Trabalho social com pessoas refugiadas no Sesc São Paulo: 30 anos

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trabalho social com pessoas refugiadas no sesc são paulo: 30

anos

trabalho social com pessoas refugiadas no sesc são paulo:

30 anos

1995-2025

re·fú·gi·o

ref·uge refugio

(sm — latim: refugium )

1. Lugar seguro para on de alguém vai para não se expor a situaç ões de perigo; abrigo, esconderijo.

Shelter or protection from danger, trouble, etc. Lugar adecuado para refugiarse.

2. Amparo ou proteção que se pede a alguém.

A place, person or thing that provides shelter or p rotection for somebody/something

Protección frente a un peligro o amenaza.

Fonte: Dicionário Aurélio • Source: Oxford Advanced Learner’s Dictionary • Fuente: Di ccionario Real Academia Española

Integrar e se transformar

Presidente

President of the SESC São Paulo Regional Council

Presidente del Consejo Regional del Sesc São Paulo

por O Sesc São Paulo desenvolve ações de integração com pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio desde 1995, ano da assinatura do convênio com a Cáritas Brasileira, via Arquidiocesana de São Paulo, e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Em parceria com o Senac São Paulo, a instituição passa a promover encontros formativos e de reconhecimento mútuo para que essa população obtenha autonomia no Brasil. Isso se dá tanto por meio do curso de português como língua de acolhimento quanto pelo estímulo ao intercâmbio de experiências e saberes com os brasileiros, reconhecendo as potências e contribuições das pessoas de outras nacionalidades para a diversidade cultural do país.

De forma coordenada e complementar, essas instituições mantêm um trabalho estruturado em apoio a quem procura refúgio no Brasil, com vistas à facilitação de suas inserções social e econômica em um cenário caracterizado por desafios de ordens

distintas. Essa orquestração de caráter humanitário ganha concretude em atividades educativas e culturais, seja pelas trilhas da educação não formal e permanente, como no caso do Sesc, seja pelo caminho formal da sala de aula, como praticado pelo Senac. O trabalho social com pessoas em situação de refúgio e migração, realizado há três décadas pelo Sesc, é pioneiro no engajamento em prol da agregação desse contingente populacional no país, o que implica sustentar a reciprocidade de tal processo. A busca por integrar essas pessoas, além de tornar favorável o seu ingresso e adaptação nas comunidades que as acolhem, fomenta a capacidade de mudança da própria sociedade brasileira. Ao receber novos grupos, com as práticas e valores que seus membros trazem consigo, uma nação tem a chance de se transformar e, com isso, se tornar mais complexa e plural, em razão da convivência e da solidariedade mantidas com aqueles e aquelas que encontram no Brasil um lugar de acolhimento.

Dignidade como inegociávelprincípio

Director

por Há mais de três décadas, o Sesc São Paulo respondeu ao convite de Dom Paulo Evaristo Arns, que representava a organização Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP), para que, em conjunto com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), trabalhasse pelo acolhimento e integração de pessoas em situação de refúgio e migração na sociedade brasileira. Esse percurso se sustenta até hoje, no entendimento de que a promoção e a defesa dos direitos humanos são indissociáveis da missão institucional.

Em parceria com tais organismos internacionais, organizações da sociedade civil e poder público, tem-se buscado promover espaços que extrapolem a lógica da acolhida emergencial e que possibilitem a criação de situações de convivência, aprendizagem e expressão cultural. Cursos de língua portuguesa realizados em parceria com o Senac São Paulo, projetos artísticos, ações formativas, iniciativas em saúde e esporte se configuram como territórios de vínculo e de produção simbólica, nos quais experiências e saberes deslocados podem se enunciar, valorizando as diversidades, reconhecendo trajetórias e ampliando o acesso a direitos.

Celebrar a longevidade dessa atuação é também reafirmar um compromisso, sem se desviar das urgências que persistem. Em um cenário global, em que deslocamentos forçados atingem números sem precedentes, a indiferença e a xenofobia, articuladas aos racismos e machismos, desafiam políticas de integração. Nesse sentido, torna-se cada vez mais necessário fortalecer redes e estimular o diálogo intercultural.

O Sesc mantém sua contribuição, a partir da ação cultural, para questionar invisibilizações e afirmar a diversidade como valor estruturante da vida democrática. Reconhece que a presença de pessoas em situação de refúgio compõe nossa sociedade e que essa condição implica responsabilidades que atravessam todas as instâncias sociais, em um exercício de cidadania para a construção de um país mais justo, plural e acolhedor. Este catálogo reúne registros, perspectivas e memórias que são muito mais do que testemunhos de uma trajetória institucional: trata-se de um chamado a seguir imaginando e experimentando coletivamente formas de convivência, nas quais a dignidade humana não seja concessão, mas fundamento.

Três décadas de trabalho conjunto para a promoção dos direitos das pessoas refugiadas em São Paulo

Davide Torzilli

Representante da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) no Brasil

UN Refugee Agency (UNHCR) representative in Brazil

Representante de la Agencia de la ONU para los Refugiados (ACNUR) en Brasil

por Grande parte das pessoas que necessitam de proteção internacional ao Brasil chega por São Paulo, e outras milhares encontram aqui as oportunidades que precisam para recomeçar suas vidas com dignidade e segurança. E, há 30 anos, temos o orgulho de poder trabalhar ao lado da Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP) e do Sesc São Paulo para promover o acolhimento e a proteção dessas pessoas.

Por meio de diferentes iniciativas, juntos buscamos a integração de pessoas refugiadas à sociedade paulista. De aulas de português a cursos diversos, de acesso a equipamentos públicos a opções de esporte e lazer, unimos esforços para que as pessoas refugiadas se sintam acolhidas e respeitadas.

Da mesma forma, promovemos ações que incentivam a convivência pacífica e que preparam a comunidade paulista para olhar para as pessoas refugiadas com empatia –como é o caso do projeto Refúgios Humanos, que há anos forma profissionais da rede pública de ensino para o acolhimento e a integração de estudantes refugiados.

Em três décadas, os impactos dos conflitos e das crises humanitárias ganharam proporções maiores. Frente a todos os desafios impostos, a parceria entre ACNUR, CASP e Sesc São Paulo mostra que é possível superá-los quando diferentes setores se unem com um mesmo propósito.

Três décadas de parceria e acolhimento

Diácono

Diretor da Caritas Arquidiocesana de São Paulo

Director of the Caritas Arquidiocesana de São Paulo

Director de Caritas Arquidiocesana de São Paulo

por O Sesc São Paulo atua há 30 anos junto a pessoas refugiadas e migrantes, uma trajetória iniciada com a assinatura do convênio entre o Sesc, o Senac e a Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP). Com muita alegria, comemoramos juntos essa parceria, na promoção da integração de pessoas refugiadas e migrantes por meio do ensino do português como segunda língua.

Desde 1995, essa iniciativa pioneira, idealizada por Dom Paulo Evaristo Arns, em um contexto anterior à Lei n. 9.474/1997, a Lei de Refúgio, tem oferecido não apenas aprendizado do idioma, mas também acesso à cultura brasileira, ao lazer e à convivência democrática.

