Fraude à Execução

Page 1

Fraude à Execução e Registro Público O Ofício de Registro de Distribuição e as Certidões de Feitos Ajuizados

RIAN CARLOS SANT´ANNA 1ª edição / 2014


Fraude à Execução e Registro Público

Resumo O presente trabalho demonstra que a fraude à execução é um instituto peculiar do direito brasileiro, matéria bastante controvertida em nossa doutrina, principalmente quanto ao momento no qual se considera em curso demanda contra o devedor. Também observamos a importância das certidões de feitos ajuizados para a segurança dos negócios jurídicos e para o alcance da função social do contrato. Palavras-chave: Fraude à execução. Fraude contra credores. Registro de distribuição. Certidões de feitos ajuizados. Publicidade Registral e Notarial. Boa-fé Objetiva.

2


Associação Teixeira de Freitas

Sumário Introdução................................................................................................4 1. A relação entre o instituto da fraude à execução e a efetividade do processo...............................................................................................6 2. Diferenças entre fraude à execução e fraude contra credores........9 3. Fraude à execução..............................................................................18 3.1. Alienação ou oneração de bem na pendência de processo capaz de reduzir devedor à insolvência...................................20 3.1.1. Momento em que se considera em curso a demanda contra o devedor..........................................................................23 4. Fraude à execução e registro público: O ofício de registro de distribuição e as certidões de feitos ajuizados.................................29 4.1. As cautelas necessárias para a demonstração da boa-fé do comprador do imóvel..................................................................31 4.2. Análise da Súmula 375 e do Recurso Especial nº 1.015.459 – SP do Superior Tribunal de Justiça.......................................37 Conclusão...............................................................................................39 Referências Bibliográficas..................................................................40

3


Fraude à Execução e Registro Público

Introdução As certidões dos ofícios de registro de distribuição em nome do alienante, são de suma importância para dar segurança aos negócios jurídicos; é também uma providência crucial para o alcance da função social do contrato, pois possibilita a proteção do adquirente na consecução do negócio jurídico, além de assegurarlhe forte indicativo da condição de terceiro de boa-fé, em eventual ação ou alegação futura, em caso de fraude contra credores e/ou execução, que venha a recair sobre o imóvel. Neste sentido, por exemplo: em uma escritura pública de compra e venda de um imóvel, exigem-se as certidões de feitos ajuizados dos vendedores, segurança esta que evita a fraude contra credores ou à execução. Cabe salientar que é dever do notário intervir, com exclusividade, na lavratura de escritura pública e reduzir a termo a vontade das partes, em conformidade com as solenidades e formalidades exigidas por lei. A partir da vigência da lei nº 7.433/85, para a lavratura da escritura pública de imóvel, regulamentada pelo Decreto nº 93.240/86, o notário obrigatoriamente deve consignar, no ato notarial, a apresentação de certidões de feitos ajuizados, dentre outros documentos, dos quais fica dispensada a transcrição, conforme previsto na referida Lei. A exigência, pelo tabelião, da certidão de feitos ajuizados para a lavratura de escritura pública trata-se de providência incontestavelmente necessária à efetivação e à tutela de garantias com relação ao adquirente, sujeito passivo da obrigação contratual. A inobservância dessa exigência poderá se traduzir em irremediável insegurança jurídica, haja vista os sérios riscos a que estão expostos os adquirentes, no sentido de sofrerem futuramente eviccção e prejuízos materiais grandiosos. Como se pode observar, na hipótese de fraude à execução, o comprador terá ciência da existência da ação ou do gravame mediante simples 4


Associação Teixeira de Freitas

obtenção de certidões. A melhor solução para o problema da existência ou não de relevância na boa-fé do comprador de imóvel em fraude à execução consiste em apenas prestigiar a boa-fé do comprador cauteloso, a qual é aferida objetivamente. Em razão do exposto, surgiu a proposta de desenvolver este assunto. A fraude à execução estaria, para o nosso estudo, como uma especialização da fraude contra credores: A partir do momento em que as regras processuais se corporificam em estatuto próprio, com previsão de regras tendentes a coibir, direta ou indiretamente, os atos frustratórios da execução do crédito, vem - se empenhando a doutrina em estabelecer os nítidos contornos dos dois institutos. (CAHALI, 2009, p. 61). Essa especialização é a representação do produto natural da evolução histórica do Direito. Especializando-se como instituto autônomo, assume certas características próprias, mas não renega suas origens, distinguindo-se da fraude contra credores. (CAHALI, 2009, p. 61-62). Pretendemos demonstrar as principais características, os conceitos e os diferentes pontos de vista dos doutrinadores sobre o tema em questão, evidenciando em qual momento configura-se a fraude à execução: do ajuizamento da petição inicial, da citação válida do devedor, ou do registro da penhora no cartório imobiliário?

5


Fraude à Execução e Registro Público

1. A Relação Entre o Instituto da Fraude à Execução e a Efetividade do Processo O objeto do processo de execução, sob o ponto de vista prático, é fazer atuar efetivamente determinado interesse, quando para compor a lide não foi suficiente apenas a declaração de certeza do direito da parte. É por meio do processo de execução que se alcança o resultado prático da prestação jurisdicional, quando não for possível obtê-lo por ato espontâneo do devedor. Essa atividade que se realiza, por meio do processo de execução, com a finalidade de, sem o concurso da vontade do obrigado, conseguir o resultado prático para quem atendia a regra jurídica que não foi obedecida, recebe o nome de execução forçada. Portanto, o processo de execução cria para o devedor uma situação ou um estado de sujeição, ficando seu patrimônio dependente da vontade do Estado, para dele extrair-se o bem devido ou o valor a que tem direito o credor. Em razão desse caráter do processo de execução, é no curso deste procedimento que se dá a maior incidência de fraudes no âmbito do processo civil, porque o executado tenta deslocar bens que integram seu patrimônio como forma de esvaziar a ação em referência e, assim, impossibilitar a satisfação do credor, a qual somente seria possível pela apreensão do patrimônio do devedor, e posterior alienação judicial, para que o produto revertesse em favor do credor. Nos casos em que, no momento da satisfação do direito do credor, o devedor não mais possua bens suficientes para cumprir a obrigação, dá-se o caso da execução infrutífera, de acordo com o art. 791,III do CPC.

6


Associação Teixeira de Freitas

Ressalvadas as hipóteses legais de insolvência, falência ou liquidação, que também podem não vir satisfazer plenamente o direito do credor, resta este promover a suspensão da execução infrutífera (art. 791,III do CPC), em face da ausência de bens penhoráveis. Disso resulta que, mesmo com toda a sua força, muitas vezes o Estado não consegue cumprir sua função jurisdicional, que é de realizar coativamente a atividade que deveria ter sido primariamente exercida de forma pacífica e espontânea pelos próprios sujeitos da relação jurídica de direito material. (grifo nosso ) (SALAMANCHA, 2005, p. 66). Dessa forma, se o objeto da execução são os bens do devedor e o executado não tem bem algum, ou se todos os seus bens forem impenhoráveis, ou ainda, se os bens penhoráveis forem insuficientes para assegurar o pagamento ao credor, a responsabilidade executiva não funciona, ou funciona precariamente, dentro dos limites restritos. No entanto, como vimos acima nas palavras de Salamancha, nem sempre o Estado consegue cumprir sua função jurisdicional e, é claro, que não se pode ter como eficaz um processo executivo que não consiga defender a própria garantia da prestação jurisdicional satisfativa. O que se verifica é que, muitas vezes, essa ineficácia do processo executivo causada pela inexistência de bens penhoráveis do devedor é por ele mesmo provocada, aproveitando-se da demora do andamento processual para praticar fraudes, principalmente retirando, ou onerando, os bens de seu patrimônio, capazes de garantir o processo de execução. Considerando esta possibilidade é que o legislador procurou dar proteção ao credor e efetividade ao processo executivo, criando institutos que combatam a crise que se pode gerar neste procedimento, ocasionada pela ausência de bens penhoráveis. Diante disso, o instituto da fraude à execução foi 7


