Revista Portuguesa de Gestão & Saúde n.º 30

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Gestão Saúde DIRETOR: MIGUEL SOUSA NEVES • SPGSAUDE@GMAIL.COM PUBLICAÇÃO PERIÓDICA DIRIGIDA A PROFISSIONAIS DE SAÚDE JULHO 2021 2019 • N.º 30 26

O sistema atual de saúde português Miguel Sousa Neves // A eHealth e a insularidade Catarina Borges; Helena Tavares; Nuno Miguel Faria Araújo; Sara Amaral; Sílvia Carvalho // Unidades locais de saúde: A perceção e a realidade de um modelo organizacional João Ricardo Miranda da Cruz; Maria Helena Pimentel; Susana Rodríguez Escanciano; Ana Belén Casares Marcos // Equidade em Saúde Carla Marina Tavares Fernandes // Desafios na gestão e liderança em organizações de Saúde João Alexandre Reis // Convenção Nacional da Saúde: Obrigado a todos os portugueses! Eurico Castro Alves



Índice

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ESTATUTO EDITORIAL

UNIDADES LOCAIS DE SAÚDE A PERCEÇÃO E A REALIDADE DE UM MODELO ORGANIZACIONAL

CONVENÇÃO NACIONAL DA SAÚDE OBRIGADO A TODOS OS PORTUGUESES!

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João Ricardo Miranda da Cruz Maria Helena Pimentel Susana Rodríguez Escanciano Ana Belén Casares Marcos

Eurico Castro Alves

MENSAGEM

Miguel Sousa Neves

6 O SISTEMA ATUAL DE SAÚDE PORTUGUÊS

22 EQUIDADE EM SAÚDE

Carla Marina Tavares Fernandes

Miguel Sousa Neves

12 A EHEALTH E A INSULARIDADE

Catarina Borges Helena Tavares Nuno Miguel Faria Araújo Sara Amaral Sílvia Carvalho

26 DESAFIOS NA GESTÃO E LIDERANÇA EM ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE

João Alexandre Reis

33 23.º CONGRESSO NACIONAL DE MEDICINA DA OM MIGUEL SOUSA NEVES FALOU DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE CICLO DE CONFERÊNCIAS “FINS DE TARDE NA CIDADE: NOVAS PERSPETIVAS PARA O FUTURO DA SAÚDE EM PORTUGAL”

34 SPGS ÓRGÃOS SOCIAIS FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO

Gestão Saúde

Publicação periódica dirigida a profissionais de saúde • n.º 30 • julho 2021 DIRETOR Miguel Sousa Neves COORDENAÇÃO Vera Rodrigues DESIGN E PRODUÇÃO Focom XXI – Centro Gráfico, Lda. PROPRIEDADE Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde • Avenida Cidade de Montgeron, 212 • 4490-402 Póvoa de Varzim • E-mail: spgsaude@gmail.com • Site: www.spgsaude.pt DEPÓSITO LEGAL 239095/06 REGISTO ERC Exclusão de registo prevista no art.º 12, alínea a, do DR n.º 8/99, de 9 de junho PERIODICIDADE Quadrimestral IMPRESSÃO Soartes – Artes Gráficas, Lda. TIRAGEM 2.500 exemplares


Estatuto Editorial

Gestão Saúde DIRETOR: MIGUEL SOUSA NEVES • SPGSAUDE@GMAIL.COM PUBLICAÇÃO PERIÓDICA DIRIGIDA A PROFISSIONAIS DE SAÚDE JULHO 2021 2019 • N.º 30 26

O sistema atual de saúde português Miguel Sousa Neves // A eHealth e a insularidade Catarina Borges; Helena Tavares; Nuno Miguel Faria Araújo; Sara Amaral; Sílvia Carvalho // Unidades locais de saúde: A perceção e a realidade de um modelo organizacional João Ricardo Miranda da Cruz; Maria Helena Pimentel; Susana Rodríguez Escanciano; Ana Belén Casares Marcos // Equidade em Saúde Carla Marina Tavares Fernandes // Desafios na gestão e liderança em organizações de Saúde João Alexandre Reis // Convenção Nacional da Saúde: Obrigado a todos os portugueses! Eurico Castro Alves

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Revista Portuguesa de Gestão & Saúde (RPGS) é um órgão de informação especializado que tem como objetivo primordial divulgar artigos, estudos e casos na área da Gestão em Saúde. Destina-se a todos os profissionais que desenvolvem a sua atividade no setor da Saúde, desde médicos, enfermeiros, técnicos a diretores de serviço, gestores, administradores hospitalares, membros de conselhos de administração de unidades de saúde e a todos os cidadãos interessados nesta temática. A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde orienta-se por critérios de rigor e criatividade editorial, sem qualquer dependência de ordem ideológica, política e económica. A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde estabelece as suas opções editoriais sem hierarquias prévias entre os diversos setores de atividade. A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde é responsável apenas perante os leitores, numa relação rigorosa e transparente, autónoma do poder político e independente de poderes particulares. A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde reconhece como seu único limite o espaço privado dos cidadãos e tem como limiar de existência a sua credibilidade pública. A RPGS adota como linha editorial a divulgação de conteúdos através de uma arrumação facilmente assimilável pelos leitores, reforçada pela atualidade e continuidade lógica dos diferentes temas abordados. A produção de artigos, estudos e casos pautar-se-á por uma forte aplicabilidade dos conceitos divulgados.

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Na elaboração de conteúdos, os colaboradores da RPGS terão em conta os seguintes pressupostos: i) Os conhecimentos e os valores do grande público refletem, de certo modo, a maneira como a informação sobre a Gestão da Saúde é veiculada pelos órgãos de comunicação social; ii) A gestão eficiente e eficaz do setor da Saúde obriga a uma intervenção multidisciplinar, na qual os colaboradores da RPGS podem e devem desempenhar um papel de relevo, através da difusão de mensagens que influenciem comportamentos e atitudes; iii) Os mass media constituem, não raro, o único meio de contacto entre as fontes de informação e alguns grupos populacionais socialmente marginalizados; iv) O êxito da colaboração entre os colaboradores da RPGS e as instituições que desenvolvem trabalho na área da Gestão da Saúde depende, antes de mais, da assunção, por parte de todos, de que a mudança de comportamentos e atitudes para a gestão eficiente e eficaz da Saúde é uma batalha comum. Todo o desempenho da Redação da RPGS rege-se pela estrita observância da ética da informação e no cumprimento da legislação em vigor, obedecendo desse modo a uma política de privacidade e confidencialidade. Através da Revista Portuguesa de Gestão & Saúde, procurar-se-á ainda manter o leitor atualizado no que respeita a regulamentos, normas, técnicas e ferramentas com impacto direto na gestão dos serviços de saúde. A RPGS estabelece as suas opções editoriais no estrito respeito por elevados padrões de isenção e rigor.


Mensagem Aproveitemos as extensas lições que têm sido deixadas pela grave crise pandémica para darmos o salto qualitativo na SAÚDE que os portugueses bem precisam e merecem. Realçamos a necessidade de repensar o modelo de gestão de topo e intermédio para um funcionamento proativo, rápido e eficaz, e um novo paradigma na programação dos recursos humanos tão necessários a um melhor funcionamento do sistema. Por fim, apelamos a que todas as decisões que vierem a ser tomadas não sofram constrangimentos de ordem político-partidária para que os portugueses possam, de facto, ganhar definitivamente uma reforma sustentável e adequada para vários anos.

Miguel Sousa Neves Presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde

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Miguel Sousa Neves

Presidente da Direção da SPGS; mestre em Gestão de Serviços de Saúde; ex-presidente da Direção

da Competência em Gestão dos Serviços de Saúde da Ordem dos Médicos

O sistema atual de saúde português Breve reflexão sobre a situação legal atual, comparações com outros países com sistemas de financiamento semelhantes, a crise pandémica e possíveis impactos nas políticas públicas em Saúde.

INTRODUÇÃO A alínea 1 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa confere à população o direito à proteção da saúde sendo que na alínea 2 esclarece que esse direito é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito1. A lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 169/2019, de 4 de setembro, constitui umas das mais relevantes e polémicas concretizações normativas deste direito à proteção da saúde2. Na sua Base 1 refere que o Estado promove e garante o direito à proteção da saúde através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dos serviços regionais de saúde e de outras instituições públicas, centrais, regionais e locais. Na sua Base 2 expressa que os cidadãos têm o direito de aceder aos cuidados de saúde adequados à sua situação, com prontidão e no tempo considerado clinicamente aceitável, de forma digna, de acordo com a melhor evidência científica disponível e seguindo as boas-práticas de qualidade e segurança em saúde.

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Na sua Base 4 refere as pessoas como elemento central na conceção, organização e funcionamento de estabelecimentos, serviços e respostas de saúde; a gestão dos recursos disponíveis segundo critérios de efetividade, eficiência e qualidade, e o facto de caber ao membro do Governo responsável pela área da Saúde propor a política de saúde a definir pelo governo, promover a respetiva execução e fiscalização e coordenar a sua ação com a dos outros ministérios e entidades. Na sua Base 25 informa que poderão ser celebrados contratos com o setor privado, setor social e profissionais em regime

independente apenas quando o Serviço Nacional de Saúde não tiver, comprovadamente, capacidade para a prestação de serviços em tempo útil, condicionados à avaliação da sua necessidade. Por último, na sua Base 37 informa que os programas, planos ou projetos, públicos ou privados, que possam afetar a saúde pública devem estar sujeitos a avaliação de impacto, com vista a assegurar que contribuem para o aumento do nível de saúde da população. O SNS é assim um conjunto de instituições e serviços maioritariamente públicos que têm uma hierarquia definida

A alínea 1 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa confere à população o direito à proteção da saúde sendo que na alínea 2 esclarece que esse direito é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito

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com o objetivo de prestar cuidados de saúde aos cidadãos que vivem em Portugal funcionando sob superintendência ou a tutela direta do ministro da Saúde de acordo com o estipulado no artigo 1.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo decreto-lei n.º 11/93, de 15 de janeiro3. Verifica-se também que a efetivação do direito constitucional à proteção da saúde é garantida primariamente pelos serviços próprios do Estado com o apoio supletivo e temporário de serviços de saúde do setor social e privado apenas quando o SNS assim o entender. Daqui resulta necessariamente uma multiplicidade de questões que se prendem não só com o “duplo papel do Estado” quer enquanto responsável pela definição de políticas de saúde e sua regulação e fiscalização quer enquanto prestador principal de cuidados de saúde como também como financiador e prestador dos mesmos cuidados4. Mais ainda, remete para o ministro da Saúde a definição a todo o momento das políticas de saúde e a concretização no terreno desse mesmo planeamento. O artigo 23.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 251-A/2015 de 17 de dezembro, refere especificamente que ao ministro da Saúde incumbe a missão de conduzir, executar e avaliar a política nacional de saúde e em especial do Serviço Nacional de Saúde, garantindo uma aplicação e utilização sustentáveis de recursos e a avaliação dos seus resultados, algo que é amplamente fortalecido pela recente lei de Bases da Saúde. No respeitante a modelos de políticas públicas de saúde, e no contexto do presente artigo, referencio três sistemas nacionais de saúde onde é possível estabelecer coerência e fundamentação de base5,6: • O sistema Bismarckiano dependente de seguros de saúde públicos, de

acesso garantido com liberdade de escolha e vasta oferta. Este modelo encontra-se em países como a Alemanha, França e Japão; • O sistema Beveridgiano, dependente de impostos e fundos de Estado, de acesso universal com unidade e uniformidade dos serviços. Podemos verificar este tipo de modelo em países como a Inglaterra, Dinamarca e Nova Zelândia; • O sistema de Mercado que depende de seguros privados de saúde, tem acesso limitado, com liberdade de escolha e vasta oferta sendo o mais comum em países com organização muito limitada dos seus serviços de saúde,

mas também em outros, como os Estados Unidos da América e países na sua esfera de influência, onde há uma organização muito diferenciada, mas onde o sistema político tem preferido um modelo preferencialmente fora da área direta do Estado. Sendo o modelo português de matriz Beveridgiana, e porque a atual lei de Bases de Saúde coloca no SNS o ónus da proteção da saúde do cidadão com o controlo direto do poder político do momento, é importante que qualquer comparação se faça com modelos idênticos, mas com sistemas de organização diferentes e mais autónomos como são os casos dos sistemas dinamarquês e inglês.

