Revista APDA #30 - 3º trimestre 2023

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REVISTA

EDIçãO 30 3º TRIMESTRE

2023 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS

PENSAARP 2030


Edição APDA

Projeto Gráfico OT Comunicação

Conselho Editorial Inês Matos Margarida Esteves Paulo Nico Pedro Laginha

Diretora Criativa Sandra Souza

Coordenação Ana Antão

ONDE ESTAMOS SITE www.apda.pt SOCIAL facebook.com/apda.pt instagram.com/apda.pt linkedin.com/company/apda.pt

ÓRGÃOS SOCIAIS DA APDA ASSEMBLEIA GERAL Presidente: Francisco Silvestre de Oliveira Secretário: Francisco Marques Secretário: Gertrudes Rodrigues CONSELHO DIRETIVO Presidente: Rui Godinho Vice-Presidente: Joana Felício Vice-Presidente: J. Henrique Salgado Zenha Vice-Presidente: Nuno Campilho Vice-Presidente: Rui Marreiros Vice-Presidente: Susana Ferreira

IN MEMORIAM

# FICHA TÉCNICA

CONSELHO FISCAL Presidente: Carlos Pinto de Sá Secretário: Carlos Silva Secretário: Jorge Nemésio

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem indicação da respetiva fonte. Revista APDA é uma publicação trimestral. Para mais informações sobre publicidade ou informações gerais, Tel.: (+351) 218 551 359 ou E-mail: geral@apda.pt APDA - Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas Av. de Berlim, 15 - 1800-031 Lisboa - Portugal • Tel.: (+351) 218 551 359 • E-mail: geral@apda.pt


para contribuir. A APDA contava com ele e ele não virava as costas, tendo tido um papel relevante, quando não preponderante, em muitas iniciativas da associação.

Sérgio Hora Lopes

Assumiu a direção da Revista APDA no segundo trimestre de 2020, precisamente na altura em que o mundo fechou por causa da pandemia. A covid-19 foi, sem surpresa, o tema desse número da revista, e descobrimos que ele sabia tudo o que era possível saber sobre o assunto em cada momento. Esta curiosidade por aquilo que é novo estava-lhe na massa do sangue.

(1951 – 2023)

O Dr. Sérgio Hora Lopes, diretor da Revista APDA, deixou-nos no passado dia 25 de Julho. Tinha 71 anos. Tinha-se reformado já próximo dos 70 anos. O avanço da doença que o vitimou já não lhe permitiu dar o contributo que desejaria ao último número, relativo ao 2º trimestre e editado em data próxima da sua morte. Mas antes disso, e ao longo do período a partir do Verão de 2022, quando teve conhecimento da doença implacável de que padecia, manteve-se sempre muito ativo no âmbito da revista, e não parecia disponível para desânimos. Uma ou outra vez manifestou aborrecimento com os novos exames médicos que tinha de realizar e o tempo que isso lhe ia consumir, e esse foi o patamar mais negativo que alguma vez revelou. De resto, a energia de sempre. Sérgio Lopes era um entusiasta. Era-lhe fácil e natural estremecer com novas iniciativas, novos temas, novas ideias (quanta vibração com um novo conceito como o de “One Water” - “Uma Só Água” -, por exemplo), e revelava grande disponibilidade para participar,

Qual o segredo de Sérgio Lopes? Não era evidente para quem não o conhecia bem, nem ele fazia alarde. É afinal muito simples: era um verdadeiro e genuíno intelectual. Uma curiosidade intelectual insaciável. Não há muitos. O desenvolvimento regional e a economia ambiental, sim, mas também literatura, pintura, cinema, arquitetura (do seu conterrâneo Álvaro Siza e não só), filosofia em particular, e de tudo um pouco, tudo isso ele discutia com os seus amigos mais próximos e tinha-os, ao longo de décadas… -, um pouco à maneira dos anos sessenta ou setenta, em que este perfil social era menos incomum. Era aliás uma pessoa calorosa e empática, bom conversador, com carisma. E com uma grande ligação à sua terra de Matosinhos e em particular Perafita e Lavra, onde os amigos o levavam de carro a passear, quando o fim já se aproximava, por recantos da sua juventude. Sérgio Lopes licenciou-se em economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde foi colega de alguns nomes conhecidos, como Elisa Ferreira ou Teixeira dos Santos.


Foi docente em diversas escolas do ensino superior, entre 1974 e 2010: Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Instituto Superior de Serviço Social do Porto, Instituto Superior de Administração e Gestão, Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa. Lecionou disciplinas das áreas de economia política, economia portuguesa, política social, planeamento e economia e gestão do ambiente. Concebeu e dirigiu a pós-graduação “Gestão das Organizações e Desenvolvimento Sustentável” da EGE-Escola de Gestão Empresarial da Universidade Católica Portuguesa. Colaborou nos seguintes livros: “Abastecimento de Água em Portugal – O Mercado e os Preços” da Comissão Especializada de Legislação e Economia da APDA, Edição da APDA, Lisboa, 2004; “Lo Público y lo Privado en la Gestión del Agua”; Ediciones del Oriente y del Mediterráneo, Junio de 2005, Madrid; “Água e Saneamento em Portugal – O Mercado e os Preços” da Comissão Especializada de Legislação e Economia da APDA, Lisboa, com edições de 2006, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016, 2018, 2020 e 2022. No setor dos serviços de água e do ambiente desde 1982, foi Diretor-Delegado dos SMAS de Matosinhos, Gestor do POA (Programa Operacional do Ambiente) e Interlocutor Sectorial do Ambiente para o Fundo de Coesão. Integrou o Grupo Águas de Portugal em 2006, tendo sido Presidente da Simlis, da Águas do Mondego, da Simria e da Águas do Zêzere e Côa, e Administrador executivo na Águas do Douro e Paiva. Teve uma intervenção preponderante na criação da Águas da Região de Aveiro, empresa de que foi o primeiro Presidente. Mais recentemente era assessor

da Águas de Douro e Paiva e consultor da AdP Internacional. Integrou vários cargos de direção na APDA, sendo agora o Coordenador do Conselho Científico da associação e membro da sua Comissão Especializada de Legislação e Economia. Na APDA coordenou o think tank de prospetiva cujas reflexões e conclusões foram publicadas no livro “Serviços de Águas – Os próximos 30 anos”. Foi Presidente da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal. Incansável na sua curiosidade, busca e partilha de conhecimento, elaborou vários trabalhos sobre planeamento, integração e fundos comunitários, economia do ambiente e da água, gestão de conflitos, prospetiva, tendo publicado mais de uma dezena de ensaios e artigos em revistas da especialidade. Reconhecido entre os seus pares, acumulou prestígio ao longo da uma carreira dedicada em grande parte à evolução do setor da água em Portugal, contribuindo pelo caminho para o bem-estar e boa disposição das pessoas que com ele privaram. Fica uma grande saudade e um eterno agradecimento.


# IN MEMORIAM


EDITORIAL

PENSAARP 2030 Por que motivo existe – ou virá a existir – o PENSAARP 2030 (“Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais, para o período de 2021-2030”)? Não tinha de ser assim. Não há um documento similar no setor da energia no nosso país, assim como não há documentos similares relativos ao setor da água em outros países da Europa em que o desenho institucional do setor não é assim tão diferente do nosso. É um anacronismo? Uma reminiscência da mesma cultura que gerou, noutros tempos e noutros lugares, algo como os planos quinquenais da União Soviética, para citar um exemplo famoso? Estamos prestes a entrar em 2024 e, à data da elaboração deste editorial, o plano continua por aprovar. Entretanto, o setor não está parado, as novas iniciativas e projetos não entraram em paralisia. Estaremos a descobrir que vivermos com ou sem o plano acaba por ser sensivelmente a mesma coisa? Pelo nosso lado, pertencemos ao número daqueles que atribuem grande utilidade ao PENSAARP. Não tanto como um guia pelo qual toda a gente espera para poder finalmente avançar nesta ou naquela direção, mas como uma orientação global que permita enquadrar e fundamentar políticas a adotar num setor que continua a viver a duas velocidades, com um tão grande número de entidades gestoras, tão dispersas e de capacidades tão distintas, e no qual há tanto por fazer. Mas o plano só se torna plenamente útil se (numa ótica PDCA – “Plan-DoCheck-Act” - a que a nossa capa faz menção) for coadjuvado por uma monitorização dos indicadores que medem o cumprimento dos objetivos estabelecidos, e com ênfase na divulgação dos resultados. O artigo de Diogo Faria de Oliveira dá-nos conta da atividade do GAG (Grupo de Apoio à Gestão) do PENSAAR 2020 e dos resultados obtidos, naquela que foi a primeira experiência de monitorização ao longo da execução do plano e não apenas após a conclusão do mesmo. Prevê-se que esta bem-sucedida experiência tenha continuidade com a criação do GAG 2030, com objetivos comparáveis e, sempre, recursos adequados. Infelizmente, o que não teve tanto sucesso foi a execução do PENSAAR 2020 em si, tal como medida pelos indicadores selecionados face às metas definidas. Quando a versão inicial do PENSAARP 2030 foi submetida a consulta pública, em abril/maio de 2022, houve quem a tenha considerado algo desconcertante. O documento não continha peças cartográficas e a sua componente


estratégica em sentido estrito (objetivos, medidas) revelava um carácter de certo modo universalista e intemporal, ou seja, parecia poder ser aplicável, mediante os necessários ajustes, a outro país num estado de desenvolvimento comparável ao nosso ou a outro tempo, por exemplo a um PENSAARP 2040. O carácter específico derivava no essencial da atribuição de níveis de prioridade. A estrutura de base do plano estratégico, que se manteve na versão atual do documento, e nem outra coisa faria sentido, está descrita no artigo de Jaime Melo Baptista e centra-se em quatro objetivos globais, subdivididos em vinte objetivos específicos, para cuja persecução foram definidas setenta medidas, acrescidas de outras quinze associadas à regulação dos recursos hídricos. O carácter universal referido decorre da grande abrangência dos vinte objetivos específicos que, por assim dizer, “vão a todas”, inclusive a aspetos nobres que, pela dificuldade de implementação, nunca estiveram na agenda, como seja a “melhoria das instalações sanitárias domiciliares de famílias carenciadas” (no objetivo 18). A referida primeira versão classificava, em paralelo, objetivos por um lado e medidas para os concretizar por outro lado, segundo três níveis possíveis de prioridade. Na prática, o documento, de um nível técnico de excelência, que deve ser realçado, acabava por resultar algo difuso nesta matéria e por deixar no ar a impressão de querer atacar igualmente muitos problemas de fundo. Após a consulta pública e, em particular, na sequência da Avaliação Ambiental Estratégica concluída em junho passado, a priorização foi revisitada com profundidade, conferindo ao documento o foco de que este carecia. Foi atribuída prioridade a dez dos vinte objetivos específicos, sendo que o “Top 3” é constituído pela “sustentabilidade económica e financeira”, a “eficiência na governação e estruturação do setor” e a “sustentabilidade infraestrutural”. Naturalmente, qualquer um de nós poderia estabelecer um “pódio” de acordo com a sua visão das coisas. Sem querer pôr em causa o plano, o artigo de Carlos Martins, que dá particular atenção à evolução do documento no que aos objetivos e medidas diz respeito, não deixa de incluir esse exercício em nome próprio. Tomando como ponto de partida uma boa e uma má notícia – o grau de desenvolvimento atingido pelo setor da água no nosso país, com percentagens globais assinaláveis de cobertura em termos de abastecimento de água e em termos de saneamento incluindo tratamento, e por outro lado a crise climática com que somos confrontados – o artigo de Vera Eiró parte para uma análise abrangente, sendo que, no capítulo das “contas certas” (uma expressão que se generalizou), identifica quatro vertentes específicas em relação às quais faz a defesa do reforço de poderes do regulador, entre outras. Por seu lado, o artigo de José Santos procede a uma análise de aspetos diversos do setor no contexto do PENSAARP 2030, e nesse âmbito dá conta de preocupações que o acompanham há


muito, como sejam aquilo que apelida de “politização do setor”, ou as oscilações em termos dos poderes conferidos ao regulador e o papel por este desempenhado, ou a reiterada necessidade de consciencialização das populações para o verdadeiro custo da água. Manifestando preocupação pela baixa execução do PENSAR 2020, o artigo de Maria da Graça Carvalho debruça-se sobre as oportunidades do setor da água português em termos de captação de fundos estruturais e revela um certo otimismo nesta matéria, colocando a hipótese de que ao quadro financeiro plurianual possam vir a acrescer verbas do PRR por conta da componente logo à partida reservada ao clima neste plano, num contexto de baixa realização global do mesmo em Portugal, até à data. Boa leitura! O Conselho Editorial


2023 |

GONDOMAR

TUDO O QUE PRECISA SABER SOBRE O SETOR DA ÁGUA E DO SANEAMENTO • GRANDE DEBATE Um grito pela água!

