Selvageria

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selvageria



u m pa í s at r av é s d e s e u s t e x t o s

A

construção das identidades culturais beneficia-se do conhecimento dos caminhos históricos percorridos por uma nação. Conhecer a si e distinguir-se na relação com o mundo é algo que se vincula aos saberes

do vasto território das humanidades. Podemos dizer que as produções textuais de um país refletem seus saberes, suas interações com o que lhe é externo e seus desejos, incluindo os mais ocultos. A literatura desempenha papel-chave na construção de conhecimentos e na composição de identidades. Adaptar para o palco um conjunto de obras literárias brasileiras – se é que podemos identificar uma obra por sua nacionalidade –, foi a isto que se propôs o grupo Ultralíricos na recente série Puzzle, composta por quatro espetáculos baseados em textos de escritores brasileiros contemporâneos. Na sequência, o diretor Felipe Hirsch ampliaria esse leque, abrangendo obras literárias da América Latina, por meio dos espetáculos A Tragédia Latino-Americana e a Comédia Latino-Americana. Já em Selvageria a construção cênica tem como substrato um cabedal de livros e documentos integrantes do acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Foi dessa coleção que o grupo pinçou um conjunto de referências essenciais para a compreensão da cultura e da história do país. Os escritos vão desde o primeiro documento redigido no Brasil – a Carta de Pero Vaz de Caminha –, passando pelas cartas escritas por escravos no período colonial, até chegar no nacionalismo de Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto. Lidar com o passado através de obras que transpiram experiências históricas localizadas favorece a criticidade e lastreia iniciativas desejosas de intervir nos rumos culturais do país. Estimular o contato dos públicos não só com tais obras e documentos, mas também com novas camadas de leitura e tradução que lhe são superpostas contribui para complexificar a percepção que temos da nossa realidade, assim como de suas potencialidades. É aí que reside, na ótica do Sesc, uma das intersecções ambicionadas entre as práticas culturais e educativas.

Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo


ficha técnica

Peça criada a partir de livros e documentos colecionados na Biblioteca Brasiliana de Guita e José Mindlin; e de pesquisa da Bibliographia Brasiliana de Rubens Borba de Moraes.

Projetos Ultralíricos 7 Direção Geral - Felipe Hirsch Elenco

Blackyva BRUNO CAPÃO Caco Ciocler Crista Alfaiate Danilo Grangheia Georgette Fadel

Isabel Zuáa Magali Biff Música escrita, arranjada e dirigida por Arthur de Faria Interpretada pela Ultralíricos Arkestra:

Arthur De Faria - Piano e Sintetizadores Adolfo Almeida Jr. - Fagote e Efeitos

bella - Eletrônicos

Mariá Portugal E DhieEgo Andrade - Bateria, Percussões e Tímpanos Thomas Rohrer - Rabeca e Sax Soprano Georgette Fadel - Trompete

Improvisações - Ultralíricos Arkestra Participação Especial - Tantão E Os Fita


Direção de Arte - Daniela Thomas e Felipe Tassara Iluminação - Beto Bruel

Figurinos - Veronica Julian Direção de Movimento - Alejandro Ahmed

Preparadora Musical e Instrumentista - Simone Rasslan Traduções - Bruno Colbachini Mattos Textos Editoriais - Ruy Filho

Assistentes de Pesquisa e Produção - Renata Bruel E Sarah Rogieri Assistente de Iluminação e Operadora de Luz - Sarah Salgado

Engenheiro de Som, Tratamentos, Gravações e Mixagem - Gustavo Breier Produção Musical - Arthur De Faria E Gustavo Breier Diretores de Palco – Diego Dac E Nietzsche Produção de Figurino - Eliana Liu

Primeiro Assistente de Figurino - Helena Obersteiner Segundo Assistente de Figurino - Marcio Marcelli Adereços - Palhassada Atelie

Costureiras - Judite Gerônimo De Lima, Zezé De Castro, Salete Alfaiate - Domingos De Lello

Fotografias e Artes Gráficas - Patrícia Cividanes

Assessoria de Imprensa - Vanessa Cardoso - Factoria Comunicação Agradecimentos Especiais - André Gravatá, Bernardo Oliveira,

Carlos Alberto Zeron e Cristina Antunes

Idealização e Direção Geral - Felipe Hirsch

Produção Operacional - Roberta Koyama

Produção Internacional - Ricardo Frayha

Produção Executiva e Direção Técnica- Bruno Girello

Direção de Produção - Luís Henrique (Luque) Daltrozo


textos

Pero Vaz De Caminha Carta A El-Rei D. Manuel | Portugal | 1500 Robert le hoy e jean du gord Cest la dedvction du sumptueux ordre plaisantz spectacles et magnifiquves theatres dresse, et exhibes para les citoiens de rouen ville metropolitaine du pays de Normandie, a la sacre maiesté du treschristian roy de France, Henry Secõd leur souuerain seigneur, et à tresillustre dame, ma dame Katharine de Medicis, la royne son espouze, lors de leur triumphant ioyeulx et nouvel aduenement en icelle ville, qui fut es iours de mercredy et ieudy premier et secöd iours d’octobre, mil cinq cens cinquante et pour plus expresse intelligence de ce tant excellent triumphe, les figures et pourtraicts des principaulx aornementz d’iceluy y sont apposez chauscun enson lieu comme l’on pourra veoir parle discours de l’histoire França | 1551 Michel De Montaigne Des Cannibales França | 1580 Claude D’abbeville Histoire de la Mission des Pères Capucins en l’isle de Maragnan et Terres Circonvoisines França | 1614 Yves D’evroux Voyage dans le Nord du Brésil fait durant les années 1613 et 1614 França | 1615


Louis Chancel De Lagrange Campagne du Brésil faite contre les portugals (Versão Reinaldo Moraes) França | 1711 Mrs. Jemima Kindersley Letters from the Island of Teneriffe, Brazil, The Cape of Good Hope, and The East Indies Inglaterra | 1777 Jacques Arago Voyage autour du Monde França | 1822 John Mcdouall Narrative of a Voyage to Patagonia and Terra Del Fuego, through the Straits of Magellan Inglaterra | 1833 Teodora Da Cunha E Claro Antônio Dos Santos Illustríssimo Senhor Luiz da Cunha / Meu marido Senhor Luis Brasil | 1866-1867 Lei Saraiva Brasil | 1881 Lima Barreto Triste Fim de Policarpo Quaresma Brasil | 1911


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conversa

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felipe hirsch:

A gente tem muita coisa para falar. Tem que falar um pouco da Comédia Latino-americana, porque aconteceu muita coisa depois daquela entrevista. Eu estava bastante perdido naquele momento. Era volta do Mirada, e A Comédia passou por um processo desgastante e, ao mesmo tempo, muito interessante de formar e construir uma peça a partir daquelas ideias. Nisso, a gente sempre acreditou: que elas eram muito consistentes. Mas tivemos de construir publicamente, durante uma temporada inteira. Isso não é nada comum. Isso bate em vários pontos interessantes também, mas que não estavam em nossos planos, como lidar com questionamentos e com a assimilação de uma obra aberta, que não respondia a uma temporada e um teatro burguês - falando de uma maneira vulgar. Isso mexeu com todos nós. Eu mesmo, que era um motor pra que aquilo se eternizasse e infernizasse as pessoas, questionava o tempo todo se era válido. Era. Não respondíamos a uma obra concluída, que deveria ser absorvida já fechada. Os atores ficavam muito aflitos com isso. Eu ficava aflito com isso, inegavelmente. No entanto, conseguia olhar pro outro lado e perceber uma oportunidade rara e outro tipo de paradigma, de situação existente. Como diz o Eduardo Coutinho: se as coisas existem, elas são belas. E de fato tem que encarar isso. Elas existem sim. Construímos todo aquele espetáculo aos olhos do público e só fomos dá-lo encerrado, pelo menos nesse primeiro momento, tal como seria A Tragédia, lá na temporada de Portugal, depois de ter passado pela Alemanha, quando fizemos duas apresentações. Então foi bastante difícil. No entanto, sempre achei, como tema e desenvolvimento de ideia, a Comédia muito interessante. Ela tinha um primeiro ato que tocava em dois assuntos mais especifica e claramente. O primeiro, a colonização, o estrangeiro no Brasil, ali com o Catatau do Leminski, o racionalismo do Descartes na natureza fractal brasileira. Essa era uma obra que sempre quis fazer e pensava: como fazer, como encarar isso? E chegamos a um resultado muito bonito na adaptação. E o texto do Hans Staden, também escrito pelo Reinaldo Moraes, como a Carta no. 2 na Tragédia. São livros fundamentais da nossa história, o estrangeiro no meio dos selvagens. E numa segunda parte desse primeiro ato, a gente fala pela primeira vez da escravidão dos negros no Brasil contando a história da Rosa, uma história que sempre me fascinou muito, pouco documentada. A menina que chega escrava e se transforma em meio santa, essa divindade polêmica que ameaçou a Igreja Católica do Rio; que montou aquela Arca de Noé de prostitutas e vai morrer na Inquisição. Depois, uma cena que achava que se relacionava lindamente com a Rosa: o Quadro, do Sérgio Sant’Anna. Uma obra-prima, não sobra uma palavra, e conta a história de um quadro e a maneira da gente lidar com ele. Coloquem em um porão, porque a gente não sabe lidar com aquilo e pode ter algum valor. Acho tão atual agora, espantosamente atual, mais do que naquele momento.

ruy filho:

Impressionante como ele se tornou a regra. Tinha uma coisa no primeiro ato da Comédia que eu achava lindíssimo: o como a música chegou ali. Era basicamente improvisada, mas é onde chegamos no refinamento da ideia musical dos espetáculos em seu máximo, no ápice do que a gente tem trabalhado até então. Tem um conceito, por exemplo, de ser o piano a linguagem mais europeia, mais felipe hirsch:


racional do Descartes, ao mesmo tempo os fractais, os sopros, os apitos, as percussões da natureza da fauna e da flora; e no Hans Staden, com aquele terreiro atrás. Acho um dos momentos mais lindos de todo o trabalho musical desses projetos. O segundo ato demorou muito a se organizar. Acho que, basicamente, foi o que mais demorou. Em Portugal, a gente conseguiu baseado em uma coisa que, na verdade, sempre soube, sempre falei pra eles, mas nunca tive a coragem de experimentar: sempre achei que o muro deveria ser construído de novo. Porque, fundamentalmente, a Comédia é o outro lado da Tragédia. Nesse sentido, na Tragédia um constrói e o outro destrói; e na Comédia tinha que destruir esse muro para depois construir de novo. Só tive coragem de tentar e improvisar em Portugal, e conseguimos cenas lindas. Tem dois momentos, um do Rodrigo Bolzan e outro da Georgette Fadel, inesquecíveis, dentro do texto Amor e Anarquia. E o Liberdade Total que, de alguma maneira, eu ainda queria desenvolver mais. Talvez seja a única coisa em aberto na Comédia. Enfim, ela chegou a um estágio em que a gente já pode apresentar em um teatro como peça. ruy filho:

De alguma maneira, na Tragédia o artista era alicerce para uma obra que estava para ser descoberta. Você tinha a segurança do artista ali. Na Comédia, radicalizou isso de um modo perigoso, até para o espetáculo, pois tirava a segurança de ter o artista como pilar central dessa experimentação, em uma obra que, além de tudo, era aberta. Quero dizer, eles descobriram a obra fazendo e percebendo como era recebida. Esse nível de radicalismo e risco parece explodir qualquer contexto do espetáculo tradicional tal como é entendido. Explode tudo, pois o que se vê em cena não é mais diagnosticável. felipe hirsch: Tem o lado bom e o ruim disso. É bastante dialético. Um lado, na verdade, talvez exija desses artistas andarem na mesma respiração, na deles e da minha criação, da criação da música, da criação em geral. É como se eu contasse algo a eles na Tragédia e, como grandes artistas, respondessem, recriassem e fossem adiante. E na Comédia, eu contasse no segundo, no instante ou até atrasado. Então isso fez com que estivessem muito alertas às criações deles mesmos. Por outro lado, em alguns momentos, fiquei mais solitário. E, não me elogiando, talvez tenha dado um passo atrás no sentido de ser mais centralizador. O que acontece é que, quando você conta atrasado, você está sozinho. Quando se aproxima muito a conclusão do que se está fazendo do momento em que vai fazer, você vive um processo mais solitário. Isso não me agrada. Mas ocorreu sim, na Comédia. Talvez isso também gere ansiedade. Na Selvageria, nesse aspecto, isso não está acontecendo. Acontece o que você falou, sim; a parte boa. A gente está falando a mesma língua, ao mesmo tempo. ruy filho: Quando vejo Georgette ou Danilo experimentando o treinamento do Alejandro Ahmed, percebo que o corpo, que ainda era só deles na Comédia, era a única segurança pra se manterem em uma tentativa de discurso com você. Em Selvageria, com essa proposta constrói-se uma possibilidade de fuga para criarem universos particulares. felipe hirsch: Até porque é muito baseado na sensibilidade deles. ruy filho:

Sim, e passa a ser para eles autoral de volta. E, ao mesmo tempo, não é uma autoria racional, é instintiva. Isso nasceu na primeira conversa que tivemos com o Alejandro. Foi um dia muito especial. Levantei uma questão que estava me tirando o sono, que dizia respeito ao seguinte: primeiro, queria aproximá-los dos experimentos musicais de quem realmente está experimentando na música, no que se chama de música experimental. Mas o que, na verdade, me interessa não é o título experimental e sim o verbo. Eu sei que o quê se está experimentando no mundo, hoje, em música, é bastante relevante; o quanto dirijo por música; o quanto a melodia partitura o meu felipe hirsch:

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trabalho; o quanto ele está ligado à respiração, a tempos. Sempre foi assim. Mesmo nos piores momentos. Então, eu queria que não fosse algo para eles razoavelmente desconhecido. Claro que não é simples assim. A segunda questão é: desde Puzzle, tentamos desmontar um pouco a ideia dos espetáculos de depoimentos, muito narrativos, tentando construir mais personagens. Puzzle era um espetáculo raivoso, intelectual, mal-humorado, malcriado é mais agora, muito intelectual. Não quero diminuir de maneira nenhuma um trabalho que começou ali muito sério. Mas o que a gente vem tentando é perceber o quanto de teatro, ainda que se fale de teatro tradicional, de criação de personagem etc., se adequa a essa loucura que a gente criou. E a gente criou essa loucura antes, o cabaré antes. Inclusive, gosto de chegar na chanchada anárquica dentro desse cabaré. Interessa a vulgaridade também. Porque, à princípio, ela carrega tanta informação, traz tanta reflexão, que, às vezes, quero que essa reflexão se dê por um escape de humor. A gente começou a tirar um pouco essa carga de depoimento e tal. E uma das questões que eu pensava era: qual a minha obrigação de lidar com um corpo realista, com uma respiração realista, em uma narrativa literária? Por que você mexe as suas mãos assim, se você é uma cabeça literária? Na medida em que fomos lidando com isso, fui entendo também. Falei pro Ahmed que queria muito que o corpo deles não fosse determinista, não respondesse a necessidade ou a consequência, e que fizessemos disso nosso neutro. É como se você tivesse um corpo reto e um corpo em forma de raio, e o nosso neutro fosse o raio. E isso ele teve a sensibilidade de traduzir em um exercício incrível, esse raio se dando a partir de uma percepção sensível de dores, de lugares que doem no corpo, e isso ter uma condução continua, sem ponto de entrada e saída. A entrada seria a desconcentração. Ele trabalhou poucos dias, mas com muita objetividade, com exercícios muito fortes, alguns rítmicos, alguns sensoriais. A gente vem agora pensando aonde e quando isso deve se dar, aonde pode ser interessante. Às vezes pode ser enquadrado na própria dramaturgia. Existe um personagem, por exemplo, um marinheiro francês, que representa um índio tupinambá. Ele usa gestos e danças que imagina serem indígenas, “selvagens”, mas que, provavelmente, não são. Eles falavam uma língua que não existia, nas representações em Rouen, na França. Os marinheiros não falavam Tupi, eles gramelavam. Esse gesto tá dentro da dramaturgia, por exemplo. Em outras hipóteses, não. Como na Lei Saraiva, citada no final desse espetáculo. Ela parte de outras coisas. É como se fôssemos distorcidos. Passo a lidar com esse corpo pela energia que é gerada dentro dessa cena. Por outro lado, também tenho pensado muito nos corpos pintados, heroicos, colonizadores. Isso já apareceu um pouco na Comédia e na Tragédia, e gosto de pensar serem também ilustrativos. Então esses corpos estão entre os ilustrativos e o corpo raio, que a gente está chamando de Ahmed. É isso. Existe ainda uma terceira coisa, os narradores. A gente admitiu que seriam importantes para que as pessoas percebessem o absurdo desses textos. São documentos dos séculos XVI, XVII, XIII. É inacreditável. As pessoas podem achar que se fez uma dramaturgia, que se escreveu aquilo. É tão absurdo, tão colado na realidade de hoje, do século XXI, que não é possível que não reescreveram isso, não é possível que tenha acontecido. Então existe também esse tipo de performance na peça. ruy filho:

Você falou coisas que fazem um quebra-cabeça interessante: como lidar e trabalhar com essa cabeça literária em cena; quem é esse que está no palco; o conhecimento do corpo trazido pelo Ahmed, pra que se percebesse aonde surge a dor e como lidar com isso, em uma espécie de reconhecimento de si mesmo; a vulgaridade, que é não só intelectualizar, mas tornar comum, ordinário, possível de entendimento por todo mundo... felipe hirsch: Aconteceu uma coisa linda, agora, no Theatro Municipal do Rio. A epígrafe, que é a cena mais circense, mais de teatro de pavilhão, e as pessoas falando a frase do Samuel


Rawet em coro. O Samuel Rawet não imaginava isso. E é alta literatura polonesa-brasileira. 2600 pessoas falando Samuel Rawet! ruy filho: ...Tudo isso se liga em uma espécie de consciência que precisa ser provocada. E você terminou falando sobre os documentos e o desconhecimento que temos deles. Olhando toda a estrutura estética que compõe o espetáculo, o quanto essa consciência só pode ser percebida através do reconhecimento da decadência de nossa própria ignorância? felipe hirsch: Bom, assim... Talvez eu tenha vindo com essa qualidade de fábrica. A primeira coisa que reconheço é minha própria ignorância e rir dela. Me considerar uma pessoa inapta a tentar solucionar qualquer coisa faz de mim um artista, senão tentaria outra carreira. A única coisa que posso é tentar entreter ou incomodar as pessoas. Não posso tentar resolver nada disso. Para a maioria das coisas, sou o mesmo ignorante, com a informação um pouco mais quente nas mãos, que chegou um minuto antes, justamente porque eu escolhi lidar com essa informação. Não acredito que sinceramente exista um discurso político efetivo e planejado. Estamos vivendo o circo dos horrores mesmo. E em todos os artistas aqui, a grande qualidade e nobreza deles é se percebem assim também. Ninguém está falando, puxa, a gente vai mudar o mundo, a gente tem a solução pra muita coisa. Estamos aprendendo, se informando, batendo a cabeça na parede. É um work in progress. Aprendendo a lidar com todos os nossos defeitos, nossas carência. E isso tem uma beleza muito grande nesse grupo. São três projetos já, são sete peças, existem filhos bastardos dessas peças rodando por aí, de vários artistas envolvidos nesse coletivo. A grande beleza é um pouco isso, entender que no final é uma obra artística e que não carrega um discurso. Inclusive é interessante você falar isso, porque hoje, no ensaio, achei que estava explicando demais algumas coisas, e me incomodava, porque parecia um panfleto, uma mensagem. ruy filho:

E o que pode ser uma abertura de consciência simplesmente se torna dogmático. É, em alguns momentos eu senti isso. Lembro do Chico Buarque falando: puxa, tem música que eu não quero cantar mais, porque compus por raiva, e que, inclusive, não tem a qualidade artística que poderiam ter. Ele diz lá, porque eu acho todas ótimas. Eu não quero criar nada por raiva, ter uma cena que seja obviamente raivosa e reativa. Por exemplo, a cena que abriu o Tragédia, que era muito direta, que falava dos canalhas, era disfarçada de uma cena de reino, de Molière. Ele trabalhou pro rei, ganhava dinheiro com o rei. É uma brincadeira com isso, de ajoelhar pra eles e tal. Mas eu tirei ela da peça. Depois de um certo tempo, esse tipo de cena se torna anacrônica, ainda mais com a velocidade das coisas que acontecem aqui. No Theatro Municipal, para cinco mil pessoas, em dois dias, isso podia soar simplesmente uma cena de protesto, e não ter a ideia que ela tinha realmente por trás. Então, esse lugar entre a ignorância e a iluminação a gente frequenta. E sem muita esperança. É “try, fail”, é “saiba tudo, para depois jogar fora”. É tudo o que aprendemos das pessoas que a gente mais respeita. Senão, vamos viver dogmaticamente. Puxa, não sei se é o caso de tocar nisso aqui, mas depois vemos se vale a pena. Metade do sucesso da nova onda conservadora no Brasil é o nosso fracasso. A gente está divulgando muito bem os piores reacionários. Ninguém está precisando ser Nelson Rodrigues, genial, pra ser um belo de um reacionário. E Nelson Rodrigues não era um reacionário, era muito mais do que isso. Essa pessoas não tem nenhuma qualidade, pelo menos aparente, e estão dando um baile, porque estão vivendo dos nossos desesperos, dos nossos contra-ataques. Eu não acredito nessas pessoas. Mal acredito que essas pessoas acreditem fundamentalmente nisso. Acho que simplesmente estão jogando um jogo sujo. E a gente não está sabendo ou não está felipe hirsch:

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querendo jogar esse jogo sujo. A gente está querendo chamar à razão pessoas que têm suas próprias razões e estão manipulando muita gente com suas razões. Então, eu não posso pensar um espetáculo que cante pra eles. Tem muita coisa nesse espetáculo pra se interromper, pra se censurar. Mas elas não estão aqui pra ferir, pra atingir essas pessoas, estão aqui porque são necessárias agora. Eu penso assim: se fecha um museu, a gente abre vinte outros muito mais aterradores, se censuram uma letra, uma poesias, virão vinte outras muito mais violentas. Não contra a própria censura, mas sobre o que se quiser falar; não contra essas pessoas, e sim apesar dessas pessoas. Não é “Apesar de você...”? O que eu acho é que esse espetáculo, por exemplo, Selvageria, fala sobre as raízes do conservadorismo no Brasil, ainda que a palavra conservadorismo esteja localizada no que a gente considera a ideia mais conservadora humanista, porque existem coisas a serem conservadas... ruy filho:

Conservadorismo é a tentativa de se conservar as coisas, não importa a quem... ...Exatamente. Aí, por exemplo: o que andaram falando de nós; os documentos que as escolas gostam e mal sabem que existem. Esses documentos são europeus. A voz de fala, que é uma expressão bastante difícil de reconhecer o lugar dela, a nossa, é dos europeus e dos selvagens civilizados contados por europeus brancos. São essas pessoas que falam. E esses documentos são escabrosos, aterrorizantes, porque tratam o selvagem de uma maneira absolutamente a partir de um completo desconhecimento... Daí a selvageria. Você não sabe se a selvageria é dos selvagens ou aquela sobre eles, sobre a cultura que existia nesse novo mundo, de um milhão de índios dizimados, enfim... O que a gente queria era isso, trabalhar com esses documentos. E eles foram a nossa bibliografia. Ainda que existam documentos escritos por indígenas. Ou raramente por negros, que não eram alfabetizados e tinham que escrever suas cartas, como a gente mostra na peça, em português, sem saber a língua, e tendo que responder inclusive as pretensões e educação europeias. Ainda que possa dizer que esses documentos existam, são raros. A bibliografia A Brasiliana é europeia, muito francesa, espanhola, muito portuguesa, cristã. E ainda que nós respondamos a esses documentos e educação através dos tempos, ainda que perpetuemos esses discursos, a verdade é que nós não conhecemos 90% desses documentos. A gente reconhece 90% desse comportamento, mas não entende exatamente de onde eles vieram.

felipe hirsch:

ruy filho: Vendo os atores trabalhando, talvez seja o trabalho em que eu o veja mais calado, assistindo os atores. Ao mesmo tempo, tem uma verborragia não só de palavras, mas de conceitos, ideias, pensamentos e tentativas que é muito impressionante, mais do que a Tragédia e a Comédia. Em Selvageria cada frase é uma sentença a se pensar um universo inteiro. É bonito assistir eles falando esses textos. E te vejo muito introspectivo pela primeira vez. felipe hirsch: Eu discuti mais nesse trabalho, discuti mais os temas do que montei, do que se fala de montar, dirigir, encenar. Muito. Às vezes até excessivamente. Eu lembrava de um terapeuta amigo que dizia: isso já é masturbação mental. Mas a gente quis buscar, quase neuroticamente, o por quê cada ideia está ali, e de fato isso aconteceu. Mas sempre falei durante esse processo inteiro. Mesmo quando chegava em casa falando: o que vai acontecer..., sempre soube que tinhamos um espetáculo, dos projetos todos, mais seguro conceitualmente, mais discutido, pensado, forte, no sentido de importante. Sabíamos sobre o que estávamos falando, do que queríamos falar. Isso quer dizer, talvez, que seja o mais questionado, porque levante mais questões. Disso nunca tive dúvida. E a introspecção vem para que agora isso se traduza no palco.


ruy filho: Estou pensando nisso, pois tem uma questão interessante. Vi você falar umas duas ou três vezes já: o espetáculo está pronto, pena termos que fazer uma peça. felipe hirsch: Isso. Eu penso sempre isso. Não sei quando é que eu vou... Você sabe que, agora no filme... Eu levei oito anos pra fazer um filme em que eu não sabia o por quê iria fazer. Durante oito anos eu sabia e acabava não fazendo. Quando descobri um filme que eu não sabia como fazer e principalmente o por que fazer, eu fiz. E isso eu penso também na peça. Puxa, tudo tão belo, e agora a gente tem que começar a fazer a peça. O trabalho tem se estabelecido muito assim aqui, desde sempre, mas agora cada vez mais. Depois da Comédia, então, eu realmente não consigo acreditar só, e não estou falando que isso não seja verdade, que o resultado de uma peça é a peça. Até porque, já conversamos sobre isso, aposto muito no segundo, no momento vertical em que a pessoa escuta uma frase e aquilo faz sentido de muita coisa pra pessoa. E eu acho que a gente dá muito, muito. A gente, que eu digo, todos esses artistas, documentos, tudo o que acontece. Então, é difícil pra mim acreditar nessa conclusão de a peça ser o que tem mais valor. Eu não consigo acreditar em uma pessoa que fale: ah, não, eu acho bom, eu gostei, eu não gostei. Isso diz muito respeito a peça. Porque não é possível uma pessoa escutar uma frase dessa e não abrir um universo na cabeça, não tomar uma martelada, ou que perceba um caminho que a gente tomou. Por isso que o acabamento pra mim, também... Você acompanhou um pouco a Sutil, o acabamento era o que a gente fazia. O problema é que agora eu tenho trabalhado em acabamentos não acabados. ruy filho:

Que é uma diferença entre o preciosismo estético e a estética como contexto. Sim.

felipe hirsch:

ruy filho: Agora, realmente, seu trabalho com a Daniela Thomas e o Felipe Tassara estabelece no palco uma ambiência cênica. E é aí que a coisa ganha força, a tridimensionalidade de uma ideia e não mais uma representação. felipe hirsch: Sim. Não tem mais o show, com ingresso a ser comprado. ruy filho:

Acho que é chocante, quando entra no papel do Puzzle, no isopor depois, e agora nesse. A pessoa olha e pensa: mas vai ser só isso? E ainda assim é impressionante. felipe hirsch: Nossa, no Theatro Municipal agora, era tão lindo. Você notou que as nossas peças estão dentro dos sacos? ruy filho:

Sim, eu vi quando entrei aqui. O Puzzle e a Tragédia vão pra dentro dos sacos de lixo.

felipe hirsch: ruy filho:

O que é bastante simbólico. É, bastante. Quando a gente pensou nisso, falamos, ok, é isso. Mas é, tenho certeza de ser bastante impactante por outros motivos. E claro, signos. Lixo. Isso é muito forte.

felipe hirsch:

ruy filho: O que você consegue ou já aponta na Selvageria é selvagem com o teatro também.