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A atual Lei de Bases da Saúde concentra todos os esforços de oferta de cuidados universais de saúde no SNS sendo que os setores privado e social deixam de ser complementares para assumirem um papel secundário supletivo, o que pode eventualmente condicionar os cuidados de saúde necessários à comunidade de acordo com o articulado na Constituição Portuguesa BREVE CARACTERIZAÇÃO DAS POLÍTICAS E FUNCIONAMENTO DO SISTEMA NACIONAL DE SAÚDE De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o sistema de saúde tem sido definido como abrangendo “todas as organizações, instituições e recursos devotados à produção de ações de saúde”, sendo que as ações de saúde são quaisquer intervenções em cuidados de saúde individuais, serviços públicos de saúde ou iniciativas intersectoriais, cujo propósito é melhorar a saúde7. O sistema nacional de saúde português incorpora, para além do SNS com funções públicas e de acesso universal, alguns subsistemas públicos de saúde como a ADSE, os diferentes ramos das forças de segurança e instituições como o SAMS que apoiam uma fatia considerável de consumidores em saúde e

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ainda os setores social e privado. Os subsistemas foram criados para apoio na doença aos seus funcionários e familiares, têm um grau relativamente limitado de autonomia política, embora dispondo de mecanismos próprios de gestão, e são atualmente subsidiados por uma percentagem do vencimento dos próprios funcionários. O setor social compreende na sua grande maioria as Misericórdias, que têm uma rede crescente de prestação de cuidados de saúde com relevância para os cuidados continuados e apoio de retaguarda às unidades hospitalares. Para além das Misericórdias, também existem as Mutualidades e outras pequenas associações de apoio à população, quase todas com convenções com o SNS8. O setor privado tem registado um crescimento exponencial nos últimos anos pois proporciona uma maior rapidez no acesso a cuidados, maiores níveis de conforto, a possibilidade de escolha do médico, localização preferencial da entidade prestadora de serviços ao mesmo tempo que preenche lacunas ou fragilidades da oferta pública como na medicina dentária e tempos de espera longos no SNS para consultas e cirurgias. A sua ligação às seguradoras de saúde e subsistemas públicos favorece o seu crescimento sustentado assim como as convenções que detém com o setor público9. Embora o sistema nacional de saúde englobe todas as instituições prestadoras de cuidados de saúde em Portugal é importante salientar o papel fulcral do SNS amplamente reforçado pela recente Lei de Bases de Saúde. O SNS integra todos os serviços e entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, designadamente os agrupamentos de centros de saúde, os estabelecimentos hospitalares e as unidades locais de saúde10. Integra também de forma indireta todas as instituições do setor privado e social com o qual tenha convenções em áreas específicas. A gestão dos recursos financeiros, patrimoniais e humanos do SNS e a sua articulação com os setores social e privado é feita, a nível central, pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e a

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nível periférico, pelas administrações regionais de saúde (ARS). Tendo em consideração o ritmo crescente dos gastos em saúde, bem como o objetivo de obtenção de ganhos efetivos e progressivos em saúde, tem surgido uma crescente preocupação por garantir organizações economicamente sustentáveis, com uma eficiente alocação de recursos11. Ao longo dos últimos anos, tem-se tentado reorganizar o modelo de gestão no SNS pela aplicação de processos e métodos do tipo empresarial na Administração Pública tradicional. É nesta perspetiva que se entende a flexibilização, ainda que tímida, dos modelos de unidades hospitalares e a introdução do modelo empresarial de cuidados de saúde primários culminando no que se denomina de contratualização que, no fundo, é uma ferramenta através da qual se criam incentivos à adoção de melhores práticas de governação clínica tendo em vista a satisfação de necessidades assistenciais num contexto de gestão equilibrada e eficiente dos recursos existentes no âmbito do SNS10,12. Este processo de contratualização tenta alterar a cultura dominante de controlo vertical que, no entanto, se viu reforçada pelas alterações políticas da recente Lei de Bases da Saúde. A flexibilização então obtida, inclusive pela criação de parcerias público-privadas (PPP) no setor público hospitalar, tem vindo a sofrer alguma retração mantendo-se a figura centralizadora no ministro da Saúde de todas as principais ações de gestão do SNS e por consequência do sistema nacional de saúde. A grave crise pandémica provocada pelo vírus SARS-CoV-2 veio testar a resiliência do SNS permitindo a delegação de poderes da atual ministra da Saúde em várias unidades de cuidados primários e hospitalares com a tomada de medidas de emergência, nomeadamente pelo Centro Hospitalar Universitário de S. João, no Porto, que se presume algumas possam vir a ser estruturantes para um melhor desempenho futuro dessas mesmas unidades e abrir novos caminhos no domínio das políticas públicas de saúde em Portugal, que de outra forma continuariam encerrados.


MODELOS DE FUNCIONAMENTO DOS SISTEMAS DINAMARQUÊS E INGLÊS Os sistemas de saúde dinamarquês e inglês são do tipo beveridgiano assentes numa forte componente pública e de cobertura universal. São, no entanto, modelos extremamente descentralizados promovendo a participação das comunidades locais na definição e execução de políticas de saúde e a separação efetiva das funções de gestão do sistema, da atividade de prestação de cuidados. O modelo inglês é já um sistema completamente autonomizado por uma forte descentralização de competências do governo central na área da saúde. Neste modelo optou-se por uma participação formal de agentes locais na definição e execução da política de saúde – os designados Clinical Commissioning Groups – responsáveis por assegurar a contratualização de prestação de cuidados, o que configura um modelo de colaboração estável entre as entidades para o planeamento e avaliação de serviços, a identificação das prioridades de atuação e alocação de recursos, desenvolvimento de estratégias de coordenação e defesa dos interesses dos cidadãos13,14.

Na Dinamarca cada uma das cinco regiões assume um papel muito relevante na área da Saúde, com responsabilidades quer na organização dos cuidados de saúde primários, quer nos cuidados hospitalares, tendo a responsabilidade de negociar com o Estado o financiamento anual que suporta a contratualização que promovem no domínio dos cuidados de saúde. Também os municípios assumem responsabilidades de gestão do sistema, participando inclusive nas negociações de contratualização com os profissionais de saúde e assumindo responsabilidades em providenciar determinados serviços de saúde, nomeadamente ao nível da saúde pública15. Nestes sistemas de saúde, marcados por um fortíssimo financiamento público, aliado a um considerável grau de liberdade de escolha conferido aos utentes dos serviços de saúde, com diferentes graus de intensidade quanto à titularidade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, há uma organização central do sistema que é independente do poder político do momento na sua ação executiva. Na Dinamarca, a regulação geral, planeamento e supervisão dos serviços de saúde é realizada a nível nacional, através

do ministério da Saúde que delega esses atributos numa unidade com ampla autonomia que se denomina a Danish Health Authority. Por sua vez, a Danish Health Authority aconselha as autoridades regionais que são as promotoras das contratualizações dos serviços de saúde quer com entidades públicas quer com privadas. O financiamento é assegurado a nível nacional, havendo sempre uma percentagem de 8% das receitas do orçamento de Estado afetas à Saúde, mas a decisão na aplicação e supervisão do financiamento é na prática assumido pelas autoridades regionais e municipais. Em Inglaterra, o NHS England é uma entidade autónoma que ocupa o centro da organização e gestão do sistema de saúde. Apesar de integrada no Ministério da Saúde, é completamente independente do ponto de vista operacional, respondendo diretamente perante o Parlamento. A NHS England tem poderes executivos de gestão no sistema de saúde, responsabilidade de controlo e gestão de todo o orçamento da saúde, autorização e supervisão das Clinical Commissioning Groups e de promoção da sua autonomia articulando com o NHS Improvement a definição de critérios de classificação

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das entidades que prestam serviços de saúde. O governo não tem qualquer interferência no processo de seleção dos administradores do NHS England, cujo CEO é recrutado num processo de seleção a nível mundial. Tanto o sistema inglês como o dinamarquês, inseridos no que se conhece como o modelo de Beveridge no financiamento e planeamento das suas políticas públicas de saúde, optaram ao longo do tempo por criarem alterações substanciais das mesmas com uma autonomização progressiva das decisões e prestação de cuidados de saúde.

PROPOSTA DE REFLEXÃO SOBRE O NOSSO SNS A Saúde é o resultado da combinação das características de cada pessoa, do tipo e montante de cuidados de saúde que recebe e do tempo que é usado pela pessoa na “produção” da sua saúde. No setor da saúde há elementos distintivos em comparação com outros setores que influenciam o bem-estar da comunidade: a existência de um forte juízo de valor sobre tudo o que se relaciona com a

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Saúde, a presença dominante da incerteza e a existência de inúmeras externalidades. A atual Lei de Bases da Saúde concentra todos os esforços de oferta de cuidados universais de saúde no SNS, sendo que os setores privado e social deixam de ser complementares para assumirem um papel secundário supletivo, o que pode eventualmente condicionar os cuidados de saúde necessários à comunidade de acordo com o articulado na Constituição Portuguesa. No atual modelo de organização institucional português, o ministro da Saúde é a autoridade máxima do SNS, e sendo o Serviço Nacional de Saúde que contrata a prestação de cuidados de saúde, poderemos inferir que necessariamente é a mesma entidade a definir o que compra e a definir por que preço compra. Se tivermos em linha de conta os outros sistemas de saúde referenciados para efeitos comparativos, verificamos que neles é tónica comum uma separação efetiva entre financiamento e prestação de cuidados e uma independência na regulação do funcionamento do sistema. Atualmente, em Portugal há uma gestão

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protecionista do SNS por parte do ministério da Saúde não parecendo ser essa a ideia original do legislador que preconizou em 1979, com a aprovação da lei n.º 56/79, de 15 de setembro, a criação do Serviço Nacional de Saúde16. A lei definia que, por um lado, competia ao Governo a definição e coordenação global da política de saúde, ao passo que caberia à Administração Central de Saúde dirigir o SNS e superintender na execução das suas atividades. Hoje em dia, é ao ministro da Saúde que incumbe a direção do SNS e, nos termos dos estatutos do SNS, assegurar a tutela e superintendência sobre o Serviço Nacional de Saúde, cabendo à ACSS e às ARS a gestão a nível de recursos financeiros e humanos. Na prática, a última palavra é sempre do ministro da Saúde, que se constitui como parte interessada na gestão do sistema na medida em que tem o poder efetivo da direção do SNS podendo ser, em última análise, responsável pelos resultados da sua gestão. Em Inglaterra, a gestão do SNS é assegurada por um comité que depende do Parlamento e que apenas a este responde,


no quadro de uma gestão profissionalizada e autonomizada de todo o sistema. Na Dinamarca há uma delegação extensa de poderes numa entidade que gere, em conjunto com as cinco regiões e municípios, toda a operacionalidade do sistema de saúde. Estes dois modelos de organização dos respetivos sistemas de saúde vão progressivamente assumindo a separação entre as funções de financiamento e a prestação de cuidados de saúde, o que se traduz nos modelos de contratualização adotados, quer ao nível

Tudo isto provoca condicionalismos fortes na prestação de serviços, como se tornou aparente durante os meses de grave crise pandémica provocada pelo SARS-CoV-2 que obrigou a um relaxamento da autoridade central para que as unidades de saúde hospitalares e de cuidados primários pudessem ter a liberdade de adaptarem os seus serviços aos constrangimentos do momento17. Mesmo no acesso e regulação de prestadores de cuidados de saúde no âmbito da Entidade Reguladora de Saúde, o seu