• MESAS-REDONDAS

O confronto de opiniões

• COMUNICAÇÕES

O intercâmbio de ideias e experiências sobre temas atuais

• VISITAS

Técnicas e culturais na região

• EXPOSIÇÃO DE EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS A maior mostra do setor

• PRÉMIOS TUBOS DE OURO

O reconhecimento dos melhores trabalhos no setor

• PIPE CONTEST

Uma saudável competição, em mais uma edição de Portugal

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CONSELHO DIRETIVO

ESPAÇO J. Henrique Salgado Zenha Vice-Presidente do Conselho Diretivo da APDA


De um bom diagnóstico às dúvidas sobre a sua execução… poderia ser este um resumo sobre o projeto de PENSAARP. Efetivamente, o diagnóstico que efetua não pode ser mais completo quanto à situação e às necessidades do setor dos serviços da água e, até, quanto à pretendida extensão das suas atribuições. Também não poderia ser mais exaustivo sobre a enumeração dos princípios, dos objetivos, das medidas de várias naturezas e de largo espectro e dos estímulos que devem orientar a evolução do setor. A sua análise não hesita em aspetos centrais para o desenvolvimento do setor, como os que respeitam à estimativa do quadro económico inerente às medidas preconizadas, seja na consideração dos investimentos necessários (5,5 mil milhões de euros, no cenário central), seja na perspetivação de subsídios e da sua orientação preferencial, seja ainda na assunção de que os investimentos preconizados, mesmo subsidiados, trarão acréscimos tarifários. Ficam muito bem retratados o setor, as suas carências e o leque das soluções adequadas. Mas um bom diagnóstico não implica sempre boas terapêuticas: não porque não estejam bem definidas ou os médicos que diagnosticam as não queiram aplicar, mas porque os meios disponíveis não o permitem ou o doente não as pode suportar todas ao mesmo tempo. Há, portanto, várias preocupações sobre a execução do PENSAARP: de facto, os serviços da água não podem responder a todas as questões ao mesmo tempo. Aliás, o projeto de PENSAARP aceita-o, escalonando a relevância das medidas. É preciso, aqui, escolher, não permitindo que a abrangência das medidas previstas possa esconder a urgência de algumas ou distrair a atenção dos decisores para a criação de instrumentos institucionais e económicos inerentes às prioridades. Escolher muito e depressa! A propósito da gestação do PENSAARP e da sua sujeição a consulta pública, a APDA pronunciou-se sobre esta fundamental necessidade de definição de prioridades, sucessivamente em julho de 2020, em fevereiro de 2021, em junho de 2021, em julho de 2021 e em maio de 2022 (textos disponíveis em www.apda.pt, menu Intervenções – Pareceres e Contributos). Não havendo meios financeiros e elasticidade social para fazer frente a todas as medidas previstas, há necessidade de definir políticas que versem sobre as medidas prioritárias, relativas a dois grandes grupos de questões essenciais: - a tendencial harmonização do setor; - a correção dos défices estruturais. A harmonização do setor implica meios e incentivos para a melhoria da qualidade do serviço e para a obtenção do equilíbrio económico de todas as entidades gestoras ou, pelo menos, da transparência das suas contas, que permitam a racionalização dos serviços. REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO A recuperação de gastos, ao menos tendencial e sustentada, deve permitir que os investimentos e os gastos com a construção, manutenção, modernização, reabilitação ou substituição de infraestruturas, equipamentos ou meios afetos aos sistemas e os encargos que legalmente impendam sobre a prestação dos serviços, nomeadamente os de natureza tributária, conduzam, ao equilíbrio tarifário, ainda que com apoio em subsidiação atribuída com critérios objetivos e transversais. Esse macro-objetivo implica, pela positiva, a concentração de esforços em meios simples e eficazes de cumprimento da lei, em atuação concertada de Governo e Regulador, a remoção de obstáculos inerentes a regimes diferenciados, a procura de soluções para os pequenos sistemas (a agregação não será a única), a omissão de qualquer espécie de intervenção legislativa ou regulamentar que incremente tal diferenciação, a fluência para o setor de fundos dirigidos à superação de carências estruturais e o apoio ao setor na contenção das desigualdades ou agravamentos fiscais. - A correção dos défices estruturais envolve uma reabilitação consistente, a diminuição das perdas de água, a exclusão de rejeições indevidas, apoiada em contribuições seguras e economicamente sustentáveis para maior circularidade e eficiência energética; a que acrescem duas dimensões complementares, onde e quando se justifiquem: a ampliação e fiabilidade da cobertura, com soluções específicas, e a necessidade de enfrentar as dificuldades relacionadas com o destino de lamas. O mais importante não é a enumeração destes necessários esforços, dada a sua evidência. O mais importante é a reflexão sobre a magnitude económica desses esforços, com duas decorrências: - a primazia destes grandes objetivos e a necessária concentração nestes da definição e execução de políticas e da atribuição de meios financeiros, considerando-se, em particular, que o crescimento das tarifas e a afetação da subsidiação disponível devem cobrir fundamentalmente estes objetivos; - a prioridade também no tempo destes objetivos: no essencial, os objetivos e medidas prioritários devem ter também prioridade cronológica. É preciso retirar consequências da prevalência destes objetivos, nomeadamente no que respeita à prossecução dos equilíbrios tarifários e à correção dos défices estruturais: a manta é curta para o âmbito atual dos serviços, curtíssima para os mais pequenos e será ainda reduzida na presente conjuntura de inflação. Quanto a outros desafios, como a atribuição a entidades gestoras de águas residuais da responsabilidade de produção de águas para reutilização e a gestão de águas pluviais, são necessárias cautelas quanto ao equilíbrio das soluções, à sua viabilidade e à autonomia do respetivo financiamento. No que respeita às águas para reutilização, é essencial resistir à tentação do “já agora” ambientalmente correto, não refletindo em efetivos utilizadores (agricultura e urbanismo) os custos do tratamento complementar necessário das águas residuais e, ainda mais significativa, a responsabilidade pela amortização dos investimentos necessários à criação de redes de distribuição de águas para reutilização. APDA _ 2023 12 | REVISTA APDA_


Ainda que se entenda, por razões de eficiência ambiental e de especialização, a atribuição às entidades gestoras da responsabilidade técnica pela gestão técnica das redes de águas pluviais, são também necessárias as maiores cautelas na atribuição generalizada às entidades gestoras da responsabilidade económico-financeira pelas medidas relativas às redes pluviais. Essas cautelas devem existir por uma questão de princípio e tendo especialmente em conta o atual contexto e as circunstâncias, já referidas, decorrentes das necessidades imediatas dos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais. No texto do projeto de PENSAARP, refere-se um custo para a construção e renaturalização de redes pluviais entre 1.244 e 4.216 milhões de euros. Note-se que este último valor é sensivelmente idêntico ao valor do mais alto cenário de investimento total previsto para o conjunto dos sistemas municipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais. A interpretação dos valores de investimento previstos no PENSAARP mais curial parece ser a de que nos cálculos das tarifas médias previstas não estão considerados os investimentos em infraestruturas de águas pluviais. Mas, para além dos cálculos, o texto do projeto de PENSAARP é menos claro: admite-se que «Os gastos com os serviços devem ser tendencialmente recuperados por tarifas (T1) para os serviços de abastecimento de água e de águas residuais (e eventualmente pluviais), sendo também prevista utilização dos impostos (T2) para os serviços de águas pluviais…». Não se pode, obviamente, ignorar que o gigantesco valor para águas pluviais previsto no PENSAARP tem as entidades gestoras como primeiras responsáveis. Ainda que não integralmente considerada nos cálculos para efeitos tarifários, a referida responsabilidade, implicitamente também financeira, de construção das infraestruturas de gestão de águas pluviais fica em primeiro lugar atribuída às entidades gestoras de águas residuais. Por isso, pairam sobre as entidades gestoras e, indiretamente, sobre os consumidores, sérios riscos sobre a imputação generalizada dos gastos correspondentes ao investimento em infraestruturas pluviais. E, pelo menos, os custos de exploração terão repercussões tarifárias para as entidades gestoras e para os consumidores. De facto, prevê-se que a melhoria da qualidade das águas pluviais rejeitadas seja integrada nos custos de exploração das entidades gestoras (Opex). Haverá duas consequências: libertação correspondente dos orçamentos municipais; concorrência na atribuição de fundos. O T de Taxas municipais fica, assim, mais leve e mais sobrecarregados o T de Tarifas e, por concorrência aos fundos, o de Transferências. É importante que os custos das águas pluviais não escorram generalizada e mansamente para as faturas dos consumidores de água, que estão já sujeitas a tensões de acréscimo decorrentes de todos os fatores atrás mencionados. Por tudo o referido, a APDA congratula-se com a qualidade do projeto de PENSAARP, a sua amplitude e a sua profundidade, e espera que o PENSAARP 2030 seja o veículo para um equilíbrio do setor em Portugal.

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# ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO Mas, para isso, são necessários: - coerência na definição das políticas prioritárias, instrumentos simples de regulação, contenção na busca da excelência, progressividade e coercibilidade da recuperação de gastos, apoios transitórios às entidades gestoras mais frágeis e políticas de subsidiação exigentes, mas aplicáveis; - uma forte política de comunicação, que ajude a vencer os preconceitos relativos ao preço da água e reforce a perceção nas várias componentes do valor dos serviços da água; - não alargar generalizadamente as responsabilidades económicas das entidades gestoras e dos consumidores, para além dos serviços atualmente existentes; - definir algumas, não muitas, políticas para fazer face às medidas de maior prioridade. Só as prioridades claras já implicam significativos agravamentos tarifários. Os saltos qualitativos decorrentes do projeto do PENSAARP que se consideram fundamentais (equilíbrio económico do Setor, socorro aos pequenos municípios, maiores taxas de reabilitação e redução de perdas, circularidade sustentada, investimentos na gestão de lamas), imporão às entidades gestoras e, por extensão, aos consumidores, um grande esforço. Consequentemente, os outros objetivos, ainda que desejáveis, terão de vir depois; ou terão de vir com suporte financeiro, na maior parte dos casos, externo às receitas tarifárias e ao esforço económico dos consumidores de água; e, ainda, sem excessiva concorrência aos fundos disponíveis para as medidas essenciais dos serviços atuais. O planeamento é o futuro do setor. Mas impõe-se aqui uma palavra sobre o passado, de homenagem a Sérgio Hora Lopes, tantos anos Diretor desta Revista e que representou ao longo da sua vida um exemplo de dedicação entusiasmada, inteligente e sempre disponível para os serviços da água. Bem-haja!

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ÁGUA, ONDE A VIDA SE MULTIPLICA

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS

A VALORIZAR A ÁGUA E A VIDA REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# ATUALIDADE

MARIA DA GRAÇA CARVALHO

20

Gestão da água. Desafios e oportunidades

DIOGO FARIA DE OLIVEIRA

24

Balanço do PENSAAR 2020

JAIME MELO BAPTISTA

30

Os novos desafios PENSAARP 2030

JOSÉ SANTOS

38

Desafios para as Entidades Gestoras decorrentes do PENSAARP 2030

CARLOS MartinS

46

PENSAARP 2030 - Desafios para entidades gestoras

VERA EIRÓ

54

Algumas medidas prioritárias do PENSAARP 2030 – uma visão da ERSAR

# EVENTOS

64

# INFOGRAFIA

66



ATUALIDADE


E


# atualidade

Gestão da água.. Desafios e oportunidades

Maria da Graça Carvalho Eurodeputada do PSD

Maria da Graça Carvalho é atualmente deputada ao Parlamento Europeu. É vice-presidente da Comissão das Pescas (PECH), membro efetivo da Comissão da Indústria, Investigação e Energia (ITRE) e membro suplente das comissões do Mercado Interno e Protecção do Consumidor (IMCO) e dos Direitos da Mulher (FEMM). Foi conselheira sénior do Comissário para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, de novembro de 2014 a dezembro de 2015. Anteriormente, tinha sido deputada ao Parlamento Europeu entre julho de 2009 e maio de 2014. Nessa qualidade, foi uma das relatores do Horizonte 2020. Foi também Conselheira Principal do Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso, nas áreas da Ciência, Ensino Superior, Inovação, Política de Investigação, Energia, Ambiente e Alterações Climáticas de 2006 a 2009. Foi Ministra da Ciência e do Ensino Superior do XV Governo Constitucional de Portugal e Ministro da Ciência, Inovação e Ensino Superior do XVI Governo Constitucional. É Professora Catedrática no Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa). APDA _ 2023 20 | REVISTA APDA_

“E, para decidirmos bem, devemos investir no conhecimento, tanto ao nível da atividade de investigação científica e de inovação como ao nível da formação dos cidadãos em geral.”


Gestão da água. Desafios e oportunidades

E

ntre 25% e 30% da água que é colocada nas redes em Portugal Continental, após todo o processo que decorre entre a sua captação e distribuição, nunca chega a ser faturada. A degradação de condutas e coletores é o principal motivo para este desperdício, que representa um elevado custo económico – cerca de 347 milhões de euros anuais, segundo uma

estimativa feita em 2022 – e, sobretudo, um elevado custo ambiental para um país que se vem debatendo, há vários anos, com crescentes problemas de escassez deste recurso essencial. Portugal fez, há cerca de 30 anos, um investimento muito significativo na remodelação e modernização das suas infraestruturas ligadas à água. Mas os equipamentos têm uma vida útil, e é chegada a altura de se fazer a sua atualização.