Isso me instiga. Sim, com a civilização do teatro.

felipe hirsch: ruy filho:

Que é europeia, branca, cristã, conservadora do mesmo jeito. É verdade. É uma boa definição. Com essa civilidade, essa civilização que, às vezes, te norteia e te coloca em um teatro de shopping, respondendo aquelas mesmas questões burguesas.

felipe hirsch:

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ruy filho: Quando comecei a ler os documentos... É curioso imaginar como uma pessoa consiga não ser atingida por um espetáculo desse. Só se ela for totalmente insensível, aponto de ficar ali apenas como ouvido para aquilo. Cada pancada de um ou outro documento e você se perde dentro do espetáculo, dentro dessa montanha, realmente. Então é selvagem também nesse sentido, de não permitir que o espetáculo aconteça para o espectador como apenas espetáculo. O tempo todo você arranca ele da segurança de ser público e o coloca um limbo de fracasso em relação a tudo. Agora, o público precisa apreender nisso um processo de libertação. É muito louco chegarmos a isso de novo, como necessidade, porque isso já foi argumento há tanto tempo. A Semana de 22 já falava de tudo isso, dessa libertação do olhar, do sentir, da perspectiva da relação com a obra de arte... felipe hirsch: Mas agente nunca foi livre. ruy filho:

Sim, a Semana de 22 também era europeia, branca, cristã... E todos somos ainda. Mas aqui tem um passo no abismo. Um passo sem chão embaixo. Isso talvez seja o maior orgulho que a gente tenha, ainda que continuemos a responder a alguns itens. Mas existe um passo grande no abismo. Não sei se estamos com os dois pés; com um pé, com certeza. O que eu falava no começo sobre a Comédia, nosso sofrimento, tem a ver com a prisão, com a conclusão, com a consequên­cia de um espetáculo. Acaba sendo um espetáculo, a gente viu agora no Municipal o quanto é. Tem uma potência enorme, mas pode desabar a qualquer momento. E outra coisa, a gente faz por onde desabar. Não é que, cada vez mais, estamos deixando a coisa mais rígida, pelo contrário. Estamos cada vez mais tirando alicerces de certezas, para que as coisas fiquem mais sedutoras, arriscadas, realmente mais cheias de experimentações e não regidas por uma técnica, um conhecimento, uma experiência. Ainda que seja no Municipal, que sejam em locais assustadores, porque você vai lidar com cinco mil pessoas assistindo você. E em Selvageria, acho que a gente vai tirar bastante coisas debaixo dos nossos pés. Mas é um espetáculo... Eu brinquei que a gente fez duas ficções, agora é nosso documentário. Esses documento, são dez, onze, nunca sei ao certo, trazem tanto humor, em um sentido bem amplo da palavra, e foram escolhidos não só pela importância histórica, mas, de fato, pela necessidade de entender que alguns deles são fundamentos do pensamento vigente.

felipe hirsch :

ruy filho:

Eu me senti constrangido lendo. Alguns deles, muito.

felipe hirsch:

ruy filho: É tão literal que é assustador. E a gente também. Eu me reencontrei ali em muitos documentos e em coisas que eu detesto. felipe hirsch: Exatamente. E coisas que você pode ver de uma maneira, ver de outra, pode concordar ou não. Eu tenho muito medo das pessoas que concordem com esses documentos, que, durante uma sessão, a pessoa possa falar: esse francês tem razão sobre mim. E acho que a gente está em uma época que estamos querendo dar razão a essa visão europeia sobre a gente. Eu a tenho percebido assim. Então todo mundo que fizer um sim com a cabeça, tenho um pouco de receio que isso tenha sido entendido dessa forma. Ao mesmo tempo, como falei, não quero ser dogmático. Algumas razões existem, lampejos de razão muito interessantes. Existe a autocrítica do brasileiro europeu selvagem, sabe-se lá como se vai definir. Então é tudo um terreno muito pantanoso.


Como diz Magali Biff: um oceano gelatinoso. Onde você não consegue se pegar em uma razão que defina esses personagens, tanto os europeus quanto os selvagens. ruy filho: Uma última pergunta. Lembro-me que, quando começamos essa série de conversas, me instigava para onde você ainda poderia ir criando. Agora, acompanhando os textos de Selvageria, os atores trabalhando, a minha pergunta talvez seja outra: qual é o tamanho do próximo silêncio? felipe hirsch: Vai ser maior. Não sei se maior, porque recentemente recebi duas ideias belíssimas pra montar esse espetáculo chamado Democracia, que estreia no Chile, que eu achei que poderia ser um apêndice a tudo isso. E com essas duas ideias de dois autores, o Alejandro Zambra, chileno, e o Pablo Katchadjian, argentino, já estou altamente absorvido e cheio de combustível pra esse trabalho ser forte, muito relevante, muito bonito. No entanto, a partir daí, o silêncio vai ser maior. É isso que você perguntou, não é? ruy filho: Sim, porque, cada vez mais, o processo, como falamos, é o teu campo de criação e não o produto espetáculo. felipe hirsch: É. O silêncio vai ser maior. Agora, depois de Democracia, pelo menos dois ou três anos para... ruy filho:

Acho que você vai ser um diretor, em breve, que vai conseguir subverter até essa lógica de ensaiar dois meses pra ficar tanto tempo em cartaz; você vai ensaiar um ano pra ficar três dias. felipe hirsch: É, pode acontecer. ruy filho:

O que seria ótimo como acontecimento humano. A gente precisa das salas mais do que só dos palcos. felipe hirsch: E também porque eu tenho, vou usar a palavra pretensão pra justamente me denigrir, que justamente eu possa fazer isso com toda essa complexidade pro Maracanã. Realmente, tenho esse problema a resolver em mim. Não acho que isso seja feito pra quinze pessoas. O tamanho da minha pretensão é o tamanho do meu respeito por quem assiste, por qual seja e de onde venha. Não estou fazendo teatro para... Sim, estou fazendo um teatro pensado, no que se chama intelectual, mas não estou fazendo para intelectuais só. Ainda que alguns intelectuais vejam mais isso no meu trabalho, do que pessoas que nem se percebam intelectualizadas. Normalmente, as maiores reclamações sobre dificuldades de compreensão - não é essa a palavra certa -, de assimilação, vem das pessoas com maiores instrumentações de apreensão, mas que, ao mesmo tempo, não têm um app pra isso. E pessoas que trabalham com a sensibilidade têm um universo bastante rico pela frente pra explorar dentro desses espetáculos. Então, o tempo de silêncio vai ser bem maior, com certeza. Até porque, a gente precisa ficar em silêncio também. E tudo o que a gente não tem feito nos últimos anos com esse grupo é silêncio. De 2013 pra cá, que a gente acompanhou cada movimento da rua e vice-e-versa. A gente nasceu com essa fase. ruy filho:

Em todos os acontecimentos o Ultraliricos estava dentro do teatro. Impressionante. A gente nasceu com essa fase do país e eu espero morrer antes do país, que o país não morra antes. felipe hirsch:




___ DOCUMENTO 1

Pero Vaz de Caminha Carta a El-Rei D. Manuel

Portugal | 1500

É o primeiro documento histórico sobre a descoberta do Brasil. A carta redigida por Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota liderada por Pedro Álvares Cabral, descreve ao Rei de Portugal D. Manuel como era a terra e os nativos que nela habitavam. Nota-se o deslumbramento dos europeus ao se depararem com os selvagens e as belezas naturais do chamado Novo Mundo. As descrições retratam o primeiro contato com os nativos, menções ao Pau-Brasil, à Primeira Missa na Nova Terra e aos primeiros escambos feitos entre os descobridores e os indígenas. Como uma grande epígrafe do que viria ser a intervenção dos europeus sobre a história do Brasil, Caminha escreve a despeito da riqueza natural da nova descoberta: “Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”.