Em Portugal não há uma separação entre a conduta da política geral de saúde e a condução dos serviços operacionais do SNS que detêm o monopólio da proteção da saúde dos cidadãos. Assim, assiste-se aparentemente a uma fragmentação da regulação das atividades em saúde, assim como a uma crescente diminuição de níveis de independência de atuação e por fim a uma ausência completa da avaliação do desempenho pelo valor acrescido das prestações e ganhos em saúde dos cuidados de saúde primários, quer ao nível dos cuidados hospitalares. Estes modelos de contratualização asseguram o incentivo a modelos de gestão eficientes e que são participados quer por profissionais de saúde como pelos próprios utentes, o que aparenta a possibilidade de melhoria contínua e sustentada das suas políticas. Em Portugal não há uma separação entre a conduta da política geral de saúde e a condução dos serviços operacionais do SNS que detêm o monopólio da proteção da saúde dos cidadãos. Assim, assiste-se aparentemente a uma fragmentação da regulação das atividades em saúde, assim como a uma crescente diminuição de níveis de independência de atuação e por fim a uma ausência completa da avaliação do desempenho pelo valor acrescido das prestações e ganhos em saúde.

grau de independência real é muito inferior aos modelos regulatórios da Inglaterra (NHS Improvement e Care Quality Commission) e da Dinamarca onde essas competências são do domínio das regiões de saúde. Tendo em devida conta as inúmeras variáveis acima mencionadas é de inferir que uma alteração das políticas públicas de saúde privilegiando uma gestão flexível, proativa, profissionalizada e autónoma dos serviços de saúde poderá resultar num funcionamento mais otimizado do sistema de saúde português.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, (1993). Diário da República n.º 12/1993, Série I-A de 1993-01-15, https://data.dre. pt/eli/dec-lei/11/1993/01/15/p/dre/pt/ html. 3. Lei de Bases da Saúde, (2019). Diário da República n.º 169/2019, Série I de 2019-09-04, https://data.dre.pt/eli/ lei/95/2019/09/04/p/dre. 4. Rodrigues M. L. e Silva, P. A., (2012). Políticas públicas em Portugal- e-book, ISBN / 9789722721448, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. 5. Barros P. P. e Gomes J-P., (2002). Os Sistemas Nacionais de Saúde da União Europeia, Principais Modelos de Gestão Hospitalar e Eficiência no Sistema Hospitalar Português, GANEC – Gabinete de Análise Económica Faculdade de Economia – Universidade Nova de Lisboa, https://www.researchgate.net/ publication/268426648. 6. Zeynep O. R. et al, (2010). Are Health problems systemic? Politics of access and choice under Beveridge and Bismarck systems. Health Econ Policy Law,2010 jul;5(3):269-93. doi: 10.1017/ S1744133110000034. Epub 2010 May 13. 7. WHO. (2000). The World Health Report. Health Systems: Improving performance. Geneva: World Health Organization. 8. Simões J., Augusto G. F. e Fronteira I., (2018). O Mercado e o Setor Social na Saúde.http://www.ces.pt/ storage/app/uploads/public/5c4/ eec/99c/5c4eec99cd8b2188617159.pdf. 9. Mateus A. et al., (2017). Sector Privado da Saúde em Portugal, Sociedade de consultores Augusto Mateus & Associados, no âmbito do protocolo de colaboração estabelecido com o Millennium BCP, https://fronteirasxxi.pt/wp-content/ uploads/2018/02/Estudo-Sector_Privado_ da_Sa%C3%BAde_em_Portugal. 10. Mendes A e André F., (2017). O Setor da Saúde, Organização, Regulação e Concorrência. CIP Confederação Empresarial de Portugal. Caleidoscópio. 11. Barros P. (2011). Desafio: Melhorar o financiamento e a alocução de recursos no sistema. Lisboa: 2011,82-84. Estudo. 12. Silva M. V. (2012). Políticas públicas de saúde: tendências recentes», Sociologia, Problemas e Práticas, 69: 2012, 121-128. 13. Cylus J. et al., (2015). United Kingdom: Health system review. Health Systems in transition. ISSN 1817-6127. Vol. 17, nº 5. 14. Department of Health, (2013). Guide to the Healthcare System in England: Including the Statement of NHS Accountability. London: Department of Health. 15. Pedersen K.M.L., Christiansen T., Bech M., (2005). The Danish health care system: evolution not revolution in a decentralized system: Health Econ.14: S41-S57. 16. Canotilho J. P. G. e Moreira V., (2014). Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume I – Artigos 1º a 107º. Coimbra: Coimbra Editora. 17. COVID-19: Impacto na atividade e no acesso ao SNS, (2020). Relatório do Tribunal de Contas.

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Catarina Borges

Helena Tavares Enfermeira no HDES; licenciada em Enfermagem; Especialista em Saúde Comunitária; mestre em Ciências de Enfermagem. Nuno Miguel Faria Araújo CESPU-IPSN, Escola Superior de Saúde do Vale do Ave. Sara Amaral Enfermeira no HDES; especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica. Sílvia Carvalho Enfermeira na USISM; pós-graduada em Sexualidade Enfermeira na USISM; licenciada em Enfermagem.

A eHealth e a insularidade Definido pela Organização Mundial da Saúde como a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação no setor da saúde, o conceito de eHealth constitui-se como uma área em expansão, reconhecido pelo seu enorme potencial.

INTRODUÇÃO Residir numa região insular, como os Açores, confere às suas populações um sentido de vivência social distinto daquele de quem reside em grandes centros urbanos. Existem condicionalismos associados à dispersão geográfica e à realidade insular que a população açoriana vivencia. As carências a nível do acesso aos cuidados de saúde e a oferta disponível nas ilhas leva a que muitos açorianos procurem no território continental português – e por vezes no estrangeiro – ajuda para a resolução dos seus problemas de saúde. Os custos diretos e indiretos relacionados com estas deslocações têm um impacto profundo ao nível social e financeiro, quer nas famílias, quer nas instituições governamentais. O isolamento geográfico, o carácter idiossincrático das ilhas e a instabilidade climática condicionam a acessibilidade aos cuidados de saúde. Se associarmos a estes condicionalismos a dificuldade em cativar recursos humanos ligados à área da saúde para ilhas mais pequenas, a dependência externa para cuidados de saúde especializados, a possível rotura de stock de materiais clínicos e a escassez de estruturas de saúde, então a acessibilidade aos cuidados de saúde poderá

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estar ainda mais comprometida. Esta problemática é reconhecida pelo Governo Regional dos Açores de tal forma que é referida no Decreto Legislativo Regional n.º 28/99/A. O contexto pandémico que se vive atualmente veio acelerar a implementação de soluções inovadoras que permitem a continuidade da prestação de cuidados de saúde e que demonstram potencial como adjuvantes da sustentabilidade dos sistemas de saúde. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) incorporadas na prestação de cuidados de saúde já existiam antes da pandemia, porém, esta potenciou não só a sua rápida integração, como a sua expansão para novas áreas como a saúde. Por forma a mitigar os problemas anteriormente descritos e garantir uma cobertura de saúde mais ampla a todas as ilhas do arquipélago, as soluções oferecidas pela eHealth poderão constituir um suporte para a garantia da equidade na acessibilidade aos cuidados de saúde, bem como para a própria sustentabilidade do Sistema Regional de Saúde, minimizando os custos supracitados. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2005), eHealth pode ser definido como a utilização das TIC no setor da

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Saúde. Em 2005, o Observatório Global para a eHealth, fundado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), redefine o conceito como o uso das TIC de forma segura e economicamente viável para apoio na Saúde e em campos relacionados com a mesma. Para Lapão (2018), as ferramentas associadas à eHealth podem ser utilizadas em três campos: no apoio à realização de diagnósticos e tratamentos; na monitorização de biometrias à distância e na teleconsulta, surgindo novos conceitos em saúde como a telemedicina, a teleenfermagem e a telemonitorização. Para Ribeiro (2019), as ferramentas associadas à eHealth potenciam o acesso aos cuidados, permitindo cobrir populações distantes dos grandes centros urbanos, bem como as que habitam em meio rural. Esta premissa poderá ser válida no que concerne ao garante da acessibilidade da população açoriana a serviços de saúde inexistentes na sua ilha de residência e à sustentabilidade do Sistema Regional de Saúde. Neste sentido, o tema deste artigo surgiu pela curiosidade das autoras em entender se a população açoriana estaria recetiva a receber este tipo de cuidados de saúde.


Assim, como ponto de partida para a compreensão desta problemática, elaborou-se a seguinte questão: Qual o conhecimento e a recetividade da população açoriana relativamente à oferta de cuidados de saúde online (eHealth)?

METODOLOGIA Utilizamos uma abordagem quantitativa, com um estudo do tipo descritivo-exploratório. A população-alvo foram os residentes no arquipélago dos Açores. Foi utilizada uma técnica de amostragem

não probabilística por Bola de Neve. Elaborou-se um questionário na plataforma Google Forms, e a sua disseminação foi feita em cadeia, através das redes sociais. A aplicação dos questionários decorreu no período compreendido entre 2 e 17 de fevereiro de 2021, tendo respondido 526 participantes. Foram cumpridos os princípios éticos associados a um desenho de investigação com as características apresentadas. O questionário dividiu-se em dois grupos de questões. O primeiro reporta-se às

características sociodemográficas (idade, sexo, habilitações literárias e área de residência). E o segundo está relacionado com a dimensão do estudo (avaliar o conhecimento e recetividade em relação à oferta de cuidados de saúde online).

RESULTADOS Dos 526 participantes, 75,3% (n=396) são do sexo feminino e 24,7% (n=130) do sexo masculino. Quanto à faixa etária, a predominante é a dos 35-44 anos – 41,3% (n=217). Da amostra, 64,4%

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(n=339) possuem formação ao nível do ensino superior. Quanto ao local de residência, a maior percentagem corresponde à ilha de São Miguel – 97,1% (n=511). Quando questionados relativamente ao seu conhecimento sobre a oferta de consultas online no arquipélago dos Açores, 78% (n=413) dos respondentes referem desconhecer. Dos que conhecem a existência de consultas online, cerca de 51,8% (n=87) não os utilizam por não sentirem necessidade. Relativamente aos respondentes que referem conhecer serviços online na região – 21,5% (n=113), apenas 21,2% (n=24) são utilizadores. Dos que responderam desconhecer – 78% (n=413) –, a recetividade a estes serviços é elevada, com 80,4% (n=332) a afirmarem que os utilizariam se tivessem acesso.