Se nada for feito, não demorará muito até que os problemas que, por enquanto, se vão circunscrevendo a casos pontuais, se tornem cada vez mais crónicos e generalizados. O nosso país tem um projeto para este setor – o Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 20212030 (PENSAARP 2030) – o qual, de acordo com o que me é permitido REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade avaliar em função das opiniões dos especialistas, é genericamente adequado. Um plano que, contudo, e apesar de ter sido projetado para arrancar em 2022, continuava, pelo menos até há pouco tempo, por aprovar. Este atraso é preocupante. Sobretudo quando consideramos o que aconteceu com o seu antecessor, o PENSAAR 2020, cuja execução ficou muito aquém do projetado. De acordo com os dados do Grupo de Apoio à Gestão do PENSAAR 2020, de um conjunto de 37 indicadores com metas definidas (num total de 53), apenas sete atingiram os objetivos. Do investimento previsto (2024-20), o qual ascendia a 3704 milhões de euros, incluindo 907 milhões com financiamento comunitário, apenas foram realizados 1804 milhões. A reabilitação de condutas e de coletores foi precisamente um dos aspetos em que os objetivos não foram alcançados, a par de outros com estes relacionados, como a prevenção de falhas e avarias em condutas e de perdas reais de água.

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A importância da eficiência na gestão A água é um recurso crucial, não apenas para a nossa sobrevivência, mas para muitas atividades, do turismo à agricultura. É um bem escasso, com tendência a escassear mais no futuro. Precisamos de abordar este problema com uma visão holística, combinando diferentes estratégias e articulando-as entre si. Mas parece evidente que o primeiro e fundamental passo a dar é gerir com mais eficiência os recursos que temos disponíveis, combatendo o desperdício. Fazê-lo implica preservar, modernizar e tornar mais eficiente a infraestrutura que temos, assegurando os investimentos necessários para esse fim. Não pretendendo conhecer em pormenor o PENSAARP 2030, a minha impressão é que este plano coloca excessivas expetativas, do ponto de vista do financiamento, nas autarquias, nas próprias empresas e nos consumidores finais. E isto pode trazer inúmeras

dificuldades à sua concretização. Porque as necessidades, em termos de infraestruturas, são muito variáveis entre diferentes concelhos e regiões. Porque a própria capacidade financeira destas entidades é muito distinta. E porque existe o risco real de boa parte do ónus vir a ser colocado em consumidores, não apenas os mais carenciados, para os quais existe alguma proteção social e jurídica, mas para as pequenas e médias empresas e para a classe média, a qual tem vindo por motivos vários a sofrer uma perda acentuada do seu poder de compra. A alternativa é reforçar o financiamento público, recorrendo aos fundos disponíveis. E existem fundos disponíveis, nomeadamente comunitários, a uma escala que provavelmente não se repetirá tão cedo. Às verbas do Portugal 2030, já previstas no financiamento do PENSAARP 2030, embora pelos motivos atrás citados ainda não atribuídas a projetos específicos, podem e devem acrescer fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Recorde-se que, um dos objetivos inscritos pela União Europeia neste mecanismo é que


Gestão da água. Desafios e oportunidades

37% das verbas a atribuir aos Estados-Membros estejam relacionadas com o Clima, incluindo com a gestão da água e dos recursos marinhos. Da escassa execução até agora conhecida do PRR português, não há nada que se assemelhe, sequer remotamente, a esse objetivo. Outras vias de financiamento europeu, nomeadamente financiamento competitivo, associado a atividades de investigação científica e inovação, têm vindo a ser introduzidas no passado recente, com tendência a ganharem cada vez maior importância. Quando fui relatora do anterior programa-quadro de ciência e inovação, no Parlamento Europeu, introduzi o tema da água no conjunto de atividades de ciência e inovação apoiadas pela UE. Mais recentemente, enquanto relatora da agenda estratégica do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, consegui incluir a criação de uma nova comunidade de inovação e conhecimento dedicada ao estudo de todos os temas relacionados com a água, abrangendo educação,

investigação científica e Inovação. Espero que Portugal possa vir a desempenhar um papel decisivo nesta comunidade. Não apenas como beneficiário, mas como interveniente ativo.

Explorar outras oportunidades Além desta questão da eficiência, existem várias outras frentes que devem ser exploradas, todas elas ligadas ao setor responsável pelo abastecimento. Entre estas a coleta e tratamento de águas pluviais, que continua a ser uma dimensão bastante subaproveitada. Tal como a aposta na água para reutilização, que coloca desafios significativos – nomeadamente no que respeita à utilização para consumo humano – mas também oferece grandes possibilidades. Desde logo na rega agrícola e na rega urbana, atividades com um peso significativo nos consumos de água. Ao nível da União Europeia, os países com menor acesso à água já apostam há muito nesta vertente. De acordo

com a Comissão Europeia, o Chipre e Malta reutilizam, respetivamente, 90% e 60% das suas águas residuais, valores que se explicam pelo facto de serem estados insulares. A Grécia, a Itália e a Espanha reutilizam entre 5% e 12%. Um aspeto importante a ter em conta, quando se estabelecem estratégias para este setor, é saber quais são as prioridades identificadas pela União Europeia. E os exemplos que referi integram-se inteiramente nos objetivos da EU para a transição climática, nomeadamente, no caso deste último, nos objetivos da economia circular. É fundamental que as decisões sejam tomadas e aplicadas de uma forma informada e ponderada, com base na evidência científica, sob pena de se cometerem erros com consequências graves para o futuro do país. E, para decidirmos bem, devemos investir no conhecimento, tanto ao nível da atividade de investigação científica e de inovação como ao nível da formação dos cidadãos em geral. É isto que tenho defendido na minha atividade no Parlamento Europeu.

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# atualidade

BALANÇO DO PENSAAR 2020

Diogo Faria de Oliveira Administrador da Defining Future Options, Lda. Presidente do Grupo de Apoio à Gestão (GAG) do PENSAAR 2020

É Vogal do Conselho Nacional da Água e Presidente do Centro Internacional de Excelência de PPP de Água e Saneamento. No Grupo Águas de Portugal (1993 a 2008) colaborou na implementação das primeiras empresas Multimunicipais. Foi Administrador da Aquapor (2001 a 2015), onde assumiu a Presidência de dez das suas empresas. Foi Presidente da AEPSA e membro do Conselho Consultivo da ERSAR. É Engenheiro Civil (IST) com especialização em Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambientais (1993) e cursos de “Melhoria da Eficiência e Segurança de Sistemas de Distribuição de Água”, Universidade Internacional Menéndez Pelayo, Espanha (1994), “Executive Management Program”, Universidade de Stanford, EUA (2006), e “Business and Sustainability Programme”, Universidade de Cambridge, Reino Unido (2014), entre outras. APDA _ 2023 24 | REVISTA APDA_

“Esta nova forma de acompanhar o Plano Estratégico foi uma novidade em Portugal. Com efeito, os anteriores Planos (PEAASAR I e II) eram publicados e só sete anos depois é que se fazia um balanço dos seus resultados.”


BALANÇO DO PENSAAR 2020

Qual foi o papel do Grupo de Apoio à Gestão (GAG) do PENSAAR 2020? O “PENSAAR 2020 – Uma nova estratégia para o setor de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais” foi aprovado em 2015 e o seu Grupo de Apoio à Gestão (GAG) vigorou entre 2016 e 2021.

O GAG era composto pelos principais atores do setor, nomeadamente, pelos responsáveis pelas políticas setoriais, Ministério do Ambiente e da Transição Energética e APA, pela entidade reguladora, ERSAR (que acompanha o GAG), pela autoridade de gestão do programa operacional PO SEUR, pelos representantes das entidades gestoras, AdP, ANMP, APDA e AEPSA e pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regionais, CCDR.

O GAG tinha por missão monitorizar o Plano Estratégico e propor e recomendar ações com vista à promoção das medidas do plano e identificar eventuais bloqueios à sua implementação. O GAG apresentou publicamente, e com periodicidade anual, relatórios de avaliação onde efetuou a análise da implementação do Plano Estratégico.

REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade Indicadores Globais de Desempenho

O Plano Estratégico foi bem-sucedido? Durante a década de 20112020, verificou-se que a tendência dos Indicadores Globais de Desempenho foi de um modo geral positiva, tendo-se registado, no entanto, alguma irregularidade do indicador relativo à qualidade do serviço de saneamento em alta.

Abastecimento de Água em alta % de alojamentos com serviço prestado com qualidade satisfatória (bom+mediano) - indicadores do acordo de parceria AA - Alta 100% 80%

29%

26%

27%

28%

23%

22%

21%

20%

21%

73%

71%

74%

73%

72%

77%

78%

79%

80%

79%

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

40% 20%

Avaliação satisfatória

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Avaliação insatisfatória

Abastecimento de Água em baixa Saneamento em alta % de alojamentos com serviço prestado com qualidade satisfatória (bom+mediano) - indicadores do acordo de parceria AA - Baixa 100% 80%

40%

35%

36%

33%

35%

31%

31%

30%

29%

30%

60%

65%

64%

67%

65%

69%

69%

70%

71%

70%

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

60% 40%

No entanto, as metas fixadas para o período do PENSAAR 2020 não foram atingidas. Todos os quatro Indicadores Globais de Desempenho ficaram abaixo da meta estabelecida, de 80%, para 2020.

80% 2020

60%

0%

Esta tendência é o reflexo do esforço que o setor, no seu conjunto, tem realizado no sentido de prestar um serviço de melhor qualidade e mais eficiente. De facto, a melhoria do desempenho do setor reflete-se num conjunto de indicadores que, persistentemente, têm vindo a demonstrar um desempenho anual positivo e crescente.

27%

20% 0%

Avaliação satisfatória

Avaliação insatisfatória

Saneamento em baixa

80% 2020


BALANÇO DO PENSAAR 2020

% de alojamentos com serviço prestado com qualidade satisfatória (bom+mediano) - indicadores do acordo de parceria AR - Alta 100% 80%

35%

30%

28%

27%

65%

70%

72%

73%

2011

2012

2013

2014

36%

45%

33%

39%

32%

30%

67%

61%

68%

70%

2017

2018

2019

2020

80% 2020

60% 40%

64%

20% 0%

2015

Avaliação satisfatória

55%

2016

Avaliação insatisfatória

% de alojamentos com serviço prestado com qualidade satisfatória (bom+mediano) - indicadores do acordo de parceria AR - Baixa 100% 80%

51%

50%

47%

45%

45%

40%

38%

38%

36%

36%

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53%

55%

55%

60%

62%

62%

64%

64%

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

80% 2020

60% 40% 20% 0%

Avaliação satisfatória

Tal situação decorre de alguns indicadores que, ao longo do tempo, não revelam quaisquer melhorias, evidenciando, por um lado, a incapacidade de criar políticas, incentivos e medidas de ação capazes de conduzir à melhoria do desempenho das entidades gestoras (EG) e, por outro lado, a incapacidade que as próprias EG demonstram em alterar o “status quo” e, assim,

Avaliação insatisfatória

produzir mais e melhores resultados. Destacam-se, em especial, dois fatores: Primeiro, constata-se que quatro indicadores de desempenho apresentaram uma evolução negativa, concretamente, a qualidade das massas de água, a ocorrência de inundações e a reabilitação de condutas e de coletores. Adicionalmente,

outros cinco indicadores não apresentaram melhorias visíveis durante uma década, nomeadamente, a ocorrência de colapsos estruturais em coletores, a adesão ao serviço (AA), a adequação da capacidade de tratamento (AA), as perdas reais de água em alta, e o controlo de descargas de emergência. Alguns destes indicadores têm, provavelmente, relação com a (in)capacidade de investimento que as EG apresentam. Com efeito, a cobertura dos gastos totais continua muito aquém da meta dos 100% e é, certamente, uma “causa” provocadora de vários “efeitos”, nomeadamente nos indicadores acima descritos. Por conseguinte, urge tomar medidas no sentido de assegurar a sustentabilidade financeira das EG do País. Segundo, o PENSAAR 2020 mostrou-se excessivamente ambicioso na fixação de algumas metas que, ou tinham pontos de partida (baseline) muito baixos, ou tinham metas muito altas.

REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade A pandemia causada pelo COVID-19 poderá ter tido algum efeito nos resultados do PENSAAR 2020? No ano de 2020 verificou-se uma descontinuidade no percurso de melhoria que alguns indicadores vinham registando. Tal situação é evidente nos indicadores de ocorrência de falhas no abastecimento, ocorrência de avarias em condutas e destino adequado de águas residuais. Embora se desconheçam com rigor as causas de tal descontinuidade, é possível que estejam relacionadas com a situação de pandemia causada pela COVID-19, dada a dificuldade de gestão das equipas operacionais (por alguns trabalhadores estarem infetados ou em isolamento profilático ou porque as equipas passaram a operar em “espelho”). De resto, a pandemia da COVID-19, que muito condicionou o mundo no ano de 2020, não terá influenciado os resultados do PENSAAR 2020 na sua globalidade, já que a tendência de melhoria verificada não foi interrompida em 2020. APDA _ 2023 28 | REVISTA APDA_

Como avalia o processo de monitorização do PENSAAR 2020? A avaliação anual do PENSAAR 2020 constituiu um marco muito positivo no planeamento e acompanhamento da performance do setor das águas. Nos relatórios anuais emitidos pelo GAG, pode-se constatar o cumprimento dos objetivos do Plano Estratégico, bem como a sua evolução, positiva ou negativa, ao longo dos anos. Neste momento estão disponíveis para consulta no “site” da APA – Agência Portuguesa do Ambiente os cinco relatórios anuais, de 2016 a 2020, bem como o relatório de balanço final. Esta nova forma de acompanhar o Plano Estratégico foi uma novidade em Portugal. Com efeito, os anteriores Planos (PEAASAR I e II) eram publicados e só sete anos depois é que se fazia um balanço dos seus resultados. Com o PENSAAR 2020 sabia-se, anualmente, se o setor estava, ou não,

a caminhar no sentido de atingir os objetivos nele estipulados. Este conhecimento foi fundamental na medida em que os principais agentes do setor, com responsabilidade e capacidade de avaliar os desvios e tomar as necessárias medidas corretivas, eram membros efetivos do GAG.

