Revista APDA #26 - 3º trimestre 2022

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS REVISTA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS EDIçãO 26 3º TRIMESTRE 2022 Cobertura de custos: Qual o caminho?

# FICHA TÉCNICA

Edição

APDA

Diretor

Sérgio Hora Lopes

Conselho Editorial

Inês Matos Margarida Esteves Paulo Nico Pedro Béraud Pedro Laginha

Coordenação Ana Antão

Projeto Gráfico OT Comunicação

Diretora Criativa Sandra Souza

ÓRGÃOS SOCIAIS DA APDA

ASSEMBLEIA GERAL

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CONSELHO DIRETIVO

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CONSELHO FISCAL

Presidente: Carlos Pinto de Sá Secretário: Carlos Silva Secretário: Jorge Nemésio

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EDITORIAL

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A edição 26 da Revista APDA é um número que merece ser devidamente assinalado. Pela primeira vez temos uma entrevista com a Presidência da ANMP. Por motivos vários, o facto é que só agora se criaram condições para termos um depoimento de fundo sobre as opções da Associação representativa dos municípios portugueses, um dos parceiros chave na gestão dos serviços de água. A reforçar a sua importância, esta entrevista vem num momento em que o setor passa por uma fase particularmente complexa sob vários pontos de vista: saída da pandemia, crise político-militar na Europa, escassez e inflação, nomeadamente de fatores produtivos essenciais, crise climática duradoura e com uma seca quase inédita, a entrada em vigor de um novo Plano Estratégico e de um novo quadro financeiro europeu, etc. As primeiras palavras devem ser pois dirigidas à nova Presidente da ANMP, Dr.ª Luísa Salgueiro, por ter aceite o nosso convite e com toda a abertura apresentado a posição da Associação.

O facto deste número da revista ter como tema central a recuperação de custos (gastos) acresce importância ao depoimento da Presidente da ANMP, na medida em que se trata de um dos motivos de maior preocupação na gestão do setor, e não sendo de todo consensual a forma como poderá ser alcançada. Mas resolver esta questão, é tão mais indispensável quanto maior e prolongada for a escassez da água, que se tende a tornar crónica.

Enfatizar a enorme relevância da escassez torna-se já fastidioso. Não deve(ria) existir nenhuma pessoa, com ou sem responsabilidades públicas ou privadas, que não tenha consciência do assunto. Mas nem tudo o que parece é. O peso do egoísmo, a frequente ausência de ética e o otimismo

tecnológico são grandes, e o sonho de que existirá uma espécie de pedra filosofal, que torne economicamente viável a transformação do ar em água, ou outro passe de mágica qualquer que resolva esta questão, ainda existe. Mas passes de mágica são ilusões, já os graves problemas com a água são duras realidades.

A importância de criar um sistema sustentável para recuperar os custos suportados é crucial. Irá permitir aos operadores ganharem músculo suficiente para ter autonomia e capacidade de solucionar os problemas, quer de curto prazo quer de longa duração, como os crescentes custos ambientais, a inovação, as maiores exigências dos consumidores e dos reguladores, etc.

As formas de recuperar custos podem ser diversas, centradas quer no crescimento dos proveitos, quer na redução de gastos. No primeiro caso deve-se ter em conta a capacidade para pagar dos consumidores e a existência de uma fiscalização adequada que assegure que quem consome paga. No segundo caso teremos soluções técnicas e de gestão mais eficientes e mais apropriadas a cada caso, redução de perdas, reutilização, etc.

Temos de reconhecer que os serviços de água são um direito humano e a água está na origem da vida. Temos também que reconhecer que a existência de sociedades sem estes serviços devidamente operacionais não é sequer imaginável. Os consumidores, no entanto, não são um universo igualitário e devem ser tratados o mais possível de forma equitativa, isto é, cada caso é um caso, e, como sabemos, tratar da mesma forma situações diferentes é um fator de desigualdade e não de igualdade. O desenvolvimento tecnológico virá sem dúvida

EDITORIAL

a tornar mais fácil atuar equitativamente, mas nunca será suficiente. A questão é essencialmente política.

Algumas vezes esta problemática parece uma quadratura do círculo, dado o número de variantes a ter em conta. Custos operacionais, custos de investimento, diversidade de operadores, a diferente perceção do tempo entre os vários agentes envolvidos (quer na distribuição de custos entre a geração presente e as futuras, quer no tempo para quem decide e constrói as soluções políticas, técnicas e financeiras e a urgência da satisfação da necessidade), a volubilidade do clima, os pré-conceitos ideológicos que nos enformam, são entre muitas outras faces do problema. Já enunciar o problema é complexo, quanto mais resolvê-lo.

Para discutir este tema de um modo abrangente reunimos diversos artigos escritos por personalidades reconhecidas no setor, com responsabilidades na gestão, análise e consultadoria e abarcando diversas soluções organizativas e gestionárias. Assim, além do destaque da Presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, temos artigos da Presidente da ERSAR, Vera Eiró, de Diogo Faria de Oliveira, que foi Presidente do Grupo de Apoio à Gestão do PENSAAR 2020, que se interroga se estaremos no caminho da sustentabilidade, da Comissão Especializada de Legislação e Economia da APDA (CELE), em que se avalia

a cobertura de gastos no continente, de Francisco Narciso, Presidente do Conselho de Administração da Águas Públicas do Alentejo, sobre a relação “alta” “baixa” e os desafios de sustentabilidade, de Pedro Perdigão, Presidente da Comissão Executiva da Indáqua, sobre a recuperação de custos numa concessão municipal e de Miguel Carrinho, Diretor Geral da Águas do Ribatejo, que analisa o caso daquela empresa intermunicipal.

Como se constata tentamos cobrir as várias perspetivas que existem no setor sobre a, repito, complexa questão da recuperação de gastos. Esperamos que tenhamos ajudado a dar mais um passo para que exista uma aproximação de pontos de vista que ajude à consolidação económico-financeira do setor dos serviços de água.

Boa leitura!

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Sérgio Hora Lopes Diretor da Revista APDA

ÁGUA, ONDE A VIDA SE MULTIPLICA

A
PORTUGUESA
DRENAGEM
VALORIZAR A ÁGUA E A VIDA ASSOCIAÇÃO
DE DISTRIBUIÇÃO E
DE ÁGUAS

ESPAÇO CONSELHO DIRETIVO

Cobertura de custos: qual o caminho?

Temos assistido nos últimos anos a uma visão maniqueísta do modo como é realizada a avaliação dos tarifários dos serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento praticados pelas entidades gestoras. A publicação regular nos media dos rankings dos municípios onde estes serviços (vulgarmente designados por “água”) são “mais e menos caros” para um utilizador doméstico concorrem para a promoção generalizada da desinformação da opinião pública.

Esta avaliação a preto e branco de uma realidade algo complexa e com várias dimensões de análise conduz-nos a todos a uma discussão que não defende as entidades gestoras e não serve os objetivos do setor.

Na realidade, para além de o preço destes serviços não poder ser igual em todo o território nacional - face a questões de exploração (disponibilidade), operacionais e contratuais decorrentes do modelo de gestão adotado - ocorre que mais de metade das entidades gestoras não cobre os gastos totais que tem com estes serviços.

Na prática, isto significa que valores de cobertura de gastos abaixo de 100% traduzem níveis tarifários desadequados devido a custos operacionais elevados e/ou proveitos tarifários aquém do expectável.

O preço cobrado pelos serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento terá de caminhar, a curto-médio prazo, no sentido da sua uniformização em todo o país, pese embora algumas situações particulares de contexto que permitem aligeirar alguns destes custos. As atuais assimetrias registadas, fruto da não cobertura dos gastos, terão de ser mitigadas e assistir-se-á a um aumento generalizado do preço destes serviços, aproximando-os dos níveis de preços praticados atualmente por entidades gestoras de natureza empresarial, em modelo de gestão delegada ou concessionada.

Seguindo as recentes recomendações propostas pela ERSAR - relativas à adoção em todo o país de um tarifário social para consumidores domésticos que não ultrapasse um encargo mensal de 4,77 euros por serviço - poder-se-ão aplicar, de um modo transversal, os princípios de justiça social a todas as entidades gestoras e seus utilizadores, facilitando aos municípios a aplicação do ajustamento tarifário que se demonstre necessário.

Como é defendido pelo regulador, deverá salvaguardar-se a utilização dos recursos públicos e, com esse desígnio, reduzir gradualmente a subsidiação implícita dos tarifários gerais, mas apostando, em contrapartida, no financiamento dos tarifários sociais com o reforço das verbas que atualmente lhes estão destinadas.

A utilização dos serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento como ferramenta para a adoção de políticas sociais ou de outra natureza, num determinado território, não defende o princípio da transparência que deverá estar subjacente à prestação de serviços assentes em relações contratuais com regras claramente definidas.

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ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO

A garantia da acessibilidade económica aos serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento deverá ser assegurada pela aplicação universal de tarifários sociais e não através da subsidiação destes serviços a um conjunto alargado e indiferenciado de utilizadores. Este mecanismo opaco e recorrentemente utilizado pelos municípios é promovedor de injustiça social e não garante a sustentabilidade económica e financeira das entidades gestoras, comprometendo a resiliência dos sistemas e a prestação de serviços públicos de qualidade às gerações futuras.

Terá de ser criada a necessidade de se valorizar os serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento junto da população e a melhor forma de o conseguir é atribuindo-lhes o seu preço real, que possibilite a adoção pelas entidades gestoras das melhores práticas de gestão e garanta a necessária renovação dos ativos. Por outro lado, as entidades gestoras têm a obrigação de melhorar os atuais níveis de desempenho operacional, tornando-se mais eficientes e apostando, definitivamente, na melhoria dos níveis de qualidade de serviço prestado aos seus utilizadores.

A manutenção da atual dicotomia no setor, dividindo-o em entidades gestoras cujos proveitos cobrem os seus gastos totais e aquelas que não o efetuam, é insustentável. A aposta governativa nas agregações das baixas, dotando o setor de entidades gestoras de maior escala, não se tem afirmado, até à data, como uma solução capaz de resolver este problema.

Efetivamente, as recém agregadas entidades gestoras têm-se deparado, nos seus primeiros anos de atividade, com graves problemas de sustentabilidade económica e financeira e estão agora perante a necessidade premente de aumentarem significativamente os níveis tarifários praticados e, simultaneamente, de implementarem medidas que promovam um rápido aumento do seu nível de desempenho operacional.

É, assim, imperioso, para o futuro do setor, caminhar na adoção de políticas de sustentabilidade económica e financeira, mas também na procura de ganhos de eficiência na gestão, que façam face aos desafios prementes relativos à reabilitação de ativos e ao uso sustentável do recurso água, cuja problemática decorrente da emergência climática está cada vez mais presente na vida de todos nós.

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A VALORIZAR A ÁGUA E A VIDA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS
ÁGUA, ONDE A VIDA SE MULTIPLICA

DESTAQUE # ATUALIDADE

Luísa Salgueiro

Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

Vera Eiró

A Recomendação Tarifária e a sustentabilidade

Diogo Faria de Oliveira

Estamos ou não no caminho da sustentabilidade?

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Francisco Narciso Pedro Perdigão Miguel Carrinho

A relação “alta” “baixa” e os desafios de sustentabilidade A recuperação de custos numa concessão municipal Recuperação de gastos - O caso da Águas do Ribatejo

Comissão Especializada de Legislação e Economia da APDA 68 82 84

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Avaliação da cobertura dos gastos em Portugal Continental # EVENTOS # INFOGRAFIA
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS 6 ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO MOVIMENT0 AUSENTE PROGRESSO

Luísa Salgueiro

Presidente do Conselho Diretivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP)

DESTAQUE

Luísa Salgueiro

Dados Pessoais Nasceu a 2 de janeiro de 1968 em São Mamede de Infesta, Matosinhos. Licenciada em Direito e com pós-graduação em direito do ambiente. Casada, com uma filha, é presidente da Câmara Municipal de Matosinhos desde 21 de outubro de 2017.

Cargos que desempenha

Presidente do Conselho Diretivo da ANMP desde dezembro de 2021.

Presidente do Conselho de Administração da Matosinhos Sport desde outubro de 2017.

Presidente do Conselho de Administração da MatosinhosHabit desde outubro de 2017. Presidente da Assembleia Geral da Metro do Porto desde junho de 2019. Vice-presidente da Junta de Governo da Associação para a Colaboração de Portos e Cidades Portuárias desde outubro de 2020. Vice-presidente da RETE - Associação de Portos e Cidades Portuárias desde outubro de 2020.

Membro da Comissão Executiva da “United Cities and Local Governments” (UCLG), a maior organização mundial de governos locais.

Cargos que desempenhou Advogada de 1991 a 1999. Consultora Jurídica da DECO. Consultora Jurídica da Câmara Municipal do Porto desde 1997. Vereadora da Câmara Municipal de Matosinhos de 1997 a 2009. Deputada na X, XI, XII e XIII legislatura. Presidente, fundadora e membro de Instituições Particulares de Solidariedade Social.

Membro do Grupo Parlamentar sobre População e Desenvolvimento.

Entrevista com a Presidente da ANMP

“...o montante disponibilizado no âmbito dos fundos comunitários destinados ao financiamento da vertente “em baixa”, do Ciclo Urbano da Água ficou aquém da procura por parte dos municípios, ...”

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Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais

Está previsto que o PENSAARP 2030 entre em vigor este ano. Este documento essencial estabelece a política pública do setor para a década. A ANMP teve a oportunidade de acompanhar a sua elaboração e pronunciar-se sobre o documento.

Considera que o documento está de acordo com as prioridades que a ANMP considera mais importantes e concorda genericamente sobre os princípios adotados e a priorização proposta? Dado a ANMP ter tido um representante no Grupo de Trabalho que preparou o documento e tendo decorrido já um período de consulta pública sobre o PENSAARP, a ANMP pronunciou-se? Se sim, quais as posições assumidas? Quais os principais aspetos

que a ANMP gostaria de ver incluídas/modificadas no atual documento?

A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) é uma entidade de direito privado que tem como fim geral a promoção, defesa, dignificação e representação do Poder Local.

Nesse enquadramento e propósito acompanha, com especial proximidade, todos os assuntos que respeitam mais diretamente aos

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Luísa Salgueiro

# DESTAQUE

municípios e o PENSAARP não é, naturalmente, exceção. Tem, de facto, um representante do seu Conselho Diretivo no Grupo de Trabalho criado e emitiu a sua pronúncia em tempo oportuno.

Consideramos como máxima prioridade o fecho de redes de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de drenagem de águas pluviais, procurando garantir a eficiência dos serviços e a melhoria da sua qualidade, a otimização da capacidade instalada e a redução das perdas de água e infiltrações.

Recordamos que o montante disponibilizado no âmbito dos fundos comunitários destinados ao financiamento da vertente “em baixa”, do Ciclo Urbano da Água ficou aquém da procura por parte dos municípios, o que é um sinal de que há ainda muitas necessidades de investimento no setor, sendo indispensável acautelar um maior investimento e acabar com as limitações e restrições, do passado, no acesso a estes fundos, nomeadamente com a obrigatoriedade/exigência de agregação de sistemas.

Reconhecendo que a

implementação das medidas ambiciosas preconizadas exigirá um intenso esforço financeiro de todos os agentes envolvidos, a ANMP considera prioritário o reforço das fontes e modelos de financiamento do setor, atendendo a que uma parte significativa das medidas projetadas implicam investimentos significativos, não só investimentos infraestruturais - construção de nova rede e reabilitação da existente -, mas, também, investimentos de modernização, capacitação dos recursos e descarbonização.

É necessário proceder a uma modernização do setor, com uma gestão cada vez mais eficiente, profissional e sustentável, com aumento de investimento, não só infraestrutural para redução de perdas na adução e distribuição de água.

Mais, a ANMP concorda com a alteração do modelo de gestão linear para o modelo circular, procurando novas fontes de água como a dessalinização da água do mar, bem como tratando as águas residuais com vista à sua reutilização, ou seja, a Água para Reutilização

(ApR), reaproveitando o recurso “água” para fins menos nobres, aumentando a reserva de água para fins mais nobres, o que é fundamental para evitar secas e minorar os efeitos das alterações climáticas. Isto requer uma maior capacitação dos recursos humanos afetos, inovação, conhecimento e novas tecnologias empregues, principalmente, em controle de pressão da água nas redes, controle de roturas e de fugas de água do sistema.

Por outro lado, a ANMP também apoia a inclusão da gestão das águas pluviais no plano, na medida em que promove, quer a melhoria da gestão do risco de inundação de origem pluvial em contexto urbano, quer o seu aproveitamento para fins menos nobres.

Uma questão mais concreta: Qual a sua opinião sobre o alargamento do âmbito da atividade das entidades gestoras de água e saneamento não municipais, às águas pluviais?

A inclusão da atividade de gestão das águas pluviais nas entidades gestoras, sejam elas municipais ou

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Luísa Salgueiro

não municipais, promove, técnica e ambientalmente, o seu aproveitamento quando necessário, reutilizando-as, a melhoria da gestão do risco de inundação de origem pluvial em contexto urbano, a minimização do impacto das alterações climáticas, o reforço da gestão circular e do ciclo urbano da água. Contudo, não podemos ignorar a preocupação da implicação financeira correspondente que tem de ser acautelada e observada com os fundos disponíveis e respetivas prioridades.

