BLACK BLOCS BRASILEIROS NA MÍDIA: Uma análise das ideologias sobre a tática projetada pela BBC

BLACK BLOCS BRASILEIROS NA MÍDIA: UMA ANÁLISE DAS IDEOLOGIAS SOBRE A TÁTICA PROJETADAS PELA BBC Talita Tonso, graduanda em Comunicação Social/Jornalismo Ivan Vasconcelos Figueiredo, Departamento de Letras, Artes e Cultura

Resumo: O presente trabalho teve como objetivo primeiro analisar a tática de manifestação conhecida como Black Bloc que teve seu auge no Brasil nos atos em favor do passe livre que ocorreram por todo o país no mês de Junho de 2013.

O segundo objetivo foi, à partir do estudo de matérias vinculadas à rede British Broadcasting Corporation (BBC) Brasil, compreender o quanto a mídia influencia na opinião do senso comum ao negar voz aos integrantes do bloco para que possam quebrar os estigmas de “baderneiros”, “rebeldes sem causa” “criminosos” entre outros. Dentro desse projeto, aprofundando-se nas raízes ideológicas e históricas dos Black Blocs ao redor do mundo pudemos levantar a questão da violência velada, simbólica e subjetiva dentro da sociedade capitalista e, consequentemente, suas reações.

Introdução O embasamento teórico para que pudesse haver um aprofundamento no assunto foi feito a partir da leitura de três livros. O primeiro deles foi o livro Black Blocs do autor Francis Dupuis-Dèri (2014) que trabalha com diversos argumentos contra a imagem negativa que a tática Black Bloc tem ao redor do mundo. Esses argumentos são embasados em conteúdos midiáticos e de cunho empírico como entrevistas e relatos de pessoas que já participaram ou tiveram alguma ligação com ações de Black Blocs tentando, assim, ao longo do livro, desconstruir a

concepção do imaginário popular. O segundo livro foi Cidades Rebeldes - passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (2013) uma coletânea lançada pela Boitempo que é formada por segmentos escritos por autores diferentes que, de acordo com suas áreas de atuação e experiência tanto profissional

quanto

filosófica,

explanam

sobre

o

contexto

histórico

e

socioeconômico dos atos a favor do passe livre dando ênfase na questão urbana e do direito ao acesso à cidade. O terceiro e último livro lido foi Violência (2015) do autor Slavoj Zizek, uma análise crítica sobre a forma como encaramos a violência dentro

da

sociedade

que

articula,

para

embasamento

argumentativo,

conhecimentos de campos da história, da psicanálise, da filosofia, da sociologia e das artes Em cada um desses livros foi possível compreender melhor partes de um quebra cabeça que nos é oferecido previamente montado pela grande mídia: a violência é sempre negativa, desde que não realizada em prol da segurança pública ( torturas realizadas pela Polícia Militar), em nome da paz mundial (intromissão dos EUA em diversas guerras), para educar um criminoso (sistema carcerário precário), entre várias outras formas mais simbólicas de agressão.

Partindo desse pressuposto, inserida na ótica das massas, não há como ver dentro da tática Black Blocs nada mais além de depredação e bagunça, uma vez que é, de fato, mais fácil atestar e repudiar uma janela quebrada do que uma imposição de divisão de classes, por exemplo. E mais, essa negação da violência como forma de protesto é cabível? Em outras palavras, como questiona Depuis em seu livro: “ Será que os ativistas não violentos teriam triunfado sozinhos, sem a violência de seus aliados?” (PAG 94) Outro tema que provoca frisson na grande mídia e na polícia civil e militar é a tentativa de definir um perfil único para os militantes de Black Blocs e é imprescindível que isso seja debatido como viés claro da criminalização de movimentos sociais. O denominador comum, desde os primeiros Black Blocs na Alemanha, nos anos 80, é que o bloco é composto por jovens mascarados e de roupas pretas que não se sentem representados pelo sistema/governo vigente, em sua maioria anarquistas. O fato de haver muitos anarquistas nas manifestações é

utilizado de má fé pela grande mídia com o intuito de efetivar a relação entre “anarquia” e “bagunça” embora o anarquismo seja muitas vezes dogmaticamente contra a violência e capaz de fazer parte de uma passeata pacífica, de forma organizada e extremamente democrática como exemplifica Francis diversas vezes em seu livro.