Com turmas presenciais e remotas em diversas unidades do Sesc, milhares de pessoas de diferentes nacionalidades encontraram acolhimento e oportunidades reais de reconstrução de suas vidas. A parceria também viabiliza o acesso às atividades culturais, esportivas e educativas do Sesc, fortalecendo os vínculos com a comunidade brasileira. Além disso, a CASP participa do projeto Refúgios Humanos, formando educadores da rede municipal sobre migração e refúgio.

A Caritas Arquidiocesana de São Paulo agradece a diretoria e os demais colaboradores do Sesc por fazerem parte dessa trajetória de inclusão, respeito e esperança, dando exemplo de que organizações com compromisso social como as nossas podem contribuir para um Brasil melhor, além de proporcionar aos nossos irmãos refugiados a dignidade humana, o direito à vida. Que Deus abençoe a todos!

Entre o deslocamento forçado e a possibilidade de reconstrução

O Sesc São Paulo e o pioneirismo no trabalho para promover acesso aos direitos humanos para todas as pessoas 23

O Sesc na vanguarda da garantia aos direitos humanos

memórias

memories memorias

O início das ações do Sesc São Paulo junto a pessoas refugiadas

Desde a década de 1990, marcada pela intensificação da globalização econômica, observam-se transformações profundas na dinâmica da mobilidade humana em todo o mundo, inclusive no Brasil, com um aumento expressivo no número de solicitantes de refúgio. Antes mesmo de a legislação brasileira regulamentar o tema, o Sesc São Paulo já havia iniciado suas parcerias institucionais e ações programáticas voltadas a esse público.

O ponto de partida ocorreu no final de 1995, quando o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), então arcebispo de São Paulo, manifestou ao Sesc São Paulo a sua preocupação com o crescente número de pedidos de refúgio recebidos pelo Brasil. Dom Paulo ressaltava a necessidade de acolhimento e ampliação do suporte social e cultural destinado a esse grupo que chegava ao país. Diante desse cenário, o Sesc São Paulo firmou uma parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o Senac São Paulo (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial/SP) e a entidade católica Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP). Após o atendimento inicial pela Caritas, as pessoas refugiadas eram encaminhadas ao Sesc São Paulo, onde tinham acesso aos serviços da instituição e a uma ampla oferta de atividades socioeducativas, artísticas, esportivas, de lazer e alimentação, entre outras.

“O Sesc São Paulo propõe, nesse início, duas frentes de trabalho: o curso de língua portuguesa para pessoas refugiadas e o acesso à alimentação. Naquele momento, muitos refugiados vinham de Angola, país africano onde se fala português. Mas muitas pessoas, principalmente as mulheres, apesar de falarem o português, não sabiam escrever nessa língua, daí a importância do curso. Recebemos muitas pessoas da América Central também, naqueles anos”, rememora Denise Collus, que é formada em serviço social e atuou por mais de 20 anos no Sesc São Paulo, com ações relacionadas a pessoas em situação de refúgio.

Sobre a oferta de alimentação, realizada naquele momento pelo Sesc Carmo, unidade localizada no centro da cidade, Collus destaca: “Foi uma iniciativa ainda mais importante do que o curso de português, porque as pessoas podiam escolher o horário em que almoçavam, escolhiam o que comer, administravam o seu dinheiro, decidiam com quem se sentar para fazer cada refeição”. Era a possibilidade inicial de restabelecer autonomia após a saída forçada de seus países de origem. Além da credencial do Sesc São Paulo, as pessoas refugiadas recebiam um cartão de alimentação que lhes garantia desconto no valor das refeições. Inicialmente, nos anos 1990, as atividades específicas para as pessoas em situação de refúgio concentravam-se nas unidades

Ao falar sobre as condições de refúgio no Brasil, especialmente em São Paulo, não devemos ignorar a experiência com o Sesc São Paulo. (...) Desde o primeiro contato, suas portas se abrem para acolher de forma ampla. É possível participar de oficinas, assistir a apresentações e permanecer nos espaços de convivência, onde se respira respeito e tranquilidade. Cria-se, assim, em meio ao caos de uma metrópole, um ambiente em que as pessoas podem existir sem medo.

Yara Osman fotógrafa, pianista e tradutora nascida na Síria e refugiada no Brasil desde 2016

Carmo e Consolação. Foi de modo gradativo que as demais unidades passaram a disponibilizar outros serviços e atividades voltadas a esse público.

Como reflete Yara Osman, fotógrafa, pianista e tradutora nascida na Síria e refugiada no Brasil desde 2016, “ao falar sobre as condições de refúgio no Brasil, especialmente em São Paulo, não devemos ignorar a experiência com o Sesc São Paulo. Não se trata apenas de uma instituição, mas de um abrigo simbólico. Desde o primeiro contato, suas portas se abrem para acolher de forma ampla. É possível participar de oficinas, assistir a apresentações e permanecer nos espaços de convivência, onde se respira respeito e tranquilidade. Cria-se, assim, em meio ao caos de uma metrópole, um ambiente em que as pessoas podem existir sem medo”. Do ponto de vista da socialização e da comunicação, um marco importante foi a criação, em 2001, do programa Internet Livre, que oferecia acesso gratuito à internet. O projeto tornou-se um espaço de encontro, comunicação à distância e intercâmbio cultural. Segundo Collus, “quando teve início o programa Internet Livre, as pessoas refugiadas tinham acesso de novo às músicas e notícias de seus países. Elas faziam fila para usar os computadores. Esse programa foi uma janela de volta para o mundo. Elas tomaram conta desses espaços”.

O Sesc São Paulo e o pioneirismo no trabalho para promover acesso aos direitos humanos

para

todas as pessoas

A atuação do Sesc São Paulo no acolhimento de pessoas refugiadas antecede a regulamentação oficial promovida pelo Estado brasileiro, estabelecida apenas no final da década de 1990, com a promulgação da Lei nº 9.474/1997, conhecida como Lei de Refúgio. Essa atuação também precede, em muitos anos, a percepção desse tema como questão central dos direitos humanos, enfatizando a preocupação e a atenção da instituição para situações humanitárias resultantes de conflitos no mundo.

Com o passar do tempo, as atividades oferecidas nas unidades passaram por transformações, promovendo a convivência entre diferentes públicos e contribuindo para a sensibilização da sociedade em relação às crises migratórias e seus impactos globais.

A partir de 2009, o trabalho com pessoas refugiadas ganha novos contornos. Com a criação da área de Identidade e Diversidade Cultural, o programa se consolida como uma das principais ações nacionais voltadas às migrações e ao refúgio, nos campos socioeducativo e cultural.

“Em todas as unidades, programações regulares dão visibilidade às histórias, culturas e trajetórias de quem vivencia o deslocamento, transformando o acolhimento em um ato permanente de convivência e aprendizado. Mais do que atividades pontuais, trata-se de uma programação contínua que atravessa linguagens artísticas, ações educativas e formativas, sempre buscando garantir o protagonismo das pessoas refugiadas, comprometida em evidenciar a potência dessas pessoas e comunidades”, ressalta Flavia Carvalho, gerente da Gerência de Estudos e Programas Sociais (Gepros), responsável pelo programa de Direitos Humanos do Sesc São Paulo.