O próprio PENSAARP 2030 aponta as fontes de cofinanciamento disponíveis para as medidas previstas: PT2030, PRR, LIFE e FA, todavia, verificamos a ausência das elegibilidades dos montantes no âmbito do PRR e não conhecemos, ainda, as concretas elegibilidades e montantes do PT2030 neste domínio.

Sustentabilidade financeira e organização do setor

Os serviços de água e saneamento assentam em infraestruturas de elevado

custo e longos prazos de amortização. Neste quadro, é do interesse de qualquer Município (seja ou não Entidade Gestora) garantir a maior longevidade possível destas infraestruturas essenciais ao desenvolvimento económico de qualquer região (interior, litoral, norte, centro, sul e regiões autónomas). Esta garantia só se consegue pela correta operação e manutenção continuada destes ativos, pela sua amortização e modernização atempada acompanhando a crescente inovação no setor. Para tal é necessário assegurar a sustentabilidade financeira das entidades que são responsáveis pela

provisão do serviço. A OCDE definiu, já há mais de uma década, o princípio da recuperação de custos através dos 3 T: Tarifas, Taxas (impostos) e Transferências (fundos comunitários, por ex.) definindo neste princípio a Tarifa como uma recuperação sustentável dos custos.

A ANMP não subscreve a via tarifária como a via mais adequada para a recuperação de custos e aponta para a eficiência hídrica e a redução de perdas. Ora independentemente da importância da redução de custos obtida (vamos admitir valores da ordem 30% dos custos operacionais), serão aquelas medidas suficientes

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# DESTAQUE

para garantir o equilíbrio financeiro das entidades gestoras?

A recuperação de custos pelas entidades gestoras pode ser obtida por três vias, pela geração de rendimentos através de tarifas suportadas pelos utilizadores (T1), de impostos (T2) e de transferências (T3) como subsídio direto ao investimento.

A eficiência hídrica e a redução de perdas contribuem para a redução efetiva dos custos de produção e distribuição de água. Contudo, a recuperação de custos apenas recorrendo ao tarifário, ou seja, por via da componente T1 pode provocar o seu agravamento, onerando os orçamentos familiares, pelo que se trata de um aspeto sensível a densificar.

A ANMP considera que o princípio da recuperação de custos dos serviços de águas e de águas residuais tem de ser repensado e adequado à realidade económica e social de cada território.

Convém perceber que os municípios do interior e

das zonas rurais têm uma malha urbana reduzida e dispersa no território, logo se o investimento em infraestruturas for refletido na totalidade no tarifário dos utilizadores, estes pagarão uma fatura mais elevada, o que a ANMP não pode aceitar.

Em nosso entender, a via tarifária não é a mais adequada para a recuperação de custos dos serviços de águas e de águas residuais, devendo antes pensar-se na via da eficiência hídrica e da redução de perdas. O resto são opções de gestão e de política de desenvolvimento local que competem aos municípios enquanto entidades titulares.

Quanto ao subsídio à exploração, pensamos que deve ser um instrumento a utilizar de acordo com as opções da entidade titular. Quaisquer restrições excecionais impostas às entidades titulares seriam violadoras da autonomia municipal no que respeita à gestão dos seus orçamentos.

Pensam os municípios ser essencial a prática de contabilizar os gastos e proveitos específicos

dos serviços de água e saneamento e fazê-lo por iniciativa própria e diálogo interno e não por recomendação?

A contabilização dos gastos e proveitos específicos dos serviços de água e saneamento é essencial em qualquer entidade gestora, quer ela seja privada, quer de âmbito municipal.

No caso dos municípios, a forma de recuperação dos custos depende da gestão e da política de desenvolvimento local que competem aos municípios enquanto entidades titulares e não por qualquer recomendação tarifária.

A adoção de diferenciações tarifárias, designadamente as tarifas de natureza social, devem estar ao serviço de políticas locais traçadas pelos municípios - legitimadas pelo voto popular -, não podendo nem devendo deixar de caber a cada município a elaboração dos perfis dos consumidores e a consagração das opções de apoio que entendam por necessárias e mais adequadas, bem como a liberdade de fixação, no respeito (naturalmente)

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pela lei e pelas regras genericamente aplicáveis ao procedimento administrativo, dos respetivos procedimentos de decisão e publicitação nestas matérias.

O respeito pela autonomia regulamentar dos municípios é uma exigência primária, de equidade, imposição decorrente da realidade distinta dos territórios e das suas populações, que convocam diferentes estratégias de desenvolvimento, que apresentam distintas estruturas sociais, com diferentes níveis de acessibilidade económica a bens e serviços, diferentes exigências em infraestruturas e respetivos custos de exploração, que convocam distintas opções políticas locais, dificilmente conciliáveis com as soluções universais.

Decorrente do atual estado de guerra entre a Ucrânia e a Rússia, uma vez que se assiste a um acentuado aumento dos custos de energia, que obviamente irão dificultar a gestão económica e financeira das Entidades gestoras de serviços de água e saneamento, tem prevista a ANMP algumas ações no sentido de as apoiar?

É incontornável esta problemática crescente e que a todos preocupa na sua dimensão e impactos globais. A ANMP tem vindo a propor ao Governo várias medidas para a mitigação do impacto da escalada de preços e da inflação na gestão municipal e orçamental, destacando-se a redução do IVA da energia (eletricidade e combustíveis) da Administração Local para a taxa mínima - em particular da iluminação pública; o acesso ao benefício do gasóleo colorido e marcado, tanto por parte dos municípios como das entidades concessionárias e a criação de um mecanismo legal que possibilite aceder ao mercado regulado de eletricidade relativamente à energia elétrica em Baixa Tensão Especial (BTE) ou superior.

Como avalia a ANMP o processo de agregação de municípios visando uma gestão conjunta dos serviços de água e saneamento? Considera que deve ser prosseguido?

A agregação de municípios visando uma gestão conjunta dos serviços de água e saneamento, apesar de contribuir para o efeito de

economia de escala, não poderá ser imposta aos municípios, sob pena de se desrespeitar a autonomia local. Pelo contrário, a iniciativa deverá partir dos próprios municípios, seus interesses e opções políticas para resolver os problemas e as carências das suas populações.

Seca Severa em Portugal

Decorrente das alterações climáticas, Portugal está afetado por uma seca extrema, além da sobreexploração dos recursos hídricos, entre outros fatores, que irá inevitavelmente repercutir-se na qualidade dos serviços de abastecimento de água às populações, que a médio/curto prazo poderão não estar asseguradas as quantidades mínimas disponíveis. Refira-se que este problema é cada vez mais alargado e frequente no nosso país.

Apesar dos esforços de todos os envolvidos no sentido de dotar o país de reservas estratégicas de água, e medidas de eficiência hídrica, continuam a verificar-se

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# DESTAQUE

sérias limitações de disponibilidade de água, nos municípios, nomeadamente os do interior, para além da redução da qualidade da água. Esta tendência deverá agravar-se a curto médio prazo, para além de ser incompreensível, que algumas entidades gestoras se encontrem com aumentos significativos de vendas de água, quando nessa região as reservas se aproximam de mínimos históricos.

Neste cenário, há muito previsível e amplamente debatido pelas Entidades Gestoras, diversos municípios e pelo Governo, que medidas a ANMP preconiza para fomentar a mitigação dos seus impactos?

Quando se fala em seca, em Portugal, quer dizer-se que as reservas disponíveis de água doce estão a diminuir consideravelmente, face à ausência de pluviosidade e à reduzida implementação de novas fontes de água alternativas para compensar o ciclo hidrológico, como a captação e dessalinização da água do mar e a recirculação das águas usadas, ou seja, a Água para Reutilização (ApR) para usos menos nobres.

Na situação que o país está a atravessar, apesar de existirem reservas suficientes para o consumo humano, existem preocupações acrescidas na utilização de água para outros fins, em particular, fins

agrícolas, sendo necessária uma articulação entre os utilizadores, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, as entidades regionais, os municípios e as entidades gestoras para uma monitorização mais fina em cada território e a definição de medidas específicas adequadas a cada realidade.

Não basta apenas limitar o consumo, é preciso aumentar a eficiência hídrica, a redução de perdas e fugas, a reutilização das ApR, e apostar, tal como Espanha, em outras soluções como a dessalinização da água do mar da nossa extensa costa atlântica para produzir água potável.

Há que sensibilizar e reforçar, num espírito de solidariedade intermunicipal, a implementação de medidas de redução dos consumos e de promoção da eficiência na utilização dos recursos hídricos, em particular nos usos urbanos (regas de jardim, lavagens de equipamentos e de ruas, fiscalização, reutilização de águas residuais tratadas, fontes e fontanários decorativos, escolha de plantas e arvoredo urbano, entre outros). É também preciso agilizar os mecanismos de reutilização

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Luísa Salgueiro

das águas residuais tratadas, tornando-os mais flexíveis e expeditos.

A ANMP tem na sua atividade previsto algumas ações, de modo a preparar os municípios, nomeadamente os do interior sem meios hídricos disponíveis, para reduzir os efeitos da seca nos serviços de abastecimento de água?

A ANMP apoia todos os municípios, em todas as suas dificuldades e necessidades. Neste âmbito, a ANMP reuniu, previamente, com o Governo e, posteriormente, com os municípios, empresas e entidades gestoras em cada uma das cinco regiões no continente, de modo descentralizado, com o objetivo de se encontrarem as melhores ações e recomendações, adaptadas a cada território, por forma a se minimizarem os efeitos da seca.

Em resultado, foi definido um conjunto de medidas imediatas de racionalização do uso da água, como, por exemplo na lavagem de ruas, rega de jardins, lavagem de viaturas de recolha de resíduos sólidos ou de equipamentos municipais.

Para além das medidas de caráter imediato, a ANMP sublinhou que é necessário criar sistemas mais eficientes, aliás como alguns municípios já estão a fazer, combate ao desperdício de água, às perdas e fugas, promoção da eficiência hídrica dos edifícios, poupança de água na rega dos jardins públicos, reutilização das águas pluviais e residuais na limpeza de espaços públicos, na aplicação de sistemas inteligentes de gestão da água e na sensibilização da população.

Contamos também com a colaboração da vossa Associação - a APDA, Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas - com quem, refira-se, neste mês de setembro, assinamos uma Declaração de Compromisso para a Adaptação e a Mitigação às Alterações Climáticas, em particular no que se refere aos serviços de águas, para garantia das gerações futuras.

Considera que os portugueses estão sensibilizados para a enorme complexidade e consequências para as suas vidas desta situação de escassez crónica que

vivemos? E as autarquias como podem contribuir para a sensibilização dos seus munícipes?

Claro que sim, os portugueses têm cada vez mais consciência do problema da seca, consequência das alterações climáticas, tanto através das ações promovidas pelos próprios municípios, como pelas campanhas nacionais publicitadas pela Comunicação Social.

Persiste desde há décadas a noção da ausência de uma efetiva e eficaz política de gestão dos recursos hídricos de âmbito nacional, intermunicipal, baseada em bacias hidrográficas entre outros fatores. Está prevista alguma iniciativa da ANMP, no sentido de fomentar o envolvimento dos municípios neste problema regional e local, mas de importância nacional?

Como foi dito no início desta entrevista, existem melhorias substanciais no domínio dos recursos hídricos, mas há, com certeza e com as alterações climáticas, muito a fazer, e a Associação estará sempre a acompanhar e apoiar os municípios.

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# DESTAQUE

Diretiva da Água

Nas últimas décadas Portugal assistiu a uma formidável evolução na qualidade da água, e aumento das taxas de cobertura. Tal evolução ficou a dever-se, entre outros fatores, a uma tendência das Entidades Gestoras para o cumprimento da Diretiva da Água, com o natural aumento dos custos dos serviços prestados. Porém com as atuais taxas de cobertura próximas dos 99%, não é expectável um aumento de receitas decorrente de um aumento de novas ligações, antes pelo contrário, uma vez que a nova Diretiva da Água preconiza o controlo e tratamento de novos micropoluentes e poluentes emergentes, baseados num principio da precaução, pelo que será necessário adaptar as atuais infra estruturas de tratamento: Estações de Tratamento de Água (ETA) e Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), com novas tecnologias e sistemas de tratamento, para os quais são necessários investimentos e custos acrescidos de operação e manutenção.

Durante o processo de consulta ao setor, a ANMP considerou algum aspeto da transposição da Diretiva de água de consumo humano que deva ser melhorado? Se sim, quais?

Sim, a ANMP é uma entidade parceira do Governo e nesse papel é ouvida nos processos legislativos. Nesta particular audição, tratando-se de uma transposição de Diretiva, onde a margem de conformação é reduzida, alertámos, designadamente, para o facto de os valores paramétricos estabelecidos na legislação em vigor e na atual diretiva serem muito restritivos, quando comparados com os valores

de referência da Organização Mundial de Saúde e para a importância da avaliação do risco das bacias de drenagem realizada pela APA ser disponibilizada às Entidades Gestoras atempadamente, por forma a garantir que a mesma possa estar refletida na elaboração do Plano de Controle da Qualidade da Água (PCQA).

Com a transposição da Diretiva de água de consumo humano, as redes prediais de escolas, equipamentos de saúde, edifícios administrativos, entre outros, passarão a ter avaliação do risco e consequente mitigação, a ANMP considerou estes custos?

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Luísa Salgueiro

O que é verdadeiramente importante é reforçar a prevenção e a proteção da saúde humana resultantes da eventual contaminação da água. Mas, de facto, se a transposição da diretiva for publicada nos termos apresentados, a nova avaliação de risco prevista, em especial para as escolas, acarretará custos, que, com certeza, serão acautelados junto do Governo no âmbito da descentralização de competências. Neste âmbito, defendemos que é crucial que o próprio diploma concretize melhor os termos, prazos e critérios de tais avaliações, não protelando para futuras e discricionárias orientações da ERSAR.

Redução de Perdas

A gestão das redes de água pressupõe que se efetuem reabilitações após a concretização dos investimentos. Teoricamente, as Entidades Gestoras dos serviços de água e saneamento deveriam aplicar uma taxa de reabilitação entre 1 e 2%. Contudo, historicamente em Portugal tal facto não se verifica, levando a uma inevitável deterioração dos ativos,

refletindo-se nas perdas de água registadas na rede. A implementação de programa de redução de perdas de água, pressupõe a implementação de Zonas de Monitorização e Controlo (ZMC), um conhecimento da rede de distribuição, aplicação de novos equipamentos de medição e controlo, entre outros fatores. Neste processo são necessários: capacidade técnica e económica para concretização dos necessários investimentos e custos de implementação do programa de redução de perdas.

A redução de perdas de água passa por capacitação técnica, estudo das redes

e intervenções profundas. Os municípios portugueses pretendem investir no curto prazo neste desígnio? Onde vão encontrar as verbas necessárias?

Como já referi, relativamente ao ciclo urbano da água, a ANMP considera crucial a reabilitação das redes de abastecimento de água e a substituição das condutas, bem como a reabilitação da rede hidrográfica e ainda que se acabe com a obrigatoriedade de agregação de sistemas para efeitos de acesso ao imprescindível financiamento comunitário.

Só assim se garantirá a eficiência dos serviços e a melhoria da sua qualidade,

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# DESTAQUE

a otimização da capacidade instalada, a redução das perdas de água e infiltrações.

Relembramos que os fundos do Portugal 2020 destinados ao financiamento da vertente em baixa foram manifestamente insuficientes, muito inferiores à procura manifestada por parte dos municípios, o que evidencia que há ainda muitas necessidades não satisfeitas. Portanto, esperamos que os Programas Regionais do Portugal 2030 garantam os necessários financiamentos, pois de momento nada se sabe sobre a elegibilidade ou dotações relevantes para a administração autárquica, em especial municípios, no domínio do ciclo urbano da água, entre muitos outros. Quanto ao PRR, é sabido que as principais áreas de intervenção municipal ficaram de fora, incluindo o abastecimento de água, saneamento e resíduos.

Reutilização de Águas Residuais

A menor disponibilidade de recursos hídricos, associada à evolução tecnológica, a par com as exigências legais e Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), tem fomentado a reutilização das águas residuais tratadas. Contudo, a sua efetiva implementação em Portugal tem sido lenta

Como vê a ANMP o desenvolvimento de reutilização de águas residuais nas ETAR municipais e como pensa incentivar os seus membros a tornarem-se cada vez mais “circulares” no seu funcionamento?

A par da redução de perdas e fugas nas redes de distribuição, eficiência hídrica e procura de novas fontes de água como a dessalinização da água do

mar, a reutilização das águas residuais tratadas é um dos processos fundamentais para combater a falta de água e a seca, reaproveitando o recurso “água” e contribuindo para o aumento das reservas de água para usos mais nobres, como o uso urbano (rega de jardins, lavagens de equipamentos e de ruas), uso em empreendimentos de grande consumo de água (rega de campos de golfe), uso agrícola (função da cultura), uso industrial. Cada vez mais se multiplicam os exemplos de boas práticas neste domínio, e não só de Autarquias, em qualquer destes tipos de uso, seja urbano, campos de golfe, agrícola ou industrial.

