrado tem a permissão legal de fundar seu convencimento em quaisquer dos meios probatórios lícitos produzidos durante a instrução processual e, no caso, sub examine, o Paciente não conseguiu demonstrar, também em 1º Grau, a hipossuficiência alegada. Ademais, noto que o processo não se encontra paralisado e tem seu trâmite regular, encontrando-se a instrução

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criminal em fase conclusiva e no aguardo do cumprimento de diligências requeridas pelo Membro do Parquet. Por tais fundamentos, denego a ordem de habeas corpus, o que faço com base jurisprudencial e, em harmonia com o Ministério Público. Des. RAFAEL DE ARAÚJO ROMANO Relator

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2010.001654-7 Órgão: Terceira Câmara Cível.Relator: Desembargador Aristóteles Lima Thury. Revisor: Desembargador Cláudio César Ramalheira Roessing. Vara de Origem: 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal Apelantes: Paulo Faria Imóveis Sociedade Civil e Francisco Ritta Bernadino Advogado: Dr. Severino Ramos – OAB/AM-2.588 Apelado: Munícipio de Manaus Procurador do Munícipio: Dr. Eduardo Bezerra Vieira – OAB/AM-6.147 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – EMBARGOS A EXECUÇÃO – SENTENÇA QUE RECONHECE EXCESSO DE EXECUÇÃO POR INCLUSÃO DE JUROS MORATÓRIOS – JUROS NÃO MORATÓRIOS, MAS SIM COMPENSATÓRIOS – ART. 15-A, §1º, DECRETO-LEI 3.365/41 – JUROS COMPENSATÓRIOS TOTALMENTE CABÍVEIS – PRECEDENTES DO STJ – EXCESSO DE EXECUÇÃO PELA NÃO EXCLUSÃO NOS CÁLCULOS DOS 20% REMANESCENTES DE INDENIZAÇÃO PRÉVIA – EXCESSO DE EXECUÇÃO CARACTERIZADO – POSSIBILIDADE DE LEVANTAMENTO DOS VALORES SEM PRECATÓRIO – ART. 16, LEI COMPLEMENTAR 76/93 – APLICAÇÃO ANALÓGICA – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

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- Nas palavras de Antônio Celso de Paula Albuquerque: Os chamados "juros compensatórios" não são na realidade "juros", mas uma verba indenizatória tarifada criada pela jurisprudência para "compensar" o fato de o desapossamento ocorrer antes de paga a indenização devida, que pelo preceito teria de ser prévia. Constituem um ressarcimento pelo fato de ter sido retirada do desapropriando a normal fruição derivada da posse; - Recurso conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível nº 2010.001654-7, em que são partes as acima nominadas, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes desta Egrégia Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por unanimidade de votos, em conhecer o recurso para lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do relator. Sala das Sessões, 05 de dezembro de 2012. Manaus Amazonas. Presidente Relator Membro

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I RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto por Paulo Faria Imóveis Sociedade Civil e Francisco Ritta Bernardino, inconformados com o teor da sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, nos autos de Execução Provisória de Sentença de nº 012.96.008868-2, o qual julgou parcialmente procedentes os Embargos à Execução opostos pelo Apelado, entendendo ter existido excesso de execução por parte dos Apelantes, haja vista a inclusão de juros moratórios nos cálculos acostados, bem como a não exclusão do valor remanescente do depósito indenizatório prévio efetivado pelo Apelado. Em suas razões recursais de fls. 711/717, os Apelantes informam que os juros postos nos cálculos não se tratam de juros moratórios, mas sim de juros compensatórios, os quais entendem serem totalmente cabíveis. Quanto a não exclusão dos 20% remanescentes do depósito indenizatório efetivado previamente pelo Apelado, afirmam que tal abatimento só será possível quando da expedição de precatório para o pagamento do valor total da indenização, razão pela qual não se caracteriza como excesso. Recebido o recurso, às fls. 719, foi determinada a intimação do Apelado para apresentar suas contrarrazões, a qual se deu de forma intempestiva, conforme certidão de fls. 725, razão pela qual o magistrado determinou, às fls. 730, o desentranhamento das razões expendidas pelo Apelado. Em parecer de fls. 739/745, o Graduado Órgão Ministerial deixa de se manifestar quanto ao mérito recursal, por entender que inexiste interesse público nos presentes autos. Eis o breve relatório.

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II VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço a pretensão recursal. Inicialmente, cabe dispor que os presentes autos tratam de Execução Provisória de Sentença, posteriormente convertida em Execução Definitiva, em virtude do trânsito em julgado, em 14/10/1996, dos autos de Ação de Desapropriação movida pelo ora Apelado. O cerne do presente recurso de Apelação diz respeito à aplicação de juros moratórios ao valor atribuído como indenização na sentença proferida nos autos da Ação de Desapropriação, bem como a não exclusão, dos cálculos apresentados, de valor remanescente do depósito prévio realizado a título de indenização pelo Apelado, o que equivale a 20% do valor total depositado. Em vista do exposto, entendeu o juízo monocrático que restou caracterizado o excesso de execução, razão pela qual julgou parcialmente procedente os Embargos à Execução opostos pelo Apelado. No que tange ao primeiro fundamento da sentença, acerca da aplicação de juros moratórios, os Apelantes, em suas razões recursais, informam que os juros aplicados não dizem respeito à mora da municipalidade, mas sim a compensação a qual entendem que fazem jus, nos termos do art. 15-A, §1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41. Nesse ponto, entendo assistir razão a argumentação expendida pelos Apelantes. Na sentença proferida pelo juízo de piso, foi exposto pelo magistrado o descabimento da aplicação de juros de mora no presente caso, uma vez que estes, nos termos do art. 15-B do mesmo Decreto-Lei acima mencionado, são devidos em virtude do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada em R. Dout. Jurisp. AM

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sentença, atraso este que, por ser o Apelado ente federativo, só se torna possível após a expedição de precatório para o pagamento da indenização conferida, não tendo ainda a demanda, apesar de ajuizada a mais de 15 (quinze) anos, atingido tal etapa, não sendo possível, consequentemente, a aplicação de juros de mora no caso em tela. Entretanto, o que se visualiza da análise dos presentes autos, de fato, é a aplicação de juros compensatórios e não de juros moratórios, incidindo, assim, regra diferenciada para sua aplicação. Isso porque a redação do art. 15-A, §1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41, é clara ao dispor acerca da possibilidade de incidência de juros compensatórios nas Ações de Desapropriação quando ocorrer imissão prévia na posse, o que se deu no caso em comento, e houver divergência entre o valor ofertado e o valor fixado em sentença, fato este que se vislumbra nos presentes autos, conforme fls.12/39, visto que o preço ofertado

1

Art. 15-A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. § 1º Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. 2

Art. 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à o razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1 de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição. Disponível em: < R. Dout. Jurisp. AM

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pelo Apelado à época foi de NCz$ 24.198,29 (vinte quatro mil cento e noventa e oito cruzados novos e vinte e nove centavos), ao passo que a indenização fixada em sentença transitada em julgado atingiu o quantum de Cr$ 78.728.953,72 (setenta e oito milhões setecentos e vinte e oito mil novecentos e cinquenta e três cruzados e setenta e dois centavos). Acerca dos juros compensatórios, Antônio Celso de Paula Albuquerque dispõe o seguinte: Os chamados "juros compensatórios" não são na realidade "juros", mas uma verba indenizatória tarifada criada pela jurisprudência para "compensar" o fato de o desapossamento ocorrer antes de paga a indenização devida, que pelo preceito teria de ser prévia. Constituem um ressarcimento pelo fato de ter sido retirada do desapropriando a normal fruição derivada da posse. (Original sem grifos).

Quanto ao cabimento dos juros compensatórios em Ação de Desapropriação, não há o que se discutir, visto que previstos no Decreto-Lei que dispõe acerca do tema, conforme anteriormente demonstrado. Nesse sentido tem sido as decisões proferidas pela Egrégia Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A Ç Ã O D E C L A R AT Ó R I A . J U R O S COMPENSATÓRIOS. DESAPROPRIAÇÃO. EXCLUSÃO. DECISÃO TRANSITADA EM 3

Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/bitstream/handle/2011/23316/breve_apontamento sobre juros compensatorios.pdf?sequence=1>. R. Dout. Jurisp. AM

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JULGADO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE. I - Trata-se de ação declaratória, extinta sem julgamento de mérito, porquanto tem como objetivo afastar os juros compensatórios fixados em autos de desapropriação, cuja decisão já transitou em julgado. II - Este eg. Superior Tribunal de Justiça tem firme posicionamento no sentido do cabimento dos juros compensatórios em autos de desapropriação, porquanto se destinam a compensar o que o desapropriado deixou de ganhar com a perda antecipada do imóvel, no que a decisão atacada pela respectiva declaratória não contém vícios insanáveis para que se aluda à possibilidade de utilização da teoria da relativização da coisa julgada. III - Recurso improvido (1087966 SP 2008/0215216-3, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 16/12/2008, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2008). (Original sem grifos).

Quanto à incidência dos juros compensatórios, a Corte Especial tem decidido que estes são devidos a partir da prévia imissão na posse até o a expedição do respectivo precatório, senão vejamos: ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS. INCIDÊNCIA. PERÍODO. TAXA. REGIME ATUAL. DECRETO-LEI Nº 3.365/41, ART. 15-B. ART. 100,

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§ 12 DA CF (REDAÇÃO DA EC 62/09). SÚMULA VINCULANTE 17/STF. SÚMULA 408/STJ. 1. Conforme prescreve o art. 15-B do Decreto-lei 3.365/41, introduzido pela Medida Provisória 1.997-34, de 13.01.2000, o termo inicial dos juros moratórios em desapropriações é o dia "1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição". É o que está assentado na jurisprudência da 1ª Seção do STJ, em orientação compatível com a firmada pelo STF, inclusive por súmula vinculante (Enunciado 17). 2. Ao julgar o REsp 1.111.829/SP, DJe de 25/05/2009, sob o regime do art. 543-C do CPC, a 1ª Seção do STJ considerou que os juros compensatórios, em desapropriação, são devidos no percentual de 12% ao ano, nos termos da Súmula 618/STF, exceto no período compreendido entre 11.06.1997 (início da vigência da Medida Provisória 1.577, que reduziu essa taxa para 6% ao ano), até 13.09.2001 (data em que foi publicada decisão liminar do STF na ADIn 2.332/DF, suspendendo a eficácia da expressão "de até seis por cento ao ano", do caput do art. 15-A do Decreto-lei 3.365/41, introduzido pela mesma MP). Considerada a especial eficácia vinculativa 4

Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?com ponente=ATC&sequencial=8662787&num_registro=200900795168 &data=20100308&tipo=5&formato=PDF>. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas desse julgado (CPC, art. 543-C, § 7º), impõe-se sua aplicação, nos mesmos termos, aos casos análogos. A matéria está, ademais, sumulada pelo STJ (Súmula 408). 3. Segundo jurisprudência assentada por ambas as Turmas da 1ª Seção, os juros compensatórios, em desapropriação, somente incidem até a data da expedição do precatório original. Tal entendimento está agora também confirmado pelo § 12 do art. 100 da CF, com a redação dada pela EC 62/09. Sendo assim, não ocorre, no atual quadro normativo, hipótese de cumulação de juros moratórios e juros compensatórios, eis que se tratam de encargos que incidem em períodos diferentes: os juros compensatórios têm incidência até a data da expedição de precatório, enquanto que os moratórios somente incidirão se o precatório expedido não for pago no prazo constitucional. 4. Recurso especial parcialmente provido. Recurso sujeito ao regime do art. 543-C do CPC. (Original sem grifos). No mesmo norte: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. TERRA IMPRODUTIVA. JUROS COMPENSATÓRIOS DEVIDOS. INCIDÊNCIA. IMISSÃO NA POSSE EM DATA ANTERIOR À MP 1.577/97. MATÉRIA APRECIADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO, SOB O RITO DO ART. 543-C, DO CPC (RESP 1.116.364/PI, DJE 10/9/2010; RESP 1.111.829/SP, DJE 25/05/2009). R. Dout. Jurisp. AM

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1. Os juros compensatórios destinam-se a compensar o que o desapropriado deixou de ganhar com a perda antecipada do imóvel, ressarcir o impedimento do uso e gozo econômico do bem, ou o que deixou de lucrar, motivo pelo qual incidem a partir da imissão na posse do imóvel expropriado, consoante o disposto no verbete sumular n.º 69 desta Corte: "Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel". 2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que os juros compensatórios são devidos mesmo quando o imóvel desapropriado for improdutivo, justificando-se a imposição pela frustração da "expectativa de renda", considerando a possibilidade do imóvel "ser aproveitado a qualquer momento de forma racional e adequada, ou até ser vendido com o recebimento do seu valor à vista" (EREsp 453.823/MA, relator para o acórdão Ministro Castro Meira, DJ 17.5.2004). 3. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.111.829/SP, DJe 25/5/2009, sob o regime do art. 543-C do CPC, considerou que os juros compensatórios, em desapropriação, são devidos no percentual de 12% ao ano, nos 5

Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink =ATC&sSeq=15673327&sReg=201000729373&sData=20110527&s Tipo=5&formato=PDF R. Dout. Jurisp. AM

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termos da Súmula 618/STF, exceto no período compreendido entre 11.06.1997 (início da vigência da Medida Provisória 1.577, que reduziu essa taxa para 6% ao ano), até 13.09.2001 (data em que foi publicada decisão liminar do STF na ADIn 2.332/DF, suspendendo a eficácia da expressão "de até seis por cento ao ano", do caput do art. 15-A do Decreto-lei 3.365/41, introduzido pela mesma MP). 4. No caso dos autos, ocorrida a imissão na posse do imóvel desapropriado em 12/8/1987 - antes da vigência da MP nº 1.577/97 e reedições -, os juros compensatórios incidirão na razão de 12% (doze por cento) no período de 12/8/1987 até 11/6/97 (data da vigência da MP nº 1.577/97), devendo ser reduzidos a 6% (seis por cento) entre 11.6.97 e 24.9.1999 (MP 1.901-30) e excluídos entre 24/9/99 e 19/9/2001. A partir desta data, devem ser computados em 12% ao ano até a emissão do precatório original, consoante disposto no art. 100, § 12, da Constituição Federal. (Original sem grifos). 5. Agravo regimental parcialmente provido.

Ademais, saliente-se, ainda, que a matéria acerca dos juros compensatórios já foi alvo das súmulas 69, 113 e 408 do STJ, e da súmula 618 do STF, todas dispondo acerca da incidência dos mesmos. Sendo assim, tendo em vista o vasto entendimento jurisprudencial e doutrinário acima colacionado, entendo serem perfeitamente cabíveis os juros compensatórios na presente execução de sentença, estando, no meu sentir, a decisão proferida nos autos dos embargos à execução em dissonância com o melhor direito. R. Dout. Jurisp. AM

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Quanto ao segundo fundamento da sentença, que entende que os 20% remanescentes do valor total depositado pelo Apelado a título de indenização prévia deveriam ter sido excluídos dos cálculos apresentados para que não se configurasse o excesso de execução, alegam os Apelantes que o referido valor apenas poderá ser abatido quando da expedição do respectivo precatório, razão pela qual entendem inexistir qualquer excesso de execução neste aspecto. Com efeito, entendo não merecer prosperar a argumentação dos Apelantes neste quesito. Cabe esclarecer que, intentada a Ação de Desapropriação, o Apelado efetivou deposito prévio do valor que entendia ser o devido a título de indenização, qual seja NCz$ 24.198,29 (vinte quatro mil cento e noventa e oito cruzados novos e vinte e nove centavos). Sendo assim, os Apelantes, com base nos arts. 33, §2º e 34 do Decreto-Lei nº 3.365/41, promoveram o levantamento de 80% do valor anteriormente mencionado, enquanto permaneciam discutindo nos autos o valor da indenização que entendiam como justo, permanecendo, dessa forma, 20% do valor depositado na conta do juízo.

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STJ Súmula nº 69. Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel. 7 STJ Súmula nº 113. Os juros compensatórios, na desapropriação direta, incidem a partir da imissão na posse, calculados sobre o valor da indenização, corrigido monetariamente. 8 STJ Súmula nº 408. Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória nº 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal. 9 STF Súmula nº 618. Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano. R. Dout. Jurisp. AM

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Com o trânsito em julgado da demanda desapropriatória, aplicando-se analogicamente o art. 16 da Lei Complementar nº 76/93, vez que o Decreto-Lei nº 3.365/41 não versa acerca da questão, surgiu para os Apelantes o direito ao levantamento dos valores residuais, no caso os 20% remanescentes do deposito prévio realizado pelo Apelado. Nesse sentido tem decidido o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NOS AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO INCIDÊNCIA DO VETO CONSTANTE DA SÚMULA 207/STJ. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. LEVANTAMENTO DOS 20% RESTANTES DO VALOR INICIALMENTE DEPOSITADO A T Í T U L O D E B E N F E I TO R I A S Ú T E I S E NECESSÁRIAS. CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS CONSTANTES NOS ARTS. 6º E 16 D A L E I C O M P L E M E N TA R N . 7 6 / 9 3 . PUBLICAÇÃO DE EDITAIS. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. 1. Trazem os autos recurso especial que ataca acórdão do TRF-1ª Região que negou provimento 10

Art. 33. O depósito do preço fixado por sentença, à disposição do juiz da causa, é

considerado pagamento prévio da indenização. § 2º O desapropriado, ainda que discorde do preço oferecido, do arbitrado ou do fixado pela sentença, poderá levantar até 80% (oitenta por cento) do depósito feito para o fim previsto neste e no art. 15, observado o processo estabelecido no art. 34. 11

Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de

quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros. Parágrafo único. Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço ficará em depósito, ressalvada aos interessados a ação própria para disputá-lo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/decreto-lei/Del3365.htm>. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas a agravo de instrumento interposto em face do indeferimento do pedido de levantamento de depósito judicial remanescente, referente à indenização por benfeitorias úteis e necessárias de imóvel objeto da ação de desapropriação para fins de reforma agrária, ao entendimento de que não foram cumpridas as exigências constantes dos arts. 6º e 16 da Lei Complementar n. 76/93, quais sejam, publicação de editais e trânsito em julgado da sentença. 2. Afasta-se preliminar de não conhecimento do recurso especial pela incidência do veto constante na Súmula 207/STJ, pois não era hipótese de embargos infringentes, tanto porque a decisão majoritária fora proferida em agravo de instrumento, seja porquanto não houve reforma da decisão de primeira instância. 3. O art. 16 da Lei Complementar n. 76/93 determina que, em ação de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, a liberação da indenização ou depósito judicial pressupõe o trânsito em julgado da respectiva sentença. Na hipótese, a ausência de impugnação dos valores fixados a título de indenização por desapropriação torna incontroversa a parte do decisum não contestada pelo expropriante, perfazendo-se, em relação àqueles valores, o trânsito em julgado. É que, abstendo-se o expropriante de interpor recurso a fim de discutir os valores fixados, tais valores não poderão ser reduzidos, ainda que pendente de apreciação a pretensão recursal da parte expropriada. Essa interpretação coaduna-se com o princípio constitucional da prévia e justa indenização ao 12

Art. 16. A pedido do expropriado, após o trânsito em julgado da sentença, será levantada a indenização ou o depósito judicial, deduzidos o valor de tributos e multas incidentes sobre o imóvel, exigíveis até a data da imissão na posse pelo expropriante. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/lesi/LCP/Lcp76.htm>. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas expropriado, e assemelha-se àquela relativa à expedição de precatório da parte incontroversa, tendo essa Corte firmado posicionamento no sentido de que a execução da parcela da dívida não impugnada pelo ente público deve ter regular prosseguimento, ausente, em consequência, óbice à expedição de precatório. 5. No caso em exame, é fato incontroverso que não houve apresentação de recurso pelo Incra para o fim de impugnar o valor delineado em relação à indenização das benfeitorias úteis e necessárias, o que evidencia a ocorrência do trânsito em julgado para a autarquia expropriante em relação ao montante sobre o qual inexiste controvérsia. Sendo assim, resta atendido o requisito previsto no art. 16 da Lei Complementar n. 76/93, indispensável para o deferimento do pedido de expedição de alvará para liberação dos valores correspondentes aos 20 % (vinte por cento) restantes do depósito inicialmente feito pelo INCRA, relativos às benfeitorias úteis e necessárias. 6. Vale ressaltar que, estando em trâmite a Ação Ordinária n. 2003.36.00.013941-2, na qual há discussão sobre a legitimidade da transferência da propriedade a particulares pelo Estado do Mato Grosso (por se tratar de imóvel situado dentro da denominada faixa de fronteira, que assim seria do domínio da União) deve a quantia fixada a título de indenização pela área expropriada aguardar a solução da controvérsia dominial para ser liberada, conforme já foi determinado nos autos da mencionada ação. Todavia, o que se pretende por meio do presente recurso especial é a liberação dos valores decorrentes da indenização das benfeitorias úteis e necessárias, e não das terras desapropriadas, o que, repita-se, não seria possível em face da discussão sobre a nulidade dos títulos de propriedade. 7. Por fim, impende considerar que não se trata aqui de levantamento inicial de 80% da R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas indenização depositada, mas sim do saldo remanescente de 20%, não se impondo, quanto a essa última parcela, a publicação de editais para certificação da titularidade do bem, visto que tal formalidade já foi devidamente cumprida no início da ação. 8. Recurso especial conhecido e provido. (912017 MT 2006/0278663-8, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 20/08/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2009). (Original sem grifos).

Ademais, entendo não assistir razão a argumentação dos Apelantes de que o valor remanescente só poderá ser levantado quando da expedição de precatório para o pagamento do restante da indenização arbitrada em sentença final. O mestre Paulo Bonavides, dispõe da seguinte forma acerca dos precatórios em sua obra: Na verdade, o precatório surgiu a partir da Constituição Federal de 1934, sendo certo que, antes de sua instituição, “a obtenção de pagamento de crédito em face da Fazenda Pública ficava subordinada ao bel-prazer do Administrador e a muito esforço e conhecimento político do interessado”. Quer isto dizer que a execução judicial em face da Fazenda Pública procede-se mediante o precatório, com inclusão do valor no orçamento para pagamento no exercício financeiro subsequente. Qualquer que seja a natureza do crédito, haverá de submeter-se à sistemática da precatória, ressalvados os créditos de pequeno valor. (Original sem grifos).

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O que se pode compreender da lição acima transcrita é que o precatório, posto no art. 100 da atual Carta Magna, surgiu como meio de garantir o efetivo pagamento por parte dos entes federativos, bem como prevenir estes para que incluam em seus respectivos orçamentos os valores a serem pagos. No presente caso, não há que se falar em expedição de precatório, visto que os valores já se encontram a disposição dos Apelantes, uma vez que foram depositados quando do início da demanda em conta judicial, razão pela qual entendo como acertada a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, o qual considerou como excesso de execução a não retirada de tais valores dos cálculos apresentados. Por fim, tendo em vista a sucumbência reciproca, mantenho a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau acerca dos honorários advocatícios e das custas processuais. Ante o exposto, conheço do recurso para lhe dar PARCIAL PROVIMENTO, devendo incidir sobre o valor da indenização arbitrada em sentença final os juros compensatórios, nos termos do art. 15-A, §1º, do Decreto-Lei 3.365/41, até o trânsito em julgado da demanda desapropriatória, mantendo a decisão de piso, tal como lançada, nas demais questões. É como voto. Manaus, 05 de dezembro de 2011. Desembargador Aristóteles Lima Thury Relator

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BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Waldemar de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988, página 1.228, 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009 R. Dout. Jurisp. AM

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2011.002864-8. Numeração única CNJ: 0003013-39.2011.8.04.0000. Origem: Manacapuru/AM – 2ª Vara. Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível. Relator: Desembargador Aristóteles Lima Thury. Agravante: Amazonas Distribuidora de Energia S/A. Advogado: Carla Severo Batista Simões (OAB/SP 155.023), Décio Freire (OAB/MG 56.543), Gustavo De Marchi (OAB/MG 84.288), Luiz Antônio Simões (OAB/175.849). Agravado: Ronilton de Souza Andrade. Advogado: Dr. Francisco Coelho da Silva (OAB/AM 5718) e outro Procurador de Justiça: Dr. Pedro Bezerra Filho. EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL AGRAVO DE INSTRUMENTO - RAZÕES INCONSISTENTES – ACIDENTE CAUSADO POR FIO ELÉTRICO DE ALTA TENSÃO – DANOS FÍSICOS E PSIQUICOS QUE OCASIONARAM A INCAPACIDADE DO AGRAVADO – PENSÃO ARBITRADA EM VALOR RAZOÁVEL NO CASO R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS) QUE VISAM O TRATAMENTO DE SAÚDE DO AGRAVADO BEM COMO SUA SUBSISTÊNCIA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO Vistos, discutidos e relatados estes autos de Agravo de Instrumento nº 2011.002864-8 (Numeração única CNJ: 0003013-39.2011.8.04.0000), ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que integram a Terceira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Amazonas, à unanimidade e em harmonia com o Parecer Ministerial de fls. 121/130, conhecer do agravo e negar-lhe provimento, tudo nos R. Dout. Jurisp. AM

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termos do voto do Relator, que acompanha este Julgado. Sala das Sessões, em 09 de abril de 2012, em Manaus/AM. Presidente Relator Procurador(a) de Justiça VOTO nº 118/2012 RELATÓRIO Agravo de Instrumento em face da decisão de fls.65/67, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Manacapuru/AM, nos autos de indenização por danos morais e materiais, nº 0067002-69.2011.8.04.0035, que concedeu a liminar em favor do ora agravado determinando a Manaus Energia que pagasse mensalmente ao agravado a importância de R$ 2.000,00 (dois mil reais), para tratamento de saúde e subsistência. Em suas razões o agravante alega que a decisão atacada é nula, ante o não cabimento de medida liminar que esgote no todo ou em parte, o objeto da ação, conforme preceitua a Lei nº 8.437/1992. Aduz acerca da inexistência de requisitos para concessão da tutela, informando inexistir o devido relato do acidente, prova de nexo causal e dos ganhos auferidos pelo agravado, dispõe ainda sobre a irreversibilidade do decisum. Conforme despacho de fls.104, acautelei-me quanto a concessão do efeito suspensivo e requisitei informações do MM. Juiz da causa e contrarrazões do agravado. R. Dout. Jurisp. AM

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Em contrarrazões de fls.108/114, o agravado repele a existência de nulidade, assevera que o quantum deferido na decisão atacada esta de acordo com aquilo que foi requerido no caso 08 salários mínimos, entende serem os demais argumentos levantados totalmente incabíveis. O MPE/AM Graduado em parecer de fls.121/130, opinou pelo conhecimento e desprovimento do agravo. É o relatório. VOTO Presentes que estão os requisitos de admissibilidade recursal e, inexistindo preliminares a serem analisadas, passo diretamente ao exame do mérito recursal. Da detida análise da decisão agravada (fls. 65/67), verifico que esta, ao contrário do que disse a Agravante, não importa em ofensa ao preceito do art. 1º, §3º, da Lei Federal nº 8.437, de 30.06.1992. Digo isso, por entender que o magistrado primevo cingiuse em buscar fosse amenizado os transtornos causados ao ora agravado que fora vitimado por um cabo de alta tensão, por conta do desabamento de um poste, que desprendeu-se do sistema de energia elétrica da agravante, o que causou ao agravado irreversíveis e irreparáveis lesões físicas e psíquicas, que o impedem de exercer qualquer atividade laboral, tendo por esse motivo arbitrado multa visando o tratamento do mesmo bem como sua subsistência. Como bem colocado pelo Representante do MPE Graduado em parecer, embora a Lei n° 8.437/92, assim como a Lei n° 9.494/97, represente uma barreira contra a concessão indiscriminada de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, isso não significa que a mesma seja intransponível. O perigo de irreversibilidade da concessão liminar de tutela antecipada deve R. Dout. Jurisp. AM

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ser apurado em cada caso concreto e a razoabilidade é o que deve pautar essa análise. Qualquer dano à Agravante, se considerada como agente do Poder Público, ainda que fosse real, é minúsculo quando comparado às consequências advindas da falta de amparo ao Agravado, que, estando incapacitado para o trabalho e necessitando de tratamento médico, poderá ter sua vida, sobrevivência e dignidade posta em risco. A satisfatividade que pode caracterizar o pleito concedido antecipadamente não é fundamento plausível para se anular a decisão a quo. In casu, embora o objeto do pedido antecipatório seja o mesmo vindicado para a sentença, é necessário que esta estabeleça a determinação do direito de forma definitiva, o que só poderá ocorrer após a instrução da causa. A tutela antecipada visa justamente impedir que a demora do provimento jurisdicional final torne inócua a ação. Com relação à alegação de que a decisão atacada e nula por falta de fundamentação, a mesma não deve prosperar sua fundamentação pode se dar de forma concisa, denotando-se que o Juízo de Primeiro Grau firmou seu entendimento calcado na razoabilidade. Tendo em vista que a parte Agravada requereu o valor equivalente a 08 (oito) salários mínimos a título de pensão mensal, mais o ressarcimento pelos danos morais, tendo o Magistrado acertadamente com base no seu livre convencimento concedido a liminar em cima do pedido visando tratamento de saúde e sua subsistência. 1

Lei nº 8.437, de 30.06.1992, art. 1º Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal. [...] § 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação. R. Dout. Jurisp. AM

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Analisando, ainda o valor imposto como pensão, tenho que este guarda razoabilidade com o porte da empresa, levando-se em consideração o problema em tela. No caso da alegação da falta de demonstração dos ganhos da vitima, tal alegação não deve prosperar a importância concedida foi medida pela extensão do dano visando dar ao agravado condições de tratamento e subsistência por conta de um acidente ocasionado pela empresa concessionária ora agravante, o artigo 927 e bem claro ao dispor que: “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” Diante das razões expostas, entendendo ser totalmente coerente e adequada a decisão agravada, conheço do Agravo de Instrumento e, no mérito, nego-lhe provimento, mantendo a mesma, em todos os seus termos, em harmonia com o Parecer Ministerial de fls. 121/130. Custas, pelo Agravante.

É como voto.

Manaus, 09 de abril de 2012. Desembargador Aristóteles Lima Thury Relator

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2011.3946-9 PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELANTE: DAVID CHECA BERNAZZI ADVOGADA: Miriam Regina Cunha Dutra APELADO: Ministério Público do Estado do Amazonas RELATORA: Desa. ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO REVISOR: Des. João Mauro Bessa EMENTA APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.

RECURSO DA DEFESA.

PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE FRAGILIDADE DAS PROVAS. INVIABILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO HARMÔNICO E IDÔNEO. PALAVRA DA VÍTIMA E DE TESTEMUNHA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. ADITAMENTO DAS

RAZÕES

RECURSAIS.

CONHECIMENTO.