Para Fabiana Bezerra Nogueira, assistente técnica de Educação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e parceira do Sesc São Paulo no projeto Refúgios Humanos, desenvolvido desde 2016, essas atividades são fundamentais para a ampliação do acesso a diferentes saberes, culturas e epistemologias, especialmente quando envolvem outros setores da sociedade, como ocorre no referido projeto. A iniciativa

Mais do que atividades pontuais, trata-se de uma programação contínua que atravessa linguagens artísticas, ações educativas e formativas, sempre buscando garantir o protagonismo das pessoas refugiadas, comprometida em evidenciar a potência dessas pessoas e comunidades

Flavia Carvalho gerente da Gerência de Estudos e Programas Sociais (Gepros), responsável pelo programa de Direitos Humanos do Sesc São Paulo

apresenta aos professores da rede pública de ensino as histórias e experiências de pessoas refugiadas, com o propósito de promover a comunicação e a convivência no ambiente escolar.

“Grande parte dos estudantes migrantes internacionais matriculados na rede municipal de ensino são oriundos de países do sul global, principalmente da América Latina e da África, sobre os quais recaem estigmas historicamente construídos em torno da pobreza, da violência e do atraso. Esses estigmas prevalecem em nossa sociedade, sustentados por uma lógica eurocêntrica e por estruturas coloniais ainda presentes nas formas de pensar, ensinar e conviver. Ao promover o acesso a saberes, culturas e epistemologias diversas – e, sobretudo, ao fazê-lo de forma não hierárquica –, criam-se condições para que o espaço escolar se transforme. Ele deixa de ser apenas um reprodutor de valores dominantes para se tornar um lugar de escuta, valorização e troca real entre diferentes formas de ser e estar no mundo”, analisa.

Art. 4º

Ao migrante é garant ida no território nacional, em condiçã o de igualdade com os nacionais, a i nviolabilidade do direito à vida, à liberd ade, à igualdade, à segurança e à propri edade [...].

Migrants are guaranteed, in the natio nal territory, the same rights as nationals, the inviolability of the righ t to life, liberty, equality, security and property [...]

Al migrante se le garantiza en el terr itorio nacional, en condiciones de igualdad con los nacionales, la invio labilidad del derecho a la vida, la libertad, la igualdad, la seguridad y la propiedad [...]

Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, conhecida como a Lei de Migração

Law No. 13,445 of May 24, 2017, known as the Migration Law Ley n.º 13.445, de 24 de mayo de 2017, conocida como Ley de Migración

no mundo

globally en el mundo

dezembro de 1950

december 1950

diciembre de 1950

Criação do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações

Unidas para Refugiados, em consequência dos deslocamentos provocados pela Segunda Guerra Mundial.

UNHCR, the United Nations High Commissioner for Refugees, is created as a result of the displacement of people caused by World War II.

Creación del ACNUR, el Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Refugiados, como consecuencia de los desplazamientos provocados por la Segunda Guerra Mundial.

janeiro de 1951

january 1951 enero de 1951

O ACNUR inicia sua atuação, buscando a proteção adequada de refugiados e solicitantes de refúgio.

UNHCR begins its work, seeking adequate protection for refugees and asylum seekers.

ACNUR inicia sus actividades, buscando la protección adecuada de los refugiados y solicitantes de refugio.

1967

O Protocolo de 1967 amplia e consolida as proteções estabelecidas, abrangendo refugiados para além do continente europeu.

The 1967 Protocol expands and consolidates established protections, addressing refugees outside the European continent.

El Protocolo de 1967 amplía y consolida las protecciones establecidas, abarcando refugiados más allá del continente europeo.

no

Brasil in Brazil en Brasil

década de 1990 1990s

Milhares de refugiados chegam ao país. Entre eles, muitos angolanos que fogem da guerra civil.

Thousands of refugees arrive in the country, including many Angolans fleeing civil war.

Miles de refugiados llegan al país, entre ellos muchos angoleños que huyen de la guerra civil.

1997

Lei nº 9.474/1997, conhecida como Lei do Refúgio, estabelece as diretrizes para a implementação do Estatuto dos Refugiados no país.

Law No. 9,474/1997, known as the Refugee Law, establishes guidelines for implementing the Refugee Statute in the country.

La Ley n.º 9.474/1997, conocida como Ley de Refugio, establece las directrices para la implementación del Estatuto de los Refugiados en el país.

2017

Lei nº 13.445/2017 garante a possibilidade de a pessoa refugiada trazer a família para viver no Brasil, por meio da concessão de vistos temporários.

Law No. 13,445/2017 guarantees the right for refugees to bring their families to live in Brazil through the granting of temporary visas.

La Ley n.º 13.445/2017 garantiza la posibilidad de que la persona refugiada traiga a su familia a vivir a Brasil, mediante la concesión de visas temporales.

O Sesc na vanguarda da garantia aos direitos humanos

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre migrações indicam que, nas primeiras décadas do século 21, o número de pessoas que se deslocaram em busca de melhores condições de vida atingiu um dos índices mais altos já registrados na história. Parte dessas pessoas migram em busca de oportunidades econômicas e profissionais, ou mesmo desejando novas experiências. No entanto, as pessoas em situação de refúgio o fazem para garantir a própria vida.

O conceito de “refúgio” se relaciona diretamente ao deslocamento forçado, pois quem deixa o país de origem nessas condições geralmente não dispõe de outra alternativa e enfrenta grandes dificuldades para retornar, mesmo diante do compromisso de diversos acordos internacionais que visam garantir o retorno seguro de refugiados. O medo da

morte em contextos de guerra ou catástrofe, bem como o temor de perseguição – política, religiosa, econômica, por orientação sexual ou identidade de gênero – afetam profundamente essas pessoas, colocando suas vidas em risco. Ao solicitar o refúgio em outro país, a pessoa busca por um lugar em que possa estar a salvo dos conflitos, sendo recebida pelo país de destino com todos os direitos humanos assegurados. Contudo, na prática, essa acolhida nem sempre se concretiza da forma esperada.

Nesse contexto, instituições como o Sesc São Paulo, o Senac e a Caritas Arquidiocesana de São Paulo e o ACNUR desempenham um papel essencial, oferecendo instrumentos que favorecem a inserção na sociedade brasileira, por meio de atividades e ações socioeducativas e culturais.

refugiados refugees

Pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados.

People who are outside their country of origin due to well-founded fears of persecution related to race, religion, nationality, membership in a particular social group, or political opinion, as well as due to serious and widespread human rights violations and armed conflicts.

Personas que se encuentran fuera de su país de origen debido a temores fundados de persecución relacionados con cuestiones de raza, religión, nacionalidad, pertenencia a un determinado grupo social u opinión política, así como debido a graves y generalizadas violaciones de derechos humanos y a conflictos armados.