Fraude à Execução e Registro Público

concebido como uma das medidas capazes de sanar o problema da falta de efetividade do processo executivo. Segundo o instituto da fraude à execução, determinados atos de uma alienação, ou oneração de bens , quando realizados na pendência de uma relação processual, podem ser declarados como fraude à execução e, assim, os bens alienados ou onerados ficam sujeitos à execução, permitindo, nestas hipóteses, que a responsabilidade executiva alcance também o patrimônio do terceiro. É possível perceber que o negócio em fraude à execução não agride somente aos credores, mas também à própria efetividade da atividade jurisdicional do Estado. O interesse é público, porque já existe demanda em curso, não sendo necessário que seja proferida sentença, matéria regulada pelo Código de Processo Civil. (VENOSA, 2001, P. 457). Evidentemente, a ordem jurídica não poderia admitir que o devedor pudesse exonerar-se da responsabilidade patrimonial, praticando atos com a finalidade de retirar bens de seu patrimônio, quando sua situação provocou, ou se encontra prestes a provocar, a ação dos credores. Por essa razão, o sistema de proteção aos credores prevê, ainda, o instituto da fraude contra credores, no artigo 158 e seguintes do Código Civil, o qual, assim como o instituto da fraude à execução, visa a garantir o crédito do credor, evitando que manobras do devedor afastem de sua esfera patrimonial bens capazes de garantir o pagamento da dívida, proporcionando a tão desejada efetividade do processo executivo.

8


Associação Teixeira de Freitas

2. Diferenças Entre Fraude à Execução e Fraude Contra Credores A doutrina explica que a fraude é um vício de muitas faces. Está presente em sem-número de situações na vida social e no Direito.( VENOSA, 2006, p. 457 ). Frisa-se que a má-fé não está ligada somente à fraude, mas também a outros vícios tais como: dolo, coação e simulação. O dolo tem como característica o emprego de artifícios que incidem sobre a vontade de alguém e a viciam. A coação caracteriza-se pela violência contra o constrangido, fazendo-o praticar atos forçados contra a sua própria vontade. A simulação possui muitos pontos de contato com a fraude , as partes fazem aparentar negócio que não tinham intenção de praticar. Na fraude o negócio jurídico é real , verdadeiro, mas feito com o intuito de prejudicar terceiros ou burlar a lei. (VENOSA, 2006, p. 457 ). A fraude contra credores, prevista no artigo 158 e seguintes do Código Civil, constitui-se na prática maliciosa, pelo devedor, de atos que desfalcam seu patrimônio, com o fim de colocá-lo a salvo de uma execução por dívidas, em detrimento dos direitos creditórios alheios. Dois são seus elementos: o objetivo (eventus damni), que é todo ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente, ou por ter sido realizado em estado de insolvência, ainda quando o ignore ou ante o fato de a garantia tornar-se insuficiente; e o subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, a intenção de prejudicar, por parte do devedor ou do devedor aliado a terceiro, elidindo os efeitos da cobrança. Como já conceituamos que a fraude à execução representa uma especialização da fraude contra credores, reconhecemos que ambas são medidas conservatórias do patrimônio do devedor, respondendo este por suas dívidas e obrigações, preservando todo desfalque fraudulento, que reduza ou elimine a garantia dos 9


Fraude à Execução e Registro Público

credores. Portanto, em ambas as formas , o fundamento é a lesão causada ao credor do alienante. São requisitos comuns relativamente à fraude contra credores e à fraude à execução: fraude na alienação por parte do devedor; a eventualidade do consilium fraudis (plano de fraude) pela ciência da fraude por parte do adquirente; o prejuízo do credor eventus damni (evento do dano), pelo devedor ser reduzido à insolvência, ou ter alienado ou onerado bens, quando pendia contra o mesmo demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. (CAHALI, 2009, p. 68). No primeiro requisito, tem-se a preservação da necessidade do império da boa-fé, conduto através do qual a moral penetra no direito. Já no segundo requisito, mesmo sendo comum, existe uma eventual diferença entre os dois institutos, pois enquanto na fraude contra credores exige-se o consilium fraudis , na fraude à execução a fraude está in re ipsa (da própria coisa), presumida de modo irrecusável. Por fim, no último requisito comum, reclame-se a existência de prejuízo para o credor, decorrente da subtração do bem alienado à garantia da dívida, sendo a insolvência pressuposto comum às duas formas de fraude. (CAHALI, 2009, p. 69). As diferenças entre a fraude à execução e a fraude contra credores podem ser analisadas sob os seguintes aspectos: a) Quanto à natureza dos institutos Fraude à execução é instituto processual, enquanto a fraude contra credores integra-se no direito material; na execução, existe a violação da função processual e, por isso, os interesses são de ordem pública; na fraude pauliana, apresentam-se defeitos dos atos jurídicos, implicando na lesão de interesses privados. b) Quanto ao momento da prática do ato fraudulento Não basta a insolvência para ficar configurada a fraude à execução, pois é necessária a presença de outro pressuposto 10


Associação Teixeira de Freitas

representado pela litispendência. Portanto, não existe fraude à execução na iminência de um processo, ou seja: antes de se instaurar uma relação processual, a fraude será apenas contra credores; o reconhecimento desta não está subordinado à preexistência da demanda em relação ao ato considerado fraudulento, enquanto que, na fraude à execução, coloca-se como pressuposto indispensável à instauração da relação processual a existência de uma demanda em andamento, tendo o ato fraudulento sido praticado pelo devedor para frustrar, ao credor, a execução. Ocorre aqui uma prevenção legal para garantia da possível execução, etapa em que se materializam os atos de apreensão e expropriação dos bens, para que o direito declarado no título se transmude no fato do pagamento. Dessa forma, é de suma importância determinar em que momento é verificado o ato impugnado, para ser identificada a modalidade de fraude – enquanto não houver ação em juízo, não existirá fraude à execução, apenas fraude contra credores. Na fraude contra credores existem apenas meras providências do devedor que seja proprietário para lesar o direito do credor que ainda não agiu em juízo, pois a obrigação pode estar em curso, sem poder ser exigido seu cumprimento; na fraude à execução é diferente, porque já existe ação em juízo do credor contra o devedor, exigindo deste o cumprimento de uma obrigação insatisfeita. Não é possível perceber a fraude à execução se for provado que a alienação se fez antes do ajuizamento da ação condenatória ou executiva contra o devedor e, assim, não havendo pleito judicial, o caso seria fraude contra credores. c) Quanto ao elemento subjetivo do ato impugnado Quando analisamos a semelhança entre os dois institutos, verificamos que a malícia e a má-fé encontram-se nas duas modalidades de conduta fraudulenta. O elemento subjetivo participa tanto da essência da fraude contra credores quanto da fraude à execução, que se diferenciam sob esse aspecto apenas 11


Fraude à Execução e Registro Público

quanto à gravidade e eventual dispensa da respectiva prova. (CAHALI, 2009, p. 74). Entende-se que, na fraude à execução, a lei, considerando o elemento subjetivo do consilium fraudis (plano de fraude) como estando in re ipsa (da própria coisa), dispensa-lhe a prova, à medida que a faz presumida. Essa presunção, no sentido da dispensa da respectiva prova, e não da dispensa propriamente do requisito, é reconhecida pela melhor doutrina. (CAHALI, 2009, p. 74). A presunção iuris et de iure do consilium fraudis na fraude à execução resolve-se na dispensa da respectiva prova e na inadmissibilidade da contraprova. Por exemplo: no caso do ato gratuito ou de remissão de dívidas, praticado nos termos do art. 158, caput, do Código Civil a participação do terceiro beneficiado do plano de fraude ou consílio fraudulento é estabelecida por presunção, sem necessidade de prova. d) Quanto à forma de impugnação do ato fraudulento Vejamos a diferença quanto à forma de impugnação do ato fraudulento, sendo o primeiro a ser analisado os embargos de terceiro e, após, a ação pauliana ou revocatória. I – Embargos de terceiro O processo consiste em uma relação jurídica que liga entre si o autor, o réu e o Estado-juiz. A sujeição aos efeitos dessa relação, evidentemente, não devem se fazer sentir além das pessoas que a compõem. Nesse sentido, a sentença, que corresponde à prestação jurisdicional no processo de conhecimento, só faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, ou seja, não beneficia, nem prejudica terceiros, segundo o art. 472 do CPC.