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Recursos Humanos:

Nas últimas décadas Portugal assistiu ao envelhecimento e à não renovação dos recursos humanos na Administração Pública o que originou um dos grandes desafios das próximas décadas - a falta de recursos humanos. É cada vez mais difícil encontrar pessoas disponíveis para integrar os serviços públicos, principalmente recursos humanos especializados, estes saem formados das faculdades e escolas profissionais e não são fáceis de atrair para a administração pública.

Como vê este tema no contexto dos municípios portugueses? Como se pode perspetivar uma solução para o problema? Considera que a ANMP tem um papel a desempenhar na resolução deste problema?

A falta de recursos humanos capacitados é um problema que, infelizmente, afeta muitas áreas. A Associação vai continuar a trabalhar com o Governo e todos os outros parceiros no desenvolvimento de soluções que minorem este problema e a demandar investimentos na capacitação dos recursos da Administração Local.

Nesta vertente, é muito importante o papel da Fundação para os Estudos e Formação nas Autarquias Locais (Fundação FEFAL), instituída pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, em 2019, que, sendo um organismo central de formação para a Administração Local, tem como missão essencial a formação e capacitação dos trabalhadores das Autarquias, tendo sido, inclusivamente, considerada Centro Qualifica da Administração Pública.

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ATUALIDADE

ATUALIDADE

# atualidade

A Recomendação Tarifária e a Sustentabilidade

Doutorada em Direito Público (Direito Administrativo) pela Universidade Nova de Lisboa (UNL), Pós-graduada em Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente pela Universidade de Coimbra (CEDOUA) e Licenciada em Direito pela UNL. Especialista em Direito Público e Regulação. Foi vogal executiva do Conselho de Administração da ERSAR e assume neste momento as funções de Presidente (mandato até janeiro de 2027). É professora auxiliar da Faculdade de Direito da UNL e foi professora auxiliar convidada na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa.

Foi advogada-estagiária e advogada da Linklaters LLP (entre 2002 e 2020), tendo centrado a sua prática na assessoria em questões de direito público e regulatório referentes à implementação, execução e financiamento de projetos e na aquisição de empresas em setores regulados; trabalhou no escritório de Paris da Linklaters LLP em 2004.

Foi assessora do gabinete de juízes do Tribunal Constitucional e árbitra, tendo sido designada árbitra para conflitos de consumo relacionados com serviços públicos essenciais e para conflitos relacionados com a execução de contratos administrativos.

“Em particular, a ERSAR assume que a Recomendação Tarifária tem como prioridade a necessidade de ser colmatado – o mais rapidamente possível –o défice de recuperação de gastos que se verifica na maior parte das entidades gestoras do setor.”

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Vera Eiró Presidente do Conselho de Administração da ERSAR

Datam de 2009 e de 2010 as primeiras recomendações tarifárias que a ERSAR publicou. Refiro-me às recomendações IRAR n.º 01/2009, de 28 de agosto (“Recomendação n.º 1/2009”), relativa à formação de tarifários aplicáveis aos utilizadores finais dos serviços públicos de águas e resíduos, e ERSAR n.º 02/2010, de 21 de fevereiro de 2011 (“Recomendação n.º 2/2010”),

A Recomendação Tarifária e a Sustentabilidade.

relativa aos critérios de cálculo para a formação de tarifários aplicáveis aos utilizadores finais dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo humano, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos.

Estas recomendações contribuíram de forma expressiva para uma gradual racionalização tarifária e

melhoria da eficiência e sustentabilidade económicofinanceira das entidades gestoras.

Não foram, porém, suficientes para garantir que, nos diferentes municípios, fossem aprovadas e aplicadas tarifas adequadas e sustentáveis (relativas a abastecimento e saneamento de águas residuais). Conforme claramente publicitado pela

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# atualidade

ERSAR, ano após ano, no Vol. I do seu Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal, mantem-se, em Portugal Continental, uma grande disparidade das tarifas dos serviços de águas aplicadas aos utilizadores finais nos diversos concelhos, bem como, sublinha-se, diversas situações em que os tarifários aplicados não são adequados.

Aliás, os pareceres emitidos pela ERSAR, todos publicados no seu sítio, mostram claramente que há entidades gestoras que acatam as recomendações da ERSAR (com consequências evidentes no que respeita à melhoria dos seus indicadores económicos e de qualidade de serviço) e outras que, ano após ano, não o fazem assumindo como usual receber o parecer negativo da entidade reguladora.

Passaram já mais de dez anos sobre as recomendações tarifárias de 2009 e de 2010 e, atentas as suas competências legais atuais, a ERSAR entendeu agora oportuno aprovar e emitir uma nova Recomendação Tarifária.

A oportunidade surge num momento em que o apelo à gestão eficiente dos serviços

de abastecimento de água e de saneamento/gestão de águas residuais não é apenas um apelo económicofinanceiro. A eficiência, mais do que permitir poupança de custos, é, num cenário de escassez como o que hoje enfrentamos, a origem de água que, todos, somos obrigados a explorar.

Foi este o contexto que justificou uma nova recomendação tarifária, a Recomendação Tarifária n.º 1/2022 (a Recomendação Tarifária dos Serviços de Águas) de onde resultam regras que, se aplicadas pelas entidades gestoras, são um caminho real para a sustentabilidade económica e ambiental dos serviços de abastecimento de água e de saneamento/gestão de águas residuais.

A ERSAR não desconhece a sensibilidade de que se reveste a aprovação de uma Recomendação Tarifária, aplicável transversalmente a todas as entidades gestoras, independentemente do modelo de gestão, a operar em alta, ou em baixa, que tem como propósito colocar Portugal Continental a falar a uma só voz, no que respeita aos tarifários destes serviços

essenciais ambientais tão relevantes.

Por isso mesmo, procurou-se que o procedimento de aprovação da Recomendação Tarifária fosse participado e houve um esforço efetivo da ERSAR para que o texto final refletisse o entendimento do regulador, complementado e melhorado pelas sugestões que se afiguraram oportunas, feitas por tantas entidades gestoras e interessados que participaram neste procedimento – e a quem aproveito para publicamente agradecer.

Para maior noção da dimensão desta consulta, talvez seja suficiente referir que a ERSAR recebeu contributos de 31 entidades interessadas às quais corresponderam 934 comentários. Do total de 934 comentários e propostas de alteração recebidos, 200 (22%) foram aceites ou parcialmente aceites, tendo os restantes sido objeto de simples clarificação (8%) ou considerados não aceites (70%). Ainda neste âmbito, a ERSAR promoveu igualmente a audição do Conselho Tarifário que veio também emitir parecer sobre a Recomendação Tarifária.

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A Recomendação Tarifária e a Sustentabilidade.

Os resultados desta consulta encontram-se publicitados no sítio da ERSAR, tendo a respetiva análise traduzido um exercício de transparência da entidade reguladora face aos seus regulados e, naturalmente, aos consumidores.

A nova Recomendação

Tarifária dos Serviços de Águas da ERSAR viu a luz do dia e aplica-se já desde março de 2022.

Dentre as entidades reguladas, há quem concorde, há quem discorde. Há quem aponte caminhos muito diferentes dos que foram seguidos e desenhados pela ERSAR e não se deixa, naturalmente, de respeitar a autonomia de que a maioria das entidades gestoras beneficia a este propósito.

Na ERSAR, fruto da experiência que mais de uma década de regulação nos deu e considerando aquele que é o contexto internacional sobre esta matéria, estamos confiantes de que a Recomendação Tarifária que aprovámos é, efetivamente, um caminho seguro para a sustentabilidade dos serviços que regulamos.

Conforme o nome indica, trata-se de uma recomendação. Quer isto dizer que carece de eficácia externa vinculativa devendo, sim, servir de orientação para as entidades gestoras aprovarem os seus tarifários. Não sendo vinculativa, a verdade é que a nova Recomendação Tarifária da ERSAR se assume como o repositório de muitos princípios gerais de natureza jurídica e de algum enquadramento normativo – esses, sim, de natureza vinculativa.

É, por isso, especialmente relevante assumir que esta recomendação, não sendo, por si só, vinculativa, espelha princípios que, em qualquer situação, devem servir de orientação e guia para as entidades gestoras no momento de aprovação do seu tarifário (altura em que tomam uma decisão que, sendo eminentemente discricionária, não deixa de estar vinculada aos princípios gerais aplicáveis).

São estes princípios que resultam também do artigo 3.º dos Estatutos da ERSAR (seguindo as orientações vertidas na Lei das Finanças Locais, em legislação europeia e naquelas que

são as melhores práticas de gestão dos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais). Aí se estabelece que uma recomendação tarifária terá de incluir as regras de definição, revisão e atualização dos tarifários de abastecimento público de água, saneamento de águas residuais urbanas e gestão de resíduos urbanos.

Também aí se estabelece que uma recomendação tarifária terá de conter regras de contabilidade de gestão na ótica estrita da separação contabilística das atividades reguladas entre si e relativamente às demais atividades eventualmente exercidas pelas entidades gestoras; regras de convergência tarifária, que, com carácter excecional, permitam a derrogação transitória do princípio da cobertura dos gastos, incorridos em cenário de eficiência, associados à prestação do serviço; regras de recuperação de eventuais excessos ou insuficiências de encargos gerados; regras de reporte de informação para verificação do cumprimento das normas aplicáveis e regras e procedimentos de fiscalização.

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# atualidade

Todas estas regras devem obedecer aos seguintes princípios:

i. Recuperação económica e financeira dos custos dos serviços em cenário de eficiência;

ii. Preservação dos recursos naturais e promoção de comportamentos eficientes pelos consumidores;

iii. Promoção da acessibilidade económica dos utilizadores finais domésticos, nomeadamente através de tarifários sociais;

iv. Promoção da equidade nas estruturas tarifárias, atendendo à dimensão do agregado familiar, com especial ponderação, no caso dos utilizadores domésticos, das famílias numerosas, privilegiando capitações de água mais justas e eficientes, para todos os utilizadores;

v. Estabilidade e previsibilidade, em períodos não inferiores a cinco anos, por parte das entidades reguladas.

A Recomendação Tarifária da ERSAR consagra todas aquelas regras assentes nos princípios elencados e assume-se como um instrumento que é colocado

ao dispor das entidades gestoras que efetivamente pretendam ser sustentáveis e eficientes na gestão dos serviços por que são responsáveis.

Em particular, a ERSAR assume que a Recomendação Tarifária tem como prioridade a necessidade de ser colmatado – o mais rapidamente possível – o défice de recuperação de gastos que se verifica na maior parte das entidades gestoras do setor. Entendemos, neste âmbito, que a autosustentabilidade destes serviços (no que respeita pelo menos aos custos de exploração)

é a única forma de assegurar, a longo prazo, a sustentabilidade das entidades e, naturalmente, dos serviços por estas desenvolvidos.

Não se desconhecem, a este propósito, as assimetrias que existem em alguns municípios e que podem dificultar a transição para um tarifário justo, assente no princípio do utilizadorpagador.

Para as situações em que se justifique tratar consumidores de forma desigual no que

importa ao tarifário, a ERSAR vem apontando a necessidade de as entidades gestoras acomodarem tarifários sociais robustos para que a acessibilidade económica a estes serviços essenciais não seja colocada em causa.

Só através de um tarifário equitativo e que garanta a recuperação dos gastos se pode assegurar que os serviços estão em condições de se agregarem, ganhando economias de escala e profissionalização, todos imprescindíveis para as melhorias tão necessárias de eficiência hídrica e de redução de perdas. Por outras palavras, quaisquer fatores de pressão de aumentos de tarifários serão, a seu tempo, contrabalançados por ganhos de escala (através de agregações e de adesão ao serviço), melhorias da capacidade de gestão, da capacitação profissional e de eficiência em geral.

Neste setor, a “comparação entre vizinhos” assume particular importância. É, pois, essencial que as diferentes entidades gestoras assumam o efetivo compromisso de valorização da água e dos serviços associados e de comunicação da qualidade (e

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A Recomendação Tarifária e a Sustentabilidade.

sustentabilidade) dos serviços que prestam.

Só com esta transparência é que se poderá evitar um sentimento nas populações de perplexidade e de errónea perceção do que baixas tarifas, ausência de monitorização de perdas e água não faturada (entre outros) traduzem uma boa gestão do seu sistema face à dos municípios que lhes são vizinhos e que sejam mais sustentáveis.

Este processo será tão mais eficaz quanto maior for o envolvimento de todas as entidades gestoras e corre sérios riscos de ser impedido se tal não suceder.

Por último, uma palavra apenas para aquele que é o consenso generalizado no sentido de que o setor da água (incluindo aqui as atividades de abastecimento e de saneamento/gestão das águas residuais) carece de investimento elevado, não só para manter o nível de serviço de que os consumidores beneficiam atualmente, mas também para fazer face ao enorme desafio futuro (e presente) da escassez e das exigências ambientais associadas à garantia da qualidade da água.

O acesso a água potável (em quantidade e qualidade) é um dos desafios mais prementes nas próximas décadas, considerando, em particular, as alterações climáticas e o cenário de seca meteorológica e escassez hídrica. Também os poluentes emergentes e o controlo da qualidade da água suportado numa avaliação do risco holística, desde a origem até à torneira, são desafios que o setor terá de enfrentar, previstos na nova Diretiva da Qualidade da Água para Consumo Humano, em processo de transposição para o direito nacional.

Também com este contexto, o plano estratégico para o setor (PENSAARP 2030), em elaboração pelo Governo e que foi já sujeito a discussão pública, aponta para um nível de investimentos entre os 2,8 mil milhões de euros e os 6,6 mil milhões de euros dependendo do nível de reabilitação que se considerar necessário para assegurar a manutenção das infraestruturas existentes.

Em função da natureza destes investimentos, e em particular quando sejam investimentos de que beneficie o setor em geral por permitirem

resiliência (no caso da água para reutilização) e um plano B para novas origens (no caso da dessalinização), deverá justificar-se a ponderação cuidada sobre se a sua inclusão como custo para determinação do tarifário urbano é efetivamente equitativa.

A Recomendação Tarifária – e os subsequentes atos e pareceres da ERSAR por esta enquadrados – permitirão seguramente à ERSAR, e ao setor em geral, uma cabal ponderação da equidade da equação financeira destes serviços que se assume como verdadeira conditio para a sua sustentabilidade.

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# atualidade

Estamos ou não no caminho da sustentabilidade?

É Vogal do Conselho Nacional da Água e Presidente do Centro Internacional de Excelência de PPP de Água e Saneamento.

No Grupo Águas de Portugal (1993 a 2008), colaborou na implementação das primeiras empresas Multimunicipais. Foi Administrador da Aquapor (2001 a 2015), onde assumiu a Presidência de dez das suas empresas.

Foi Presidente da AEPSA e membro do Conselho Consultivo da ERSAR.

É Engenheiro Civil (IST) com especialização em Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambientais (1993) e cursos de “Melhoria da Eficiência e Segurança de Sistemas de Distribuição de Água”, Universidade Internacional Menéndez Pelayo, Espanha (1994), “Executive Management Program”, Universidade de Stanford, EUA (2006), e “Business and Sustainability Programme”, Universidade de Cambridge, Reino Unido (2014), entre outras.

“anualmente, são utilizados 115 milhões de euros de subsídios para fazer face aos custos em que, efetivamente, as EG incorrem, acrescidos - não se sabe quanto - de subsídios suportados pelas EG que não reportam os seus dados e de um défice de investimento - não se sabe quanto - que terá de ser suportado pela próxima geração.”

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Começo por alertar que este artigo não é para leigos na matéria. Não começa com um enquadramento histórico nem com uma explicação de porque é que o setor está como está. Este artigo vai direto ao assunto: temos um problema que se chama défice tarifário.

Estamos ou não no caminho da sustentabilidade?

Subsidiação: Um problema difícil de avaliar

No abastecimento de água, 113 Entidades Gestoras (EG) não cobrem os gastos através dos rendimentos tarifários, recorrendo anualmente a cerca de 40 milhões de euros de subsídios. Adicionalmente, 30 EG não reportam estes dados à ERSAR, deixando

antever que, ou não sabem quanto gastam, ou se sabem, preferem não divulgar os dados.

No saneamento, são 147 as EG que não cobrem os gastos através das tarifas, gerando necessidades anuais de 75 milhões de euros de subsídios. Neste caso, acrescem 27 EG que não reportam os seus dados ao regulador.

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# atualidade

Acresce que aquelas EG têm geralmente mais um problema: por serem deficitárias não investem tanto quanto deviam, não mantêm tanto quanto necessário e não se modernizam como se deveriam modernizar. Dito de outra forma, deixam para amanhã o que não conseguem fazer hoje. E este valor é muito difícil de estimar.

Ou seja, anualmente, são utilizados 115 milhões de euros de subsídios para fazer face aos custos em que, efetivamente, as EG incorrem, acrescidos - não se sabe quanto - de subsídios suportados pelas EG que não reportam os seus dados e de um défice de investimento - não se sabe quanto - que terá de ser suportado pela próxima geração.

O QUE SÃO OS “SUBSÍDIOS”?