Como é que o GAG pode contribuir para o novo PENSAARP 2030? O processo de monitorização e acompanhamento do PENSAAR 2020 permitiu criar as bases para que o próximo ciclo de planeamento estratégico seja mais eficaz e positivo para o setor. Durante o seu mandato, o GAG teve oportunidade de alertar os atores do setor para algumas situações negativas que mereceram, e merecem, uma cuidada atenção de políticos e gestores, como por exemplo quanto à baixa reabilitação de condutas e coletores, à elevada percentagem de água não faturada e á necessidade de regularização de muitos Títulos de Utilização dos Recursos Hídricos.


BALANÇO DO PENSAAR 2020

Os sucessivos alertas e recomendações efetuados pelo GAG contribuíram certamente para a elaboração de um PENSAARP 2030 mais robusto e direcionado para as necessidades e desafios que o setor enfrentará nesta década. Como vê o atraso na aprovação do PENSAARP 2030? Pela primeira vez nos últimos 23 anos, Portugal está a navegar sem uma estratégia. Convém recordar que o enorme progresso do sector das águas nas últimas três décadas se deveu, essencialmente, a quatro fatores: 1.º A adesão de Portugal à moeda única e a injeção, no setor, de mais de 6,5 mil milhões de euros de fundos da União Europeia; 2.º A separação do setor em “alta” e “baixa” e a criação da AdP - Águas de Portugal, permitindo “regionalizar” a “alta” e acelerar os investimentos. Do lado da “baixa”, os municípios testemunharam o alargamento do leque de modelos de gestão, com hipótese de manterem

a gestão direta ou delegarem a gestão em empresas municipais, parcerias com o Estado ou com privados e concessões a operadores privados; 3.º A criação de uma entidade reguladora forte e; 4.º A elaboração de Planos Estratégicos, de sete em sete anos, que ajudaram a “aglutinar” os três fatores acima identificados, criando uma visão geral e um rumo de médio/longo prazo através da ligação do investimento aos incentivos comunitários e às prioridades do setor.

entidade, serão cinco CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional) a gerir os fundos comunitários, o que pode introduzir complexidade na gestão e monitorização do PENSAARP 2030. Enfim, esperemos que o PENSAARP 2030 esteja aprovado até ao final de 2023 e que as CCDR estejam à altura dos desafios do setor para esta década.

Estamos a passar por um vazio de três anos sem estratégia. Além disso, vamos deixar de poder contar com uma entidade experiente na gestão dos fundos para o setor das águas, que certamente ajudaria muito a recuperar o tempo perdido. É que, até agora, era o POSEUR que geria os fundos de coesão do setor das águas. O POSEUR tem décadas de experiência em candidaturas e em gestão de fundos do CUA. A partir de agora, em vez de uma REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade

OS NOVOS DESAFIOS PENSAARP 2030

Jaime Melo Baptista Conselheiro Estratégico da LIS-Water Coordenador Técnico do Grupo de Trabalho PENSAARP 2030

Profissional com 48 anos de atividade dedicado aos serviços de abastecimento de água e águas residuais, em políticas públicas, governação, regulação, projeto, modelação matemática, reabilitação, qualidade de serviço e avaliação de desempenho. É ou foi investigador, gestor, consultor e docente. Licenciou-se em Engenharia Civil pela Universidade do Porto. Especializou-se em Engenharia Sanitária pela Universidade Nova de Lisboa. É InvestigadorCoordenador do LNEC. Foi fundador da LIS-Water - Lisbon International Centre for Water, presidente da ERSAR, Comissário de Portugal ao 8.º Fórum Mundial da Água 2018, membro do Conselho de Administração, do Conselho Estratégico e Distinguished Fellow da International Water Association, responsável pelo Departamento de Hidráulica e pelo Núcleo de Hidráulica Sanitária do LNEC e fez consultoria internacional. É autor de mais de 500 publicações. APDA _ 2023 30 | REVISTA APDA_

“A estratégia de atribuição de subsídios do setor deve ter em conta dois

segmentos de entidades gestoras, de forma a atender diferentemente as entidades de maior maturidade e as de menor maturidade, que traduzem as atuais duas velocidades do setor.“


OS NOVOS DESAFIOS PENSAARP 2030

O

Governo decidiu elaborar o Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2030 (PENSAARP 2030). O Plano traça as grandes linhas orientadoras do setor para a próxima década e apela ao alinhamento de todos os seus atores, numa convergência de esforços e de ambição. Vem dar continuidade aos

planos anteriores e à política pública que foi definida há três décadas. A visão foi materializada em quatro objetivos globais, que passam por atingir serviços eficazes, eficientes, sustentáveis e com mais valor acrescentado para a sociedade, desdobrados em 20 objetivos específicos. A eficácia dos serviços passa por assegurar a acessibilidade física, a continuidade e fiabilidade, a qualidade

das águas distribuídas e rejeitadas, a segurança e resiliência, e a equidade e acessibilidade económica. A eficiência dos serviços passa por assegurar a governação e estruturação do setor, a organização das entidades gestoras, a alocação de recursos financeiros, a eficiência hídrica e energética e a descarbonização. A sustentabilidade dos serviços passa por assegurar a sustentabilidade económica e financeira, infraestrutural, REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade da utilização de recursos, do capital humano e do conhecimento. A valorização dos serviços passa por assegurar a valorização empresarial e económica, ambiental e territorial, societal, da transparência e responsabilização e do desenvolvimento sustentável. De entre estes, foram identificados dez objetivos considerados prioritários. O “top 3” é a sustentabilidade económica e financeira, a eficiência na governação e estruturação do setor e a sustentabilidade infraestrutural. Os restantes são: eficácia na qualidade das águas residuais; eficiência hídrica; eficiência na alocação de recursos financeiros; eficácia na segurança e resiliência; sustentabilidade do capital humano; eficiência na organização das entidades gestoras; e eficácia na continuidade e fiabilidade. Foram definidas 70 medidas, destinadas a alcançar os objetivos anteriormente definidos: (1) Assegurar a acessibilidade física da população aos serviços através da construção de infraestruturas de abastecimento de água e águas residuais, APDA _ 2023 32 | REVISTA APDA_

da construção e renaturalização de infraestruturas de águas pluviais, da conclusão das ligações dos sistemas em baixa aos sistemas em alta e dos utilizadores aos sistemas em baixa, da melhoria de sistemas públicos simplificados e da melhoria do controlo de soluções particulares. (2) Assegurar a continuidade e fiabilidade dos serviços através da reabilitação de infraestruturas e da melhoria operacional, modernização e automação dos mesmos. (3) Assegurar a qualidade das águas distribuídas e rejeitadas através da melhoria da qualidade da água para abastecimento, mas essencialmente das águas residuais e também das águas pluviais rejeitadas, da melhoria do cumprimento ambiental das captações de água para abastecimento e das rejeições das águas residuais e pluviais, da responsabilização ambiental de rejeições de águas residuais industriais nos sistemas públicos e da melhoria dos sistemas prediais. (4) Assegurar a eficácia na segurança e na

resiliência dos serviços através de medidas visando a proteção de bens materiais e vidas humanas e da capacidade de adaptação dos sistemas às alterações climáticas e a outros desafios. (5) Assegurar a equidade e acessibilidade económica através do aperfeiçoamento da estrutura tarifária para os serviços, do aperfeiçoamento de critérios de subsidiação e do aperfeiçoamento do tarifário social. (6) Assegurar a governação e a estruturação do setor através do reforço do compromisso dos diversos órgãos políticos, do reforço de competências do regulador de serviços, do reforço do compromisso da holding e das entidades gestoras de titularidade estatal e das entidades gestoras de titularidade municipal, da promoção de economias de escala e de gama e do alargamento do âmbito de serviço público. (7) Assegurar a organização, modernização e digitalização através da melhoria organizacional


OS NOVOS DESAFIOS PENSAARP 2030

e de gestão das entidades gestoras, da modernização e digitalização dos serviços, da melhoria do planeamento estratégico dos serviços e da melhoria dos contratos para apoio à gestão de serviços. (8) Assegurar a gestão e alocação de recursos financeiros através do reforço da capacidade de atração de financiamento para o setor, da melhoria do mecanismo de gestão de fundos estruturais para subsidiação e financiamento, da aceleração de investimento e eficiência operacional e da melhoria da tomada de decisão de investimento pelas entidades gestoras. (9) Assegurar a eficiência hídrica através da redução de perdas de água nos sistemas de abastecimento, de afluências indevidas nos sistemas de águas residuais e de afluências indevidas/indesejadas nos sistemas de águas pluviais, da melhoria da macromedição e micromedição de água e da melhoria da eficiência hídrica das instalações

domésticas e não domésticas. (10) Assegurar a eficiência energética e a descarbonização através da melhoria da eficiência energética dos sistemas e do reforço do autoconsumo de energia de fonte renovável pelas entidades gestoras e da sua gradual descarbonização. (11) Assegurar a sustentabilidade económica e financeira através da elaboração e aprovação de regulamentação tarifária para o setor e da melhoria do seu desempenho económico e financeiro. (12) Assegurar a sustentabilidade infraestrutural através da melhoria da gestão patrimonial, da reabilitação de infraestruturas e do conhecimento cadastral e operacional das infraestruturas. (13) Assegurar a utilização e recuperação de recursos através do uso eficiente da água pelos utilizadores e pelas entidades gestoras, da utilização de origens alternativas de água, da

gestão e valorização de lamas urbanas e produtos resultantes do tratamento e da seleção e destino adequado de materiais e componentes de construção. (14) Assegurar a adequação em número e competências do capital humano dos serviços, a sua renovação, a formação contínua e a existência de redes de partilha de informação e transferência de conhecimento. (15) Assegurar a gestão de informação, conhecimento e inovação através da consolidação dos sistemas de informação, da interoperabilidade e reforço da análise e divulgação da informação, da consolidação do conhecimento e divulgação de boas práticas e do reforço da investigação e inovação no setor. (16) Assegurar a valorização empresarial e económica do setor no mercado interno, por simbiose com outros setores (ex. agropecuária, floresta, indústria e turismo), bem como no mercado externo. REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade (17) Assegurar a circularidade e valorização ambiental e territorial através da promoção gradual de circularidade e valorização ambiental nas infraestruturas a construir, da promoção de economia circular e valorização ambiental nos serviços associados e da articulação dos serviços com o ordenamento do território. (18) Assegurar a valorização societal através do reforço da valorização dos serviços junto da sociedade e da transformação de comportamentos, do reforço da proteção e da participação dos consumidores, da melhoria das instalações sanitárias públicas e da melhoria das instalações sanitárias domiciliares de famílias carenciadas. (19) Assegurar a transparência, responsabilização e ética através do reforço da transparência na administração pública e na prestação dos serviços, da responsabilização dos agentes do setor e da cultura ética no setor. APDA _ 2023 34 | REVISTA APDA_

(20) Assegurar a contribuição para o desenvolvimento sustentável através do reforço da cooperação nacional sobre o ODS 6 e com os restantes objetivos e da cooperação internacional na perspetiva água, paz e desenvolvimento. Para além destas medidas, associadas diretamente aos serviços de águas, são identificadas 15 outras medidas complementares associadas à regulação de recursos hídricos. Estas medidas distribuem-se por três níveis de importância relativa: 21 medidas consideradas prioritárias pela sua elevada criticidade para se alcançarem os objetivos do setor, 31 medidas consideradas medianamente prioritárias que têm de manter a atenção do setor; e 33 medidas (só aparentemente) consideradas menos prioritárias, mas que não podem desmerecer a atenção do setor.

primeiras, que podem ser institucionais, económicos, financeiros e fiscais, e ainda legais e regulamentares. Os incentivos institucionais incluem articulação entre áreas governativas, articulação ou parceria com terceiros e criação da estrutura temporária de gestão do Plano. Os incentivos económicos, financeiros e fiscais incluem criação de mecanismos económicos e financeiros e criação e reavaliação de mecanismos fiscais. Os incentivos legais e regulamentares incluem criação e atualização da legislação, nomeadamente sobre mecanismos sancionatórios. A responsabilidade pela criação dos incentivos necessários passa, na grande maioria dos casos, pela área governativa e, pontualmente, pelas autoridades de gestão dos programas regionais, pela entidade reguladora do setor e pelas entidades gestoras estatais.