NÃO

PRECLUSÃO

CONSUMATIVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I – Não

há como se admitir o aditamento das

razões, eis que se operou a preclusão consumativa do ato, posto que, a constituição de novo advogado não reabre o prazo recursal, não podendo este aditar, complementar ou corrigir o R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas recurso interposto pelo antigo procurador; II – Em se tratando de crimes contra a dignidade sexual, devido a sua natureza clandestina, cometidos, em geral, às escondidas, sem deixar testemunhas presenciais, a palavra da ofendida tem especial relevo, constituindo base para a sustentação da estrutura probatória, devendo a sua versão ser considerada de valor inestimável, quando coerente e corroborada com os elementos probatórios contidos nos autos; III – Consoante análise percuciente, verifica-se que as provas colacionadas aos autos são mais do que suficientes para demonstrar a materialidade e autoria delitiva, precipuamente, quanto aos depoimentos prestados pela vítima e testemunhas; IV – Recurso conhecido e improvido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Criminal, em que são partes as acima nominadas, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Egrégia Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por unanimidade de votos, em harmonia com o Graduado Órgão Ministerial, em conhecer da R. Dout. Jurisp. AM

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apelação e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. PUBLIQUE-SE. Manaus (AM), Desembargador Presidente ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO Desembargadora Relatora Procurador(a) de Justiça RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta por DAVID CHECA BERNAZZI, através de Advogado, irresignado com a sentença exarada pelo JUÍZO DE DIREITO DA COMARCA DO CAREIRO DA VÁRZEA/AM, que o condenou à pena de 09 (nove) anos e 06 (seis) meses de reclusão, pela prática do crime tipificado no artigo 217-A, caput, do Código Penal. Narra a inicial acusatória que: [...] no dia 05 de outubro de 2009, aproximadamente às 9h00min, a menor Vanesca Rocha de Araújo, de 13 anos de idade, foi até a unidade de saúde para levar alguns exames prescritos pelo denunciado. Que na ocasião a menor foi desacompanhada de seus pais, que estavam ocupados. Ao chegar ao local de atendimento, o denunciado, que é médico pediatra, apesar da ausência dos pais, atendeu a R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas menor, pediu que ela entrasse no consultório, trancou a porta, mandou que ela deitasse em uma maca e tirasse a bermuda. Após, afastou a calcinha da vitima, introduziu um aparelho em sua vagina e em seguida introduziu o dedo. A adolescente perguntou se aquele procedimento era normal, no que o médico respondeu que sim. Em seguida, o denunciado pediu à menor que sentasse e chegasse até a beira da maca, ato contínuo introduziu o pênis na vagina da vitima e manteve conjunção carnal com a menor [...]. [fl. 02]

Em razões recursais, às fls. 125/140, o apelante sustenta a tese de negativa de autoria, aduzindo que não há provas concretas para condenação, argumentando que o decreto condenatório baseou-se somente nas declarações da vítima; bem como sustenta a inexistência de materialidade delitiva, uma vez que o laudo técnico da perícia não teria constatado qualquer ofensa à integridade física da vítima. Ao final, pugna pela absolvição. O Promotor de Justiça atuante em primeiro grau, em contrarrazões às fls. 141/144, entendeu que não assiste razão à defesa quanto à alegada falta de provas, haja vista a materialidade ter sido comprovada pelo laudo de exame de conjunção carnal, acostado à fl. 21, bem como pela autoria estar delineada através dos depoimentos da vítima, de sua genitora, das testemunhas Antônia Francisca, Elzenira e Perpétua, e das demais provas colhidas durante a instrução criminal. Ao final, pugna pelo conhecimento e improvimento do apelo. Nesta douta instância, o Graduado Órgão Ministerial manifestou-se às fls. 164/166, pelo conhecimento e improvimento do recurso, sustentando que a tese de negativa de autoria se encontra desprovida de fundamentação, uma vez que o acervo probatório confirma a palavra da vítima quanto à prática da conduta delitiva pelo apelante. É o relatório. R. Dout. Jurisp. AM

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VOTO Inicialmente, conheço do recurso, por estarem presentes seus pressupostos legais. Passo à análise do apelo. Irresignado com a condenação fixada em 09 (nove) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime prisional inicialmente fechado, pela prática do tipo previsto no artigo 217-A, caput, do Código Penal, o apelante interpôs o presente recurso apelatório, pleiteando sua absolvição. Em síntese, sustenta a tese de negativa de autoria, alegando fragilidade das provas a ensejar um decreto condenatório. Ab initio, constato que após a instrução da presente apelação criminal, apresentadas todas as manifestações: razões da defesa, contrarrazões da acusação e parecer do Graduado Órgão Ministerial, e estando os autos aptos a serem levados a julgamento, o apelante constituiu novo procurador, fl. 175, o qual inovou oferecendo complemento às razões já apresentadas às fls. 125/140. Ora, não há como se admitir o aditamento das razões, eis que se operou a preclusão consumativa do ato, posto que, a constituição de novo advogado não reabre o prazo recursal, não podendo este aditar, complementar ou corrigir o recurso interposto pelo antigo procurador. Destarte, não conheço das razões recursais colacionadas às fls. 169/174, protocolizadas por novo patrono, porquanto oportunamente já apresentadas pelo então procurador constituído da parte, que exerceu plenamente a faculdade processual, alcançando a preclusão consumativa do ato. Nesse sentido se posiciona a jurisprudência dos Tribunais Pátrios: A P E L A Ç Ã O. C R IM E S E X U A L C ON TR A R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas VULNERÁVEL. ESTUPRO. MANUTENÇÃO DO D E C R E T O C O N D E N AT Ó R I O . P R O VA SUFICIENTE. 1. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. Negativo o juízo de admissibilidade das razões recursais apresentadas em uma segunda ocasião, protocolizadas por novo patrono, porquanto oportunamente já oferecidas pelo então procurador constituído da parte, que exerceu plenamente a faculdade processual, alcançando a preclusão consumativa do ato. 2. MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA CONFIGURADAS. Em se tratando da prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, que, em geral, não deixa vestígios, é irrelevante a conclusão de auto de exame de corpo de delito, no sentido de ausência de violência sexual recente, da constatação de desvirginamento anterior e da pesquisa negativa para espermatozóides. A existência desse tipo de delito pode ser demonstrada por outros meios de prova, em especial, a palavra da vítima, já que tal espécie de conduta criminosa, por sua própria natureza, é praticada às escondidas. Prisão em flagrante delito. Forte prova testemunhal acerca das circunstâncias da revelação da prática criminosa do réu contra a menor. Condenação mantida. 3. DOSIMETRIA DA PENA. Considerando a análise dos vetores do art. 59 do Código Penal, com valoração negativa de uma circunstância, o afastamento de um ano da pena mínima mostrou-se exacerbado segundo os critérios de necessidade e suficiência. Pena-base reduzida para 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de reclusão que neste patamar restou definitiva diante da ausência de agravantes ou atenuantes, bem como outras causas de aumento e diminuição de pena. Razões recursais das fls. 284/306 não conhecidas. Apelo parcialmente provido. (Apelação Crime Nº 70039912548, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 30/11/2011) R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas (Grifei) *** Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL - ESTUPRO E AT E N TA D O V I O L E N T O A O P U D O R ABSOLVIÇÃO POR NEGATIVA DE AUTORIA INADMISSIBILIDADE - PALAVRA DA VÍTIMA EDIÇÃO DA LEI 12.015 - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - RETROATVIDADE - NOVO DEFENSOR - ADITAMENTO DAS RAZÕES RECURSAIS - IMPOSSIBILIDADE PRECLUSÃO CONSUMATIVA. 1. Nos crimes contra os costumes, rotineiramente praticados às ocultas, a palavra da vítima tem relevância especial, pois, além de apontar o autor dos delitos, é rica em detalhes, mostrando-se firme e coerente com a dinâmica dos fatos e com os demais elementos de prova. 2. Tendo entrado em vigor a Lei nº 12.015/2009, revogando expressamente o art. 214 do Código Penal, e alterando a redação do art. 213 do referido diploma, englobando, nesse dispositivo, as antigas condutas relativas aos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, trata-se, sem qualquer dúvida, de novatio legis in mellius, que, de acordo com o princípio da retroatividade inserto no art. 5.º, XL, da CF e no parágrafo único do art. 2.º do CP, tem aplicação imediata, devendo, portanto, serem excluídas da condenação as penas relativas ao delito de atentado violento ao pudor praticado no mesmo contexto do delito de estupro. 3. Ainda que o recurso devolva toda a matéria ao tribunal, na esteira da orientação doutrinária e jurisprudencial, embora o réu tenha direito de ser defendido por advogado de sua livre escolha e confiança, se sujeita aos prazos previstos na legislação processual, pois a constituição de novo defensor não reabre novo prazo recursal, nem este pode aditar, complementar ou corrigir o recurso interposto R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas pelo antigo procurador, por ter-se operado a preclusão consumativa. 4. Recurso parcialmente provido. (TJMG - Apelação Criminal 1.0024.08.122163-2/001, Relator(a): Des.(a) Antônio Armando dos Anjos, Data de Julgamento: 15/12/2009) (Grifei)

Ingressando no mérito do recurso, quanto à autoria delitiva, esta sobressai certa e induvidosa, razão não assistindo ao apelante, posto que as provas dos autos são cabais em demonstrar a necessidade de manutenção do édito condenatório. Em que pese o apelante ter negado a prática delituosa, denota-se que a sua impugnação restou destoante do conjunto probatório trazido aos autos, que evidencia plenamente a prática delitiva, principalmente pelo fato da vítima Vanesca Rocha de Araújo ter se mostrado firme e coerente em seus depoimentos judicias e extrajudiciais. Senão vejamos. Perante a autoridade policial, à fl. 07, a vítima reconheceu o apelante como executor do crime, prestando os seguintes esclarecimentos: [...] Que, o médico, Dr. Luiz prescreveu exames de fezes, urina e de sangue, com retorno para o dia 05 de outubro de 2009; Que, na data para levar o exame os genitores não puderam acompanhar a menor, por motivo de doença; Que, a declarante foi desacompanhada entregar os exames e no momento não tinha ninguém para consulta, pedindo o médico que entrasse; Que, entregou os exames ao Dr. LUIZ o qual pediu para a menor deitar na cama; Que, o Dr. LUIZ pediu para a menor tirar a bermuda; Que, ele afastou a calcinha dela e introduziu um aparelho na vagina, em seguida, introduziu o dedo; Que, bateram na porta, mas o DR. LUIZ não abriu a porta, continuando o ato; Que a menor perguntou ao Dr. LUIZ se aquele tipo de procedimento era normal, tendo como resposta do médico que era normal; R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Que, a menor permaneceu deitada e no seu pensamento acreditava que estava sendo estuprada; Que, bateram novamente na porta e ele disse para a declarante que a porta estava trancada; Que, a menor estava muito nervosa com aquela situação; Que o Dr. LUIZ pediu para a menor chegar mais para beira da cama e abrir as pernas, abrindo ele o ziper dele, pondo para fora o pênis e introduzindo na vagina dela; Que, o Dr. LUIZ falou que aquele ato era normal e estava verificando se ela estava com inflamação; Que, o ato praticado aconteceu rapidamente; QUE, a menor não sabe dizer se ele ejaculou na vagina dela, diz que depois do ato ficou toda melada [...].

Em juízo, fl. 83, a vítima foi categórica ao confirmar a versão apresentada na fase inquisitorial, descrevendo de maneira detalhada o fato criminoso: [...] Que a vítima retornou no dia 05 sem a companhia dos pais, porque o denunciado falou para a mãe da vítima que não tinha problema vir sozinha; que entrou no consultório; que no consultório não havia enfermeira; que, no consultório só estava vítima e denunciado; que, o denunciado pediu que a vítima fechasse a porta; que, sentou na cadeira e contou que estava sentindo dores e aparecendo coisas amarelas na calcinha; que, o denunciado mandou que levantasse da cadeira e pediu que tirasse a calça comprida; que, a vítima tirou; que, o denunciado mandou que a vítima deitasse na maca; que, quando deitou estava com calcinha e blusa; que, quando mandou que a vítima tirasse a calça e deitasse na maca, não chamou a enfermeira; que, o denunciado pediu que a vítima chegasse mais para a beira da maca, ficando de perna aberta; que, o denunciado pegou o estetoscópio, fingindo que estava examinando a vítima; que, passou o dedo na vagina da vítima; que, o denunciado introduziu o dedo; que, o denunciado estava R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas sem luva; que, por três vezes bateram na porta e o denunciado não abriu; que, a vítima por estar nervosa não viu, mas sentiu que o pênis foi introduzido em sua vagina [...].

Por tais declarações, apura-se que restou devidamente evidenciada a elementar do tipo, qual seja, ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Outrossim, sobejo, ainda, a necessidade de se identificar que a conduta do apelante ficou individualizada pelo elemento subjetivo dolo do tipo específico, haja vista que da exposição do fato ficou consubstanciada a sua finalidade de praticar atos libidinosos sobre a vítima. Neste diapasão, é cediço que em se tratando de crimes contra a dignidade sexual, devido a sua natureza clandestina, cometidos, em geral, às escondidas, sem deixar testemunhas presenciais, a palavra da ofendida tem especial relevo, constituindo base para a sustentação da estrutura probatória, devendo a sua versão ser considerada de valor inestimável, quando coerente e corroborada com os elementos probatórios contidos nos autos. A jurisprudência dos Tribunais Pátrios é uníssona nesse sentido: PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. ESTUPRO (ARTS. 213 E 225 "A" DO CP). ATUAL 217-A CP. PROVA SUFICIENTE. RELATOS COERENTES E RICOS EM DETALHES DA VÍTIMA, DAS TESTEMUNHAS NAS DUAS ESFERAS DE APURAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL. CONDENAÇÃO DE RIGOR. PENA. DOSAGEM. CIRCUNSTÂNCIAS J U D I C I A I S F A V O R Á V E I S . REDIMENSIONAMENTO DA PENA BASE. PADRASTO. CONVIVÊNCIA POR 15 DIAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. EXCLUSÃO. PROVIMENTO PARCIAL.1. O fato imputado ao réu é daqueles que, em sua expressiva maioria, são cometidos R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas longe dos olhos do povo, às escondidas, merecendo a palavra a vítima maior credibilidade, desde que refletindo relatos coerentes e uniformes ao longo da persecução criminal. 2. A ausência de espermatozóides não interfere na ocorrência do delito, mormente porque a vítima e o próprio apelante foram uníssonos em afirmar que a ejaculação se deu fora da vagina da ofendida. 3. O perdão ofertado pela genitora da menor não inocenta o réu, sendo irrelevante para o processo, principalmente após o recebimento da denúncia, deixando, em contrapartida, evidente a ocorrência do delito. 4. A mínima prova produzida em juízo capaz de ratificar aquela elaborada na fase inquisitorial mostra-se suficiente a escorar o decreto condenatório. 5. Mera convivência de 15 (quinze) dias não caracteriza relação de autoridade entre algoz e vítima a ponto de ensejar a incidência da causa de aumento prevista no art. 226, II, do Código Penal. 6. Provimento parcial para reduzir a pena privativa de liberdade. (20080310053113APR, Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, julgado em 26/08/2010, DJ 08/09/2010 p. 213)

Em harmonia, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 214 C/C ART. 224, ALÍNEA A, E ART. 226, INCISO II, TODOS DO CÓDIGO PENAL. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. I - A palavra da vítima, em sede de crime de estupro ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não há testemunhas ou deixam vestígios (Precedentes). [...]. Ordem denegada. "(STJ, HC 135.972/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe de 07/12/2009.)

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas * * * CRIMINAL. HC. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE ATESTADO DE POBREZA E R E P R E S E N TA Ç Ã O D A V Í T I M A . INOCORRÊNCIA. COLIDÊNCIA DE INTERESSES. CURADOR ESPECIAL. NOMEAÇÃO A DESTEMPO. IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. EXAME DE CORPO DE DELITO. AUSÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE EM DELITOS CONTRA OS COSTUMES. ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPROPRIEDADE DO WRIT. ORDEM DENEGADA. [...] V. A ausência de laudo pericial não tem o condão de afastar os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, nos quais a palavra da vítima tem grande validade como prova, especialmente porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios. VI. O habeas corpus constitui-se em meio impróprio para a análise de questões que exijam o exame do conjunto fático-probatório, tendo em vista a incabível dilação que se faria necessária. VII. Maiores considerações sobre a atipicidade da conduta que refogem à via eleita. VIII. Ordem denegada." (HC-47.212/MT, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 13.3.06).

Sobre o tema, ensina o mestre Guilherme Nucci, em sua obra “Código Penal Comentado” (Editora Revista dos Tribunais, 7.ª edição, página 822): Condenação por estupro baseado unicamente na palavra da vítima: existe a possibilidade de condenação, mas devem ser considerados todos os aspectos que constituem a personalidade da ofendida, seus hábitos, seu relacionamento anterior com o agente, entre outros fatores. R. Dout. Jurisp. AM

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De fato, a vítima descreveu toda a conduta do acusado, declinando, com autenticidade, o modo de agir do agressor e as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreu o abuso sexual perpetrado contra ela, tendo suas palavras especial credibilidade. Sendo assim, não remanescendo controvérsia no atinente às declarações prestadas pela vítima, necessário se faz corroborá-las ao arcabouço probatório contido nos autos, de maneira a se alcançar a verossimilhança substancial dos fatos. Neste contexto, faço referência às declarações prestadas em Juízo pela testemunha Antônia Francisca Carvalho, que narrou como teve conhecimento do delito praticado pelo apelante, fl. 90: [...] Que a depoente trabalha no projeto programa de erradicação do trabalho infantil; que, a vítima faz parte do programa; que, a vítima pediu autorização a depoente para ir ao posto levar uns exames; que, a depoente indagou pela mãe, que foi lhe dito que a mãe não poderia ir, pois estava trabalhando na feira; que, a depoente chamou a atenção ao fato de que a vitima deveria ir acompanhada de sua mãe; que, a vítima mostrou o hemograma para a depoente; que, a vítima foi até o posto de saúde, retornando com visível estado de agitação; que, a depoente conduziu a vítima para a cozinha e indagou-a; que, a vítima disse que mostrou o hemograma ao indiciado, que este lhe pediu para baixar a bermuda, afastou a calcinha, penetrando o pênis na vítima; que, a depoente contou o fato para a coordenadora, Elzenira; que, Elzenira passou o problema para a assistente social; que, a assistente social foi até os pais da menor para revelar o fato [...].

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Importante ainda destacar o depoimento da testemunha Elzenira Silva dos Santos, fls. 90/91, que assim se manifestou em relação ao fato: [...] Que a vítima faz parte do Programa de erradicação do trabalho infantil (PETI), onde a depoente é coordenadora; que, em uma segundafeira a vítima ao chegar pediu a autorização à sua instrutora para ir ao hospital mostrar um exame ao médico, o Dr. Luis David; que, ao retornar do hospital a vítima nervosa contou a instrutora que informou a coordenadora, vindo esta a falar para a assistente social; que, a vítima falou que mostrou o exame para o médico, e este pediu que a vítima tirasse a roupa para que fosse examinada; que, o indiciado fechou a porta.; que, a roupa não foi tirada toda, que o indiciado afastou a calcinha da vítima, abriu o zíper de sua calça, ocasião em que bateram à porta e este se assustou; que, houve penetração do pênis; que, o fato não foi comunicado aos pais e sim à assistente social para que tomasse as providências.

Por derradeiro, transcrevo o depoimento da testemunha Perpétua Farias de Lima, fl. 91, que acrescenta as seguintes informações: [...] Que tomou conhecimento porque foi chamada pela instrutora e coordenadora do PETI; que, a menor estava nervosa, relatando que foi ao médico porque sua mãe não pôde ir; que, foi levar uns exames; que entrou no consultório e deu os exames ao médico; que, o médico leu os exames e a colocou na maca; que, pegou o estetoscópio e foi auscultando até as partes íntimas; que, o réu abriu o zíper da bermuda da vítima e pediu que sentasse mais abaixo na maca; que, o médico fechou a porta; que, baixou a bermuda da vítima, passou um creme vaginal sem luva, abriu o zíper da calça dele, colocando em R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas contato o órgão genital dele com o dela; Que, o réu chegou a penetrar o pênis; que, a vítima não gritou porque estava nervosa; que, bateram na porta e este disse que estava em atendimento; que, a vítima tinha medo porque os pais poderiam bater nela, e que a pessoa por ser médica poderia fazer algo contra ela; [...].

Assim, reafirmo que as palavras do apelante negando a autoria dos fatos não merecem credibilidade, uma vez que se encontram divorciadas de todas as provas existentes nos autos, pois a versão apresentada pela ofendida possui copiosa valoração, sobretudo pela descrição com firmeza de detalhes na empreitada criminosa, e por estarem também, em consonância com os demais elementos coligidos aos autos. Há que se jogar por terra, inicialmente, qualquer argumento que induza o apelante ser absolvido, apenas porque não houve testemunhas presenciais do fato delituoso, e por isso sua palavra possa prevalecer sobre a da vítima. Se assim fosse, todos os crimes dessa natureza jamais seriam punidos, pois, sendo tais fatos, além de criminosos, imorais, escandalosos, o primeiro cuidado do agente é precaver-se contra qualquer testemunha presencial. No que se refere à materialidade do crime, importante mencionar que esse tipo de delito, especialmente no caso de estupro, praticado mediante violência presumida, em geral, não deixa vestígios, sendo irrelevante a conclusão do laudo de exame de conjunção carnal, no sentido de ausência de violência sexual recente, da constatação de desvirginamento anterior e da pesquisa negativa para espermatozóides. A efetiva ocorrência desse tipo de delito, por certo, pode ser demonstrada por outros meios de prova, em especial, a palavra da vítima, já que tal espécie de conduta criminosa, por sua própria natureza, é praticada às escondidas, sem testemunhas presenciais. Desse modo, em se colhendo depoimentos seguros e R. Dout. Jurisp. AM

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consistentes da ofendida, em consonância com os demais elementos de prova, tal como nos autos, a palavra da vítima adquire especial valor probatório para a elucidação do acontecido, tornando-se suficientemente apta a embasar um decreto de condenação. E as declarações da menor, no caso, se mostraram sempre seguras e lineares, sem apresentar contradições que comprometessem a sua verossimilhança. Destaco que o fato da lesada ter mantido relações sexuais anteriores, posto o laudo de exame de conjunção carnal, fl. 18, ter comprovado que a periciada não era mais virgem e que o desvirginamento não era recente, não conduz à mitigação da idoneidade de seus relatos quanto à prática delitiva pelo acusado. Desta forma, demonstradas a autoria e a materialidade do delito de estupro, o pedido de absolvição não merece prosperar. EX POSITIS, não conheço das razões recursais apresentadas às fls. 169/174, e concluo que o decreto condenatório não carece de qualquer reforma, estando perfeito em todos os seus termos, e em harmonia com o parecer do Graduado Órgão Ministerial, conheço da apelação, porém nego-lhe provimento, mantendo íntegra a sentença recorrida. Oficie-se ao Conselho Regional de Medicina do Estado, informando desta decisão, para os fins que se fizerem necessários. É como voto. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em Manaus, ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO Desembargadora Relatora

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2011.005762-5 PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELANTE: Benedito Ramos de Carvalho DEF. PÚBLICO: Marco Aurélio Martins da Silva APELADO: Ministério Público do Estado do Amazonas RELATORA: Desa. ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO REVISORA: Desa. CARLA MARIA SANTOS DOS REIS EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA

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C O M P R O VA D A S . D E P O I M E N T O S D E POLICIAIS. PROVAS IDÔNEAS. REDUÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. I – Comprovadas plenamente a autoria e a materialidade delitiva, impõe-se a manutenção da condenação do apelante; II – Depoimentos prestados por policiais em Juízo, em consonância com o conjunto probatório dos autos, têm o mesmo valor daqueles prestados por quaisquer outras testemunhas; III – Há que se considerar, para efeito de redução da pena, que ações penais em curso não servem para agravar a pena do réu, por evidente afronta ao R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas princípio constitucional da presunção de inocência; IV – Recurso conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Criminal, em que são partes as acima nominadas, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Egrégia Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por unanimidade de votos e em harmonia com o parecer do Graduado Órgão Ministerial, em conhecer da apelação e dar-lhe provimento parcial, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Publique-se. Manaus (AM), Desembargador Presidente ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO Desembargadora Relatora Procurador(a) de Justiça RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta por BENEDITO RAMOS DE CARVALHO, através de Advogado, irresignado R. Dout. Jurisp. AM

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com a com a sentença exarada pelo Juízo de Direito da 1ª VARA DA COMARCA DE NOVA OLINDA DO NORTE, que o condenou à pena de 05 (cinco) anos de reclusão, pela prática do delito tipificado no artigo 33, da Lei nº 11.343/06. Consta nos autos de ação penal, que no dia 16 de janeiro de 2010, o apelante estava em frente ao mercado Melquiades Assunção, na Comarca de Nova Olinda do Norte, quando foi abordado por agentes da Polícia Militar, em razão de denuncia anônima de que estaria chegando aquela cidade com certa quantidade de entorpecente. Efetuada a apreensão do pacote que estava em poder do apelante, foi verificado que se tratava de substância entorpecente, aproximadamente 500 (quinhentos) gramas, preso em flagrante delito. Em suas razões apelatórias às fls. 76/80, o apelante alega que não há provas suficientes para ensejar a condenação, ou, alternativamente requer a redução da pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06. A Promotora de Justiça, atuante em 1º grau, ofereceu contrarrazões às fls. 83/88, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, sob os fundamentos de que a autoria e a materialidade encontram-se devidamente comprovadas na instrução criminal. Preconizando, ainda, que os depoimentos dos policiais são válidos e encontram-se em harmonia com as provas constituídas aos autos. Por fim, asseverou que a sentença do juízo de primeiro grau encontra-se devidamente coadunada com todo o contexto processual. Nesta douta instância, o Graduado Órgão Ministerial opinou às fls. 94/99 pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, ressaltando que está caracterizado nos autos o delito previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06, requer a manutenção da pena-base, 05 (cinco) anos, com a aplicação do redutor previsto no § 4º do artigo 33 da citada lei. É o relatório. R. Dout. Jurisp. AM

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VOTO Inicialmente, conheço do recurso, por estarem presentes seus pressupostos legais. Passo à análise do mérito da irresignação. Em seu pleito, o apelante busca inicialmente a absolvição, alegando insuficiência de provas, ou, alternativamente, a redução da pena nos termos do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06. Quanto ao pleito de absolvição, ao compulsar os autos, constato de plano que razão não assiste ao apelante. Não obstante a negativa de autoria do apelante, tanto na fase policial quanto em Juízo, o conjunto probatório se orienta todo em sentido contrário. A diligência dos policiais foi motivada pela informação anônima de que o apelante, estava transportando substância entorpecente, tal informação foi comprovada após a apreensão de um pacote contendo aproximadamente 500 (quinhentos) gramas de cocaína. Quanto a materialidade delitiva, está demonstrada de forma cristalina pelo auto de exibição e apreensão, acostado à fl. 15, laudo Pericial Toxicológico Preliminar, fl. 16, e Laudo Definitivo, fls. 35/36, que atestou se tratar de alcalóide cocaína. Em relação à autoria, também resta demonstrada, ante as declarações prestadas pelos agentes policiais, tanto na Delegacia, por ocasião da prisão em flagrante delito do apelante, quanto posteriormente em Juízo, sempre foram uníssonas e coerentes, no sentido de demonstrar a autoria delitiva. Saliente-se que com o apelante foi apreendido 500 (quinhentos) gramas de substância entorpecente. Em decorrência da qualidade e da quantidade da droga apreendida e das provas colhidas na instrução criminal, não restam dúvidas de que tal substância se destinava ao comércio ilícito. R. Dout. Jurisp. AM

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O policial militar AULEI ANDRADE, condutor do apelante, manifestou-se em Juízo às fls. 43/44, ratificando com riqueza de detalhes as declarações prestadas em sede policial, nos seguintes termos: Que estava de serviço quando receberam uma ligação no 190 dizendo que um Sr. conhecido por Bené estaria trazendo entorpecente; Que fizeram uma campana no aguardo da chegada da lancha do Rosarinho, por volta das 17:00 horas; Que estava na parte de cima do porto; Que quando o acusado subiu a escada , com uma mochila nas costas e um embrulho debaixo do braço, o mesmo foi até o pátio do mercado; Que os policiais estavam escondidos dentro do mercado e por este motivo o acusado não os viu; Que a droga estava embrulhada em um jornal com um saco por cima; Que o réu parecia estava aguardando alguém; Que o réu colocou o embrulho que estava debaixo de seu braço no bagageiro de uma bicicleta e ficou a cerca de 5 metros da bicicleta; Que o réu ficava sempre olhando para o embrulho; Que foi o depoente que pegou a droga e outros policiais fizeram a abordagem ao réu; Que abriu o pacote e verificou tratar-se de droga, o que estava bem claro até pelo próprio cheiro exalado; Que o chefe de polícia chegou naquele momento, tendo o depoente entregue o réu a ele; Que antes deste episódio, o acusado já cumpriu pena em Nova Olinda pelo crime de tráfico de entorpecente; Que o acusado reagiu à prisão; Que havia pessoas do povo que presenciaram o flagrante; Que não sabe o motivo pelo qual ninguém do povo foi chamado para servir de testemunha no inquérito; Que a droga apreendida ainda pode ser aumentada com a adição de outros produtos com a finalidade de ser comercializada". (grifos nossos)

Por oportuno, deve-se ressaltar que os depoimentos prestados pelos agentes policiais em Juízo, sob o crivo do R. Dout. Jurisp. AM

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contraditório, têm o mesmo valor daqueles fornecidos por quaisquer outros indivíduos da sociedade, sendo este entendimento há muito salientado pela Jurisprudência Pátria. O Superior Tribunal de Justiça se posiciona da seguinte forma sobre o tema em questão: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ARTS. 33, DA LEI Nº 11.343/06, 304 E 333, DO CÓDIGO PENAL. TESE DE FRAGILIDADE DA PROVA PARA SUSTENTAR A ACUSAÇÃO. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. VALIDADE PROBATÓRIA. ILEGALIDADE DA D O S I M E T R I A D A S P E N A S . CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. 1. O exame da tese de fragilidade da prova para sustentar a condenação, por demandar, inevitavelmente, profundo reexame do material cognitivo produzido nos autos, não se coaduna com a via estreita do writ. 2. Os policiais não se encontram legalmente impedidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase investigatória tenham participado, no exercício de suas funções, revestindo-se tais depoimentos de inquestionável eficácia probatória, sobretudo quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 3. Quanto ao pedido de fixação das penas-base no mínimo legal, verifica-se que o acórdão impugnado já deu parcial provimento à apelação justamente para reduzir, no crime de tráfico de drogas, a pena-base ao mínimo legal. Aliás, o acórdão ora objurgado consigna que as penalidades relativas a todos os delitos pelo quais o Paciente foi condenado foram fixadas no mínimo legal. 4. O acórdão impugnado ressalta que, no que se refere ao delito do art. 304, do Código Penal, a causa de diminuição relativa à confissão espontânea não foi aplicada ante a fixação da R. Dout. Jurisp. AM

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HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76. MATÉRIAS AVENTADAS NÃO APRECIADAS PELA CORTE ESTADUAL NO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRINCÍPIO DA CELERIDADE. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO DA APELAÇÃO CRIMINAL. SUPERAÇÃO DO ÓBICE. CONHECIMENTO DO WRIT. [...] DESCONSTITUIÇÃO DO ÉDITO REPRESSIVO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. CONDENAÇÃO F U N D A M E N TA D A C O M B A S E N O DEPOIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. MEIO DE PROVA IDÔNEO. FRAGILIDADE DO C O N J U N TO P R O B AT Ó R I O N Ã O DEMONSTRADA. 1. Para se entender de modo diverso e desconstituir o édito repressivo como pretendido no writ seria necessário o exame aprofundado de provas, providência inadmissível na via estreita do habeas corpus, mormente pelo fato de que vigora no processo penal brasileiro o princípio do livre convencimento, em que o julgador pode decidir pela condenação, desde que fundamentadamente. 2. Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal (Precedentes). ([...]. (HC R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas 102.533/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 16/11/2010)

Também não exerce influência na demonstração da autoria o apelante não ter sido preso em flagrante delito ao vender drogas, posto que o crime de tráfico de substância entorpecente abarca vários núcleos, e ao praticar qualquer das condutas descritas no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, o agente incorre em delito. In casu, o apelante foi classificado no decreto condenatório como incurso na modalidade “trazer consigo”. Sobre esta pluralidade de núcleos, ensina Vicente Greco Filho, em sua obra Tóxicos, Prevenção – Repressão, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 151: São dezoito os núcleos do tipo, contidos no caput do art. 33, descrevendo condutas que podem ser praticadas de forma isolada ou sequencial. Algumas poderiam configurar atos preparatórios de outras e estas, por sua vez, exaurimento de anteriores. A intenção do legislador, porém, é dar a proteção social mais ampla possível. Alguns condutas são permanentes, como guardar, ter em depósito, trazer consigo e expor à venda, e as demais, instantâneas.

Analisando detidamente a sentença condenatória, constato que o Magistrado sentenciante fixou a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão, fl. 73, deixando de ser aplicado o redutor previsto no § 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006, reconhecendo serem maus os antecedentes criminais do apelante. À fl. 68, está acostada certidão de antecedentes criminais, a qual informa que o apelante responde 02 processos criminais, na Comarca de Nova Olinda do Norte, todavia tais ações estão em tramite regular, obviamente, sem decisão com R. Dout. Jurisp. AM

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trânsito em julgado, portanto, de acordo com o princípio constitucional da presunção da inocência, não podem servir de base para a constatação dos maus antecedentes. Esse é o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça previsto na Súmula 444, in verbis: Súmula 444: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. (grifos nossos)

Nesse mesmo sentido, tem se manifestado os Egrégios Tribunais Pátrios, vejamos: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - MAUS ANTECEDENTES - INOCORRÊNCIA AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO ANTERIOR BENEFÍCIO DO §4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06 - REQUISITOS PREENCHIDOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Os maus antecedentes somente estarão configurados quando o acusado registrar condenação por crime anterior, sendo necessário o trânsito em julgado da decisão. - Sendo o agente primário e possuidor de bons antecedentes e não havendo indícios de que se dedica à atividade criminosa ou integra organização criminosa, imperiosa a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06." (Acórdão N° 1.0686.09.239279-0/001, Tribunal de Justiça de MG, Relator: Judimar Biber, Julgado em 15/10/2010) HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE D R O G A S ( 1 1 P E D R A S D E "CRACK",EQUIVALENTE A 2,618 G - DOIS GRAMAS, SEISCENTOS E DEZOITO MILIGRAMAS). MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas NÃO APLICADA PELO MAGISTRADO SINGULAR, EM RAZÃO DA PRESENÇA DE MAUS ANTECEDENTES. CIRCUNSTÂNCIA QUE, DE FATO, IMPEDE A APLICAÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. ENTRETANTO, NA HIPÓTESE, OS MAUS ANTECEDENTES FORAM CONSIDERADOS SEM QUALQUER MENÇÃO À EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÕES TRANSITADO EM JULGADO. [...] REQUISITOS DO ART. 44, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL, NÃO PREENCHIDOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. São requisitos para que o condenado faça jus à causa de diminuição de pena prevista no § 4.º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06: ser primário, ter bons antecedentes e não se dedicar a atividades delituosas ou integrar organizações criminosas. Esses requisitos precisam ser preenchidos conjuntamente. 2. A sentença condenatória negou ao Paciente a aplicação da minorante prevista art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, em razão de seus maus antecedentes. 3. A existência de maus antecedentes impede a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006. Precedentes do Excelso Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior de Justiça. 4. Na hipótese, contudo, segundo informações do Juízo sentenciante, à época da sentença condenatória, não havia condenação transitada em julgado em desfavor do Paciente, apenas processos ainda em curso. E, segundo o entendimento adotado tanto pelos Tribunais Superiores quanto pelo Supremo Tribunal Federal, inquéritos policiais ou ações penais em andamento não podem, em razão do princípio constitucional do estado presumido de inocência, ser considerados como maus antecedentes. 5. Afastados os maus antecedentes do Paciente - única condição apontada para negar a aplicação do previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 -, é de rigor a R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/2006. [...] 12. Ordem parcialmente concedida a fim de, mantida a condenação,reconhecer a minorante prevista no art. 33 § 4.º, da Lei n.º 11.343/06 e, por conseguinte reduzir a reprimenda imposta ao paciente para 04 (quatro) anos de reclusão, em regime fechado e 400 (quatrocentos) diasmulta. (HC 180949 PE, Quinta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Julgado em 25/10/2011)

Desta forma, verificando que os referidos processos nos quais o apelante figura como réu não transitaram em julgado, não resta configurado o fundamento que embasou a sentença do Magistrado a quo, que entendeu pela não aplicação da redução da pena prevista no §4° do art. 33 da Lei 11.343/06 no tocante aos "maus antecedentes". Sobre esta causa de diminuição de pena, Luiz Flávio Gomes, afirma em sua obra Nova Lei de Drogas Comentada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 165: [...] Os requisitos são subjetivos e cumulativos, isto é, faltando um deles inviável a benesse legal. A simples leitura do parágrafo pode induzir o intérprete a imaginar que o benefício está em órbita discricionária do Juiz. Contudo, nos parece que, preenchidos os requisitos, o juiz não só pode, como deve reduzir a pena, ficando a sua discricionariedade (motivada) limitada ao quantum.