12


Associação Teixeira de Freitas

Se isto é verdade quanto ao comando direto do julgado, o mesmo não se pode dizer das suas consequências indiretas ou reflexas, que frequentemente atingem relações outras da parte com terceiro, cuja eficácia prática estaria a depender justamente do direito discutido no processo. (THEODORO JUNIOR, 2007, p. 300). Essa é a permissão para que o terceiro, mesmo não tendo sua relação jurídica discutida no processo, nele possa intervir através da assistência (art. 50 do CPC) e por meio do recurso de terceiro interessado (art. 499,§1º, do CPC), com a finalidade de obter uma sentença favorável e, com isso, buscar preservar seu interesse na conservação da situação jurídica necessária à boa execução de seu direito (não litigioso). No processo de execução, a atividade satisfatória do Estado posta à disposição do credor se desenvolve por meio de uma relação jurídica em cujo polo passivo figura o devedor. São os bens do devedor que serão atingidos pelas medidas constritivas voltadas para a preparação e realização da prestação a que faz jus o credor. Só ele, em princípio, há de sujeitar-se, através de seus bens, presentes e futuros, à atividade sancionatória desenvolvida na execução forçada. (THEODORO JR., 2007, p. 300). Quando a responsabilidade executiva do devedor é ultrapassada, atingindo bens de quem não é sujeito no processo, ocorre o denominado esbulho judicial, cometido pelo poder jurisdicional, que, evidentemente, não haverá de prevalecer em detrimento de quem se viu, ilegitimamente, prejudicado pela execução forçada movida contra outrem. Daí a existência dos embargos de terceiro, remédio processual, que a lei põe à disposição de quem, não sendo parte no processo, sofre turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos dispostos no artigo 1.046, do Código de Processo Civil. 13


Fraude à Execução e Registro Público

O objetivo visado nos embargos de terceiro não é o direito das partes em litígio, mas o ato estatal do juiz que, indevidamente, constringiu ou ameaçou constringir bem de quem não era parte no processo. O recurso embargos de terceiro deve ser conceituado como a ação proposta por terceiro em defesa de seus bens contra execução alheia. (THEODORO JR, 2007, p. 301 ). Na fraude à execução, a penhora pode recair sobre os bens transmitidos, como se não tivesse havido a transmissão; a fraude de execução pode ser reconhecida independentemente da pauliana, sendo desconstituído o ato de disposição fraudulenta sem necessidade da revocatória, declarando-se sua ineficácia até mesmo de ofício. Neste sentido, só a fraude à execução poderia ser apreciada nos embargos de terceiro, oposto pelo adquirente, com a fraude sendo excepcionada pelo credor embargado. A fraude contra credores, tornando apenas anulável o ato, somente poderia ser alegada e reconhecida por via de ação pauliana.(CAHALI, 2009. p. 76). Embora, em princípio, exigível a ação revocatória para o reconhecimento da invalidade do ato praticado em fraude contra credores, a jurisprudência recente vem se firmando no sentido de admitir o reconhecimento desta modalidade de fraude, suscitada pelo embargado credor, na ação de embargos de terceiro pelo adquirente do bem ou beneficiário do direito objeto da disposição fraudulenta. II – Ação pauliana ou revocatória Surgiu, em Roma, e tem essa denominação por causa do pretor Paulo. Por isso, a anulação é demandada pela chamada ação pauliana ou revocatória. O art. 171, inciso II, do CC, versa sobre os negócios jurídicos eivados de fraude.(MONTEIRO, 2005, p. 269). 14


Associação Teixeira de Freitas

A fraude contra credores, que vicia o negócio de simples anulabilidade, somente é atacável por ação pauliana ou revocatória, movida pelos credores quirografários -sem garantia- que já o eram ao tempo da prática desse ato fraudulento que se pretende invalidar. O credor com garantia real (penhor, hipoteca ou anticrese) não poderá reclamar a anulação, por ter no ônus real a segurança de seu reembolso. Em regra, a revocatória deverá ser intentada contra o devedor insolvente, seja em caso de transmissão gratuita de bens, seja na hipótese de alienação onerosa, tendo-se em vista que tal ação visa, tão somente, anular um negócio celebrado em prejuízo do credor. Mas nada obsta a que seja movida contra a pessoa que com ele veio a efetivar o ato fraudulento, ou contra o terceiro adquirente de máfé. Logo, poderá ser proposta contra os que intervieram na fraude contra credores, citando-se todos que nela tiverem tomado parte. O litisconsórcio, na ação pauliana, é obrigatório, não podendo as partes dispensá-lo. Com fulcro no art. 748, do Código de Processo Civil, ter-se-á insolvência sempre que os débitos forem superiores à importância dos bens do devedor. A prova da insolvência far-se-á, em regra, com a execução da dívida. O credor com garantia real ( penhor, hipoteca ou anticrese) não poderá reclamar a anulação, por ter no ônus real a segurança de seu reembolso. Ação pauliana contra terceiro adquirente de má-fé, art.161 do Código de Processo Civil, será oposta contra aquele que veio a adquirir o bem daquele que o obteve diretamente do alienante insolvente, ou melhor, trata-se do segundo adquirente, ou subadquirente, que, estando de má-fé, deverá ser acionado e,então, terá que restituir o bem. A ação revocatória é, pois, impetrada contra a pessoa que celebrou o ato fraudatório com o devedor insolvente. Poderão ser acionados por terem celebrado estipulação fraudulenta com o devedor insolvente: a) herdeiros do adquirente, com a restrição do art. 1.792 do Código Civil; b) contratante ou adquirente de boa-fé, sendo o ato a título gratuito, embora não tenha o dever de 15


Fraude à Execução e Registro Público

restituir os frutos percebidos (CC, art. 1.214), nem o de responder pela perda ou deterioração da coisa, a que não deu causa ( CC, art. 1.217), tendo, ainda, o direito de ser indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias que fez ( CC, art. 1.219); c) adquirente de boafé, sendo o negócio oneroso, hipótese em que, com a revogação do ato lesivo e a restituição do bem ao patrimônio do devedor, se entregará ao contratante acionado a contraprestação que forneceu, em espécie, ou no equivalente. Quem receber bem do devedor insolvente, por ato oneroso ou gratuito, conhecendo seu estado de insolvência, será obrigado a devolvê-lo, com os frutos percebidos e percipiendos (CC, art. 1.216), tendo, ainda, de indenizar os danos sofridos pela perda ou deterioração da coisa, exceto se demonstrar que eles sobreviriam se ela estivesse em poder do devedor ( CC, art. 1.218). Todavia, resguardado estará seu direito à indenização das benfeitorias necessárias que, porventura, tiver feito no bem ( CC, art. 1.220). e) Quanto à natureza do ato e aos efeitos da sentença Existe a distinção clássica literal a qual nos ensina que a fraude contra credores é um ato jurídico anulável e que a fraude à execução é um ato jurídico nulo. Hoje, na melhor doutrina, vem-se caminhando no sentido de que também na fraude contra credores ocorre um juízo do ato lesivo. (CAHALI, 2009, p. 77). Pontes de Miranda parte da distinção entre a eficácia resultante do ato em fraude à execução e a anulabilidade do ato em fraude contra credores, referindo que a diferença ocorre nas sentenças a respeito: nesta é declarativa; naquela, desconstitutiva. (Miranda apud CAHALI, 2009, p. 77). A sentença proferida na ação pauliana não desconstitui o ato, remanescendo o vínculo estabelecido entre as partes que nele intervieram, produzindo todos os efeitos na eventualidade da extinção da ação pauliana pela satisfação do crédito por bens outros não comprometidos no ato. 16


Associação Teixeira de Freitas

A diferença reside no emprego do remédio do direito, adequado para determinado credor obter aquele reconhecimento ou declaração: enquanto o ato praticado em fraude à execução pode ser, como tal, reconhecido incidentalmente, ou assim declarado, mesmo de ofício, nos autos da própria execução, tal ato,na fraude contra credores, vai ocorrer de maneira diferente, precisando ser declarado em processo à parte, através do exercício da ação pauliana, ou por via de exceção substancial, como matéria de defesa nos embargos de terceiro.