DISCUSSÃO DE DADOS É evidente nesta análise que a população açoriana inquirida segue a tendência atual da integração das novas tecnologias na área da saúde que se vive em todo o mundo. A grande percentagem de respondentes que utilizaria

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Cada vez mais, o foco da saúde consistirá numa visão centrada nas pessoas com o suporte da tecnologia, tendo sempre em conta o balanço entre o contacto presencial e a utilização das ferramentas associadas à eHealth “cuidados de saúde online” caso os houvesse, evidencia a sua elevada recetividade a estes serviços. A dificuldade na acessibilidade aos cuidados de saúde poderá ter condicionado as respostas, na medida em que a população açoriana se depara no seu

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quotidiano com diversos constrangimentos no acesso a cuidados de saúde. O horário de funcionamento dos serviços de saúde públicos, a escassez de recursos humanos na área da saúde nas diferentes ilhas e o não cumprimento dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG), são algumas das condicionantes ao acesso dos açorianos à saúde. A pandemia veio agravar as fragilidades sentidas neste setor no arquipélago. As políticas de confinamento, o distanciamento social, o medo, as restrições na deslocação presencial às instituições de saúde e o reagendamento de várias consultas e atividades assistenciais, reduziram ainda mais o acesso. Foi evidente que uma grande parte do que diz respeito à prevenção e deteção precoce (rastreios) foi relegado para segundo plano devido à reorganização interna de recursos humanos e à alocação de profissionais de saúde para as designadas áreas COVID-19. Consideramos que a eHealth poderá colmatar algumas das lacunas acima descritas, constituindo-se atualmente como uma janela de oportunidade para a reorganização dos serviços e a própria prestação de cuidados. A procura dos


serviços de saúde irá aumentar, sendo necessário desenvolver mais oferta a este nível para que a população açoriana obtenha cuidados de saúde alternativos aos já oferecidos. Como pode ser constatado pela percentagem elevada de respondentes que validaram a sua recetividade a esta tipologia de cuidados de saúde, uma mudança de mentalidade está a acontecer. Como refere Ribeiro (2019), a tecnologia digital tem muitas vezes a capacidade de agir como catalisador de mudança. A facilidade de realização de consultas à distância que as ferramentas associadas à eHealth garantem estão a proporcionar uma inesperada disrupção no modelo tradicional de prestação de cuidados, através da facilidade de acesso a consultas não presenciais. Para o autor seria elementar aproveitar o momento para repensar e recriar o conceito da prestação e gestão de cuidados de saúde. A eHealth pode muito bem ser uma das ferramentas utilizadas no futuro para combater a insularidade e os condicionalismos no acesso aos cuidados de saúde que dela decorrem. A facilidade associada à sua utilização, combinada com o

acesso virtual dos utilizadores, potencia a capacitação do utente para o autocuidado e monitorização contínua em qualquer lugar e hora relativamente à sua condição de saúde. (Ribeiro, 2019). O segundo dado relevante do inquérito é o facto de 78,5% (n=413) dos respondentes desconhecerem serviços de saúde online. Este desconhecimento poderá estar relacionado com a escassez de oferta destes serviços a nível da região, o que contraria a tendência mundial da expansão dos serviços de saúde digitais. Segundo Ribeiro (2019), a telemedicina está em grande expansão em todo o mundo, prevendo-se um aumento significativo da oferta destes serviços. À data averiguou-se qual a oferta existente em termos de cuidados de saúde digitais na região, constatando-se que as empresas privadas apresentavam uma forte componente digital na sua apresentação ao público. No entanto, esta resumia-se apenas a dar a conhecer ao público a sua carteira de serviços, o seu corpo clínico e o agendamento de consultas presenciais. No que diz respeito à disponibilização de serviços online, eram escassos e seletivos na tipologia de cuidados oferecidos. Relativamente às entidades de saúde públicas, existiam intervenções pontuais e não sistematizadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Nunca a tecnologia esteve tão presente no nosso quotidiano como agora. A situação pandémica veio acelerar, impulsionar e fortalecer a implementação do uso da eHealth na prestação de cuidados de saúde, contribuindo a sua utilização, em algumas situações, para garantir a acessibilidade e a continuidade na prestação de cuidados. A pandemia abriu a fronteira da saúde digital tanto para profissionais como para utentes, generalizando a utilização das ferramentas associadas à eHealth e a sua aceitação por todos os intervenientes. A utilização da eHealth pode traduzir-se numa janela de oportunidade para todos. Para Ribeiro (2019), o tema da sustentabilidade dos serviços de saúde deverá ser repensado, uma vez que as capacidades digitais permitem não só monitorizar o desempenho das unidades,

como rentabilizar os recursos existentes. A eHealth permitirá personalizar os cuidados, melhorar os resultados e diminuir custos, bem como fomentar alterações nos modelos de gestão no sistema e serviços de saúde. As novas tecnologias associadas à saúde estão a avançar muito rapidamente. Atualmente, os smartphones já são considerados como uma ferramenta fundamental na vigilância da saúde e monitorização das doenças crónicas, nomeadamente através de Apps. É fulcral que nos adaptemos a esta evolução para tentar chegar a populações que, devido à sua condição insular, nem sempre têm as mesmas oportunidades e acesso aos cuidados de saúde que almejam. Após a nossa análise, considera-se fundamental perceber qual o impacto futuro e expectável nos resultados e ganhos em saúde na população com a utilização das ferramentas associadas à eHealth, assim como o impacto financeiro da sua implementação. No nosso entender, o conceito de eHealth em contexto arquipelágico é fulcral para melhorar a acessibilidade de cuidados de saúde às populações residentes em ilhas. Cada vez mais, o foco da saúde consistirá numa visão centrada nas pessoas com o suporte da tecnologia, tendo sempre em conta o balanço entre o contacto presencial e a utilização das ferramentas associadas à eHealth. Atingir o equilíbrio entre o digital e o presencial é primordial neste processo, podendo-se transformar numa mais-valia para toda a população que sofre de condicionalismos no acesso aos cuidados de saúde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• Lapão L. (2018). Digitalization of Healthcare: Where Is the Evidence of the Impact on Healthcare Workforce’ Performance. 2018. Disponível em: 10.3233/978-1-61499-852-5-646. • OMS. (2005) Global Observatory for eHealth. Url: http://www.who.int/goe/en/. • Região Autónoma dos Açores. Decreto Legislativo Regional n.º 28/99/A. Diário da República, n.º 177/1999, I Série A. Disponível em: https://dre.pt/application/ conteudo/346705. • Ribeiro, José Mendes (2019). Saúde digital: um sistema de saúde para o século XXI. Ensaios Fundação Francisco Manuel dos Santos. Edição eBook.

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João Ricardo Miranda da Cruz Doutor em Ciências da Saúde; professor assistente convidado na Escola Superior de Saúde de Bragança – Instituto Politécnico de Bragança. Maria Helena Pimentel Professora coordenadora, Instituto Politécnico de Bragança; Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Saúde de Bragança. Susana Rodríguez Escanciano Professora catedrática de Direito do Trabalho e da Segurança Social, Universidade de León, Faculdade de Direito, Campus de Vergazana, Espanha. Ana Belén Casares Marcos Professora titular de Direito Administrativo, Universidade de León, Faculdade de Direito, Campus de Vergazana, Espanha

UNIDADES LOCAIS DE SAÚDE

A perceção e a realidade de um modelo organizacional A integração de cuidados de saúde reside essencialmente no pressuposto de que uma prestação com melhores níveis de integração de cuidados permitirá alcançar melhores níveis de desempenho por parte das organizações e sistemas de saúde. Neste artigo, através da realização de entrevistas estruturadas aos elementos que constituem os conselhos de administração das unidades locais de saúde (ULS) em estudo, pretendeu-se analisar o modelo organizacional das ULS relativamente a oito dimensões: modelo organizacional das ULS e impactos da sua dinâmica de gestão; modelo de financiamento; sistemas de informação; gestão dos recursos humanos e materiais; dinâmica gestão/ integração/interligação aos vários níveis de prestadores de cuidados; integração dos intervenientes locais (municípios e redes sociais); criação/transferência de conhecimentos; as ULS constituem um modelo de futuro. INTRODUÇÃO Dada a atual pressão sobre os custos dos sistemas de saúde, a articulação entre as diferentes organizações prestadoras de cuidados de saúde ganha importância e para conseguir dar respostas adequadas aos novos padrões de procura exige-se aos sistemas de saúde atuais uma maior descentralização, partilha de responsabilidades e uma melhoria nos níveis de serviço, o que nos remete para a discussão

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em torno da integração de cuidados de saúde. A mudança de uma atuação centrada no tratamento da doença para um novo paradigma focado no bem-estar geral do utente é urgente e a oferta de cuidados de saúde centrada na figura do hospital deverá dar lugar a políticas de saúde mais focadas na promoção da saúde e prevenção da doença, o que obrigará necessariamente a mais e melhor coordenação entre os vários níveis de cuidados

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de saúde (Santana & Costa, 2008). A integração de cuidados de saúde visa alcançar maior acesso aos serviços de saúde, elevar os padrões de qualidade na prestação de cuidados, utilizar melhor a capacidade instalada, aumentar a satisfação dos utentes e obter ganhos em saúde e em eficiência. As experiências de integração de cuidados de saúde, particularmente de cuidados de saúde primários (CSP) e hospitalares, começaram


a surgir em Portugal em 1999 com a criação da primeira unidade local de saúde (ULS) em Matosinhos, Porto, e gradualmente mais ULS foram criadas, perfazendo hoje um total de oito unidades locais de saúde dispersas pelo país. Contudo, pouco se conhece acerca desses modelos. Exige-se, por isso, um conhecimento mais profundo destes modelos de gestão dos cuidados de saúde, determinante para a sua avaliação e possível expansão. Em Portugal, no decorrer do tempo, outros modelos foram adotados e dos quais se abdicou, em muitos casos sem avaliação para um diagnóstico adequado dos seus contributos e limitações (Lopes et al., 2014). Kodner & Kyriacou (2000) definem a integração de cuidados como um

conjunto de técnicas e modelos organizacionais desenhados para criar colaboração, coordenação e cooperação dentro e entre os prestadores, em termos curativos e de cuidados, tanto na área financeira como administrativa. Deste modo, a integração entre cuidados de saúde primários e cuidados de saúde hospitalares é considerada como a estratégia para melhorar o acesso, a adequação, a qualidade técnica, a continuidade e a efetividade dos cuidados de saúde prestados à população (Nunes et al., 2012). O conjunto de fenómenos sociodemográficos e científicos (alterações como o envelhecimento da população, a mudança epidemiológica, a evolução do perfil dos consumidores, os avanços científicos no tratamento da doença, o nível da rapidez

na disponibilização de informação e na partilha de conhecimento, a exigência do nível de qualidade assistencial), que exige uma adaptação da resposta fornecida pelas organizações de Saúde tem sido o principal influenciador da Integração Vertical (Lopes et al., 2014). As ULS constituem, assim, a integração de cuidados de natureza vertical numa única entidade e sob a alçada de uma mesma gestão diferentes níveis de cuidados com vista a aumentar o acesso aos serviços de saúde, sobretudo os de proximidade, melhorar os padrões de qualidade, otimizar a capacidade instalada, promover a satisfação dos utentes e almejar ganhos económicos e em saúde. Neste artigo procura-se analisar o modelo organizacional das ULS e os ganhos

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em saúde decorrentes da integração dos diferentes níveis de cuidados, compreender os processos de integração de cuidados de saúde e fatores envolvidos e analisar a integração de cuidados de saúde em Portugal, de acordo com a opinião dos entrevistados.

MÉTODO As ULS que integram o estudo são cinco das oito ao nível do território Português (ULS Alto Minho, ULS Matosinhos, ULS Guarda, ULS Castelo Branco e ULS Nordeste) de matrizes distintas tanto sociodemográficas como geográficas. Amostras muito específicas requerem informantes com caraterísticas muito homogéneas, o que pode conduzir a amostras de menor dimensão. Como resultado, essa homogeneidade pode dar acesso a informação interessante de forma concentrada (Rego, Cunha & Meyer, 2018). Procedeu-se por isso à realização de entrevistas estruturadas com informadores privilegiados, entre os elementos que constituem os conselhos de administração das ULS em estudo: presidentes dos conselhos de administração (4), vogal do conselho de administração (1), diretora clínica para a área hospitalar (1), diretora clínica para a área dos cuidados de saúde primários (1) e diretor de enfermagem (1). O guião da entrevista foi estruturado em oito dimensões: dimensão I – modelo organizacional das ULS e impactos da sua dinâmica de gestão; dimensão II – modelo de financiamento; dimensão III – sistemas de informação; dimensão IV – gestão dos recursos humanos e materiais; dimensão V – dinâmica gestão/ integração/interligação aos vários níveis de prestadores de cuidados; dimensão VI – integração dos intervenientes locais (municípios e redes sociais); dimensão VII – criação/transferência de conhecimentos; dimensão VIII – as ULS constituem um modelo de futuro.

RESULTADOS Foram colocadas oito questões aos entrevistados, visando aferir ideias marcantes no domínio da perceção e realidade deste modelo organizacional – ULS. As várias respostas foram analisadas com recurso à análise de conteúdo e agrupadas

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As ULS constituem, assim, a integração de cuidados de natureza vertical numa única entidade e sob a alçada de uma mesma gestão diferentes níveis de cuidados com vista a aumentar o acesso aos serviços de saúde, sobretudo os de proximidade, melhorar os padrões de qualidade, otimizar a capacidade instalada, promover a satisfação dos utentes e almejar ganhos económicos e em saúde de acordo com as dimensões precedentemente estruturados. Em seguida resumem-se os principais resultados que contribuem para dar resposta aos objetivos previamente delineados deste estudo.