Observo que o apelante preenche os requisitos listados no diploma legal, posto que é primário, sem antecedentes criminais, não havendo prova nos autos de que faça do crime seu modo de vida, possuindo, portanto, direito ao benefício em tela. R. Dout. Jurisp. AM

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Diante de todo o exposto, conheço e dou parcial provimento à presente apelação criminal, a fim de reestruturar a pena privativa de liberdade, mantendo a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão, considerando a quantidade de substância entorpecente apreendida com o apelante, 500 (quinhentos) gramas, reduzo a pena no patamar mínimo, em 1/6 (um sexto), tornando-a definitiva e concreta em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado. EX POSITIS, em harmonia com o parecer do Graduado Órgão Ministerial, conheço da Apelação e dou-lhe provimento parcial, para fazer incidir sobre o quantum da condenação a redução de pena nos termos do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06. É como voto. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em Manaus (AM),

ENCARNAÇÃO DAS GRAÇAS SAMPAIO SALGADO Desembargadora Relatora

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2012.990038-0 CONSELHO DA MAGISTRATURA AGRAVANTE: Márcio Balieiro Lima, representando o menor G.G.B.L. DEFENSOR PÚBLICO: Mário Lima Wu Filho AGRAVADO: Juízo de Direito da Infância e Juventude Cível de Manaus AGRAVADO: Cartório do 1.º Ofício do Registro Civil de Nascimento de Manaus PROCURADORA DE JUSTIÇA: Suzete Maria dos Santos RELATOR: Desembargador João Mauro Bessa EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – REGISTRO TARDIO DE MENOR – OMISSÃO DOS PAIS - GENITORA EM LUGAR INCERTO E NÃO SABIDO – IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO PELO SUPOSTO PAI FACE A AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS DA MÃE AÇÃO DE SUPRIMENTO – SENTENÇA DECLINANDO COMPETÊNCIA À VARA DE FAMÍLIA – SITUAÇÃO DE RISCO AO MENOR COMPROVADA - APLICAÇÃO DO ECA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Verificado que o menor encontra-se em situação de risco, na forma do art. 98 do ECA, o Juizado da Infância e Juventude é competente para processar e julgar o feito, inclusive quanto à confirmação de paternidade. 2. A competência do Juízo da Infância e Juventude estende-se para fins de cancelamento, retificação e suprimento dos registros de nascimento e óbito, consoante art. 148, parágrafo único, alínea "h" do ECA. 3. Conforme disposto no art. 102, § 1º, do ECA, as medidas de proteção podem ser acompanhadas da regularização do registro R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas civil, e, verificada a inexistência de registro anterior, o assento de nascimento da criança será feito à vista dos elementos disponíveis, mediante requisição da autoridade judiciária competente. 4. Agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n.º 2012.990038-0, em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem o Conselho da Magistratura deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por _____ de votos e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto que acompanha a presente decisão, dela fazendo parte integrante. Sala das Sessões, em Manaus/AM, PRESIDENTE RELATOR PROCURADOR DE JUSTIÇA RELATÓRIO Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de liminar e concessão de efeito suspensivo, interposto por Márcio Balieiro Lima, representando o menor G.G.B.L., contra decisão proferida pelo MM. Juízo de Direito da Infância e Juventude da Comarca de Manaus/AM, nos autos da Ação de Suprimento de Registro Civil de Criança nº 001.10.205789-4, proposta em face do Cartório do 1.º Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais R. Dout. Jurisp. AM

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de Manaus. A referida decisão interlocutória declinou da competência para julgamento do feito, por entender que o menor não se encontra em situação de risco a ensejar a proteção do Estatuto da Criança e Adolescente, remetendo os autos a uma das Varas de Família da Capital, a fim de que seja confirmada a paternidade neste Juízo. O Juízo de Família, por seu turno, sobrestou a ação original até o julgamento do presente Agravo de Instrumento, nos termos do artigo 125, II, do CPC, a fim de minimizar prejuízos decorrentes de eventuais anulações de decisões. Em suas razões, o Agravante aduz que a mãe da criança encontra-se em lugar incerto e não sabido, de modo que não dispõe de toda a documentação necessária para promover o registro do menor. Noticia que a criança carece de urgente proteção, tendo em vista que a falta do registro de nascimento, por si só, é causa suficiente de vulnerabilidade, ainda que em guarda do suposto pai. Argumenta pela aplicação do art. 102, § 1º, da Lei nº 8.069/90, de forma que se ordene o registro de nascimento à vista dos elementos disponíveis, mediante requisição da autoridade judiciária competente, que entende ser o Juízo da Infância e Juventude, na forma do art. 148, parágrafo único, alínea "h", do ECA. Por fim, requer a concessão de liminar para que seja ordenado o imediato registro de nascimento da criança perante o Cartório do 1º Ofício de Registro Civil, bem como a concessão de efeito suspensivo da decisão agravada, e, após, o conhecimento e provimento do recurso, a fim de fixar a competência da Vara de Infância e Juventude da Comarca de Manaus para processamento e julgamento da Ação original. O Cartório do 1.º Ofício de Registro Civil de Nascimento de Manaus apresentou petição (fl. 35), informando que não foi possível registrar o menor em razão da ausência do documento R. Dout. Jurisp. AM

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de identidade da genitora. Informações do Juízo agravado às fls. 38/39, pronunciando-se no sentido de que o menor não se encontra em estado de abandono, mas assistido por seus familiares, razão pela qual o Juízo de Família seria competente para julgar o feito. O Graduado Órgão Ministerial, na condição de custos legis, apresentou parecer às fls. 48/51, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso, assinalando que a competência seria do Juízo da Infância e Juventude, visto que a criança foi abandonada pela mãe. Às fls. 54/56, voto do relator Desembargador Wellington José de Araújo, declinando da competência para análise do recurso, em favor do Conselho da Magistratura, consoante Parecer Ministerial de fls. 48/51, tendo em vista o artigo 40, "b", da Lei Complementar nº 17/97. É o relatório. VOTO Inicialmente, considerando o disposto no artigo 40, alínea “b”, da Lei Complementar nº 17/1997, conheço do presente Agravo de Instrumento. Recurso devidamente instruído com íntegra do processo, cópia da decisão agravada e certidão de intimação do Defensor Público expedida pelo cartório. Haja vista que da decisão agravada declinatória de competência não decorre ordem de citação ou intimação, desconsidera-se a necessidade de procuração do agravado. Outrossim, face à assistência da Defensoria Pública, que faz jus ao benefício da justiça gratuita, defiro o pedido de gratuidade, e concluo pela formalização do instrumento. Conhecido o presente recurso, passo a analisá-lo. A respeito do pedido para que seja ordenado o registro de nascimento do menor, verifica-se que o deferimento de tal pleito R. Dout. Jurisp. AM

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esgotaria o objeto da demanda, porquanto configura mérito da ação principal, a ser discutido na via própria. Ademais, a decisão agravada versa sobre a competência para julgamento do feito, não cabendo, dessa feita, apreciação de pedido relativo ao mérito da ação original não abordado na decisão interlocutória objeto do presente recurso. Não obstante, não se afigura razoável determinar o registro de nascimento de menor cuja paternidade é apenas alegada pelo suposto pai, ausente o procedimento de investigação para confirmar a afirmação (exame de DNA ou qualquer outro meio de prova cabível). O agravante almeja, precipuamente, promover o registro de nascimento de seu suposto filho, aduzindo pela competência do Juízo da Infância e Juventude para realização do mister, em virtude da proteção estabelecida no art. 98, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente. O cerne da questão é aferir se o menor está realmente em situação de risco, a ensejar a aplicação do ECA. Com efeito, o Estatuto da Criança e Adolescente garante a aplicação das medidas protetivas sempre que houver violação: Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

No caso em tela, é patente a omissão dos pais. Primeiro da mãe, que abandonou o próprio filho com uma semana de vida, dela não se tendo mais notícias, e depois do pai, que teve a oportunidade de promover o registro da criança por 6 anos e não o fez. Dessarte, assiste razão ao Graduado Órgão do Ministério Público quando afirma que R. Dout. Jurisp. AM

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Isto é, apesar de encontrar-se sob os cuidados do suposto pai, fato que afastaria, em tese, a competência do Juízo Menorista, destaca a Douta Procuradora de Justiça que a criança já possui 6 (seis) anos de idade, sem registro de nascimento, o qual se pretende somente agora por meio da presente demanda, sendo necessário o processo judicial face à falta de documentação necessária para o simples registro tardio, sobretudo pela ausência da mãe.

Não obstante, é cristalino que a ausência do registro de nascimento do menor lhe coloca em situação de risco, uma vez que, desprovido de tal documentação, fica impossibilitado de obter atendimento médico, consoante alega à fl. 08 o requerente sente alguns dificuldades, como levar a criança em postos médicos onde sempre pedem a certidão de nascimento, e que muitas (vezes) nem pode ser atendida pelo fato de a criança não ser registrada.

Deste modo, o menor não registrado fica impossibilitado de ter acesso não só à saúde, mas também à educação e diversos outros direitos e garantias constitucionais e legais estabelecidos no ordenamento pátrio, visto que a certidão de nascimento é documento fundamental a qualquer criança, sendo necessário para inúmeras finalidades. Desta feita, resta configurada a situação de risco do menor, fato este que sugere a incidência das medidas protetivas, conforme o disposto no art. 98, II, do ECA. R. Dout. Jurisp. AM

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Ademais, a ação foi proposta em junho de 2010, quando a criança tinha seis anos de idade, sendo mais do que flagrante o prejuízo que vem sofrendo, justificando a urgência do provimento jurisdicional. Em relação à discussão acerca da competência do Juízo da Infância e Juventude, a Lei de Organização Judiciária do Amazonas, LC n.º 17/97, assim dispõe: Art. 161 - Aos Juízes de Direito da Vara da Infância e da Juventude cabe a competência definida no Estatuto da Criança e do Adolescente e legislação complementar.

O mesmo diploma informa que cessará a competência das Varas de Família quando verificada situação de risco ao menor: Art. 154 - Aos Juízes de Direito das varas de família, por distribuição: [...] §1º. Cessa a competência do Juízo de Família, desde que se verifique tratar-se de menor em situação irregular.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por seu turno, assim dispõe: Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

E vai além: Art. 102. As medidas de proteção de que trata este Capítulo serão acompanhadas da R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas regularização do registro civil. § 1º Verificada a inexistência de registro anterior, o assento de nascimento da criança ou adolescente será feito à vista dos elementos disponíveis, mediante requisição da autoridade judiciária. § 2º Os registros e certidões necessários à regularização de que trata este artigo são isentos de multas, custas e emolumentos, gozando de absoluta prioridade. § 3º Caso ainda não definida a paternidade, será deflagrado procedimento específico destinado à sua averiguação, conforme previsto pela Lei no 8.560, de 29 de dezembro de 1992.

O referido dispositivo é deveras claro ao estabelecer a possibilidade do Juizado da Infância e Juventude adotar medidas à regularização do registro civil, inclusive quando não estiverem presentes todos os elementos necessários, desde que mediante requisição da autoridade judiciária. O mesmo artigo ainda explicita a possibilidade de proceder à investigação de paternidade, nos termos da Lei nº 8.560/92, ressaltando a absoluta prioridade dos trâmites necessários à regularização do registro civil. Além disso, há expressa previsão no ECA segundo a qual a Justiça da Infância e Juventude é competente para determinar o suprimento do registro de nascimento: Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de: h) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito.

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A fim de ilustrar o supracitado comando, segue jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE GUARDA. MENOR. REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA. SITUAÇÃO DE R I S C O . E C A . VA R A D A I N F Â N C I A E JUVENTUDE. COMPETÊNCIA DESTA. JULGAR PROCEDENTE. 1. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98 é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito. 2. Julgar procedente o conflito e declarar a competência do juízo da Vara da Infância e Juventude de Divinópolis. (TJ/MG – C.C. n.º 1.0000.07.465338-7/000 – Rel. Desembargador Célio César Paduani – Julgado em 28/02/2008, DJ de 18/03/2008)

No mesmo sentido, manifestou-se o Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Conflito de Competência – Registro Tardio de menor – omissão paterna e risco de "adoção à brasileira" – exegese do arts. 98 e 102 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Especialidade da Vara da infância – CONFLITO DESPROVIDO. A Vara da Infância e Juventude possui, pelo âmbito de sua competência, amplas condições de garantir a obediência e o respeito aos interesses do menor envolvido na demanda, in casu, registro de nascimento tardio. Tendo sido evidenciado o risco à criança, a especialidade da Vara da Infância e Juventude avoca a competência para o processamento do feito nas ações de registro tardio, consoante R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas art. 148, parágrafo único, aliena h, do ECA. (TJ/SC – C.C. nº 64543/SC – Rel. Desembargador Wilson Augusto do Nascimento – Julgado em 11/06/2002)

Logo, tratando-se de criança que se encontra em situação de risco, evidenciada pela omissão dos pais e pela ausência de registro de nascimento, diante do exposto no inciso II do artigo 98, bem como do artigo 148, parágrafo único, "h", ambos do ECA, a competência para julgamento do feito é da Justiça da Infância e Juventude, inclusive, em relação à investigação de paternidade do suposto pai. Neste sentido, imprescinde colacionar julgados a respeito: E C A . C O N F L I T O N E G AT I V O D E COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. Mesmo na ação investigatória de paternidade, quando constatado que a autora se encontra exposta a comprovado risco pessoal e social, é razoável que se decline a competência ao Juizado da Infância e da Juventude, que já processa dois outros procedimentos de proteção envolvendo a mesma criança. Observância aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da prioridade absoluta. Mantida a competência do juízo suscitante. CONFLITO JULGADO IMPROCEDENTE. (TJ/RS - Conflito de Competência n.º 70019557362 - 7.ª Câmara Cível - Relatora Maria Berenice Dias - Julgado em 04/05/2007, DJ de 11/05/2007) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO DISTRITO FEDERAL E VARA DE FAMÍLIA [...] R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas A COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE TEM CARÁTER EXCEPCIONAL E DEVE RESERVAR-SE AOS CASOS EM QUE HAJA AMEAÇA OU VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DO MENOR, RESTRINGINDO-SE ÀS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 98 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)- "EX VI" DO ART. 31, § 1º, ALÍNEA A, DA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL. (TJ/DF – CC 000690715.2006.807.0000 - 3.ª Câmara Cível – Rel. Humberto Adjuto Ulhôa – Julgado em 18/09/2006, DJU de 17/10/2006) CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE I N V E S T I G A Ç Ã O D E PAT E R N I D A D E CUMULADA COM ALIMENTOS – COMPETÊNCIA DA 3ª VARA CÍVEL DA INFÂNCIA E JUVENTUDE PARA CONHECER E JULGAR O FEITO E NÃO DO JUIZADO ESPECIAL DE CAUSAS CÍVEIS -CONFLITO PROCEDENTE. (TJ/SC – Proc. nº 1988.065822-4 – 2ª Câmara Cível – Rel. Torres Marques – Julgado em 19/04/1994)

Ante o exposto, conheço do presente recurso, concedendo-lhe parcial provimento, a fim de determinar a remessa dos autos ao Juízo da Infância e Juventude para processamento e julgamento do feito, indeferindo o pedido de registro imediato do menor, porquanto configura mérito da ação principal, a ser analisado na via própria. É como voto. Manaus, Desembargador JOÃO MAURO BESSA Relator R. Dout. Jurisp. AM

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2011.006956-5 PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELANTE: Ezio Prates de Souza ADVOGADOS: José Bezerra de Araújo (OAB/AM 4.871). APELADO: Ministério Público do Estado do Amazonas PROCURADORA: João Bosco Sá Valente RELATOR: Desembargador João Mauro Bessa PROCESSO PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – VÍTIMA MAIOR DE 14 ANOS GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA – NÃO DEMONSTRADAS - ELEMENTOS INERENTES AO TIPO DO ARTIGO 214, DO CÓDIGO PENAL - AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO DO DELITO DESCRITO NA DENÚNCIA – ABSOLVIÇÃO – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 386, INCISO III, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – CRIME COMETIDO CONTRA DESCENDENTE – CAUSA DE AUMENTO DE PENA – Q U A N T U M C O R R E TA M E N T E APLICADO NA DOSIMETRIA M AT E R I A L I D A D E E A U T O R I A DEMONSTRADAS - DEPOIMENTOS CONVINCENTES E COERENTES DA VÍTIMA - APELO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É imprescindível para a tipificação do delito previsto no art. 214 do Código Penal Brasileiro (redação anterior à alteração promovida pela Lei nº 12.015/2009) – R. Dout. Jurisp. AM

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atentado violento ao pudor - que se comprove a ocorrência de violência ou de grave ameaça. Principalmente em se tratando de vítima que à época dos fatos já contava com 14 (quatorze) anos de idade, o que impede, no caso em exame, que se presuma a violência. 2. Uma vez que o fato narrado na denúncia não preenche os elementos do supracitado tipo legal, a absolvição do Apelante quanto ao crime de atentado violento ao pudor contra a vítima Thaysnara Nogueira Prates, nos termos do artigo 386, III do Código de Processo Penal, é a medida que se impõe. 3. Em casos como o dos autos, há que se dar credibilidade ilimitada ao depoimento da vítima Larissa Porto Prates de Souza (menor de 14 anos na época do fato), à vista de ser o crime de atentado violento ao pudor quase sempre cometido às ocultas, presentes apenas os agentes ativo e passivo da infração. Nestes casos a palavra da vítima é de fundamental importância. 4. O aumento de metade da pena previsto no art. 226, II do Código Penal Brasileiro, teve aplicação correta, uma vez que desde a Lei nº. 11.106/2005 o quantum de metade – já era previsto. 5. Apelo parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação R. Dout. Jurisp. AM

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Criminal nº 2011.006956-5 em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Primeira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por ______ de votos e em dissonância com o parecer do Graduado Órgão do Ministério Público Estadual, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto que acompanha a presente decisão, dela fazendo parte integrante. Sala das Sessões, em Manaus/AM, PRESIDENTE RELATOR PROCURADOR DE JUSTIÇA RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta por Ezio Prates de Souza, representado por seu advogado José Bezerra de Araújo (OAB/AM n° 4.871), por meio da qual se insurge o recorrente contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Especializada em Crimes contra Idosos, Adolescentes e Crianças da Comarca da Capital, que lhe imputou a prática do crime previsto no art. 214 c/c 226, II do Código Penal Brasileiro. A sentença condenatória de fls. 153/159 aplicou ao réu a pena definitiva de 9 (nove) anos de reclusão em relação a cada vítima, totalizando 18 (dezoito) anos de reclusão. Irresignado, o Apelante interpôs o presente recurso, nos autos do Processo Criminal n° 0500512-57.2008.8.04.0001, requerendo a juntada de razões em superior instância. Restando positivo o primeiro juízo de admissibilidade, a presente apelação foi recebida e os autos remetidos a este Tribunal. R. Dout. Jurisp. AM

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Devidamente intimado, o patrono do apelante juntou as Razões Recursais (fls.187/189), em cujo bojo alegou (i) a atipicidade da conduta do Apelante com relação à vítima Thaysnara Nogueira Prates, uma vez que esta, na época do fato, já era maior de quatorze anos; (ii) equívoco na elevação da pena diante da qualificadora prevista no art. 226,II do Código Penal; além de requerer a absolvição do Apelante. Após, concedeu-se vista dos autos ao Parquet de 1º grau, que, em contrarrazões ao recurso, sustentou (i) que a presunção de inocência não se deu unicamente pelo fato das vítimas serem menores de 14 anos à época dos fatos, mas sim pelo fato de o agente ter se aproveitado do momento em que as ofendidas estavam dormindo, ocasião em que não poderiam oferecer resistência; (ii) a inovação legislativa que modificou as normas estabelecidas no art. 226 do CP se operou antes da prática delitiva, através da Lei nº 11.106/2005 e não pela Lei nº 12.015/2009. No mesmo sentido se manifestou o Graduado Órgão Ministerial, em seu parecer custos legis (fls. 203/206), opinando pelo conhecimento e, no mérito, pelo não provimento do Apelo, mantendo-se a decisão a quo, por seus próprios fundamentos. Autos relatados. VOTO Inicialmente, reconheço a presença dos pressupostos de admissibilidade recursal, passando, dessa forma, à análise do meritum causae. O Apelante foi condenado em 18 (dezoito) anos de reclusão em regime inicialmente fechado, pela prática do crime previsto no artigo 214 c/c 226, II do Código Penal Brasileiro, consoante a redação anterior à alteração promovida pela Lei nº 12.015/2009. Por meio da presente apelação criminal, pugna pela sua absolvição e, alternativamente, pelo afastamento da incidência R. Dout. Jurisp. AM

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de um dos crimes por atipicidade da conduta e, ainda, em qualquer hipótese, pela redução às suas legais dimensões da incidência da qualificadora. A autoria do fato descrito na denúncia foi atribuída ao Apelante pelas vítimas ouvidas. A materialidade do crime de atentado violento ao pudor independe de confirmação através de laudo pericial, pois nem todos os atos libidinosos praticados deixam vestígios. Assim, também fora atribuída ao Apelante a materialidade do delito. Contudo, embora as provas produzidas durante a instrução processual apontem a autoria do fato ao Apelante, tenho que a tipificação do delito de atentado violento ao pudor contra a vítima Thaysnara Nogueira Prates não restou configurada. Ensina o doutrinador Luiz Regis Prado: A conduta repudiada pela norma penal consiste no fato de o agente constranger o ofendido, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou a consentir que com ele se pratique atos libidinosos não atinentes ao coito natural. Deste modo, é imprescindível para a tipificação do delito que se comprove a ocorrência de violência ou de grave ameaça. Principalmente em se tratando de vítima que à época dos fatos já contava com mais de 14 (quatorze) anos de idade - visto que aquela nascera em 11.4.1993 e o fato fora praticado em 12.9.2007 - o que impede, no caso em exame, que se presuma a violência. Não há no depoimento da vítima Thaysnara qualquer 1

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial, [s.d]. p. 204. Vol. 3. R. Dout. Jurisp. AM

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menção à existência da ameaça que teria sido exercida pelo Apelante contra a vítima. Que, na madrugada de domingo para segunda, a namorada de seu pai saiu de madrugada por volta de 4h da manhã, considerando que saira para trabalhar; Que, sonolenta percebeu quando seu pai foi deixá-la à porta e bateu o portão; Que quando o pai retornou para o quarto, onde dormiam ele e a namorada, na cama de casal, e a declarante no sofá, todos no mesmo quarto, e nesta ocasião o pai a chamou para vir deitar na cama com ele; Que, em outras ocasiões dormiram juntos o pai, a declarante e sua irmã Larissa, filha de outra relação do pai, da mesma idade que a declarante, mais nova apenas vinte dias e, via de regra, dormiam às vezes abraçados, sem que nada de anormal acontecesse; Que, nesta ocasião, no entanto, em que dormiam a sós a declarante e o pai na mesma cama, a declarante fora despertada com o pai agarrado em seus seios, por debaixo da blusinha que vestia; Que tirou a mão do pai e voltou a dormir, quando de repente foi despertada com o pai pegando em sua genitália por dentro da calça comprida que vestia; Que, tentou mexer-se com o corpo, puxando a mão do pai, mas como esse insistiu, perguntou o que estava acontecendo, tendo este dito que estava vendo como sua filha se desenvolvia; Que, decepcionada com a postura do pai, levantou-se da cama e pediu para que ele a levasse para casa de sua mãe. (sic)

Observo que o Ministério Público, em suas contrarrazões, considerou que a violência era presumida não pelo fato de a vítima Thaysnara ser menor de 14 anos, mas sim porque a vítima encontrava-se dormindo, ocasião em que não oferecia resistência (art. 224, "c" do CPB). Não merece prosperar a alegação de que a vítima não podia oferecer resistência porque se encontrava dormindo na R. Dout. Jurisp. AM

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ocasião. Ora, a própria vítima afirmou que percebeu o momento em que o Apelante colocou a mão em seus seios e, posteriormente, em sua genitália. Assim, entendo que a conduta perpetrada contra a vítima Thaysnara Nogueira Prates e imputada ao Apelante na denúncia, qual seja, artigo 214, c/c artigo 226, III do Código Penal, ocorrida em 9/9/2007, embora deplorável e moralmente vil, não é típica. Ressalto que, no dispositivo mencionado pelo Graduado Órgão Ministerial - art. 224, "c" do CPB -, seria possível a inclusão do temor reverencial como circunstância capaz de impedir a resistência da ofendida. Contudo, não se volta para tutelar a liberdade sexual de jovem maior de 14 anos. O que se presume é a violência, não o temor reverencial, que deve restar demonstrado em cada caso. Como assinala CELSO DELMANTO: Para alguns julgados pode incluir o temor reverencial. No entanto, também esta presunção da letra c não é de caráter absoluto, sendo necessária prova segura de completa impossibilidade de oferecer resistência. E, mais adiante, frisa: Entre pai e filha, é necessário que se prove e avalie o temor. (TJSC, RF 263/351).

No presente caso, não há evidência segura de que havia temor reverencial determinante para impossibilitar a vítima de oferecer resistência ao seu pai. Ao contrário, a vítima afastou a mão do pai, levantou-se da casa e pediu para ir para a casa da mãe e, ainda, apontam os informes constantes nos autos, que a convivência entre ambos era normal. A exordial acusatória não descreveu a ameaça ou mencionou qual violência ocorrera e, também, não há na 2

DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6. ed. [s.l]: Renovar, 2002. p. 481 e 483. R. Dout. Jurisp. AM

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instrução processual qualquer menção à ocorrência daquelas – ameaça e violência - quando da realização dos fatos. Assim, uma vez que o fato punido no decreto condenatório não preenche os elementos do supracitado tipo legal, a absolvição do réu quanto à vítima Thaysnara, nos termos do artigo 386, III do Código de Processo Penal, é a medida que se impõe, visto que ausente um dos elementos do tipo penal no qual foi incurso o Apelante – “mediante violência ou grave ameaça”. Acerca do assunto, colaciono jurisprudência dos tribunais pátrios: ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR VÍTIMA MAIOR DE 14 ANOS À DATA DOS FATOS

FATO QUE NÃO CONSTITUI INFRAÇÃO PENAL. Provado nos autos que a vítima era maior de 14 anos à data dos fatos, e ausentes provas de efetiva violência praticada pelo autor, de rigor a absolvição por não constituir o fato infração penal. (Processo: APL 55826519998260438 SP 0005582-65.1999.8.26.0438 Relator(a): Willian Campos Julgamento: 24/05/2011 Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Criminal Publicação: 27/05/2011) APELANTE: MILTON APARECIDO AMARAL APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR: DES. DOMINGOS JOSÉ PERFETTO APELAÇÃO CRIME - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR VÍTIMA MAIOR DE 14 ANOS - GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA – NÃO DEMONSTRADAS ELEMENTOS INERENTES AO TIPO DO ARTIGO 214, DO CÓDIGO PENAL - AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO DO DELITO DESCRITO NA DENÚNCIA - ABSOLVIÇÃO - INTELIGÊNCIA DO R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas ARTIGO 386, INCISO III, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Processo: ACR 5724934 PR 0572493-4 Relator (a): Domingos José Perfetto Julgamento: 14/01/2010. Órgão Julgador: 4ª Câmara Criminal Publicação: DJ: 317).

No concernente à vítima Larissa Porto Prates de Souza, menor de idade à época do fato, há de se considerar que em crimes contra a liberdade sexual, comumente cometidos às ocultas, assume especial relevo a palavra da vítima, quando coerente e harmônica com os demais elementos de convicção que comprovam a autoria e a materialidade do delito. Friso que nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima, ainda que se trate de criança, constitui inegável e importante meio de prova. Assim, em que pese a negativa de autoria pelo Apelante e a não detecção de violência no laudo de exame de corpo de delito, deve-se conferir especial relevo à palavra da vítima menor, que, in casu, fora apresentada de forma firme e coerente, não deixando dúvidas quanto à existência do delito. Compulsando os autos, não verifico qualquer indicação de que a vítima menor apresentava desvio de personalidade tendente a fantasiar, criar situações, mentir ou estar sendo influenciada por sua genitora. Destarte, pondero que a declaração da vítima é suficiente para a prolação de um decreto condenatório, não apenas porque em consonância com o conjunto probatório produzido nos autos, mas também porque não há qualquer elemento nos autos tendente a desacreditar a sua versão. Acerca do assunto, colaciono jurisprudência: [...] I- Não se pode afastar a credibilidade à palavra da vítima quando apresenta discurso coerente, detalhado e repetido sobre os fatos, em harmonia com as demais provas dos autos. [...] IV- Apelo R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas improvido, por maioria, vencida a relatora que provia. (19980510014743APR DF; Acórdão N. 345545; 1ª Turma Criminal; Rel. Desª. SANDRA DE SANTIS; Rel. Designado: Edson Alfredo Smaniotto; DJU: 18/03/2009). (grifo nosso). [...] 1) A negativa de autoria pelo réu se encontra isolada do restante do acervo probatório, especialmente pelo depoimento da vítima, o qual é de suma importância nos crimes sexuais, sendo ratificado pelos demais elementos de convicção dos autos, os quais comprovam que o réu praticou o crime de atentado ao pudor [...]. (20010910078208APR DF; Acórdão N. 343084; 1ª Turma Criminal; Rel. Des. Edson Alfredo Smaniotto; DJU: 18/03/2009). (Grifo nosso). [...] Em crimes contra a liberdade sexual, comumente cometidos às ocultas, assume especial relevo a palavra da vítima, quando coerente e harmônica com os demais elementos de convicção que comprovam a autoria e a materialidade do delito. Apelação improvida. (APR 2003.05.1.006570-2; Rel. Des. Mario Machado; 1ª Turma Criminal; DJ em 22/01/2007). (Grifo nosso). [...] I - A palavra da vítima, em sede de crime de estupro, ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não tem testemunhas, ou deixam vestígios (Precedentes). [...] Põem-se em destaque a importância da palavra da vítima em qualquer investigação criminal, e, especialmente, na apuração de crimes sexuais, normalmente praticados às escondidas. Suas declarações justificam a condenação quando se apresentam lógicas, consistentes e amparadas por outros elementos de convicção, como ocorre quando os fatos são bem esclarecidos em depoimentos seguros e convincentes das testemunhas, corroborando a confissão do réu na fase extrajudicial [...]. (20100910007117apr, relator George Lopes Leite, 1ª turma criminal - TJDFT, R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas julgado em 24/10/2011, Dj 10/01/2012 p. 182). (Grifo nosso).

