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Geração perdida: como escolas podem evitar desperdício de talentos

Relatório de Capital H umano Brasileiro demonstra que falta de investimentos socia is implica na manutenção da desigualdade

Por Jorge de Souza

O Brasil tem uma população de 214,3 milhões de pessoas, segundo números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Desse montante, 38% (equivalente a cerca de 71,4 milhões de pessoas) vivem em condições de pobreza ou extrema pobreza. Essa desigualdade social exposta impacta diretamente nas métricas educacionais e na captação de talentos, segundo o Relatório de Capital Humano Brasileiro (RCHB). O estudo faz parte do Human Capital Project, organizado pelo Banco Mundial, e tem como objetivo principal demonstrar a importância dos investimentos sociais para a captação de talentos.

“Analisar as tendências de acumulação de capital humano ajuda a explicar por que a desigualdade de renda tem permanecido em patamares tão elevados ao longo dos anos e sugere também por que, em média, os brasileiros tendem a permanecer na pobreza por várias gerações”, apontou o relatório. O relatório utiliza o Índice de Capital Humano (ICH) para analisar os indicadores de capital humano no Brasil. O ICH estima a produtividade esperada de uma criança nascida hoje aos 18 anos de idade, dentro de um cenário onde educação e saúde permanecem inalteradas. Dessa forma, é possível traçar focos de investimentos para o Poder Público corrigir essas desigualdades sociais.

“Além disso, as escolas também têm um papel importante a desempenhar na descoberta e desenvolvimento de jovens talentosos. Isso pode incluir a oferta de programas de apoio à aprendizagem, incentivos para a participação em atividades extracurriculares, oportunidades para o desenvolvimento de habilidades e o apoio aos alunos em suas escolhas futuras”, explica a doutora em Educação e coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade Positivo (UP), Valéria Brasil.

O ICH varia de 0 a 1 considerando que a nota mais alta significa condições favoráveis para uma criança não sofrer de déficit de crescimento ou morrer antes dos cinco anos de idade, receber educação de alta qualidade e se tornar um adulto saudável. Já o oposto com risco de má nutrição ou morte prematura alto, acesso à educação é limitado e a qualidade da aprendizagem baixa gera notas mais próximas a 0.

No Brasil, o indicador marcou para as crianças nascidas em 2019 uma média de 0,60%. Ou seja, a cada dez brasileiros, quatro não irão atingir o potencial completo quando completarem 18 anos. Isso também demonstra que a desigualdade social no país também é regionalizada, com diversas localidades com altas taxas de evasão escolar.

“Os principais problemas na educação básica brasileira incluem falta de investimentos, infraestrutura precária, falta de professores qualificados e desigualdade socioeconômica. Esses problemas afetam a rotina dos estudantes brasileiros, impedindo o acesso à educação de qualidade e limitando suas oportunidades futuras. Além disso, a pandemia trouxe novos desafios para a educação, incluindo a interrupção da aprendizagem e a desigualdade na acessibilidade à tecnologia”, contextualiza a professora. Um estudo realizado pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) para a Unicef em 2022, apontou que dois milhões de crianças e adolescentes, com idade entre 11 a 19 anos, que ainda não haviam terminado a educação básica deixaram a escola no Brasil. Esse número representa 11% do total da amostra pesquisada.

“A formação continuada para professores é também uma medida importante para melhorar a qualidade da educação, garantir que eles tenham as habilidades e conhecimentos necessários para enfrentar os desafios atuais e futuros. É impor- tante que políticas públicas sejam orientadas para garantir o acesso à educação de qualidade e promover o desenvolvimento humano e econômico do país”, prossegue Valéria. Essa desigualdade social regionalizada pode ser vista ao observar os indicadores do ICH: crianças nascidas em cidades das regiões Norte e Nordeste apresentam um índice de desenvolvimento de potencial e talento 10 pontos percentuais (ou 0,1%) a menos que um jovem do Sudeste brasileiro.

Dentro desse cenário também é preciso combater outro fator de risco às crianças brasileiras: a desnutrição infantil. Segundo dados do documento Observa Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2021, o Brasil registrou 2.979 internações infantis por desnutrição, resul- tando na maior taxa de hospitalizações de crianças menores de um ano desde 2008, com 113 hospitalizações para cada 100 mil nascidos vivos. E as escolas acabam ganhando ainda maior importância no contexto dessas famílias, porque muitas vezes são responsáveis pela única refeição garantida no dia a dia das crianças. “Como educadora, pode-se observar os impactos dessa questão na sala de aula, como a falta de concentração, dificuldade de aprendizagem e baixo rendimento escolar. Além disso, a desnutrição também pode contribuir para a evasão escolar, pois as crianças precisam faltar à escola para cuidar de sua saúde ou para trabalhar para ajudar a sua família a sobreviver”, completa Valéria.

Para combater esse cenário é importante a implementação de políticas de saúde e renda para a infância que garantam o acesso à alimentação saudável e a um estilo de vida saudável, bem como programas de merenda escolar.

“Políticas de combate à pobreza e à desigualdade socioeconômica também são importantes para garantir que as crianças tenham acesso a uma educação de qualidade e possam desenvolver todo o seu potencial. É fundamental que as políticas públicas sejam orientadas para garantir a igualdade de oportunidades e melhorar a saúde e a educação da infância, a fim de assegurar o desenvolvimento de jovens talentosos e o futuro do país”, finaliza a professora.