___ DOCUMENTO 2

Robert le Hoy e Jean du Gord

Cest la dedvction du sumptueux ordre plaisantz spectacles et magnifiquves thea-tres dresse, et exhibes para les citoiens de rouen ville metropolitaine du pays de Normandie, a la sacre maiesté du treschristian roy de France, Henry Secõd leur souuerain seigneur, et à tresillustre dame, ma dame Katharine de Medicis, la royne son espouze, lors de leur triumphant ioyeulx et nouvel aduenement en icelle ville, qui fut es iours de mercredy et ieudy premier et secöd iours d’octobre, mil cinq cens cinquante et pour plus expresse intelligence de ce tant excellent triumphe, les figures et pourtraicts des principaulx aornementz d’iceluy y sont apposez chauscun enson lieu comme l’on pourra veoir parle discours de l’histoire

França | 1551

Em outubro de 1550, Henrique II, Rei da França, e sua esposa, Catarina de Médici, fizeram uma entrada solene na cidade de Rouen. Como era de hábito, foram realizadas pomposas celebrações. O ponto alto dessas festividades foi, porém, a reconstituição de uma aldeia indígena brasileira em praça próxima ao rio. A flora local fora também complementada com arbustos e árvores pintadas de vermelho, para imitar o pau-brasil, e nelas foram penduradas frutas de várias cores. Construíram-se choupanas, semelhantes às das habitações indígenas da época. Cerca de cinquenta índios brasileiros, que haviam sido trazidos de seu país por marinheiros normandos e que viviam na cidade, foram reunidos para povoar esta floresta. No entanto, para aumentar a população da aldeia indígena, cerca de 150 marinheiros normandos, que haviam estado no Brasil, fantasiaram-se de índios (com os corpos nus inteiramente pintados) e comportaram-se como se estivessem numa aldeia indígena, como deitar-se nas redes e imitar os sons da língua, como se fossem índios. Foi enorme o sucesso do espetáculo, que atingiu seu clímax quando os índios simularam uma batalha entre os Tupinambás e os Tabajaras, atacando-se mutuamente com flechas e, por fim, ateando fogo nas choupanas. Para perpetuar a memória dessas magníficas festividades, Jean du Gord, famoso livreiro de Rouen, ordenou a impressão desse livro, que contém a descrição completa da festa brasileira em duas páginas. Sua publicação se deu no ano seguinte, 1551. A gravura “Figure des Brisilians” acompanha o livro, e é a primeira da história a retratar índios brasileiros. Nela, observamos a “floresta”, com os índios ocupados em suas tarefas diárias, descansando nas redes, cortando pau-brasil, carregando navios e lutando entre si.

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___ DOCUMENTO 3

Michel de Montaigne Essais (Des Cannibales)

França | 1580

Os mesmos índios que estavam na Festa Brasileira, em Rouen, continuaram a viver na cidade e foram durante anos uma das atrações turísticas do lugar. Quando o Rei Carlos IX visitou a cidade em 1562, foi apresentado a eles. Montaigne testemunhou o fato, e deve ter conservado vívida lembrança, pois refere-se aos índios na famosa passagem “Dos Canibais”, presente em seus Ensaios. Montaigne se afasta claramente das narrativas de sua época, que na maioria retratam o indígena como uma ameaça selvagem abominável, sem bondade nem civilização. Mesmo católico e apaixonado pelas letras, ele acredita que os índios não carecem do saber humanista e nem sequer do cristianismo. “Temo termos acelerado seu declínio e ruína com nosso contágio e termos lhes vendido caro demais nossas opiniões e artes”, diz Montaigne em outra passagem, alertando sobre o perigo de impor a outro povo uma cultura que germinou cristãos corruptos e europeus presunçosos.


___ DOCUMENTO 4

Claude d’Abbeville

Histoire de la Mission des Pères Capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisines

França | 1614

A obra narra a missão dos capuchinhos franceses ao Maranhão em 1612, integrada pelos padres Yves d’Evreux, Arsène de Paris, Ambroise d’Amiens e Claude d’Abbeville, numa tentativa de colonização do Norte do Brasil e de evangelização dos índios. Ao chegar, os padres logo receberam apoio dos Tupinambás para resistir aos Peros, como eram chamados os portugueses que também empreendiam expedições pela região, em intensa disputa com a França. O padre Ambroise morreu no Maranhão. Arsène de Paris e Claude d’Abbeville voltaram à França quatro meses depois. Yves d’Evreux permaneceu na região por dois anos e, ao regressar à Europa, escreveu Voyage dans le nord du Brésil fait durant les années 1613 et 1614, obra publicada em 1615 como continuação de Histoire de la Mission, sobre o Maranhão. Em seu retorno à França, Claude d’Abbeville levou consigo seis índios, que causaram sensação em Paris. Três deles morreram logo após a chegada, e os outros – Itapucu, Uaroyio e Laupuay – foram batizados, recebendo, os três, o mesmo nome: Luís. A cerimônia do batismo dos selvagens organizada pelos padres recebeu grande atenção. O evento contou com uma procissão em que, vestidos com trajes exóticos europeus, os índios desfilavam para uma multidão acotovelada, na presença da Rainha Catarina de Médici e de seu filho, Luís XIII. Sabe-se que, regressando mais tarde ao Brasil, os três Tupinambás vieram acompanhados das mulheres francesas que Luís XIII lhes dera em casamento. A primeira edição de Histoire de la Mission esgotou-se rapidamente, após ter sido impressa às pressas a fim de aproveitar a presença dos seis índios em Paris e a grande curiosidade que suscitavam entre o povo.