Quanto à aplicação, pelo juiz sentenciante, do aumento de metade da pena previsto no art. 226, II do Código Penal Brasileiro, verifico ter sido aplicado corretamente, uma vez que desde a Lei nº 11.106/2005 o quantum – de metade – já era previsto. Diante da ausência de um dos elementos do tipo penal previsto no art. 214 do Código Penal – “mediante violência ou grave ameaça” – deve ser provido o presente recurso e reformada a respeitável sentença, a fim de que o Apelante seja absolvido da imputação que lhe foi feita em relação à vítima Thaysnara Nogueira Prates. Ao exposto, em dissonância com o parecer ministerial, dou parcial provimento ao presente recurso de Apelação, apenas para absolver o Apelante do crime de atentado violento ao pudor (previsto no art. 214 do CP) quanto à vítima Thaysnara Nogueira Prates, reduzindo-se a pena para 9 (nove) anos de reclusão, mantendo-se a sentença penal condenatória em seus demais termos. É como voto. Manaus,

JOÃO MAURO BESSA Desembargador Relator

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APELAÇÃO CÍVEL 0202439-92.2012.8.04.0001 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL Câmaras Reunidas Apelante: Thais Narbaes de Alencar Advogado: Daniellle Vieira Hitotuzi Paes Apelado: Estado do Amazonas, A Fundação Amazonprev Advogado: Daniel Pinheiro Viegas, Fabio Martins Ribeiro Relator: Cláudio César Ramalheira Roessing APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE PARA BENEFICIÁRIO UNIVERSITÁRIO ATÉ 24 (VINTE E QUATRO) ANOS OU ATÉ A CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR. EC Nº 64/2010 E EC Nº. 65/2010. PROTEÇÃO DA JUVENTUDE. DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO E AOS ALIMENTOS. DEVER CONSTITUCIONAL DE TODAS AS ESFERAS PÚBLICAS. FORÇA NORMATIVA E DIREITO À PRESTAÇÃO POSITIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 9.250/1995 E DO ENTENDIMENTO DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL E DA DIGNIDADE DA JUVENTUDE BRASILEIRA COM VISTAS À GARANTIA DE PLENO DESENVOLVIMENTO DE SUA PERSONALIDADE. APELAÇAO CONHECIDA E PROVIDA.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0202439-92.2012.8.04.0001, de Manaus/AM, em que são partes as acima indicadas, ACORDAM, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Câmaras Reunidas do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do R. Dout. Jurisp. AM

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Amazonas, por maioria de votos, conhecer o recurso para darlhe provimento, nos termos do voto-vista. Sala das Sessões, em Manaus, 26 de setembro de 2012. Presidente Claudio Roessing Relator Procurador de Justiça RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível em Mandado de Segurança, na qual a apelante se insurgiu contra sentença (fls. 19-25) que indeferiu seu pleito inicial de continuar a perceber pensão por morte após os 21 (vinte e um) anos enquanto perdurasse o curso universitário, porquanto a pretensão da apelante seria supostamente contra a legislação local. Em contrarrazões, em síntese, os recorrentes pugnaram pela manutenção da sentença, face à suposta ilegalidade do pleito. Parecer Ministerial (fls. 69-73) opinando pelo conhecimento e não provimento do recurso. No mais, adoto o relatório do desembargador relator sorteado. É o que cumpre relatar. Passo ao voto. VOTO-VISTA Inicialmente, por força do dever de fundamentação dos jugados (Constituição, art. 93, inciso IX), não deixo de pontuar que, à época de minha atuação como juiz convocado desta Corte Estadual, proferi dois votos no sentido de que o art. 2º, II, b R. Dout. Jurisp. AM

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da Lei Complementar nº 30/2001 impossibilitaria a manutenção da pensão por morte até a idade de 24 (vinte e quatro) anos de idade do pensionista, tudo com base na legalidade estrita, por vezes distante da realidade socioeconômica. Seguem os precedentes citados: Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 2008.003392-4 e Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 2008.003534-4. Pois bem, esclareço não se tratar aqui de simples mudança de entendimento desconectada do universo dos fatos e do mundo jurídico, cujo substrato deve ser visto pelo julgador em sua tridimensionalidade Realiana: Fato, valor e norma. Destarte, trago a lume o primeiro ponto que me conduziu à mudança de entendimento, cujo cerne é a alteração constitucional ocorrida pela Emenda Constitucional nº 65, de 13/7/2010 – doravante somente denominada EC nº 65/2010 –, que trouxe ao cenário jurídico normas de proteção de toda juventude nacional, a qual ainda não goza de estatuto protetor, como requer a Constituição (art. 227, § 8º, I) e como possuem as crianças e adolescentes. Em um primeiro plano, é imperioso perquirir a nova redação do artigo 227, caput, da Constituição, atribuindo ao Estado em sua acepção ampla, incluindo aí o Poder Judiciário, o dever de garantir ao jovem, com "absoluta prioridade", a educação, alimentação, cultura e outros direitos relacionados à realidade acadêmica, conforme se pode aferir da leitura do Texto constitucional:

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TJAM – AC.MS nº 2008.003392-4 – Des. Rel. Cláudio Roessing – DJ 15.10.2008, D.J.E. 3.11.2008. 2 TJAM AC.MS nº 2008.003534-4 – Des. Rel. Cláudio Roessing – DJ de 10.12.2008, D.J.E. em 07.01.2009. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Nessa seara, questiono: aonde se encontraria, nos precedentes do Estado-Juiz contrários ao direito almejado pela presente Apelação, a absoluta prioridade no acesso à educação, à profissionalização, à cultura, dignidade e à convivência comunitário-acadêmica? Em verdade, entendo que desde 13 de julho de 2010, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 65, as decisões que indeferem a pensão aos universitários puramente com base no princípio da legalidade, olvidam da técnica de ponderação de princípios e valores, que auxilia os julgadores quando ocorre tensão entre princípios de mesma hierarquia. Em outras palavras, o debate que ora se trava não mais se satisfaz com a mera subsunção (“encaixe”) dos fatos à norma, pois desde a EC nº 65/2010, a legalidade encontra forte princípio "concorrente" no caso vertente, que é princípio da proteção e primazia da juventude, agora elevado ao maior nível hierárquico possível: o Constitucional. Nesse passo, ressalto que o Supremo Tribunal Federal já ressaltou o caráter de direito social do artigo 227 da Constituição, cuja eficácia impõe prestações positivas – tais como o pagamento de pensão por morte, por exemplo –, na medida que possui eficácia normativa plena: [...] CF, art. 227, caput [...] qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção dos direitos de segunda geração (RTJ 164/158-161), cujo adimplemento R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva, consistente num facere [...] jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. Celso de Mello). É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. Celso de Mello), o STF [...]. Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à criança e ao adolescente – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 227) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, [...] mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 227, caput, da Constituição, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à criança e ao adolescente, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. [...] O caráter programático da regra inscrita no art. 227 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – impõe o reconhecimento de que as normas constitucionais veiculadoras de um programa de R. Dout. Jurisp. AM

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ação revestem-se de eficácia jurídica e dispõem de caráter cogente. [...] Impende destacar, neste ponto, por oportuno, ante a inquestionável procedência de suas observações, a decisão proferida pela eminente Min. Cármen Lúcia (AI 583.136/SC), em tudo aplicável, por identidade de situação, ao caso em análise.” (RE 482.611, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 23-3-2010, DJE de 7-4-2010). Assim, é preciso firmar que o artigo 227 da Constituição da República tem força normativa para se impor na omissão da lei para o alcance do caso concreto – como ocorre neste feito –, até mesmo contra a letra da lei, pois está hierarquicamente acima dessa última. Sobreleva-se aqui ainda o fato de que o próprio direito aos alimentos e à alimentação - aqui representados pela pensão objeto de litígio -, foi também positivada constitucionalmente, no art. 6º, como direito social, na Emenda Constitucional nº 64, de 4/2/2010, que passou a incluir a alimentação como direito de todos, verdadeiro direito fundamental de segunda geração. A fim de demonstrar a possibilidade fundamentada de o Poder Judiciário impor a efetivação de direitos sociais, tais como o direito aos alimentos e à educação da juventude, trago à baila trecho de decisório do Supremo Tribunal que possibilita a imposição de prestações positivas contra o Poder Público em favor de direitos sociais para resguardar o mínimo existencial ao ser humano: [...] revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais,

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas determinar [...] sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por

descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. [...] INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL [...] que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. (...)"(ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda 3

Constituição. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. R. Dout. Jurisp. AM

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Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125).

Assim, o presente voto tem por fim a efetividade do artigo 6º e 227 da Constituição da República, primando pelo resguardo não somente do mínimo existencial do jovem, como também auxiliando na busca do pleno desenvolvimento da personalidade e da dignidade da juventude amazonense e brasileira. No mais, ressalto que este Tribunal de Justiça tem precedentes exatamente no sentido que ora defendo. Cito primeiramente, julgado de relatoria da desembargadora Maria das Graças Pessôa Figueiredo: EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. PREVIDENCIÁRIO. MENOR DE IDADE. BENEFICIÁRIO DE PENSÃO DECORRENTE DO FALECIMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. IMPLEMENTAÇÃO. MAIORIDADE. SUSPENSÃO AUTOMÁTICA DO PA G A M E N TO D A P E N S Ã O . I M P O S S I B I L I D A D E . RESTABELECIMENTO. MANUTENÇÃO A T É 2 4 A N O S O U , A LT E R N AT I VA M E N T E , AT É O ENCERRAMENTO DE CURSO SUPERIOR. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Há jurisprudência firme, também neste Tribunal, segundo a qual o implemento da maioridade por beneficiário de pensão ex vi mortis de servidor público estadual não tem o condão de automaticamente R. Dout. Jurisp. AM

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suspender o pagamento do benefício, que deve ser mantido até a idade-limite de vinte e quatro anos ou, alternativamente, até que se encerre eventual curso superior, o que ocorrer primeiro. (TJ-AM, Remessa Ex-Officio e Apelação em Mandado de Segurança n.º 2007.0011918,DJAM - 21/07/2009, Pg. 10, Relatora para o Acórdão: Maria das Graças Pessôa Figueiredo). Nesse julgado, votaram com a tese que ora defendo os desembargadores: Luiz Wilson Barroso, Paulo Cesar Caminha e Lima, Encarnação das Graças Sampaio Salgado, Euza Maria N. de Vasconcellos, Djalma Martins da Costa e Maria das Graças Pessôa Figueiredo (Relatora para o Acórdão). Aliás, tal julgado não foi alterado pelo Superior Tribunal de Justiça no Agravo 1.318.357 - AM, ministro Mauro Campbell Marques. Há ainda outro julgado amazonense que merece menção, cuja relatoria coube ao Desembargador Domingos Chalub: E M E N TA : E M B A R G O S D E DECLARAÇÃO - OMISSÃO VERIFICADA PELO COLENDO STJ PENSÃO POR MORTE -BENEFICIÁRIA UNIVERSITÁRIA - EXTENSÃO DO BENEFÍCIO ATÉ OS 24 (VINTE E QUATRO) ANOS OU CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR. DIREITO SOCIAL. EDUCAÇÃO - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA -DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. 1- A Constituição Federal de 1988, através R. Dout. Jurisp. AM

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dos seus princípios norteadores, outorga ao povo brasileiro direitos e garantias fundamentais, com o propósito de possibilitar total acesso a todos os programas, serviços e benefícios pelo Poder Público, buscando, assim, o bem estar social. 2- norma constitucional consagra em seu art. 5 , caput, o princípio da igualdade, e, ao versar sobre os Direitos Sociais, no art. 6 , caput, estabelece que "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". 3- A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, razão pela qual deve ser resguardado o direito à percepção da pensão previdenciária por morte, ainda que a beneficiária tenha atingido a maioridade, no intuito de possibilitar o custeio dos seus estudos universitários, até que complete 24 (vinte e quatro) anos de idade ou conclua o curso superior em que esteja matriculada. 4- A concessão do benefício p r e v i d e n c i á r i o d e v e s e p a u t a r, primordialmente, na real dependência econômica da beneficiária, para que possa sobreviver com o mínimo de dignidade humana. 5- Embargos Acolhidos, para suprir a omissão apontada e reconhecida pelo Colendo STJ. (TJ-AM, Embargos de R. Dout. Jurisp. AM

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Declaração em Remessa Ex-Officio em Mandado de Segurança nº 2006.0049811/0002.00, de Manaus, Rel. DES. DOMINGOS JORGE CHALUB PEREIRA, pg. 8. Judiciário. Diário de Justiça do Estado do Amazonas (DJAM) de 14/09/2009) Neste último julgado acima transcrito votaram, com o relator João de Jesus Abdala Simões, Flávio Humberto Pascarelli Lopes, Luiz Wilson Barroso, Paulo César Caminha e Lima, Rafael de Araújo Romano, Aristóteles Lima Thury, Encarnação das Graças Sampaio Salgado e Dr. Cláudio César Ramalheira Roessing (na época como Juiz de Direito convocado com jurisdição plena). A decisão retrocitada também não foi revista pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, Ag 1028334, Rel. Maria Thereza de Assis Moura). Entendo que as razões que ora trago devem ser acrescidas às já apontadas pelos julgados favoráveis à pretensão da apelante. Diante das circunstâncias deste caso, no qual a beneficiária-apelante necessita da pensão para sua subsistência e seu acesso ao direito à educação, a reforma da sentença é medida impositiva, tendo como fundamento diversos princípios de ordem constitucional e nesse âmbito também o direito à educação, insculpido no artigo 205 da Carta Magna. Em especial, destaco trecho do voto proferido em recurso oriundo do Tribunal de Justiça do Maranhão que conclui o entendimento ora esposado à luz da realidade social brasileira: Na verdade, é irrelevante falar-se em dignidade, em direito à educação e ao trabalho, se não for assegurado ao R. Dout. Jurisp. AM

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cidadão, com medidas concretas e razoáveis, a viabilização a tais direitos, sobremodo considerando as dificuldades experimentadas pelos jovens quando do ingresso no mercado de trabalho nos dias atuais. Nesse mesmo sentido são os julgados abaixo: PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. FILHO MAIOR DE 21 ANOS, ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE. DIREITO À EDUCAÇÃO, CONSAGRADO NO ART. 205 DA CARTA MAGNA. É possível a extensão da pensão por morte até que o autor, estudante universitário, complete 24 anos ou conclua curso superior, em face do direito à educação (CF, art. 205). Precedentes. A prorrogação do benefício, que possui natureza alimentar, consiste em situação análoga àquela atribuída aos alimentos advindos da relação de parentesco, regulada pelo Direito Civil. Aplicação dos princípios da isonomia e razoabilidade. Remessa conhecida e improvida. Unanimidade. 4

Constituição. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. R. Dout. Jurisp. AM

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(184262007/TJMA, Relator: ETELVINA LUIZA RIBEIRO GONÇALVES, Data de Julgamento: 03/06/2008, SAO LUIS – PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR DE IDADE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. CARÁTER ALIMENTAR. I - Filho de segurado da previdência social faz jus à pensão por morte até os vinte e quatro anos de idade, desde que comprovado o seu ingresso em universidade à época em que completou a maioridade e a dependência econômica, a fim de assegurar a verdadeira finalidade alimentar do benefício, a qual engloba a garantia à educação. II - Devido à natureza alimentar, não há argumento que justifique conferir à pensão por morte uma aplicação diversa da que é atribuída aos alimentos advindos da relação de parentesco, regulada pelo Direito Civil, sendo certo que nesta seara vigora o entendimento segundo o qual o alimentando faz jus a permanecer nesta condição até os 24 (vinte e quatro) anos de idade se estiver cursando faculdade. III - É preciso considerar o caráter assecuratório do beneficio, para o qual o segurado contribuiu durante toda a sua vida com vistas a garantir, no caso de seu falecimento, o sustento e o pleno desenvolvimento profissional de seus descendentes que, se vivo fosse, manteria com o resultado de seu trabalho, por meio do salário ou da correspondente pensão. IV - Recurso provido.” (TRF 2ª Região, 6ª Turma, AC nº 197037/RJ, Rel. Juiz André Fontes, DJ 21.03.2003, republicado em 05.05.2003, p. 168 – grifo nosso) AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE DE SERVIDOR PÚBLICO. MAIOR DE 21 ANOS. EXTENSÃO ATÉ QUE COMPLETE 24 ANOS. DIREITO À EDUCAÇÃO. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas I. É possível a extensão da pensão até que o autor, estudante universitário, complete 24 anos, em face do direito à educação, disposto no art. 205 da Constituição Federal. II. Sendo o autor estudante universitário e presumindo-se que até a conclusão de sua formação profissional encontrar-se-ia sob a dependência do de cujus, é de garantir-lhe a percepção do beneficio até a idade de 24 (vinte e quatro) anos. III. Agravo provido. (TRF 5ª Região, Agravo de Instrumento nº 200605000705360/SE, Rel. Des. Ivan Lira de Carvalho, Quarta Turma, DJ 29/03/2007, p. 787, nº 61 – grifo nosso)

Em reforço, afirmo existir corrente jurisprudencial que aplicam, por analogia, a Lei nº 9.250/1995, que regula o Imposto de Renda a situações análogas a situação ora julgada. Destarte, se os dependentes, para efeito de imposto de renda, continuam nessa condição até os 24 (vinte e quatro) anos para efeito de tributação por Imposto de Renda, também devem sê-lo para fins previdenciários, por determinação expressa da Lei 9.250/1995, em seu § 1º: Lei nº 9.250/1995 (Altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas e dá outras providências), [...] Art. 35. Para efeito do disposto nos arts. 4º, inciso III, e 8º, inciso II, alínea c, poderão ser considerados como dependentes: [...] III - a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até 21 anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; [...] V - o irmão, o neto ou o bisneto, sem arrimo dos pais, até 21 anos, desde que o contribuinte detenha a guarda judicial, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; [...] § 1º Os dependentes a que se referem os incisos III e V deste artigo poderão ser assim considerados R. Dout. Jurisp. AM

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Oportunamente, trago à lume ainda que a matéria sub judice deve ser resolvida com respeito à Constituição da República, motivo pelo qual o Ministro Marco Aurélio ressaltou o caráter constitucional e de interesse geral da matéria no Agravo nº 765901, pendente de análise no mérito pela Corte Maior. Assim ditou o Ministro Relator: DECISÃO PENSÃO POR MORTE – PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO – MAIORIDADE – ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO – EXTENSÃO – INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA À LEI Nº 9.250/95 – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – AGRAVO PROVIDO. 1. Discute-se, na espécie, a possibilidade de extensão do pagamento da pensão por morte a beneficiário até a idade de 24 anos, considerado o caráter alimentar do benefício, bem como a condição de dependência do beneficiário que ainda não concluiu o curso universitário. Eis a síntese do acórdão recorrido (folha 128): A D M I N I S T R AT I V O . P R E V I D E N C I Á R I O . PENSÃO POR MORTE. PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO. MAIORIDADE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA. EXTENSÃO AO DEPENDENTE ATÉ A IDADE DE 24 ANOS. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 9.250/95. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. 1. O benefício previdenciário busca, primordialmente, a supressão da carência econômica deixada pelo mantenedor da prole, logo, não seria razoável a interrupção do desenvolvimento pessoal e a qualificação profissional da impetrante, em detrimento de numerário que a Administração deverá dispor, sob pena de se estar a ferir o direito inalienável à educação. 2. Não se pode, in casu, R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas operar a extinção da pensão, de caráter alimentar, enquanto mantida a condição de dependência do beneficiário que, embora tenha atingido a maioridade da lei civil, ainda não concluiu o curso universitário. 3. Assim, é crível que o direito à pensão permaneça até os 24 anos ou até a conclusão do curso universitário. 4. Apelação improvida. 5. A União, no extraordinário interposto com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, salienta a existência de ofensa ao princípio da legalidade e da isonomia, argumentando que “se existe uma lei que regula especificamente a matéria, ela deve ser aplicada em detrimento da regra geral (folha 161). Assevera não assistir “ao maior de 21 anos, mesmo que seja estudante universitário, o direito à continuidade do recebimento da pensão por morte, instituída por servidor público federal, porquanto presume-se que após essa idade possa ingressar no mercado de trabalho e prover, por si só, a sua subsistência” (folha 164). O tema, de índole constitucional, está a merecer o crivo do Colegiado Maior, considerados os referidos princípios constitucionais. 3. Em face da excepcionalidade do quadro, conheço deste agravo e o provejo. Constando dos autos as peças indispensáveis ao julgamento do extraordinário, aciono a conversão. Autuem e distribuam na forma regimental. 4. Publiquem. Brasília, 17 de novembro de 2010. Min.MARCO AURÉLIO Relator (STF, AI 765901, Rel.: Min. MARCO AURÉLIO, j. 17/11/2010, p. D J e - 2 2 8 D I V U L G 2 6 / 11 / 2 0 1 0 P U B L I C 29/11/2010).

Dessa maneira, entendo que deve ser respeitada a força normativa da Constituição, atribuindo-se à juventude, nos termos do art. 227 da Constituição, a primazia no alcance ao direito à educação e à alimentação. R. Dout. Jurisp. AM

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Cumpre ainda esclarecer que o Superior Tribunal de Justiça já ponderou quanto à concessão de pensões por morte no sentido de que o intérprete não possui autorização para atentar contra o princípio da dignidade humana e contra a teoria da proteção integral do menor e do adolescente, hoje também aplicável com as devidas adaptações aos jovens brasileiros, por força da Emenda Constitucional 65/2010: ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REVERSÃO. NETO INVÁLIDO QUE ESTAVA SOB GUARDA DA AVÓ PENSIONISTA. EQUIPARAÇÃO A FILHO P R E V I S TA E M L E I E S TA D U A L . INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A dignidade da pessoa humana, alçada a princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico, é vetor para a consecução material dos direitos fundamentais e apenas estará assegurada quando for possível ao homem uma existência compatível com uma vida digna, na qual estão presentes, no mínimo, saúde, educação e segurança. 2. Esse princípio, tido como valor constitucional supremo, é o próprio núcleo axiológico da Constituição, em torno do qual gravitam os direitos fundamentais, auxiliando na interpretação e aplicação de outras normas. 3. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. 4. O art. 33, § 3º, da Lei 8.069/90 determina que "a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas efeitos de direito, inclusive previdenciários". [...] 7. Ademais, a tutela do impetrante concedida judicialmente à avó transferiu à tutora o pátrio poder, de modo que o neto tutelado, pelo menos para fins previdenciários, pode e deve ser equiparado o filho da pensionista, o que viabiliza a incidência da norma. [...] (RMS 33.620/MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, 2ª turma, j. 6/12/2011, DJe 19/12/2011).

E finalizo ressaltando que o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que, conquanto atingida a maioridade [...] o dever de prestar alimentos não se extingue de forma automática, devendo ser oportunizada, primeiramente, a manifestação do alimentado em comprovar sua impossibilidade de prover a própria subsistência, seja nos próprios autos, seja em procedimento próprio, respeitado, em qualquer caso, o contraditório. Isso porque ainda subsiste o dever de prestar alimentos com base no parentesco. [...]. (AgRg nos EDcl no Ag 1020362/SP, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA (Des. convocado TJ/RS), 3ª TURMA, j. 2/6/2009). No mesmo sentido: Resp 442.502/SP, RHC 28.566/GO e REsp 608.371/MG.

Penso que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça deve ser aplicado também por analogia a fim de reconhecer o direito à continuidade da percepção da pensão pelo jovem universitário não com base no vínculo de parentesco já dissolvido pelo falecimento, mas sim à luz da continuidade do dever de proteção constitucional da juventude, garantindo-se o contraditório (Constituição, art. 5º, LV) para o desfazimento do dever estatal de primar pela educação e alimentação dos jovens desta nação. Creio que a solução ora proposta coloca este Tribunal de Justiça na vanguarda da proteção de direitos sociais no cenário R. Dout. Jurisp. AM

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jurídico nacional. Isso porque, de forma inédita no Brasil, o presente decisório concede a devida força normativa ao princípio da proteção da juventude, recentemente positivado no art. 227 da Constituição pela Emenda Constitucional n. 65/2010. Pelo exposto, voto pelo conhecimento e provimento da apelação a fim de julgar procedentes os pleitos formulados em petição inicial, invertendo-se os ônus da sucumbência. É como voto. Manaus, 26 de setembro de 2012. Cláudio César Ramalheira Roessing Membro

5 [...] 2 - A maioridade civil, em que pese faça cessar o poder familiar, não extingue, modo automático, o direito à percepção de alimentos, que subjaz na relação de parentesco e na necessidade do alimentando, especialmente estando matriculado em curso superior. [...]. (RHC 28.566/GO, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 3ª Turma, j. 21/9/2010, DJe 30/9/2010).

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AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2011.006992-9/0001.00 - MANAUS/AM 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL Terceira Câmara Cível Agravante: Estado do Amazonas Procª: Raquel Bentes de Souza do Nascimento Agravado: Isis Informatica Importacao e Exportacao Ltda A G R AV O I N T E R N O E M A G R AV O D E INSTRUMENTO. REGULARIDADE DA CITAÇÃO. O TEMPO REGE O ATO. SÚMULA 414

DO

STJ.

R AT I F I C A Ç Ã O

DO

ENTENDIMENTO DOMINANTE DA CORTE À ÉPOCA DO ATO CITATÓRIO. I – A regularidade do ato citatório, questão de ordem pública, deve ser aferível de acordo com o entedimento dominante, ainda que não pacificado, do Superior Tribunal de Justiça ao tempo em que praticado, pois o tempus regit actum. II – O entendimento dominante à época da citação editalícia era no mesmo sentido da superveniente súmula n. 414 do egrégio Superior Tribunal, razão pela qual não houve incidência retroativa do enunciado sumulado. III – A análise da regular forma da citação é pressuposto processual, cognoscível ex officio, e corolário do direito fundamental ao contraditório, motivo por que não há ofensa à proteção do ato jurídico perfeito e nem ao princípio da preclusão. IV – Recurso conhecido e não provido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da nº ,

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em que são partes as acima nominadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Sala de Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, Manaus/AM, 16 de fevereiro de 2012. Des. Ari Jorge Moutinho da Costa Presidente Cláudio César Ramalheira Roessing Relator Des. Aristóteles Lima Thury Membro

RELATÓRIO Trata-se de Agravo Regimental (fls. 84-102) em Agravo por Instrumento oposto pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAZONAS, que visa impugnar decisão monocrática (fls. 73-78) desta relatoria, a qual entendeu existir caráter dominante, embora não pacífico, do entendimento jurisprudencial superior do que viria a ser o enunciado n. 414 do Superior Tribunal de Justiça, já em 2003/2004/2005, ocasião em que praticada citação editalícia ao arrepio do que era o raciocínio jurídico predominante. Relatou-se o agravo de R. Dout. Jurisp. AM

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instrumento da seguinte maneira: Trata-se de Agravo por Instrumento interposto pela Fazenda Pública do Estado do Amazonas, contra a decisão interlocutória (fls. 60-65) proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara da Dívida Ativa Estadual, nos autos da Ação de Execução Fiscal nº , que aplicou o enunciado n. 414 do egrégio Superior Tribunal de Justiça e, chamando o feito à ordem, tornou sem efeito citação editalícia realizada sem prévio esgotamento das modalidades outras de citação.Em suas razões (fls. 04-20), a parte recorrente aduz em seu recurso que a aplicação do enunciado 414 do colendo Superior Tribunal de Justiça – editado em 25/11/2009 – ocorreu de forma retroativa, uma vez que o edital foi publicado em 01/07/2004 (fl. 40) e o requerimento foi feito em 24/04/2002 (fl. 33).

Irresignado o agravante alegou as seguintes razões recursais no intuito de reformar o ato decisório: (I) Não há discussão acerca do teor do enunciado 414 do Superior Tribunal de Justiça e sim debate acerca da inaplicabilidade do precedente sumulado, tratando-se, portanto, de pedido de distiguishing (não aplicabilidade de precedente paradigma face às peculiaridades do caso); (II) Existência de controvérsia relevante acerca do tema sub judice na época da realização do ato citatório; (III) O ato citatório se configura como ato jurídico perfeito porquanto se fundamentaria na correta aplicação, à época, da interpretação do artigo 8º, inciso III, da Lei de Execução Fiscal – LEF, dessa forma a decisão monocrática ofenderia o princípio da segurança jurídica, da irretroatividade do novo entendimento e a proteção constitucional do ato jurídico perfeito. Assim, para o agravante, a aplicação do entendimento 1

A citação por edital na execução fiscal é cabível quando frustradas as demais modalidades.

(Súmula 414, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 16/12/2009). R. Dout. Jurisp. AM

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explicitado no enunciado 414 – editado em 18.9.2009 – a ato jurisdicional é patentemente inconstitucional. Pugna, por fim, o recorrente pelo conhecimento do presente agravo e pelo seu provimento, reconhecendo a validade da citação editalícia. Relatados, no essencial. VOTO De início, cumpre analisar os pressupostos de admissibilidade recursal, intrínsecos e extrínsecos, para, somente em resultado positivo dessa análise, partir-se ao mérito recursal, através de capítulos decisórios. I – ADMISSIBILIDADE RECURSAL Quanto aos pressupostos recursais de admissibilidade intrínsecos, nos quais se verifica a existência do direito de recorrer, presentes os mesmos estão. Percebo, nessa senda, a existência de legitimidade, interesse recursal do recorrente e a inexistência de qualquer fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer (renúncia, desistência, aceitação da desistência e preclusão da matéria). Por outro lado, relativamente aos pressupostos recursais de admissibilidade extrínsecos, atinentes ao exercício correto do direito de recorrer, noto também sua presença. Isso porque além do recurso ter sido interposto pelo Estado do Amazonas, que goza da prerrogativa da dispensa legal do preparo recursal, o agravo regimental independe de preparo. Quanto à tempestividade, a Fazenda Pública goza de prazo em dobro para recorrer e seu recurso observa a regularidade formal, contendo razões hábeis a fazer frente ao decisório vergastado, pedido de reforma e observa as demais formalidades legais. Superada a admissibilidade recursal, passo à análise do mérito do recurso. R. Dout. Jurisp. AM

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II – INEXISTÊNCIA DE QUESTIONAMENTO ACERCA DA JUSTIÇA DO ENUNCIADO 414 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A NECESSIDADE DE DISTINGUISHING Por certo, é notório que o recorrente não busca alterar a jurisprudência consolidada e sumulada do Superior Tribunal de Justiça naquilo que a doutrina brasileira e dos Estados Unidos de prospective overruling (alteração jurisprudencial com efeitos ex nunc). Dessa forma, é notório que o debate almejado pelo agravante é que este juízo entenda pela inaplicabilidade (distinguishing) do entendimento esposado no enunciado 414 do Superior Tribunal, por força dos princípios da segurança jurídica, da impossibilidade de aplicação do entendimento jurisprudencial novo a caso pretérito (irretroatividade) e da proteção ao ato jurídico perfeito. Destarte, passo à análise da existência ou não de distinção que justifique o afastamento do entendimento Superior. III – EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JURISPRUDENCIAL À ÉPOCA DO ATO PROCESSUAL Alega o recorrente que, à época em que realizada a citação editalíca na execução fiscal originária, existia controvérsia relevante acerca da interpretação correta do artigo 8º, inciso III, da Lei Federal 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal – LEF). Nesse espírito o agravante ressalta que a Primeira Turma do Superior Tribunal entendia, àquele tempo, pela obrigatoriedade de prévia tentativa de citação por Oficial de Justiça antes de edital de citação, enquanto que a Segunda Turma, segundo o recorrente, entendia se tratar de mera faculdade. Pois bem, passo à análise da problemática. R. Dout. Jurisp. AM

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IV – A DISTINÇÃO ENTRE O ENTENDIMENTO DOMINANTE PACÍFICO E DOMINANTE EM BELIGERÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DOMINADO A Lei Federal nº 9.756 de 17/12/1998 alterou o Código de Processo Civil, no intuito de agilizar o trâmite processual e propiciar entrega mais célere da prestação jurisdicional, permitiu que os relatores nos Tribunais, dentre outras hipóteses, decidissem pela improcedência recursal quando este fosse contrário ao entendimento "dominante" de Tribunal Superior. Nesse sentido o artigo 557 do Código de Processo Civil [grifo nosso]: Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

Ora, percebe-se claramente que o decisório monocrático deve ser fundamentado em entendimento "dominante" e não necessariamente em entendimento "pacificado" como tentar fazer crer o recorrente. Exigir para aplicação do artigo 557 do Estatuto Processual a pacificação do tema é interpretação contra legem, que além de ferir o Princípio da Legalidade (Constituição, artigo 5º, caput), fere a cláusula do Devido Processo Legal (Constituição, artigo 5º, inciso LIV) e seus corolário do acesso célere à Justiça (Constituição, artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII). É que exigir que o caráter dominante do entendimento seja pacífico, supriria de forma indevida a possibilidade de decisão monocrática com base em entendimento dominante,

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mas ainda não pacificado (beligerante). Em síntese do item, consigno que o artigo 557 do Código de Processo Civil, desde 1998, já autorizava ao relator decidir com base em entendimento dominante, esteja este pacificado ou em estado de beligerância com entendimento dominado. V - IDENTIFICANDO O ENTENDIMENTO DOMINANTE À ÉPOCA DA PRÁTICA DO ATO Consignado que, à época da prática do ato citatório, já era possível aos relatores com base em entendimento dominante – pacificado ou beligerante – decidir monocraticamente, é preciso agora identificar qual "era" o entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça sobre a Lei de Execução Fiscal e sua regra de citação na época em que formalizada a citação por edital. Em prol do argumento de que existiria ao tempo o ato citatório entendimento favorável à desnecessidade de esgotamento das demais vias citatórias para a realização de citação editalícia, trouxe os seguintes precedentes: (1) R.Esp 504.869, julgado em 7/8/2003, (2) R.Esp 410.091, julgado em 6/10/2003 e (3) R.Esp 808.408, de 28/3/2006. Assim, é preciso se afirmar que o critério de seleção do precedente dominante deve ser feito tanto pela via numérica, apresentando-se os precedentes abaixo, quanto pela qualitativa, o que será feito mais adiante ao se refutar a condição de dominante dos precedentes indicados pelo recorrente. Por outro lado, trago à baila, exemplificativamente, os julgados em sentido contrário e que dominavam o cenário jurídico do Superior Tribunal de Justiça de maio de 2000 até 15/12/2005: (1) REsp 247368/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/05/2000, DJ 29/05/2000, p. 125; (2) REsp 264.116/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, R. Dout. Jurisp. AM

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julgado em 20/02/2001, DJ 09/04/2001, p. 333; (3) REsp 201811/SP , Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2001, DJ 29/10/2001, p. 191; (4) AgRg no REsp 369.776/MG, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/04/2002, DJ 29/04/2002, p. 180; (5) REsp 314.461/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, unânime, DJ 3/6/2002, pág. 149; (6) REsp 416.922/RO , Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/06/2002, DJ 01/07/2002, p. 256; (7) EDcl no REsp 417.888/SP , Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2002, DJ 16/09/2002, p. 176; (8) REsp 451.030/SP , Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/10/2002, DJ 11/11/2002, p. 164; (9) REsp 504.869/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2003, DJ 08/09/2003, p. 311; (10) REsp 510.788/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/08/2003, DJ 15/09/2003, p. 265; (11) AGREsp nº 432.189/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 15/09/2003; (12) AgRg nos EREsp 417.888/SP , Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ de 20.09.2004, p. 180 AgRg no REsp 742.265/MG, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2005, DJ 31/05/2006, p. 250; (13) REsp 702.392/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 29.08.20050; (14) AgRg no REsp 705.973/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, PRIMEIRA TURMA, DJ de 29.08.2005 p. 188; (15) REsp 653.480/MG, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 258; (16) REsp 653.480/MG, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJ 17.10.2005, p. 258; (17) REsp 657739/MS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 21/11/2005, p. 186; (18) REsp 357.550/RS, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ R. Dout. Jurisp. AM

