Take 36

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Título nacional: Carrie Realização: Brian De Palma

CARRIE

Elenco: Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving

1976 JOÃO PAULO COSTA

Depois de ter iniciado a sua carreira com uma série de comédias satíricas de baixíssimo orçamento, Brian De Palma começou a desenvolver em Irmãs (1973) o gosto pelo suspense hitchcockiano, criando uma linguagem cinematográfica que deve tanto ao mestre inglês como às suas obsessões pessoais, entre as quais uma atracção profunda pelos mais sombrios recantos de repressão sexual da mente humana. Daí que a decisão dos responsáveis da MGM de escolher o realizador de O Fantasma do Paraíso (1974) para adaptar Carrie ao grande ecrã, na altura um best seller que introduziu o seu autor, Stephen King, entre os mais conceituados nomes da literatura de horror contemporâneo, tenha feito todo o sentido. Porque mais do que um conto sinistro sobre uma jovem com poderes telecinéticos e a sua tresloucada mãe, é acima de tudo um olhar incisivo sobre a adolescência: a formação da personalidade, as relações interpessoais e, claro, o despertar sexual. Daí o seu sucesso literário e consequente êxito cinematográfico, que tirou De Palma do relativo anonimato e o catapultou para a primeira divisão. Com recurso a valores de produção aos quais pouco acesso tinha tido até então, o realizador ofereceu-nos um clássico instantâneo, polvilhado com muitas das suas técnicas favoritas e construindo momentos de suspense que futuramente lhe viríamos a reconhecer como imagens de marca - o climax final, onde a fantasia da protagonista é desfeita por um repugnante banho de sangue faz parte da história do cinema por direito próprio, no qual a câmara, a montagem precisa e a música fantástica de Pino Donaggio nos deixam completamente colados à cadeira.

em conta que a actriz já contava 26 anos quando deu corpo a esta personagem franzina dez anos mais jovem. Piper Laurie está também ela demoníaca como a mãe louca e imprevisível, uma fanática religiosa com tendência para a auto-mutilação. As cenas que ambas partilham conseguem ser tão desconfortáveis como tocantes, até ao seu trágico final. De resto, entre os jovens colegas de Carrie, encontramos gente como Nancy Allen, Amy Irving e John Travolta um ano antes de explodir com febre numa noite de sábado, cujas caracterizações são também particularmente felizes, resultado de um misto da escrita original de Stephen King, da adaptação de Lawrence Cohen e do olhar habitualmente perverso do realizador que não tem problemas em os representar como adolescentes reais: inseguros, invejosos, e sexualmente activos. Aliás, a sequência inicial na qual a câmara de De Palma capta em câmara lenta o grupo de raparigas no ginásio da escola, sugerindo um romantismo e sensualidade prontamente quebrados pela primeira menstruação de Carrie à qual as suas colegas reagem jocosa e violentamente, mostra-nos desde logo a grande preocupação do realizador em enraizar a sua história num universo perfeitamente realista, onde integra de forma perfeita os elementos fantásticos, tornando-os assim ainda mais perturbadores. Estreado no final de 1976 (ano em que De Palma assinou o também fantástico Obsession), Carrie foi um sucesso estrondoso entre público e crítica, estabelecendo-se imediatamente como uma marca do cinema de terror. E hoje, a única coisa datada que nele encontramos só mesmo a moda dos anos 70, porque em termos cinematográficos, continua tão eficaz como nunca. E mesmo com os seus méritos, o remake estreado em 2013 não consegue atingir a mesma dimensão apoteótica do original.

Para além do trabalho irrepreensível de Brian De Palma atrás das câmaras, Carrie faz do seu elenco outro ponto de grande força. Como Carrie, a jovem rejeitada pelos colegas na escola por ser diferente, e que desenvolve poderes especiais para mover objectos com o poder da mente, Sissy Spacek é absolutamente perfeita, mais ainda se tivermos

“(...)um olhar incisivo sobre a adolescência: a formação da personalidade, as relações interpessoais e, claro, o despertar sexual.” 59


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