A materialização das medidas do Plano será facilitada através da criação de incentivos necessários, que geram as condições para uma mais fácil e rápida concretização das

Adicionalmente, a materialização das medidas do Plano será facilitada através da utilização de estímulos recomendados. Embora não sejam essenciais para a sua implementação,


OS NOVOS DESAFIOS PENSAARP 2030

também ajudam a criar as condições para uma mais fácil e rápida concretização das medidas, prevendose estímulos técnicos e de capacitação, estímulos reputacionais e de comunicação, e estímulos de inovação e mercado. Sendo os estímulos recomendados não essenciais, mas relevantes, a sua concretização depende muito da iniciativa dos agentes do setor, nomeadamente instituições de ensino superior, instituições de I&D, associações e empresas. A sua criação pode ser acelerada por exemplo através de avisos do Fundo Ambiental, capazes de mobilizarem todo o potencial existente no setor. As necessidades totais de investimento a preços correntes serão de 5500 M€, no cenário correspondente à melhoria das práticas de reabilitação atual, atingindo-se 1,5 a 2% por ano, e, adicionalmente, aos investimentos de conclusão da construção de ativos, de resiliência, modernização e descarbonização, sendo a parcela de reabilitação das infraestruturas a mais relevante, representando cerca de metade do

investimento total. Considerando que nas últimas três décadas o setor investiu em média perto de 500 M€ por ano, com variações entre 200 e 700 M€, para o futuro o setor necessita de manter esse ritmo médio, substituindo gradualmente os investimentos em novas infraestruturas por investimentos na reabilitação dos ativos existentes. Sem considerar eventual subsidiação, os investimentos necessários e os correspondentes gastos operacionais apontam para um tendencial acréscimo das tarifas médias domésticas de 2,06 para 2,90 €/m3. Este nível previsível de tarifas é aceitável em termos de macro acessibilidade económica média nacional dos consumidores, seguindo aproximadamente os valores de referência estipulados pela entidade reguladora. A estratégia de atribuição de subsídios do setor deve ter em conta dois segmentos de entidades gestoras, de forma a atender diferentemente as entidades de maior maturidade e as de menor maturidade, que traduzem as atuais duas velocidades do setor.

Considerando que, tão importante como ter um adequado planeamento estratégico, é ter uma boa governança do mesmo, a realização do Plano será coordenada por uma estrutura especializada de gestão, denominada de Grupo de Apoio à Gestão 2030 (GAG 2030), dotada de recursos adequados. A monitorização dos objetivos do Plano será feita anualmente ao longo do período da sua vigência. Para o efeito, o GAG 2030 avaliará a situação em que se encontra cada objetivo através das métricas de desempenho estabelecidas, que podem ser indicadores de resultados, índices ou dados e procuram abranger todos os aspetos relevantes de cada objetivo. A monitorização das medidas do Plano será feita anualmente, avaliando a situação em que se encontra cada uma, com apoio de um painel de especialistas. A monitorização dos incentivos considerados necessários será feita anualmente, avaliando a situação em que se encontra cada um. A monitorização do investimento e do financiamento do setor será realizada anualmente ao REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade longo da vigência do Plano e comparada a sua realização com as estimativas previstas. Para a concretização do Plano será implementada uma estratégia alargada e articulada de mobilização do setor, com o poder político e a administração pública a assumirem, naturalmente, um papel de especial relevo, mas envolvendo também os restantes agentes do setor.

APDA _ 2023 36 | REVISTA APDA_

Para o reforço da mobilização destes agentes preconiza-se a criação de um Pacto de Compromisso Nacional pelos Serviços de Águas, com um conjunto de iniciativas para apresentação e discussão da estratégia com cada um destes agentes, que serão convidados a assumir os seus compromissos através da realização de um plano de ação específico.


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# atualidade

Desafios para as Entidades Gestoras decorrentes do PENSAARP 2030

José Santos Diretor Geral da Tejo Ambiente, EIM, SA

Licenciado em Engenharia do Ambiente, pela Universidade de Aveiro, em 1993. Mestre em Gestão e Negócios, pela Atlântico Business School, em 2020. Iniciou a atividade no setor do Ambiente em 1994, numa empresa de projetos de ETA e ETAR. Em 1996 ingressou na empresa concessionária do sistema de abastecimento de água da Batalha – Águas do Lena, SA, que tinha como maior acionista o Grupo Águas de Barcelona. Em 2001, esta mesma empresa concessionária passou a ter o Grupo AdP como acionista único. Em 2005 ingressou no Grupo Veolia, o primeiro operador mundial no setor do Ambiente, à data, como Diretor da concessionária Águas de Ourém, SA.. Em 2019 assumiu a Direção Geral da empresa intermunicipal Tejo Ambiente, EIM, SA, que tem como acionistas os municípios de Ferreira do Zêzere, Mação, Ourém, Sardoal, Tomar e Vila Nova da Barquinha. APDA _ 2023 38 | REVISTA APDA_

“Estamos em 2023 e, à data em que escrevo este artigo, não há qualquer novidade quanto à aprovação

deste Plano por parte do Governo.”


Desafios para as Entidades Gestoras decorrentes do PENSAARP 2030

N

a sequência do convite que me foi dirigido pela APDA, tenho todo o prazer de partilhar o meu ponto de vista sobre os desafios que as entidades gestoras irão enfrentar decorrentes da execução do PENSAARP 2030. Esta opinião resulta tão somente da experiência profissional acumulada

ao longo de mais de duas décadas ao serviço do setor. Há somente 25 anos atrás, Portugal dava os primeiros passos no sentido da organização destes serviços públicos essenciais. Nessa altura, e a título de exemplo, o “sistema automático de desinfeção da água fornecida” consistia muitas vezes no despejo de bidons de hipoclorito por um

operador às 8h da manhã, pois era nesse horário que se consumia mais água. Também era frequente a eliminação de ervas daninhas junto aos reservatórios recorrendo à pulverização química. A minha análise encontra-se dividida em dois capítulos distintos. No primeiro, sem originalidade alguma, foco-me REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade no que prevê o novo Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2021-2030 (PENSAARP 2030), enquanto no segundo capítulo expresso a minha opinião e visão sobre o tema em análise.

Capítulo I - PENSAARP 2030 O Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 20212030 (PENSAARP 2030) é um documento que define as grandes linhas gerais orientadoras do setor até 2030, sugerindo que apenas com o alinhamento de todos os seus atores se alcançarão os objetivos ali traçados. Este plano, pensado para suceder ao PENSAAR 2020, integra as Águas Pluviais no centro da discussão e como elemento relevante a ter em consideração no princípio da gestão integral do ciclo da água. Refere o Relatório Ambiental da Avaliação Ambiental Estratégica do PENSAARP 2030 que “O abastecimento de água e a gestão de águas APDA _ 2023 40 | REVISTA APDA_

residuais e pluviais são serviços públicos essenciais para o desenvolvimento social, económico e ambiental de Portugal que, nas últimas duas décadas e meia, atingiu resultados muito positivos nos serviços de prestação de água, através de diversos planos estratégicos de médio prazo que foram sendo implementados desde 1993.”.

de água, nomeadamente abastecimento de água e gestão de águas residuais e pluviais”.

O PENSAARP 2030 reconhece, ainda, que o investimento na rede de águas pluviais deverá estar intrinsecamente relacionado com as dinâmicas e estratégias de desenvolvimento urbano. Neste sentido, é preconizada a adoção de práticas de desenho urbano que privilegiem a adoção de soluções de drenagem naturais em detrimento das soluções convencionais, como forma de reduzir os custos de instalação e manutenção destes sistemas.

O fim último do PENSAARP 2030 visa a concretização de quatro objetivos estratégicos globais, que, por seu turno, se subdividem em objetivos específicos distribuídos por três níveis de importância relativa. Tendo presentes estes objetivos, foram definidas 70 medidas que visam reforçar e consolidar um setor em desenvolvimento.

Assim, o PENSAARP 2030 surge com o desafio de traçar “uma estratégia e um conjunto de objetivos, para o período entre 2021 e 2030, que apoiem a procura de um nível de excelência nos serviços

É constituído por dois volumes: o Plano Estratégico, com as grandes linhas de orientação, e o Plano de Ação, com o detalhe das medidas preconizadas e respetivas métricas e incentivos.

O investimento total estimado deverá alcançar os 6.600 M€ até 2030, de acordo com a tabela seguinte:


Desafios para as Entidades Gestoras decorrentes do PENSAARP 2030

Tipologia de Investimentos

Serviço

Abastecimento de água (AA) e Gestão de águas residuais (AR)

Medidas Infraestruturais

Estamos em 2023 e, à data em que escrevo este artigo, não há qualquer novidade quanto à aprovação deste Plano por parte do Governo. O PENSAARP 2030 define serviços de água para todos,

Reabilitação

Bau

1

2

3

4

0,40% 1,00% 1,50% 2,50%

511

903

903

903

903

Reabilitação de ativos existentes

1140

1140

1887

2860

3846

7 65

904

1043

1233

1337

400

400

400

400

400

0

122

122

122

122

2816

3469

4355

5518

6608

Resiliência, modernização e descarbonização

Medidas não infrastruturais e incentivos

O PENSAARP teve definido (Despacho 5316/2020 da Série II, de 7 de maio de 2020) como macro etapas e datas: até outubro de 2020 disponibilizar uma primeira versão, até dezembro de 2020 disponibilizar uma versão para aferição e discussão alargada que decorreria até maio de 2021, prevendo-se a apresentação da versão final e aprovação do PENSAARP no verão de 2021 (PENSAARP, 2021).

0

Conclusão da construção de ativos

Gestão de águas pluviais (AP) TOTAL

Cenários

Construção e reabilitação de ativos

com “contas certas com o ambiente, cm a economia e com as gerações atuais e vindouras”, além de “assegurar condições para o reforço das entidades gestoras do setor com mais fragilidade, até atingirem os níveis adequados de qualidade do serviço, sustentabilidade e resiliência”, identificando as seguintes fragilidades: • Fragmentação nos serviços em baixa • Assimetrias no setor • Desconhecimento dos gastos reais e insuficiente recuperação dos gastos • Gestão ineficiente dos ativos (originando perdas de água, falhas, etc.) • Ineficácia da legislação

Capítulo II - Desafios para as Entidades Gestoras decorrentes do PENSAARP 2030 Do primeiro capítulo extraio as seguintes expressões-chave: Suceder, PENSAAR 2020, PENSAARP 2030, Águas Pluviais, desenvolvimento social, económico e ambiental eficazes, eficientes, sustentáveis, alinhamento de todos os seus atores, Plano Estratégico, Plano de Ação, Quatro Objetivos Estratégicos, Globais, etapas e datas, gerações atuais e vindouras, fragilidades, 6.600 M€ até 2030. Sugiro-me a seguinte pergunta: Será este Plano capaz de REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade induzir o alinhamento estratégico de todos os atores do setor, em prol da excelência nos serviços de água, nomeadamente abastecimento de água e gestão de águas residuais e pluviais?

se queira sustentável e duradouro, a escala e gama devem nortear a escolha do modelo de gestão adequada à prestação destes serviços, o que de facto também não tem sido de fácil implementação.

Permitam-me então partilhar os factos que encontro na minha reflexão e as expetativas que tenho para o futuro do setor onde trabalho, onde incluo o PENSAARP 2030: • Sendo um setor essencial à vida das populações, carece obviamente de uma política orientadora, numa visão estruturante a longo prazo. Mas, carecer de uma política orientadora não significa que o setor deva ser politizado. A legislação é excelente e clara quanto aos vários modelos de governação disponíveis, sempre em defesa do bem-estar do utilizador destes serviços. Contudo, politizar o setor é aquilo a que temos vindo a assistir nos últimos anos, ora prevalecendo o mercado privado, ora promovendo a verticalização ora a agregação dos titulares destes serviços, em função de quem governa. Como em tudo na vida que

Limitar o acesso aos fundos de coesão em função do modelo de gestão escolhido, é politizar o setor e condicionar o futuro das gerações vindouras.

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• É um setor com muitos comentaristas especialistas, que opinam sobre o menor sucesso das políticas passadas, onde foram protagonistas, mas são os mesmos que se apresentam na linha da frente para desenhar as políticas futuras. E no final do dia, concluímos que há muito por fazer! • É um setor onde ora se dá poder ao regulador ora se lhe retira poder, o que só traz indefinição e espaço para a não decisão. Nada contra, desde que no fim sejam os utilizadores os beneficiários, o que também não me parece acontecer. Convém clarificar na política norteadora do setor qual o verdadeiro

papel do regulador: se para promover o nivelamento da qualidade de serviço prestada aos utilizadores, a preços comportáveis, ou de um organismo meramente opinativo. Não me parece que estejamos com maturidade no setor para se desenharem medidas de penalização pela menor qualidade do serviço prestado, quando ainda há serviços prestados sem que os custos sejam cobertos pela receita e que ao fim de 3 décadas de fundos de coesão disponíveis, ainda procuram a estabilidade e sustentabilidade operacional e financeira. Proponho, em alternativa, incluir na fórmula de cálculo do tarifário um coeficiente de partilha do benefício que resultar de um serviço de excelência com contas certas, numa relação transparente do pagador/ utilizador/acionista, deixando assim que a exigência das populações faça o seu caminho inclusivo num modelo de gestão que se pretende sustentável, competente e com futuro. E até acredito que neste modelo ainda haveria espaço para os privados, certamente.