DIMENSÃO I: MODELO ORGANIZACIONAL DAS ULS E IMPACTOS DA SUA DINÂMICA DE GESTÃO Todos os entrevistados são unânimes em defender que este modelo organizacional aporta claras vantagens, divergindo apenas na enumeração das mesmas, bem como na sua hierarquização. Duas vantagens destacam-se em relação às demais, primeira: o facto de o órgão de gestão ser único; segunda, e mais focada pelos entrevistados, a integração de cuidados, resultante de uma única estrutura que agrega pelo menos dois níveis de cuidados, os cuidados de saúde primários e os

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hospitalares. Contudo, é de salientar que estas duas vantagens, para todos os entrevistados, a de um órgão de gestão de topo único e a integração e interligação de cuidados são realidades concomitantes, ou seja, uma conduz inevitavelmente à outra. Mas se a integração de cuidados se apresenta como um dos maiores benefícios deste modelo organizativo, um dos entrevistados reforça que almejar este princípio na prática diária é algo mais complexo, difícil de atingir, mas possível. Um outro entrevistado aventa que a integração dos cuidados se produziu, mas as alterações a nível legislativo que eram necessárias, nomeadamente ao nível dos cuidados de saúde primários, não acompanharam este processo, ou seja, os cuidados de saúde primários continuam a deter a mesma filosofia dos cuidados de saúde primários do resto do país.

DIMENSÃO II: MODELO DE FINANCIAMENTO Este modelo de financiamento é referido por 25% dos entrevistados como um modelo de financiamento per capita que integra, além do número de habitantes, variáveis como o status socioeconómico e a escolaridade, em que estas variáveis muito mais altas desvalorizam o valor per capita, no princípio de que as pessoas mais instruídas precisassem menos de cuidados de saúde. Muitas das cinco ULS em estudo, três concretamente, situam-se no interior do país, e tal como referem 60% dos entrevistados, não há critérios de reforço nomeadamente nas despesas de contexto, porque é completamente diferente uma ULS no litoral do país, ou os custos resultantes de se situar no interior, com baixa densidade populacional associada a uma significativa dispersão geográfica. Temos, portanto, para a totalidade dos entrevistados, uma questão clara e inequívoca de subfinanciamento relevante. Salientando os modelos de produção, 50% dos entrevistados chamam a atenção para a ausência de incentivos à produção, ou seja, o modelo mais adequado seria aquele que tivesse uma base per capita e uma componente de produção hospitalar, podendo ter associado como ganho a motivação por parte dos profissionais em cumprir os


objetivos, aliciando-os com incentivos. Mas 25% dos entrevistados defendem que o modelo deveria ser o de criação de valor, o que tem resultados efetivos para as pessoas, monitorizado por indicadores de saúde de morbilidade e de longevidade, diminuindo bastante a mortalidade evitável, antes dos 60 anos, por exemplo. Produzir o que não cria um valor acrescido para a pessoa, nem no presente nem no futuro, é altamente questionável.

DIMENSÃO III: SISTEMAS DE INFORMAÇÃO Os sistemas de informação constituem uma das principais áreas fomentadas pela criação das ULS, uma das chaves deste processo. Esta perceção é unânime. Os sistemas de informação estão a ser amplamente usados no apoio à saúde da população e nas atividades decorrentes do trabalho produzido pelos profissionais, estando intimamente relacionados com a prevenção e promoção de saúde, controlo de doenças, vigilância e monitorização do estado de saúde das populações que se servem. Para 60% dos entrevistados o foco tem de passar indubitavelmente pelo processo clínico eletrónico único. A

criatividade local para explorar ou maximizar as mais-valias deste modelo integrativo pode gerar um benefício macro que vai além da sua ULS per si. Assim o sistema, potencializado pela integração dos vários níveis de cuidados, pode coadjuvar o profissional de saúde para a realização do seu trabalho, com incremento na qualidade dos seus cuidados, por via de uma monitorização e de uma informação mais atualizada dos doentes que estão sob a sua responsabilidade.

DIMENSÃO IV: GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS A totalidade dos entrevistados salientam o enorme desafio que consubstancia a gestão dos recursos humanos numa ULS, justamente pelo repto de interligar profissionais dos vários níveis de cuidados na prossecução de um objetivo, de uma meta comum, pois há sempre – por vezes latente, em outros momentos mais premente – o sentimento nos profissionais de não se sentirem totalmente imbuídos de uma unidade de saúde com um modelo de integração vertical dos cuidados, com uma matriz organizativa de interligação. 60% dos

entrevistados focam também o pendor na questão da autonomia financeira, mais concretamente na possibilidade de recrutar profissionais de saúde. Portanto, sem autonomia é muito difícil gerir recursos humanos e sem capacidade financeira para os poder recrutar também é complicado. Sem autonomia para uma política de incentivos torna-se também difícil abordar com mais proficiência a gestão de recursos humanos.

DIMENSÃO V: DINÂMICA GESTÃO/ INTEGRAÇÃO/INTERLIGAÇÃO AOS VÁRIOS NÍVEIS DE PRESTADORES DE CUIDADOS Relativamente à dimensão de integração e interligação dos vários níveis de prestadores de cuidados, 72% dos entrevistados definem objetivamente a existência de uma barreira invisível entre os diferentes níveis de cuidados, pese embora tenha de ser lentamente destruída. Objetivam os mesmos entrevistados que essas barreiras residem essencialmente nos próprios profissionais. É necessária uma cultura de sistema em que toda a gente diga a mesma coisa. Esta interação ainda não existe e é evidente na

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perceção manifestada pelos oito entrevistados, sendo necessário cultivá-la. As políticas do conselho de administração têm de ser integradoras, pretendendo-se que sejam extensíveis a todas as unidades fomentando a coesão e a unidade.

DIMENSÃO VI: INTEGRAÇÃO DOS INTERVENIENTES LOCAIS (MUNICÍPIOS E REDES SOCIAIS) 72% dos inquiridos expõem certezas acerca das mais-valias geradas pela presença de um vogal no conselho de administração nomeado pelas comunidades intermunicipais (CIM) e que é o elo de articulação funcional. Contudo, 37% dos entrevistados salientam que não excluem a comunicação estreita e permanente entre o presidente do conselho de administração (CA) e os vários presidentes de câmara do distrito a que pertence a ULS. Um entrevistado não responde com convicção plena face à mais-valia da integração de um vogal designado pelas áreas metropolitanas pelo conjunto de municípios. Suporta esta afirmação em vários domínios, desde o currículo às características pessoais, que são determinantes para poder aportar know-how e benefícios, independentemente da questão da sua nomeação pela CIM e efetiva representação da mesma no CA.

DIMENSÃO VIII: AS ULS CONSTITUEM UM MODELO DE FUTURO

A integração de cuidados de saúde visa alcançar maior acesso aos serviços de saúde, elevar os padrões de qualidade na prestação de cuidados, utilizar melhor a capacidade instalada, aumentar a satisfação dos utentes e obter ganhos em saúde e em eficiência

DIMENSÃO VII: CRIAÇÃO/ TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTOS O modelo de ULS é facilitador, mas não determinante, é a opinião transversal aos oito entrevistados em relação ao potencial de criação de conhecimento neste modelo de integração vertical de cuidados que concretizam as ULS. Um dos entrevistados deixou patente que quando a ULS estiver a funcionar com outro nível de performance esta será uma área muito beneficiada, ou seja ainda há um enorme potencial no domínio da produção do conhecimento e da investigação no que diz respeito às ULS, primeiro endogenamente, por meio da consolidação do seu modelo organizativo, e posteriormente o melhorar e desenvolver a articulação com os centros de investigação, mais propriamente o ensino superior e as empresas.

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100% dos entrevistados são concomitantes nas suas observações e respostas face à questão se as ULS se revestem como um modelo que perspetiva o futuro. Afirmam que são um modelo de futuro para algumas áreas, embora não sejam aplicáveis a todo o país por vários motivos. Aduzem que são necessárias outras estratégias e políticas para desenvolver e tornar as ULS num modelo com capacidade de resistir, renovar-se e vitalizar-se no tempo. Constituem-se como um modelo com mais-valias sem dúvida, mas é crucial maior financiamento e outro modelo de cálculo desse mesmo financiamento, maior autonomia e legislação própria enquadrada com este modelo organizativo.

CONCLUSÃO Surgem como vantagens óbvias deste modelo de integração a unificação dos órgãos de gestão dos vários níveis de cuidados e a integração vertical desses mesmos níveis, revertendo essa mais-valia


a nível funcional direto e de estrutura. Aporta de imediato vantagens no domínio económico, mas também um conhecimento que se pode denominar por eclético, um conhecimento global de toda a população do distrito que serve. Contudo, salienta-se que não são só vantagens, e deve destacar-se o problema que se prende com a articulação funcional, apontado por todos os entrevistados. Conclui-se também que a economia de escala se constitui como o maior ganho na integração vertical de cuidados. No que concerne ao modelo de financiamento conclui-se, indubitavelmente, que está longe de ser o adequado, por manifesto subfinanciamento, em que nalgumas ULS é ainda exacerbado pelas variáveis de contexto, como a dispersão geográfica, por exemplo. Pode também concluir-se que os sistemas de informação numa perspetiva de partilha pelos vários níveis de integração da prestação de cuidados foi a área em que mais se desenvolveu, embora não tão desejável como o expetável. Outra conclusão que se deduz é a mais-valia evidente que a integração dos intervenientes locais

Surgem como vantagens óbvias deste modelo de integração a unificação dos órgãos de gestão dos vários níveis de cuidados e a integração vertical desses mesmos níveis, revertendo essa mais-valia a nível funcional direto e de estrutura

(municípios e redes sociais do concelho), constitui significativa importância através da inclusão de um vogal que representa os municípios no CA. Visando dar maior empoderamento ao utente/doente no que respeita à gestão da sua saúde/ doença, conclui-se que este é o modelo que serve de base para incrementar esse propósito porque este modelo é aquele que permite, sem ínfima dúvida, ter o doente no centro do sistema. Em relação à dinâmica gestão/integração/interligação dos vários níveis de prestadores de cuidados, apurou-se a dificuldade de operacionalizar essa gestão/ interligação, redundando muitas das dificuldades nos entraves protagonizados pelos próprios profissionais que constituem as ULS, de simples atos administrativos até ao sentimento de pertença apenas à unidade em que trabalha e não um sentimento com uma perspetiva macro, ou seja, sentir-se um profissional que desempenha funções numa entidade que aglutina várias unidades. As ULS constituem-se como um modelo organizativo e administrativo com perspetivas de se consolidarem, embora haja relutância que se ampara no que os vários intervenientes que gizam e determinam o seu futuro – Ministério da Saúde, por exemplo – ambicionem na definição deste modelo de governação em saúde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• Kodner, D., & Kyriacou, C. (2000). Fully integrated care for frail elderly: two American models. International Journal of Integrated Care. Vol. 1, pp. 1-19. • Lopes, H., Carlos, J. S., Rodrigues, M., Mestre, R., Santana, R., Matias, T., & Ribeiro, V. (2014). Relatório do grupo de trabalho criado para a definição de proposta de metodologia de integração dos níveis de cuidados de saúde para Portugal Continental. Lisboa: Ministério da Saúde. • Nunes, C., Correia, C., Ribeiro, C., Santos, C., Marquês, L., Barbosa, M., & Ramos. V. (2012). Interligação e integração entre cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares. Lisboa: Ministério da Saúde. • Rego, A., Cunha, M. P., & Meyer, V. (2018). Quantos participantes são necessários para um estudo qualitativo? Linhas práticas de orientação. RGPLP, vol.17, n.2, pp.43-57. ISSN 1645- 4464. • Santana, R., & Costa, C. (2008). A integração vertical de cuidados de saúde: aspetos conceptuais e organizacionais. Revista Portuguesa de Saúde Pública. Volume temático: 7, 29-56.