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06/03/2006, p. 276; (18) REsp 553.030/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 06/03/2006, p. 298. Destarte, deve ser firmada a premissa de que o entendimento "dominante" do Superior Tribunal de Justiça através de suas primeira e segunda turmas da Corte, assim como a Primeira Seção, à época da prática do ato – tempus regit actum – já estava em conformidade com a redação do que viria a ser a futura súmula: [...] I - A jurisprudência desta colenda Corte firmou o entendimento de que é cabível a citação por edital em sede de execução fiscal após o esgotamento de todos os meios possíveis à localização do devedor, o que restou evidenciado nos autos. Precedentes: REsp nº 510.788/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 15/09/2003; AGREsp nº 432.189/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 15/09/2003; REsp nº 451.030/SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 11/11/2002 e REsp nº 416.922/RO, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ de 01/07/2002. (…). (AgRg no REsp 705.973/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/05/2005, DJ 29/08/2005, p. 188) [...] Esta Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual a citação por edital, em execução fiscal, somente é possível após o exaurimento de todos os meios possíveis à localização do devedor. Com efeito, a teor do art. 8º da Lei n. 6.830/80, somente após ter recorrido, sem sucesso, à citação por via postal e por oficial de justiça, está o credor autorizado a utilizar a citação por edital. Precedentes: REsp 417.888/SP, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 16.9.2002; REsp 597.981/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28/6/2004; REsp 432.189/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 15/9/2003. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 742.265/MG, Rel. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2005, DJ 31/05/2006, p. 250). PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - AUSÊNCIA DE C O M P R O VA Ç Ã O D O D I S S Í D I O JURISPRUDENCIAL - FALTA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ACÓRDÃO CONFRONTADOS - RECURSO DESPROVIDO. [...] 3. Ademais, cumpre registrar que a Primeira Turma deste Tribunal Superior corrobora o entendimento adotado pelo aresto objeto dos embargos de divergência, no sentido de que o oficial de justiça deve envidar todos os meios possíveis para localizar o executado e, somente depois disso, é admitida a realização do ato citatório por edital.4. Agravo regimental desprovido.(AgRg nos EREsp 417.888/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ de 20.09.2004, p. 180)

Dessa forma é notório que desde a época do ato praticado a jurisprudência dominante do Superior Tribunal já era no sentido de que para realização da citação editalícia, fazia-se imprescindível a tentativa de citação via mandado e oficial de Justiça. VI - O ENTENDIMENTO DOMINANTE CONTEMPORÂNEO À CITAÇÃO EDITALÍCIA E O RESPEITO À REGRA DO TEMPUS REGIT ACTUM A constatação de que o juízo aplicou o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça contemporâneo à prática do ato, confirma o respeito ao devido processo legal (Constituição, artigo 5º, inciso LIV) e à regra segundo a qual o tempus regit actum. Dessa maneira, não houve aplicação retroativa do R. Dout. Jurisp. AM

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multicitado enunciado 414. O que houve, em verdade, foi a aplicação do entendimento contemporâneo à prática do ato, conforme é explicitado a seguir. VII - O ENUNCIADO 414 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMO MERA RATIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO DOMINANTE À ÉPOCA DA EFETIVAÇÃO DA CITAÇÃO EDITALÍCIA: INEXISTÊNCIA DE APLICAÇÃO RETROATIVA DA RATIO DO ENUNCIADO SUMULADO Detalhe que não deve passar despercebido é que o juízo a quo, ao anular ato citatório fazendo referência ao enunciado 414 do Superior Tribunal de Justiça, não o fez com base pura e simplesmente na súmula. Ao contrário, o juízo ao citar a súmula Superior como fundamento acabou apresentando como esteio de seu ato decisório todos os precedentes que originaram o enunciado sub judice. Não se deve olvidar que a edição de súmula é a entrega da coroa à um entendimento jurisprudencial que se tornou dominante. Por certo não houve aplicação retroativa da súmula. Houve, por outro lado, a aplicação de um entendimento dominante ao tempo da prática do ato processual, que veio a se tornar maduro o suficiente, transformando-se em enunciado sumulado. VIII - RESPOSTA QUANTO AOS PRECEDENTES CONTRÁRIOS CITADOS PELO RECORRENTE A título de esclarecimento é preciso responder ao agravante sobre os Recursos Especiais n. 504.869, Rel. Ministra Eliana Calmon, e ao Recurso Especial n. 808.408, relator Min. Peçanha Martins, R. Dout. Jurisp. AM

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VIII-A RECURSO ESPECIAL Nº 504.869 – MIN. ELIANA CALMON A ministra Eliana Calmon, citada pelo recorrente através dos Recursos Especiais n. 504.869 (julgado em 7/8/2003) e n. 410.091 (julgamento em 6/10/2003), teve seu entendimento esclarecido na uniformização de jurisprudência supracitada, conforme trecho de voto a seguir transcrito: Em verdade, pretende a agravante fazer crer que o aresto paradigma, da relatoria da Ministra Eliana Calmon (REsp 504.869/PR), entende ser necessário apenas o insucesso na tentativa de citação por carta com AR para admitir a citação por edital. Não é verdade. Embora possa, data maxima venia, parecer haver dúvida no paradigma colacionado acerca da tese ora discutida, a ilustre relatora é muito clara ao colacionar os precedentes que entende aplicáveis ao caso: LEF - LEI 6.830/80 PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POSTAL E CITAÇÃO PELO OFICIAL DE JUSTIÇA. INEFICÁCIA. CITAÇÃO POR EDITAL. CABIMENTO. - Conforme o acórdão recorrido, a citação inicial realizada via correio não foi confirmada na segunda citação, promovida por oficial de justiça, tendo este serventuário atestado que a empresa recorrida não funcionava no local, não sabendo onde encontrá-la. Nessa moldura, perfeitamente viável a citação por edital. - Recurso especial provido' (REsp 314.461/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, unânime, DJ 3/6/2002, pág. 149) PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL POSSIBILIDADE APÓS À NÃO LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR PELO OFICIAL DE JUSTIÇA. - Se, restaram frustradas, tanto a citação pelo R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas correio, como a citação por oficial de justiça, faz-se oportuna, em executivo fiscal, a citação por edital' (REsp 264.116/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, unânime, DJ 9/4/2001, pág. 333)" – REsp 504.869/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 08.09.03. Além disso, atualmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que na execução fiscal, nos termos do art. 8º e incisos da Lei nº 6.830/80, a citação do devedor por edital é possível após o esgotamento de todos os meios possíveis à sua localização. Em outras palavras, apenas quando não lograr êxito na via postal e for frustrada a localização do executado por oficial de justiça, fica o credor autorizado a utilizar-se da citação por edital. Nesses termos, há inúmeros precedentes da Segunda Turma: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO. EDITAL. DILIGÊNCIAS. ART. 231 DO CPC. 1. A citação editalícia, na execução fiscal, deve ocorrer quando frustradas as diligências citatórias realizadas por carta ou por mandado a ser cumprido por oficial de justiça. 2. É nula a citação por edital, quando não foram envidados esforços e promovidas as diligências necessárias para localização do devedor. 3. Recurso especial improvido" (REsp 657.739/MS, DJU de 21.11.05); PROCESSUAL CIVIL. CITAÇÃO POSTAL. ENTREGA NO ENDEREÇO DO EXECUTADO. CITAÇÃO POR EDITAL. DESCABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA DO ART. 5 3 8 , PA R Á G R A F O Ú N I C O , D O C P C . AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE CARÁTER PROTELATÓRIO. SÚMULA N. 98 DO STJ. 1. De acordo com as disposições do art. 8º,

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas incisos II e III, da Lei n. 6.830/80, fica autorizado o exeqüente a utilizar-se da citação por edital somente quando não lograr êxito na via postal nem concretizar a localização do executado por oficial de justiça. 2. [...] 3. Recurso especial parcialmente provido" (REsp 261.313/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 01.02.06); PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – EXECUÇÃO FISCAL – CITAÇÃO EDITALÍCIA – FUNDAMENTO ATACADO – MANUTENÇÃO DO DECISUM POR OUTRO FUNDAMENTO. 1. [...] 2. O acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que, em execução fiscal, é possível procederse à citação por edital, desde que demonstrado o esgotamento de todos os meios de localização do devedor, o que foi afastado pelo Tribunal de origem. A conclusão em sentido contrário esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 3. Decisão mantida por outro fundamento. 4. Agravo regimental improvido" (AgRg no REsp 693.598/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 13.02.06); "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. CITAÇÃO POR EDITAL. POSSIBILIDADE MEDIANTE PRÉVIO EXAURIMENTO DOS MEIOS À LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR. VIOLAÇÃO AO ART.8º DA LEI 6.830/80. OCORRÊNCIA. [...] - Na execução fiscal a citação do devedor por edital é possível após o esgotamento de todos os meios possíveis à sua localização. - Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (REsp 553.030/RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 06.03.06). R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Há também julgados recentes da Primeira Turma no mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POR EDITAL. POSSIBILIDADE APÓS O EXAURIMENTO DE TODOS OS MEIOS POSSÍVEIS À LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR. 1. Somente quando não lograr êxito na via postal e for frustrada a localização do executado por oficial de justiça, fica o credor autorizado a utilizar-se da citação por edital, conforme disposto no art. 8º, inciso III, da Lei de Execuções Fiscais. 2. Recurso especial a que se nega provimento" (REsp 806.645/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 06.03.06); PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO EDITALÍCIA. POSSIBILIDADE APÓS ESGOTAMENTO DE TO D O S O S M E I O S P O S S Í V E I S PA R A L O C A L I Z A R A E X E C U TA D A . R E D I R E C I O N A M E N TO D A E X E C U Ç Ã O CONTRA OS SÓCIOS ANTE A DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. POSSIBILIDADE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE RECONHECIDA PELO TRIBUNAL A QUO. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO S U M U L A R N º 0 7 /S T J . P R E S C R I Ç Ã O . A FA S TA M E N T O . I N O C O R R Ê N C I A D E TRANSCURSO DE CINCO ANOS ENTRE A INSCRIÇÃO DA DÍVIDA E A CITAÇÃO. NOMEAÇÃO DE CURADOR. AUSÊNCIA. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DA EXECUTADA. SANEAMENTO. I - A jurisprudência desta colenda Corte firmou o entendimento de que é cabível a citação por edital em sede de execução fiscal após o esgotamento de todos os meios possíveis à localização do devedor, o que restou evidenciado nos autos. Precedentes: REsp nº R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas 510.788/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 15/09/2003; AGREsp nº 432.189/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 15/09/2003; REsp nº 451.030/SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 11/11/2002 e REsp nº 416.922/RO, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ de 01/07/2002. (...) VI - Agravo regimental improvido" (AgRg no REsp 705.973/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU de 29.08.05). (Trecho de voto do Relator nos Embargos de Divergência no AgRg nos EREsp 756.911/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2007, DJ 03/12/2007, p. 254)

Esclarecido o posicionamento da Ministra Eliana Calmon à época do ato cujo recorrente pugna pela regularidade, faz-se imprescindível ressaltar a posição do Ministro Francisco Peçanha Martins também naquela ocasião. VIII-B RECURSO ESPECIAL 808.408 – MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS Traz a lume o recorrente julgado contrário à súmula proferido no Recurso Especial nº 808.408, de relatoria do Ministro Francisco Peçanha Martins, datado de 28/6/2006. Em verdade, o Ministro Francisco Peçanha Martins até a data do julgado sobredito, tinha entendimento favorável à súmula, conforme se apreende da leitura dos seguintes julgados: REsp 553.030/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 06/03/2006, p. 298, REsp 357.550/RS, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 06/03/2006, p. 276, REsp 653.480/MG, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 258. Destarte, à época da prática do ato o ministro relator não R. Dout. Jurisp. AM

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havia ainda apresentado a divergência apontada pelo recorrente. VIII-C O INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO Constatada a posição dominante, à época do ato citatório, em prol do que viria a ser o enunciado 414 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, formulo outra ponderação com base na dualidade de interesses públicos, quais sejam o primário e o secundário, Por certo, o recorrente, enquanto Fazenda Pública, não está primando em seu agravo regimental pelo interesse público primário existente no respeito ao interesse público primário inerente à efetivação dos direitos fundamentais – como é o direito à citação que possibilita ao pólo passivo processual o contraditório e ampla defesa. Ressalte-se que o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça (AgRg no Ag 1106754/SP) é que as execuções fiscais perseguem interesse público patrimonial e por isso secundário, de modo que se deve afastar inclusive a intervenção do Ministério Público nesses casos. Em suma, o presente recurso veicula somente um egoísta interesse secundário da Administração públicofazendária, o que não se coaduna com o Estado democrático de direito cujo fundamento é dignidade humana (Constituição, artigo 1º, III) e o respeito aos direitos fundamentais (Constituição, artigo 5º). IX - INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ATO JURÍDICO PERFEITO É sabido que as questões de ordem pública não precluem e devem ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, ainda que ex oficio, nos termos do artigo 267, § 3º, do Código de R. Dout. Jurisp. AM

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Processo Civil ("§ 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento."). Na seara recursal, por outro lado, "as questões de ordem pública transferem-se ao exame do órgão de segundo grau, por força do princípio translativo, não havendo falar em julgamento extra petita ou em preclusão". (REsp 872.427/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 4ª turma , j. 12/12/2006). Isso porque "ao judiciário incumbe apreciar, mesmo de oficio, os requisitos de admissibilidade da tutela jurisdicional, a saber, pressupostos processuais e condições da ação" (REsp 10113/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª turma, j. 04/06/1991). Dessa forma, quando o juízo apreciou a regularidade da citação editalícia, em verdade analisou questão de ordem pública e, por isso, não se há de falar em desrespeito ao ato jurídico perfeito, segurança jurídica e muito menos à regra da congruência, conforme salienta jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça: [...] 2. É que: A regra da congruência (ou correlação) entre pedido e sentença (CPC, 128 e 460) é decorrência do princípio dispositivo. Quando o juiz tiver de decidir independentemente de pedido da parte ou interessado, o que ocorre, por exemplo, com as matérias de ordem pública, não incide a regra da congruência. Isso quer significar que não haverá julgamento extra, infra ou ultra petita quando o juiz ou tribunal pronunciar-se de ofício sobre referidas matérias de ordem pública. [...]. (STJ, REsp 1112524/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/09/2010, DJe 30/09/2010).

Assim, realizada a citação do modo incorreto, em R. Dout. Jurisp. AM

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desacordo com a Lei e o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça contemporâneo à pratica do ato (tempus regit actum), deve ser anulada a citação ex oficio por representar questão de ordem pública. Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – INVENTÁRIO – LEGATÁRIAS SITUADAS NO EXTERIOR – CITAÇÃO – NULIDADE ABSOLUTA – QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA QUE SE CONHECE DE OFÍCIO. I – Conhecido o recurso e aberta a via especial, autorizado está o STJ a conhecer de ofício de patentes nulidades absolutas. II – Indevida citação editalícia de legatárias sediadas no exterior que se deve anular. III – Retorno dos autos para a correta prática do ato. IV – Recurso especial provido. (REsp 730.129/SP, R e l . M i n i s t r o PA U L O F U RTA D O (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 10/03/2010)

Apenas em reforço, afirmo que em julgamento da Reclamação 7358 no plenário do Supremo Tribunal Federal, o ministro Joaquim Barbosa esclareceu que uma súmula "se calca em dezenas de decisões proferidas pela corte" e o ministro

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A título complementar segue trecho de voto: "nem se diga que a nomeação de

curador especial somente se pode dar diante da existência de bens arrestáveis e para o eventual exercício da defesa por meio de embargos de devedor, especialmente em virtude da possibilidade de defesa em execução por meio da objeção de préexecutividade, em cuja aplicação se pode argüir a ocorrência de prescrição, desde que não se demande dilação probatória. Nesse sentido se posicionou recentemente a Corte Especial deste sodalício, por meio do julgamento do EREsp 388000/RS, publicado no DJ de 28.11.2005, p. 169 [...]". (Trecho de voto do Ministro Relator Castro Meira in Recurso Especial n. 800.907). R. Dout. Jurisp. AM

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Gilmar Mendes "[...] observou que, se a súmula só fosse aplicada a fatos que ocorressem a partir dela, esvaziar-se-ia boa parte de seu efeito útil" (Informativo 617 do Supremo Tribunal Federal). Isso ocorre porque "uma coisa é norma de decisão, outra é o texto normativo. [...] a súmula [...] não se transforma em texto normativo; é norma de decisão interpretando texto normativo já existente" (Ministro Ayres Britto em debate no Plenário do Supremo Tribunal Federal na Reclamação 7358). Isso significa dizer que não há nada de afrontoso à segurança jurídica no fato de se reconhecer que antes mesmo da súmula 414 ser editada, o entendimento do que viria a ser sumulado já prevalecia no Superior Tribunal de Justiça nos moldes propugnados pelo artigo 557 do Código de Processo Civil. Em suma, a análise da regularidade da citação é pressuposto de desenvolvimento válido do processo, questão de ordem pública, motivo pelo qual não se há de falar em ofensa ao princípio da segurança jurídica, à proteção do ato jurídico perfeito, proteção da confiança e boa-fé. Isso porque, registro, deve prevalecer no caso vertente o direito do cidadão ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, sob pena de o Judiciário conceder aval a gravíssimo vício transrescisório. X – DA INAPLICABILIDADE DOS PRECEDENTES EXARADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NOS AGRG NO RESP 1.244.089, RESP 654.446 E MS 26.603 R. Dout. Jurisp. AM

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O agravante aduz que a decisão recorrida aplica retroativamente entendimento de Tribunal Superior, apresentando contrariedade aos seguintes precedentes: AgrReg no R.Esp nº 1.244.089/RS, R.Esp 654.446 e MS 26.603. Os casos acima citados, por certo, se aplicam a casos em que o entendimento pacificado foi alterado e, nesse caso, foi vedada sua aplicação retroativa. A base fática dos precedentes supracitados, portanto, é totalmente divergente, porquanto, neste caso, o entendimento aplicado foi aquele que, embora ainda não pacificado, era dominante à época da citação editalícia. Em síntese, o entendimento dominante à época do ato de citação foi aplicado pelo juízo para efeito de análise da regularidade do ato citatório, até porque tempus regit actum, e, por isso, o simples fato daquele entendimento ter sido ratificado pelo enunciado 414 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça não desqualifica a assertiva. XI – PECULIARIDADE DO CASO: A OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA DO EXECUTADO – AUSÊNCIA DE INTEGRAÇÃO DA DEFENSORIA ENQUANTO CURADOR DE AUSENTES Outro ponto que não deve ser olvidado é que, inobstante a citação editalícia ter sido realizada há mais de cinco anos, não houve nomeação até o presente de curador especial para o executado. Tal ausência de nomeação do curador revela a desatenção do Estado recorrente aos respeitos do administrado-executado e também ao devido processo legal, contrariando, ademais, a jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça e o entendimento dominante do mesmo egrégio Tribunal no sentido de que deve ser nomeado, nesses casos, curador especial na execução fiscal. O enunciado 196 do egrégio Superior Tribunal é pacífico R. Dout. Jurisp. AM

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nesse sentido: "Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos" (STJ, Súmula 196, Corte Especial, julgado em 01/10/1997, DJ 09/10/1997 p. 50799). Em ratificação, transcrevo seguintes precedentes: [...] 2. É firme o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em sentido favorável à legitimidade da nomeação de defensor público para atuar em sede de execução fiscal na condição de curador especial de réu revel, podendo requerer a decretação da prescrição i631754/MG, 2ª Turma, Min. João Otávio de Noronha, DJ de 20.06.2005; AgRg no AG 621340/MG, 2ª Turma, Min. Franciulli Netto, DJ de 30.05.2005; RESP 621601/MG, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 29.11.2004 e RESP 543.913/RO, Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 16.02.2004. (...)" (REsp 761.085/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 05.09.05).

Destarte, a pretensão do Estado, além de contrariar entendimento dominante à época em que realizado o ato citatório, desprezou o direito fundamental ao contraditório do executado revel, de forma que o Judiciário necessitava intervir para garantir o respeito às garantias fundamentais deste – questão de ordem pública relevantíssima para um estado democrático de direito. Embora não se determine a integração do curador, traz-se o tópico como acréscimos aos argumentos já apresentados. Pelo exposto, nego provimento ao recurso de agravo interno, a fim de manter a decisão monocrática. É como voto. Manaus/AM, 16 de fevereiro de 2012. Cláudio César Ramalheira Roessing Relator R. Dout. Jurisp. AM

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APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2010.005555-6 MANAUS(AM) Câmaras Reunidas Apelante: Águas do Amazonas S/A Advogado(a): Dr. Ney Bastos Soares Júnior OAB/AM nº 4336 Apelado: Município de Manaus Relatora: DESª CARLA MARIA SANTOS DOS REIS EMENTA: APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TESES DE EQUÍVOCO NA AFERIÇÃO DA DECADÊNCIA DO DIREITO À IMPETRAÇÃO E INADEQUAÇÃO DA RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DO POR DANO AMBIENTAL. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. I – A declaração de decadência do direito à impetração de mandado de segurança deve considerar o interstício vislumbrado entre a ciência do ato impugnado e o efetivo ajuizamento do mandamus no protocolo do Tribunal. Desta feita, incorre em equívoco o reconhecimento desta, aferida com base na data do recebimento do feito na respectiva vara ou câmara. II – A responsabilidade civil por danos ambientais, consoante previsto no art. 225, §3º da Constituição Federal, dar-se-á de forma objetiva, isto é, desprezando-se o elemento subjetivo dolo ou culpa para sua caracterização. III – Segundo a teoria do risco da atividade, corrente dominante na seara da responsabilidade objetiva, tem-se como consequências da aplicação do referido instituto, dentre outras, a irrelevância da mensuração do subjetivismo, bem como a atenuação do relevo do nexo causal, de sorte que a responsabilização do agente independe da análise do grau de sua participação, exigindo-se apenas que haja concorrido para o evento danoso. IV – Nestes termos, demonstrada a efetiva R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas contribuição do Apelante para o evento danoso, não há que se falar em ilegalidade na sua responsabilização. V – Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Desembargadores integrantes destas Egrégias Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por _____________________ de votos, em conhecer e prover parcialmente a Apelação ora interposta, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Manaus/AM, ____ de _____________ de 2011. Publique-se. _________________________ Desembargador Presidente ________________________ Desembargadora CARLA MARIA S. DOS REIS Relatora ____________________ Procurador de Justiça 01. RELATÓRIO Trata-se de Apelação interposta pela ÁGUAS DO AMAZONAS S/A, nos autos de Mandado de Segurança impetrado em face do MUNÍCIPIO DE MANAUS, com vistas a ilidir sentença (fls. 126/133) proferida pelo Juízo de Direito da Vara Especializada do Meio Ambiente e de Questões Agrárias, a qual, reconhecendo a intempestividade do referido mandamus, bem como a inexistência de direito líquido e certo, denegou a ordem pleiteada. R. Dout. Jurisp. AM

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Em razões recursais, aduziu-se, primeiramente, a ocorrência de equívoco na aferição da decadência do direito à impetração, eis que se considerou como data do ajuizamento, a data em quem a exordial foi recebida no cartório da Fazenda Pública Municipal (03/07/2006) em detrimento da data de seu efetivo protocolo no Tribunal (23/02/2006). Posteriormente, arguiu-se inadequação na aplicação da responsabilidade civil objetiva no caso em comento, a qual redundou no reconhecimento da ausência de direito líquido e certo passível de ser amparado através da ação mandamental impetrada. Nestes termos, requereu-se a reforma in totum da sentença impugnada. Recebida a apelação em seu duplo efeito, abriu-se oportunidade ao ora Apelado para apresentar suas contrarrazões. Assim o fazendo, às fls. 156/162, este reforçou a ausência de direito líquido e certo da então Impetrante, ante a legalidade de sua responsabilização pelo dano ambiental perpetrado. Em trâmite nesta Segunda Instância, às fls. 176/182, manifestou-se o Graduado Órgão do Ministério Público pelo conhecimento do presente recurso e seu consequente improvimento. Em epítome, o relatório. 02. VOTO Conheço do recurso, eis que cumpridos seus requisitos de admissibilidade. Consoante breve relatório, o mérito envolto na presente apelação cinge-se nos seguintes fundamentos: equívoco na aferição da decadência do direito à impetração, bem como no reconhecimento de ausência de direito líquido e certo da então Impetrante, considerada passível de responsabilização objetiva por prejuízos ambientais advindos de construção em área R. Dout. Jurisp. AM

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verde. Isto posto, adentra-se ao exame da primeira tese suscitada. No que pertine ao prazo para impetração de mandado de segurança, é cediço que, conforme dispõe o artigo 23 da Lei nº 12.016 de 2009, este será de 120 (cento e vinte) dias, contados do conhecimento pelo interessado do ato a impugnar-se. In casu, a ciência da ora Apelada quanto ao ato dito por lesivo deu-se em 26/10/2005, através da Notificação 60/2005 – DEA. Assim sendo, contando-se o prazo decadencial a partir do referido termo, ter-se-ia, segundo a regra insculpida no art. 184 do Código Processual Civil, a data de 23 de fevereiro de 2006 como seu termo ad quem. Tal fato, entretanto, não foi objeto de manifestação diversa pela instância de origem, a qual restou acorde com a contagem demonstrada por ocasião da exordial. A controvérsia persistiu, em verdade, em relação à data do efetivo ajuizamento da ação mandamental. De acordo com protocolo de fls. 02, verso, dos presentes autos, a impetração do mandado de segurança deu-se em 23/02/2006, isto é, no termo final do prazo decadencial dantes evidenciado. Todavia, incorreu em equívoco o Juízo a quo, ao considerar o início do referido interstício, a partir do recebimento do mandamus na respectiva vara da Fazenda Pública Municipal, o qual ocorreu somente na data de 03/07/2006, aproximadamente 05 (cinco) meses após seu ingresso no Tribunal. Nestes termos, não há que se falar em intempestividade, cabendo à Impetrante/Apelante o direito à tutela jurisdicional devidamente perquirida através da ação mandamental ora em comento. Cumpre ressaltar, contudo, conforme leitura percuciente da sentença vergastada, que inobstante a declaração da decadência do direito à impetração, questão prejudicial de mérito, o Juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente e de R. Dout. Jurisp. AM

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Questões Agrárias adentrou ao exame deste, reconhecendo a ausência de direito líquido e certo da então Impetrante em impugnar ato administrativo, o qual responsabilizou-a objetivamente por danos ambientais. Em assim sendo, cumpre a análise de seus fundamentos eis que também ensejaram a interposição do presente recurso. Consoante inicial mandamental, relatou a então Impetrante que, em 21 de março de 2005, a SEDEMA lavrou auto de infração em seu desfavor por construção na área verde do Conj. Habitacional Carlos Braga, condenando-a ao pagamento de 500 UFMs. Interposto recurso administrativo, este restou improvido, motivando a impetração do mandado de segurança ora em sede de apelação, tendente à impugnação do referido ato coator. Aduz que, uma vez concluídas as obras de construção e ampliação do mencionado conjunto habitacional, a SUHAB solicitou à então Impetrante, ÁGUAS DO AMAZONAS S.A., que assumisse a operação e a manutenção do seu sistema de abastecimento de água. Acresce que, analisando a operacionalidade do referido sistema, observou a necessidade de perfuração de poço artesiano, bem como da construção de uma adutora interligada ao Reservatório da Águas do Amazonas. Entretanto, alega que, perquirindo autorização para realização das referidas obras, as quais recairiam em zona de área verde, esta foi denegada, motivo pelo qual deixou de realizá-las. No entanto, sustenta a ora Apelante que, frente a sua negativa na realização das obras, a SUHAB e a SEINF contrataram os serviços de outra empresa, restringindo-se a Águas do Amazonas ao fornecimento da tubulação necessária para efetivação destas, de modo que, em seu entender, carece de qualquer responsabilidade quanto aos danos ambientais perpetrados. No que pertine a referida temática, responsabilidade civil por danos ambientais, esta, ao passar dos anos, passou por R. Dout. Jurisp. AM

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intensas atualizações na dogmática jurídica, sempre permeadas pela busca de maior efetividade à proteção ao meio ambiente. Elevado à categoria de direito fundamental da denominada terceira geração, o direito ao meio ambiente sadio, segundo NOBERTO BOBBIO, propugna por um novo enfoque com base em estratégias de prevenção, adaptação e cooperação internacional entre as nações, cabendo à inteligência humana conduzir o processo histórico em benefício de todos. Afinal, os grandes problemas ambientais do mundo atual são globais e como tais exigem soluções universais, marcadas não só pela solidariedade dos ricos para com os pobres do sistema mundial, como pela solidariedade das gerações presentes para com as gerações futuras.

Trata-se de típico direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161), ao qual a Constituição Federal de 1988 disponibilizou variadas garantias, tais quais a ação civil pública e a ação popular ambiental, sem prejuízo da responsabilização disciplinada em seu art. 225, §3º, in verbis: Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (grifos nossos).

Exercendo a exegese do referido dispositivo, depreendese uma típica hipótese de responsabilidade civil objetiva, a qual prevista no art. 14, §1º da Lei nº 6.938/81, referente a Política Nacional do Meio Ambiente, fora integralmente recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Tal modalidade de responsabilização, consoante induz sua terminologia, caracteriza-se pela desnecessidade de concorrência do elemento subjetivo dolo ou culpa para sua configuração, bastando para tanto, a existência de um ato lesivo ( prescindível de ilicitude), de dano e nexo de causalidade. No que tange o caso in concreto, a irresignação da ora Apelante quanto à sua responsabilização, reside no fato de que, conforme aduz, limitou-se a fornecer a tubulação necessária para consecução da obra danosa, sem, contudo, adentrar na sua execução. Ocorre que, consoante leciona SERGIO FERRAZ, dispondo sobre a teoria do risco da atividade, corrente dominante na seara da responsabilidade objetiva, têm-se como consequências da aplicação do referido instituto, dentre outras, a irrelevância da mensuração do subjetivismo, bem como a atenuação do relevo do nexo causal, de sorte que a responsabilização do agente independe da análise do grau de sua participação, exigindo-se apenas que haja concorrido para o evento danoso. Neste mesmo sentido, a doutrina de ROSA NERY, para quem não se exige, por óbvio, que o ato lesivo tenha sido a causa exclusiva do dano. Assim sendo, inobstante a conduta da Apelante não figure como causa única do dano, esta concorreu diretamente 2

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para o mesmo, posto o fornecimento do material indispensável à consecução da obra, para cujos destino e conseqüências, frise-se, possuía plena consciência, eis que preferencialmente a contratação da empresa que efetivamente a exerceu, fora requisitada para sua realização, sendo na ocasião, devidamente alertada quanto aos impactos ambientais desta decorrentes. Desta feita, não cabe à Apelante, no presente momento, eximir-se de responsabilidade quando, o podendo, não se absteve de contribuir para a consumação do ato lesivo. Ademais, quanto à tese de que em caso de responsabilização da Apelante, dever-se-ia igualmente responsabilizar todos os demais fornecedores dos materiais utilizados no evento danoso, tal não subsiste tendo em vista as inúmeras peculiaridades que envolveram a prestação ora em comento, muito além de um simples adimplemento obrigacional. Conforme se constata pela simples narrativa dos acontecimentos envoltos na presente lide, aliada a ciência do fim para o qual se destinavam os materiais fornecidos, ainda corroborada pelo fato de que uma das obras realizadas consistiu na construção de uma adutora interligada ao Reservatório da própria Águas do Amazonas, tem-se como agravante da conduta da Apelante, ser esta, atualmente, a gestora operacional do sistema de águas construído no referido conjunto habitacional. Isto é, além da sua concorrência para o ato lesivo, a Apelante, hodiernamente, AINDA AUFERE LUCROS ADVINDOS DE TAL DEGRADAÇÃO. Quanto ao tema, traslada-se o recente e esclarecedor julgado do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas TEMPUS REGIT ACTUM. AVERBAÇÃO PERCENTUAL DE 20%. SÚMULA 07 STJ. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meioambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ:RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003. [...] [...] 13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem. 14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81 [...]. DJ 02/12/2009. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que [...] A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos "danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade" (art. 14, § III, da Lei nº 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É CONTRA O DIREITO ENRIQUECER-SE OU TER LUCRO À CUSTA DA DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. [...] (REsp 1090968/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 03/08/2010)

Ex positis, nos termos do art. 942 do Código Civil brasileiro, é inegável a condição de responsável solidária da ora Apelante pelo dano perpetrado na área verde do Conjunto Habitacional Carlos Braga, motivo pelo qual, conforme devidamente assentado no julgado recorrido, inassiste-lhe direito líquido e certo passível de impugnar o ato administrativo a responsabilizá-la. Nestes termos, voto pelo conhecimento da Apelação ora interposta, bem como pelo seu consecutivo PROVIMENTO PARCIAL, reformando a sentença fustigada apenas no que concerne a declaração da decadência do direito material à impetração, mantendo-a, no entanto, quanto ao reconhecimento da ausência de direito líquido e certo passível de amparo, ensejando a denegação da segurança pleiteada. É como voto. Manaus, ____ de _____________________ de 2011. CARLA MARIA S. DOS REIS Relatora

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RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO SIMULTÂNEOS NOS AUTOS Nº 2012.000984-7 Primeira Câmara Criminal Recorrentes: Ministério Público do Estado do Amazonas e Leandro do Nascimento Guerreiro Advogado: Dr. Rogerio Marques Santos - OAB/AM Nº Recorridos: Leandro do Nascimento Guerreiro e Ministério Público do Estado do Amazonas Relatora: DESA. CARLA MARIA SANTOS DOS REIS Procurador: Dr. João Bosco Sá Valente EMENTA: PRONÚNCIA. ART. 121, §2º, INC. IV, DO CÓDIGO PENAL. RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO RECÍPROCOS. PEDIDOS DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO FORMULADO PELO PARQUET E DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA PELA DEFESA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A decisão de pronúncia não constitui um juízo de certeza acerca dos fatos, mas mera admissibilidade da acusação fundada em suspeita, exigindo-se, para tanto, apenas o convencimento do magistrado quanto à existência do crime e de indícios de que o pronunciado seja seu autor, segundo determina o art. 413 do CPP. 2. In casu, comprovadas a materialidade e a autoria do delito, e não havendo provas inequívocas de absolvição sumária ou de desclassificação para crime culposo, faz-se necessário manter os termos da decisão objurgada. 3. Recurso conhecido e improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos de Recurso em Sentido Estrito, em que são partes as acima indicadas, DECIDE R. Dout. Jurisp. AM

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a Egrégia 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por maioria de votos, em consonância com o Parecer do Graduado Órgão do Ministério Público, em conhecer dos recursos interpostos, para no mérito NEGAR-LHES PROVIMENTO, nos termos do voto da relatora, que integra esta decisão para todos os fins de direito. Sala das Sessões da Egrégia 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em Manaus, 16 de julho de 2012. Presidente CARLA MARIA SANTOS DOS REIS Relatora Dr. (a) Procurador (a) da Justiça RELATÓRIO

Trata-se de Recursos em Sentido Estrito simultâneos interpostos pelo Ministério Público do Estado do Amazonas e Leandro do Nascimento Guerreiro, contra a r. decisão de pronúncia de fls. 651/676, prolatada pelo Juízo de Direito da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Manaus, que pronunciou o recorrente como incurso na pena do art. 121, §2º, inc. IV, do Código Penal, submetendo-o a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri. O Ministério Público, ao interpor o recurso de fls. 680/718, subscrito pelo Promotor de Justiça Dr. Rogério Marques Santos, pugnou por seu conhecimento e provimento, de modo a R. Dout. Jurisp. AM

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reformar a decisão de pronúncia para desclassificar-se o crime de homicídio doloso qualificado para homicídio culposo, com a consequente remessa dos autos à uma das Varas Criminais. O pronunciado, também irresignado com a decisão objurgada, interpôs o recurso de 742/768, alegando ter agido em legítima defesa putativa, verdadeira causa extintiva da punibilidade apta a viabilizar a sua absolvição sumária. O parquet, ao contrarrazoar o recurso interposto pela defesa (fls. 774/783), o fez através de novo Promotor de Justiça, Dr. Géber Mafra da Rocha, que, revendo o posicionamento adotado por seu antecessor, entendeu pela manutenção da decisão em todos os seus termos e submissão do pronunciado a Julgamento do Tribunal do Júri. Já a defesa, ao contrarrazoar o recurso (fls. 787/800), insistiu na absolvição sumária do pronunciado, por entender aplicáveis à espécie as disposições de erro de tipo invencível. O Juízo a quo, em retratação de fls. 826, manteve a decisão em todos os seus termos. Aberta vista ao Graduado Órgão Ministerial, opinou o Procurador de Justiça, Dr. João Bosco Sá Valente, através do parecer de fls. 838/841, pelo conhecimento e improvimento dos recursos, mantendo-se o aresto em sua integralidade. Autos relatados, decido. VOTO

Reconhecendo-se o adequado preenchimento dos requisitos de admissibilidade recursais, tendo em vista serem eles próprios e tempestivos, passa-se à análise do meritum causae. Consta da peça pórtica que por volta das 11:15h, do dia 2 de dezembro de 2009, na Av. Álvaro Botelho Maia, nº 515, bairro Nossa Senhora das Graças, nesta cidade, no interior da loja Word Micro Computadores, o pronunciado, de posse de arma de fogo, disparou contra a vítima Raylen Caldas Gomes, R. Dout. Jurisp. AM

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produzindo-lhe os ferimentos descritos no Laudo de Exame Necroscópico de fls. 14, os quais foram responsáveis por sua morte.