Em Portugal, todos beneficiamos de subsídios

Não precisamos de viver num município deficitário para beneficiarmos de serviços prestados abaixo do seu custo real. Ao utilizarem escalões, as EG estão a subsidiar (através de subsidiação cruzada) os consumos mais baixos de todos os seus Utilizadores e, além disso, a União Europeia injetou no setor 6,2 mil milhões de euros a fundo perdido, entre 1993 e 2019.

Estes benefícios generalizados não foram, até hoje, bem explicados à sociedade civil e à população em geral. Poucos são aqueles que sabem que estão a consumir um produto abaixo do seu preço de custo.

Os ajustes tarifários têm se verificado de forma consistente

Na realidade, o grau de subsidiação tem vindo a reduzir-se consistentemente na última década. O encargo médio ponderado por cliente aumentou 49,1% nos últimos 11 anos, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor aumentou apenas 12,3% no mesmo período.

No entanto, estamos em finais de 2022 e só temos dados públicos referentes ao ano 2020. Não sabemos como correu o ano absolutamente atípico de 2021 e vamos ter de esperar até finais de 2023 para saber os resultados deste ano.

Os “Subsídios” são um subconjunto de fluxos de financiamento entre o Governo ou os Municípios, as Entidades Gestoras e os Utilizadores dos serviços. Os subsídios ocorrem quando o Utilizador paga menos por um produto ou serviço do que o custo suportado pela Entidade Gestora, deixando um terceiro (por exemplo, o Governo, os Municípios, outros utilizadores, ou gerações futuras) responsável por cobrir a diferença.

Isto é, não sabemos que aumentos foram praticados durante a pandemia, nem vamos saber tão cedo como é que os preços das águas reagiram face à inflação de 2022 ou ao período de seca em que vivemos.

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Fonte: “Doing More with Less, Smarter Subsidies for Water Supply and Sanitation”, World Bank, 2019

Estamos ou não no caminho da sustentabilidade?

Aumentos acumulados (%)

Encargo Doméstico Ponderado [120 m3/ano) Índice de Preços ao Consumidor (IPC)

No entanto, a acentuada subida dos preços da energia e a previsível subida dos preços dos sistemas multimunicipais em alta podem ditar aumentos relevantes nos tarifários de 2023.

Aumento real acumulado de Tarifas 19,1%

12,3%

49,1% 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 jul. 2022

Encargo doméstico ponderado Taxa de inflação anual

Fontes: ERSAR e Banco de Portugal

Inflação: um problema imprevisto

Em julho de 2022, a taxa de inflação média anual situou-se nos 4,7% e a taxa de variação homóloga foi de 9,1%.

Neste contexto, o princípio da recuperação de gastos implicaria a repercussão (rápida) do aumento dos custos nos preços de venda. Mas isso não seria de todo aconselhável: se, por absurdo, as EG atualizassem os preços mensalmente, então os consumidores não-domésticos (comércio e indústria) iriam acusar esses aumentos e repercuti-los

também nos seus preços. De facto, tudo ficaria mais caro: a inflação gera inflação.

Quanto aos consumidores domésticos, não se sabe (porque não há experiência passada) o que será melhor para evitar problemas de acessibilidade económicase um único aumento anual brusco ou vários aumentos mais “suaves”.

Por enquanto, a via de uma única atualização de preços - anual - parece ser a mais adequada para o nível de inflação atual, abaixo dos dois dígitos.

E nesse caso, pode fazer sentido repartir os aumentos em dois momentos: por exemplo, em janeiro e em julho, evitando assim causar dificuldades na gestão dos orçamentos familiares e do comércio e indústria.

O que é certo é que as EG deficitárias ficarão ainda mais deficitárias se os aumentos tarifários não acompanharem (pelo menos) a inflação.

Seca: um problema profetizado

Todos sabíamos, e sabemos, que o País tem secas cíclicas e que os ciclos são cada vez mais curtos e mais intensos. Tal como sabemos que os escalões de tarifas existem para dissuadir consumos excessivos.

No quadro atual em que vivemos, não faltam ideias para o uso racional da água. Políticos, instituições públicas, EG, empresas de produtos tecnológicos,

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# atualidade

associações ambientalistas e consumidores - todos têm “receitas” para reduzir a água produzida e consumida. E o combate aos consumos excessivos através das tarifas é sem dúvida uma receita eficiente.

Em Madrid, por exemplo, há dois tarifários sazonais“Invierno” e “Verano”. O 1.º escalão não varia com a época do ano, mas os escalões seguintes são agravados entre junho e setembro.

No nosso País, a regra geral (embora não universal) é a dos escalões tarifários, atualizados através de um único ciclo anual de revisão de tarifas.

Nas EG com contas equilibradas, o aumento dos escalões mais elevados implicaria a redução dos escalões mais baixos, caso contrário, o resultado seria um maior lucro para as EG e esse não é, de todo, o objetivo.

Quanto às EG deficitárias, o aumento de tarifas não só faz sentido, como também demonstra responsabilidade

social e ambiental. Afinal, vender água abaixo do custo é dar um incentivo ao desperdício.

Não resisto a dar o exemplo de um município do distrito de Beja que vende 10 m3 de água e saneamento a 1,02 euros/m3 (0,001 euro/ litro) e que, com um grau de cobertura dos gastos de 21% na água e 44% no saneamento, isentou o pagamento das faturas de água, saneamento e resíduos sólidos até 4 m3, para toda a população (ricos e pobres) durante a pandemia (dados de 2020). E este município nem é o que tem as tarifas mais baixas do País.

A importância dos Tarifários Sociais

Não se devem aumentar tarifas sem se assegurar que todasmas mesmo todas - as famílias têm acesso aos serviços de águas, sem que isso cause constrangimentos nos seus orçamentos familiares ou nos consumos “vitais” de água.

Com efeito, o princípio da acessibilidade económica

exige que os ajustes tarifários sejam acompanhados por tarifários sociais bem estruturados, que garantam a proteção dos agregados familiares vulneráveis e marginalizados.

Porém, 64 municípios ainda não dispõem de tarifários sociais em vigor1 e, nalguns daqueles que dispõem, os tarifários sociais são desadequados e pouco abrangentes. Só por curiosidade, o tal município do distrito de Beja concede isenções totais ou parciais aos beneficiários do Cartão Solidário e do Cartão Jovem.

O estabelecimento de tarifas sociais bem calibradas e abrangentes é, portanto, uma condição necessária para promover aumentos tarifários. Mas há outras medidas, complementares, que visam a sustentabilidade dos serviços, como por exemplo a agregação de EG.

A importância das Agregações

As agregações de EG são um excelente instrumento

1

“Fonte: Grupo de Apoio à Gestão do PENSAAR 2020, Relatório anual de 2020

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Estamos ou não no caminho da sustentabilidade?

para introduzir equilíbrio e sustentabilidade nos serviços de água e saneamento. As agregações introduzem ganhos de economias de escala, equidade regional nas tarifas e na qualidade do serviço, reforço das competências técnicas, sustentabilidade económica e financeira, tecnologias e sistemas de informação modernos, otimização de investimentos a uma escala

regional, entre outros benefícios. As agregações per si não são um objetivo, mas sim um instrumento para atingir quatro objetivos:

• Melhor qualidade do serviço

• Maior eficiência

• Sustentabilidade a longo prazo

• Otimização do tarifário a praticar

Não obstante, as agregações conduzem, geralmente,

a aumentos de tarifas. Normalmente, o ponto de partida das tarifas é insuficiente para fazer face a uma gestão adequada e, embora as agregações reduzam o custo do conjunto, ainda assim, muitas vezes a tarifa final é superior à tarifa de partida.

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Ganhos Tarifários Ganhos Tarifários Ganhos Tarifários Ganhos Tarifários Aumento Tarifário Aumento Tarifário Aumento Tarifário
de Partida: Tarifas não
os custos Zona de Insustentabilidade Insustentabilidade
Gestora Sustentabilidade
Zona
sem
medidas
Vias de Ajustamentos Tarifários
Subsi- diação Gastos Totais Gastos Totais Gastos Totais Gastos Totais
Maismeiosoperacionais Fimdasubsidiação
Ponto
cobrem
da Entidade
da EG isolada
de Sustentabilidade Ajustamento Tarifário
introdução de
de eficiência Ajustamento Tarifário com introdução de medidas de eficiência Ajustamento Tarifário com agregação de EG
MedidasdeEficiência Economias de escalaDimensão regionalOtimização de custos
Maisinvestimento Maisrenovação Maismanutenção
Insustentabilidade do Utilizador Sustentabilidade das EG agregadas

# atualidade

Estão reunidas todas as condições para promover o caminho da sustentabilidade

A prática de preços de venda significativamente inferiores aos custos começa a ser imoral e injustificada.

Existem cinco boas razões para promover o debate político e iniciar estudos conducentes a tarifários sustentáveis no curto prazo,

nomeadamente:

1. A razão óbvia: implementar ganhos tarifários ao nível dos gastos totais permite investir e modernizar os serviços e conduz a uma melhoria da qualidade do serviço e à sustentabilidade financeira, presente e futura;

2. Não há dinheiro para tudo: O aumento do preço da eletricidade e dos combustíveis, associado a um previsível aumento dos preços de fornecimento de água em alta, tem de

ser repercutido no preço de venda, sob pena de aprofundar ainda mais o desequilíbrio orçamental das EG e exigindo ainda mais subsídios municipais;

3. A seca: o ajustamento das tarifas tem um efeito dissuasor de consumos supérfluos, incentivando o uso racional da água;

4. Proteger quem não consegue pagar: o estabelecimento de tarifários sociais, adequados e abrangentes, protege os

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agregados familiares mais vulneráveis;

5. Aumentar o mínimo possível: a introdução de medidas de eficiência (como por exemplo, a redução da água não faturada e a instalação intensiva de painéis solares) evita que os aumentos de tarifas sejam demasiadamente elevados. Se, além dessas medidas, for possível agregar EG, o efeito de escala será ainda mais mitigador dos aumentos tarifários.

Cabe aos municípios, enquanto titulares dos serviços, decidir se querem manter o status quo ou promover a introdução de tarifários justos e sustentáveis.

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Estamos ou não no caminho da sustentabilidade?

atualidade

AVALIAÇÃO DA COBERTURA DOS GASTOS EM PORTUGAL CONTINENTAL

“… a avaliação do nível de acessibilidade económica, para ambos os serviços, demonstra a existência de margem para o crescimento dos tarifários atualmente praticados em todas as entidades gestoras.”

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#
Comissão
Especializada de Legislação e Economia da APDA

De acordo com a definição da ERSAR, a cobertura dos gastos totais (CGT) reflete a capacidade, em termos económico-financeiros, que determinada entidade gestora tem para gerar meios próprios de cobertura dos encargos decorrentes da sua atividade,

AVALIAÇÃO DA COBERTURA DOS GASTOS EM PORTUGAL CONTINENTAL

incluindo investimento, sendo avaliado separadamente nos serviços de abastecimento de água (AA) e nos serviços de saneamento de águas residuais (SAR).

O indicador, expresso em percentagem, tem vindo a

ser definido como o rácio entre: (i) os rendimentos tarifários, outros rendimentos e subsídios ao investimento e (ii) os gastos totais. Em certa medida, este indicador traduz o nível de subsidiação dos gastos totais de cada entidade gestora1

1 A cobertura de gastos totais é o único indicador produzido pela ERSAR para avaliar a sustentabilidade económicofinanceira de determinada entidade gestora, mas, atendendo que os investimentos são realizados com recurso a financiamento externo, com recursos financeiros da entidade titular, reembolsáveis ou a titulo de subsídio, ou dos acionistas, quando as entidades gestoras sejam empresas, e, mais raramente, reinvestindo reservas das entidades gestoras ou aplicando o cash-flow gerado no próprio ano, não deveria o seu custo ser considerado no ano da sua execução, para efeito de avaliação da sustentabilidade económico-financeira da entidade gestora, já que, excetuando os resultados positivos eventualmente gerados no ano, não são os recursos financeiros gerados no ano de realização do investimento que os suportarão. Serão os recursos financeiros gerados no futuro, pelo menos em parte pelo próprio investimento realizado, que suportarão o serviço de dívida daqueles financiamentos. A utilização das próprias reservas também não terá impacto no apuramento da demonstração de resultados da própria entidade gestora, pois a sua aplicação apenas se refletirá nas contas de Balanço. O custo dos próprios investimentos, porque estes têm longos períodos de vida, refletir-se-ão nas contas da entidade gestora ao longo de muitos anos, a partir da sua entrada em serviço, através das amortizações e reintegrações anuais, mas não no ano da sua realização.

REVISTA APDA 2022 | 43

# atualidade

Considera-se que, no contexto da realidade portuguesa, o financiamento da atividade das entidades gestoras deverá ser assegurado de acordo com um critério racional, como o princípio dos 3 T’s, estabelecido pela OCDE para financiar os investimentos no setor da água: peso determinante das tarifas, mas complementados com taxas e impostos nacionais/locais e transferências internacionais (onde se incluem os fundos comunitários).

Nos últimos anos muito se tem discutido sobre as entidades gestoras que praticam níveis tarifários que não cobrem os gastos totais. Na realidade, este problema é transversal a todo o país, mas mais evidente em entidades gestoras de menor dimensão e com modelo de gestão direta.

Não obstante a sustentabilidade dos serviços de AA e SAR dever ser um desígnio a ser alcançado por todas as entidades gestoras, e esse objetivo ter vindo a ser repetidamente defendido pela entidade reguladora do setor (ERSAR) em diversos fóruns, o Poder Local Português, para facilitar o acesso ao serviço e minimizar o impacto das especificidades do território,

persiste em promover essa sustentabilidade, não só com recurso às tarifas, mas também à subsidiação destes serviços, situação divergente de outros serviços como o gás, a eletricidade ou as comunicações.

O facto dos serviços de AA e de SAR estarem na esfera de responsabilidade dos municípios e da legislação determinar que estes são serviços de interesse geral - visando a prossecução do interesse público -, o estatuto da autonomia local, consagrado constitucionalmente, permite a opção por soluções de financiamento que consideram uma relevante parcela de subsidiação pelos orçamentos municipais dos custos de exploração, gestão e/ou de investimento destes serviços a toda a população, cumulativamente com atuações pontuais dirigidas à população mais vulnerável, concretizadas através da aplicação de tarifários sociais.

também ocorre em cenários de empresarialização da gestão dos serviços municipais, através da atribuição de subsídios municipais às empresas delegatárias, sejam eles para a exploração ou investimento.

No Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP), publicado anualmente pela ERSAR, verifica-se uma estabilização do indicador CGT ao longo dos últimos anos, situação que reflete a estratégia dos municípios acerca da gestão económico-financeira destes serviços.

Nos últimos 3 relatórios publicados, relativos aos anos de 2018, 2019 e 2020, registou-se que mais de 60% das entidades gestoras do serviço de AA em baixa, ou não cobrem os gastos totais sem subsídios à exploração ou não apresentaram valores para a análise deste indicador; no caso do serviço de SAR em baixa, são 76% do total do universo das entidades gestoras.

Esta realidade verifica-se mais frequentemente quando a incumbência da gestão destes serviços está adstrita a unidades orgânicas do município (principalmente através de serviços municipais), em modelos de gestão direta, mas

Atente-se que o reporte efetuado por parte destas entidades gestoras, principalmente as que não evidenciam a CGT, apresentam um baixo nível de fiabilidade ou nada reportaram.

44 | REVISTA APDA 2022

AVALIAÇÃO DA COBERTURA DOS GASTOS EM PORTUGAL CONTINENTAL

Quadro 1 - Nível de fiabilidade dos dados reportados pelas Entidades gestoras, expresso em % por grupo de EG

EG com CGT < 100% ou sem reporte de dados

Fiabilidade dos dados AA AR * 28 19% 37 21% ** 67 46% 79 46% *** 18 12% 31 18% NR 32 22% 26 15%

Total 145 100% 173 100%

Os gráficos seguintes refletem a estagnação do indicador CGT registada nos últimos anos, com apenas

EG com CGT ≥ 100%

Fiabilidade dos dados AA AR * 11 13% 6 11% ** 20 23% 13 24% *** 57 65% 35 65% Total 88 100% 54 100%

Fonte: RASARP 2021, ERSAR

88 de um total de 233 entidades gestoras de AA, a apresentarem em 2020 uma CGT igual ou superior a

CGT, AA Evolução do nº de Entidades (Nº | %)

100%. No serviço de SAR esse número decresce para 54 de um total de 227 entidades gestoras.

CGT, SAR Evolução do nº de Entidades (Nº | %)

Fonte: RASARP 2019, 2020 e 2021, ERSAR

Figura 1 - Evolução do n.º Entidades Gestoras, relativamente à Cobertura de Gastos Totais (CGT), entre 2018 e 2020

Nas entidades gestoras que cobrem os gastos totais, o nível médio de cobertura destes em 2020 foi de 115% em AA e de 110% em SAR, enquanto nas que não

cobrem os gastos totais estes valores rondaram, os 79% em AA e os 75% em SAR. Como nas primeiras se integram todas as de maior dimensão, e por isso têm maior “peso” na

ponderação, apesar de tudo, o nível médio de cobertura para Portugal Continental situou-se, em 2020, nos 107% para o serviço de AA e nos 95% para o serviço de SAR.