17


Fraude à Execução e Registro Público

3. Fraude à Execução A fraude à execução é um instituto peculiar do direito brasileiro, não sendo encontrado, nem de maneira similar, em outro ordenamento no direito comparado. (CÂMARA, 2006, p. 219). É um instituto processual; tem como pressuposto a litispendência, que é verificada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. Existem três características fundamentais e essenciais para a caracterização da litispendência: a) as mesmas partes ;b) a mesma causa de pedir; e c) o mesmo pedido. Além disso, o ato de disposição ou alienação em fraude de execução reveste-se de maior gravidade, pois é um atentado à dignidade da justiça, tendo relação intrínseca com a efetiva prestação jurisdicional. O ato praticado em fraude à execução dispensa o ajuizamento da ação pauliana, para que possa assim ser reconhecido; a declaração de sua eficácia pode ser no âmbito de embargos de terceiro, ou na própria execução, objeto doprocesso principal. Ademais, a fraude de execução é simplesmente declarada por sentença. O elemento intencional da fraude está in re ipsa (da própria coisa), no ato de disposição ou alienação em fraude à execução, bastando que dele resulte a insolvência do devedor, embora, recentemente, esse pretendido caráter absoluto de presunção da fraude venha sendo fragilizado, em proteção às regras de boa-fé, e na consideração das circunstâncias de cada modalidade de fraude de execução, prevista no artigo 593 do Código de Processo Civil. Na fraude à execução, o interesse é público, pelo fato de já existir demanda em curso, não sendo necessário que seja proferida sentença. É público, porque existe processo e por isso a matéria é disciplinada pelo Código de Processo Civil. (VENOSA, 2006, p. 457).

18


Associação Teixeira de Freitas

Esta fraude tem como pressuposto fático essencial a existência de uma ação em juízo, pois, invocada a prestação jurisdicional, o Estado passou a ter interesse que, havendo condenação, a execução se efetive, em nome do seu próprio prestígio e na preservação de sua autoridade. O objeto jurídico do instituto fraude à execução é dar segurança às relações jurídicas, a razão do questionamento em juízo, mais especificamente não permitindo que, na pendência de um processo, o devedor aliene bens, frustando a execução e impedindo a satisfação do credor, mediante a expropriação de bens. Logo, a fraude à execução visa impedir atos fraudulentos de alienação , ou apenas reputá-lo ineficazes, (em vista) na pendência de um processo. Assim, acaba por permitir que a justiça realize seu fim precípuo do processo de execução, que é a expropriação de bens do devedor para a satisfação de crédito do credor. Concluindo, temos, então, que a fraude à execução é a alienação de bens pelo devedor, na pendência de ação capaz de reduzi-lo à insolvência, sem a reserva, de seu patrimônio, de bens suficientes para garantir o débito, objeto da cobrança.

19


Fraude à Execução e Registro Público

3.1 Alienação ou Oneração de Bem na Pendência de Processo Capaz de Reduzir Devedor à Insolvência Estabelece o art. 593,II do CPC que se considera em fraude de execução a alienação ou oneração de bens quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. O inciso II do art. 593 traz a hipótese mais ampla de fraude à execução, protegendo o crédito pecuniário, pois a alienação/ oneração fraudulenta não é sobre a coisa litigiosa, mas sobre qualquer bem penhorável. (DIDIER JR, 2007, p. 303). Podemos citar como exemplo a pessoa que, demandada para o cumprimento de obrigação, casou-se com terceiro em regime de comunhão universal, comunicando a totalidade de seus patrimônios. Só que a meação reservada ao devedor não bastava para arcar com seu débito. Configurou-se, assim, sua insolvência e foram aplicadas as regras de fraude à execução. (DINAMARCO, 2009, p. 381). Diferença entre a modalidade de fraude à execução prevista no inciso II e aquela a que se refere o inciso I do art. 593 do CPC : no inc. I, a lei tem em vista a alienação ou oneração verificada no curso de ação fundada em direito real e , portanto, versando sobre um determinado ou determinados bens; no inc. II, a lei tem em vista a alienação ou oneração no curso de qualquer outra ação, isto é, de uma ação que não versa sobre um determinado ou determinados bens, mas que encontra no devedor a garantia de sua execução. E, neste caso, se inclui mesmo ação fundada em direito real quando for cumulada com perdas e danos pelos frutos e rendimentos, pois o devedor poderá não se desfazer do bem visado, mas desfazer-se dos demais que integram seu patrimômio, e que responderiam, em caso de execução, pelo quantum correspondente à indenização a que fora condenado. Com base na doutrina, são considerados pressupostos:

20


Associação Teixeira de Freitas

A exigência de que o ato seja danoso, apto a reduzi-lo a insolvência (eventus dammi ) , e tenha sido praticado na pendência de um processo contra o devedor ( litispendência ), que pode ser condenatório, executivo,cautelar, penal e arbitral etc.; não há fraude na iminência de um processo, só na sua pendência. Tradicionalmente , diz-que a citação válida do réu induz a litispendência. Ressalva-se que já há lispendência para o autor desde o momento da propositura da demanda. A citação do réu devedor deixa-o ciente da demanda proposta que possa conduzir à sua condenação. A partir daí ( citação ) , atos de diminuição patrimonial que reduzam ou possa reduzilo à insolvência serão considerados fraudulentos. (grifos nossos ). (DIDIER JUNIOR, 2007, p. 303-304 ). Neste mesmo sentido, sobre a citação: O requisito, pois, é a existência de um processo pendente, ou seja a listipendência. Há de se lembrar aqui, que a lispendência é efeito do ajuizamento da demanda, mas só pode opô-la ao demandado depois que este for validamente citado. Assim, em linha de princípio, só se pode considerar em fraude de execução a alienação realizada depois da citação do demandado. ( grifo nosso ). ( CÂMARA, 2006, p. 220 ). Além disso, destaque-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para os efeitos do artigo 593,II do CPC, em julgado de 14 de setembro de 1993, no Recurso Especial de nº 37.011-6 São Paulo, Quarta Turma, no qual o Exmo. Ministro Sávio de Figueiredo relata que não considera como fraude à execução a alienação do imóvel ocorrida antes da citação do executado – alienante. Todavia, se houver prova de que o devedor sabia da pendência do processo antes da sua citação, os desfalques patrimoniais anteriores

21


Fraude à Execução e Registro Público

a ela, mas posteriores à propositura da ação , também deverão ser considerados fraudulentos. Portanto, a essencialidade, para a configuração da fraude à execução, é o requisito da lispendência; não basta, pois, a simples insolvência do devedor, mas se exige a preexistência de demanda quando da prática do ato fraudulento; ou seja, a alienação de bens só se considera em fraude de execução quando, ao tempo da alienação, já pendia contra o alienante demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. Podemos citar como exemplo: no mesmo dia em que era lavrada a escritura de compra e venda, dava-se entrada em juízo de ação executiva de cobrança; vale dizer que, no momento da lavratura do título aquisitivo, não só inexistia penhora de bem negociado, como também demanda capaz de reduzir alguém à insolvência. Tendo em vista o momento da alienação, se não havia ação em juízo ao tempo da mesma, capaz de reduzir o devedor à insolvência, poderá haver sim fraude contra credores e não à execução, sendo então necessária, para o reconhecimento da ineficácia ou invalidade do ato de disposição fraudulenta, a impetração de ação pauliana.