43,7 milhões

43.7 million

43.7 millones

Número de refugiados em todo o mundo (dados de junho de 2024)

People who were refugees worldwide, as in June of 2024. Personas refugiadas en todo el mundo, en junio de 2024. Fonte: ACNUR • Source: UNHCR • Fuente: ACNUR

ações

actions acciones

Durante os 30 anos de atuação junto a pessoas em situação de refúgio e migração, o Sesc São Paulo seguiu consolidando seu trabalho por meio de diversas ações que, simultaneamente, buscam evidenciar as desigualdades estruturais que atravessam os processos migratórios. A instituição reconhece que o deslocamento forçado é permeado por sistemas de violência, racismo, xenofobia, patriarcado e desigualdade econômica, e compreende que o fortalecimento de uma cultura de acolhimento requer o enfrentamento de estereótipos, a correção de equívocos históricos e a promoção de debates qualificados sobre as causas e consequências da migração.

Com esse propósito, as programações educativas e culturais, as rodas de conversa, as formações de educadores, bem como as ações artísticas e mediadas, têm se configurado como espaços de expressão e protagonismo, nos quais as próprias pessoas refugiadas e migrantes assumem o papel de produtoras de narrativas, compartilhando reflexões, memórias e reivindicações.

Nesse percurso, conforme destaca João Doescher, técnico da área de Direitos Humanos, Refúgio e Migração da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo, “o Sesc São Paulo reafirma o compromisso de possibilitar a ocupação de espaços de convivência e o intercâmbio de manifestações culturais, reconhecendo as potências dos grupos que vivenciam processos de deslocamento. As ações desenvolvidas vão além do acolhimento e promovem encontros que geram pertencimento, transformando percepções no tecido social”.

Projetos e ações permanentes voltadas às pessoas refugiadas e migrantes

Curso de Português como Língua Estrangeira

A primeira turma do curso foi realizada em 1996, após a efetivação da parceria entre o Sesc São Paulo, o ACNUR, o Senac São Paulo e a Caritas Arquidiocesana de São Paulo. Ao longo dos anos de atuação junto a pessoas em situação de refúgio, essa iniciativa consolidou-se como uma das ações mais relevantes da instituição.

O curso possui uma proposta curricular estruturada com base na educação formal, com conteúdos organizados em material didático e emissão de certificado para os participantes que comparecem a, no mínimo, 70% das aulas. No entanto, mais do que uma formação acadêmica, o curso concretiza-se como uma ação voltada à inserção social das pessoas participantes, por meio da prática da língua portuguesa e da promoção do convívio, da troca e do diálogo entre todos. Além de abordar as noções básicas da língua, o curso apresenta também aspectos culturais, hábitos e costumes da sociedade brasileira.

Quando chegou ao Brasil, o refugiado Esmatullah Mohsini permaneceu por dois

meses no Aeroporto de Guarulhos, sem ter para onde ir. Com o Talibã no poder, o jovem afegão de 18 anos obteve um visto humanitário e chegou sozinho ao país em novembro de 2022. No início de sua estadia, a comunicação era feita por meio de um aplicativo de tradução, uma vez que ele não falava inglês nem português. Após aprender o básico do idioma com o casal que o acolheu, Esmatullah ingressou no Curso de Português promovido pelo Sesc São Paulo.

“Fui alfabetizado pela minha mãe brasileira, que procurou ajuda na internet e descobriu esse projeto. O primeiro curso eu fiz online e, depois, refiz presencialmente”, relembra. Para ele, a experiência foi determinante em seu processo de adaptação.

“Primeiro, descobri que eu não estava sozinho, depois fui me soltando e conseguindo me comunicar. Foi um desafio muito grande fazer o curso online, mas minha mãe fez todas as aulas comigo. Presencialmente foi melhor, porque conheci outros afegãos que me ajudaram também.” Gradualmente,

Esmatullah conseguiu desenvolver sua marca de bolsas artesanais e passou a participar de outros projetos do Sesc São Paulo, como o Sabores em Refúgio.

De acordo com Evander Veríssimo, assistente social da Secretaria de Emprego, Trabalho e Renda da Prefeitura de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, a parceria entre o Sesc São Paulo e o poder público tem sido fundamental para sensibilizar gestores, trabalhadores e a sociedade em geral sobre os direitos da população migrante. No município, o Curso de Português como Língua Estrangeira tornou-se referência, com mais de 16 turmas realizadas e cerca de 320 participantes. “Essa união de esforços garante não apenas o acesso à língua portuguesa, mas também a ampliação de oportunidades de inclusão social, cultural e profissional na cidade de Osasco”, afirma. Ele relembra ainda momentos marcantes, como o caso de Ablerette Joseph, cidadã haitiana que participou do curso em 2020 e, no ano seguinte, passou a trabalhar como atendente na Secretaria de Emprego, atuando diretamente no apoio a outros migrantes em seu processo de integração. Até o ano de 2025, mais de 5 mil pessoas refugiadas participaram das aulas do curso em todo o estado de São Paulo. A iniciativa tem como objetivos minimizar as dificuldades associadas à migração forçada, contribuir para a integração de diferentes grupos de refugiados, sensibilizar as comunidades que os recebem quanto à convivência e ao acolhimento, além de colaborar com outras instituições que atuam na mesma área. Durante a pandemia de Covid-19, em 2020, foi criada a versão online do curso, permitindo que as pessoas pudessem estudar mesmo durante o isolamento social.

Embora o curso seja voltado prioritariamente a pessoas em situação de refúgio, em algumas ocasiões ele é também oferecido a migrantes em desproteção social. Desde a implementação do projeto, as inscrições são realizadas a partir do encaminhamento das pessoas refugiadas atendidas pela Caritas e outros parceiros.

Pessoas refugiadas e migrantes aprendem a língua portuguesa e os hábitos da cultura brasileira durante o Curso de Português como Língua Estrangeira

Orquestra Mundana

Refugi

Coletivo musical formado por artistas de diferentes países, origens e tradições culturais, cujo propósito é promover o encontro entre sons, histórias e identidades diversas. O grupo reúne músicos refugiados, migrantes e brasileiros, desenvolvendo uma proposta artística que valoriza a convivência e o diálogo intercultural por meio da música. Seu repertório inclui canções tradicionais de diversas regiões do mundo, reinterpretadas em arranjos coletivos que combinam instrumentos e ritmos de diferentes territórios, resultando em uma sonoridade singular, símbolo da convivência possível entre povos. Além das apresentações, o coletivo realiza ações educativas e sociais, reafirmando a arte como instrumento de acolhimento, escuta e celebração da diversidade.

A trajetória da Orquestra Mundana teve início em 2002, ainda sem a denominação atual, embora sua semente já pudesse ser observada em projetos realizados pelo multi-instrumentista Carlinhos Antunes no Sesc São Paulo, no final da década de 1990. “Um deles se intitulou São Paulo de Todos os Povos. Reuni músicos de várias partes: Espanha, Japão, Líbano, França, Guiné, além de pessoas de várias regiões do Brasil. Outro projeto foi o Lorca na Rua, que trouxe para São Paulo músicos do mundo flamenco e do mundo árabe. Esses foram os embriões da Orquestra Mundana”, recorda Carlinhos, maestro e diretor musical do coletivo.

Inicialmente, para integrar a Orquestra, era necessário não apenas ser músico, mas

também possuir conhecimento e apreço pela diversidade e pelas culturas do mundo. O núcleo fixo da Orquestra permanecia em São Paulo, composto por brasileiros, um cubano e um libanês, com convites periódicos a artistas de outros países.