Análise de matérias Para que se pudesse ter uma visão mais ampla, porém aprofundada sobre o que a mídia mostrou dos acontecimentos do movimento Black Bloc foram selecionadas oito matérias do site da BBC Brasil dos dias 8 (três matérias),15 (duas), 16, 25 e 26 de Outubro; nessa época, os movimentos do Movimento Passe Livre (MPL) já haviam enfraquecido e a greve dos professores se acentuava.

O método de análise das matérias consistia em fazer, primeiramente, um resumo do conteúdo geral e observar o que os textos diziam sobre os Black Blocs, como eles eram caracterizados (violentos, anarquistas, baderneiros, marginais, criminosos, etc), se havia espaço na matéria para que Black Blocs fossem ouvidos e falassem por eles mesmos ou eram omitidos e, por fim, analisar se, ao final da matéria, essa representação era mais negativa do que positiva. Ao final, era imprescindível fazer uma conclusão e relacionar com os livros lidos anteriormente para que se pudesse embasar a argumentação.

As oito matérias analisadas são, em sua maioria, uma análise do movimento com base em informações de Policiais Militares o que, obviamente, direciona não só a narrativa dos fatos, mas a ideologia intrínseca também. A primeira matéria “Ação de Black Blocs desviou foco de reivindicações, diz sindicato.” trata os Black Blocs como se eles não fizessem parte do movimento e tivessem apenas atrapalhado as manifestações por serem desnecessariamente violentos e desorganizados.

A segunda matéria “Black Blocs cativam e assustam manifestantes mundo a fora” traça um perfil e inclui frases do livro de Depuis além de entrevistas com

outros militantes, mas mesmo assim, através da escolha de frases, é perceptível uma descredibilidade aos Black Blocs quanto um movimento sério.

A terceira matéria “Black Bloc e polícia vivem guerras de tática” conta, a partir da perspectiva de policiais, as táticas que os Black Blocs usam para os atos e, em contra partida, as táticas da polícia para reconhecer e prender “criminosos”.

Em um de seus manifestos, os Black Blocs disseram a seguinte frase: “Usando máscaras, mostramos que não importa quem somos, mas o que queremos, e o que queremos é tudo para todos”.

(Black Blocs, pag. 114). É de se esperar que nessa frase jaz o desespero da necessidade de identificação por parte da polícia. Outra parte interessante que essa matéria conta também com a entrevista de Rafael Alcadipani, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, que refuta a teoria de que Black Blocs são criminosos, mas sua entrevista tem ¼ do espaço da matéria inteira e é praticamente inteira colocada entre aspas ao invés de aprofundada.

A quarta matéria ““Estamos lutando por algo que ainda não sabemos o que é” diz Black Bloc”. tem como objetivo principal dar uma visão interna da tática Black Bloc a partir de uma entrevista com uma militante. A moça, que pede para não ser identificada, conta sobre suas impressões sobre o movimento, a necessidade da violência usada nas manifestações e opiniões próprias sobre o contexto histórico-político brasileiro, porém a forma como a entrevista é representada transforma a entrevistada e, consequentemente, o movimento que ela representa em anarquistas perdidos. Prova disso é o próprio título da matéria A quinta matéria “Manifestantes invadem terminal e queimam ônibus em São Paulo” é a mais curta e, portanto, menos explicativa sobre o movimento em sí. Apesar disso, o texto é mais neutro e se refere aos Black Blocs como manifestantes radicais (o que, de fato, se comparados com a maioria dos manifestantes do Movimento Passe Livre, o são). Um aspecto interessante foi a escolha de informações por parte da reportagem de informar que um policial havia sido agredido, mas deixar de mencionar os mais de 90 manifestantes que foram detidos.