22


Associação Teixeira de Freitas

3.1.1 Momento em que se Considera em Curso a Demanda Contra o Devedor É de suma importância detectar-se o momento preciso que serve de marco à identificação de fraude à execução. Na fraude à execução, tendo como consequência a presença do interesse público, a situação cresce de gravidade. Embora o ato alienatório ou a garantia constituída sejam válidos entre as partes contratantes, para o autor do processo de conhecimento ou credor da execução é como se o bem não tivesse saído do patrimônio do alienante. Sendo assim, não há necessidade de o autor recorrer às vias ordinárias, pois nos próprios autos da execução a ineficácia é declarada. Analisamos, no capítulo anterior, o entendimento de que, no que se refere à lispendência, para fins de aplicação do art. 593,II do CPC, só se tem como instaurada a ação a partir da citação válida do devedor, não bastando, para tanto, o simples ajuizamento da ação contra o mesmo. Suscita-se, como ponto central desta teoria, o início da formação do processo de execução. Nota-se que o inciso II do art. 593 do CPC apresenta uma condição para a caracterização da fraude à execução: a existência de demanda contra o devedor. O legislador, porém, não precisou o significado da expressão corria contra o devedor demanda, deixando margem para algumas interpretações. Desenvolvemos abaixo as três teorias que apontam o momento a ser considerado para caracterizar a fraude à execução: a primeira teoria, conforme o entendimento de Cahali, defende que a fraude à execução se configura com a alienação do imóvel, depois do simples protocolo da petição inicial, na distribuição do fórum; a segunda teoria conta com o apoio de Fredie Didier Jr e Alexandre Freitas Câmara, que consideram fraudulenta a alienação do imóvel somente após a citação do acusado, já que é com a citação que o devedor tem ciência da ação e, alienando o bem, estará, incontestavelmete, agindo de má-fé; a terceira teoria é defendida por aqueles que estão ligados 23


Fraude à Execução e Registro Público

à área registral imobiliária, podendo-se citar Walter Ceneviva, que considera em fraude de execução a alienação do bem após o registro da citação e da penhora, no cartório do registro de imóveis, em razão dos princípios da publicidade e da fé pública; pois, a contrário sensu, não estaria o registro trazendo a segurança aos negócios jurídicos, conforme determina a lei, perdendo, portanto, seu objeto. Posiciona-se Cahali, defensor da primeira corrente: considera proposta a ação assim que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, baseando-se legalmente no art. 263 do CPC. Então complementa: A expressão corria contra o devedor demanda capaz de reduzilo a insolvência, constante no inciso II do art. 593 do CPC , corresponde a pendência de demanda , constante no código anterior; (...) o art. 593, II do CPC utiliza-se da propositura da ação a ser considerada como acontecimento processual válido a somar-se outros para o reconhecimento da fraude à execução, pois o conceito de fraude à execução não pressupõe necessariamente uma execução aparelhada com penhora; no Código de 1939, já pendia ; a propósito , cabe anotar que durante a elaboração do vigente diploma processual houve emenda propondo a substituição da expressão corria por distribuída ou aforada, e a Comissão Especial limitou- se a dizer que a redação do projeto era superior a da emenda ; vale dizer , entendeu não serem expressões conflitantes, pois caso fossem, por certo haveria a correspondente explicitação; tem-se, com isso, um dado histórico uma exegese da real intenção do legislador. (grifo nosso). (CAHALI, 2009, p. 431 ). É na omissão do legislador que se busca o fundamento para justificar a fraude contra o processo executivo. Se o que está em questão é o momento do início da demanda, este encontrou abrigo no próprio artigo 263 do CPC. 24


Associação Teixeira de Freitas

Seguindo esse entendimento exposto acima, detecta-se a fraude de execução se a alienação/oneração é realizada após o ajuizamento da execução, pois é o que basta para configurar-se a fraude de execução. Para Cahali, não importa se a citação do devedor e a própria penhora do bem tenham ocorrido após a alienação, pois na letra da lei foi versada como demanda capaz de reduzir o executado à insolvência. Alcides Mendonça de Lima complementa a tese de Cahali afirmando que desde que haja ação não importa se a mesma se rege pelo processo de conhecimento ou pelo processo executivo: desde a propositura da ação a alienação ou oneração determinarão a fraude à execução. (Lima apud CAHALI 2009, p. 432). Sobre a exigibilidade da citação, não nos parece que, no exato texto do art. 593, II do CPC, tenha o legislador pretendido que a existência da demanda em curso esteja condicionada à citação do devedor, como se não bastasse o simples ajuizamento da ação contra este. Entretando, não devemos e não podemos presumir a má redação da lei, e se o Código, ao prever a fraude de execução, refere-se à ação que corria contra o devedor, ao invés de valer-se da expressão tecnicamente definida como litispendência, deve-se ver nele aquilo que ressalta: o curso da ação se dá pela distribuição, momento a partir do qual passam a ser observados os atos do processo e que, no caso da execução, podem atingir até mesmo o aperfeiçoamento da constrição judicial, sem que tenha havido, até então, a citação. Aprofundando-se nessa teoria, deduz-se que, depois de movimentada a máquina estatal, todas as alienações supervenientes ao protocolo da petição inicial devem ser consideradas em fraude de execução, nos termos do art. 593,II do CPC. A citação deixa de ser requisito indispensável para a declaração da fraude à execução, pois o devedor pode esquivar-se do ato, objetivando retardar o processo executivo.

25


Fraude à Execução e Registro Público

Com fundamento no caput do art. 652 do CPC, a citação não tem como principal motivo dar ciência ao devedor de que está sendo demandado. Na execução, o ato citatório assume outro papel: o de chamar o devedor aos autos para pagar a dívida, ou nomear bens à penhora e, não, para responder à ação proposta. Para a corrente seguidora de que há fraude na alienação somente após a citação válida do vendedor , segunda teoria, o estrito respeito aos atos processuais é o seu principal fundamento, tirando-se essa interpretação do próprio Código de Processo Civil, artigo 213 e o artigo 214, do mesmo diploma legal. Sem dúvida, é com a citação que o devedor toma ciência de que está sendo demandado, de que está sendo chamado ao processo para defender-se, surgindo, assim, uma obrigação oculta, reforçada pela aquisição da dívida: a de não alienar bens que levem ao estado de insolvência. Alienando o último imóvel que integra o seu patrimônio, depois de validamente citado, restará evidente a intenção de frustar o processo de execução; não poderá, então, alegar o desconhecimento acerca da litigiosidade que o liga ao credor. Não podemos presumir que o devedor saiba da existência de ação que vise a satisfazer dívida por ele assumida, pelo simples fato de ser devedor, pois o direito de ação está condicionado à vontade de o credor acionar o judiciário para obter o seu crédito. Só através da citação, o devedor deverá comparecer ao processo, formando uma relação triangular, com a seguinte composição: exequente, juiz e executado. Para o devido processamento dos feitos ajuizados, o trinômio credor – juiz – devedor deve estar perfeitamente composto, como requisito indispensável para a formação da relação jurídica processual, observando-se o Princípio do Contraditório. Já mencionados como seguidores desse entendimento, Didier Jr. e Alexandre Câmara interpretam, de maneira diferente de Cahali, o art. 263 do CPC, analisado anteriormente. Considerando proposta a ação tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz 26