Em 2017 foi realizado no Sesc São Paulo o Projeto Refugi, em celebração aos 15 anos da Orquestra Mundana, integrando palestras, oficinas e ensaios abertos, envolvendo não apenas músicos, mas também especialistas na temática do refúgio, entidades de acolhimento e pessoas em situação de refúgio. “Todas as pessoas refugiadas ou migrantes que cantassem ou tocassem algum instrumento podiam fazer parte de um espetáculo que seria gravado e filmado. A ideia era cada integrante ser porta-voz da própria cultura e

da cultura dos companheiros da orquestra, um acolhimento coletivo”, explica Carlinhos. Esse projeto consolidou o novo nome do coletivo, que passou a ser conhecido como Orquestra Mundana Refugi. Se “Mundana” remete à ideia de alguém que percorre o mundo e acumula conhecimentos, “Refugi” expressa a integração de refugiados e migrantes, sendo o “i” final um símbolo dessa conexão.

O cantor e compositor Leonardo Matumona, natural do Congo, integrante do grupo Os Escolhidos e da Orquestra Mundana Refugi, compartilha a trajetória da própria orquestra: “Sempre cantei. Comecei muito cedo, por conta do incentivo dos meus pais. E me lembro de vários momentos felizes que a música me proporcionou. Aos 11 anos, no grupo coral da igreja, um desses momentos

me marcou demais. Eu imitava o regente durante os ensaios e, numa tarde musical, o diretor técnico decidiu que eu seria o regente do coro naquela tarde. Tudo começou ali”. Desde sua fundação, a Orquestra Mundana Refugi produziu quatro álbuns, sendo um deles lançado pelo Selo Sesc, além de participar de projetos de outros artistas e de grandes festivais. O coletivo também recebeu reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) por sua contribuição à integração cultural de pessoas em situação de refúgio e migração.

Em 2025, o grupo é composto por 22 músicos provenientes de países diversos, Síria, Palestina, Líbano, China, Venezuela, Cuba, Congo, Guiné, Irã e França, além de convidados de outras nacionalidades.

Apresentação da Orquestra Mundana Refugi, em 2023, no Sesc 14 Bis

Sabores em Refúgio

Cozinhar transcende a técnica culinária: constitui um ato profundamente conectado às trajetórias de vida de cada indivíduo. Para a refugiada haitiana Ginette Cadet, a memória remete ao seu país natal e à convivência com a mãe: “Uma das memórias mais felizes é de quando eu cozinhava arroz e molho de quiabo no Haiti, porque essa é uma receita que aprendi com a minha mãe”, recorda. Muito mais do que ensinar técnicas culinárias, o projeto Sabores em Refúgio, criado em 2014, foi concebido como espaço de convivência e intercâmbio cultural, a partir da gastronomia e dos relatos de experiência de pessoas em situação de refúgio no Brasil. A iniciativa possibilita a partilha entre pessoas refugiadas, estudantes e professores de gastronomia. A ação é realizada em parceria entre o Sesc São Paulo e o Senac de Osasco, na região metropolitana da capital

paulista, contando com o apoio da Caritas, do ACNUR e da Secretaria de Emprego, Trabalho e Renda da Prefeitura de Osasco, responsável pelo mapeamento das pessoas em situação de refúgio na região.

Ginette participou do Sabores em Refúgio em 2024, quase seis anos após sua chegada ao Brasil. “Depois do recebimento do visto, eu comprei a passagem para o Brasil, no mês de setembro de 2018. Felizmente, não enfrentei muitos desafios na chegada, porque meu esposo já estava aqui”, relata. Durante sua participação no projeto, adquiriu novas receitas e compartilhou suas experiências com os demais participantes. “Foi um prazer participar do programa, porque eu aprendi muita coisa e compartilhei algumas coisas também”, acrescenta. O curso contempla boas práticas na cozinha, planejamento de lista de compras, elaboração de ficha técnica dos alimentos e promove a convivência entre pessoas de diversas nacionalidades. Na edição de 2024, participaram pessoas refugiadas provenientes do Congo, da Colômbia, do Afeganistão, do Haiti, da Venezuela, da República Dominicana e do Irã.

Refúgios

Humanos

Com a intenção de promover um acolhimento mais sensível e inclusivo no contexto escolar, fortalecendo vínculos e estimulando a convivência entre todos, foi criado em 2016 o projeto Refúgios Humanos, realizado pelo Sesc São Paulo em parceria com a Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo, com apoio e participação do ACNUR.

O ciclo formativo oferece 45 horas de capacitação a professores do ensino fundamental da rede pública municipal, abrangendo diferentes regiões da cidade por meio das Diretorias Regionais de Educação, e já envolveu mais de 3 mil educadores.

Com uma média de 12 palestrantes por período de formação, os encontros abordam a temática do refúgio e a ampla diversidade de experiências de pessoas refugiadas, buscando, simultaneamente, dialogar com as demandas concretas do cotidiano escolar, dos educadores

e das comunidades, também marcadas pela pluralidade. A atividade ocorre por meio da troca de experiências entre pessoas refugiadas e profissionais do ACNUR, em um processo dialógico e formativo.

A metodologia do projeto prevê o convite aos professores participantes para que, em sala de aula e no ambiente escolar, compartilhem as reflexões desenvolvidas ao longo da formação, favorecendo a acolhida e a integração de crianças refugiadas nas escolas.

De acordo com Davide Torzilli, representante da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) no Brasil, “essa formação tem refletido em iniciativas que buscam entender o contexto de cada criança e adolescente não brasileiro nas escolas municipais, acolher a eles e às suas famílias e transformar as escolas em um ambiente de convivência pacífica, inclusiva e livre de preconceitos”.

As ações do projeto Refúgios Humanos destacam-se tanto pela qualidade do conteúdo desenvolvido quanto pelo interesse despertado entre os professores da rede municipal. O projeto tem como propósito sensibilizar e capacitar educadores para que aprimorem o acolhimento de crianças de diferentes nacionalidades,

Encontro final da edição de 2023 do Refúgios Humanos no Sesc Campo Limpo
Evento de degustação do Sabores em Refúgio

considerando suas trajetórias, culturas e experiências de vida. As formações propõem uma abordagem participativa que valoriza a presença e a contribuição das próprias pessoas refugiadas, ampliando o diálogo intercultural e fortalecendo a construção de práticas pedagógicas mais inclusivas e sensíveis à diversidade. Para a pesquisadora e mediadora Eda Nagayama, “os momentos mais gratificantes do projeto são sempre quando testemunho nos participantes a descoberta da realidade do deslocamento forçado: a empatia, a profunda compreensão diante do sofrimento e da dificuldade daquele que narra sua experiência. Uma vez que sabemos, não é possível deixar de saber”.