Segundo a inicial acusatória, “tudo originou-se de uma discussão entre o segurança daquela loja, Francisco Augusto Vieira Magalhães e o flanelinha Douglas Reis de Souza, devido a vítima ter estacionado o seu veículo na rua em frente da loja, ocasião em que o segurança passou a espancar o flanelinha, porque este havia orientado a vítima a deixar naquele local o seu carro”. Continua a prefacial narrando que “ao perceber que o flanelinha estava apanhando do dito “segurança” a vítima interveio e se identificou como policial civil, dizendo que aquele procedimento não era correto, instante em que o “segurança” também mostrou sua identificação, dizendo-se ser “policial”, instante em que a vítima levou o "segurança" pelo braço até o interior da loja, dizendo-lhe que queria falar com o seu superior. Já dentro da loja a vítima tornou a se identificar para a recepcionista Sra. Clícia Monteiro dos Santos, mostrando-lhe sua carteira funcional, dizendo-lhe que queria falar com o superior dela, ocasião em que veio falar com a vítima o gerente Sr. Isaac Ferreira Sarmento, tendo a vítima explicado-lhe o fato, no que o referido gerente disse: “que não era com ele”, tendo a vítima indagado a quem deveria se dirigir, que então o Sr. Isaac apontou para a sala do proprietário da loja, Leandro do Nascimento Guerreiro”. Ainda nos moldes descritos na denúncia, “segundos após, quando a vítima caminhava pelo corredor, foi surpreendido pelo acusado, que sem dar uma palavra disparou a queima-roupa, sem oferecer qualquer meio de defesa para a vítima escapar com vida, pois o disparo atingiu em cheio a face da mesma, que morreu no próprio local”. Em seguida, o acusado de arma em punho, apontou para a esposa da vítima que de joelhos implorava para não ser morta, momento em que o acusado perguntava “quem é tu, quem é R. Dout. Jurisp. AM

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tu”, desesperada a mesma pedia ao acusado que não atirasse nela, pois tinha três filhos para criar e seu marido era policial, que naquele momento já se encontrava estirado ao solo com uma bala na cabeça”. Importante ainda ressaltar que a peça vestibular narra que “a vítima não se encontrava armada, tendo se limitado apenas a mostrar a todos a sua carteira de policial civil, pedindo tão-somente para falar com o superior do gerente Isaac, pois não era correto o segurança Francisco Augusto Vieira Magalhães bater no flanelinha”. Do cotejo das alegações esposadas com o conjunto de provas carreado aos autos, ressoa indubitável que a decisão de pronúncia deve ser mantida em todos os seus termos, em que pese a existência de algumas divergências nos testemunhos colhidos por ocasião da instrução criminal. Dito isto, lado outro, tem-se que a natureza jurídica da decisão de pronúncia é interlocutória, tendo por finalidade apenas julgar a admissibilidade da acusação, encaminhando o feito à apreciação do Tribunal do Júri, seu juízo natural. Referida decisão não pode e nem deve adentrar ao mérito da causa, em que pese haver um juízo mais apurado do que ocorre com o simples recebimento da denúncia ou da queixa (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 10 ed. p. 1006) Tal assertiva encontra amparo no art. 413 do Código de Processo Penal, que ao dispor sobre a pronúncia, assim se expressa: Art. 413 . O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1º. A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo R. Dout. Jurisp. AM

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Com supedâneo no dispositivo em comento, é preciso saber, prima facie, se a decisão de pronúncia atende às exigências legais, ou seja, se há nos autos prova da materialidade e indícios suficientes de autoria delitiva. Tenho que a resposta a estas indagações são positivas. A materialidade delitiva encontra-se cabalmente demonstrada pelo Exame Necroscópico de fls. 20 e pela Certidão de Óbito de fls. 21. No que pertine à autoria, tem-se que o pronunciado é confesso, haja vista que por ocasião de seu interrogatório, reconheceu ser ele o autor do único disparo de arma de fogo que culminou na morte da vítima. A confissão do pronunciado restou corroborada pelos depoimentos das 8 (oito) testemunhas de acusação que foram inquiridas das fls. 452 às 528. A par do dispositivo em comento, verifica-se que a decisão objurgada atendeu suficientemente às determinações normativas aplicáveis à espécie. Dito isto, a perfunctória análise dos autos é suficiente para divorciarmo-nos dos entendimentos esposados nas razões recursais interpostas pelas partes, as quais passo a apreciá-las. A defesa alega que a decisão há de ser reformada porque o pronunciado, embora tenha sido o autor do disparo, agiu sobre o manto da legítima defesa putativa, pois imaginava ele estar sendo vítima de um roubo, cujo erro, por ser invencível, propiciaria a sua absolvição, nos termos do art. 20, §1º, 1ª parte, do Código Penal, que possui a seguinte redação: Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo? (original sem negrito ou sublinhado).

Por questões propedêuticas, cabe o esclarecimento de que o erro de tipo exclui sempre o dolo, seja ele evitável ou inevitável. Como o dolo é para o crime o elemento de seu tipo, a sua presença exclui a tipicidade do fato doloso, podendo o agente responder a título de delito culposo, desde que haja previsão legal para tanto. Já o erro de tipo essencial ocorre quando a falsa percepção impede o autor do fato delituoso de compreender a natureza criminosa do fato, recaindo sobre os elementos ou circunstâncias do crime ou sobre os pressupostos de fato de uma excludente da ilicitude. Segundo a doutrina o erro pode ser: a) erro invencível ou escusável, isto é, quando não pode ser evitado pela norma diligência, tese esta sustentada pela defesa; b) erro vencível ou inescusável, ou seja, quando pode ser evitado pela diligência ordinária, resultando de imprudência ou negligência, tese defendida inicialmente pela acusação e posteriormente retratada. Nesse contorno, as descriminantes putativas se dão quando o agente, induzido a erro pelas circunstâncias do caso concreto, supõe agir em face de uma causa excludente de ilicitude, no caso, de legítima defesa. Esclarecendo: é possível que o sujeito, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, suponha encontrar-se em face de estado de necessidade, de legítima defesa, de estrito cumprimento do dever legal ou do exercício regular de direito. R. Dout. Jurisp. AM

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Quando isso se verifica, aplica-se o previsto no artigo 20, § 1º, 1ª parte, do Código Penal, segundo o qual é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Essa a tese aventada pela defesa. Nesse ponto, parece-me que a pretensão recursal não merece o devido acolhimento, senão vejamos. Compreendendo a previsão legal da descriminante putativa como uma exclusão da culpabilidade por erro invencível sobre a existência de uma excludente de ilicitude, é de se supor o exaurimento de todas as suas etapas conforme o estado da causa para sua incidência. Melhor explicando: no caso, o pronunciado, segundo alega, teria suposto situação fática de que estaria praticando o fato albergado na legítima defesa putativa, por acreditar tratarse, na ocasião, de ser vítima de um crime de roubo. Se a concreção da descriminante putativa depende da verificação da legítima defesa, era de se esperar que a defesa comprovasse, pormenorizadamente e extreme de dúvidas todos os elementos dessa causa excludente de ilicitude no caso concreto, quais sejam, uso moderado de meios, injusta e iminente agressão, a direito próprio. Ora, não se afigura viável, na espécie, considerar que a atualidade da agressão pudesse compreender a figuração da descriminante, porquanto a vítima estava acompanhada de sua esposa, sem arma nas mãos e identificando-se como policial civil. Além disso, segundo as circunstâncias fáticas dos autos, não houve qualquer agressão do ofendido (núcleo da atualidade) à vítima. Diante disso, é natural que não se estava diante de um erro de culpabilidade, mas, evidentemente, de uma legítima defesa real, que ao certo, não se concretizou. Ainda que hajam testemunhas arroladas pela defesa em sentido contrário, o compulsar dos autos sugere que o R. Dout. Jurisp. AM

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pronunciado primeiro atirou, na cabeça da vítima, a queimaroupa, que caiu ao chão e morreu no local dos fatos para, após, perguntar à esposa dela quem era ela. Ainda que o pronunciado imaginasse tratar-se na ocasião de um roubo, cabe relembrar que nem a vítima nem a sua esposa estavam armadas. Desta feita, a conduta do pronunciado em primeiro atirar para depois procurar saber do que se tratava revela que não se trata de erro, mas de absoluto desvelo com a vida humana, com as regras comuns de convivência e com as próprias normas de segurança, já que registro de arma só é concedido às pessoas que demonstram aptidão física e intelectual para o seu uso. Feitas estas considerações, pondera-se: Por que o pronunciado não apontou sua arma em direção à vítima e pediu que ela levantasse às mãos e a indagasse que o fazia ali? Por que não efetuou disparos de advertência? Por que não aplicou os conhecimentos nos cursos de capacitação de tiro? Esses questionamentos por si sós revelam que as teses aventadas pela defesa devem ser apreciadas no momento oportuno pelo Conselho de Sentença, e não pelo Juízo Singular, sob pena de subtração da competência constitucional do Tribunal do Júri, consoantes decisões abaixo colacionadas oriundas do Superior Tribunal de Justiça, que bem se amoldam ao caso vertente: CRIMINAL. RESP. JÚRI. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. PRONÚNCIA EM GRAU DE RECURSO. OCORRÊNCIA DE LEGÍTIMA DEFESA. QUESTÃO CONTROVERSA. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 07/STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO. Hipótese na qual decisão de primeiro grau, que absolvia o réu sumariamente, foi cassada pelo R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Tribunal a quo, com a pronúncia do recorrente. Razões de recurso especial que, com o fito de restabelecer a sentença de absolvição sumária, cuidam de questões acerca da configuração de legítima defesa. Estando controversa a questão acerca da configuração da legítima defesa, somente o Tribunal do Júri poderá decidir acerca do tema, por ser, de acordo com o mandamento constitucional, o Juiz Natural para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Evidenciado manifesto interesse de reapreciação de aspectos fático-probatórios, não se conhece de recurso, ante à incidência do entendimento da Súmula 07/STJ. Recurso parcialmente conhecido e desprovido. (REsp. 887.492/SE, Rel. Min. GILSON DIPP, DJU 04.06.07). (negrito e sublinhado nossos) HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA. PROVIMENTO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA PELO TRIBUNAL A QUO. INVASÃO DO MÉRITO. NÃO-OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Não se reconhece a nulidade do acórdão de pronúncia que, em respeito ao princípio in dubio pro societate, abstendo-se, como não poderia deixar de ser, de um profundo exame do mérito, entende que a tese de legítima defesa, que motivara a absolvição sumária do Paciente, deve ser analisada pelo Tribunal do Júri, que é o juiz natural da causa. 2. A prolação de sentença de pronúncia exige a explicitação suficiente dos fundamentos que levaram o órgão julgador ordinário a assim decidir, evitando-se futura arguição de nulidade por violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal. 3. Ordem denegada. (HC 110.624/TO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/08/2010, DJe 13/09/2010). (n.n.) R. Dout. Jurisp. AM

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Ademais, a absolvição sumária somente há de ser reconhecida quando a causa excludente da ilicitude se mostra absolutamente inquestionável e induvidosa no caso concreto, consoante entendimento já sedimentado por este Órgão Julgador e pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa que abaixo se transcreve: HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADA POR HOMICÍDIO SIMPLES. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA. REEXAME NECESSÁRIO. DETERMINAÇÃO DE JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DIVERGÊNCIA ENTRE AS VERSÕES DO FATO A P R E S E N TA D A S P E L A S D I V E R S A S TESTEMUNHAS PRESENCIAIS. AUSÊNCIA DE P R O VA I N E Q U Í V O C A D E TO D O S O S REQUISITOS INTEGRANTES DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. PRECEDENTES. INADEQUAÇÃO DA VIA DO WRIT PARA REVOLVIMENTO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. [...] 2. Ademais, a decisão proferida mostra-se de acordo com posicionamento há muito sedimentado nesta Corte Superior, que requer, para a absolvição sumária, prova unívoca da excludente, a demonstrá-la de forma peremptória, não ocorrente na espécie em análise. Precedentes. 3. Não há falar em invasão do mérito pelo Juízo de segundo grau, porquanto evidentemente limitada sua argumentação ao cotejo dos depoimentos fornecidos, concluindo, tãosomente, pela incerteza quanto à ocorrência de todos os elementos necessários para a caracterização da excludente de ilicitude da legítima defesa. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas 4. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 5. Ordem denegada. (HC 84.271/MS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 05/10/2009) (n.n.)

Dito isto e pelo que demais dos autos consta, não há como prosperar o recurso defensivo, já que a defesa não logrou êxito em demonstrar, cabalmente, que a hipótese vertente se tratava de legítima defesa putativa. No que pertine ao recurso da acusação, cumpre ressaltar que o Promotor de Justiça que se manifestou nos autos em sede de contrarrazões retratou-se das razões interpostas por seu antecessor. No entanto, dado o princípio da indisponibilidade da ação penal, conhece-se do recurso e passa-se à análise do pedido de desclassificação do crime de homicídio doloso para crime culposo, o qual, de igual modo, não merecer prosperar. É que as circunstâncias objetivas como os fatos se deram – vítima desarmada, atingida na cabeça à queima-roupa -, são suficientes a afastar que o crime pudesse, por maior que fosse o esforço, ter sido praticado por inobservância de um dever de cuidado, ou seja, por uma das modalidades da culpa em sentido estrito: por negligência, por imprudência ou por imperícia. Como dito alhures, as questões que envolvem o mérito da ação delituosa devem ser sopesados e analisados pelo Tribunal do Júri, salvo quando as evidências do caso concreto permitirem ao Julgador, prima facie, e sem qualquer dúvida, concluir que o ilícito penal foi praticado em uma das formas culposas, circunstâncias esta que a acusação, certamente, não logrou cumprir. Nesse mister, em conformidade com o art. 413 do CPP, estando comprovadas a materialidade e a autoria do delito, e não havendo provas inequívocas de excludente de ilicitude ou de desclassificação do crime para a modalidade culposa, faz-se R. Dout. Jurisp. AM

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necessária a manutenção da pronúncia do pronunciado em seus exatos termos. Nesse diapasão, competirá ao Júri a apreciação das dúvidas remanescentes da instrução e o deslinde de eventuais incertezas propiciadas pelos depoimentos testemunhais, consoante orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça que ora se reproduz: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. DÚVIDA EM RELAÇÃO À EXCLUDENTE DE ILICITUDE DE LEGÍTIMA DEFESA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA E AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR Nº 07 DESTA CORTE. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. QUALIFICADORA DO ART. 121, § 2.º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. EXCLUSÃO. I M P O S S I B I L I D D E . U S U R PA Ç Ã O D A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Mantida a sentença de pronúncia pelo Tribunal a quo, que aplicou o princípio in dubio pro societate, pois não seria possível a absolvição sumária do Acusado por faltar a inequívoca comprovação da ação em legítima defesa, a pretensão do Agravante de afastar tais fundamentos implica, necessariamente, o reexame do conjunto fáticoprobatório dos autos, o que não se coaduna com a via eleita, em face do óbice contido na Súmula n.º 07 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Só podem ser excluídas da sentença de pronúncia as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes, uma vez que não se pode usurpar do Tribunal do Júri o pleno exame dos fatos da causa. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no Ag 1249874/GO, Rel. Ministra R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 21/02/2011) HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. JUÍZO DE VALOR ACERCA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. E X C E S S O D E L I N G U A G E M . CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Embora uma das alterações significantes no procedimento do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, com o advento da Lei nº 11.689/2008, tenha sido a proibição das partes se referirem em Plenário à decisão de pronúncia (art. 478, I, do CPP), é certo que os jurados, caso solicitem, terão acesso aos autos e, consequentemente, à provisional objurgada (art. 480, § 3º, do CPP), razão pela qual vislumbra-se o risco de influência no ânimo do Tribunal Popular. 2. Para a pronúncia, que encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exige o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu, ou pela sociedade. É o mandamento do antigo art. 408 e atual art. 413 do Código Processual Penal. 3. Na hipótese, o juízo singular teceu manifestações diretas acerca do mérito da acusação - que deveriam ser submetidas a julgamento pelo Tribunal do Júri -, ao expressar claramente que seria impossível o acolhimento das teses defensivas de legítima defesa e de inexigibilidade da conduta diversa, considerações estas capazes de exercer influência no ânimo dos integrantes do Conselho de Sentença, principalmente em razão da falta de cuidado no R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas emprego dos termos, sendo constatado, assim, o alegado excesso de linguagem na decisão de pronúncia, caracterizando o aventado constrangimento ilegal. 4. Ordem concedida para anular a decisão de pronúncia, devendo outra ser proferida com observância dos limites legais. (STJ. HC 142.803/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2010, DJe 09/08/2010)

Do que dos autos consta, verifica-se que na decisão recorrida o douto Magistrado a quo demonstrou a materialidade do delito, comprovada por certidão de óbito e laudo necroscópico, assim como a sua autoria, mediante confissão do próprio réu, em harmonia com os demais depoimentos testemunhais, e, verificando que as testemunhas oitivadas em juízo não foram unânimes na confirmação da tese de legítima defesa, pronunciou o acusado para que tais dúvidas fossem dirimidas pelo Conselho de Sentença. Por todo o exposto, verifica-se que a decisão de pronúncia encontra-se perfeitamente respaldada pelo contexto fático-probatório contido nos autos e pelos ditames legais. Desta feita, em harmonia com o parecer do Graduado Órgão do Ministério Público, conheço dos presentes recursos para, em seus méritos, negar-lhes provimento, mantendo a decisão guerreada em sua totalidade. É como voto. Manaus, 16 de julho de 2012. Desembargadora CARLA MARIA SANTOS DOS REIS Relatora

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0001614-09.2010.8.04.0000. Segunda Câmara Cível Origem: 4ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho. Objeto: Plano de Saúde. Negativa de cobertura integral. Cirurgia de Emergência. Relator: Desembargador Wellington José de Araújo. Agravante: Unimed de Manaus Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. Advogado: Vanessa Alencar da Silva (OAB 7326/AM). Agravado: Edmilson Lucena dos Santos Júnior. Advogado: Rosangela Galvão Oliveira (OAB 5630/AM). Procuradora de Justiça: Suzete Maria dos Santos. EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. FORNECIMENTO DE MATERIAL NECESSÁRIO À REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. - Malgrado sucinta, entendo que a decisão objeto do agravo de instrumento analisou a presença dos requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, necessários à concessão da liminar vindicada em sede de plantão judicial. - A teor do disposto na Súmula 469, do STJ, os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor. - O contrato de adesão não contém cláusula prevendo a exclusão expressa de cobertura do material necessário para o procedimento cirúrgico denominado Nefrolitotripsia Trans-Nefroscópica por ondas de Choque, razão pela qual não se mostra justificada a negativa da ora Agravante, em negar autorização para cobrir as despesas oriundas da utilização do referido material. - Agravo conhecido e desprovido.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 0001614-09.2010.8.04.0000, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, à unanimidade de votos e em harmonia com o Parecer Ministerial de fls. 137/141, conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado. Sala das Sessões, em 29 de outubro de 2012, em Manaus/AM. Desembargador Domingos Jorge Chalub Pereira Presidente Desembargador Wellington José de Araújo Relator Suzete Maria dos Santos / Jussara Maria Pordeus e Silva Procuradora de Justiça Voto nº 329/2012. 1 Relatório 1.1. Autos de Agravo de Instrumento com pedido de liminar nos quais a UNIMED Manaus – Cooperativa de Trabalho Médico pretende a integral reforma da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito Plantonista das Varas Cíveis da Capital, concedeu liminar nos autos de Cautelar Preparatória, determinando o fornecimento de material para realização de cirurgia de urgência no Sr. Edmilson Lucena dos Santos Junior. R. Dout. Jurisp. AM

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1.2. Consta dos autos que o Agravado é portador de Litíase Renal (pedra nos rins), necessitando ser submetido a cirurgia denominada Nefrototomia Percutânea, por expressa indencação médica. No entanto, o órgão de direção do plano de saúde Agravante afirma que embora autorize a realização do procedimento, se nega em fornecer o material cuja utilização é necessária à cirurgia. 1.3. Submetido o pedido de liminar ao juiz plantonista de primeiro grau, este concedeu a liminar vindicada (fls. 70/71), determinando a imediata realização do procedimento cirúrgico. 1.4. Irresignada com os termos da decisão, a UNIMED Manaus – Cooperativa de Trabalho Médico, manejou agravo de instrumento, argumentando, em síntese, que: (I) a decisão recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação; (II) o contrato firmado entre a Agravante e o Agravado exclui expressamente o material para realização do procedimento cirúrgico; (III) em julgamento proferido quando do julgamento da ADI nº 1931-8, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, foi declarada a irretroatividade dos termos do art. 35-E da Lei 9.656/98 aos contratos firmados antes do advento do mencionado texto legal; (IV) que o contrato firmado entre o Agravante e o Agravado é lícito, tanto à luz do Código Civil/2002, quanto à luz da legislação consumerista; (V) que os serviços de saúde são obrigação do Estado, não estando a Agravante obrigada a arcar com todas as despesas do material cirúrgico necessário ao tratamento do Agravado. 1.5. Requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, o provimento do agravo. 1.6. Em sede de despacho inaugural, acautelei-me quanto à concessão da liminar vindicada, determinando a R. Dout. Jurisp. AM

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intimação do Agravado para apresentar contrarrazões (fl. 123). 1.7. Embora regularmente intimado a apresentar contrarrazões, o Agravado deixou transcorrer in albis o prazo que lhe foi assinalado para tanto, conforme certidão de fl. 133. 1.8. O Graduado Órgão Ministerial, em Parecer de fls. 137/141, opinou pelo conhecimento e, no mérito, pelo desprovimento do recurso. 1.9. É o relatório. 2. Voto 2.1. Presentes os requisitos de admissibilidade recursal, passo à análise da questão de fundo. 2.2. Adianto meu entendimento, em harmonia com o Parecer Ministerial de fls. 137/141, no sentido de que o recurso não está a merecer provimento. 2.3. Malgrado sucinta, entendo que a decisão objeto do agravo de instrumento analisou a presença dos requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, necessários à concessão da liminar vindicada em sede de plantão judicial. 2.4. Com efeito, não vislumbro a nulidade apontada pelo Agravante, de ausência de fundamentação da decisão agravada. 2.5. Não verifico periculum in mora a militar em prol da Agravante, mas sim em prol do agravado, haja vista os severos sofrimentos por ele suportados em decorrência da a enfermidade que o acomete, sofrimento esse plenamente sanável por meio do procedimento cirúrgico indicado pelo R. Dout. Jurisp. AM

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médico especializado. 2.6. Registro, por oportuno, que malgrado não seja aplicável ao caso o disposto no art. 35-E, da Lei 9.656/98, tendo em vista a decisão proferida no âmbito do STF, quando do julgamento da ADI nº 1931-8, os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, por expressa disposição consignada na Súmula nº 469 do STJ, a seguir transcrita: “STJ, Súmula 469. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. 2.7. Assim sendo incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, segundo o qual as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. 2.8. Com efeito, o contrato de prestação de serviços entabulado entre o Agravante e o Agravado envolve típica relação de consumo, por meio de contrato de adesão. 2.9. Como consequência da aplicação do art. 47, do CDC, surge a possibilidade de haver intervenção do Poder Judiciário para fins de declarar, inclusive de ofício, a nulidade de cláusulas que estejam ferindo os direitos assegurados no aludido diploma legal. 2.10. Pois bem. No caso em exame, o contrato de adesão firmado entre o Agravante e o Agravado (fls. 31/48), não contém cláusula prevendo a exclusão expressa de cobertura do material necessário para o procedimento cirúrgico denominado Nefrolitotripsia Trans-Nefroscópica por ondas de Choque (fl. 62). Ante ausência de tal previsão, não se mostra justificada a negativa do Agravante em negar autorização para cobrir as despesas oriundas da utilização do referido material. 2.11. Demais disso, embora conste em algumas cláusulas contratuais menção de exclusão de cobertura dos R. Dout. Jurisp. AM

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procedimentos e exames que não estejam expressamente previstos no rol da ANS, tais cláusulas se mostram abusivas, porquanto desvantajosa ao consumidor, já que se tratam de cláusulas genéricas. 2.12. Nesse sentido, a jurisprudência nacional: EMENTA: CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. UNIMED. RECUSA DE COBERTURA DE EXAMES DIVERSOS POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DE PROCEDIMENTOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE (ANS). NULIDADE DA CLÁUSULA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO DE EXCLUSÃO DA COBERTURA. DIREITO À RESTITUIÇÃO DO VALOR DESPENDIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. - Em se tratando de contrato de adesão, não se pode negar ao segurado a cobertura de exames laboratoriais sob a alegação de que sua cobertura não se encontra prevista no rol de procedimentos da ANS. Nesse esteira, mostra-se abusiva, nos termos do art. 51, inc. IV do CDC, a cláusula contratual 10 do plano de saúde da autora que acarreta ao beneficiário excessiva desvantagem. Ademais, inexiste menção expressa aos exames realizados pelo autor na lista daqueles excluídos da cobertura. Hipótese dos autos que se vê necessária a interpretação das cláusulas em contratos de adesão da maneira mais favorável ao consumidor, ex vi do artigo 47 do diploma consumerista. - Sentença que resta mantida por seus próprios fundamentos. Aplicação do art. 46 da Lei n. 9.099/95. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO". (TJRS, Recurso Cível n. 71002499044, 1ª Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Rel. Heleno Tregnago Saraiva, J. 16-12-2010). PLANO DE SAÚDE. UNIMED NORDESTE. C O B E R T U R A . T É C N I C A D E V I D E O L A PA R O S C O P I A . O B E S I D A D E R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas MÓRBIDA. Inexistindo, no contrato, expressa exclusão de cobertura da técnica da videolaparoscopia, para a realização de cirurgia de obesidade mórbida, não se mostra justificada a negativa da ré. Interpretação das cláusulas contratuais à luz do art. 47 do CDC. Outrossim, inexistindo prova de que a ré ofereceu, ao autor, a possibilidade de adaptação do contrato aos ditames da Lei n. 9.656/98, forçosa é a aplicação de seu art. 10, em cujas hipóteses de exclusão de cobertura não se inclui o procedimento solicitado. Apelo desprovido. (TJRS, AC n. 70022754790, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Leo Lima, J. 12-03-2008).