Associação Teixeira de Freitas

ou simplesmente distribuída onde houver mais de uma vara, a mesma só produzirá os efeitos mencionados no art. 219 do CPC, depois que o devedor for validamente citado. Lendo-se o artigo 263 do CPC, à primeira vista depreendese que, se a lei considera proposta a ação desde o despacho da petição inicial, parece ter o legislador adotado a posição de que a relação jurídica processual ou o processo se estabeleceria somente entre o autor e o juiz. Mas não é assim, pois, pelos próprios termos do art. 263 do CPC, antes da citação não há coisa litigiosa e, se esta não existe, não há processo em relação ao réu, nem se operam os outros efeitos quanto ao mesmo. Sendo assim, após validamente comunicado o requerido para que responda à ação, restará perfeita a relação jurídica processual, sem a qual o processo não poderá prosseguir. Neste momento, tornase essencial a análise da boa-fé daquele que está adquirindo o bem imóvel. A partir dessa análise, pode-se verificar, com clareza, se a alienação objetivou a fraude ou não. Os seguidores da terceira teoria ou corrente, defensores da alienação após o registro da citação e da penhora, acreditam que o nosso ordenamento jurídico não deva limitar-se apenas às condições que o direito formal apresenta, mas sim buscar, ao lado dos auxiliares da justiça, o reforço e a garantia necessários ao seu cumprimento. O registro imobiliário cumpre bem a sua função, conforme preceitua o art. 1º da Lei N. 6.015/1973, que dispõe sobre os Registros Públicos. Um dos principais objetivos dos registros públicos é informar à população a situação dos bens neles registrados, de maneira que as pessoas, ao consultarem-nos, possam efetuar contratos, certas de que não estão agindo às escuras e de que a aquisição efetuada não se frustará, por motivos alheios à sua vontade. Esta corrente, como já foi dito anteriormente, é defendida pelo doutrinador Walter Ceneviva, que entende que somente depois de registrada a citação e a penhora, no cartório imobiliário, é que será possível verificar a fraude à execução, interpretando o que prevê o art. 240 da Lei de Registros Públicos. 27


Fraude à Execução e Registro Público

Além disso, esta lei apresenta, em seu artigo 167, uma série de feitos que estão sujeitos ao registro imobiliário, dentre os quais o de registrar a citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias , relativas a imóveis ( inciso I, 21), e o de averbar as decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados ( inciso II,12 ). De acordo com o exposto, a fim de garantir seus direitos creditórios, pode o credor que promove o processo executivo contra o proprietário do imóvel tornar pública qualquer pendência processual. Tais previsões buscam a proteção do adquirente de boa-fé. Todo aquele que pretende adquirir um imóvel deve tomar todas as precauções necessárias para que se consolide um negócio jurídico perfeito, sem prejuízos e nem perdas. Assim, deve o pretendente comprador requisitar todas as certidões que sustentem a segurança da transação imobiliária, como, no caso, a certidão negativa de ônus reais, fornecida pelo Cartório de Registro Imobiliário. Não estando registradas a citação nem a penhora, para que se configure a fraude, ficará obrigado o exequente a comprovar, por outros meios, que o terceiro adquirente tinha ciência da pendência de ação ou da insolvência do executado; neste caso, portanto, se presume a boa-fé do adquirente. Se forem oferecidos ao credor meios que possibilitem a ele precaver-se de futuras frustações com a alienação, pelo devedor, do único bem garantidor da execução, e aquele não os utiliza, realmente o direito não poderá socorrê-lo. A lei não fornece amparo aos inertes. Como consequência disso, não poderá a lei penalizar aquele credor que, por uma questão de cautela, registrou os atos da penhora e da citação na matrícula do imóvel, visando à produção dos efeitos erga ommes. Em suma, segundo esta teoria, não estando registradas a citação ou a penhora , caberá ao autor da execução o ônus de provar que o adquirente sabia do estado de insolvência do executado, configurando-se, dessa forma, a má-fé do vendedor e a do comprador.

28


Associação Teixeira de Freitas

4. Fraude à Execução e Registro Público: O Ofício de Registro de Distribuição e as Certidões de Feitos Ajuizados. Na certidão de feitos ajuizados, constará eventual existência de ações contra a pessoa do devedor, bem como de ações que recaiam sobre o imóvel, objeto do negócio jurídico. As certidões de feitos ajuizados – também chamadas de certidões forenses – são, conforme se pode verificar no texto da lei, requisitos para a lavratura das escrituras, especialmente as relativas a imóveis. (KOLLET, 2008, p. 121). O doutrinador supracitado, ao referir-se a texto de lei, está se reportando ao parágrafo 2º, do artigo 1º, da Lei nº. 7433/85. Segundo ele, no sistema judiciário brasileiro, podem ser ajuizados feitos nas seguintes esferas judiciais: Justiça Federal comum e do trabalho e Justiça Estadual. Em ambas, relativamente a feitos cíveis e criminais. Tais certidões são, portanto, as expedidas pela Justiça Federal, Justiça do Trabalho e Justiça Estadual. ( KOLLET, 2008, p. 121 ). A apresentação da certidão negativa de feitos ajuizados, pelo adquirente, na lavratura da escritura pública de compra e venda, será fundamental para a lisura do vendedor e para revelar a boafé do comprador, podendo evitar possíveis prejuízos. A certidão positiva de feitos ajuizados em nome do alienante possibilita que o adquirente decida entre comprar ou não o imóvel, assumir ou não o risco do negócio. Com isso, cabe ao tabelião informar ao comprador os possíveis prejuízos e consignar, na escritura pública, tal situação. Nesse pensar, Lopes ressalta: Acerca da possibilidade de o adquirente ser indenizado por aquele que vendeu o imóvel, como dispõe o artigo 447 do Código Civil, Diniz afirma sobre a evicção: O Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação nº 03/2012 da Corregedoria Nacional de Justiça, dispõe sobre a cientificação prévia das partes, nos atos de escritura pública, quanto à possibilidade de obterem Certidão Negativa de Débito Trabalhista – CNDT. A referida Recomendação baseia-se no fato das certidões possibilitarem maior transparência sobre a real situação jurídica do alienante, o que contribui para não serem levantadas discussões sobre eventual fraude à execução. 1

29


Fraude à Execução e Registro Público

É a perda da coisa, por força de decisão judicial, fundada em motivo jurídico anterior, que confere a outrem, seu verdadeiro dono, com o reconhecimento em juízo da existência de ônus sobre a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato. (DINIZ, 2003, p.339 ). Contudo, se o comprador tiver conhecimento de litígio envolvendo o vendedor ou o imóvel, não poderá se socorrer do instituto da evicção, conforme o artigo 457 do Código Civil. Sobre o assunto, esclarece Nery Jr.: Se o adquirente tinha conhecimento de que a coisa era alheia e, ainda assim, a adquiriu a non dominio, agiu com má-fé e, portanto, não tem direito de pleitear indenização pela evicção. Se sabia que a coisa era litigiosa, ou seja, que sobre ela já existia demanda capaz de ensejar a evicção, terá direito de restituição do preço se não assumiu os riscos da evicção. ( NERY JUNIOR, 2008, p. 532-533 ). A partir de tais considerações, pode-se questionar: Como fica a boa-fé do adquirente, quando este dispensar a certidão de feitos ajuizados na escritura pública de compra e venda? E de que forma ela será aferida pelo Judiciário? O doutrinador Silva elucida :

30

A questão da prova será apreciada pelo judiciário, ou seja, por seres humanos, que têm valores e opiniões pessoais. Nesse sentido é que se verá que o direito não é apenas técnica; não é uma ciência exata. Vale dizer, assim, que o julgamento da existência ou não de fraude contra credores dependerá do conjunto probatório, que for produzido no processo, e da convicção que será formada pelos juízes. (SILVA, 2007, p. 85-86 ).


Associação Teixeira de Freitas

Conclui-se, pela análise, que o juiz poderá interpretar a dispensa da certidão de feitos ajuizados como presunção de ciência do fato, mas que, de qualquer forma, é uma obrigação do tabelião exigi-la, para assegurar que o adquirente não obrou induzido em erro e, sim, assumiu livremente os riscos da aquisição de imóvel sobre o qual recaía litígio, ou que a litígio respondia o alienante.