O contato direto com a realidade das pessoas refugiadas também é um dos aspectos mais significativos do projeto, conforme destaca Fabiana Bezerra Nogueira, assistente técnica de Educação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo: “A aproximação com as experiências concretas desses sujeitos possibilita a quebra de estereótipos e preconceitos muitas vezes naturalizados no ambiente escolar e na sociedade. Ao ouvir suas histórias, trajetórias e desafios, educadoras e

educadores são convidados a repensar suas próprias práticas e visões de mundo. O curso também abre espaço para uma reflexão sobre as migrações contemporâneas a partir dos próprios sujeitos migrantes. Esse processo contribui para ampliar a compreensão das diferentes realidades culturais, sociais e linguísticas dos estudantes migrantes e de suas famílias, promovendo o respeito à diversidade e a inclusão no ambiente escolar de maneira mais qualificada”.

Na prática, o projeto viabiliza ações simples, mas de grande impacto, como a tradução de bilhetes enviados às famílias ou a adoção de uma linguagem escrita mais acessível, de modo a facilitar a comunicação com quem ainda não domina plenamente a língua portuguesa. Pequenas atitudes podem parecer simples, mas são elas que criam pontes de diálogo e ajudam a vencer as barreiras da língua. Além disso, incluir novos temas e referências nos currículos é essencial para reconhecer e valorizar as culturas e os povos que agora fazem parte das escolas. Esse projeto só se torna possível graças à atuação conjunta do Sesc São Paulo, do ACNUR e da Secretaria Municipal de Educação no fortalecimento do projeto.

Culturas em Trânsito

O projeto em rede, realizado de forma simultânea em diversas unidades do Sesc São Paulo, tem como objetivo promover o protagonismo de pessoas que vivenciam condições de deslocamento forçado, compartilhando saberes, histórias e valores por meio da representatividade de cada participante.

Entre as trajetórias que ilustram o sentido da iniciativa, destaca-se a da educadora Leonor Solano, que chegou ao Brasil no

final de 2002, oriunda da Colômbia, após enfrentar ameaças e episódios de violência em seu país de origem. No Brasil, Leonor vivenciou os desafios relacionados à integração, como a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, a responsabilidade quase exclusiva pela criação de suas filhas, e a adaptação à nova língua e à nova cultura. No Sesc São Paulo, encontrou não apenas um espaço seguro, mas também oportunidades de atuação profissional. “O Sesc valoriza a participação da pessoa refugiada em diversas atividades e a remunera como um trabalho. Esse elemento tem sido fundamental, pois devolve a dignidade às pessoas, reconhece o seu valor, a sua capacidade, e contribui significativamente para a sua autoestima”, ressalta Leonor.

Encontro final da edição de 2023 do Refúgios Humanos no Sesc Campo Limpo
Encontro final da edição de 2023 do Refúgios Humanos no Sesc Campo Limpo

Sons do Refúgio

O projeto celebra a potência da música como linguagem universal, capaz de expressar memórias, resistências e esperanças de pessoas em situação de refúgio e migração. A partir de uma série audiovisual com dez episódios dirigida por Pablo Francischelli, produzida e exibida pelo SescTV, e posteriormente do álbum homônimo lançado pelo Selo Sesc, a iniciativa dá voz a artistas de diferentes origens que encontraram na arte um caminho de reconstrução e pertencimento no Brasil. Mais do que reunir performances, o projeto propõe um encontro entre culturas, trajetórias e sonoridades, reafirmando o compromisso do Sesc São Paulo com a valorização da diversidade e com o fortalecimento do diálogo como instrumento de convivência e de transformação social.

“Minha lembrança mais feliz da infância é de quando eu cantava com o meu pai e os amigos dele. Nossa casa, na Síria, era quase um centro cultural, sempre cheia de amigos. Foi nesse clima que eu cresci. Meu pai me ensinou a cantar e a primeira vez que cantei com ele eu tinha pouco mais de quatro anos”, declara a cantora e atriz Oula Alsaghir, que preserva a memória de seu país natal e de seu pai, que tocava alaúde.

De origem palestina, Oula deixou a Síria em razão da guerra que teve início em 2011. Primeiro, seguiu para o Egito e, em 2015, mudou-se para o Brasil.

Em meio aos traumas do deslocamento, da hostilidade e do preconceito, a obra entrelaça letras e melodias que inspiram esperança e confiança no futuro, evidenciando também as conexões dessas pessoas com outros projetos do Sesc São Paulo.

No episódio sobre Oula, o público acompanha seu reencontro com a música, ocorrido algum tempo após sua chegada ao Brasil. Inspirada por um professor de origem libanesa, ela foi motivada a retomar o canto, prática que transformaria novamente sua vida.

Em sua terra natal, Oula atuou por mais de dez anos na área de marketing em uma empresa agrícola. Contudo, ao chegar ao Brasil sem o domínio da língua portuguesa, precisou reinventar sua trajetória. Foi pela música que estabeleceu o primeiro contato com o Sesc São Paulo, inicialmente por meio da Orquestra Mundana Refugi. Posteriormente, participou do projeto Refúgios Humanos, que, segundo ela, foi decisivo para sua integração à sociedade brasileira. “O projeto me auxiliou muito na comunicação com os meus filhos e com a escola deles. Antes, eu tinha vergonha porque não falava bem a língua portuguesa, tinha vergonha de ir à escola onde meus filhos estudam e falar com a professora, pensava que ela não ia me entender. Mas tudo mudou quando fui convidada para fazer uma palestra no projeto Refúgios Humanos. Uma das professoras do meu filho estava na plateia. Primeiro, fiquei com muito medo, mas a professora entendeu as dificuldades

A série completa está disponível em https://sesc.digital/colecao/ sonsdorefugioserie

O álbum pode ser acessado em https://sesc.digital/album/ sons-do-refugio

que as famílias das crianças refugiadas enfrentam no contato com as escolas. Pouco a pouco, a situação melhorou muito. Essa professora falou sobre mim para a diretora, e me convidaram para fazer uma palestra na escola. Contei minha história, a travessia do meu país para o Brasil, e quando meu filho me viu falando com orgulho, ele se transformou também: parou de ter vergonha de dizer que fala outro idioma, que come outras comidas, que escuta outras músicas”.

Outros episódios da série apresentam artistas como a cantora e compositora Anaïs Sylla, de ascendência senegalesa e francesa; as irmãs bolivianas que formam o grupo Santa Mala; o cubano Pedro Bandeira; e Guipson Pierre, natural de Porto Príncipe, entre outros.

Um ano após o lançamento da série audiovisual, o projeto resultou em um álbum musical lançado pelo Selo Sesc. O disco reúne faixas de artistas em situação de refúgio, migrantes internacionais e apátridas, como o congolês Zola Star, radicado no Brasil desde 1993; a iraniana Mah Mooni, que veio ao país em busca de liberdade para expressar sua arte; e a cantora e compositora Fanta Konatê, cuja principal referência é seu pai, o mestre percussionista Famoudú Konatê, primeiro solista do Balé Nacional da Guiné-Conacri. O álbum conta ainda com a participação de artistas provenientes da Bolívia, de Cuba, do Senegal, do Togo e do Haiti, consolidando um mosaico sonoro de diversidade e resistência.