A sexta matéria “Pelo twitter, Dilma manifesta apoio a policial ferido em protesto” traz a repercussão da então presidenta Dilma Rousseff sobre a agressão ao coronel ferido Reynaldo Simões em um confronto com um grupo de Black Blocs na noite do dia 25 por meio da rede social Twitter, onde expressa seu descontentamento

com

práticas

violentas

exercidas

pelos

manifestantes.

Obviamente, no caso dessa matéria, o peso de negativação dos Black Blocs está na opinião da presidente; esse fator tem um peso extra pois Dilma compõe o quadro principal do PT, um partido de centro-esquerda que, ao menos em teoria, não deveria seguir a linha de que toda “violência deve ser coibida” mas quando se trata de truculência policial, nada é dito.

A sétima matéria “Por que eu apoio os Black Blocs” é uma das poucas que consegue, através das informações de uma entrevista quebrar alguns paradigmas negativos sobre a tática. A matéria faz primeiramente um pequeno resumo sobre os últimos atos em que houve atuação dos Black Blocs; conta quais e quantas coisas foram depredadas e afirma que a opinião popular é negativa sobre o grupo; a outra parte da matéria é a transcrição da entrevista de Rafael Puetter, um militante e cinegrafista que apoia a tática Black Bloc.

A oitava e última matéria “Polícia ignora discurso de Black Blocs e busca “líderes”” também é mais neutra e é dividida em duas partes. A primeira, trabalha com a hipótese da polícia de que os Black Blocs são um grupo de atividades violentas organizadas e com líderes que ainda não foram identificados, embora seus perfis já estejam sendo traçados; há também a suspeita da polícia de que esse grupo pode ter vínculos diretos com partidos políticos de extrema esquerda e que os Black Blocs brasileiros estejam enviando militantes para outros Estados do país.A segunda parte é com a mesma entrevista do pesquisador da fundação getúlio Vargas Rafael Alcadipani que afirma que os Black Blocs são uma tática, e não um grupo organizado (e, portanto, não devem ser tratados como um) que vem no embalo de um descontentamento com o sistema capitalista e uma crise de representatividade política que percorre o mundo todo.

Conclusão: Após a análise das matérias e leitura dos livros fica claro que a má interpretação das ações dos anarquistas Black Blocs por parte da grande mídia não é coincidência ou falta de informação. Os critérios de noticiabilidade e a seleção de informações para compor uma matéria não escolhidos ao acaso e, mais, não dependem da demanda de informações da população, uma vez que eles mesmos criam a demanda que devem satisfazer.

Dessa forma, e elenco aqui alguns exemplos contemporâneos, a mídia reafirma seu monopólio quando não se debate a fundo a concepção de violência física como reação à uma sociedade doente e simbolicamente agressiva com seus indivíduos; quando estimula uma sociedade de espetáculo onde o atentado às torres gêmeas é considerado o maior ataque terrorista, enquanto bombas lançadas pelos próprios EUA já mataram muito mais civis inocentes do que esse ataque; quando nega o debate sobre o acesso à cidade como espaço de cultura e lazer para classes menos abastadas com uma segmentação social injusta e cruel; quando reitera o senso comum tratando como criminosos aqueles que decidem devolver com a mesma moeda o que lhes é infligido dia após dia pelo capitalismo.

Como afirma Zizek “ Não poderia toda a história da humanidade ser vista como uma normalização crescente da injustiça, trazendo consigo sofrimento de milhões de seres humanos sem nome e sem rosto? Em algum lugar na esfera do divino, talvez, estas injustiças não tenham sido esquecidas. Acumulam-se, os erros são registrados, a tensão aumenta e torna-se cada vez mais insuportável, até o momento em que a violência divina explode numa cólera de retaliação devastadora” (Violência, pág. 142). Assim, a pesquisa acerca dos Black Blocs e das movimentações do ano de 2013 e tudo que é relacionado é imprescindível para que possamos compreender um movimento mundial (que está ainda em seu início) de descrença não somente no sistema econômico vigente, mas também no político e social: o capitalismo está em crise e, cada vez mais, suas violências deixarão de ser “apenas” simbólicas.