Desafios para as Entidades Gestoras decorrentes do PENSAARP 2030

• Por que razão não há um modelo financeiro e um modelo técnico desenhados pelo regulador, competente e eficaz, para que todos escrevamos a informação com o mesmo nome e nos mesmos moldes, corresponsabilizando assim, para além dos vários atores interessados, também o regulador deste setor no sucesso e resultado de um qualquer modelo de gestão? • É difícil encontrar engenharia projetista capaz de realizar projetos competentes. Projetos deficientes e caros são executados todos os dias, por falta de capacidade técnica e espírito critico disponível. • Falta consciencializar a população para o verdadeiro preço da água (“Tem sido frequentemente referido por entidades internacionais que 1 € investido nestes serviços pode conduzir a poupanças de 9 € em despesas de saúde e representar 6 € em benefícios económicos.” PENSAARP, 2030) ou, se quisermos, para o preço do serviço prestado, numa visão holística de um serviço essencial para a vida, para

a saúde e bem-estar, para satisfazer as necessidades básicas humanas, para a subsistência, mas também para o luxo, para a falta de água, mas também para o desaproveitamento da água que corre diariamente em ribeiras e rios de pequena dimensão em direção ao mar, para a falta de fiscalização (institucional mas também do fiscal anónimo), para a boa legislação que temos (desde que não se aborde a disparidade da taxa de IVA aplicado às obras de saneamento, que varia em função da figura jurídica do Dono de Obra) tendo em vista a preservação e respeito pela fauna e flora…enfim, para a responsabilidade individual do utilizador pagador de um serviço que se quer financeira, técnica e socialmente sustentável … para o bom senso! • Faltam softwares capazes e adequados à gestão. Não basta apelar à desmaterialização e descarbonização sem ferramentas que ajudem a satisfazer estes objetivos! Ora, e voltando ao PENSAARP, o que pretendo

clarificar, no meu ponto de vista, é que um plano, seja ele qual for, será tanto melhor quanto melhor for aproveitado no benefício estrutural do setor, pois só esse garante longevidade dos serviços prestados com qualidade. Mas importa também não perder de vista que a sua execução – Plano de Ação – só se consegue com dinheiro. Este, ou provém dos capitais próprios, ou de empréstimos, ou de um mix entre ambos e fundos europeus. Todo o resto, o setor sabe bem o que tem de fazer, e talvez seja esse o maior desafio que ainda está por vencer, e que pode levar ao maior sucesso ou insucesso das medidas agora preconizadas no PENSAARP, ainda por aprovar. Se o alinhamento estratégico de todos os atores do setor não for perfeito, perante as dificuldades que enumerei antes e as fragilidades identificadas no PENSAARP, pergunto se estarão reunidas condições para executar bem um investimento total estimado que poderá alcançar os 6.600 M€ até 2030, quando este montante representa metade do investimento dos últimos 30 anos, ou seja 13.200M€? REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade incluam um sistema de recirculação de água quente para se evitar o balde de recolha água fria desperdiçada no WC? Os objetivos estão definidos, e sempre é melhor haver algo do que nada haver, assim haja capacidade e oportunidade para se investir bem e de forma estruturada e duradoura, sem guerras no mundo e sem preços insuportáveis e de difícil gestão. Termino, concordando que “o caminho se faz caminhando”, mas se este for metaforicamente uma escada, desejo que se subam mais degraus do que aqueles que se descerão até 2030, incluindo o PENSAARP 2030.

Como é possível perder-se tanta água nas redes em baixa, reutilizar-se tão pouca água residual tratada e desperdiçar-se tanta água da chuva, apagar incêndios com água potável e estarmos nesta altura preocupados em produzir mais legislação/ regulamentos que penalizam a ineficiência e ineficácia dos serviços, ou que pretendem levar à gestão impossível das fossas séticas particulares, APDA _ 2023 44 | REVISTA APDA_

localizadas em propriedade privada, quando a fossa é um sistema de tratamento válido como outro qualquer, desde que responsavelmente dimensionado, construído e fiscalizado? Por que razão demora tanto a ser pulicada a atualização do DecretoRegulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto? Ou porque não se obriga a que os novos projetos, nomeadamente de moradias particulares,


ÁGUA, ONDE A VIDA SE MULTIPLICA

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS

A VALORIZAR A ÁGUA E A VIDA REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade

PENSAARP 2030 Desafios para entidades gestoras

Carlos Martins Presidente Executivo do Conselho de Administração da EPAL, SA

Doutorando em Políticas Públicas (ISCTE). Mestre em Planeamento Regional e Urbano (UTL). Licenciatura em Engenharia Civil. Membro da Ordem dos Engenheiros com nível de qualificação sénior e outorga do grau de especialista em engenharia sanitária. Professor Especialista em Engenharia Sanitária pelo Instituto Politécnico de Lisboa e Professor Adjunto no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa entre 1991 e 2020. Presidente da APDA (2003 2009). Presidente da EurEau em 2005/2006, em Bruxelas, e membro do Board (2003 - 2009). Secretário de Estado do Ambiente entre novembro de 2015 e abril de 2019. Presidente do Conselho de Administração da EPAL, SA e da Águas do Vale do Tejo, S.A desde abril de 2023. APDA _ 2023 46 | REVISTA APDA_

“ Se tivesse de escolher os TOP 3 escolheria: (i) A sustentabilidade económica e financeira suportada em tarifários transparentes e justos; (ii) Criação de sistemas supramunicipais nas “baixas” e promoção de verticalização de sistemas regionais; (iii) Novo quadro de gestão de recursos humanos nas EG, nomeadamente nos critérios de recrutamento e retenção de profissionais especializados.”


PENSAARP 2030 - DESAFIOS PARA ENTIDADES GESTORAS

1. Enquadramento sumário sobre o PENSAARP 2023

incentivos e estímulos para promover investimentos da ordem dos 6 mil milhões de euros no período.

O PENSAARP 2030 – Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e gestão de Águas Residuais e Pluviais visa alinhar um conjunto de objetivos, metas e medidas a promover até 2030, identificando as linhas de atuação em matéria de

Partindo dos bloqueios existentes no setor, identificados pelo Grupo de Apoio à Gestão - GAG 2020, o Governo criou as condições para a elaboração do PENSAARP 2030 para um novo ciclo de planeamento tendo por base os períodos anteriores.

Foi concretizado por uma equipa com conhecimento holístico setorial, o que fica evidente no detalhado e abrangente modelo de análise e reflexão. O PENSAARP 2030 conheceu alguns atrasos, a que podem estar associados a COVID-19 e mais recentemente alterações registadas na liderança política do Ministério de Ambiente e Ação Climática. REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade A transição de ciclo na gestão dos fundos europeus que servem de suporte a apoios ao investimento no Ciclo Urbano da Água do PO SEUR para o novo Portugal 2030, trouxe alterações no modelo de gestão agora marcado por uma regionalização dos fundos e pela gestão coordenada através das Comissões de Coordenação Regional. Essa nova abordagem ainda não estabilizada minimiza de alguma forma o atraso verificado na sua aprovação. Importa em qualquer caso referir que, em nossa opinião, o atraso verificado no processo de aprovação do PENSAARP 2030 pode ter o mérito de uma evolução positiva entre a versão inicial e a versão final proposta a decisão política. Num primeiro momento, o documento sendo profundamente detalhado e abrangente, colocava como dificuldade uma clara definição de eixos de ação e das suas prioridades, conheceu melhorias na fase de audiência pública e a mais recente Avaliação Ambiental Estratégica que terminou a 1 de junho de 2023 trouxe uma versão bem mais focada APDA _ 2023 48 | REVISTA APDA_

e muito mais mobilizadora para os objetivos prioritário, com um TOP 3 que integra com clareza algumas das questões-chave do setor. O PENSAARP 2030 apresenta uma novidade face aos planos anteriores procurando trazer para gestão do ciclo urbano da água a dimensão da gestão das águas pluviais. O assunto tem premência, até porque gera muita incompreensão na relação entre sistemas de saneamento de “alta” e “baixa”, devido a caudais parasitas muito significativos de origem pluvial, que oneram custos de reagentes (tratamento) e energéticos no transporte, sempre que há elevação de caudais, e no tratamento. Os conteúdos associados à problemática dos pluviais estão abordados com muita generalidade, não aproveitam da experiência já existente em muitas EG - entidades gestoras e remetem muito para soluções de natureza infraestrutural que poderão encontrar respostas mais satisfatórias e mais eficientes com abordagens que incorporem soluções de engenharia e recurso a outros níveis tecnológicos.

Mesmo em matéria de tarifas para os serviços de gestão das águas residuais pluviais, o documento tendo o mérito de abrir a porta a essa possibilidade acaba muito tímido na sua concretização, sendo que algumas opções identificadas, com sucesso, em outros países encontram em Portugal dificuldades acrescidas associadas ao cadastro predial e desenho urbano. Os 4 objetivos globais orientados para: eficácia; eficiência, sustentabilidade económica e financeira e a valorização de serviços constituem uma visão consistente e o mesmo podemos dizer dos 5 objetivos específicos que concretizam cada um dos objetivos globais, conduzindo a 20 objetivos, os quais se desdobram num vasto conjunto de medidas com prioridade diferenciada. O PENSAARP 2030 estabelece como TOP prioritários 3 objetivos específicos: sustentabilidade económica e financeira; governança e estruturação do setor e sustentabilidade infraestrutural, dois associados ao objetivo global da sustentabilidade e outro


PENSAARP 2030 - DESAFIOS PARA ENTIDADES GESTORAS

da eficiência, o que permite concluir das fragilidades a superar com maior ênfase.

linha com a ambição do PENSAARP 2030.

Em face das opções tomadas em sede do TOP prioritário, surgem as medidas de prioridade 1; (i) Reabilitação de infraestruturas; (ii) Adaptação às alterações climáticas; (iii) Melhoria na qualidade das rejeições de AR; (iv) Redução de perdas de AA; (v) Redução de afluências indevidas de AR por efluentes pluviais; (vi) Redução de afluências indevidas de origem industrial; (vii) Melhoria da gestão patrimonial das infraestruturas; (viii) Melhoria do cadastro e dos níveis de desempenho operacional de infraestruturas; (ix) Consolidação de regulamentos tarifários; (x) Melhoria do desempenho económico e financeiro e (xi) Reforço do capital humano.

2. Desafios para as entidades gestoras

Uma referência sobre os cenários de investimento, tomando apenas o Cenário 3 (central) que aponta para um investimento de 5,5 mil milhões de euros até 2030 e Cenário 4 (ideal) que estabelece como desejável um investimento de 6,5 mil milhões. Os restantes cenários estão longe de mobilizar investimento em

Apenas duas iniciais notas de reflexão: (i) os valores apurados e estabelecidos para os investimentos tiveram por referência valores que não tem em conta os efeitos da inflação, que no pósCOVID-19 vieram alterar o mercado das prestações de serviços, valores de aquisição de equipamentos, materiais e das empreitadas de obras públicas; (ii) os valores previstos no Portugal 2030 para apoio ao financiamento do ciclo urbano da água estimam-se em torno dos 600 milhões de euros, cerca de 10% das necessidades de investimento. Estamos em vésperas de um período de planeamento com menores disponibilidades para apoio ao investimento dos últimos 30 anos, sendo mesmo marginal em algumas regiões plano. Essa situação irá colocar um novo desafio às EG, na medida em que terão de formalizar candidaturas em linhas de financiamento numa abordagem completamente

diversa da anterior e por outro lado terão de encontrar modelos de financiamento para investimentos no setor num quadro bastante diverso do habitual. Se tivermos em conta que a maioria das EG são serviços municipais e por isso os investimentos no setor concorrem com todos os restantes investimentos municipais e o quadro das restrições ao endividamento municipal, resultará um complexo caminho para assegurar o financiamento das ações a promover na implementação do PENSAARP 2030. Como é assumido no PENSAARP 2030 importa deixar muito claro que o universo das EG em Portugal tem contextos e modelos de gestão tão diversos, que de alguma forma concorrem para níveis de desempenho e capacidade muito diversa para responder aos novos desafios. Em Portugal encontramos EG de excelência e bom desempenho que embora em número reduzido respondem por mais de 70% da população, mas em termos de território assim não é, como REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade também em número são ainda notórias fragilidades em mais de dois terços das entidades gestoras, geralmente pequenos municípios rurais, com limitada capacidade financeira e técnica para responder adequadamente, mesmo quando essa vontade existe e existe na maioria dos casos. Por simplicidade tomarei por referência para a identificação dos desafios das EG o conjunto de prioridades 1 e apenas essas. 2.1. Reabilitação de infraestruturas A reabilitação de infraestruturas apresenta indicadores na grande maioria das EG muita inferiores ao necessário para assegurar um bom desempenho e conferir sustentabilidade futura com os atuais níveis de serviço. Ao contrário do que muitas vezes se pensa esta fragilidade vai afetar as áreas de maior densidade populacional, pois as infraestruturas nas áreas metropolitanas conheceram significativo incremento nos anos 70 e 80, realizados por promotores imobiliários e vieram à posse municipal sem custos.