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___ DOCUMENTO 5

Yves d’Evroux

Voyage dans le nord du Brésil fait durant les années 1613 et 1614

França | 1615

Escrita com a intenção de completar a obra de Claude d’Abbeville publicada no ano anterior, Voyage dans le nord du Brésil omite o que já fora dito. Yves d’Evreux, tendo vivido um ano e meio a mais na região, trata de detalhes como a fauna e a vegetação tropical do próprio Maranhão, ao passo que d’Abbeville conta somente a história da missão. As muitas descrições publicadas sobre a ida dos capuchinhos franceses ao Maranhão levam a crer que os padres realizaram uma verdadeira campanha de publicidade em torno das expedições. A obra era, de fato, uma incitação à conquista. Além de elogiar as excelências do Maranhão e mostrar quão fácil seria ali uma colonização permanente, apelava aos jovens franceses e encorajava-os a estabelecer-se em terras onde pudessem encontrar aventura, glória e fortuna. Yves d’Evreux dá conselhos de como proceder, fornece orientações práticas, indica as mercadorias que deveriam levar para o escambo com os índios e as precauções que deveriam tomar durante a viagem e no tratamento com os nativos. Há também um grande esforço em exaltar o procedimento dos capuchinhos na evangelização, dada sua rivalidade com os jesuítas na época. Com valor histórico e etnográfico ímpar, o livro também é uma joia literária. Suas historietas tomam mais de quinhentas páginas, contadas com genuína malícia e humor galicanos. É grande o número de frases, diálogos e passagens escritas em tupi, além de uma série de orações, com suas respectivas traduções. Apesar da qualidade literária, o manuscrito do padre Yves não obteve permissão para circular após a publicação e seus poucos impressos foram quase todos destruídos. O motivo era político: Luís XIII tinha acabado de se casar com a infante da Espanha, Anne da Áustria. Com a união, França e Espanha se aliaram (incluindo Portugal na União Ibérica); o apoio à colônia foi interrompido e os colonos foram abandonados, a fim de evitar conflitos. O livro caiu no esquecimento por mais de duzentos anos, até que o livreiro Ferdinand Denis publicou uma nova edição, em 1864, seguindo o exemplar único conservado na Biblioteca Nacional.


___ DOCUMENTO 6

Louis Chancel de Lagrange

Campagne du Brésil faite contre les portugals

França | 1711

À bordo da fragata L’Aigle, um dos 17 navios da armada francesa, o 1º Tenente Louis Chancel de Lagrange relata o assalto e a tomada do Rio de Janeiro em 1711, pela expedição comandada por René Duguay-Trouin. O ataque, feito de surpresa, aproveitou-se de um súbito e atípico nevoeiro. Ao passo em que a população fugia para os morros e matas em torno da cidade, os piratas pediam 12 milhões de cruzados para deixar o Rio em paz. Acabaram levando 610 mil cruzados, uma batelada de açúcar e muitos bois. A narrativa de Lagrange é bastante descritiva ao contar detalhes do ataque e das negociações, com observações sobre a riqueza da terra, sua paisagem e seu povo.

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___ DOCUMENTO 7

Mrs. Jemima Kindersley

Letters from the Island of Teneriffe, Brazil, the Cape of Good Hope, and the East Indies

Inglaterra | 1777

Mrs. Kindersley foi a primeira mulher a escrever uma narrativa sobre o Brasil. De origem inglesa, casou-se em 1762 com o oficial de uma companhia das Índias Orientais, motivo pelo qual os dois viajaram duas vezes às colônias em expansão. Em 1764, partiram da Inglaterra rumo à Índia, fazendo longas escalas pelo caminho. Em agosto do mesmo ano desembarcou na Bahia. Suas descrições, feitas em cartas endereçadas a uma amiga, são muito interessantes. Ela descreve algumas particularidades, como as roupas das mulheres locais, os hábitos do povo, os escravos, os padres e as freiras. Escritas com certa parcialidade, as cartas de Mrs. Kindersley são de grande importância, especialmente por revelarem uma opinião feminina e crítica sobre a sociedade colonial.


___ DOCUMENTO 8

Jacques Arago Voyage Autour du Monde

França | 1822

Jacques Arago, artista da expedição científica chefiada por Claude-Louis de Freycinet, escreveu o relato da viagem num estilo muito espirituoso e divertido. Traduzido para várias línguas, obteve grande sucesso e foi reimpresso inúmeras vezes, com e sem ilustrações, em versão integral ou resumida. Há, inclusive, uma edição de 1855, em que ele brinca ao reproduzir um trecho do relato sem fazer o uso da letra A. Sua expedição chega ao Rio de Janeiro em 1817 e Arago fornece uma longa descrição de sua estada em Guanabara. É um dos raros documentos que retratam em detalhes o Cais do Valongo, um dos maiores portos escravagistas do mundo. Suas inúmeras histórias impressionam pela realidade com que descrevem a crueldade física e moral praticada contra os escravos. A obra nunca foi traduzida ou publicada no Brasil.

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___ DOCUMENTO 9

John McDouall

Narrative of a voyage to Patagonia and Terra del Fuego, through the Straits of Magellan

Inglaterra | 1833

O autor esteve de passagem pelo Rio de Janeiro em 1826 e foi mais um dos viajantes a testemunhar o triste espetáculo que se apresentava no Cais do Valongo. Em uma de suas observações, relata que os africanos entre 15 e 20 anos eram, muitas vezes, obrigados a reverenciar os compradores. Para convencê-los de que não andavam deprimidos, os mercadores davam-lhe estimulantes. Eram encorajados a dançar e a cantar para comprovar sua saúde e promover suas próprias vendas, geralmente negociadas pelo valor de 150 a 200 dólares. Inaugurado em 1811, o Cais do Valongo recebeu ao todo mais de 4 milhões de africanos. Em 2017, foi reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, um “lugar de memória”, ao lado de outros como o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, ou a cidade de Hiroshima, no Japão.


___ DOCUMENTO 10

Teodora da Cunha e Claro Antônio dos Santos Illustríssimo Senhor Luiz da Cunha / Meu Marido Senhor Luis

Brasil | 1866-1867

As cartas da escrava africana Teodora, escritas pelo brasileiro também escravo, Claro Antônio dos Santos, foram descobertas no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Ao complementar o serviço de carpinteiro com alguns vinténs advindos da sua habilidade com a escrita, Claro foi autor de inúmeras cartas enviadas como expressão da vontade de Teodora e de outros escravos analfabetos. Endereçadas ao seu marido, Luís da Cunha, as cartas de Teodora carregam informações de onde ela se encontra, onde fora vendida, quem é seu dono, quanto falta para a alforria; também revela seus desejos, como o pedido para que Luís junte dinheiro e se lembre da promessa que fizeram um ao outro. “O escravo que frequenta uma escola, que aprende a ler, que fica com a consciência de seus direitos, não pode mais ser escravo”, afirma Thomaz Alvez Júnior (apud Silva, 2000, p. 142). Não parece ter sido à toa a proibição oficial do ingresso de escravos às escolas brasileiras até o ano de 1888.