Evento de lançamento da série Sons do Refugio no Sesc Carmo

Direitos Humanos para Todas as Pessoas

Com o objetivo de fomentar reflexões sobre os aspectos formais dos direitos humanos e sua efetivação na realidade social, o projeto Direitos Humanos para Todas as Pessoas foi criado em 2022. Com atividades que abrangem feiras, intervenções artísticas, espetáculos cênicos e literários, além de debates temáticos, a iniciativa contribui para a discussão acerca dos desafios de transformar declarações, estatutos, convenções e legislações em garantias concretas de dignidade humana para todas as pessoas, incluindo aquelas em situação de refúgio.

O projeto vem sendo realizado em rede, com diversas unidades do Sesc no estado de São Paulo promovendo simultaneamente ações temáticas. Ao longo dos anos, diferentes temáticas já receberam destaque, entre elas a injustiça social e a violência, as relações entre direitos humanos e o pensamento social brasileiro, e os caminhos necessários para traduzir a palavra em ação.

“O Brasil é um país formado por diferentes povos, culturas e histórias de migração. Ignorar a pauta migratória seria ignorar a própria identidade do país e também as contribuições fundamentais que migrantes e refugiados trazem para a economia, a cultura e o fortalecimento da democracia. Pensar o Brasil sem migrantes é apagar parte essencial de sua construção social e campo intelectual”, afirma Benazira Djoco, migrante da

Guiné-Bissau e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável do governo federal brasileiro.

Benazira chegou ao Brasil ainda jovem, em busca de melhores oportunidades de vida e estudo, e já possuía algum conhecimento sobre a cultura nacional por meio da leitura de clássicos da literatura, como obras de Machado de Assis e Cecília Meireles. Em 2025, participou do projeto Direitos Humanos para Todas as Pessoas: “Esse evento foi fundamental porque reafirmou a centralidade dos direitos humanos como valor universal e inegociável. Discutir o refúgio e a migração em um espaço como o Sesc

significa trazer visibilidade a temas muitas vezes invisibilizados na sociedade, além de fortalecer a luta coletiva por dignidade, justiça e acolhimento para todos”.

Na edição de 2025, a temática abordou a criação de redes colaborativas que facilitam o trabalho conjunto entre indivíduos, organizações, coletivos, movimentos sociais, lideranças comunitárias e instituições, com o objetivo de compartilhar saberes, gerar conhecimento e alcançar metas comuns. Ao todo, 37 unidades fizeram parte do projeto, que contou com a presença de nomes como o ativista indígena Ailton Krenak, o padre Júlio Lancellotti e a pesquisadora Carla

“A expectativa é que o Brasil avance em políticas públicas que garantam não apenas a acolhida, mas também a integração plena dessas pessoas, com acesso à educação, ao trabalho, à saúde e à participação social. O maior desafio é superar o preconceito, a xenofobia e as barreiras burocráticas que ainda impedem os refugiados de exercerem seus direitos de forma integral”, assegura Benazira. Ao promover o debate e incentivar a troca de experiências sobre o tema, o Sesc São Paulo reafirma seu papel de destaque na transformação social.

Edição de 2025 do projeto Direitos Humanos com o padre Júlio Lancellotti e a chef de cozinha Cintia Sanchez
Akotirene, militante do feminismo negro no Brasil.

Refúgios

Humanos para Profissionais de Saúde

Com o objetivo de sensibilizar médicos, terapeutas ocupacionais, atendentes, enfermeiros, agentes de saúde e outros profissionais, o projeto foi idealizado e realizado pela primeira vez em 2023, por meio de uma parceria entre o Sesc Carmo e a Supervisão de Saúde Sé, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, na região central da cidade.

“O principal desafio é articular saúde, migração e direitos humanos em um mesmo campo de cuidado. Isso exige enfrentar barreiras linguísticas, raciais e culturais, além de sensibilizar profissionais para práticas livres de xenofobia, racismo e LGBT+fobia”, ressalta Rocío Bravo Shuña, assessora na Gerência de Relações Institucionais do Conselho Federal de Psicologia e doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).

Migrante indígena andina que vive no Brasil há mais de 13 anos, Rocío possui uma trajetória marcada por barreiras burocráticas, episódios de xenofobia e racismo, mas também fortalecida por redes de afeto. “Essa vivência inspirou minha tese de doutorado na USP, na qual analisei o cuidado em saúde como exercício de direito para mulheres migrantes usuárias do SUS”, afirma. Para ela, participar da curadoria da ação “reafirmou a importância de trazer nossa experiência de vida como parte constitutiva da metodologia do projeto”, cujo propósito é refletir sobre temas relacionados à situação de refúgio, incluindo acesso a direitos, deveres e serviços públicos; respeito à diversidade e à interculturalidade; compromisso com inclusão e equidade; e análise das dificuldades

e possibilidades de acesso aos serviços de saúde por parte dessa população.

Uma das experiências mais significativas relatadas por Rocío foi “escutar os relatos compartilhados pelas pessoas migrantes nas rodas de conversa, nas quais demonstraram como o cuidado em saúde se conecta a outros direitos, como moradia, educação e trabalho. Muitas vezes, o posto de saúde é a primeira porta de entrada dessas pessoas ao SUS e, consequentemente, aos seus direitos no país. Também foi significativo ver profissionais refletindo sobre seus próprios preconceitos e ampliando sua prática para um atendimento mais humanizado. Esses espaços mostraram como a articulação institucional pode criar refúgios de aprendizagem coletiva e transformação social”.

Durante a segunda edição do projeto, em 2024, foram discutidas questões como xenofobia, racismo, barreiras culturais além da língua, do gênero e da raça, e a importância de processos de escuta e compartilhamento de ações bem-sucedidas em atendimentos de saúde voltados a pessoas em situação de refúgio e migrantes, contribuindo para a difusão de boas práticas. Para Luciana Carvalho da Silva, analista da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, as principais dificuldades no atendimento a pessoas refugiadas relacionam-se “a questões estruturais, especialmente ao tempo de atendimento, que não considera vulnerabilidades, além de barreiras comunicacionais. Contudo, o principal desafio é manter o empenho dos profissionais da gestão para atuarem na organização, na sensibilização e na divulgação das formações”, conclui

Questões como xenofobia e racismo são debatidas durante os encontros formativos direcionados aos profissionais da saúde

Entre 2015 e 2024, o Brasil recebeu: Between 2015 and 2024, Brazil received: Entre 2015 y 2024, Brasil recibió:

454.165 pedidos de reconhecimento da c ondição de refugiado requests for recognition of refugee status pedidos de reconocimiento de la condición de refugiado

175 quantidade de países dos quais a s solicitações de refúgio vieram countries from which asylum requests came número de países de los que proceden las solicitudes de asilo

82% do total de solicitações foram de v enezuelanos, cubanos, haitianos e angolanos, os que mai s solicitaram refúgio no País of total request were from Venezuelans, Cubans, Haitia ns and Angolans, the populations that most requested refuge del total de solicitudes fueron de venezolanos, cubanos, haitianos y angoleños, quienes más solicitaron refugio en el país

Fonte/Source/Fuente: Observatório das Migrações Internacionais / Ministério da Justiça e Segurança Pública

Outras ações

Expressões do Refúgio

Exposição de fotografias produzidas por pessoas refugiadas em diversos pontos da cidade de São Paulo, como a Avenida Paulista e o Parque do Ibirapuera. A mostra foi apresentada no Sesc Carmo, localizado no centro de São Paulo, durante o ano de 2006.