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Carla Marina Tavares Fernandes Enfermeira no Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga

Equidade em Saúde O sistema de saúde de um país, a sua organização, a inovação e a sustentabilidade são determinantes no estado de saúde da sua população.

O setor da saúde está em constante mudança, pois fatores como as alterações demográficas, sociais e políticas, os constrangimentos económicos, a exigência de uma maior eficiência e o desenvolvimento tecnológico, determinam que este seja alvo de novos desafios que implicam mudanças no seu desenvolvimento, com impacto na cobertura, universalidade e sustentabilidade económica e financeira (OPSS, 2009). Os modelos de financiamento em saúde têm sido objeto de análise por parte das organizações internacionais, as quais têm manifestado preocupação com o aumento da despesa em saúde, tentando identificar possíveis causas (Campos e Simões, 2011, citado por Diniz, 2013), uma vez que nos últimos anos se constata que o financiamento da saúde constitui um dos principais desafios que se colocam aos países ocidentais, seja qual for o seu modelo de sistema de saúde. Os sistemas de saúde são de uma grande complexidade, pois envolvem vários fatores. O grande desenvolvimento tecnológico, científico, económico e social verificado nas últimas décadas permitiu dar resposta a vários problemas do passado (Sousa, 2009), como a mortalidade infantil, a esperança média de vida, a cobertura, a eficiência e a qualidade dos cuidados de saúde. Esta evolução contribuiu para que no

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presente sejamos confrontados com novos problemas, tais como as alterações nas necessidades de cuidados de saúde motivadas pelo aumento da esperança de vida e pelo envelhecimento da população e a maior incidência e prevalência de doenças crónicas (Sousa, 2009). Este contexto, gera novos desafios para a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Face a tal realidade, conhecer a evolução dos sistemas de saúde é uma prioridade, pois só assim poderemos compreender melhor os fatores que influenciam esta configuração e tendência. Portugal segue o modelo de Beveridge que (...) apresenta quatro princípios básicos: o acesso universal, a inclusão de todos os tratamentos, a gratuitidade e o financiamento pelo orçamento geral do Estado. Além disso, assenta num sistema público, financiado pelos impostos e em que o direito à saúde é independente do trabalho e do emprego (...) (Escoval, 2003, citado por Diniz, 2013, p. 7). A evolução do sistema de saúde português foi marcada, nos últimos 30 anos, por um conjunto de fatores que, segundo Sousa (2009), poderão ser analisados em quatro planos distintos: a questão da responsabilidade social e individual no financiamento da saúde; a possibilidade de se evoluir para um Estado Garantia, que para além de regular, possa ser prestador de cuidados; a aposta no cidadão,

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num contexto científico e social e, também, numa mudança de gestão, de acordo com o sistema de saúde em transição. Segundo o mesmo autor, Portugal tem sofrido sucessivas transformações num contexto de rápida transição de paradigma tecnológico e social, nomeadamente na área da saúde, em períodos de tempo particularmente curtos. Apesar das irregularidades, segundo o Relatório Final do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar (...) a empresarialização dos hospitais foi um bom instrumento de melhoria da qualidade da oferta existente, do aumento do acesso e da modernização do parque hospitalar (Garrido, 2012, p. 50). Com base no exposto, pode-se afirmar que, em Portugal nos últimos 30/40 anos, as políticas de saúde evoluíram significativamente: • antes dos anos 1970 (sistema de saúde muito fragmentado); • do início dos anos 1970 a 1985 (estabelecimento e expansão do Serviço Nacional de Saúde); • de 1985 a 1995 (período de expansão do Serviço Nacional de Saúde numa rede mais ampla de prestadores de cuidados do setor social e privado, de regionalização e coordenação do Serviço Nacional de Saúde, de incremento da participação do setor privado, de construção hospitalar e de tentativa


de separação do exercício médico entre setores privado e público); • de 1995 a 2002 (período marcado por uma tentativa de estimular formas diferentes de gestão e organização/ empresarialização pública de instituições de saúde, e pela adoção de uma estratégia de saúde explícita); • de 2002 até ao momento atual (expansão e reorientação das políticas definidas anteriormente, com uma nova filosofia em relação aos papéis dos setores público, privado e social). (Sousa, 2009, p. 886) Pode-se concluir que nestas quatro décadas ocorreram, entre outras mudanças igualmente significativas, a transferência generalizada dos hospitais das Misericórdias para o controlo do Estado, a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a publicação da Lei de Bases da Saúde, a transformação do estatuto jurídico dos hospitais públicos, a construção de novos hospitais no âmbito de parcerias público-privadas (PPP) e a aposta crescente de grandes grupos económicos na área da saúde (Eira, 2010).

Grand (1989), “… um termo… capaz de um número quase infinito de interpretações, que dependem dos valores das pessoas que os utilizam” existindo, contudo, interpretações do termo mais amplamente aceites do que outras, tais como, “igual tratamento para igual necessidade” ou “igualdade de acesso” (Nunes, 2012, p. 42), estando diretamente associado a noções de justiça social e distribuição. Tal vai ao encontro da definição descrita pelos autores Marmot et al. (2008), Marmot (2007) e WHO (2010) de “... equidade em saúde como a ausência de diferenças evitáveis, injustas e passíveis de modificação do estado de saúde de grupos populacionais de contextos sociais, geográficos ou demográficos diversos” (Plano Nacional de Saúde 2012-2016, p. 2). Assim, tal

como refere Whitehead (1990), a equidade concerne, pois, à criação de oportunidades iguais para a saúde e à redução dos diferenciais de saúde para o mínimo possível (pela ação sobre os fatores que se consideram evitáveis e desonestos) (Miguel e Bugalho, 2002, p. 61). Não se pode falar sobre cuidados de saúde sem mencionar a equidade, critério essencial da justiça social. Nenhuma sociedade pode ser indiferente à desigualdade de saúde enquanto for possível agir sobre as causas e efeitos, sociais e individuais(...). Neste sentido, atingir o objetivo da equidade em saúde é um princípio social (Vandenbroucke, 2003, p. 2). Ao longo dos anos, a equidade em saúde tem sido uma preocupação constante. Em 1986 foi tema de debate pela

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EQUIDADE EM SAÚDE O debate sobre o financiamento dos cuidados de saúde focaliza-se em duas importantes questões – a sustentabilidade e a equidade. Contudo, as diferentes opções podem afetar pelo menos uma destas dimensões, uma vez que certas medidas promotoras da sustentabilidade financeira levam a uma maior despesa privada, representando um risco para o objetivo da equidade (Simões et al., 2004). Também Whitehead (1990) refere que apesar de se reconhecerem as vantagens da utilização de medidas de eficiência o seu aumento não conduz, necessariamente, a um aumento da equidade (Miguel e Bugalho, 2002, p. 66). O termo equidade é, nas palavras de Le

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Organização Mundial de Saúde (OMS) na primeira conferência internacional sobre a promoção da saúde, sendo descrita na Carta de Ottawa como um dos oito pré-requisitos para a saúde (OMS, 1986, citado por Albrecht et al., 2017) e atualmente é um dos principais objetivos dos sistemas de saúde, uma vez que a OMS defende que todo o indivíduo deve ter a possibilidade de atingir o seu potencial máximo de saúde sem que os determinantes económicos e sociais de cada um influenciem, de forma decisiva, a consecução desse objetivo (Furtado e Pereira, 2010). Contudo, existem desigualdades em saúde evitáveis que se caracterizam pelas diferenças no estado de saúde e nos respetivos determinantes entre os diferentes grupos da população (Plano Nacional de Saúde 2012-2016). No que diz respeito ao termo desigualdade em saúde, denominada, igualmente, iniquidade em saúde (...) entende-se um tipo particular de diferença na saúde que pode ser potencialmente moldado/mitigado por políticas de saúde (Braveman, 2006). Whitehead (1992), por sua vez, define desigualdades em saúde como diferenças em saúde que, não só são desnecessárias e evitáveis, como são também desleais e injustas (Nunes, 2012, p.43). As iniquidades têm origem não só nos determinantes sociais da saúde (trabalho, educação, estrutura familiar), influenciados pelas políticas públicas, sociais e macroeconómicas, como também nos estilos de vida e, determinantemente, no acesso aos cuidados de saúde (Furtado e Pereira, 2010). Segundo Miguel e Bugalho (2002), as iniquidades em saúde podem ser moldadas mediante a implementação de políticas externas e internas ao setor da saúde que promovam a equidade global e a equidade no acesso, na qualidade e na utilização dos cuidados de saúde. A redução das iniquidades em saúde obtém-se agindo nos fatores determinantes, entre os quais no acesso aos cuidados de saúde (Furtado e Pereira, 2010).

como um pilar fundamental nos sistemas de saúde (Baleizão, 2010). Segundo o Ministerio de Sanidad y Política Social (2010) considera-se como “(...) uma dimensão da equidade e define-se como a obtenção de cuidados de qualidade necessários e oportunos, no local apropriado e no momento adequado” (Plano Nacional de Saúde 2012-2016, p.2). Nesse sentido, no que concerne ao acesso aos cuidados de saúde, importa considerar os dois conceitos de equidade existentes, a equidade vertical, que se refere a um tratamento diferente, mas apropriado, aos indivíduos em situações de saúde divergentes e a equidade horizontal que diz respeito a um idêntico tratamento perante as mesmas necessidades (Wagstaff e van Doorslaer, 2000, citado por Nunes, 2012). Assim, para um determinado nível de necessidade espera-se que a oportunidade de ter acesso a cuidados de saúde seja a mesma para todos os cidadãos, independentemente

EQUIDADE DE ACESSO AOS CUIDADOS DE SAÚDE A equidade no acesso aos cuidados de saúde é uniformemente considerada

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do seu estatuto, rendimento, género, educação, etc. (Wagstaff e Van Doorslaer, 2000, citado por Nunes, 2012). As características da população em conjunto com as do sistema de prestação de cuidados vão influenciar a utilização e o acesso aos cuidados de saúde (Furtado e Pereira, 2010). Nesse sentido, é de extrema importância que as estratégias ou políticas destinadas a promover o acesso aos cuidados de saúde sejam avaliadas não só pelos serviços disponíveis, mas também pela capacidade dos indivíduos utilizarem e beneficiarem dos mesmos (Furtado e Pereira, 2010). Pois, os cuidados de saúde devem estar disponíveis de forma idêntica e deve haver uma oportunidade igual para usar os serviços por parte daqueles que têm uma necessidade idêntica (Miguel e Bugalho, 2002, p. 63). Ao considerarmos a equidade no acesso a cuidados de saúde como um dos fatores determinantes para a eliminação


das iniquidades no estado de saúde, torna-se evidente que os comportamentos que promovam a seleção de doentes (Nunes, 2012), as limitações financeiras dos indivíduos e a desigual distribuição de serviços de saúde nos países (Miguel e Bugalho, 2002) são incompatíveis com os objetivos de equidade de acesso estabelecidos pelos sistemas de saúde. Assim sendo, para que o princípio da equidade seja respeitado, não devem existir incentivos à seleção de clientes associados a menores custos e a uma maior rentabilidade e os modelos de financiamento utilizados devem garantir uma distribuição equitativa de recursos, não beneficiando nem penalizando prestadores nem consumidores (Nunes, 2012). Os sistemas de saúde têm de ser acessíveis. Este é um dos princípios enunciados na Carta Social Europeia, que salienta a importância de critérios transparentes para o acesso ao tratamento médico e a obrigação dos Estados-Membros de disporem de um sistema de saúde que não exclua partes da população de receber serviços de cuidados de saúde (Comissão Europeia, 2014, p.8).