2.13. Diante desse quadro, deve o plano de saúde arcar com despesa referente ao fornecimento do material solicitado pelo médico responsável pelo tratamento do Agravado, para a realização do procedimento cirúrgico. 2.14. Não se cogite de que a prestação de serviços de saúde seja unicamente dever do Estado, uma vez que a Agravante firmou contrato de prestação de serviços de saúde, razão pela qual deve arcar com o ônus da observância do contrato firmado, ante o Princípio da boa-fé. 2.15. Ante as razões expostas, em harmonia com o Parecer Ministerial de fls. 137/141, conheço do Agravo de Instrumento, mas no mérito, nego-lhe provimento, mantendo a decisão objeto do recurso em todos os seus ermos, tal como lançada. 2.16. É como voto. Manaus, 29 de outubro de 2012. Desembargador Wellington José de Araújo Relator

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APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2012.000717-3 Numeração Única CNJ: 0201321-18.2011.8.04.0001. Classe: Prolator da decisão recorrida: Dr. Cézar Luiz Bandiera. Objeto: Benefício previdenciário. Inobservância do devido processo legal no âmbito administrativo. Órgão Julgador: Câmaras Reunidas. Relator: Desembargador Domingos Jorge Chalub Pereira. Apelante: Maria de Lourdes Silva. Advogado: Mac Doweld Sebastião Assis Parente (OAB 661/AM). Apelado: MANAUSPREV – Fundo Único de Previdência do Município de Manaus. Procuradora: Roberta Braga de Alencar (OAB 5907/AM). Procuradora de Justiça: Silvana Maria Mendonça Pinto Santos. VOTO VISTA Nº 346/2012. 1. Relatório 1.1. Em razão da dúvida nascida pelo voto divergente de autoria do Desembargador João Mauro Bessa, solicitei vista dos autos, para melhor conhecimento da questão de fundo dos presentes autos. 1.2. Trata-se de revisão unilateral de pagamento de benefício previdenciário de pensão por morte recebido pela impetrante, Sra. Maria de Lourdes da Silva, em decorrência do falecimento do cônjuge desta, Sr. Newton Barbosa Correia, ocorrido em 22.08.1996. 1.3. Foi a Impetrante incluída como beneficiária da pensão por morte de seu ex-cônjuge, a partir de 14.11.1996, R. Dout. Jurisp. AM

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consistente na totalidade dos vencimentos do falecido, na ordem de R$1.415,00 (mil quatrocentos e quinze reais), conforme documento de fl. 17. 1.4. A partir do mês de fevereiro/2002, a Administração, unilateralmente e sem oportunizar à pensionista ampla defesa e contraditório, procedeu à supressão da parcela denominada Gratificação/Saúde, ao entendimento de que seria devida tão somente aos servidores do quadro de ativos e não aos aposentados e pensionistas. 1.5. É o relato do essencial. 2. Voto 2.1. Adianto meu entendimento, no sentido de que a segurança deve ser concedida, mas por motivo diverso daquele manifestado pelo Desembargador Relator. 2.2. Inicio minha manifestação, aduzindo que o ônus da prova da legalidade do ato administrativo por meio do qual foi suprimida parcela que integrava a pensão por morte recebida pela Apelante incumbe ao órgão previdenciário. 2.3. Digo isso por entender que a defesa da legalidade do ato administrativo deve ser ampla, abrangendo todos os seus aspectos, inclusive o da observância do devido processo legal administrativo, garantia constitucional expressa no art. 5º, LV, da CR/1988. 2.4. In casu, o órgão previdenciário alega que suprimiu a vantagem, por entender que tal parcela é devida tão somente aos servidores que integram os quadros de ativos do Município de Manaus, não sendo extensível a aposentados e pensionistas. R. Dout. Jurisp. AM

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2.5. Nada obstante e, sem adentrar o mérito do ato, para a supressão de vantagem ou de qualquer benefício, a administração deve oportunizar ao administrado a garantia do devido processo legal, com obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa. 2.6. Malgrado seja dado à Administração proceder à análise da legalidade de seus atos, suprimindo vantagens consideradas indevidas, tal procedimento deve necessariamente e, sob pena de nulidade, observar a prefalada garantia constitucional. 2.7. Nesse sentido, a jurisprudência emanada do STF: EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Servidor Público Inativo. Redução de Vencimentos. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Não instauração de processo administrativo. Violação verificada. 3. A garantia do direito de defesa contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processos judiciais ou administrativos. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. RE 426147. AgR. Relator: Min. Gilmar Mendes. Segunda Turma. Julgado em 28.03.2006, DJ 05.05.2006, p. 37. Ementário: vol. 2231-04, p. 749. RTJ: vol. 200-03, p. 1381) RECURSO EXTRAORDINÁRIO. C O N S T I T U C I O N A L . A D M I N I S T R AT I V O . CUMULAÇÃO DE CARGOS. BLOQUEIO DE VENCIMENTOS. DEFESA PRÉVIA. OBRIGATORIEDADE. 1. Ato do Secretário de Saúde do Estado do Ceará que determinou o bloqueio dos vencimentos da recorrida, por entender que ela acumulava ilegalmente dois cargos públicos. 2. A jurisprudência desta Corte sempre reconheceu o poder da Administração rever seus atos para, observada alguma irregularidade, R. Dout. Jurisp. AM

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2.8. Imperioso seja dito que a inobservância de garantia constitucionalmente assegurada importa em nulidade insanável. 2.9. O ônus da prova da legalidade do ato que suprimiu vantagem que integrava a pensão por morte recebida pela Impetrante é do órgão previdenciário (art. 333, II do CPC). Na espécie, constata-se que o ManausPrev não trouxe aos autos nenhum documento comprobatório de que foi observado o devido processo legal antes da supressão da parcela que integrava o benefício previdenciário. 2.10. Eivado de nulidade está, portanto, o ato administrativo combatido por meio do presente mandamus. 2.11. A defesa da legalidade do ato, por parte da Administração deve abranger todos os seus aspectos e, dentre eles, o da observância ao contraditório e à ampla defesa, ainda que em sede de procedimento administrativo. 2.12. A moderna teoria processualista elaborou um enfoque mais dinâmico para a teoria da distribuição do onus probandi, que permite que as cargas probatórias se desloquem do autor para o réu ou vice-versa, atendendo-se as circunstâncias do caso concreto. R. Dout. Jurisp. AM

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2.13. Esse novel enfoque é denominado de teoria da distribuição dinâmica da prova, segundo a qual ambas partes possuem o dever de colaboração com o juiz para a solução da lide. Ainda de acordo com essa teoria, o encargo probatório deve recair sobre quem está em melhores condições técnicas, profissionais ou fáticas para dele se desincumbir. 2.14. Na defesa da legalidade do ato administrativo que suprimiu parcela da pensão por morte deve o órgão previdenciário comprovar totalmente a legalidade do ato, com a obrigação de provar a regularidade de sua conduta, inclusive de observância do devido processo legal. 2.15. Assim, adotando essa distribuição dinâmica do ônus da prova, quem está em melhores condições (também possui o dever) de provar que houve respeito à garantia constitucional é a Apelada, que ao revés, não se desincumbiu desse ônus de comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora (CPC, art. 333, II). 2.16. Com efeito, entendo que não há que se falar sequer em prescrição ou em decadência, como mencionado pelo Desembargador João Mauro Bessa, haja vista que a nulidade decorrente de inobservância de garantia constitucional não pode se convalidar no tempo, fulminando o ato administrativo. 2.17. Assim entendendo, em parcial harmonia com o Parecer Ministerial, tão somente no sentido da concessão da segurança mas a fundamento diverso, conheço do recurso, para no mérito dar-lhe provimento, concedendo a segurança em favor da Impetrante, para que seja restabelecido o pagamento da parcela suprimida administrativamente de forma ilegal por inobservância do devido processo legal, tendo como dies a quo para o restabelecimento da prestação, a data da suspensão imotivada e arbitrária. Como consequência, reconheço de ofício a ocorrência da prescrição com relação às parcelas vencidas R. Dout. Jurisp. AM

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antes do quinquênio anterior à impetração. 2.18. É como voto. Manaus, _____ de ______________________ de 2012. Desembargador Wellington José de Araújo Relator

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2011.006297-0 TRIBUNAL PLENO REQUERENTE: PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA RELATOR: DESEMBARGADOR JORGE MANOEL LOPES LINS. EMENTA:

AÇÃO

DIRETA

DE

INCONSTITUCIONALIDADE. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA DE ITBI A SERVIDORES PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE MANAUS. VIOLAÇÃO AO ART. 3º DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO AMAZONAS, POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. AÇÃO AFIRMATIVA I N J U S T I F I C Á V E L . A Ç Ã O D I R E TA D E INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. 1. O art. 3º da Constituição do Estado do Amazonas remete, expressamente, aos direitos e garantias fundamentais inseridos na Constituição Federal. Desta forma, a violação a qualquer destes direitos e garantias fundamentais, que se encontram dispostos nos arts. 5º a 17 da CF, ofendem diretamente a Constituição do Estado do Amazonas. O direito fundamental à igualdade é apresentado no art. 5º, caput, da CF. 2. A isenção tributária, ora em análise, tem a clara R. Dout. Jurisp. AM

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intenção de facilitar a compra do primeiro imóvel pelo servidor público do município de Manaus. O servidor público do município de Manaus, de forma genérica, não se encontra em uma situação financeira, econômica ou social inferior relativamente aos demais trabalhadores do Estado do Amazonas, sendo injustificável tal benesse. Como bem apontou o autor da ação, "Os servidores do município de Manaus não são um público com histórico de preterição prolongada, que venha a autorizar a tomada de uma ação afirmativa dessa magnitude" (fls. 09). Ocorre, na verdade, uma discriminação. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, com eficácia ex nunc.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ACORDAM os Desembargadores que compõem o Tribunal Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por unanimidade de votos, em julgá-la procedente, nos termos do voto que acompanha a presente decisão.

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Publique-se. Manaus, 27 de novembro de 2012. PRESIDENTE

RELATOR

PROCURADOR DE JUSTIÇA

RELATÓRIO Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Excelentíssimo Procurador Geral de Justiça, pugnando pela declaração de invalidade do art. 135, § 2º, alínea “b”, da Lei Orgânica do Município de Manaus. Argumenta o autor da ação que o dispositivo mencionado ofende o art. 3º da Constituição Estadual do Amazonas, ao criar hipóteses de distinção entre pessoas que se encontram na mesma situação jurídica, em afronta direta ao princípio da isonomia. O Município de Manaus, através da Procuradoria Geral do Município, se manifestou às fls. 49/61, alegando que a referida alínea é constitucional, e decorre da autonomia dada pela Constituição Federal ao ente municipal. Afirma, também, que o autor da ação não apontou qualquer preceito da Constituição Estadual diretamente violado, e que a aplicação da regra legal não prejudica os demais munícipes, nem onera a carga tributária municipal. Chamada a se pronunciar, a Procuradoria Geral do Estado se manifestou pela inconstitucionalidade do dispositivo, R. Dout. Jurisp. AM

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face à ofensa ao princípio constitucional da simetria da Federação brasileira, e a existência de tratamento discriminatório. É o relatório. VOTO

Considerando a ausência de vícios formais, caminho diretamente ao exame de constitucionalidade requerido. Dispõe o art. 135, § 2º, alínea “b”: Compete ao Município instituir imposto sobre: ... II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza o acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.; ... § 2º O imposto de que trata o inciso II deste artigo não incide sobre: ... b) a aquisição, por servidor público municipal, de imóvel para sua residência, desde que não possua outro;

Conforme a argumentação apresentada, a alínea “b” confrontaria o art. 3º da Constituição Estadual: Art. 3º. O Estado, nos limites de sua competência, assegura, em seu território, a brasileiros e estrangeiros, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais expostos na Constituição Federal .

Este artigo remete, expressamente, aos direitos e R. Dout. Jurisp. AM

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garantias fundamentais inseridos na Constituição Federal. Desta forma, a violação a qualquer destes direitos e garantias fundamentais, que se encontram dispostos nos arts. 5º a 17 da CF, ofendem diretamente a Constituição do Estado do Amazonas. O direito fundamental à igualdade é apresentado no art. 5º, caput, da CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

A alínea “b” do 135, § 2º, da Lei Orgânica do Município de Manaus traz um privilégio aos servidores públicos municipais, liberando-os do pagamento do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI), desde que o servidor não possua outro imóvel. A questão, portanto, é se este privilégio desrespeita ou não o princípio da isonomia. Segundo a máxima de Ruy Barbosa “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam”. É nesta esteira que criaram-se, nos últimos anos, ações afirmativas, com o intuito de inclusão de camadas da sociedade marginalizadas ou desfavorecidas. Exemplo disto são as normas em favor dos idosos, dos portadores de necessidades especiais, dos indígenas. No âmbito estadual, temos a Lei de Cotas da Universidade do Estado do Amazonas, exemplo claro de ação afirmativa, que este Tribunal Pleno julgou constitucional. A isenção tributária, ora em análise, tem a clara intenção de facilitar a compra do primeiro imóvel pelo servidor público do município de Manaus. Da argumentação acima, pergunta-se: a R. Dout. Jurisp. AM

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desigualdade criada ofende o princípio da isonomia, ou se trata de ação afirmativa justificável, em prol de camada desfavorecida da sociedade? Não vejo dúvida que, no caso, há ofensa ao princípio da isonomia. O servidor público do município de Manaus, de forma genérica, não se encontra em uma situação financeira, econômica ou social inferior relativamente aos demais trabalhadores do Estado do Amazonas, sendo injustificável tal benesse. Como bem apontou o autor da ação, "Os servidores do município de Manaus não são um público com histórico de preterição prolongada, que venha a autorizar a tomada de uma ação afirmativa dessa magnitude" (fls. 09). Ocorre, na verdade, uma discriminação, pois aqueles que não são servidores públicos do município de Manaus, ao adquirir um imóvel, efetuam o pagamento do imposto. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a obediência ao princípio da isonomia remete à busca pela extinção de discriminação e privilégios: O princípio da isonomia, que se reveste de autoaplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem política-jurídica, suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e extinguir privilégios (RDA, 55:114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade (MI 58, Rel. Min. Celso de Mello, DJ DE19-4-1991).

À guiza de fundamentação, colaciono ementa de caso semelhante, em que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de lei que determinava a isenção de IPVA à Cooperativa do município Macapá: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. C O N T R O L E A B S T R A T O D E CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA M E S M A AT I V I D A D E E C O N Ô M I C A . INCONSTITUCIONALIDADE.3561º2º1. Norma de efeitos concretos. Impossibilidade de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Alegação improcedente. O fato de serem determináveis os destinatários da lei 1

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas não significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para tê-la por norma de efeitos concretos. Preliminar rejeitada.2. Lei Estadual 356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica. Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. Constituição Federal (1655 AP, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 03/03/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 02-04-2004 PP-00008 EMENT VOL-02146-01 PP-00156)

Por fim, considerando a enorme quantidade de isenções que provavelmente foram concedidas por força do dispositivo em apreço, a inconstitucionalidade deve gerar efeitos somente após o trânsito em julgado deste Acórdão, de forma a evitar a instabilidade jurídica, conforme art. 27 da Lei nº 9.868/99. Assim sendo, por todo o exposto, julgo procedente a ADI n. 2011.006297-0, para declarar inconstitucional a alínea “b” do art. 135, § 2º, da Lei Orgânica do Município de Manaus, com eficácia ex nunc, a teor do art. 27 da Lei nº 9.868/99. É como voto. Manaus/AM, ____ de ___________ de 2012. Desembargador JORGE MANOEL LOPES LINS Relator R. Dout. Jurisp. AM

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2011.003864-9 PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL APELANTE: ESTADO DO AMAZONAS APELADO: JOSÉ CAVALCANTE FILHO RELATOR: DESEMBARGADOR JORGE MANOEL LOPES LINS EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO. DESNECESSIDADE. LIBERDADE DE DEDUZIR PRETENSÃO. CONTESTAÇÃO DO ESTADO. INTEMPESTIVIDADE. EFEITOS REVELIA. INOCORRÊNCIA. INDISPONIBILIDADE DO DIREITO DO ENTE ESTATAL. PRESCRIÇÃO DA P R E T E N S Ã O P U N I T I VA E S TATA L . INOCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PENAL. RECURSO CONHECIDO PROVIDO. 1. Não se faz necessária a formação de litisconsórcio entre o apelado e os outros policiais civis arrolados no processo administrativo disciplinar nº 018/2003, vez que ninguém é obrigado a ajuizar demanda contra a sua vontade. 2. Considerando que se trata de direito indisponível do Estado de apurar infrações imputadas a servidor público, sejam elas administrativas e também capituladas na legislação penal, como no caso vertente, que caracterizam as condutas praticadas pelo apelado, não cabem os efeitos da revelia, por expressa disposição processual, nos termos do artigo 320, inciso II, do Código de Processo Civil. 3. A pretensão punitiva estatal não se encontra prescrita, diante da aplicabilidade, no caso vertente, dos prazos contidos na legislação penal, porquanto as condutas imputadas ao apelado no âmbito administrativo também constituem crimes previstos no Código Penal e em legislação penal R. Dout. Jurisp. AM

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Desembargadores que compõem a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por _______________ de votos, em consonância com o teor do parecer do Graduado Órgão do Ministério Público Estadual, em conhecer e julgar procedente a presente apelação cível, nos termos do voto que acompanha a presente decisão. Sala de Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em Manaus/AM, _____ de __________ de 2012. Publique-se. PRESIDENTE RELATOR PROCURADOR DE JUSTIÇA RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta pelo Estado do R. Dout. Jurisp. AM

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Amazonas (fls. 553/587), contra a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, nos autos da ação ordinária de declaração de prescrição da pretensão punitiva estatal, cumulada com reparação de danos nº 020883068.2009.8.04.0001, tendo como apelado José Cavalcante Filho. Ao proferir a sentença ora recorrida, o Juízo a quo, inicialmente, afastou a alegação de formação de litisconsórcio ativo necessário, entendendo que o apelado pode figurar isoladamente no pólo ativo da demanda. Em seguida, relativamente à questão de fundo, aquele Juízo entendeu que encontra-se configurada a prescrição da pretensão punitiva estatal, considerando que passaram-se 05 (cinco) anos e 09 (nove) meses desde a ciência dos fatos, tendo como parâmetro os prazos estabelecidos na Lei nº 2.271/1994 (Estatuto dos Policiais Civis do Amazonas) e na Lei nº 3.278/2008. Decidiu, ainda, que não se aplica ao caso o prazo de prescrição da legislação penal, vez que as condutas imputadas ao apelado no processo administrativo disciplinar não estão sendo apuradas por meio de ação criminal, devendo incidir a prescrição administrativa. Relativamente aos danos morais, reputou que, mesmo com a extensão temporal do processo administrativo disciplinar, não houve prejuízo para a defesa administrativa do apelado, inexistindo a obrigação de indenizar. Assim, julgou a ação parcialmente procedente para declarar prescrita a pretensão punitiva estatal, determinando o retorno imediato do apelado às funções do cargo de Delegado da Polícia Civil, bem como indeferindo o pedido de indenização por danos morais. Diante desse resultado, o recorrente interpôs apelação cível às fls. 553/587, sustentando, de início, que existe litisconsórcio passivo necessário entre o apelado e os demais servidores da Polícia Civil envolvidos no processo administrativo, vez que teriam suas esferas jurídicas invadidas R. Dout. Jurisp. AM

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pela decisão proferida na ação originária. Adiante, no que tange à prescrição da pretensão punitiva estatal, defende que, em se tratando de infração disciplinar também tipificada como crime pelas leis penais, o prazo prescricional do processo administrativo disciplinar terá disciplina igual ao do Código Penal, consoante o artigo 168, da Lei Estadual nº 1.762/1986, aplicável aos policiais estaduais, por força do artigo 9º da Lei Estadual nº 2.271/1994 (Estatuto dos Policiais Civis do Amazonas). Aduz que a prescrição se configurará em 20 (vinte) anos, obedecendo ao disposto no inciso I do artigo 109 do Código Penal, considerando-se a somatória das penas máximas abstratas a serem aplicadas pela prática dos crimes imputados, em concurso material. Afirma também que o servidor público não possui direito adquirido a regime jurídico, ou seja, à imutabilidade do estatuto. Tendo por base o princípio da independência das instâncias civil, penal e administrativa, assevera que não é exigida tramitação de inquérito policial ou de processo penal concomitante ao processo administrativo, bastando que a infração disciplinar seja também capitulada como crime para que sejam aplicados os prazos do Código Penal, conforme dispõe o artigo 140, § 2º, da Lei nº 3.278/2008. Ademais, noticia que a jurisprudência do STJ entende que a prorrogação da conclusão do processo administrativo disciplinar não tem o condão de invalidar o procedimento, desde que tenham sido assegurados ao servidor os princípios insculpidos na Constituição Federal. Diante disso, requer a reforma da sentença para que seja reconhecida a incidência da regra do artigo 140, § 2º, da Lei nº 3.278/2008, afastando-se a prescrição da pretensão punitiva do Estado. Em contraponto, o apelado apresentou contrarrazões às fls. 590/613, suscitando a intempestividade da contestação e, no que tange à formação de litisconsórcio, alega que a decisão R. Dout. Jurisp. AM

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proferida nos autos não altera a esfera jurídica dos demais Policiais envolvidos no procedimento disciplinar. Relativamente à configuração da prescrição, defende que não existe nos autos prova de que os fatos imputados ao apelado estejam sendo apurados em ação penal e que o Superior Tribunal de Justiça entende que só se aplica o prazo prescricional previsto na lei penal quando as condutas correspondentes também forem objeto de averiguação na esfera criminal. Pugna, assim, pela manutenção da sentença proferida pelo Juízo a quo. O recorrido, às fls. 612/613, requereu a reconsideração do despacho que recebeu a apelação no duplo efeito, para que fosse recebida somente no efeito devolutivo, o que foi deferido nos termos da decisão proferida às fls. 615/616. Por meio do expediente de fl. 622, o apelante afirma que o recebimento do recurso no efeito devolutivo não importa em cumprimento da tutela antecipada deferida inicialmente. À fl. 658, o Juízo originário lançou despacho, em que realizou nova admissão da apelação, recebendo-a no duplo efeito. O Graduado Órgão do Ministério Público Estadual, por sua vez, emitiu parecer às fls. 681/688, opinando, de pronto, pelo não acolhimento da alegação de formação de litisconsórcio, pois a regra do artigo 47 do Código de Processo Civil só se aplica ao litisconsórcio passivo, não havendo obrigatoriedade em relação ao pólo ativo da demanda. Entende que assiste razão ao apelante, pois quando a infração disciplinar também for tipificada como crime, deve-se aplicar os prazos prescricionais previstos na lei penal, alegando que as infrações administrativas imputadas ao apelado constituem crimes previstos no Código Penal e em lei penal extravagante, sendo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a aplicação do prazo prescricional penal está condicionada à apuração simultânea dos mesmos R. Dout. Jurisp. AM

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crimes em sede criminal. Informa que o apelado, juntamente com outros co-réus foi denunciado perante a 4ª Vara Federal do Amazonas, acusado exatamente dos mesmos crimes apontados no processo administrativo disciplinar nº 018/2003, os quais estão sendo apurados na ação criminal nº 2003.32.00.004491-7, que tramita no referido Juízo desde 03 de julho de 2003. Por isso, afirma que a pretensão punitiva estatal não prescreveu, devendo ser afastado o prazo prescricional administrativo, para que incida o prazo previsto na lei penal, de 20 (vinte) anos, tendo em vista a pena máxima abstrata aplicável aos crimes que são imputados ao apelado. Desse modo, opina pelo conhecimento do recurso, para que seja rejeitada a preliminar suscitada e provido o apelo, com a consequente reforma da sentença impugnada. É o relatório. VOTO Inicialmente, conheço do presente recurso, vez que preenchidos os seus requisitos de admissibilidade. Ab initio, examino a questão preliminar suscitada pelo apelante, que antecede o mérito propriamente dito, sendo esta a alegação de necessidade de formação de litisconsórcio entre o apelado e os demais envolvidos no procedimento disciplinar. De pronto, entendo que a referida questão, da maneira como defendida pelo apelante, vai de encontro ao direito que todos têm de não propor demanda contra a sua vontade, vez que corresponde a ato voluntário da parte, amparado pelo direito fundamental de agir. É o que expressam os seguintes julgados proferidos pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas INSTRUMENTO. PRELIMINARES. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. C I TA Ç Ã O D E L I T I S C O N S O RT E . DESNECESSIDADE. CONTRADITÓRIO EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARS. IMPOSSIBILIDADE. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. DECISÃO MANTIDA. 1 - Não há que se falar em litisconsórcio ativo necessário quando os interesses jurídicos submetidos ao crivo do Judiciário se restringem ao Autor da demanda originária, bem como não há como compelir alguém a ajuizar ação ou integrar o polo ativo de demandas já propostas e, por conseguinte, impõe-se a rejeição de preliminar de nulidade da decisão agravada pelo fato de “todos os demais participantes do processo licitatório para outorga de serviço de transporte público complementar rural” não terem ingressado como autores da ação principal. 2 - A concessão de antecipação dos efeitos da tutela na modalidade inaudita altera pars dispensa o prévio contraditório se demonstrados o prejuízo e a urgência da medida antecipatória, não havendo que se falar em nulidade de decisão antecipatória proferida em momento pretérito à citação dos Réus. 3 - Presentes os requisitos autorizadores previstos no artigo 273 do CPC, correta a decisão em que se deferiu parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela a fim de obrigar órgão da Administração Pública a respeitar o contrato de adesão entabulado, autorizando a parte Contratante a praticar a tarifa prevista contratualmente. 4 - Peculiaridades do caso concreto em que órgão da Administração Pública Distrital expediu ordens de serviço estabelecendo tarifas de uso de transporte coletivo com valor inferior ao previsto no Edital de Convocação de Licitação. Agravo de Instrumento desprovido. (Acórdão n. 556043, 20110020025614AGI, R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas Relator ANGELO PASSARELI, 5ª Turma Cível, julgado em 14/12/2011, DJ 09/01/2012 p. 225) AÇÃO DE USUCAPIÃO. COMPOSSUIDORES. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. A dificuldade de formação de litisconsórcio ativo necessário decorre da circunstância de que a propositura da ação constitui ato voluntário da parte e de que ninguém é obrigado a ser autor. Todavia, a exigência da presença de outrem no pólo ativo da relação processual pode encerrar risco à prestação jurisdicional de quem quer demandar. Assim, não se pode condicionar a ida de alguém a Juízo à vontade de outrem, sob pena de afronta ao direito fundamental de acesso à Justiça, inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal. Quando a resolução da controvérsia for uniforme em relação a todos os moradores, há necessidade de que sejam citados para integrar a relação processual (art. 47, caput e parágrafo único do CPC). Precedentes do STJ. Agravo de instrumento conhecido e provido.(Acórdão n. 523589, 20110020093506AGI, Relator WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 2ª Turma Cível, julgado em 13/07/2011, DJ 02/08/2011 p. 91)

Dada a aludida premissa, rejeito a preliminar, reputando improcedente a alegação de que se faz necessária a formação de litisconsórcio entre o apelado e os outros policiais civis arrolados no processo administrativo disciplinar nº 018/2003, considerando que ninguém é obrigado a ajuizar demanda contra a sua vontade. Adiante, no tocante à preliminar sustentada pelo apelado, nas suas contrarrazões, sobre a intempestividade da contestação apresentada pelo apelante e a aplicação da revelia, julgo-a improcedente, em virtude da indisponibilidade do direito do ente estatal de apurar as infrações administrativas e penais relativamente às quais o apelado é acusado, o que afasta a incidência dos efeitos correspondentes, a teor do artigo 320, R. Dout. Jurisp. AM

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inciso II, do Código de Processo Civil: Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado do artigo antecedente: [...] II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis.

A título de fundamentação, transcrevo o seguinte julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. DIREITOS INDISPONÍVEIS D O E N T E E S TATA L . A U S Ê N C I A D E SINALIZAÇÃO. PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL. SUFICIÊNCIA. MATÉRIA DE PROVA. FISCALIZAÇÃO POR AGENTE PÚBLICO. LEGITIMIDADE. EQUIPAMENTOS DE CONTROLE DE VELOCIDADE. ADEQUAÇÃO. NORMAS DO CONTRAN. RESOLUÇÃO 136/2002-CONTRAN. IRRETROATIVIDADE. HONORÁRIOS. CAUSA DE PEQUENO VALOR. FIXAÇÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. PROCEDÊNCIA. 1. Mesmo que faticamente a Fazenda Pública tenha ultrapassado o prazo legal para apresentar sua contestação, diante da indisponibilidade do direito do referido ente, sua intempestividade não tem potencialidade para gerar os efeitos da revelia. 2. A prova testemunhal e documental, ausente de vícios, aponta suficiência quanto à existência de sinalização anterior ao "radar", principalmente quando não há prova em contrário. 3. O depoimento de policial somado à presunção de legitimidade e de veracidade dos atos administrativos é suficiente para afastar a alegação de que a fiscalização não foi realizada por agente público, sobretudo quando não há R. Dout. Jurisp. AM

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É necessário atentar que o Estado do Amazonas não deixou de oferecer a peça contestatória, apresentando-a fora do prazo, ou seja, intempestivamente, hipótese esta que se enquadra nos termos do julgado transcrito acima, em que restou esclarecido que os efeitos da revelia não são gerados, em razão da indisponibilidade do direito do ente estatal. Tais direitos indisponíveis dizem respeito à natureza do objeto da demanda, qual seja, a apuração das infrações administrativas e penais imputadas ao apelado. Por obrigação, estas devem ser averiguadas pelo Estado, haja vista o seu poder-dever de agir nas circunstâncias do caso em tela, o que impossibilita a incidência dos efeitos da revelia, conforme autentica o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. TEMPESTIVIDADE DA APRESENTAÇÃO DA DEFESA PELO ESTADO DE MINAS GERAIS. ART. 240 DO CPC. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA REVELIA. DIREITOS INDISPONÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cinge-se a questão à tempestividade da contestação apresentada pelo Estado de Minas Gerais. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas 2. O Tribunal a quo considerou tempestiva a defesa apresentada pelo réu por considerar que: a) a carta precatória foi juntada em período de férias forenses e b) o termo inicial para a apresentação da peça é o dia útil posterior àquele em que se devia considerar a intimação realizada. 3. O parágrafo único do art. 240 do CPC dispõe que “as intimações consideram-se realizadas no primeiro dia útil seguinte, se tiverem ocorrido em dia em que não tenha havido expediente forense”. 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendimento segundo o qual, praticado o ato da juntada de prova da intimação nas férias, o termo inicial é o segundo dia útil do início do semestre forense. 5. Cumpre observar, em obiter dictum, ser impossível a aplicação dos efeitos da revelia na hipótese dos autos, por força do disposto no art. 320, II, do CPC, por a demanda envolver litígio sobre direito indisponível. 6. Agravo Regimental não provido. (AgRg no Ag 1113950/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2009, DJe 27/08/2009)

Ainda sobre a matéria, transcrevo os comentários de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de processo civil comentado. 11. ed. São Paulo: RT, p. 621): Direito indisponível. Mesmo que ocorra revelia (não contestação), se o direito posto em causa for indisponível (e.g., anulação de casamento), não ocorrem os efeitos da revelia. Neste caso, ainda que o réu não conteste, o autor tem de fazer a prova dos fatos constitutivos de seu direito (CPC 333 I), vedado ao juiz julgar antecipadamente a lide (CPC 320 II)". (Destaques no original)

Corroborando o que foi dito, cito também os ensinamentos de Daniel Assumpção Neves (Manual de Direito R. Dout. Jurisp. AM

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Processual Civil, 3.ª edição, editora Método, p. 385): Diz o art. 320, II, do CPC que não se reputam os fatos verdadeiros na revelia se o litígio versar sobre direitos indisponíveis. Em razão da natureza não patrimonial de alguns direitos, não se permite ao juiz dispensar o autor do ônus probatório ainda que o réu seja revel. A indisponibilidade do direito é a justificativa para impedir o juiz que repute como verdadeiros os fatos diante da revelia da Fazenda Pública, aplicando-se ao caso concreto o princípio da prevalência do interesse coletivo perante o direito individual e a indisponibilidade do interesse público. (destaquei)

Como bem aclarado na última preleção, os efeito da revelia não incidem quando se trata de direitos indisponíveis, como o direito que o Estado possui de apurar as infrações pelas quais o autor é acusado, sob pena de afronta aos princípios da prevalência do interesse coletivo perante o direito individual e a indisponibilidade do interesse público. Portanto, considerando que se trata de direito indisponível do Estado de apurar infrações imputadas a servidor público, sejam elas administrativas e também capituladas na legislação penal, como no caso vertente, que caracterizam as condutas praticadas pelo apelado, não cabem os efeitos da revelia, por expressa disposição processual, nos termos do artigo 320, inciso II, do Código de Processo Civil, assim como na esteira da jurisprudência citada ao norte. Por conseguinte, rejeito a preliminar suscitada pelo apelado, referente à intempestividade da contestação apresentada pelo apelante. Posto isso, passo a examinar o argumento referente à prescrição da pretensão punitiva estatal, que diz respeito ao mérito do recurso ora sub judice. Inicialmente, faz-se necessário examinar a R. Dout. Jurisp. AM

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argumentação referente à aplicabilidade da Lei Estadual nº 2.271/1994, que estabelecia, no artigo 51, o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias para prescrição da ação disciplinar no caso da pena de demissão, ou da Lei Estadual nº 3.278/2008, que revogou aquela, fixando, no artigo 140, o prazo de 5 (cinco) anos para a mesma consequência jurídica. Colima observar, de logo, que o artigo 51 da Lei Estadual nº 2.271/1994, não se aplica neste caso, uma vez que revogado pelo artigo 140 da Lei Estadual nº 3.278/2008, que estabeleceu novos prazos para a prescrição da ação disciplinar. Digo isso, pois, quando se trata da aplicação da lei no tempo, a lei nova possui efeito imediato e geral, com a ressalva de que devem ser respeitados o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. Mas não se pode olvidar que, em se tratando de servidor público, não há falar em direito adquirido a regime jurídico, o que, no presente caso, afasta a aplicabilidade das regras contidas na Lei nº 2.271/1994, para legitimar a incidência daquelas previstas na Lei nº 3.278/2008. Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR ESTADUAL. MILITAR. MUDANÇA DE VENCIMENTOS PARA SUBSÍDIOS. NÃO HÁ DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE REDUÇÃO. INEXISTENTE. ENQUADRAMENTO. OBSERVÂNCIA DA PROPORÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Cuida-se de recurso ordinário contra acórdão que denegou a segurança em pleito fundado na alegação de existência de decesso remuneratório, bem como na violação ao efetuar o enquadramento no novo marco legal de remuneração, derivado da Lei Complementar Estadual nº 127/2008. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas 2. É consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que os servidores públicos não possuem direito adquirido ao regime jurídico, mesmo no caso de aposentadorias, sendo somente vedada a redução, em observância à Constituição Federal. Precedentes: AgRg no RMS 29.992/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 23.8.2011; e MS 33.346/PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 31.5.2011. 3. No caso concreto, ao cotejar os contra-cheques do impetrante, juntados aos autos (fls. 20-21), evidencia-se que não houve redução da aposentadoria quando da mudança do marco legal de vencimentos para subsídios. 4. Não prospera a alegação de que houve equívoco no enquadramento do servidor aposentado; foi demonstrado que o ato foi realizado com base na mesma proporção (26 de 30 avos; ou 86,7%) que havia sido observada quando da concessão. Precedente específico: RMS 30.118/MS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 23.11.2009. Recurso ordinário improvido. (RMS 36.968/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 07/03/2012)

Desse modo, por não possui direito adquirido a regime jurídico, a situação funcional do apelado deve ser regida pela Lei Estadual nº 3.278/2008, que passou a viger com efeitos imediatos e gerais, estabelecendo novos prazos de prescrição para a ação disciplinar, revogando a Lei Estadual nº 2.271/1994. Sendo assim, para o caso vertente, é necessário que seja observado o teor do artigo 140, inciso I, § 2º, da Lei nº 3.278/2008, que institui o regime disciplinar dos servidores do Sistema de Segurança Pública do Estado do Amazonas: Art. 140. A ação disciplinar prescreve: R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas I – em cinco anos, para as infrações puníveis com demissão, destituição de cargo em comissão ou função gratificada e cassação de aposentadoria ou disponibilidade; § 2º Os prazos de prescrição previstos no Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e nas demais leis penais especiais, se superiores ao previsto no caput, aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

Extrai-se da redação dessa norma que os prazos prescricionais previstos no Código Penal e nas demais leis penais extravagantes devem ser aplicados às infrações disciplinares também capituladas como crime, se superiores ao prazo quinquenal estabelecido pelo inciso I do supratranscrito artigo 140. O apelado, no processo administrativo disciplinar mencionado, foi denunciado pela prática de receptação (art. 180, pena máxima de 4 anos), adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311, pena máxima de 6 anos), contrabando ou descaminho (art. 334, pena máxima de 4 anos), crimes estes previstos no Código Penal, assim como pelas condutas de porte ilegal de arma de fogo de calibre restrito (art. 10, § 2º, pena máxima de 4 anos, somados a mais 2 anos, por ser servidor público, conforme o § 4º) e supressão de marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo (art. 10, § 3º, inciso I, pena máxima de 4 anos, somados a mais 2 anos, por ser servidor público, conforme o § 4º), previstas em legislação penal extravagante, qual seja, a Lei Federal nº 9.437/1997 (Estatuto do Desarmamento), cuja somatória indica a aplicação de prazo prescricional que sobreleva-se à prescrição administrativa de cinco anos. Tendo em vista que as circunstâncias do caso em tela subsumem-se aos termos normativos contidos no inciso I do artigo 140 da Lei nº 3.278/2008, evidencia-se a incidência dos R. Dout. Jurisp. AM