4.1 As Cautelas Necessárias para a Demonstração da Boa-Fé do Comprador do Imóvel O Princípio da Boa-fé é o caminho pelo qual a moral entra no direito e tem por objetivo prevenir o surgimento dos conflitos de interesses, bem como orientar na solução dos mesmos. Vale destacar os artigos 113 e 422 do Código Civil, em que a boa-fé é inserida no CC como um princípio de cunho social. Este princípio deve ser observado, em nosso direito, pelos contratantes, antes, durante, e após o contrato, ou seja, é aplicável à conduta dos contratantes antes da celebração ou após a extinção do contrato. Importa registrar que a boa-fé possui duas faces: a subjetiva e a objetiva. No que diz respeito à boa-fé subjetiva, também conhecida popularmente como boa-fé/ crença, seu entendimento está ligado ao individualismo, a um estado íntimo de crença , à ignorância de uma pessoa que se julga titular de um direito, na sua própria imaginação. Já a boa-fé objetiva, também chamada de boa-fé/ lealdade, tem como significado o dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, como os de correção e honestidade. Trata-se de uma regra de conduta a ser seguida pelo contratante, pautada na honestidade, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses legítimos e as expectativas razoáveis do outro contratante, visto como um membro do conjunto social, cuja conduta é entendida como noção de honestidade pública. 31


Fraude à Execução e Registro Público

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começou a definir quais devem ser os critérios para a caracterização de fraude à execução na venda de imóveis. Desnecessário tecer comentários a respeito da necessidade de segurança jurídica para o desenvolvimentos das transações imobiliárias e financeiras no Brasil. Em um país carente de segurança jurídica, os investidores exigem uma espécie de taxa de retorno mais elevada para suas aplicações, proporcional aos riscos assumidos. No que se refere à segurança jurídica, é necessário proteger tanto o comprador de boa-fé, quanto o credor e a eficácia das decisões judiciais. A jurisprudência predominante no STJ tutela o comprador que reputa como de boa-fé, à mingua de prova em contrário, ainda que diante de vício em aquisição pretérita da qual a propriedade atual seja derivada. Tem-se, então, a segurança jurídica necessária às operações imobiliárias. Por outro lado, o instituto da fraude à execução protege o credor e a eficácia das decisões judiciais, de modo a evitar atos lesivos de devedores que possam se subtrair ao cumprimento de suas obrigações. Tem-se, dessa forma, a segurança jurídica necessária à atividade econômica em geral. Atualmente, percebe-se a existência de um esforço para aumentar a efetividade das execuções. As recentes reformas do Código de Processo Civil , tal como a efetuada pela Lei nº. 11.382/06, é uma clara demonstração de que o STJ está no caminho correto ao buscar critérios para se aumentar a efetividade da jurisdição, proteger o crédito e garantir a segurança jurídica. É preciso, portanto, conciliar a necessidade de proteção do comprador de imóvel com a necessidade de proteção do credor e do vendedor. Como isso pode ser feito? Evidentemente, não deve ser adotada a orientação, aplicando-se a letra fria do artigo 593 do CPC, que afirma que a boafé do comprador é irrelevante para a descaracterização da fraude à execução. Por outro lado, afirmar que é necessária a existência de 32


Associação Teixeira de Freitas

má-fé do comprador para a caracterização da fraude à execução ( e ainda impor o ônus desta prova ao credor ), além de não estar de acordo com os dispositivos legais existentes, no país, fere qualquer tentativa de dar à jurisdição um mínimo de efetividade. É preciso encontrar uma solução intermediária, ou seja, mitigar o rigor de teorias contrárias. Portanto, o melhor caminho a ser seguido é o que foi traçado pelo Recurso Especial nº 1.015.459 – SP Ministra Relatora Nancy Andrighi, em seu voto recente (19 de maio de 2009), no qual estabelece novos parâmetros para o reconhecimento da fraude à execução, pelo Judiciário. O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Súmula 375/STJ. - Sem o registro da penhora, o reconhecimento de fraude à execução depende de prova do conhecimento, por parte do adquirente do imóvel, de ação pendente contra o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência. Precedentes desta Corte. Está demonstrada a boa-fé do terceiro adquirente quando este junta aos autos certidões de distribuição cível e de protestos obtidas no domicílio do alienante e no local do imóvel. Não se pode exigir que o adquirente tenha conhecimento de ações ajuizadas em outras comarcas. ( grifo nosso ). Dessa forma, segundo esse entendimento, a existência da boa-fé do comprador é relevante na aferição da existência ou inexistência de fraude à execução, mas ela não deve ser presumida, quando há registro, no ofício de registro de distribuição, de ação que possa levar o vendedor à insolvência. Com efeito, na certidão de feitos ajuizados consta eventual existência de ações contra a pessoa do vendedor, bem como de ações que recaiam sobre o imóvel, objeto do negócio jurídico. A certidão positiva de feitos ajuizados em nome do alienante possibilita que o adquirente decida entre comprar, ou não, o imóvel, 33


Fraude à Execução e Registro Público

em assumir, ou não, o risco do negócio, cabendo, porém, ao tabelião de notas a responsabilidade de informar ao comprador os possíveis prejuízos e consignar, na escritura pública, tal situação. Além das certidões dos ofícios de registro de distribuição, a utilização dos serviços notariais e de outros serviços registrais é importante instrumento de proteção a direitos de terceiros. A publicidade notarial registral consubstancia-se em uma relação de conhecimento na qual são partes: o usuário do serviço, o Estado (por meio do notário ou registrador) e os terceiros, destinatários da informação. Isso quer dizer que a utilização dos serviços notariais e registrais, além de ser um mecanismo de proteção jurídica do cidadão, constitui-se também em um meio de aferição da boa-fé objetiva, devendo a efetiva utilização dos serviços notariais e registrais ser indagada, pelo juiz, na aplicação do direito. O registro, como mecanismo legal de publicidade, necessita de um órgão e de pessoas que o coloque em funcionamento. A Constituição da República de 1988 trouxe o reconhecimento da atividade notarial e registral, em seu artigo 236. A respeito desse assunto, assim se expressa Santos: A primeira lei orgânica conjunta para notários e registradores e que regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal foi a Lei 8935 de 18 de novembro de 1994. O artigo 3º, da Lei 8935, define o tabelião e o registrador como profissionais do direito, dotados de fé-pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. (SANTOS, 2004, p. 122 ). Dessa forma, os artigos 1º e 3º, da Lei nº 8935/94, definem os serviços notariais e registrais como os órgãos garantidores da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, e o notário ou o oficial de registro como o profissional de direito a quem é delegado o exercício da atividade notarial e registral. 34


Associação Teixeira de Freitas

A fé pública notarial registral não provém do Estado, mas de um atributo de qualidade profissional do notário e do oficial de registro. O artigo 3º, da Lei 8.935, diz expressamente que o notário e o registrador são profissionais do direito, dotados de fé pública. Ressalte-se que a Lei não estabelece graus de eficácia de publicidade entre as diversas atividades notariais e registrais. Segundo ela , todas as atividades notariais e registrais garantem igualmente a publicidade dos atos jurídicos. Sendo assim, pode-se afirmar, por exemplo, que a publicidade do registro imobiliário, a do registro de distribuição e a do tabelionato de protestos possuem o mesmo valor jurídico, em relação aos atos jurídicos. O direito privado moderno impõe, por intermédio da boafé objetiva, a efetiva utilização dos serviços notariais e registrais, não apenas como forma jurídica destinada à aquisição de direitos reais, mas, principalmente, como instrumento de proteção a direitos de terceiros. Isso quer dizer que a utilização desses serviços, além de ser um mecanismo de proteção jurídica do cidadão, constitui-se também em um meio de aferição da boa-fé objetiva do comprador, devendo a efetiva utilização dos serviços notariais e registrais ser fundamentada pelo juiz, na aplicação do direito. Como exemplos de concretização da boa-fé objetiva, citamos a publicidade dos registros de distribuição das ações judiciais. A obtenção e a guarda das certidões dos feitos ajuizados são de fundamental importância, na hipótese de ser preciso provar a boa-fé do comprador, em uma eventual ação movida contra ele, pois a boa-fé é sempre aferida objetivamente pelo juiz. Em outras palavras, a existência, ou não, de boa-fé deve ser constatada pela resposta à seguinte indagação: tinha condições o comprador de, tomando todas as cautelas possíveis, saber da inviabilidade jurídica da compra? Se a resposta for negativa, a boafé é presumida e, portanto, deve ser prestigiada. Com esse entendimento, estará protegido não apenas o credor, mas também o comprador com a boa-fé aferida 35