CONCLUSÃO Nestes últimos anos, face às alterações da estrutura demográfica, dos padrões epidemiológicos de várias doenças, à evolução tecnológica e à dinâmica financeira e económica de um mercado global, tem-se verificado um ritmo de crescimento dos gastos em saúde superior ao do crescimento económico, onde a sustentabilidade dos sistemas de saúde é posta em causa. Tal facto impõe desafios ao próprio financiamento do sistema, o que motivou o aprofundamento de conhecimentos no âmbito desta temática. Ao longo dos capítulos desenvolveram-se os aspetos históricos e conceptuais dos sistemas de saúde e dos modelos de financiamento de cada país e as suas implicações na saúde e na equidade de acesso aos cuidados. As pesquisas realizadas evidenciam claramente que os modelos de financiamento têm um impacto direto na equidade de acesso e na eficiência hospitalar. Nesse sentido, verificou-se que foram

Nestes últimos anos, face às alterações da estrutura demográfica, dos padrões epidemiológicos de várias doenças, à evolução tecnológica e à dinâmica financeira e económica de um mercado global, tem-se verificado um ritmo de crescimento dos gastos em saúde superior ao do crescimento económico, onde a sustentabilidade dos sistemas de saúde é posta em causa. Tal facto impõe desafios ao próprio financiamento do sistema, o que motivou o aprofundamento de conhecimentos no âmbito desta temática

várias as reformas implementadas, com o intuito de controlar os gastos e aumentar a eficiência, destacando-se a responsabilização da gestão e a empresarialização dos hospitais.

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João Alexandre Reis

Enfermeiro especialista no CHVNG/E EPE; mestre e pós-graduado em Gestão e Administração de

Serviços de Saúde

Desafios na gestão e liderança em organizações de Saúde A saúde é um bem fundamental e o seu acesso equitativo um direito universal de todos os cidadãos. Sistemas de saúde “saudáveis” caracterizam-se habitualmente por um equilíbrio entre a capacidade de produzirem cuidados de forma equilibrada e o seu real consumo, pelo que a sustentabilidade deverá traduzir-se pelo grau de ajustamento entre as características e as necessidades de uma população e os recursos de saúde por “ela” produzidos. A dinâmica de um Sistema de Saúde é

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complexa. Deverá ser, tal como ilustrado na figura 1, baseada na interação e no equilíbrio dos diferentes agentes intervenientes: liderança e governação; recursos humanos e materiais, conhecimento; financiamento; fornecedores; informação; infraestruturas disponibilização dos serviços, população; princípios e valores e naturalmente objetivos e resultados. Os serviços de saúde, cada vez mais complexos, tendem a evoluir no sentido de se adaptarem às mudanças

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sociais, demográficas e epidemiológicas. Leone (2011, p. 16) define as organizações de saúde (OS) como “estruturas dinâmicas, vivas, complexas que convivem com a incerteza, contradição e o conflito constante”. A gestão das OS é, assim, um desafio, não só devido à complexidade, diferenciação e especificidade do setor, mas também, à “teia” de intervenientes, lógicas de mercado, modelos de governação e mudanças sociais constantes. A sustentabilidade e a eficiência são a chave e, portanto, uma temática constantemente em voga em particular em países como Portugal cujo sistema de saúde enfrenta dificuldades económicas, financeiras e organizacionais crónicas. Destacam-se, entre outros, alguns desafios na gestão de OS: escassez de recursos humanos diferenciados, a imprevisibilidade da procura, o crescimento das despesas (em particular devido ao envelhecimento da população) e respetiva pressão para reduzir custos, as alterações climáticas e os desastres naturais, a iliteracia social em saúde, as doenças emergentes, as iniquidades de acesso, a transformação digital, o aumento progressivo da exigência por parte dos governos, prestadores de serviços de saúde e utentes, e as novas formas de financiamento.


Figura 1: Dinâmica do sistema de saúde

Contexto

Liderança e governação

SISTEMA DE SAÚDE

Recursos Humanos /materiais

Disponibilização do serviço

Resultados: Acesso; Qualidade

Objetivos População

Fonte: Adaptado de Roncarolo et al. (2017)

Princípios e valores

Sendo o eficiente desempenho da gestão das OS diretamente influenciado por fatores que se constituem como desafios e em alguns casos até mesmo obstáculos, torna-se fundamental adequar os modelos de gestão económica e laboral no sentido de fornecer cuidados de alta qualidade que sejam seguros, eficazes, eficientes, acessíveis, equitativos e centrados no utente. O sucesso de uma boa gestão do sistema de saúde tem um impacto extremamente importante na economia de um país, em particular, ao nível do crescimento do produto interno bruto e do desenvolvimento social. Este artigo tem como objetivo identificar e refletir sobre alguns desafios à gestão e liderança das OS a que os gestores, líderes políticos e cidadãos deverão dar respostas. Estas devem garantir por um lado a disponibilidade do serviço e por outro a racionalidade e sustentabilidade do “sistema”. A imprevisibilidade e a complexidade dos sistemas de saúde estão fortemente presentes nas organizações de saúde,

na medida em que estas não conseguem padronizar as suas ações, prever a real procura dos serviços de saúde nem sistematizar a sua produção. A dificuldade de prever serviços desta natureza traduz-se na incógnita da produção de recursos

correspondentes e por conseguinte, quando produzidos por defeito ou de forma inadequada podem originar constrangimentos e gargalos. A facilidade de acesso a uma grande quantidade de informação em saúde disponível, muitas

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A dinâmica de um Sistema de Saúde é complexa. Deverá ser, tal como ilustrado na figura (em cima), baseada na interação e no equilíbrio dos diferentes agentes intervenientes: liderança e governação; recursos humanos e materiais, conhecimento; financiamento; fornecedores; informação; infraestruturas disponibilização dos serviços, população; princípios e valores e naturalmente objetivos e resultados REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 30

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vezes pouco clara e incorreta, associada à incerteza provocada pelo desequilíbrio de conhecimento entre utente e profissional de saúde e ainda a iliteracia em saúde, resulta numa procura dos cuidados de saúde ora em excesso ora em defeito por parte das populações, contribuindo uma vez mais para a imprevisibilidade na produção a montante. Os efeitos demográficos, como a migração e o envelhecimento são também desafio para as OS, uma vez que estes aspetos causam pressão na procura por

setor e respostas informais. A iniquidade de acesso aos cuidados de saúde, traduzida pelas desigualdades e dificuldades sentidas pelos utentes, são outro desafio importante que se coloca à gestão das OS. A título de exemplo, em 2021 cerca de novecentos mil portugueses não tinham médico de família atribuído. A abrangência dos cuidados é outra preocupação. A Medicina Dentária, a Psiquiatria, a reabilitação, os cuidados continuados ou paliativos são áreas cuja existência ou acesso em tempo útil ca-

e, por conseguinte, mais caros. A “alteração contínua das necessidades da população exige flexibilidade do sistema de forma a garantir respostas adequadas”. No âmbito desta mudança, a inovação tecnológica tem um importante papel e requer a adaptação de infraestruturas, instrumentos e métodos de trabalho. A “isto” acresce o subfinanciamento crónico dos serviços de saúde que, associado à falta de autonomia financeira e à tendência para cortes austeros, conduzem à insustentabilidade financeira das orga-

serviços de saúde. As necessidades de saúde estão em constante mudança, o que conduz à alteração das expectativas que os utentes passam a querer ver satisfeitas e, por conseguinte, à alteração das suas exigências. Em particular os efeitos do envelhecimento (que consome mais recursos) obriga à implementação de respostas (e mudanças) alterando o paradigma de “curativo” para “preventivo” e o foco no envelhecimento ativo e saudável, apostando fortemente nos cuidados de saúde primários, terceiro

recem de um investimento sério sob o risco de os utentes sem capacidade económica não conseguirem aceder a este tipo de serviços. O financiamento tem um lugar de destaque nos desafios colocados à gestão das OS, visto que, tal como referido, verifica-se atualmente um aumento dos custos e despesas de saúde provocado pelo aumento da esperança média de vida, pela disponibilização de equipamentos e recursos cada vez mais tecnológicos, pela oferta de tratamentos mais inovadores

nizações. É sabido que a redução “cega” dos custos em saúde no seio de uma organização é um forte impulsionador de obstáculos a uma gestão eficaz. A literatura refere ainda um conjunto de desafios que se relacionam com a liderança e a governação, elementos integrantes da dinâmica do sistema de saúde (figura 1). O desconhecimento das características das OS por parte de gestores e administradores, a falta de motivação, a ausência de supervisão, o planeamento e os recursos inadequados são, de acordo

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A gestão das organizações de saúde é um desafio, não só devido à complexidade, diferenciação e especificidade do setor, mas também à “teia” de intervenientes, lógicas de mercado, modelos de governação e mudanças sociais constantes. A sustentabilidade e a eficiência são a chave e, portanto, uma temática constantemente em voga em particular em países como Portugal cujo sistema de saúde enfrenta dificuldades económicas, financeiras e organizacionais crónicas com Tabrizi et al. (2017), barreiras aos sistemas de saúde. Mateus (2015, p. 18) considera, ainda, como desafios na gestão das OS a “diversidade de atores organizacionais especializados e diferenciados” e a “gestão de interesses dos grupos dominantes” frequentemente desalinhados com as necessidades e interesses das administrações. O empenho organizacional obriga a que se adotem posições de liderança flexíveis, adaptadas à realidade e contextos que tenham em conta a melhor gestão de recursos, em especial os humanos para salvaguardar o bem-estar organizacional. Os recursos humanos são o ativo mais importante das organizações e em particular nas OS devido ao elevado nível de especificidade e de conhecimentos técnicos destes profissionais. Estes, em especial pela sua especificidade, constituem desafios na gestão das OS, de entre os quais é possível salientar: vínculos de trabalho tendencionalmente mais precários; salários inadequados às funções e responsabilidade; congelamento de progressões nas carreiras, elevados níveis de absentismo, turnover e burnout, corporativismo e suporte sindical que impedem frequentemente mudanças e ajustes organizacionais de grupos profissionais como médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica… ainda a indisponibilidade imediata de “mão-de-obra especializada”,

por exemplo, para colmatar necessidades temporárias ou sazonais. Estes e outros desafios obrigam a modelos de gestão e liderança focados nos colaboradores, em particular na satisfação das suas necessidades laborais e familiares que garantam o maior empenho organizacional e o alinhamento destes com a missão e os valores das organizações. A segurança do paciente, a qualidade dos cuidados prestados e a redução dos erros médicos dependem não só dos profissionais de saúde e das suas competências técnicas, mas também da forma como as decisões em saúde são tomadas. Deste modo, os conceitos de gestão empresarial, liderança e melhoria contínua devem estar presentes na administração das OS. Publicações recentes identificam frequentemente o conceito Lean Healthcare ou seja, a adoção de boas-práticas de gestão e de organização que visam a diminuição dos desperdícios e a sustentabilidade, contribuindo para a motivação dos profissionais de saúde, para a melhoria da qualidade dos serviços prestados e para o sucesso das OS. Hoje, os gestores das OS devem ser capazes de fazer a transição entre as práticas culturais existentes e os novos paradigmas socioecónomicos, adaptando assim a gestão e a prestação dos cuidados de saúde às necessidades da população e às limitações económicas.

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Eurico Castro Alves Presidente da Comissão Organizadora da Convenção Nacional da Saúde

CONVENÇÃO NACIONAL DA SAÚDE

Obrigado a todos os portugueses! A Convenção Nacional da Saúde iniciou o caminho do debate em prol do futuro e da sustentabilidade da Saúde em 2018, com a realização da sua primeira iniciativa em Lisboa, nos dias 7 e 8 de junho, partindo de um repto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que pediu um pacto para a saúde no médio e longo prazo. À data, tinha como objetivo criar um debate que gerasse soluções para garantir o acesso de todos os cidadãos às tecnologias de saúde, incluindo as mais inovadoras, e um nível de financiamento do sistema de saúde adequado às necessidades dos portugueses, garantindo simultaneamente a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Identificaram-se os principais problemas do sistema de saúde em Portugal e preparou-se uma estratégia a dez anos sobre a qual os decisores poderiam trabalhar na resolução desses problemas. Nascia assim “Agenda da Saúde para a Década”. Este foi um momento marcante, sem par a nível internacional, que refundou o modo de debater a Saúde. No seio da Convenção Nacional da Saúde consensualizaram-se e aprovaram-se as prioridades que ainda hoje integram a “Agenda da Saúde para a Década”. Estes pontos mantêm-se atuais e apontam caminhos para o futuro sustentável da Saúde em Portugal.