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Agora que se colocará na ordem do dia a sua renovação as EG serão confrontadas com investimentos muito significativos sem que para isso tenham constituído as necessárias reservas financeiras. Antecipo grandes dificuldades para a operação e um aumento dos custos de manutenção ao mesmo tempo dificuldade de encontrar meios para promover a renovação ao ritmo necessário. 2.2. Adaptação às alterações climáticas Os efeitos das alterações climáticas estão aí todos os dias para nos relembrar o quanto teremos de fazer para lidar com problemas de escassez, seja nos recursos superficiais ou reservas subterrâneas, muitas vezes a escassez coloca graves problemas de qualidade e consequente tratamento, mas também os episódios de precipitação intensa criam problemas de cheias sobretudo em ambiente urbano. Atualmente a grande maioria dos municípios são servidos com abastecimento de água em “alta” do grupo AdP – Águas de Portugal, o que tem minimizado os impactos e transferem para as empresas

do grupo os maiores desafios decorrentes das alterações climáticas. Nesse campo as entidades gestoras responsáveis por sistemas em “alta” vão ser centrais para a resiliência dos sistemas, sendo conhecidos muitos projetos já em curso que visam lidar com os desafios do futuro enunciados no PENSAARP 2030. Mas o uso mais eficiente da água estará seguramente nas preocupações de todas EG, sem exceção, independentemente da sua dimensão e localização. Já na área da drenagem urbana e das águas pluviais teremos de promover uma abordagem mais sofisticada em termos de opções técnicas e uma intervenção que em muitos casos levará à necessidade de grande articulação com proprietários dos imóveis e com a estrutura viária municipal. 2.3. Melhoria na qualidade das rejeições de AR Tendo Portugal conhecido uma trajetória de sucesso no tratamento de águas residuais urbanas, serão de esperar crescentes necessidades de tratamento decorrentes de


PENSAARP 2030 - DESAFIOS PARA ENTIDADES GESTORAS

nova legislação europeia já anunciadas e a abordagem dos poluentes emergentes que vão entrando nas preocupações futuras. Estando as grandes ETAR maioritariamente sob gestão de entidades gestora de capacidade técnica reconhecida, os incumprimentos ocorrem sobretudo em pequenas ETAR muitas vezes por obsolescência das instalações. Antecipa-se a necessidade de avultados investimentos para modernizar e adaptar as atuais ETAR a regras de descarga mais exigentes e antecipamos como desafios a melhoria da automação, a modernização da operação/manutenção. O conhecimento e o domínio tecnológico das EG permite antecipar capacidade para melhorar as rejeições, mas naturalmente à custa de investimento e sobrecustos na operação. 2.4. Redução de perdas de AA Embora geralmente alvo de abordagens distorcidas, importa ter presente que as perdas registadas em algumas EG se distribuem de forma quase equivalente entre perdas comerciais, consumos

não autorizados ou não faturados e as perdas físicas. Estamos perante um desafio para muitas EG, pese embora se verifique recente melhoria, ela é demasiado lenta e não apresenta tendência que a retire de um caso critico. Medida que para ter sucesso a longo prazo implica medidas organizacionais, pois as metodologias para reduzir perdas são conhecidas e dominadas e tem mesmo prestações de serviços de empresas privadas que tem revelado bons resultados. 2.5 Redução de afluências indevidas de AR por efluentes pluviais Esta medida vai implicar um profundo trabalho de campo, antes de promover investimentos de criação de redes separativas. Esta medida pode ser oportunidade para prestadores de serviços do setor privado, pois não se antecipa capacidade técnica na maioria das EG lidar com tal desafio. 2.6 Redução de afluências indevidas de origem industrial Esta medida colide muitas vezes com a necessidade

de pressão sobre empresas que em muitos casos são grandes empregadores locais colocando as EG perante complexos problemas de decisão. As EG podem ou não ser confrontadas com este desafio, dada a sua natureza institucional, mas neste assunto o regulador ambiental, as entidades da Economia e Agricultura responsáveis pelo licenciamento e o município como entidade responsável pelo licenciamento de construção são parceiros a envolver nas soluções. Existem casos de boa articulação conhecidos e com resultados pelo que me parece possível espalhar as boas práticas pelo país. 2.7 Melhoria da gestão patrimonial das infraestruturas A gestão de ativos é um grande desafio para a larga maioria das entidades gestoras e pode vir a constituir um domínio de profunda transformação das EG. Trata-se de uma matéria que apresenta muita debilidade nas EG nacionais e tem uma grande oportunidade de melhoria. REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade Requer profundas alterações organizacionais, um multifacetado leque de competências técnicas e o domínio de sistemas de recolha e tratamento de dados em todas as áreas das EG. Estamos muito longe de relevar a sua importância e na base está o conhecimento do cadastro a integração de dados de operação e manutenção, do conhecimento do mercado dos materiais e equipamentos e da contratação de serviços, capacidade de auditoria funcional e sistemática e ponderação de investimentos. O estado da arte no setor é de grande fragilidade. 2.8. Melhoria do cadastro e dos níveis de desempenho operacional de infraestruturas Esta medida está na base da gestão patrimonial das infraestruturas e por isso fica clara a máxima de que “ninguém pode gerir o que não conhece”. Um cadastro atualizado exige uma grande coordenação organizacional, não o conseguiremos sem criar escala em muitas das atuais EG de pequena dimensão.

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2.9 Consolidação de regulamentos tarifários A cobertura de custos evidencia uma base mínima da sustentabilidade económica e financeira e as tarifas constituem uma peça chave para ir de encontro a esse patamar de gestão. As tendências recentes evidenciam um caminho muito positivo mas ainda insuficiente, para se atingir um quadro que assegure os desafios futuros e a capacidade para alavancar investimentos organizacionais e infraestruturais necessários. Ainda estamos perante desafios básicos, sendo um deles a contabilidade autárquica, que responde por muitas EG nacionais, pois só com muita tolerância se poderá considerar de fiável uma boa parte da informação reportada pelo setor. 2.10. Melhoria do desempenho económico e financeiro Esta medida está em parte sobreposta com a questão tarifária no que respeita à dimensão económica e implica uma nova abordagem das questões financeiras, quer na gestão de empréstimos

para investimento, mas também numa visão plurianual da gestão, que tenha em vista horizontes de 20 ou 30 anos e ultrapasse em muitas EG o olhar tático do curto prazo baseado em objetivos de mandato autárquico. 2.11. Reforço do capital humano Todas as medidas propostas pelo PENSAARP 2030 e seguramente o futuro do setor tem na sua base o capital humano. As pessoas são o grande capital das EG e Portugal fez uma trajetória de sucesso no setor ao ponto de lhe chamarem “Milagre da água”, muito centrado nas competências profissionais dos trabalhadores das EG do setor público, nas empresas privadas que nele atuam, como operadores, como prestadores de serviços, em verdadeiras parcerias estratégicas. Atualmente, em todo o setor, mas manifestamente nas EG do setor público municipal ou do setor empresarial do Estado assistimos a grandes dificuldades na atração de talentos e competências, profunda dificuldade de retenção dos melhores e


PENSAARP 2030 - DESAFIOS PARA ENTIDADES GESTORAS

mais dinâmicos quadros. Esse será mesmo o maior e mais importante desafio a vencer, pois o risco de colapso dos níveis de serviços prestados por muitas das atuais EG é matéria de preocupação. A capacitação e o reconhecimento de competências, a valorização das carreiras de técnicos e profissionais do setor revelase como elemento central para a implementação do PENSAARP 2030 e é mesmo essencial para assegurar que não se degradará o nível de serviço já alcançado.

3. Notas finais Se tivesse de escolher os TOP 3 escolheria: (i) A sustentabilidade económica e financeira suportada em tarifários transparentes e justos; (ii) Criação de sistemas supramunicipais nas “baixas” e promoção de verticalização de sistemas regionais; (iii) Novo quadro de gestão de recursos humanos nas EG, nomeadamente nos critérios de recrutamento e retenção de profissionais especializados.

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# atualidade

Algumas medidas prioritárias do PENSAARP 2030 - uma visão da ERSAR Vera Eiró Presidente do Conselho de Administração da ERSAR Professora UNL (Faculdade de Direito)

Doutorada em Direito Público e especialista em Direito Público e Regulação, é atualmente a Presidente do Conselho de Administração da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e VicePresidente da WAREG – European Water Regulators. É professora auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, nas áreas de Direito Administrativo e Processual Administrativo, Regulação, Direito dos Contratos Públicos, arbitragem de Direito do Urbanismo e Público. Foi advogada da Linklaters LLP, responsável pela equipa de Direito Público e Regulatório, tendo centrado a sua prática em questões de direito público e regulatório referentes ao contencioso administrativo e à implementação, execução e financiamento de projetos e na aquisição de empresas em setores regulados ou ambientalmente relevantes. APDA _ 2023 54 | REVISTA APDA_

“É fundamental que o Governo (e as autarquias locais) criem as condições para que, a nível político, a gestão da água esteja e se mantenha no topo da agenda política, garantindo unidade de esforços na prossecução dos objetivos para o setor.”


Algumas medidas prioritárias do PENSAARP 2030 - uma visão da ERSAR

S

ão muitas as medidas elencadas no antecipado Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2030 (PENSAARP 2030) para Portugal. O plano, que ainda aguarda aprovação e publicação, materializa-se em quatro objetivos estratégicos globais (eficácia, eficiência,

sustentabilidade e valor acrescentado para a sociedade) que se desdobram em 20 objetivos específicos, estruturados em três níveis de importância relativa. Não desmerecendo os objetivos menos graduados na sua importância, proponho nas linhas que se seguem, olhar, de forma concisa, para alguns objetivos

prioritários do PENSAARP 2030 e detalhar como é que a ERSAR antevê o seu contributo para a respetiva implementação. Contextualizando o exercício que proponho, relembro o propósito deste plano setorial, objetivo com o qual a ERSAR se alinha: o PENSAARP 2030 define uma abordagem integrada do REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade setor da água e procura que os serviços a prestar sejam de excelência, para todos e com contas certas. Introduzindo desde já o tema deste artigo, sublinho que o PENSAARP 2030 assenta num cenário atual favorável. Em grandes números de 2021 (publicados no RASARP de 2022), existem em Portugal Continental 116,733 km de redes de abastecimento de água que permitem o consumo diário de água na torneira de cerca de 184 litros por habitante. Chegámos à percentagem de 97% de alojamentos servidos por redes de abastecimento de água e de 86% dos lares servidos com redes de saneamento e ETARs e temos, atualmente, cerca de 1,9 milhões de m3 de águas residuais tratadas diariamente. Não pode, assim, deixar de sublinhar-se o desenvolvimento que os serviços de abastecimento de água e de gestão de águas residuais tiveram no nosso país nestas últimas décadas o que se traduz, para além do demais, em qualidade e quantidade de água nas nossas torneiras.

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Outro ponto de partida prende-se com a atual (e futura) crise climática. A crise climática é, em rigor, reconduzida a uma crise de água e os riscos climáticos são, também, riscos relacionados com a água e o seu ciclo. Numa palavra, o setor da água terá um papel incontornável na adaptação e mitigação dos efeitos decorrentes das alterações climáticas, por um lado, e será também um dos setores que mais rapidamente irá sentir o impacto do aumento da temperatura, das ondas de calor, das chuvas torrenciais, da ausência de precipitação e dos períodos de seca prolongada, por outro. Podia selecionar-se outros pontos de partida, mas estes dois (o de uma evolução favorável dos serviços nas últimas três décadas e o de um cenário de condições externas futuras desfavoráveis à evolução dos serviços) serão o mote para os pontos que se seguem.

1. Adaptação dos serviços às alterações climáticas: clima diferente, uma só água, uma gestão necessariamente melhor Num contexto de escassez de água é necessário tomar opções (por vezes difíceis e impopulares) escolhendo usos de água em detrimento de outros para diminuição da procura. Estas opções são desde logo inevitáveis para proteger e garantir os usos essenciais da água (onde se inclui o consumo humano), pelo que a ERSAR ocupar-se-á, seguramente, em colaborar ativamente na ordenação dos usos da água em Portugal. E esta ordenação de usos implica, de um ponto de vista macro e inter-setorial, (i) a gestão da água, a nível nacional, de forma consistente e coordenada, independentemente dos usos em causa e da quantidade de água a usar; (ii) a necessidade de medir cabalmente todos os usos de água e (iii) a coordenação das tarifas, que têm de cobrir os custos dos serviços, com um regime de taxas (TRH) que possa


Algumas medidas prioritárias do PENSAARP 2030 - uma visão da ERSAR

refletir os custos de escassez e sinalizar a necessidade de poupança de água (quando necessário), numa lógica de circuito económico fechado. Num cenário intercalado de chuvas torrenciais e de ausência de precipitação, a continuidade, qualidade e segurança dos serviços de abastecimento de água, nesta perspetiva de uma só água, terá, ainda e forçosamente, de assentar em critérios exigentes no que diz respeito a, pelo menos, dois pontos fundamentais: (i) a resiliência das infraestruturas e (ii) a sua eficiência. Não é demais relembrar a este propósito que é fundamental o investimento na reabilitação de condutas. Atualmente, este investimento regista valores de 0,6 %/ano e 0,2 %/ano na baixa, nos serviços de abastecimento e de saneamento, respetivamente, constituindo um indicador com um dos piores resultados, em anos sucessivos. Será, por isso, (ainda) mais premente garantir que as entidades que gerem os serviços têm dimensão adequada e uma estrutura

técnica capaz de gerir, de implementar, e de operar infraestruturas que terão de ser mais resilientes, o que se alcança, também, através de economias de escala. Ora, em Portugal Continental, as economias de escala foram em grande parte conseguidas nas entidades gestoras integradas no setor empresarial do Estado, não se tendo atingido uma situação similar para as entidades municipais, em baixa. O número de municípios de pequena dimensão que atualmente gere direta ou indiretamente os serviços em baixa é demasiado; e estes municípios não têm, na sua maioria, infraestruturas resilientes nem um grau de eficiência mínimo (trata-se de cerca de 169 entidades gestoras municipais que prestam serviço de abastecimento de água em baixa e 170 entidades gestoras municipais prestam serviço de saneamento de águas residuais em baixa). O passado recente tem mostrado que as agregações entre municípios não se conseguem de um dia para o outro nem tão pouco é garantido que se consigam manter, sem os incentivos

públicos adequados e sem laços de confiança entre municípios, muito além de um ou dois ciclos eleitorais. Como caminho para a agregação e para alcançarmos a resiliência e eficiência necessárias importa, pelo menos, garantir e incentivar os municípios que têm mais de 20.000 habitantes (há pelo menos 34 municípios atualmente em gestão direta e com população acima dos 20.000 habitantes) a assumirem uma estrutura mais empresarial (se tornem pelo menos serviços municipalizados) para garantir o início do caminho das contas certas. Este início facilitará o caminho para a agregação municipal ou para, pelo menos, serem estabelecidos protocolos de partilha de recursos, mantendo a individualidade dos municípios. A ERSAR trabalhará para promover este tipo de iniciativas colaborando na avaliação de viabilidade técnica, económica e social das agregações de escala, na elaboração de cadernos de sensibilização para decisores sobre economias de escala e sobre partilha de recursos entre entidades gestoras e REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade no apoio à elaboração de estudos técnicos que avaliem este tipo de soluções.