Fraude à Execução e Registro Público

objetivamente, aquele que subordina seus negócios a cautelas mínimas, como o simples pedido de certidões nos ofícios de registro de distribuição, sendo que esta proteção complementase com o dever de o notário informar, ao comprador, os possíveis riscos e prejuízos na compra de um imóvel, sobre o qual existem registros públicos de ações judiciais, bem como o dever de esse mesmo notário consignar, na escritura pública, tal situação. Nesse diapasão, que é o tema central deste trabalho, observa-se uma intrínseca relação entre a fraude à execução, versada no artigo 593 do Código de Processo Civil, já analisado, e o registro público, representado pelos oficios de registro de distribuição, local no qual se dá publicidade às ações e às execuções em curso, que podem levar o alienante à insolvência, prejudicando a execução. Além disso, segundo a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça, a pesquisa de ações, nos distribuidores forenses, demonstra a boa-fé do terceiro adquirente e dos alienantes. Ademais, vale frisar que o voto da Exma. Min. Nancy Andrighi é inovador, pois, no dispositivo do artigo 593 do CPC, a fraude à execução estaria caracterizada quando, ao tempo da alienação, corresse contra o devedor uma demanda capaz de reduzilo à insolvência. Majoritariamente, considera-se que só a partir da citação do devedor se tem ciência da ação. Porém, a Exma. Ministra Nancy Adrighi considerou a redação do artigo imprecisa e entendeu que a existência da petição inicial simplesmente distribuída, ou despachada pelo juiz, deve ser suficiente para caracterizar a ciência da ação. E esse entendimento é o mesmo defendido por Cahali, seguidor da primeira corrente, como visto no item 3.1.1.

36


Associação Teixeira de Freitas

4.2 Análise da Súmula 375 e do Recurso Especial nº 1.015.459 – SP do Superior Tribunal de Justiça O Superior Tribunal de Justiça editou, em 30/03/2009, a Súmula 375, uma Súmula relativamente recente, a qual foi relatada pelo Exmo. Senhor Ministro Fernando Gonçalves. A parte final da Súmula 375 do STJ dispõe sobre a prova da má-fé do terceiro adquirente. No caso da fraude à execução, o devedor ou o terceiro adquirente têm as melhores condições para comprovar que não agiram de má-fé. Com relação ao devedor basta não ter havido a sua citação; já o terceiro adquirente deve provar que solicitou todas as certidões, de praxe, em nome do alienante – devedor e que, em nenhuma delas, havia demanda capaz de reduzilo à insolvência, demonstrando, assim , ter agido de boa-fé. Nos dias de hoje não se pode conceber que quem vai adquirir um imóvel se contente apenas em avaliar a sua matrícula, para fechar o contrato. É de conhecimento comum que, na investigação sobre o vendedor, o comprador de imóveis busca o ofício de registro de distribuição para encontrar eventuais ações propostas contra o alienante; se não o procura, então deveria fazêlo, pois a informação está disponível para quem for diligente. De acordo com o STJ ( Recurso Especial nº 1.015.459 – SP), tomando por base o comportamento do homem médio, zeloso e diligente no trato dos seus negócios jurídicos, bem como a praxe na celebração de contratos de compra e venda de imóveis, é de se esperar que o adquirente efetue, no mínimo, pesquisas nos ofícios de registro de distribuição das comarcas de localização do bem e de residência do alienante. Sendo assim, a pesquisa da certidão de feitos ajuizados nos ofícios de registro de distribuição, do local do imóvel e da residência do vendedor, é requisito necessário para demonstrar a boa-fé objetiva do terceiro adquirente. Além disso, há uma intrínseca relação desta tese com a corrente defendida pelo doutrinador Yussef Said Cahali, no item 3.2.1 de nosso 37


Fraude à Execução e Registro Público

trabalho, de que basta, para configurar a fraude à execução, a simples distruibuição de um processo capaz de reduzir o devedor à insolvência ou um despacho do juiz. Para terminar, transcrevemos um trecho do Professor Marcato sobre uma pesquisa realizada junto ao Superior Tribunal de Justiça. Aliás, em pesquisa realizada junto ao Superior Tribunal de Justiça, tendo por base 1.207 processos relacionados à fraude à execução, constatou-se que em todos eles o litígio resultou do questionamento de negócios jurídicos envolvendo a boafé dos adquirentes de bens, principalmente imóveis. Mais que isso, é sintomático que 85% (oitenta e cinco por cento) dos processos envolvendo fraude à execução têm origem nos Estados em que não se exige a certidão de feitos ajuizados, destacando-se, entre eles, os Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina, com 79,25% (setenta e nove, vírgula vinte e cinco por cento) dos processos pesquisados; já no Distrito Federal e nos Estados do Paraná e do Rio de Janeiro, nos quais se exige a apresentação de certidões de feitos ajuizados para a celebração do negócio jurídico, esse percentual cai para 15% (quinze por cento) dos processos. (Marcato, 2013, p.16)

38


Associação Teixeira de Freitas

Conclusão No presente trabalho, procuramos discorrer a respeito do tratamento que vem sendo dado pela legislação, doutrina e jurisprudência ao instituto da fraude à execução, preocupandonos, principalmente, com a tutela que o terceiro adquirente tem recebido, quando age objetivamente de boa-fé na aquisição de bens ante a existência de demanda pendente em face do vendedor. Qualquer adquirente de imóvel possuidor de boa-fé deve obter certidão negativa de ônus, no registro imobiliário, e certidões negativas ou positivas, junto aos ofícios de registro de distribuição da comarca em que se localiza o bem imóvel, bem como daquela do domicílio do alienante. Se o adquirente do bem alienado não tomou as cautelas mínimas de obter certidões forenses, deve prevalecer a presunção relativa em benefício do credor, restando ao adquirente o ônus de provar que não tinha condições de ter ciência da demanda pendente. Porém, deve prevalecer a presunção relativa em benefício do adquirente de boa-fé, quando a demanda estiver em curso em comarca diversa daquela do bem alienado ou penhorado, e se ele apresentar certidões forenses da comarca de residência dos vendedores.

39


Fraude à Execução e Registro Público

Referências Bibliográficas CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 4. ed, revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume II. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. CARVALHO, Luiza de. Comprador deve demonstrar a boa-fé para não perder o imóvel. <http://anoreg.empauta.com/e/mostra_ noticia.php?cod_noticia=963973509> Acesso em: 14/04/2010. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 13.ed.São Paulo: Saraiva, 1999. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. _____. Código Civil Anotado. 9. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil – Execução, volume 5. Salvador: Editora Jus Podivm, 2007. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 4. 3. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. KOLLET, Ricardo Guimarães. Livro manual do tabelião de notas para concursos e profissionais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. MARCATO, Antonio Carlos. Opinião Legal. 2013. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – parte geral. 40. ed, revista e atualizada por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código Civil comentado. 6. ed, revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2008.

40


Associação Teixeira de Freitas

SALAMANCHA, Jose Eli. Fraude à Execução. Direitos do credor e do adquirente de boa-fé. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. SANTOS, Maria Elisa Comassetto. Fundamentos teóricos e práticos das funções notarial e registral imobiliária. Porto Alegre, Norton Editor, 2004. SILVA, Bruno Mattos e. Compra de imóveis: aspectos jurídicos, cautelas devidas e análise de riscos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – procedimentos especiais. volume III. 38. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2001. _______. Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

41


A Associação Teixeira de Freitas foi criada para promover a confraternização dos alunos do Curso de Direito da Universidade Federal Fluminense, através de atividades culturais, sociais e esportivas; realizar estudos, conferências, cursos e seminários ligados à cultura jurídica; colaborar com a coordenação do curso de especialização em Direito Privado, na realização de eventos; divulgar os trabalhos monográficos produzidos pelos pós-graduandos que tenham obtido o conceito máximo e instituir a medalha Teixeira de Freitas, destinada a agraciar às personalidades que, pelo seu saber jurídico, tenham contribuído, de forma notória, para o aperfeiçoamento cultural dos associados.

www.atf.org.br


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.