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Hoje, a Convenção Nacional da Saúde congrega 159 entidades do sector público, privado e social, que atuam na área da Saúde em Portugal, entre as quais mais de 70 associações de doentes, e assume uma relevância, porventura nunca projetada, com a indicação, de forma unânime, para receber o Prémio Direitos Humanos 2020 da Assembleia da República, em nome de todos os profissionais de saúde que se têm batido no tratamento e na defesa da vida de todos os cidadãos atingidos pela COVID-19. A cerimónia de entrega da importante

distinção decorreu no passado dia 7 de julho e nela tivemos oportunidade de referir que marcávamos presença de nome de todos os profissionais que contribuem para travar e aplacar os efeitos desta enorme crise de saúde pública. Médicos, farmacêuticos, enfermeiros, psicólogos, médicos dentistas, biólogos, nutricionistas, cientistas e investigadores, administradores hospitalares, assistentes auxiliares, técnicos de diagnóstico, técnicos de terapêutica, assistentes operacionais, forças militares, de segurança e de emergência, bombeiros, técnicos de

A Convenção Nacional da Saúde congrega 159 entidades do sector público, privado e social, que atuam na área da Saúde em Portugal, entre as quais mais de 70 associações de doentes, e assume uma relevância, porventura nunca projetada, com a indicação, de forma unânime, para receber o Prémio Direitos Humanos 2020 da Assembleia da República, em nome de todos os profissionais de saúde que se têm batido no tratamento e na defesa da vida de todos os cidadãos atingidos pela COVID-19

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ação social, e todos os profissionais que têm estado, no último ano e meio, na primeira linha de combate à COVID-19. A sociedade portuguesa reconheceu, desta forma, a Convenção Nacional da Saúde como uma casa-mãe onde se juntam doentes, profissionais, prestadores de saúde e outros agentes, para servir a Saúde de todos os cidadãos em Portugal. O Prémio de Direitos Humanos, para além de prestar gratidão a todos os profissionais de saúde, é também um enorme reconhecimento da capacidade da Convenção Nacional da Saúde, ao longo dos anos, para debater ideias sem nunca perder de vista o consenso e a capacidade de dialogar. Pese embora a juventude do movimento, a verdade é que este já possui um valioso lastro de pensamento e produção na área da Saúde. Após a iniciativa de arranque, já referida no início deste texto, em dezembro de 2018 tivemos oportunidade de apresentar a Agenda da Saúde para a Década ao Presidente da República, aos grupos parlamentares dos partidos políticos com assento na Assembleia da República, à ministra da Saúde e a diversas entidades do universo da Saúde. Este ciclo de audiências desencadeou, em 2019, a realização de um evento decisivo para clarificar o debate nacional em torno do nosso sistema de saúde e que colocou o cidadão no centro da discussão – a conferência "O Sistema de Saúde para o Cidadão", realizada a 23 de março, na Reitoria da Universidade do Porto. Esta foi uma organização da Universidade do Porto em colaboração com a Convenção Nacional da Saúde e com os subscritores dos princípios orientadores para uma Lei de Bases da Saúde, tendo por objetivo comum promover um momento de reflexão sobre a razão de ser do sistema de saúde para os cidadãos. Este foi um

momento de viragem que permitiu contrabalançar o debate gerado em torno da Lei de Bases da Saúde, tendo como grande fim gerar “o consenso indispensável”. Não parámos. Em 2019 avançámos, juntos, para uma nova edição da Convenção Nacional da Saúde, dedicada à construção de “Agenda da Saúde para o Cidadão”. Aderiram à Convenção Nacional mais de 60 associações de doentes que passaram a integrar o Conselho Superior. No dia 18 de junho, em Lisboa, tivemos como grande desígnio debater

temas como a centralidade do cidadão e do doente no sistema de saúde, o estatuto do cuidador informal, a igualdade de acesso a cuidados de saúde, a prevenção, a literacia em saúde, o impacto da doença na economia, entre outros. Elegemos o cidadão e o doente no sistema de saúde como pontos centrais do debate e produzimos, com o vosso contributo ímpar, o precioso documento “A Agenda da Saúde para o Cidadão”, cujos 14 pontos passaram a integrar o documento fundador “Agenda da Saúde para

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a Década”. Esta atualização do nosso documento fundador foi apresentada junto dos presidentes dos grupos parlamentares dos partidos políticos com assento na Assembleia da República, bem como ao Presidente da Assembleia da República. Nesse ano, em vésperas de eleições legislativas, demos um novo contributo para que a Saúde pudesse ganhar a relevância merecida, voltando ao debate para fazer a defesa da urgência do investimento em Saúde. Para isso, reunimo-nos, uma vez mais, com a sociedade civil, com a academia. A 12 de novembro, a Convenção Nacional da Saúde e a Universidade NOVA de Lisboa organizam a conferência “Saúde: A Prioridade da Legislatura” para debater propostas que permitam reforçar e melhorar o investimento público na Saúde, de resto, compromisso assumido, em campanha eleitoral, por todas as forças políticas. Foi, uma vez mais, um momento marcante, participado e que permitiu alimentar a nossa “Agenda da Saúde para a Década”. A Convenção Nacional da Saúde vive permanentemente comprometida com

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A Convenção Nacional da Saúde é um movimento alinhado com os anseios dos cidadãos, um movimento que dá voz aos cidadãos e aos portugueses. E esta é a nossa maior força: a nossa representatividade, a nossa presença e a capacidade de encontrar consensos e responder afirmativamente

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o debate de soluções para o futuro da Saúde em Portugal, mas muito atenta ao presente que nos rodeia. Por isso, já em contexto pandémico, organizámos a 18 de novembro de 2020 um debate digital dedicado à procura de soluções para a pressão que a pandemia de COVID-19 colocou ao Serviço Nacional de Saúde e ao desafio crescente de tratar os doentes COVID e os não-COVID, mantendo o acesso à saúde igual para todos. Em suma, ao longo dos últimos três anos, provámos que é possível colaborar, trabalhar em conjunto, criar consensos, reunir ideias que podem contribuir para um futuro melhor das políticas de Saúde em Portugal. É este legado que temos de proteger. Para que continuemos a ser produtivos no debate, criativos nas ideias e úteis ao sistema de saúde, aos portugueses e a Portugal. Esta pandemia precipitou os desafios que a Saúde tem pela frente, impondo-nos a urgência de uma nova solução que responda aos anseios dos cidadãos. Temos todos, conjuntamente, sobretudo no seio deste movimento, de propor novas soluções que concorram para cuidados de saúde com melhor acesso e mais qualidade, mais equitativos e mais próximos dos cidadãos. A Convenção Nacional da Saúde é um movimento alinhado com os anseios dos cidadãos, um movimento que dá voz aos cidadãos e aos portugueses. E esta é a nossa maior força: a nossa representatividade, a nossa presença e a capacidade de encontrar consensos e responder afirmativamente. A Saúde é um projeto em permanente construção. Temos, por isso de levantar os braços e apostar na recuperação rápida de todos os doentes que ficaram por diagnosticar, tratar, cuidar ou operar durante a pandemia. Vamos continuar a contribuir, através da nossa representatividade, da nossa capacidade de agregar, da nossa capacidade de encontrar consensos, para superar os enormes desafios que a Saúde tem pela frente. Contem com a Convenção Nacional da Saúde e com a experiência e a heterogeneidade de cada um dos membros que compõem o seu Conselho Superior.


Breves

23.º CONGRESSO NACIONAL DE MEDICINA DA ORDEM DOS MÉDICOS

Miguel Sousa Neves falou de políticas públicas de Saúde O presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde (SPGS) foi um dos convidados para participar neste Congresso que teve como tema central “A Ciência em tempo de pandemia" e que visou “debater o impacto que a pandemia da COVID-19 tem tido em diversas áreas, como na medicina, na ciência e na sociedade". O evento, presidido por Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, decorreu de 31 de maio a 3 de junho, na Igreja do Convento São Francisco, em Coimbra. No painel “Gestão em Saúde – Reajustar as Políticas Públicas de Saúde por experiência da Pandemia”, Miguel Sousa Neves defendeu que na base do sucesso das políticas públicas deve estar a cooperação entre todos os intervenientes, assim como sublinhou a necessidade de atuar sobre os determinantes sociais e ambientais da saúde passíveis de serem modificados “para promover o nosso bem-estar e combater as desigualdades”. O Presidente da SPGS lembrou ainda a importância de conciliar o objetivo do bem-estar das pessoas com o crescimento da economia. “Se aos poucos colocarmos no topo o bem-estar das pessoas estaremos a cuidar e a sustentar de uma forma dinâmica, positiva e a médio prazo a nossa economia”.

CICLO DE CONFERÊNCIAS

“Fins de tarde na cidade: novas perspetivas para o futuro da saúde em Portugal” Em parceria com o ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e a IFOR EAGS – Escola de Administração e Gestão de Saúde, a Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde (SPGS) promoveu o ciclo de conferências “Fins de tarde na cidade”. A iniciativa contou com cinco sessões online que decorreram entre maio e junho Foram abordados os temas “O Futuro do Sistema Nacional de Saúde – o que é obrigatório e necessário fazer”, “Setor público e privado – que colaboração possível e desejável”, “Setor público e social – que articulação se pretende”, “A importância da escolha dos parceiros na criação de valor em saúde” e “A gestão de unidades de saúde pelas autarquias – uma solução ou um problema”. Nas diversas sessões colaboraram várias personalidades, dando o seu testemunho e informações extremamente pertinentes, como os ex-ministros da Saúde Adalberto

Campos Fernandes, Luís Filipe Pereira, Maria de Belém Roseira e Paulo Macedo, o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, Óscar Gaspar, o

presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. João, Fernando Araújo, o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, o presidente da Associação Nacional de Farmácias, Paulo Duarte, o presidente da Associação Portuguesa de Indústria Farmacêutica, João Almeida Lopes, o presidente do Centro de Medicina Laboratorial, Germano de Sousa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina e o presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras. Da parte da SPGS, o trabalho foi coordenado pelo vice-presidente da Direção Carlos Marques. As sessões contaram com público presencial, dentro dos limites impostos devido à pandemia, e foram transmitidas online e em sinal aberto no YouTube e no Facebook.

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SPGS

Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde

Órgãos Sociais

ASSEMBLEIA-GERAL

DIREÇÃO

CONSELHO FISCAL

Presidente Duarte Nuno Pessoa Vieira 1.º Secretário João Manuel Bispo Pereira 2.º Secretário Fátima M. C. Leite Sousa Neves Suplentes José Manuel de Araújo Cardoso Filipe Tiago Vilela de Sousa Neves

Presidente Miguel Filipe Leite Sousa Neves Vice-presidente Carlos Jorge Tomás Marques Secretária-Geral Vera Daniela dos Santos Rodrigues Tesoureiro Helena de Fátima Ventura Bugada Vogais Isabel C. P. Jorge Cachapuz Guerra Víctor Machado Borges

Presidente Lino Rosado Canudo Vogais João Francisco Dias Hagatong Luís Manuel de Areia Loureiro Basto

COMISSÃO NACIONAL António Franklin Ramos Eurico Castro Alves José Germano de Sousa José Miguel Boquinhas

Luís Almeida Santos Luís Filipe Pereira Luís Martins Maria de Belém Roseira

Margarida França Miguel Paiva

Sede Provisória: Avenida Cidade de Montgeron, 212 4490-402 Póvoa de Varzim Email: info@spgsaude.pt Fax: 252 688 939

Formulário de inscrição para Associado Efetivo Nome Local/Locais de trabalho e cargos que desempenha Endereço para contacto Telefone/Telemóvel E-mail Observações Assinatura Data

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