2. “Melhoria da qualidade da água para abastecimento“: água em quantidade e de qualidade Água segura na torneira é um dos objetivos de desenvolvimento sustentável (o ODS6) e desde 2015 que Portugal apresenta valores médios no indicador de água segura de 99% de água segura nas torneiras ligadas aos sistemas de abastecimento público. Este resultado alcançado é fruto do modelo implementado em Portugal, pela ERSAR e por outras entidades relevantes incluindo as entidades responsáveis pela saúde pública em Portugal (a Direção Geral da Saúde) e o IPAC (no que respeita a certificação dos laboratórios). Nos próximos anos, será necessário garantir a implementação de um novo regime legal da qualidade da água (o Decreto-Lei n.º 69/2023, de 21 de agosto), mais exigente do APDA _ 2023 58 | REVISTA APDA_

que o anterior, que inclui o controlo de qualidade da água assente numa avaliação de risco (desde a origem até à torneira), alteração dos valores paramétricos de natureza analítica (e que garantem o controlo da qualidade da água) e de introdução de novas substâncias que devem ser controladas. Associado a um novo enquadramento regulamentar da qualidade da água para consumo humano, encontraremos dificuldades acrescidas associadas à escassez de água nalgumas zonas do território nacional. É que a falta de quantidade de água pode também traduzir-se numa menor qualidade da água da origem o que, naturalmente, tornará mais difícil garantir que a água que chega às torneiras é segura e pode ser bebida em segurança. Por isso, será também uma prioridade da regulação da ERSAR trabalhar com todas as entidades do setor com vista à manutenção do indicador da qualidade da água na torneira, o que implicará um esforço no controlo do cumprimento dos planos de controlo da qualidade da água (os PCQA)

e da avaliação de risco, na realização de inspeções aos locais e às diferentes entidades gestoras e, também, na aplicação do regime de contraordenações em vigor. A qualidade da água será, sem dúvida, mais um vetor que cabalmente justifica a partilha de recursos entre entidades gestoras, a diminuição do número de zonas de abastecimento a garantir a prestação de serviço e, em suma, a necessidade de evoluir de uma forma muito rápida na capacidade técnica de gestão de uma grande parte do território nacional (a mais rural e menos populosa). A qualidade da água será, pois, mais uma razão para que as entidades gestoras tenham uma gestão mais dedicada aos serviços de água e garantam a mobilização específica de recursos mais especializados para esse efeito, o que depende, não só, mas também, de um apuramento mais correto dos gastos e rendimentos da prestação dos serviços.


Algumas medidas prioritárias do PENSAARP 2030 - uma visão da ERSAR

3. “Contas certas“: tarifas certas e consolidação da regulamentação tarifária nas entidades gestoras Tudo o que se vem de dizer reconduz-nos a um ponto adicional: o da necessidade de garantir a consolidação tarifária nas entidades gestoras. Esta consolidação deve ser robusta, mas não significa que todos os municípios tenham de ter o mesmo modelo de financiamento. Aliás, o PENSAARP aponta soluções diferenciadoras que devem ser consideradas. Por exemplo, para entidades de menor maturidade e/ou de zonas predominantemente rurais, o PENSAARP apresenta a possibilidade de os serviços serem financiados através de subsídios no que importem investimentos essenciais e estruturantes, que privilegiem, em especial, o reforço das entidades gestoras através do aumento de escala (em entidades cuja abrangência territorial permita essas economias de escala através de agregações em baixa) e do aumento do nível de

especialização e de assessoria técnica. Já quanto às entidades de maior maturidade, o PENSAARP aponta para o financiamento dos serviços exclusivamente através de tarifas. Por isso, e nestes casos, os apoios públicos devem ser utilizados como mecanismo de premiação de mérito, de incentivo a projetos de caráter inovador, privilegiando-se projetos que possam ser replicados posteriormente por outras entidades gestoras, por exemplo. A ERSAR poderá contribuir, tanto num caso como no outro, facultando informação aos decisores da atribuição de financiamento que permita a seleção dos projetos que melhor contribuam para estes objetivos. Mas naturalmente que, para implementação de um financiamento efetivamente robusto do setor, as contas têm de ser certas e as tarifas também. Por isso, não se antevê como avançar nesse sentido sem que a ERSAR se possa prevalecer de instrumentos mais eficazes de atuação, onde se incluirá, para além dos demais: (i)

competência regulamentar em matéria tarifária; (ii) possibilidade de emissão de instruções vinculativas para garantir a sustentabilidade económica dos serviços decorrente da aplicação da Lei das Finanças Locais; (iii) aprovação de um regime sancionatório com instrumentos mais eficazes para garantir que as entidades gestoras adequam os seus comportamentos às regras existentes e (iv) atualização do regime de taxas da ERSAR para assegurar a equidade na aplicação das taxas a todos os regulados e que corresponde à contraprestação do serviço prestado pelo regulador.

4. “Alargamento do âmbito de serviço público no setor“: vamos falar das águas pluviais? Nas últimas décadas, foram realizados em Portugal importantes investimentos nos serviços de abastecimento de água e de gestão de águas residuais, que contribuíram determinantemente para a evolução do setor. Contudo, não tem sido dada a mesma relevância ao serviço de gestão de águas pluviais. Este aspeto é REVISTA APDA_ APDA _ 2023

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# atualidade relevante, desde logo, porque a adequada gestão de águas pluviais garante mais água em contexto de escassez e um maior controlo dos fenómenos de cheias e inundações em contexto de elevada pluviosidade, permitindo assim suavizar os fenómenos extremos.

de águas pluviais (podendo o serviço ser prestado pelo próprio município, por empresas municipais ou concessionárias), ou pela manutenção da gestão de águas pluviais na sua esfera de atuação, sendo o serviço de saneamento de águas residuais prestado por outra entidade.

O volume de águas pluviais escoado numa zona urbana é muito variável, pois depende do grau de impermeabilização dos solos e da pluviosidade, que pode ser imprevisível e muito variável ao longo do tempo. Por este motivo, e pensando sobretudo no caso de chuva torrencial, as águas pluviais podem prejudicar fortemente o desempenho dos sistemas unitários ou mistos, mas também dos sistemas separativos de águas residuais por via das afluências indevidas.

Na perspetiva da ERSAR, só uma visão conjunta e integrada do ciclo urbano da água poderá permitir uma gestão otimizada dos vários sistemas, potenciando sinergias e oferecendo uma resposta mais adequada aos desafios que se colocam a médio e longo prazo, num cenário de alterações climáticas em que a ocorrência de eventos extremos, como secas e chuvas torrenciais, é cada vez mais frequente.

A lei em vigor permite a inclusão da gestão dos sistemas municipais de águas pluviais no âmbito da atividade das entidades gestoras de sistemas de águas residuais urbanas. A este propósito, as entidades titulares têm seguido diferentes abordagens que passam pela gestão conjunta dos serviços de saneamento de águas residuais urbanas e APDA _ 2023 60 | REVISTA APDA_

Nesse sentido, e em linha com a proposta do PENSAARP 2030, o serviço de gestão de águas pluviais deve ser objeto de regulação, com o objetivo de promover a melhoria da eficiência e da eficácia deste serviço, de garantir a sua sustentabilidade financeira e de obter soluções de compromisso do ponto de vista operacional e económico. Apesar da

necessidade de clarificação legislativa da intervenção da ERSAR na regulação do serviço de gestão de águas pluviais e de estar ainda em curso a aprovação do PENSAARP 2030, a ERSAR avançou, em 2021, com a inclusão de uma primeira proposta de avaliação do serviço de gestão de águas pluviais na revisão do sistema de avaliação da qualidade de serviço, que resultou na publicação da 4ª geração do mesmo, em dezembro de 2021.

Notas conclusivas possíveis para um plano que aguarda aprovação: A existência de planos sucessivos para o setor da água tem sido um dos fatores críticos de sucesso para o setor da água em Portugal. O PENSAARP 2030 inclui muitas (e importantes) medidas transversais, essenciais para assegurar o sucesso dos serviços numa década exigente. A ERSAR dispõe de instrumentos relevantes para apoiar a implementação de muitos dos objetivos do PENSAARP. Todavia, o contexto de que partimos e o contexto que nos espera reclamam a aprovação de


Algumas medidas prioritárias do PENSAARP 2030 - uma visão da ERSAR

medidas legislativas de reforço das competências regulatórias da ERSAR e de incorporação, de forma transversal e intersectorial, de critérios de sustentabilidade nos instrumentos de articulação entre o Estado, as autarquias locais e o setor privado que promovam um uso sustentável da água. É fundamental que o Governo (e as autarquias locais) criem as condições para que, a nível político, a gestão da água esteja e se mantenha no topo da agenda política, garantindo unidade de esforços na prossecução dos objetivos para o setor. Como tem mesmo de ser.

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EVENTOS


S

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# EVENTOS Eventos APDA

eventos

ENEG 2023 – Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Água e Saneamento Local: Multiusos de Gondomar, Gondomar Data: 27-30 novembro 2023

Para mais informações www.apda.pt APDA _ 2023 64 | REVISTA APDA_


APDA, NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Eventos nacionais

Eventos INTERnacionais

Seminário “Fenómenos hidrológicos extremos: os desafios das próximas décadas” APRH Local: Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Data: 16 novembro 2023

2023 UN Climate Change Conference Organização das Nações Unidas Local: Emirados Árabes Unidos Data: 30 novembro-12 dezembro 2023

XV Jornada de Engenharia do Ambiente (JEAMBI) Instituto Superior Técnico Local: Instituto Superior Técnico de Lisboa Data: 14-16 fevereiro 2024

IWA Water and Development Congress & Exhibition 2023 IWA Local: Kigali, Rwanda Data: 10-14 dezembro 2023 10th World Water Forum World Water Council Local: Bali, Indonésia Data: 18-24 maio 2024

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PENSAARP Desempenho do Setor da Água :: Principais resultados do PENSAAR 2020 Análise do cumprimento das metas dos indicadores

7 indicadores atingiram as metas definidas para 2020 13%

32 indicadores não

12 indicadores sem “baseline” definido, e/ou sem meta definida, e/ou sem dados disponíveis

53

60%

atingiram as metas definidas para 2020

indicadores

23%

4%

2 indicadores atingiram parcialmente as metas definidas para 2020

INVESTIMENTO Previsto (2014 - 2020)

3 705 M€

Realizado

1 804 M€

PONTOS FRACOS

C/ financiamento comunitário

907 M€

PONTOS FORTES

Qualidade das massas de água

Adesão ao serviço de AA e AR

Perdas reais de água

Cobertura de gastos em AA e AR

Falhas e avarias em condutas

Inundações e colapsos de coletores

Reabilitação de condutas e de coletores

Água segura

Acessibilidade económica

Destino adequado de águas residuais

Fonte: GAG do PENSAAR 2020 Nota: Adaptado de PENSAARP 2030: Mudanças e Oportunidades?, Filipe Araújo, AEdP


Novo Ciclo Estratégico para o Setor da Água :: Grandes números do PENSAARP 2030

Objetivos globais

4

Objetivos prioritários

Um plano bem estruturado, robusto e focado nos pontos críticos do setor, mas que tarda em ser aprovado e aplicado, perpetuando os problemas crónicos existentes.

Investimento total (cenário central)

20

10

2,06 para 2,90 €/m3

5,5 mM€

Objetivos específicos

70

Medidas

Tendencial acréscimo das tarifas médias domésticas

6,6

Novo Ciclo Estratégico para o Setor da Água :: PENSAARP 2030

Gestão integrada Gestão de ativos do CUA

Eficiência hídrica ANF + AI

Circularidade e regeneração

Valorização Atração e retenção societal da água de talento

Experiência do cliente

Gestão de águas Resiliência e ação pluviais climática

Inovação e digitalização


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