REVISTA APDA 2022 | 45 33 | 13% 19 | 7% 32, 14% 131 | 51% 140 | 55%
|
| 36%
|
|
113
48% 91
96
38% 88
38% 2018 2019 2020
NR CGT <100 CGT >=100
0 | 0% 21 | 8% 26 | 11% 175
79% 181 | 70% 147
65% 46 | 21% 55 | 21% 54 | 24% 0% 20% 40% 60% 80% 100% 2018 2019 2020
|
|
NR CGT <100 CGT >=100 |

# atualidade

CGT, AA - Evolução do indicador (%)

117 117 115 20 18 20 19 20 20

(" ((" ()

109 109 107 73 76 79

114 111 110 $"

93 94 95 78 75 75 #"

&"

!" %"

20 18 20 19 20 20

Fonte: RASARP 2019, 2020 e 2021, ERSAR

Figura 2 - Evolução global do indicador Cobertura de Gastos Totais (CGT) entre 2018 e 2020

As entidades gestoras que evidenciam um nível de CGT inferior a 100%, distribuem-se conforme o quadro seguinte:

Quadro 2 - Número de entidades gestoras com CGT inferior a 100%

EG com CGT < 100% AA AR

CM 103 91% 123 84% Concessões 4 4% 10 7% SMAS 2 2% 6 4% Multimunicipal 1 1% 2 1% Empresa Pública 3 3% 6 4%

Total 113 100% 147 100%

Fonte: RASARP 2021, ERSAR

As entidades gestoras que não prestaram informação para o indicador ser produzido, distribuem-se conforme o quadro seguinte:

Quadro 3 - Número de entidades gestoras que não responderam sobre o CGT

EG com CGT < 100% AA AR

CM 30 94% 24 92% Concessões 1 3% 1 4%

SMAS 0 0% 0 0% Multimunicipal 0 0% 0 0% Empresa Pública 1 3% 1 4%

Total 32 100% 26 100%

Fonte: RASARP 2021, ERSAR

46 | REVISTA APDA 2022
Mé dia PT CGT <100 CGT >=10 0
CGT, SAR - Evolução do indicador (%)
Mé dia PT CGT <100 CGT >=10 0

AVALIAÇÃO DA COBERTURA DOS GASTOS EM PORTUGAL CONTINENTAL

As razões mormente apontadas para que o CGT seja inferior a 100% prendem-se com o baixo nível de eficiência operacional e de eficácia de gestão registado na esmagadora

maioria destas entidades gestoras, realidades que têm por consequência elevados custos de exploração e a prática de baixos tarifários. No caso de SAR, algumas

Gastos totais / Consumo faturado medido €/m3 Polinomial (Gastos totais / Consumo faturado medido €/m3

Rendimento tarifário / Consumo faturado medido €/m3

Poly. (Rendimento tarifário / Consumo faturado medido €/m3)

delas, globalmente têm um CGT igual ou superior a 100%, mas porque fazem subsidiação cruzada entre os dois serviços. Figura 3 - Relação

Polinomial (Rendimento tarifário / Consumo faturado medido €/m3

Fonte: RASARP 2021, ERSAR

REVISTA APDA 2022 | 47
0,00 0,50 1,00
21 31 37 42 44 51 52 56 58 63 64 67 68 70 73 76 77 79 81 83 87 90 91 93 94 95 97 98 99 100 101 101 103 104 105 106 107 108 110 112 113 115 116 118 119 124 129 133 136 144 220
entre Gastos Totais e Rendimentos Tarifários em função da CGT no AA
1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00
Cobertura de Gastos Gastos totais / Consumo faturado medido €/m3 Rendimento tarifário / Consumo faturado medido €/m3 Poly. (Gastos totais / Consumo faturado medido €/m3)

4,00

atualidade

2,50

2,00

1,50

1,00

0,50

3,00 2 21

3,50 27 30 32 33 39 40 42 45 47 50 51 52 54 55 59 62 66 69 70 72 76 78 79 80 83 84 87 88 90 92 93 94 95 97 100 101 102 103 104 106 108 109 110 118 120 125 133 221

24

Gastos totais / Consumo faturado medido €/m3

Poly. (Gastos totais / Água residual faturada €/m3)

Polinomial (Gastos totais / Consumo faturado medido €/m3

COBERTURA

Rendimento tarifário / Consumo faturado medido €/m3

Poly. (Rendimento tarifário / Água residual faturada €/m3)

Polinomial (Rendimento tarifário / Consumo faturado medido €/m3

Analisando algumas variáveis operacionais que relevam para o nível global de eficiência das entidades gestoras, verifica-se que, por comparação com as outras entidades que apresentam um CGT de, pelo menos,

100%, as entidades que o têm inferior a 100% apresentam uma notória fragilidade operacional. As conclusões obtidas partiram da análise aos seguintes indicadores e variáveis publicados no RASARP: custo do serviço

por m3; % água não faturada; % adesão aos serviços de AA e de SAR; dimensão da entidade gestora (expressa pelo n.º alojamentos servidos por AA e SAR); e pessoal afeto aos serviços de AA e de SAR.

48 | REVISTA APDA 2022
#
Fonte: RASARP 2021, ERSAR
Figura 4 - Relação entre Gastos Totais e Rendimentos Tarifários em função da CGT no SAR
0,00
DE GASTOS
Gastos totais / Água residual faturada €/m3
Rendimento tarifário / Água residual faturada €/m3

AVALIAÇÃO DA COBERTURA DOS GASTOS EM PORTUGAL CONTINENTAL

(nº aloj. servidos)

2019, 2020 e 2021, ERSAR

Figura 5 - Evolução dos indicadores e variáveis com impacto na CGT, entre 2018 e 2020, no serviço de AA

Fonte: RASARP 2019, 2020 e 2021, ERSAR

Figura 6 - Evolução dos indicadores e variáveis com impacto na CGT, entre 2018 e 2020, no serviço de SAR

Pela análise dos gráficos conclui-se que as entidades gestoras cujo CGT é inferior a 100%, apresentam: 1) um menor nível de desempenho, expresso em % água não faturada; 2) uma menor dimensão e 3) um menor número de trabalhadores afetos aos serviços.

Através de um exercício de avaliação do impacte da melhoria da eficiência no serviço de AA, tendo por

base os 39 milhões de euros de défice total reportados em 2020 à ERSAR pelas entidades gestoras cujo CGT é inferior a 100%, é possível constatar que uma melhoria do desempenho destas entidades, ao nível da % água não faturada, para 20%, permitiria a redução dos gastos operacionais em 25% (admitindo-se um custo de aquisição de água em alta de 0.50€/m3) e elevar a CGT para 100%.

O valor do défice, expresso em €/m3 de água faturada, para o conjunto de entidades gestoras que não cobrem os gastos totais cifrou-se, em 2020, em 0.37€/m3 para o serviço de AA e em 0.43€/m3 para o serviço de SAR.

A avaliação do nível de proveitos registado nas entidades gestoras cujo CGT é inferior a 100%, comparativamente com as restantes entidades é

REVISTA APDA 2022 | 49
Fonte: RASARP
42,1 41,7 40,5 26,7 26,5 24,9 29,4 28,8 28,7 0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 45,0 2018 2019 2020 CGT, AA ANF (%) CGT <100 CGT >=100 Média PT 7411 7361 9657 37984 36551 37736 18379 18566 20787 2018 2019 2020 CGT, AA
EG
CGT <100 CGT >=100 Média PT 1,9 1,7 1,8 2,4 2,5 2,4 2,0 2,0 2,0 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 2018 2019 2020 CGT, AA Pessoal afeto ao serviço (nº/1000
CGT <100 CGT >=100 Média PT 86,1 86,2 87,591,0 91,9 89,6 88,4 88,8 89,4 2018 2019 2020 CGT, SAR Adesão ao serviço SAR (%) CGT <100 CGT >=100 Média PT 12200 9862 11401 40809 42508 42629 16390 16579 19115 5040 2018 2019 2020 CGT, AR Dimensão da EG (nº aloj. servidos) CGT <100 CGT >=100 Média PT 7,4 7,3 7,1 12,0 11,8 11,68,2 8,2 8,3 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 14,0 2018 2019 2020 CGT, SAR Pessoal afeto ao serviço (nº/100 km) CGT <100 CGT >=100 Média PT
Dimensão da
ramais)

atualidade

elucidativa do panorama nacional. Efetivamente, verifica-se que as primeiras entidades, em 2020, praticaram tarifas com valores médios mais baixos em 15% para os serviços de AA

(1.33 €/m3), e em 13% nos serviços SAR (1.19 €/m3), do que as restantes entidades.

Note-se que a avaliação do nível de acessibilidade económica, para ambos

os serviços, demonstra a existência de margem para o crescimento dos tarifários atualmente praticados em todas as entidades gestoras.

50 | REVISTA APDA 2022 #
Fonte: RASARP 2019, 2020 e 2021, ERSAR Figura 7 - Evolução dos valores de tarifa média e do nível de acessibilidade económica, entre 2018 e 2020 1,19 1,38 1,33 1,63 1,61 1,571,51 1,54 1,42 0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 1,40 1,60 1,80 2018 2019 2020 CGT, AA Tarifa média AA (€/m3) CGT <100 CGT >=100 Média PT 0,41 0,40 0,38 0,41 0,38 0,39 0,41 0,39 0,39 0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 2018 2019 2020 CGT, AA Acessibilidade económica AA ( ) CGT <100 CGT >=100 Média PT 1,19 1,19 1,19 1,22 1,30 1,37 1,16 1,23 1,19 1,05 1,10 1,15 1,20 1,25 1,30 1,35 1,40 2018 2019 2020 CGT, SAR Tarifa média AR (€/m3) CGT <100 CGT >=100 Média PT 0,27 0,27 0,27 0,34 0,31 0,29 0,29 0,27 0,28 0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 2018 2019 2020 CGT, SAR Acessibilidade económica SAR ( ) CGT <100 CGT >=100 Média PT

Os gráficos acima evidenciam descidas das tarifas médias no ano de 2020, que geraram uma descontinuidade na evolução dos indicadores de acessibilidade económica, que podem ter tido origem nas decisões das entidades gestoras para enfrentar a crise gerada pela pandemia de COVID-19.

Mesmo assim, se realizarmos um exercício tendo por base o défice registado em 2020 nas entidades gestoras cujo CGT é inferior a 100%, que ronda os 39,7 milhões no serviço de AA e os 70,4 milhões no serviço de SAR,

AVALIAÇÃO DA COBERTURA DOS GASTOS EM PORTUGAL CONTINENTAL

para alcançarem uma CGT de 100% seria necessário realizar um aumento tarifário da ordem dos 28% e 36%, respetivamente, para cada serviço.

Assim sendo, estas entidades gestoras, para alcançarem uma CGT igual ou superior a 100%, terão de prosseguir na melhoria do desempenho operacional e de gestão, com o reforço dos meios humanos e materiais e com a contratualização externa de serviços potenciadores de ganhos de eficiência, e, complementarmente, proceder à correção dos

tarifários praticados, pelo que a atualização dos tarifários não terá que atingir aquelas taxas de aumento.

É previsível que a manutenção deste nível de subsidiação dos serviços de águas possa acarretar, no futuro, graves consequências para se obter um adequado nível de qualidade na prestação destes serviços essenciais à população. Para o evitar é imperioso trilhar os caminhos necessários para melhorar a situação e garantir que todos, tanto entidades gestoras como utilizadores, ganham.

Quadro 4 - Nível de fiabilidade dos dados reportados pelas Entidades gestoras, expresso em % do total de EG

EG com CGT < 100% ou sem reporte de dados EG com CGT ≥ 100%

Fiabilidade

Como podemos observar no Quadro 4, das entidades gestoras que prestam serviços de AA, 48% não garante a CGT e produzem e divulgam informação de

baixa qualidade, e 14% destas nem divulga informação. No caso das entidades gestoras que prestam serviços de SAR aqueles valores ascendem a 65% e 11%, respetivamente.

Como se pode gerir eficazmente sem informação rigorosa e produzida oportunamente?

REVISTA APDA 2022 | 51
dos dados AA AR * 28 12% 37 16% ** 67 29% 79 35% *** 18 8% 31 14% NR 32 14% 26 11% Total 145 62% 173 76% Fiabilidade dos dados AA AR * 11 5% 6 3% ** 20 9% 13 6% *** 57 24% 35 15% Total 88 38% 54 24% Fonte: RASARP 2021, ERSAR

# atualidade

A incapacidade das entidades gestoras para apurar os seus custos, ou apurá-los sem rigor, além de ser um fator de falta de transparência política, social e económica, faz com que a avaliação das prioridades da entidade seja distorcida, conduz à falta de decisão ou a decisões erradas e à ineficácia de gestão, promovendo uma imagem negativa do mercado perante os cidadãos.

Os custos da ineficiência traduzem-se em desperdício de todo o tipo de recursos e em prejuízos para as entidades gestoras. Por exemplo, o elevado valor de

perdas de água significa que a entidade gestora está a desperdiçar recursos naturais ou transformados (água, energia, produtos químicos, etc.) e financeiros, todos eles irrecuperáveis. É uma situação em que todos perdem, prejudica-se o erário público, o cidadão e consumidor e, no final, a humanidade.

Esta é uma das questões do século, senão mesmo “a questão”.

Sugere-se que a ERSAR promova a criação de um indicador que mais correta e objetivamente reflita a

sustentabilidade económicofinanceira da gestão e exploração dos serviços prestados pelas entidades gestoras, autonomizando noutro indicador a realização e o financiamento dos investimentos realizados em cada ano.

Todos e cada um, seja qual for o cargo que ocupem ou a função que executem, não podem ou, pelo menos, não devem deixar de contribuir para a sustentabilidade global, mesmo que as decisões a tomar possam ser pouco populares.

52 | REVISTA APDA 2022

atualidade

A relação

alta

e os desafios de sustentabilidade

baixa

Francisco Narciso

Presidente do Conselho de Administração da Águas Públicas do Alentejo, SA

É quadro do Grupo Águas de Portugal há mais de 20 anos. Com bacharelato em Contabilidade e Administração e licenciatura em Controlo Financeiro pelo ISCAL, iniciou a sua atividade profissional em empresas do setor turístico, imobiliário e automóvel, abraçando desafios no Grupo AdP em 1999, onde assumiu diversas posições técnicas e de gestão nas empresas Águas do Sotavento Algarvio, Águas de Trásos-Montes e Alto Douro, AdP Serviços, AdP - Águas de Portugal SGPS, Águas do Tejo Atlântico e AgdA - Águas Públicas do Alentejo. Entre dezembro de 2015 e janeiro de 2017, desempenhou funções como Técnico especialista no Gabinete do Secretário de Estado do Ambiente do XXI Governo Constitucional, no âmbito desenvolveu atividade com particular incidência no setor da água. Atualmente, integra a Área de Desenvolvimento de Negócio da AdP - Águas de Portugal, SGPS e, desde 2019, assume a Presidência do Conselho de Administração da AgdA - Águas Públicas do Alentejo.

“O designado milagre português da água, nas palavras do investigador e então Diretor Executivo da International Water Association Paul Reiter, na sequência da reforma do setor da década de 90 do século passado, tem sido a mais conhecida e divulgada de um conjunto mais vasto de referências, contudo há muito que se esbate por tardar uma elevação noutros indicadores de desempenho muito relevantes.”

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“ “
#

uma amena cavaqueira, um colega economista questionava-se como compreender, que apesar da existência de um incentivo tão expressivo como a cobrança de uma tarifa, com o princípio do utilizador-pagador associado, entre as entidades gestoras em “alta” e em “baixa”, a evolução de um conjunto de indicadores de desempenho relevantes tarda em atingir patamares mais adequados,

A relação “alta” “baixa” e os desafios de sustentabilidade

designadamente, água não faturada, mas também de afluências indevidas.

Este é o mote para a partilha de uma reflexão em torno das últimas quase três décadas da reforma do setor e os desafios de sustentabilidade e emergência climática com que nos confrontamos.

As notícias mais recentes evidenciam que estaremos em Portugal continental

a viver uma situação de seca hidrológica que as autoridades admitem ser a pior dos últimos 100 anos.

O estudo “Disponibilidades de água e alterações climáticas”, promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente e divulgado no final de 2021 exige uma reflexão muito séria, como sociedade num todo e também a nível local, nas diversas comunidades. No caso do Alentejo, à

REVISTA APDA 2022 | 55
N

# atualidade

redução do escoamento, na ordem dos 30% no período 1981-2016, acrescem perspetivas de redução entre 20% e 50% no horizonte de 2100 nas regiões do Mira e Sado, consoante o cenário.

As condições meteorológicas extremas, a falha na ação climática e os danos ambientais causados por humanos são, a par da concentração do poder digital, a desigualdade digital e a falha de segurança cibernética, identificados pelo World Economic Forum, como os fatores de risco com maior probabilidade de ocorrência nos próximos dez anos.

Em palavras mais simples, podemos dizer que a crise da água é um dos maiores riscos globais e que, dada a essencialidade deste recurso, o futuro reserva-nos uma elevada incerteza em domínios que extravasam o setor da água, sendo transversais a toda a sociedade e à nossa forma de vida neste planeta.