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prazos prescricionais previstos na legislação penal, considerando-se a somatória das penas máximas em abstrato aplicadas aos crimes imputados ao apelado, a qual poderá ultrapassar o patamar de 20 (vinte) anos, inserto no inciso I do artigo 109 do Código Penal. No entanto, tal peculiaridade não se concretiza, tão somente, pela configuração da hipótese prevista no citado § 2º do artigo 140 da Lei nº 3.278/2008, pois o Superior Tribunal de Justiça entende que a aplicação do prazo prescricional previsto na legislação penal encontra-se condicionada à apuração de infrações administrativas, também previstas como crime, em ação penal. Nesse sentido, vejam-se os seguintes julgados proferidos pela Colenda Corte Superior de Justiça: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. INEXISTÊNCIA DE APURAÇÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DO PRAZO ADMINISTRATIVO. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. PRECEDENTES. 1. A regra geral do prazo prescricional para a punição administrativa de demissão é de cinco anos, nos termos do art. 142, I, da Lei n. 8.112/90, entre o conhecimento do fato e a instauração do processo administrativo disciplinar. 2. Quando o servidor público comete infração disciplinar também tipificada como crime, somente se aplicará o prazo prescricional da legislação penal se os fatos também forem apurados em ação penal. 3. Precedentes: RMS 19.087/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 19.6.2008, DJe 4.8.2008; MS 12.884/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 9.4.2008, DJe 22.4.2008; RMS 18.688/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 9.2.2005. 4. No presente caso não há notícia de apuração R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas criminal, razão pela qual deve ser aplicado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, previsto no art. 142, I, da Lei n. 8.112/90. 5. É incontroverso nos autos que os fatos desabonadores foram conhecidos pela Administração em 7.4.2000, e que o prazo prescricional foi interrompido em 7.3.2008, com a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), caracterizando a prescrição quinquenal para a punição dos servidores públicos. Segurança concedida. (MS 15.462/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/03/2011, DJe 22/03/2011) MANDADO DE SEGURANÇA. AUDITORA F I S C A L D A R E C E I TA . P R O C E S S O A D M I N I S T R AT I V O D I S C I P L I N A R . IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO CPB. AUSÊNCIA DE CÓPIA DO PAD. IMPOSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DO TERMO INICIAL DO LAPSO TEMPORAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO NA ESMERADA POSIÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA. PROCESSO EXTINTO, SEM APRECIAÇÃO DE MÉRITO. 1. Evidenciado nos autos que a conduta da impetrante foi objeto de apuração na esfera criminal, existindo, inclusive, sentença penal condenatória, a prescrição da sancionabilidade do ilícito administrativo se regula pelo prazo prescricional previsto na Lei Penal (art. 142, § 2o. da Lei 8.112/90). Precedentes. 2. O pedido de segurança há de ser instruído com documentos que revelem, de plano, a existência de direito subjetivo na esmerada posição de R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas liquidez e certeza, sem o que não se possibilita o trânsito do pleito mandamental; a restrição probatória, na ação mandamental, desde a sua mais recuada elaboração, sempre pertenceu à inadmissibilidade de dilação, por descaber, no seu âmbito, a produção desses elementos elucidadores de fatos, o que importaria na sua ordinarização e perda do seu status de medida excepcional. 3. Não há, nos autos, cópia integral do Processo Administrativo Disciplinar, o que inviabiliza a análise apurada das alegações feitas pela impetrante. A simples juntada de cópia da capa dos autos do referido procedimento não traz ao conhecimento desta Corte as informações necessárias para a aferição do termo inicial do prazo prescricional. 4. Processo mandamental extinto sem apreciação de seu mérito, com ressalva das vias ordinárias. Agravo Regimental prejudicado. (MS 14.320/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 14/05/2010) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL. INEXISTÊNCIA DE APURAÇÃO DA PRÁTICA DE CRIME. INAPLICABILIDADE DA LEI PENAL. INCIDÊNCIA DO PRAZO DA NORMA A D M I N I S T R AT I VA D E R E G Ê N C I A . RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. À infração disciplinar também capitulada como crime, aplica-se o prazo de prescrição previsto na lei penal, desde que haja a regular apuração criminal, o que, in casu, não ocorreu. Portanto, deve ser aplicado à hipótese o prazo prescricional da norma administrativa de regência, R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas qual seja, a Lei Estadual n.º 10.460/88. Precedentes. 2. Inexistindo qualquer fundamento relevante que justifique a interposição de agravo regimental ou que venha infirmar as razões consideradas no julgado agravado, deve ser mantida a decisão por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RMS 17.766/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2006, DJ 12/02/2007, p. 273)

Destaque-se, ainda, que esta Primeira Câmara Cível já decidiu questão similar nesse sentido, em caso relatado pelo eminente Desembargador Paulo Lima, no julgamento da apelação cível nº 2010.003338-5, ocorrido em 11 de abril de 2011, publicado em 18 de abril de 2011, cuja ementa transcrevo a seguir: APELAÇÃO CÍVEL PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRELIMINAR. IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIR O LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO ATIVO APÓS A CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. MÉRITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA. FALTA DISCIPLINAR TAMBÉM PREVISTA COMO CRIME. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA LEI PENAL. DESNECESSÁRIO O AGUARDO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO PENAL, EM VIRTUDE DA INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CIVIL E CRIMINAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: DEMISSÃO. ILÍCITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL. INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. PRESCRIÇÃO: Lei nº 8.112/90, art. R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas 142. I. Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal instaurada contra o servidor por crime contra a administração pública, tendo em vista a autonomia das instâncias. II. - Precedente do STF: MS 23.401-DF, Velloso, Plenário. III. - Na hipótese de a infração disciplinar constituir também crime, os prazos de prescrição previstos na lei penal têm aplicação: Lei 8.112/90, art. 142, § 2º. Inocorrência de prescrição, no caso. IV. - Alegação de flagrante preparado: alegação impertinente no procedimento administrativo. V. - Mandado de segurança indeferido. (MS 23242, Relator (a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/04/2002, DJ 17-05-2002 PP00059 EMENT VOL-02069-01 PP-00096 RTJ VOL-00191-01 PP-00151) (grifo nosso) (Processo: APL 20100033385 AM 2010.003338-5. Relator(a): Des. Paulo Cesar Caminha e Lima. Julgamento: 11/04/2011. Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível. Publicação:18/04/2011. Parte(s): Apelante: Francisco Ubiracy Goes Marques. Advogado: Antônio Azevedo de Lira. Apelado: Estado do Amazonas. Procª: Lisieux Ribeiro Lima)

Consoante demonstra o Graduado Órgão do Ministério Público Estadual no parecer lançado nos autos, juntamente com a documentação anexada, por meio de consulta ao sistema informatizado da Justiça Federal, verificou-se que o apelado é réu na ação penal nº 2003.32.00.004491-7, que tramita perante a 4ª Vara Federal do Amazonas, acusado das mesmas condutas apuradas no processo administrativo disciplinar nº 018/2003. Assim sendo, existindo ação penal instaurada contra o apelado para apurar as mesmas condutas investigadas na esfera administrativa, resta patentemente demonstrada a R. Dout. Jurisp. AM

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viabilidade de aplicação dos prazos prescricionais previstos na legislação penal, em detrimento do prazo prescricional administrativo, de cinco anos, estabelecido no inciso I do artigo 140 da Lei nº 3.278/2008 E não se cogite argumentar que o Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, não pode juntar documentos necessários ao deslinde da questão submetida a julgamento, já que o artigo 83, inciso II, do Código de Processo Civil, normatiza a referida hipótese, legitimando essa conduta processual do Parquet. Veja-se o teor da sobredita norma: Art. 83. Intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público: [...] II – poderá juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade.

Corroborando o texto normativo transcrito acima, cito o seguinte julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que autentica esse raciocínio: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE PARA RECORRER. SÚMULA 99 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATUAÇÃO COMO FISCAL DA LEI. JUNTADA DE DOCUMENTOS E PRODUÇÃO DE PROVAS. ART. 83, INCISOS I E II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. AFASTADA. RETORNO DOS AUTOS À CORTE DE ORIGEM. NECESSIDADE. 1. Nos termos da Súmula 99/STJ: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”, inclusive nas causas R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas relativas a direitos individuais disponíveis. Precedentes do STJ. 2. Por expressa determinação contida no art. 83, incisos I e II, do Código de Processo Civil, o Ministério Público, agindo na condição de fiscal da lei, tem a prerrogativa de juntar documentos e produzir provas. 3. Na hipótese, o parquet do Distrito Federal fez anexar a seu parecer documentos que, em tese, teriam o condão de corroborar as alegações veiculadas na peça exordial. Assim, a aludida documentação deveria ter sido levada em consideração pelo Tribunal de origem quando do julgamento do writ, o que afasta o fundamento relativo à ausência de prova pré-constituída. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e provido. (RMS 27.455/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2011, DJe 21/11/2011)

Trago, ainda, julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre o tema: A D M I N I S T R AT I V O . A D I C I O N A L D E INSALUBRIDADE. PEDIDO DE PAGAMENTO DO BENEFÍCIO NOS PERÍODOS DE ABRIL DE 2003 A FEVEREIRO DE 2004, BEM COMO DE INCIDÊNCIA SOBRE O SALÁRIO MÍNIMO NO PERÍODO DE MARÇO A SETEMBRO DE 2004. JULGAMENTO NO JUÍZO A QUO QUE ACOLHEU SOMENTE A PRIMEIRA SOLICITAÇÃO. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO VÍNCULO ESTATUTÁRIO COM A MUNICIPALIDADE. INEXISTÊNCIA, CONTUDO, DE IMPUGNAÇÃO DO MUNICÍPIO QUANTO A ESSA QUESTÃO. ARGUMENTAÇÃO RECHAÇADA. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. SERVIDORA PÚBLICA QUE TEVE RECONHECIDO, POR PARTE DA R. Dout. Jurisp. AM

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Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Amazonas ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, O DIREITO À PERCEPÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE A PARTIR DE SETEMBRO DE 2004. PRESUNÇÃO DO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DE AGENTE COMUNITÁRIA DE SAÚDE EM CONDIÇÕES INSALUBRES. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE OUTRAS PROVAS. JULGADOS DESTA CORTE DE JUSTIÇA NESSE SENTIDO. “É inegável que o representante do Ministério Público, ao intervir como fiscal da lei, possui a prerrogativa de juntar documentos, produzir provas em audiência e de requerer medidas ou diligências que entender necessárias ao descobrimento da verdade, conforme determina o art. 83, inc. II, do Código de Processo Civil. Todavia, se a diligência requerida se mostrar absolutamente desnecessária ao deslinde da questão sub judice, não gera a nulidade do feito a ausência de pronunciamento jurisdicional a respeito” (Apelação Cível n. 2007.008278-0, de Itajaí, rel. Des. Luiz César Medeiros). [...] Ação Cível n. 2007.060914-6, de Itajaí, rel. Des. Vanderlei Romer)

Assim sendo, tenho como válida e diligente a atuação do Ministério Público Estadual neste caso, relativamente ao conteúdo do parecer lançado nos autos, quando informa sobre a existência da ação penal mencionada acima, bem como ao juntar os documentos que comprovam a veracidade das informações correspondentes. De tudo, julgo superada as alegações iniciais acerca da necessidade de formação de litisconsórcio necessário, considerando que ninguém é obrigado a deduzir pretensão contra a sua vontade, assim como referente à aplicação dos efeitos da revelia contra ente estatal, haja vista a indisponibilidade dos direitos que o revestem. De outro modo, reputo procedente o argumento referente R. Dout. Jurisp. AM

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à pretensão punitiva estatal, entendendo que esta não se encontra prescrita, diante da aplicabilidade, no caso vertente, dos prazos contidos na legislação penal, porquanto as condutas imputadas ao apelado no âmbito administrativo também constituem crimes previstos no Código Penal e em legislação penal extravagante e estão sendo apuradas em ação penal que tramita na 4ª Vara Federal do Amazonas, o que se harmoniza com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Ante o exposto, em consonância com o teor do parecer do Graduado Órgão do Ministério Público Estadual, conheço da presente apelação cível, julgando-a procedente, desacolhendo as preliminares de formação de litisconsórcio necessário e de aplicação dos efeitos da revelia contra o apelante, e reformando a sentença proferida pelo Juízo a quo, no sentido de que não se configurou a prescrição da pretensão punitiva estatal, devendo-se aplicar os prazos prescricionais estabelecidos pelo Código Penal e pela legislação penal extravagante. É como voto. Manaus, _____ de __________ de 2012.

Desembargador JORGE MANOEL LOPES LINS Relator

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ADOÇÃO C/C DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR Vistos e examinados. Os adotantes ajuizaram Ação de Adoção c/c Destituição de Poder Familiar, em favor da criança adotanda, em face da requerida. Conforme documentos anexados às fls, os requerentes gozam de boa saúde física e mental, são pessoas honestas, não possuem antecedentes criminais nem distribuições cíveis, possuem condições financeiras necessárias e suficientes para garantir uma boa educação para a adotada. Relatório do Serviço Social se mostrou favorável ao prosseguimento do feito. Relatório do Setor de Psicologia opinou favoravelmente ao deferimento da adoção. Audiência consta, onde compareceram o requerente, a genitora e a adotada, foi assinado Termo de Consentimento, depois que lhe foram esclarecidas as consequências que viriam com a adoção. Manifestação do Ministério Público opinou pela procedência da ação, com a concretização da adoção. É sucinto o relatório. DA FUNDAMENTAÇÃO DAS PRELIMINARES Como não há preliminares, passo direto ao exame do R. Dout. Jurisp. AM

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mérito. DA ADOÇÃO A presente ação trata de questão peculiar, versa sobre uma adoção por casal homoafetivo, assunto delicado dentro de nosso ordenamento jurídico, uma vez que é questão extremamente recente e não há muitos precedentes. Porém devemos começar a analisar o caso dando destaque à Lei nº 12.010/09, relativamente recente ao nosso ordenamento e que veio para revolucionar tal questão tão polêmica, onde se lê em seu artigo 42: Art. 42 Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil." § 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (grifos nossos)

A lei revogou o Art. 1622 do Código Civil, onde expressava que o casal deveria ser homem e mulher, porém com essa nova legislação acerca do assunto, fica evidente que o sexo não mais importa para o legislador, para que o casal, sendo de sexos diferentes ou não, possa ter o direito de adotar uma criança, contanto que reste provado que possuem a estabilidade familiar que toda criança que está sendo adotada necessita. Logo, o que tem que ser averiguado neste caso é se nessa entidade familiar está presente as características da estabilidade: a durabilidade e a continuidade, ambas já comprovadas por relatórios da equipe técnica deste Juizado. R. Dout. Jurisp. AM

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Trago a baila também, apoio na Lei Maior, a Constituição Federal: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar [...].

Veja bem, porquanto o legislador fala em homem e mulher, o art. 226 hora alguma exclui de forma expressa a entidade familiar de sexos iguais, apenas não a destacou, estando sua idéia implícita em seu caput, logo devendo-se interpretar a lei tendo em seu raciocínio os princípios fundamentais da pessoa humana. Sendo assim, fica esclarecido que a lei constitucional também reconhece que qualquer tipo de entidade familiar merece a proteção devida. Ora, não seria justo e até inconstitucional dar tal proteção apenas para famílias de sexos diferentes, pois seria evidente uma discriminação por parte do âmbito jurídico, ação essa que nossa Carta Magna repudia e condena expressamente. Cito o livro “A Disciplina Civil-Constitucional das Relações Familiares”, de Gustavo Tepedino, onde defende a ideia de que o conceito de família nunca foi rígido, modificandose assim ao passar do tempo. Atualmente, ele não se restringe apenas ao casamento de pessoas do sexo oposto, tendo base inclusive em jurisprudência contemporânea. Os requerentes, não apresentam nenhum quesito de fato, econômico ou afetivo, que inviabilize a adoção por eles pleiteados. Pois é válido lembrar que a adoção em si nunca busca canais naturalísticos, e sim um conceito puramente jurídico, não consangüíneo, exemplo maior disso é a possibilidade jurídica de adoção unilateral, onde uma pessoa sozinha tem a possibilidade de adotar e constituir família. R. Dout. Jurisp. AM

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Portanto o que se faz necessário avaliar aqui não é a homossexualidade, e sim as condições reais psicológicas, materiais e afetivas dos pretendentes à adoção, pois é dever do juiz levar em consideração as condições e vantagens às quais o adotando será submetido, fundados em motivos legítimos e sempre atento ao que é melhor para o bem-estar da criança e, verdade seja dita, a configuração familiar dos requerentes não é obstáculo para que a infante cresça em uma família harmônica e bem estruturada. Trago a conhecimento caso julgado na 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, onde Ministério Público apelou, uma vez que pretendia limitar a idade da criança para ser adotada por casal homoafetivo: APELAÇÃO CÍVEL N°. 648257-5 DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 2ª VARA DA INFÂNCIA, DA JUVENTUDE É ADOÇÃO APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ APELADO: J. S. B. J. RELATOR : DES. COSTA BARROS. APELAÇÃO CÍVEL - HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO - ADOTANTE HOMOSSEXUAL LIMITAÇÃO DE IDADE DO ADOTANDO AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO DESPROVIDO. A adoção é um ato que envolve a criação de vínculos afetivos, onde pais e filhos se adotam na nova relação, independentemente da orientação sexual dos adotantes. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 648257-5, da 2ª Vara da Infância, da Juventude e Adoção do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é apelante o R. Dout. Jurisp. AM

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e apelado J. S. B. J. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, em face dos termos da r. sentença exarada nos autos de Habilitação para Adoção, sob n. 2008.000526-9, a qual julgou procedente o pedido de inscrição para adoção formulado por J. S. B. J., com fundamento nos §§ 1º e 2º do art. 50, do Estatuto da Criança e do Adolescente (46/62). Inconformada com a decisão recorre a ilustre representante ministerial, Dra. Marília Vieira Frederico, aduzindo que, por se tratar de pedido de adoção feito por homossexual, deve ser deferida apenas para adoção de pessoas com 12 anos de idade ou mais, porque estas têm condições de opinar se querem participar de uma família homoafetiva ou não, haja vista não se tratar de modelo familiar tradicional, motivo que poderá levar a criança a discriminação no meio social. Por tais razões, requer o provimento do recurso com a limitação em 12 anos da idade mínima do adotando. O apelado apresentou contra-razões, alegando que não pode ser discriminado em face da sua sexualidade, uma vez que preenche todos os requisitos previstos na lei. Requer o desprovimento do recurso. A juíza a quo manteve a decisão, na fase do art. 198, inciso VII do ECA. É o relatório.

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VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, conheço do recurso. A questão trazida a esta Corte limita-se a imposição ou não de limite mínimo de idade, no caso, 12 anos, para o deferimento de pedido de habilitação feito por homoafetivo. A pretensão manifestada por J. S. B. J. é adotar, individualmente, criança com idade entre 0 e 3 anos, de cor branca a morena, independentemente de sexo, podendo ser a criança HIV positivo ou com problemas reversíveis, aceitando inclusive irmãos, tendo o mais velho até três anos de idade (f. 21/24). Pois bem, verifica-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 29 e 50, §§ 1º e 2º não traz limitação de idade ao adotando, prevendo, sim, que haja compatibilidade da pessoa do adotante com a natureza da medida e a colocação da criança num ambiente familiar adequado. No caso, entende a douta Promotora de Justiça que somente a criança com 12 anos de idade ou mais poderia escolher se quer fazer parte de uma família sem os contornos da família tradicional com enfrentamento de todas as ordens, referindo-se ao fato do pretenso pai ser homossexual, f. 64/76. Ora, em que pese a preocupação da douta promotora de justiça, ela não se mostra impeditiva do direito do apelante pretender adotar criança com menor idade, a fim de criar vínculos afetivos de pai em relação ao filho. Certo é que, quanto mais idade tem a criança, mais difícil é a sua adaptação num ambiente familiar diverso do modelo tradicional, posto que ela já tenha conceitos e preconceitos formados, muitas vezes estigmatizados pela sociedade. Por outro lado, não se pode dizer que essa forma de relação familiar traga prejuízos à criança, sejam de ordem R. Dout. Jurisp. AM

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moral, social ou afetiva. Acerca do tema, ANA CARLA HARMATIUK MATOS, leciona: 1 O que deve importar são as características pessoais dos pais (ou dos candidatos à adoção), sua capacitação, sua habilidade nos âmbitos emocional e patrimonial quanto às questões tão peculiares exigidas pelo universo da paternidade e maternidade.

E, mais adiante, observa: 2 [...] pesquisas realizadas pela Associação Americana de Psicologia indicam que "não há um único estudo que tenha constatado que as crianças de pais homossexuais e de lésbicas teriam qualquer prejuízo significativo em relação às crianças de pais heterossexuais. [...] o ambiente promovido por pais homossexuais e lésbicas é tão favorável quanto os promovidos por pais heterossexuais para apoiar e habilitar o crescimento 'psicológico das crianças'. A maioria das crianças em todos os estudos funcionou bem intelectualmente e 'não demonstrou comportamentos ego-destrutivo prejudiciais à comunidade'. Os estudos também revelam isso nos termos que dizem respeito às relações com os pais, auto-estima, habilidade de liderança, egoconfiança, flexibilidade interpessoal, como também o geral bem-estar emocional das crianças que vivem com pais homossexuais não demonstravam diferenças daqueles encontrados com seus pais heterossexuais.

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Em caso semelhante, já tive a oportunidade de acompanhar o voto do ilustre juiz, hoje Des. D'Artagnan Serpa Sá, cuja ementa cita-se: APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO. SENTENÇA TERMINATIVA. QUESTÃO DE MÉRITO E NÃO DE CONDIÇÃO D A A Ç Ã O . H A B I L I TA Ç Ã O D E F E R I D A . LIMITAÇÃO QUANTO AO SEXO E À IDADE DOS ADOTANDOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DOS ADOTANTES. INADMISSÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. APELO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Se as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, a merecer tutela legal, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê. 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento".3 Do seu conteúdo, extrai-se: "Quando invocamos o artigo 45 do Estatuto da Criança e do Adolescente e propagamos o direito destes de se manifestar sobre a própria adoção e sobre a família a que irão pertencer, o fazemos nos casos em quem as crianças a serem, facultativamente, adotados tem idade e discernimento para tanto. Agora, impor aos apelantes crianças com estas características porque capazes de manifestar os seus preconceitos e aceitar ou não as intempéries

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de ter como pais um casal homossexual, é contrariar todo o discurso sobre igualdade e isonomia, princípios primordiais de garantia e direitos fundamentais.Veja-se, ainda, que é muito mais fácil para uma criança de pouco idade crescer amando e respeitando seus pais adotivos, quaisquer que seja, com todas as suas particularidades, pautadas em valores éticos e morais apropriados à nova sociedade que se apresenta em lenta, mas gradual, mutação e com a qual temos a obrigação de contribuir, do que para as crianças e adolescentes que já tem enraizados os seus preconceitos e falsas impressões sobre uma relação homoafetiva. Ademais, diante da possibilidade de pessoas solteiras adotarem, como inclusive é o caso dos autos, apresenta-se, como condição mais importante para a adoção, que as crianças órfãs, abrigadas, sejam amadas, respeitadas e tenham a oportunidade de vivenciar uma relação familiar, seja ela constituída por famílias monoparentais, tradicionais ou mesmo homoafetivas. Na verdade, a adoção envolve a criação de vínculos afetivos, onde pais e filhos se adotam na nova relação, independentemente da orientação sexual dos adotantes. Ante o exposto, voto pelo desprovimento do recurso de apelação. ACORDAM os magistrados integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do R. Dout. Jurisp. AM

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Relator. Participaram do julgamento os Senhores Magistrados: DES. JOSÉ CICHOCKI NETO e JUIZ CONV. MARCOS S. GALLIANO DAROS. Curitiba, 12 de maio de 2010. DES. COSTA BARROS Relator

Ficou claro que outros tribunais concordam com a nossa opinião, no sentido de que a adoção é viável para a criança, desde que p seu deferimento traga reais vantagens ao beneficiado. O alicerce, portanto, do pedido de adoção reside no estabelecimento de relação afetiva mantida entre os requerentes e a criança, em decorrência de ter formado verdadeira entidade familiar. Desse arranjo familiar, sobressai o cuidado inerente em reciprocidade e em relação ao filho, considerando a família como espaço para dar e receber cuidados. Quanto aos requisitos para adotar: reais vantagens para a adotanda e motivos legítimos dos requerentes. O primeiro requisito está devidamente preenchido, uma vez que já restou comprovado que os requerentes oferecem à menor ambiente familiar adequado (artigo 29 do ECA). Igualmente, o segundo pressuposto, também está configurado, já que demonstram total afeição com a criança em tela, externando laços de carinho e afeto, construído dentro de um período de tempo razoável, conforme alegado. DA DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR No presente caso, verifica-se que a destituição do poder familiar, providência extrema de extinção do poder familiar, é medida em rigor que se impõe. Assim, aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos, a teor do artigo 22 da R. Dout. Jurisp. AM

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Lei nº 8.069/90 c.c. artigo 1.638, inciso II, do Código Civil. Esse dever contempla o “zelo material e moral para que o filho fisicamente sobreviva e através da educação forme seu espírito e seu caráter” (RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 353. Vol. 6). Cumpre ressaltar que o pedido em tela não se restringe a falta ou carência de recursos, o que per si inviabilizaria o pedido, mas ao abandono da Requerida, cujo ato de perda, depende de decisão judicial. Todavia, ainda que isso fosse verossímel, não se justificaria o total descaso em detrimento do filho. Isso porque a legislação civilista e menorista perfilham a doutrina da proteção integral a criança e ao adolescente. Diante desse quadro, pela natureza das normas aplicáveis ao caso concreto – Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente – o Direito do Menor é ius cogens, onde o Estado utiliza-se dos mecanismos de imperatividade e coercibilidade para exercer a função protetiva e ordenadora a casos como estes. Vê-se, assim, que o interesse dos menores deve prevalecer aos eventuais interesses dos pais. O abandono a que a menor foi submetido, revela-se mais preocupante com os eventuais interesses que possam remanescer de seus genitores. Assim decidiram nossos tribunais: ECA. GUARDA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. Nas ações relativas aos direitos de crianças, devem ser considerados, primordialmente, os interesses dos infantes. Os princípios da moralidade e impessoalidade devem, pois, ceder ao princípio da prioridade absoluta à infância, insculpido no art. 227 da Constituição Federal. Apelo provido. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70008140303, SÉTIMA CÂMARA

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CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: MARIA BERENICE DIAS, JULGADO EM 14/04/2004) (NLPM) ECA. Destituição de pátrio poder. Pais da menor sem condições pessoais de manter a filha, visto omissos e negligentes, além de infratores na esfera penal e consumidores de drogas. Impossibilidade de mantença da guarda da menor em mãos da avó materna, porque inalterado o ambiente de convivência daquela com os destituídos. Decisão mantida (TJRS. Ap. Civ. 599031390, 2ª C. de Férias Civ., Rel. Breno Pereira da Costa Vasconcellos, j. 13/04/1999) EMENTA: ECA. DESTITUIÇÃO DE PATRIO PODER. Havendo prova de que as crianças estão relegadas ao abandono moral e material, uma vez que seus pais não lhes prestam a devida assistência de que necessitam para que tenham um desenvolvimento saudável, opera-se a destituição do pátrio poder. apelo improvido." (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003117330, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM 06/03/02) (g.N)

Assim, este Juízo verifica que não resta outra solução, a não ser a aplicação do postulado da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, segundo o melhor interesse para o menor. Desta feita, a assistência moral e psicológica encontram-se dentro do dever de proteção integral, devendo haver a destituição do poder familiar neste caso.

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DECISÃO Ante o exposto e, pelo que demais consta dos autos, em consonância com pedido do Ministério Público, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para decretar a destituição do poder familiar da REQUERIDA sobre a filha, com fundamento nos artigos 22 da Lei nº 8.069/90 e artigo 1.634 do Código Civil. Outrossim, defiro a ADOÇÃO da criança em favor dos requerentes, em caráter irrevogável, nos termos do artigo art. 1.618 do Código Civil, e artigos 39, 46, § 1°, 47 da Lei nº 12.010/09, pelo que determino: 1) O cancelamento do registro original, com a abertura de um novo, neste constando os autores como pais, sendo vedada qualquer observação quanto à origem do ato; 2) deverá do novo assentamento constar como avós, sendo também vedada qualquer observação quanto à origem do ato; 3) O nome da criança deverá se chamar o que consta na certidão. Caso os pretendentes já estejam cadastrados no Cadastro Nacional de Adoção - CNA, após o trânsito em julgado, determino a exclusão deles daquele cadastro. Sem custas e honorários, na forma do artigo 141, §2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Dê-se ciência ao Ministério Público. Decorrido o trânsito em julgado, expeça-se o necessário para cumprimento desta decisão. Dê-se baixa. Após, arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Manaus, 31 de outubro de 2012. Rebeca de Mendonça Lima Juíza de Direito R. Dout. Jurisp. AM

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EMBARGOS À EXECUÇÃO PROCESSO Nº 000263115.2012.804.0022 Embargante: Estado do Amazonas Procurador do Estado: Jefferson de Paula Viana Filho OAB/AM A-771 Embargado: Radson Rocha de Araujo Embargos à execução. Título executivo. Defensor dativo. Honorários advocatícios. A verba fixada em prol de defensor dativo em sentença judicial criminal consubstancia título executivo. O advogado tem direito de receber os honorários advocatícios fixados por arbitramento judicial com razoabilidade e proporcionalidade em favor de patrono nomeado ad hoc em processo criminal e cabe ao Estado o ônus desse pagamento.

SENTENÇA Vistos etc. I – RELATÓRIO Trata-se de Embargos à Execução aforados pelo Estado do Amazonas contra Radson Rocha de Araujo, ambos devidamente qualificados e representados, na qual requer a extinção da ação execução e a condenação do embargado ao pagamento do ônus da sucumbência. Narra que não poderia lhe ser imposta a obrigação de pagar honorários advocatícios do embargado sem ter tido a oportunidade de participar da demanda. Diz que a nomeação de advogado dativo viola o princípio R. Dout. Jurisp. AM

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constitucional do concurso público e o princípio constitucional da licitação diante da formação de relação jurídicaadministrativa sem prévia aprovação em concurso público e sem licitação de serviços. Alega que a violação ao princípio constitucional da impessoalidade, pois o advogado foi escolhido apenas diante de critérios subjetivos, sem avaliação de critérios objetivos de qualificação, bem como os honorários advocatícios foram fixados em valor não razoável e proporcional a prestação dos serviços. Acostou à inicial o documento de fl. 12. Devidamente citado o embargado apresentou impugnação aos embargos à execução. Aduz que o poder judiciário sofre muita dificuldade nos interiores por não haver Defensores Públicos, assim, os magistrados têm recorrido à solidariedade dos nobres advogados existentes nas comarcas dos interiores. Ao final, requer a improcedência dos pedidos dos embargos à execução. Vieram-me os autos conclusos. II – FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Segundo os arts. 330, I, c.c. 740 do CPC, o juiz julgará antecipadamente a lide quando a questão de mérito for de direito e de fato e não houver necessidade de produção de prova em audiência. No caso destes autos, constato que não há necessidade de produção de prova em audiência, pois a vasta documentação juntada pelos litigantes é capaz de formar a convicção deste julgador. É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que o juiz tem o poder-dever de R. Dout. Jurisp. AM

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julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de audiência para a produção de provas ao constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir o seu entendimento (AgRg no REsp. 775.349/MS, Rel. Min. José Delgado, DJU 6.2.2006). Assim sendo, com fundamento na lei e jurisprudência do STJ, conheço diretamente do pedido e passo a proferir sentença. MÉRITO A Constituição da República prevê no art. 5º, inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, tratando-se de um direito fundamental. Portanto, pela norma constitucional em referência, ninguém deixará de ter acesso à Justiça por falta de recursos para pagamento de custas e despesas processuais, bem como para contratar um advogado. Em nível infraconstitucional, existem alguns diplomas reguladores da prestação de assistência jurídica gratuita pelo Estado, dentre eles a Lei nº 1.060/50. Já a Lei nº 8.906/94, regulamentando o exercício da advocacia, considerada indispensável à administração da Justiça pelo legislador constituinte (art. 133 da CF), estabeleceu, em seu art. 22: Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. § 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários

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fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.

Dos referidos dispositivos legais acima mencionados, extrai-se que o Estado chamou para si o dever de patrocinar a assistência jurídica dos necessitados, deve ser ele a pagar por isso. Não se pode deixar sobre a cabeça dos próprios advogados o ônus de suportar com um compromisso que não foi assumido por eles, mas pelo Estado. Nesse norte, estabelece o Estatuto da OAB que esse direito surge a partir da indicação judicial. No caso dos autos, é possível observar, dos documentos acostados à inicial da ação de execução, que o autor atuou como advogado dativo em processo de juridicamente necessitado e, nessa condição, faz jus ao pagamento pretendido. A jurisprudência tem contemplado, nesse passo, ser dever do Estado pagar os honorários do advogado que atuou como dativo. Colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça os seguintes precedentes a respeito do tema: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. D E F E N S O R D AT I V O . H O N O R Á R I O S ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO JUDICIAL. LEGALIDADE. I – A assistência jurídica gratuita ao réu revel ou pobre é dever do Estado, de forma que, não havendo ou sendo insuficiente a Defensoria Pública local, cabe ao magistrado nomear defensor dativo para o patrocínio da causa. II – O defensor nomeado ad hoc tem direito à fixação de honorários advocatícios, cabendo ao Estado suportar o ônus desse pagamento, conforme estabelecido na sentença. III – Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,

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