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___ DOCUMENTO 11

Lei Saraiva Brasil | 1881 Oficialmente, é o Decreto nº 3.029, que entrou em vigor dia 9 de janeiro de 1881, e teve como redator final o Deputado Geral Rui Barbosa. O decreto instituiu, pela primeira vez, o Título de Eleitor. Entre suas medidas excludentes, está a proibição do voto de analfabetos e de brasileiros que possuam renda inferior a 200$, com exceção dos que ocupam os cargos listados nos artículos da Lei. Além disso, impôs uma série de multas para quem descumprisse seus termos, impedindo definitivamente que as massas da população tivessem representação e voz política, inclusive as mulheres, para quem a lei conservou a inaptidão ao voto. Burocrática, a Lei Saraiva se estende por 80 páginas. Com resultado de suas novas regras, menos de 1% da população compareceu na primeira votação: 96.411 eleitores de um total elegível de apenas 145.296. O Império Brasileiro era, antes da Lei, um dos países mais democráticos do mundo, quando os eleitores na década de 70 somavam 10% da população, à frente de países como Alemanha, Portugal, Itália, Chile e Reino Unido. O Brasil chegou ao ano 2000 com duas vezes mais analfabetos do que tinha 120 anos antes, ao tempo da Lei Saraiva. O que confirma que a exclusão dos analfabetos do direito de voto, ao contrário do apregoado, não forçou o povo a procurar escola, muito menos o governo a ampliar seu número e a universalizar o ensino.


___ DOCUMENTO 12

Lima Barreto

Triste Fim de Policarpo Quaresma

Brasil | 1911

Exceção, o trecho de Lima Barreto é o único texto não originado diretamente de um documento. De onde mais, porém, teria saído Policarpo Quaresma, apaixonado pela Pátria, conhecedor dos rios, dos “heróis do Brasil”, “das suas cousas de tupi”, das mutilações “em todos os países históricos”? O que nos resta depois de uma história impregnada nas raízes de um conservadorismo bastardo, do qual ainda dividimos as louças?

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o

mundo

depois

da

por RUY FILHO

esquina


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inco anos pode não parecer muita coisa. Quase nunca o é, se pensado o quão importante é o tempo à confirmação e verticalização de processos artísticos. É preciso deixar gastarem as tentativas, sucumbir aos equívocos e, assim, encontrar aquilo capaz de desenhar o artista ou grupo ao seu real valor. Mas nem sempre o entendido por inevitável está certo. Em

2012, Felipe Hirsch encerrou os 20 anos da Sutil Companhia e virou a esquina seguindo adiante. A oportunidade surgiu com o convite para participar da Feira de Frankfurt (2013), na qual o Brasil fora homenageado. Ao não remontar uma companhia, ao não voltar ao passado, trouxe espaço para o novo, ao lado de alguns de seus melhores parceiros. Seguem juntos, no agora chamado Ultralíricos, ele, Daniela Thomas, Felipe Tassara, Beto Bruel e Arthur de Faria. O novo agrupamento, já que não cabe aos moldes tradicionais de companhia ou coletivo, construiu possibilidades e ampliou o fazer teatral. Daniela e Tassara passaram a olhar a cenografia a partir dos interesses pelas narrativas simbólicas próprias dos matérias como eles mesmos. Arthur convidou pares e estabeleceu vocabulários sonoros singulares à cena, no que hoje se confirma como Ultralíricos Arkestra. Tendo por pilar a ambos e a sempre fundamental iluminação de Beto, Felipe buscou, desde o início, ainda outro: a literatura. Vem pelas palavras de escritores brasileiros e de diversos países latino-americanos, a qualidade por uma escritura cênica que supera a mera encenação. São histórias e documentos que empilham por em dizeres subtextos do que nos é mais próprio, contudo nem sempre assimilado, percebido, assumido, questionado, enfrentado. O projeto inicial, a tetralogia Puzzle, se utiliza sobretudo de escritores brasileiros. Depois, A Tragédia Latino-americana e A Comédia Latino-americana, em um díptico espelhado, já contemplando nosso continente e seus escritores contemporâneos, muitos deles ignorados por aqui. Por fim, Selvageria, o mais recente, parte dos documentos iniciais sobre o Brasil escritos por europeus, durante nossos primeiros séculos, traduzindo nossa formação e imaginário com crueza e crueldade. Enquanto o Brasil se revelava e reinventava, nem sempre para melhor, o Ultralíricos agia no palco. Eram dias de apresentações, quando aconteceu a votação pelo impeachment; quando personagens históricos de nossa política foram cassados, denunciados, presos; em muitos dos momentos de enfrentamento das opressões pelas pessoas nas ruas. O discurso real ganhava, então, um aliado pelo estímulo ao pensamento e dúvida. Tem sido assim. Sugerindo ângulos, ampliando percepções, permitindo o riso e a dor com iguais coerências, conquistando isso e mais através da reunião em cena de muitos dos nossos melhores atores e atrizes. Felipe Hirsch virou a esquina e deixou a história como um passado a ser lembrado. Mas é fato: o Ultralíricos, pelos cantos quais tem chegado, faz das esquinas algo mais arriscado e saboroso. Os riscos são sempre mais interessantes do que os acertos, é verdade. Só que impressiona quando, acima de tudo, acertam ao mais urgente e ao por vir. E bastaram-lhe meros e curtos poucos mais de quatro anos para chegar a tanto.



A TRAGÉDIA E COMÉDIA LATINO AMERICANA NO THEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, DIAS 13 E 14 de OUTUBRO DE 2017.


Créditos _ páginas 16 e 17. Robert le Hoy e Jean du Gord - Cest la dedvction du sumptueux ordre plaisantz spectacles et magnifiquves thea-tres dresse, et exhibes para les citoiens de rouen ville metropolitaine du pays de normandie, a la sacre maiesté du treschristian roy de france, henry secõd leur souuerain seigneur, et à tresillustre dame, ma dame katharine de medicis, la royne son espouze, lors de leur triumphant ioyeulx et nouvel aduenement en icelle ville, qui fut es iours de mercredy et ieudy premier et secöd iours d’octobre, mil cinq cens cinquante et pour plus expresse intelligence de ce tant excellent triumphe, les figures et pourtraicts des principaulx aornementz d’iceluy y sont apposez chauscun enson lieu comme l’on pourra veoir parle discours de l’histoire | França 1551 _ páginas 32 e 33. Foto Elisa Mendes Os verbetes deste programa foram baseados na BIBLIOGRAPHIA BRASILIANA DE RUBENS BORBA DE MORAES, Editado pela EDUSP e FAPESP.


sesc

– serviço social do comércio

Administração Regional no Estado de São Paulo presidente do conselho regional

Abram Szajman

diretor do departamento regional

Danilo Santos de Miranda superintendentes

Técnico-Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli gerentes

Ação Cultural Rosana Paulo da Cunha Adjunta Kelly Adriano Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone Adjunto Iã Paulo Ribeiro Artes Gráficas Hélcio Magalhães Adjunta Karina Musumeci Sesc Vila Mariana Mariangela Abbatepaulo Adjunta Patricia Dini sesc vila mariana

Programação Mara Rita Oriolo (coordenação), Lúcia Nascimento, Aloísio Milani, Marina Pinheiro, Nathalie Ferraz Kaminski, Silas Storion e Tatiana Lazarini Fonseca Comunicação Natália Reis Infraestrutura Camila Paes de Castro de Souza Administrativo Manoel Expedito Freitas Operações e Serviços Ricardo Herculano Alimentação Célia Tucunduva Fonseca equipe sesc são paulo

Adriana Souza, Emerson Pirola, Sérgio Luis, Rodrigo Eloi e Rose Silveira


temporada

03 de Novembro a 17 de Dezembro de 2017 Quinta a Sábado 20h Domingo 18h Duração: 180 minutos 16 Classificação Indicativa

apoio institucional

realização


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