No essencial e sem prejuízo dos bons exemplos, os nossos indicadores de desempenho relativos à eficiência hídrica, mas também as capitações em muitos aglomerados,

persistem em situar-se em níveis não compatíveis com um território com um nível de risco de escassez hídrica, e que os nossos parceiros europeus têm muita dificuldade em compreender. O designado milagre português da água, nas palavras do investigador e então Diretor Executivo da International Water Association Paul Reiter, na sequência da reforma do setor da década de 90 do século passado, tem sido a mais conhecida e divulgada de um conjunto mais vasto de referências, contudo há muito que se esbate por tardar uma elevação noutros indicadores de desempenho muito relevantes.

São também sérios os sinais de estagnação e mesmo degradação assinalados nos principais instrumentos de acompanhamento e planeamento do setor que nos escusamos de recordar, ou as dificuldades que economias mais desenvolvidas e com processos de infraestruturação mais antigos têm registado, que temos a obrigação de evitar.

A estagnação e retrocesso em indicadores chave e o

surgimento de novas áreas de preocupação, torna mais evidente o afastamento de aspetos essenciais das políticas públicas comunitárias e nacionais, com sério risco de acentuar o fosso no acesso a serviços essenciais de qualidade no nosso território.

Não podemos ter dúvidas que parte dos desafios que enfrentamos são também consequência de termos alimentado, e distraído, com discussões e contradições há margem do essencial, em especial há mais de uma década, muito concentrada em tarifas e eficiência de curto prazo, negligenciando o que ainda nos faltava evoluir, assim como concentrarmo-nos na eficiência no longo prazo, designadamente na minimização dos riscos e encargos a prazo, e à semelhança do passado recente, capitalizarmos estas intervenções em importantes saltos geracionais passíveis de continuar a alavancar o setor também para o exterior. Em contrapartida noutras zonas do globo, continuava-se a apostar em dar particular atenção à infraestrutura hidráulica à semelhança do efetuado pelos EUA no início do século XIX, como nos

56 | REVISTA APDA 2022

releva o investigador Giulio Boccaletti.

Os tempos que atravessamos são pois de coexistência de desafios antigos com os mais recentes de dimensão global, o que amplia a complexidade e exigência nas respostas sucessivamente adiadas, para o qual dispomos de um amplo leque de opções. A dimensão dos “antigos” e “novos” desafios e a capitalização das oportunidades remete-nos incontornavelmente para compromissos políticos com

A relação “alta” “baixa” e os desafios de sustentabilidade

alcance estrutural, onde a conjugação de esforços é vital.

A história da água não é tecnológica, mas política, conforme nos recorda também o já referido investigador. Portugal dispõe de relevantes antecedentes de apostas políticas, desde grandes obras de hidráulica da década de 30 à reforma do setor urbano na década de 90, ambas do século passado, mas também a aposta em serviços especializados e na própria correlação com o modelo de financiamento,

que suportaram importantes desenvolvimentos com relevantes repercussões em termos de bem-estar das populações e desenvolvimento social e económico dos territórios.

O que não seria do nosso território mais a sul sem o Plano de Valorização do Alentejo, com o subtítulo de Plano de Rega do Alentejo concluído em 1957, onde uma visão de múltiplos usos se projeta ainda hoje para o futuro, mas também o abastecimento de água

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# atualidade

e o saneamento de águas residuais sem as intervenções integradas regionais que em 20 anos nos permitiu recuperar atrasos de décadas e alavancar múltiplas atividades.

Recuperar o verdadeiro conceito de infraestrutura continua a ser tão ou mais importante. Ou seja, de obrigatoriamente olharmos para além do nosso “quintal” e do imediato, com a devida antecedência e de forma integrada e multissetorial, articulada com a gestão do território e com o preexistente, com preocupações acrescidas de sustentabilidade e preservação da biodiversidade, combinadas com estratégias de adaptação, em torno dos quais devemos fazer convergir esforços é hoje ainda mais necessário, contrariando soluções “individuais” desintegradas de fiabilidade muito questionável à luz do impacto dos fenómenos associados às alterações climáticas.

Os novos desafios que enfrentamos, no essencial decorrente da situação de emergência climática, são também tempos de

novas oportunidades, que exigem a aposta no estabelecimento de pontes e parcerias, desde logo a nível regional, pois estamos na presença de serviços verdadeiramente essenciais à vida e ao bem-estar, mas também ao desenvolvimento e competitividade dos territórios.

É neste contexto de antecipação e de parcerias alargadas que tem que se concentrar a relação entre a “alta” e a “baixa”, envolvendo a autoridade ambiental e as principais atividades económicas, e mobilizando as comunidades, como um todo, em torno de planos de ação concretos destinados a elevar o desempenho ambiental e a sustentabilidade dos territórios, onde a devolução para usufruto deve também constituir um propósito.

Os antecedentes de articulação com atividades económicas e com os parceiros municipais evidenciam ainda ampla margem de desenvolvimento, onde ao aumento da eficiência hídrica e à diminuição das afluências indevidas são reforçadas hoje as oportunidades no domínio da produção e da eficiência

energética, da valorização orgânica das lamas de ETAR e outros subprodutos dos processos produtivos e da produção e fornecimento de ApR, e à comunicação e sensibilização ambiental, devemos juntar iniciativas preparando as comunidades para cenários futuros tidos cada vez como mais prováveis, o de termos todos de aprender a viver com menos água.

Os tempos de grande incerteza que vivemos não são para delongas em contradições e falácias ou para discussões em torno de limiares administrativo/contratuais entre “alta” e “baixa”, mas de ação em torno do que verdadeiramente importa, num momento em que o ritmo do impacto dos fenómenos associados às alterações climáticas tem vindo a revelar-se acima das expetativas e quando a expressão é desde, em particular 2018, emergência climática. Os tempos são de apostas políticas nacionais e locais onde o reforço da especialização e capacitação (incluindo novas competências), a conjugação de esforços e parcerias alargadas são incontornáveis

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e em que todos temos que nos assumir como protetores da água, porque é na água que está a vida e o nosso futuro.

A sociedade e as comunidades podem ter dificuldade em compreender hoje os esforços para o que pretendemos evitar, mas a história também nos evidencia posições mais veementes perante as consequências da nossa inação ou omissão, porque é muito mais o que nos une, o que é essencial à vida e que é um bem escasso que importa proteger - a água - como a responsabilidade entre gerações.

A relação “alta” “baixa” e os desafios de sustentabilidade

Neste contexto, por quanto mais tempo vamos continuar nesta dúvida e ou contradição de não financiar e capacitar adequadamente os serviços que verdadeiramente são essenciais à vida e ao nosso bem-estar perante a urgência dos desafios civilizacionais que enfrentamos.

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# atualidade

A recuperação de custos numa concessão municipaL

Com uma experiência de mais 20 anos no setor das utilities, exerceu funções técnicas e de gestão em diversas empresas nacionais e internacionais. Iniciou a sua carreira profissional no Grupo Águas de Portugal, passando pelo setor da construção e promoção imobiliária onde assumiu vários cargos executivos. Em 2009 regressou ao setor enquanto Diretor Geral de Concessões como a Águas de Gondomar e a Águas de Cascais. Integrou em 2016 a Administração da INDAQUA como responsável pelas operações das Concessões e empresas do Grupo, assumindo, em 2020, a liderança do Grupo como Presidente da Comissão Executiva. É professor no Mestrado de Economia e Gestão Ambiental na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Licenciado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

“...ao limitar o período da concessão a um máximo de 30 anos para os operadores privados (o que não faz para os públicos), a lei está a obrigar a que infraestruturas com vidas úteis superiores a 50 anos tenham de ser amortizados em apenas 30.”

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Cobertura de gastosa fotografia de 2020

De acordo com os últimos dados publicados pela ERSAR, o total de rendimentos dos serviços de abastecimento de água e recolha de águas residuais em baixa atingiu, em 2020, o montante de 1.444 milhões de euros. Se a este valor descontarmos os subsídios ao investimento,

A recuperação de custos numa concessão municipal

que se esperam não recorrentes, o total dos rendimentos (tarifários e outros) reduz-se para 1.395 milhões de euros.

Com gastos totais de 1.426 milhões de euros, o setor em baixa, como um todo, apresentou, assim, um déficit “corrente” de 31 milhões de euros. (ver Figura 1)

Numa análise por modelos de gestão é de salientar que os valores negativos estão particularmente concentrados nas entidades em gestão direta que, per si, representaram um déficit, só nesse ano, de 95 milhões de euros.

Evoluindo no detalhe para uma escala inferior é possível observar que num total de 138 concelhos, com uma

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# atualidade

Rendimentos (M€) Gastos (M€) Resultado (M€) Total AA AR Total AA AR Total AA AR

Gestão por Concessão (oper. privado) 288 187 100 251 156 94 37 31 6 Gestão direta/Emp. Municipal ou Estatal 1 156 666 490 1 175 645 530 -19 21 -40 Gestão direta 610 320 289 673 341 331 -63 -21 -42

Empresa Municipal ou Estatal 547 346 200 503 304 199 44 42 2

Entidades Gestoras em Baixa - Portugal 1 444 854 590 1 426 801 624 18 52 -34

Subsídios Inv. (M€) Resultado (M€) excl. Subsídios Total AA AR Total AA AR

Gestão por Concessão (oper. privado) 1 0 1 36 31 5 Gestão direta/Emp. Municipal ou Estatal 48 17 30 -67 4 -70 Gestão direta 32 12 20 -95 -33 -62 Empresa Municipal ou Estatal 16 6 10 28 36 -8 Entidades Gestoras em Baixa - Portugal 49 18 31 -31 35 -65

Figura 1 - Gastos e Rendimentos no setor por modelo de gestão (dados RASARP 2020)

população de cerca de 2,5 milhões de habitantes, as entidades responsáveis pelos serviços de água e águas residuais (essencialmente em gestão direta) não tiveram rendimentos suficientes para fazer face aos custos totais dos seus serviços.

A diferença entre rendimentos e gastos nesses 138 concelhos correspondeu a um déficit anual de 88 milhões de euros (105 milhões de euros descontando subsídios ao investimento).

Como é então possível que os custos dessas entidades

sejam superiores aos seus rendimentos? É simples, com recurso a verbas dos orçamentos municipais ou dívida a ser paga por gerações futuras de utilizadores.

A dimensão da “fatura” da água para os contribuintes e para os utilizadores futuros é de tal magnitude que, em mais de 30 desses concelhos, ultrapassa os 100€ anuais por munícipe. (ver Figura 2)

Sobrepondo a autonomia local (constitucionalmente estabelecida) ao princípio do utilizador-pagador (legalmente obrigatório e,

dado o aumento da escassez que temos observado, cada vez mais necessário), resta-nos aceitar que cada município use os recursos públicos que gere como bem entender, incluindo a subsidiação destes serviços. Esperemos, no entanto, que essa subsidiação seja devidamente responsabilizada se, e quando, pedirem apoios ou subsídios aos restantes contribuintes.

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A recuperação de custos numa concessão municipal

Déficit e Subsídios ao investimento por habitante (anual)

Moura 294 € Belmonte 130 €

Miranda do Douro 247 € Vila Pouca de Aguiar 127 € Penamacor 222 € Gouveia 125 € Oleiros 200 € Vila Flor 125 €

Vila Nova de Foz Côa 196 € Bragança 125 €

Aguiar da Beira 192 € Celorico da Beira 125 € Idanha-a-Nova 191 € Vila Velha de Ródão 122 € Alcoutim 178 € Vinhais 121 €

Figueira de Castelo Rodrigo 176 € Barrancos 117 € Castro Marim 171 € Avis 117 € Aljezur 166 € Terras de Bouro 117 € Mourão 162 € Alvito 112 € Serpa 154 € Mora 105 € Almodôvar 140 € Mêda 103 € Portel 140 € Guarda 103 € Mértola 130 € Vieira do Minho 102 €

Figura 2 - Concelhos onde foi maior o Déficit e Subsídio ao Investimento por habitante (dados RASARP 2020)

Cobertura de gastoso filme do setor

A fotografia de 2020, acima descrita, mostra uma situação muito preocupante, quer para os contribuintes, quer para os utilizadores futuros.

No entanto, esta questão não deve ser avaliada observando-se apenas o presente. É também importante analisar o histórico e perceber tendências,assim como a informação de contexto que os possa justificar - no caso o investimento realizado.

Começando por observar o histórico publicado pela ERSAR, infelizmente, o que se verifica é uma constância da situação deficitária de 2020, que, sendo crónica terá, no mínimo, uma década.

Estando caracterizado o presente e o passado - situação deficitária há, pelo menos, uma décadaimporta então perceber as suas causas. De facto, podem existir motivos virtuosos para a existência de déficits, por exemplo, se esses déficits forem temporários e

resultarem de investimentos acrescidos para obtenção de superavits futuros.

No entanto, também no investimento, as medidas que podemos recolher no RASARP (reabilitação e acessibilidade) não evidenciam esforços de investimento significativos nos últimos anos. Pelo contrário, os investimentos de substituição realizados não são suficientes, sequer, para evitar o aumento da idade média dos ativos, o que significa, ainda, custos acrescidos no futuro.

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# atualidade

Resumindo: se a fotografia não é nada animadora, o filme é ainda mais preocupante para os contribuintes e para os utilizadores futuros. Assim, não nos resta senão uma revisão do guião do futuro.

Considerando, optimistamente, que a sociedade acabará por pagar o que for preciso para se manter o nível de serviço que temos hoje, seja por via de impostos e/ou de tarifas, resta-nos a responsabilidade para com os contribuintes e utilizadores futuros, de assegurar a máxima eficiência destes serviços.

Concessões a privados no setor da água - o modelo mais eficiente

Em Portugal é comum centrar a discussão nas tarifas, comparando serviços que asseguram rendimentos tarifários para cobertura dos seus gastos com outros serviços, essencialmente na gestão pública, onde uma parte muito significativa dos custos é suportada pelos orçamentos municipais.

Assim, se queremos comparar e procurar a eficiência, a

medida a usar serão sempre os custos totais dos serviços e não as tarifas praticadas.

Posto isto, numa perspetiva económico-financeira, na escolha de seu modelo de gestão, as entidades titulares devem optar pela solução que permita, para a qualidade de serviço pretendida, minimizar os seus custos totais. Essa escolha é independente da forma depois selecionada para os pagar: tarifas vs impostos e presente vs futuro.

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Figura 3 - Estrutura de custos: operadores privados versus gestão direta/empresa municipal ou estatal Rendimentos Rendimentos das Tarifas Rendimentos das Tarifas Orçamento municipal Remun. Capitais Remun. CapitaisCustos Financeiros Custos Financeiros Investimento Gestão por Concessão (oper. privado) Gestão Direta/ Emp. Municipal ou Estatal Investimento Custos Operacionais Custos Operacionais Custos

A recuperação de custos numa concessão municipal

Aceitando então que o que se pretende é minimizar os custos totais dos serviços, a melhor forma de o conseguir será: 1) definir claramente o nível de serviço pretendido e 2) colocar a questão à concorrência.

Na gestão destes serviços em Portugal, apenas existe concorrência (pelo mercado) nos casos em que são realizados concursos públicos para concessão a privados.

Neste modelo, os operadores são chamados a concorrer com o seu orçamento dos custos daquela concessão, para toda a sua duração, sabendo que as tarifas que irão praticar serão

desgarradas dos valores reais desses custos que, no futuro, se vierem a verificar.

Estes operadores sabem também que, para serem concorrenciais, têm de assumir, logo à partida, um conjunto de objetivos de melhoria da eficiência, que transferem imediatamente às tarifas que apresentam a concurso.

Assim, tendo todo o risco dos custos operacionais e do investimento, uma vez que ficarão com os desvios, positivos ou negativos, face aos valores por si orçamentados, os concessionários têm todos os incentivos e ferramentas para a eficiência.

Gestão por Concessão (oper. privado) Município mantém controlo político e estratégico Gestão empresarial - não polítizada Transferência de risco operacional e de investimento

Financiamento pelo setor privado Nível de serviço com penalidades contratuais Foco da gestão na qualidade e na eficiência Operadores com escala, especialização e cap. técnica

Tarifas estabelecidas em processo concorrencial

São precisamente estas condições que justificam que, por exemplo, de acordo com os dados do RASARP 2020, as perdas reais do conjunto dos concessionários privados sejam de apenas 69 l/(Ramal*dia) - metade da média nacional.

A minimização dos custos não será, naturalmente, o único fator a considerar na escolha do modelo de gestão, mas deve ser, sempre, central.

Gestão Direta/ Emp. Municipal ou Estatal Controlo exclusivo por parte do Concedente

Totalidade do risco operacional e financeiro Falta de capacidade de endividamento Implica meios eficazes de fiscalização e controlo Falta de autonomia do muncípio para exigir qualidade Contratação pública limita gestão/capacidade negocial Dificuldade de acesso às melhores práticas Limitações à gestão do pessoal - diretrizes nacionais

Tema altamente politizado usado como arma política e ideológica

Figura 4 - Vantagens e Desvantagens das concessões municipais

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# atualidade

Particularidades na cobertura de gastos em concessões (operadores privados)

O enquadramento legal das concessões municipais de serviços de água e águas residuais (operadores privados) impõe, à partida, um período de vida prédefinido, do qual resultam particularidades a ter em conta na forma como medimos a sua cobertura de gastos:

a um máximo de 30 anos para os operadores privados (o que não faz para os públicos), a lei está a obrigar a que infraestruturas com vidas úteis superiores a 50 anos tenham de ser amortizados em apenas 30. Esta circunstância obriga a que os utilizadores atuais estejam a contribuir para os utilizadores futuros o que, no nosso País, é, no mínimo, raro;

2. ao contrário de outras entidades sem período de vida pré-definido e que podem viver eternamente com determinado nível de dívida financeira, as concessionárias privadas

têm de amortizar a totalidade da sua dívida até ao final da concessão, também aqui desonerando os utilizadores futuros.

