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Capítulo XIII: As Criações de Villela na Gravadora Elenco

As fotografias em alto contraste e layouts clean foram criticadas pela Odeon.[48] A gravadora também dispensou diversos artistas que estavam seguindo para o caminho da Bossa Nova, alegando que não eram considerados “lucrativos” para o selo. Indignado com a resistência da gravadora para com os novos ares da bossa nova, o diretor artístico Aloysio de Oliveira decide se desligar da gravadora, levando consigo os artistas como Roberto Menescal, Sílvia Telles, João Gilberto e companhia. Ele convida Cesar Villela para assumir a direção de arte das capas de sua nova gravadora, dando carta branca em suas experimentações de simplificação (VILLELA, 2003, p. 25-27).

Nasce então a Elenco, a primeira gravadora brasileira a criar uma identidade única para as capas. Barat comenta essa nova unidade visual:

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Fazendo do alto contraste uma marca registrada, Villela conseguiu conceber uma uniformidade visual que fez com que discos do selo fossem identificados imediatamente. Tal démarche permitia não só disse-

[48] Também pelo próprio João Gilberto de quem Villela recorda ter recebido uma ligação tarde da noite para argumentar contra a capa que ele e Chico Pereira haviam criado para “O Amor, o Sorriso e a Flor” (VILLELA, 2003, p. 23).

minar um selo de qualidade – as capas com tal estética seriam sinônimo de boa música –, mas também harmonia visual (BARAT, 2019, p. 52).

Os ouvintes (em sua grande maioria da Zona Sul do Rio de Janeiro, onde circulavam exclusivamente os discos da Elenco) passaram a comprar os discos mesmo sem conhecer os artistas, consumindo as obras apenas por serem do selo Elenco.

Imagem 105: Capa de “A Bossa Nova de Roberto Menescal e Seu Conjunto”, da Elenco (1963), com layout de Cesar Villela e fotografia de Francisco Pereira. Imagem 107: Capa de “Maysa”, da Elenco (1964), com layout de Cesar Villela e fotografia de Francisco Pereira. Imagem 106: Capa de “Um Show de Bossa...”, da Elenco (1964), com layout de Cesar Villela e fotografia de Francisco Pereira.

Como as capas não variavam em cor, Villela e Chico Pereira precisavam mostrar inteligência em suas composições, sempre agregando novas características aos layouts para a diferenciação das capas. Na imagem 105, vemos a temática do mar presente na capa de Roberto Menescal (praticante assíduo de mergulho e pesca submarina nas horas vagas) e os integrantes de seu conjunto sendo representados por peixinhos com seus nomes escritos dentro.

Já na imagem 106, vemos que os tipos em papel recortado, utilizados antes na Odeon, continuam presentes nos layouts de Villela. Lennie Dale, grande dançarino e coreógrafo da época, é retratado em uma pose assimétrica, assim como o layout, que em vez de ser dividido no centro, metade foto e metade massa retangular preta, é levemente deslocado para direita. Assim como no disco de Lennie, a capa de “Maysa” (imagem 107) também é mantida de forma assimétrica, quando o logo da Elenco segue o “Y” do título, levemente deslocado para a direita e não no centro do layout.

As quatro bolinhas vermelhas (três para a composição e uma no logo[47] da Elenco), sugerem o caminho a ser seguido pelo olhar do expectador:

[49] O logo da Elenco foi desenvolvido por Villela, inspirado em um spot de luz de estúdio fotográfico. Inclusive, muitas vezes nas contracapas da Elenco, Villela retratava o diretor do selo, Aloysio de Oliveira, posado com o braço apoiado em um spot de luz de estúdio rementendo ao logo da gravadora.

Imagem 108: Capa de “Vinicius & Odette Lara”, da Odeon (1959), com layout de Cesar Villela e fotografia de Francisco Pereira. Imagem manipulada pela autora com foco nas bolinhas vermelhas que direcionam o olhar para os elementos importantes da capa.

Rapidamente, as capas em preto e branco, com fotografias do artista em alto contraste, juntamente com as quatro bolinhas vermelhas, tornaram-se inconfundíveis para os compradores de discos. A identidade das capas dialogava perfeitamente com a “abolição de excessos” adotada nos arranjos e composições bossanovistas (BARAT, 2019, p. 51).

Entretanto, houve quem criticasse, na época, a gravadora pela estética de suas fotos solarizadas, entendidas como “baratas”, sendo uma má escolha da gravadora para com suas capas. Mas Laus quebra esse mito:

Mesmo o argumento de que a impressão em duas cores se justificaria sobretudo em função de “capas baratas” - aventado em algumas análises do trabalho de Villela - cai por terra quando sabemos que o processo de alto-contraste realizado em laboratório fotográfico por Chico Pereira era até mais caro e trabalhoso do que as fotos tradicionais (LAUS, 2005, p. 333).

O próprio Villela comenta que Chico Pereira começou, depois de algum tempo, a sugerir que parassem com o uso do alto contraste, que “(...) lhe dava muita despesa e lhe tomava muito tempo.” (VILLELA, 2003, p.31).

Apesar as características clássicas dos primeiros anos, as capas da Elenco começaram a sofrer mais experimentação, agregando ilustração e a colagem de papel (para além das letrinhas de Villela, antes comentadas, que podem agora ser observadas também na capa de Baden Powell na imagem 109).

Imagem 109: Capa de “À Vontade”, lançada pela Elenco (1963), com layout e ilustração de Cesar Villela.

Imagem 110: Capa de “Bossasession”, de Sylvia Telles, Lúcio Alves e Roberto Menescal, lançada pela Elenco (1964), com layout de Cesar Villela.

Após o golpe militar de 1964, sob clima de repressão, Villela decide deixar o país. As capas da Elenco continuam seguindo o padrão de três cores, agora com outros artistas, layout men e diretores de arte trabalhando em suas criações. No fim da década de 1960, a Elenco e seus direitos são vendidos à Philips.

Imagem 111: Capa de “Caymmi Visita Tom”, lançada pela Elenco (1964), de autoria desconhecida.

Imagem 112: Capa de “Nâna”, lançada pela Elenco (1965), com layout de Eddie Moyna e ilustração de J.C. Mello de Menezes.

Imagem 113: Capa de “Quarteto em Cy”, lançada pela Elenco (1966), com layout de Estúdio ID e fotografia de Francisco Pereira.