Estas circunstâncias implicam que nas concessões a privados que envolvam planos concentrados de investimento inicial exista, impreterivelmente, uma fase inicial com resultados negativos e grandes necessidades de financiamento e se preveja uma fase final de retorno do projeto (normalmente no último terço) de onde se esperam venham os ganhos para o capital investido.

Dívida

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1. o investimento tem de ser integralmente recuperado até ao final da concessão. Note-se que, ao limitar o período da concessão Figura 5 - Evolução esperada da Dívida, Cash-flow e resultados líquidos numa concessão típica Resultados Líquidos Cash-flow gerado RetornoCrescimentoOtimizaçãoInvestimento

A recuperação de custos numa concessão municipal

Com este contexto fica claro que qualquer concessão terá um déficit elevado, numa fase inicial, e um superavit, também elevado, numa fase final, o que fará com que tenha, inevitavelmente e pela sua natureza, nessas duas fases, uma avaliação insatisfatória no indicador

de cobertura de gastos do ERSAR (por defeito no início e por excesso no final da concessão).

Assim, quer pelas particularidades das concessões, quer pela importância relativamente pequena que um ano tem

neste setor de investimentos de muito longo prazo, a forma adequada de avaliar a sustentabilidade económica terá sempre de envolver um histórico alargado de rendimentos e gastos anuais, naturalmente descontados a um mesmo ano de referência.

135% 125% 115% 105% 95% 85% 75% 65%

Cobertura de Gastos (%) Real + Caso Base Qualidade Serviço Boa >= 100 Qualidade Serviço Boa <= 110 Rendimentos e Gastos totais descontados à TIR

Figura 6 - Evolução do Indicador de Cobertura de Gastos numa concessão

cumpre os requisitos para ter uma classificação de qualidade de serviço - boa.

Nessa mesma concessão o cálculo do indicador global de cobertura de gastos (rendimentos totais

divididos pelos gastos totais de todo o período e ambos descontados à TIR) é de 108% - portanto, com qualidade global classificada como boa.

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Para melhor exemplificar veja-se, na figura acima, a evolução anual do indicador de cobertura de gastos numa determinada concessão onde se verifica que, variando entre 75% e 125%, apenas pontualmente o indicador 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018 2020 2022 2024 2026 2028 2030 2032 2034 2036 2038 2040 2042 2044 2046 2048

atualidade

RECUPERAÇÃO DE GASTOS

O CASO DA ÁGUAS DO RIBATEJO

Diretor Geral da AR - Águas do Ribatejo, EIM, SA

Tem 44 anos e é natural da Chamusca, vila ribatejana do Distrito de Santarém. Licenciado em Organização e Gestão de Empresas pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, iniciou a sua atividade profissional em 2002 na Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo, como Técnico Superior.

Desde 2009 na Águas do Ribatejo, exerceu as funções de Diretor Administrativo e Financeiro até março de 2022, assumindo atualmente as funções de Diretor Geral da empresa. É, também, desde 2015, Presidente da Comissão de Acompanhamento da Concessão do Município de Azambuja e Coordenador da Comissão Especializada de Inovação da APDA.

“a recuperação de gastos que é efetuada pela empresa não compromete, de todo, os níveis de acessibilidade económica dos serviços, sendo praticadas tarifas compatíveis com as condições socioeconómicas da região.”

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1. Tudo tem um início

Os desafios que se colocam na gestão dos serviços de abastecimento de água e de águas residuais (adiante designados por serviços de águas) são numerosos, e complexos. De facto, conciliar diferentes dimensões, algumas das quais parecendo ser conflituantes entre si, não é tarefa fácil: assegurar a equidade e universalidade no acesso a estes serviços, mantendo níveis tarifários

RECUPERAÇÃO DE GASTOS O CASO DA ÁGUAS DO RIBATEJO

compatíveis com a capacidade económica das pessoas, mas que simultaneamente possam assegurar uma adequada sustentabilidade económico-financeira das Entidades Gestoras (EG), num quadro em que as exigências em termos de eficiência e qualidade são cada vez maiores, resulta numa equação de difícil resolução.

Mais difícil é ainda, nos casos em que estes serviços são prestados por EG de reduzida dimensão (em termos de

população servida), e que para além destes serviços são igualmente responsáveis por muitos outros, como é o caso dos Municípios. Muitas das vezes, seja devido à sua reduzida dimensão, à escassez de meios humanos, técnicos e/ou financeiros, ou a dificuldades (políticas) em assumir a definição de trajetórias tarifárias adequadas, é difícil para um Município, de forma isolada, conseguir responder de forma afirmativa aos desafios acima elencados.

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# atualidade

Perante este cenário, nos primeiros anos do século XXI, vários Municípios da sub-região da Lezíria do Tejo decidiram estudar a possibilidade de encontrar uma solução conjunta para ultrapassar os desafios que todos eles enfrentavam.

Essa solução teria de responder, de forma cabal, a esses vários desafios, a saber:

• aumentar a acessibilidade física ao serviço (especialmente no saneamento);

• melhorar os níveis de qualidade e eficiência do serviço prestado;

• aumentar a resiliência dos sistemas (de abastecimento e saneamento);

• assegurar a sustentabilidade ambiental e económicofinanceira dos serviços;

• manter um nível de acessibilidade económica ao serviço compatível com o nível de rendimento da população;

• permitir aos Municípios manter o controlo sobre um serviço que todos consideravam estratégico.

A realidade dos vários Municípios era bastante heterogénea, uma vez que alguns possuíam já níveis de atendimento (acessibilidade

física) elevados e tarifas que asseguravam um grau de recuperação de gastos aceitável, enquanto outros tinham níveis tarifários altamente deficitários e grandes carências em termos infraestruturais.

Assim, e apesar dessa heterogeneidade, houve a capacidade de valorizar os aspetos em que todos convergiam, na expectativa de que, com uma solução conjunta, todos pudessem beneficiar, ficando numa situação mais favorável em comparação com o cenário de “orgulhosamente só”.

Foi esta, essencialmente, a motivação que levou os Municípios de Almeirim, Alpiarça, Benavente, Chamusca, Coruche e Salvaterra de Magos, após a realização de vários estudos, a tomarem a decisão de criar uma empresa para assegurar a gestão e exploração integrada dos serviços de águas, numa ótica supramunicipal.

E assim nasceu, no final do ano de 2007, a Águas do Ribatejo.

Importa salientar aqueles que foram, indubitavelmente,

os três pilares essenciais para o sucesso deste processo: visão, coragem e solidariedade.

Visão porque a concretização de um processo desta natureza, no âmbito do qual os Municípios “abdicam” da gestão direta de serviços essenciais como são os serviços de águas, ainda que os mesmos continuem a ser geridos por uma empresa detida exclusivamente pelos Municípios, não é, do ponto de vista político, uma decisão fácil. Ainda menos o é quando os benefícios daí decorrentes, nalguns casos, só se fazem sentir num horizonte de médio / longo prazo, muito para além do que são os ciclos eleitorais autárquicos.

Esta visão refletiu-se também no modelo inovador adotado, com a gestão integrada, “em alta” e “em baixa”, dos serviços de abastecimento de água e saneamento nos vários Concelhos, numa época em que o modelo predominante não era (e continua a não ser) esse. Com efeito, se hoje é praticamente unânime que a gestão integrada do ciclo urbano da água traz diversas vantagens, e que a agregação

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é uma das soluções para que as EG possam ganhar escala e, com isso, melhorar o seu desempenho, tal não sucedia na altura em que a Águas do Ribatejo foi criada.

Foi igualmente fundamental ter a coragem para avançar com este processo e defender uma solução que, na generalidade dos Municípios, nalguns deles de forma bastante acentuada, implicou um aumento das tarifas, tendo em conta as disparidades verificadas, e uma vez que um dos princípios subjacentes ao projeto era o de praticar uma tarifa igual em todos os Municípios servidos pela Águas do Ribatejo, e que essa tarifa permitisse assegurar um nível adequado de recuperação de gastos.

Mas, talvez mais importante que a visão e a coragem, a solidariedade foi, porventura, a “pedra de toque” deste processo. Desde logo porque, na maioria dos casos, existe a tentação de pensar exclusivamente nos interesses individuais de cada um e a incapacidade de trabalhar em torno de objetivos comuns para que todos possam beneficiar, o que, neste caso, não aconteceu.

RECUPERAÇÃO DE GASTOS - O CASO DA ÁGUAS DO RIBATEJO

Essa solidariedade ficou patente na questão tarifária, pela já mencionada opção de praticar uma tarifa igual em todos os Municípios servidos pela Águas do Ribatejo. No entanto, onde ficou mais evidente este sentimento de solidariedade entre os vários Municípios foi na decisão relativamente aos investimentos a realizar nos primeiros anos do projeto. A abordagem a essa questão foi paradigmática: foram definidos vários objetivos e metas a atingir para o universo servido pela Águas do Ribatejo e, a partir daí, foram programados os investimentos necessários, independentemente da participação de cada Município no capital social da empresa ou do seu “peso” relativo no volume de negócios da mesma.

Em muitos casos, a lógica que impera não é, de todo, esta. E, no entanto, terá sido esta solidariedade que permitiu criar as bases (sólidas) para que todos os Municípios abraçassem este projeto como seu, procurando consensos, soluções de compromisso e, em última análise, salvaguardar da melhor forma possível os interesses das populações que servem.

A Águas do Ribatejo iniciou a exploração dos sistemas e a prestação de serviços nos Municípios fundadores em maio de 2009 e, no final de 2011, o Município de Torres Novas passou também a integrar este projeto, numa configuração que se mantém até hoje.

2. A importância e o desafio da recuperação de gastos

Como já foi referido, um dos princípios fundamentais deste projeto era o de praticar uma tarifa igual em todos os Municípios servidos pela Águas do Ribatejo, e que essa tarifa permitisse assegurar uma adequada recuperação de gastos.

Esta opção foi tomada pelos Municípios com base na firme convicção de que apenas desta forma seria possível ter uma Entidade Gestora com autonomia e capacidade para realizar os investimentos necessários e melhorar a qualidade do serviço prestado à população, não apenas a curto prazo, mas também numa ótica de médio/ longo prazo.

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atualidade

A Águas do Ribatejo presta dois serviços (abastecimento e saneamento), cada um deles com gastos e rendimentos associados. Mas a empresa é apenas uma e, por essa razão, num primeiro momento, a prioridade foi garantir que, para o conjunto dos dois serviços, era assegurada a recuperação de gastos, e que a empresa apresentaria resultados positivos.

À semelhança de muitas outras EG, numa fase inicial, existia uma forte subsidiação cruzada entre os dois serviços, com os rendimentos

do serviço de abastecimento a “financiarem” o saneamento, cujas tarifas eram, por razões históricas, bastante mais baixas.

Ao longo dos anos, na definição das trajetórias tarifárias, a Águas do Ribatejo procurou eliminar este “desequilíbrio”, visando atingir um grau de recuperação de gastos adequado em cada um dos serviços individualmente considerado.

A figura seguinte apresenta a evolução do grau de cobertura de gastos

utilizando, para o efeito, a definição do indicador da ERSAR correspondente: “Este indicador destina-se a avaliar o nível de sustentabilidade da gestão do serviço em termos económico-financeiros, no que respeita à capacidade da entidade gestora para gerar meios próprios de cobertura dos encargos que decorrem do desenvolvimento da sua atividade. É definido como o rácio entre os rendimentos tarifários, outros rendimentos e subsídios ao investimento e os gastos totais (conceito a aplicar a entidades gestoras de sistemas em alta e em baixa).”

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#
Figura
- Evolução do grau de
160% 140% 120% 100% 80% 60% 40% 20% 0% 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Global
1
cobertura de gastos
Cobertura de Gastos
Água Saneamento

Como é possível constatar através da análise deste gráfico, a cobertura de gastos, para o conjunto dos dois serviços, foi sempre superior a 100%, desde o início da atividade da empresa, em 2009. Acresce que, para a maioria do período de análise, este grau de recuperação de gastos se situou entre os 100% e os 110% o que, de acordo com os critérios definidos pela ERSAR, traduz uma qualidade de serviço boa.

Por outro lado, o gráfico permite também verificar a progressiva atenuação da subsidiação cruzada entre serviços, com o grau de recuperação de gastos do serviço de abastecimento a apresentar uma tendência de descida e, no caso do saneamento, em sentido inverso, uma tendência de subida. De salientar que, no caso do saneamento, o grau de recuperação de gastos em 2009 era de apenas 55%, estando neste momento já muito próximo dos 100% (a partir de 2017, foi sempre superior a 90%).

Esta evolução é reflexo da política tarifária que foi sendo seguida, visando assegurar a capacidade

RECUPERAÇÃO DE GASTOS - O CASO DA ÁGUAS DO RIBATEJO

da Águas do Ribatejo para levar a cabo a sua missão. Foram assumidas pelos Municípios, ao longo dos anos, diversas atualizações tarifárias, sempre com a dupla preocupação de, por um lado, manter o equilíbrio e autonomia da empresa e, por outro, manter as tarifas em níveis compatíveis com a realidade socioeconómica da região

Mas será que, com essas atualizações tarifárias, as tarifas praticadas pela Águas do Ribatejo não passaram a representar um encargo demasiado pesado para os seus clientes? Para responder a esta questão, recorremos ao indicador de acessibilidade económica apurado pela ERSAR, que é definido como o peso do encargo médio com os serviços de abastecimento e saneamento no rendimento médio disponível por agregado familiar na área de intervenção do sistema, visando avaliar a capacidade económica das famílias para suportarem os serviços prestados pela EG.

O gráfico seguinte apresenta a evolução deste indicador para o período entre 2011

e 2020 (este indicador é calculado diretamente pela ERSAR, sendo 2011 o primeiro ano em que existiram indicadores para a Águas do Ribatejo e 2020 o último ano para o qual está disponível o indicador):

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0,50% 0,40% 0,30% 0,20% 0,10% 0,00%

atualidade

Acessibilidade Económica

Figura 2 - Evolução da acessibilidade económica

De acordo com os critérios definidos pela ERSAR para este indicador, considera-se uma qualidade de serviço boa quando este indicador se situe entre 0% e 0,5%. Assim, facilmente se retira deste gráfico que, em ambos os casos, o nível de acessibilidade económica dos serviços prestados pela Águas do Ribatejo se encontra claramente dentro dos limiares do que se considera uma qualidade de serviço boa.

Para reforçar esta ideia, e tendo por base os dados publicados pela ERSAR no RASARP 2021 (referentes a 2020), no gráfico seguinte temos a comparação entre o encargo médio tarifário mensal para um consumo “padrão” (10 m3/mês):

Encargo Médio Tarifário Mensal Água Saneamento

10,39 11,47 7,29 8,96 Águas Ribatejo Média Nacional

Figura 3 - Comparação encargo médio tarifário Águas Ribatejo vs. Média nacional

Da análise deste gráfico fica patente que, quer no abastecimento, quer no saneamento, o encargo médio tarifário mensal no caso da Águas do Ribatejo é claramente inferior à média nacional

Significa isto, portanto, que a recuperação de gastos que é efetuada pela empresa não compromete, de todo, os níveis de acessibilidade económica dos serviços, sendo praticadas tarifas compatíveis com as condições socioeconómicas da região

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Água Saneamento 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Pese embora, como ficou demonstrado, as tarifas praticadas sejam inferiores às de outras EG, existiu sempre, por parte da Águas do Ribatejo, uma atenção especial para aqueles que se encontrem em situação de vulnerabilidade económico-financeira. Essa atenção e preocupação traduz-se, entre outras coisas, no facto de, desde 2010, a Águas do Ribatejo ter um tarifário social para apoiar aqueles que mais precisam e assegurar que todos podem ter acesso a estes serviços públicos essenciais.

Esta solução de compromisso entre um adequado nível de recuperação de gastos, por um lado, e uma política tarifária ajustada à realidade da região, por outro, tem sido possível sobretudo devido a 3 fatores: - uma gestão responsável e rigorosa, procurando sempre as melhores soluções para que a empresa desenvolva a sua atividade diária de forma cada vez mais eficiente, e para que possa também realizar os investimentos necessários (e foram mais de 150 milhões de euros desde 2009), mas sempre com “os pés bem assentes na terra”;

RECUPERAÇÃO DE GASTOS - O CASO DA ÁGUAS DO RIBATEJO

- o modelo de gestão adotado, com a gestão integral do ciclo urbano da água (“alta” e “baixa” no abastecimento e no saneamento) a permitir gerar economias de gama e de processo, e a agregação de vários Municípios a gerar economias de escala face à situação pré-agregação; - a importância dos financiamentos comunitários, essenciais para alavancar a realização de muitos investimentos que, de outra forma, não poderiam ser concretizados ou, então, resultariam num encargo tarifário que seria incomportável para as famílias e empresas.

Este último aspeto merece, aliás, uma reflexão adicional. Quando falamos de recuperação de gastos pensamos, e não podemos deixar de o fazer, nas tarifas. É certo que existem ainda muitas EG que poderiam e deveriam ter tarifários mais condizentes com os reais gastos dos serviços que prestam. Mas também é verdade que não podemos abordar esta matéria da recuperação de gastos apenas nesta dimensão dos tarifários.

A realidade do país, e do setor, é muito heterogénea. Temos a maioria das EG a operar no interior do país, em territórios onde residem cada vez menos pessoas, e um conjunto de EG situadas no litoral onde se concentra grande parte da população do país. Ambas as situações terão as suas particularidades e desafios, mas a questão da interioridade merece uma atenção particular.

Atentemos no caso da Águas do Ribatejo: a empresa presta serviço em 7 Municípios, num território com mais de 3.200 km2, área superior à do distrito de Lisboa. Com uma diferença: nestes 7 Municípios da Águas do Ribatejo residem cerca de 140.000 pessoas, no distrito de Lisboa são mais de 2.200.000… No território da AR a densidade populacional é de 45 habitantes/km2, que compara, por exemplo, com os 988 habitantes/km2 de Braga, os 1.734 habitantes/km2 do Seixal ou os 1.780 habitantes/ km2 de Vila Nova de Gaia… Costumo dizer muitas vezes que num bairro destas cidades vivem mais pessoas do que na maior parte das localidades que servimos…

Esta circunstância reflete-se em vários aspetos da

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# atualidade

atividade da empresa, quer seja nos gastos acrescidos que decorrem das grandes distâncias entre as diversas localidades e à dispersão de meios humanos e técnicos, quer seja na configuração e quantidade de sistemas e infraestruturas necessários para que os serviços sejam prestados, com qualidade, ao maior número possível de pessoas.

Para ilustrar esta realidade, nada como apresentar alguns números: - no abastecimento de água, exploramos mais de 2.250 km de condutas de água, 95 captações de água (subterrânea), 46 Estações Elevatórias e 15 ETA; - no saneamento, gerimos atualmente quase 1.200 Km de coletores, 177 Estações Elevatórias e 51 ETAR.

Isto para 140.000 pessoas…

Esta realidade é semelhante à de muitas outras EG por esse país fora. E merece, da parte dos decisores políticos, uma atenção especial. Se queremos (e estou em crer que todos queremos) ter um país desenvolvido, em que os territórios do interior sejam atrativos e em que os cidadãos desses territórios

possam ter acesso a serviços públicos essenciais de qualidade, tal como os que residem no litoral, temos de encontrar mecanismos que permitam materializar este desígnio, num espírito de solidariedade nacional e inter-regional.

O financiamento comunitário é um instrumento fundamental para apoiar estas EG na concretização dos investimentos. Mas não é suficiente. Existem já hoje mecanismos que terão como objetivo “aliviar” as tarifas praticadas nalgumas zonas do país. São disso exemplo a CTA (componente tarifária acrescida) que é paga pelas EG que adquirem água à EPAL, ou a “famosa” componente “S” (de solidariedade) da TRH (taxa de recursos hídricos).

A verdade é que a Águas do Ribatejo que, como vimos, é uma EG que opera no interior do país, com uma realidade complexa, paga a CTA (referente a parte da água que distribui em Torres Novas e que é adquirida à EPAL) e paga a componente “S” da TRH (relativa à água captada e que, em 2021, já representou mais de 50% do valor total entregue à APA), valores que se destinarão

a apoiar outras realidades ainda mais difíceis que a nossa (pelo menos é o que esperamos que aconteça…). Mas não deixamos de nos questionar se os habitantes dos Municípios que servimos não deveriam também beneficiar da solidariedade das áreas mais urbanas e prósperas do país…

Até agora, e como vimos, foi possível trilhar um caminho difícil, com muitos obstáculos, mas com bons resultados. Mas o futuro encerra inúmeros desafios, e urge encontrar novas abordagens e mecanismos para assegurar uma adequada recuperação de gastos por parte de todas as EG e para garantir a sustentabilidade do setor.

3. Os desafios

O futuro não se afigura fácil. Vivemos atualmente numa conjuntura extremamente adversa, na “ressaca” de uma pandemia, que provocou diversas disrupções na economia, e com uma guerra na Europa, que veio agravar ainda mais uma situação que já era complicada.

Os atuais níveis de inflação já não se registavam há dezenas

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de anos, e esta circunstância terá, sem margem para dúvidas, um impacto muito significativo na recuperação de gastos por parte das EG.

O aumento exponencial de materiais, equipamentos e serviços traduzir-se-á num crescimento muito acentuado dos gastos das EG. Neste particular, os custos com a energia assumem um especial destaque. Por exemplo, no caso da Águas do Ribatejo, em 2021 os gastos com eletricidade representaram cerca de 10% do total de gastos, com um montante na ordem dos 2 milhões de euros. Neste ano de 2022 a situação deverá ser idêntica, uma vez que o contrato de fornecimento foi celebrado em 2019 e vigora até final deste ano. Mas, para 2023, e com base em preços atuais obtidos junto dos fornecedores, perspetivam-se aumentos na ordem dos 300% para a energia ativa, face aos que temos atualmente! É só fazer as contas…

Para piorar as coisas, e ainda que o objetivo seja o de controlar a inflação, as taxas de juro estão também a subir de forma muito acentuada, o que provocará um aumento

RECUPERAÇÃO DE GASTOS - O CASO DA ÁGUAS DO RIBATEJO

do serviço de dívida de todas as EG que tenham dívida contratada com taxas variáveis.

A política tarifária das EG terá, necessariamente, de ser ajustada. Não é possível manter tarifas muito abaixo do real custo dos serviços, com base numa premissa falaciosa: a de que a água é cara e as pessoas não podem pagar.

Importa salientar, desde logo, que o conceito de “caro” (ou “barato”) é um conceito relativo. De facto, quando dizemos que algo é caro ou barato, deve existir uma referência, um termo de comparação.

Se pensarmos nos vários serviços que as pessoas têm em sua casa, como água (e saneamento), eletricidade, gás, televisão, internet, qual destes serviços é mais barato? Arrisco dizer que, na esmagadora maioria dos casos, serão os serviços de águas. Poder-se-á dizer: são coisas diferentes. É verdade que são. Sem a água não podemos viver, sem as outras coisas não sabemos ou não queremos viver…

Mas olhemos também para a água comparada com

água, mais concretamente água da torneira comparada com água engarrafada. Um garrafão de água de 5 litros num supermercado custa cerca de 1 euro. Se tivermos duas pessoas a consumir água engarrafada, apenas para beber, numa média de 2,5 litros por pessoa e por dia, serão necessários 365 garrafões de água para um ano, o que representará cerca de 365 euros por ano. Apenas para beber. No caso da água da torneira, e tendo por base o encargo médio tarifário mensal para um consumo de 10 m3 da Águas do Ribatejo, temos para um ano um custo na ordem dos 125 euros.

Temos, portanto: 365 euros ano para 1.825 litros de água engarrafada (em garrafões, que é a forma mais barata de aquisição) e 125 euros por ano para… 120.000 litros de água da torneira!

Esta comparação com a água engarrafada não surge por acaso: continua a haver muitas pessoas que consomem em casa água engarrafada. Algumas porque “não gostam do sabor da água da torneira”, outras porque “sempre beberam água engarrafada”, outras ainda porque “a água da

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# atualidade

torneira não tem qualidade”… E, porventura, algumas das pessoas que afirmam que a água da torneira é cara, até consumirão em casa água engarrafada.

Sejamos claros: a água da torneira é muitas coisas, mas cara não é uma delas! Existirão sempre pessoas em situação de vulnerabilidade, que terão dificuldade em pagar os serviços que prestamos. Para essas pessoas, é fundamental ter respostas específicas e mecanismos de apoio adequados. Não devemos é assumir que toda a gente é vulnerável e, por essa razão, praticar tarifas muito abaixo do que seria razoável e desejável fazer. Porque isso, mais cedo ou mais tarde, vai provocar desequilíbrios, com consequências na qualidade do serviço prestado, e a necessidade de alocar recursos financeiros para cobrir os défices gerados, recursos esses que poderiam ser direcionados para apoiar aqueles que mais precisam. Isto, claro está, é apenas a minha opinião.

Os Serviços de Águas são uma indústria, tal como o são os outros serviços referidos anteriormente. A

água que distribuímos, para chegar a casa das pessoas em quantidade, com qualidade e sem quebras de serviço, implica toda uma estrutura industrial que compreende a captação, tratamento, elevação, distribuição, manutenção, recolha dos efluentes e tratamento dos mesmos. E essa estrutura tem custos que, em grande medida, têm de ser repercutidos no consumidor.

É certo que o nosso setor tem tido muita dificuldade em transmitir à sociedade o real valor e importância dos serviços que prestamos. Tem de ser feito um esforço para melhorar essa comunicação, que é essencial para que as pessoas possam compreender essa importância e valorizar esses serviços.

Esse esforço tem de ser continuado e transversal a todo o setor e aos decisores políticos. Não podemos falar da água apenas quando há seca, este é um setor absolutamente vital e estratégico para o país e tem de ser tratado de forma condizente com a sua importância.

Precisamos também de envolver a comunicação

social neste processo. Na maior parte das vezes que a água é tema de destaque (e não são muitas…) ou é por causa da seca, ou devido à questão das tarifas, muitas das vezes apresentando comparações tarifárias entre Concelhos, sem qualquer relação com as características e qualidade do serviço prestado, não acrescentando qualquer valor à discussão, antes pelo contrário. Temos de ser capazes de trazer para esta “luta” aqueles que têm a capacidade de chegar de forma massiva às pessoas, quer sejam os órgãos de comunicação social tradicionais, quer sejam figuras públicas ou pessoas que, através das redes sociais, têm vastas redes de seguidores. Apenas dessa forma conseguiremos, paulatinamente, mudar comportamentos e a perceção que a sociedade tem dos Serviços de Águas, valorizando cada vez mais o trabalho que fazemos.

Sabemos que, fruto das alterações climáticas, a gestão da água será cada vez mais complexa, obrigando à implementação de novas soluções para dar resposta a novos desafios. E isso implica que as EG estejam

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capacitadas para o fazer, que façam o seu “trabalho de casa” no que se refere à eficiência (por exemplo na redução de perdas), e que disponham dos recursos, humanos, técnicos e financeiros para levar a cabo a sua missão.

Importa, por isso, trazer para cima da mesa a discussão sobre o financiamento do setor. Tal como referido anteriormente, as tarifas têm um papel fundamental, e há muito trabalho para fazer nesse âmbito. Mas é também essencial encontrar mecanismos que permitam combater as assimetrias regionais, para que não tenhamos no país, no que aos Serviços de Águas diz respeito, cidadãos de “primeira” e de “segunda”.

4. Considerações finais

A recuperação de gastos é uma questão fulcral no seio dos Serviços de Águas, tal como o é em qualquer outro setor. Para que uma EG possa prestar serviços de qualidade, fazer os investimentos necessários na sua área territorial e ser sustentável, tem de ser capaz de gerar

RECUPERAÇÃO DE GASTOS - O CASO DA ÁGUAS DO RIBATEJO

rendimentos para suportar os seus gastos, quer por via tarifária, quer com recurso a outros mecanismos de financiamento.

O caminho que a Águas do Ribatejo tem seguido demonstra ser possível ter um equilíbrio entre tarifas ajustadas à realidade da região, uma recuperação de gastos adequada e serviços de qualidade. Esse caminho nem sempre foi fácil, e as decisões referentes à política tarifária são sempre complexas.

Contudo, existiu sempre (e é minha convicção que continuará a existir), da parte dos muitos autarcas envolvidos neste projeto, a consciência clara que é fundamental ter uma EG sustentável para que os cidadãos possam beneficiar de serviços de qualidade, agora e no futuro.

Tenho tido o privilégio, ao longo do meu percurso profissional (e pessoal), de privar com muitos homens e mulheres que, tendo sido eleitos para desempenhar cargos nas Autarquias, o têm feito de forma exemplar, trabalhando diariamente na defesa do interesse das suas

populações e procurando sempre tomar as melhores decisões.

E a verdade é que as melhores decisões nem sempre são as mais fácies ou as mais populares… Mas cabe a todos nós, num esforço coletivo, encontrar as melhores soluções e tomar as melhores decisões. Por mais difícil que seja. Só assim poderemos almejar um presente e, sobretudo, um futuro de sucesso.

Acredito sinceramente que o vamos conseguir fazer. As gerações futuras não nos perdoarão se não o fizermos…

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EVENTOS

EVENTOS | 05

EVENTOS

Eventos APDA

Sessão pública de assinatura da “Declaração de Compromisso para Adaptação e Mitigação das Alterações Climáticas nos Serviços de Águas”

APDA

Local: Museu de Eletricidade - Casa da Luz, Funchal, Madeira Data: 14 outubro 2022

PURA 2022 - Encontro de Comunicação e Educação Ambiental” APDA Local: Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra Data: 20 outubro 2022

eventos

Para mais informações www.apda.pt

Sessão pública de assinatura da “Declaração de Compromisso para Adaptação e Mitigação das Alterações Climáticas nos Serviços de Águas”

APDA

Local: Centro Cívico e Cultural de Santa Clara, Ponta Delgada, Açores Data: 28 outubro 2022

Encontro “Gestão da Dívida nas Entidades Gestoras”

APDA

Local: Fundação Dr. António Cupertino de Miranda, Porto Data: 4 novembro 2022

“Desafios para as Entidades Gestoras da Transposição da Diretiva da Qualidade da Água Destinada a Consumo Humano”

APDA

Local: Quinta Dona Maria, Soure Data: 7 dezembro 2022

Webinar “Modelos de Abordagem para Redução de Perdas de Água”

APDA Data: 14 dezembro 2022

Colóquio “O Mercado e os Preços 2022” APDA

Local: Observatório do Sobreiro e da Cortiça, Coruche Data: 10 janeiro 2023

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Eventos nacionais

Urban Water Summit ENSO e o ISEC

Local: ISEC, Coimbra Data: 10 novembro 2022

10.º Fórum AQUASIS AQUASIS

Local: LNEC, Lisboa Data: 18 novembro 2022

20.º ENaSB - Encontro de Engenharia Sanitária e Ambiental APESB

Local: Cascais Data: 24-26 novembro 2022

APDA, NACIONAIS E INTERNACIONAIS Eventos INTERnacionais

UNFCCC COP 27 - UN Climate Change Conference 2022 United Nations

Local: Sharm El-Sheikh, Egipto Data: 6-18 novembro 2022

UBLUE PLANET Berlin Water DialoguesArtificial Intelligence: Reshaping the Water Industry Online Data: 22 novembro 2022

IWA Digital Water Summit International Water Association Local: Bilbao, Espanha Data: 29 novembro - 2 dezembro 2022

REVISTA APDA 2022 | 83

ACOMPANHAMENTO SOBRE O PROGRESSO EM DIREÇÃO AO ODS 6 NO CONTEXTO DA UE

AVALIAÇÃO DE TENDÊNCIAS DE CURTO PRAZO

Visão geral do progresso da UE em direção ao ODS 6 nos últimos 5 anos, 2022 (Os dados referem-se principalmente a 2015-2020 ou 2016-2021)

Falta de instalações sanitárias básicas

Progresso moderado em direção à meta da UE

População ligada a tratamento secundário de águas residuais

Carência bioquímica de oxigénio nos rios1

Nitrato em águas subterrâneas2

Qualidade das águas balneares interiores*

Afastamento da meta da UE Não é possível calcular a tendência (por exemplo, série temporal muito curta)

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA UNIÃO EUROPEIA INFOGRAFI A

Fosfato nos rios1 Índice de escassez WEI+ (Water Exploitation Index)

(*) Indicador multiuso (1) Os dados referem-se a um agregado da UE com base em 18 Estados-Membros (2) Os dados referem-se a um agregado da UE baseado em 19 Estados-Membros

ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO

Falta

Com ligação a tratamento secundário de águas residuais em 2019 80,9 %

70,4 % em 2004

QUALIDADE DA ÁGUA STRESS HÍDRICO

Nitrato em águas subterrâneas em 2020 21,0 mg p o r litro + 2,7 % do que entre 2014 e 2019

Qualidade das águas balneares interiores em 2020 77,7 % de excelente qualidade 81,1 % em 2015

SANEAMENTO
0,06
Índice de escassez WEI+ em 2017 8,4 % 8,0 % em
de instalações sanitárias em 2020 1,5 % da população da população2,2% em 2015 Carência bioquímica de oxigénio nos rios em 2019 2,5 mg p or litro 2,9 mg em 2004 Fosfato nos rios em 2019
mg p o r lit ro + 13, 2 % do que em 2014
2002
6 ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO MOVIMENT0 AUSENTE PROGRESSO https://ec.europa.eu/eurostat/documents/3217494/14665254/KS-09-22-019-EN-N.pdf/2edccd6a-c90d-e2ed-ccda-7e3419c7c271?t=1654253664613
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS
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