Copa dos Refugiados

Realizada desde 2014, a Copa dos Refugiados reuniu centenas de jogadores de futebol em 16 seleções, representando países como Angola, Benin, Camarões, Colômbia, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, República da Guiné, Iraque, Mali, Marrocos, Nigéria, Congo, Síria, Tanzânia e Togo. Em 2024, a iniciativa se transformou na Copa dos Migrantes e da Diversidade, proposta pelo refugiado sírio Abdulbaset Jarour, ativista dos direitos das pessoas refugiadas, reunindo equipes compostas por migrantes de diferentes nacionalidades.

Sarau dos Refugiados

Evento voltado à celebração da diversidade cultural dos refugiados por meio da música e da poesia. Diversas edições foram realizadas ao longo dos anos, incluindo a do Sesc Pompeia (2016), na Zona Oeste paulistana, e a do Sesc Campinas (2017), no interior paulista.

Mostra Refúgios Culturais

Realizada no Sesc Vila Mariana, na Zona Sul da capital paulista, em três edições entre 2017 e 2019, a programação aludiu ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado no dia 10 de dezembro. O evento promoveu o diálogo entre culturas, visibilizando produções culturais de pessoas em situação de refúgio por meio de feiras, bate-papos, oficinas e atividades artísticas.

Alimento como Afeto, Resistência e Refúgio

As atividades transformaram o ato de cozinhar em experiência de troca, cuidado e resistência cultural, valorizando a culinária como espaço de memória e pertencimento. O ciclo de oficinas foi realizado em 2025 no Sesc Casa Verde, na Zona Norte de São Paulo, e foi conduzido por diversos profissionais, entre os quais a iraniana Mahboubeh Khademolhosseini.

Na página ao lado:

1. Oficina de Bordado Palestino

2. Sarau dos Refugiados

3. Mostra Refúgios Culturais

4. Copa dos Refugiados

5. Exposição Expressões do Refúgio

Oficina de Dança Tradicional Palestina – Dabkeh

A partir do Dabkeh, dança tradicional nascida do trabalho coletivo e símbolo de identidade, resistência e pertencimento. Realizada em diversas unidades do Sesc São Paulo, a oficina valorizou a memória coletiva em movimento. Conduzida pela cineasta e ativista política palestina Rawa Alsagheer.

Oficina de Bordado Palestino

Apresentou a técnica de bordado palestino, símbolo da história e cultura do povo árabe, transmitida de geração em geração. A atividade combinou exposições conceituais com momentos práticos, permitindo aos participantes experimentar e desenvolver a técnica, conduzida pela artista palestina-síria Rahaf Hussein.

Curso Identidade Cultural

Através da Escrita

Ministrado pelo sírio Mohamad Alsaheb, o curso aproximou o público da língua árabe, evidenciando suas conexões históricas com o português, e explorou técnicas de caligrafia e aspectos culturais dos povos árabes. A atividade foi realizada em diversas unidades do Sesc.

Semana Refúgio e Migração: Convivências

Realizada no Sesc Piracicaba, no interior paulista, em parceria com a Rede Acampa

Na página ao lado:

1. Série Histórias de Refúgio

2.

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5.

pela Paz, o projeto incluiu sessões de cinema colombiano, debates com pessoas refugiadas e uma exposição fotográfica que retratou desafios e trajetórias em diferentes contextos migratórios.

Histórias de Refúgio

Programa que traz pessoas em situação de refúgio e imigrantes residentes no Brasil contando suas histórias de vida, a cada episódio, com duração em torno de três minutos, como um convite ao exercício da escuta. Ao todo, 13 episódios estão disponíveis no YouTube do Sesc São Paulo.

Disponível em: https://www.youtube.com/ playlist?list=PL0a5GJ0VyQFAoGFoQCUMk17BEctgVSiPf

Diásporas Haitianas

Desenvolvido no Sesc Santo André, na região metropolitana de São Paulo, em parceria com a União Social dos Imigrantes Haitianos (USIH), o projeto trouxe reflexões sobre os desafios enfrentados pela comunidade haitiana no Brasil, destacando sua organização coletiva e luta por direitos, e evidenciando manifestações históricas e culturais para combater estereótipos e preconceitos.

Oficina de Dança Tradicional Palestina – Dabkeh
Curso Identidade Cultural Através da Escrita
Alimento como Afeto, Resistência e Refúgio
Semana Refúgio e Migração: Convivências

Fenomenologia Migratória

Handerson Joseph

57

Perspectivas do futuro do refúgio

Luís Felipe Aires Magalhães

60

Sapatos sem dono, pés descalços: o chamado ético da vulnerabilidade

Eda Nagayama

reflexões reflections reflexiones

Diversos aspectos da vida de pessoas em situação de refúgio orientam a abordagem dos artigos deste capítulo. Handerson Joseph, doutor em antropologia social, parte de conceitos fenomenológicos para buscar novos entendimentos sobre a questão do refúgio. Luís Felipe Aires Magalhães, do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (NEPO/Unicamp), reflete sobre as perspectivas do futuro do refúgio. Por fim, a pesquisadora e mediadora Eda Nagayama escreve sobre os questionamentos em torno de uma sociedade que possa se pautar pela inclusividade.

Três décadas em ações:

Fenomenologia Migratória

Handerson Joseph

Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional, UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), UFRGS. Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Fronteira (PPGEF), Unifap (Universidade Federal do Amapá). Diretor da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). Coordenador do Grupo de Trabalho CLACSO Migraciones y Fronteras Sur-Sur

1. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM). “Relatório Mundial sobre Migração de 2024 revela últimas tendências e desafios mundiais para mobilidade humana”. OIM Brasil, 7 maio 2024. Disponível em: https://brazil.iom. int/pt-br/news/ relatorio-mundial-sobre-migracao-de-2024-revela-ultimas-tendencias-e-desafios-mundiais-para-mobilidade-humana.

Acesso em: 17 out. 2025.

2. BANCO MUNDIAL. In 2024, remittance flows to low- and middle-income countries are expected to grow modestly. Disponível em: https://blogs. worldbank.org/ en/peoplemove/ in-2024--remittance-flows-to-low--and-middle-income-countries-ar. Acesso em: 17 out. 2025.

Nessas duas últimas décadas, as pessoas migrantes, em situação de refúgio e apátridas têm ocupado cada vez mais as manchetes nos meios de comunicação, ganhado mais visibilidade nas redes sociais (Facebook, Instagram e Tik Tok), nos debates públicos e nos discursos dos governos. Além do mais, também têm sido cada vez mais sujeitos de estudos acadêmicos em todo o mundo. Se, por um lado, uma boa parte da sociedade civil e das instituições não governamentais tem se mobilizado em prol dos fenômenos migratórios, por outro, as lutas, a autonomia, os agenciamentos e o protagonismo migrante têm ganhado cada vez mais destaque.

Em 2024, a Organização Mundial das Migrações (OIM) publicou o Relatório Mundial Sobre Migração, que traz à tona as últimas tendências e os desafios mundiais para a mobilidade humana, além das mudanças significativas nos fenômenos migratórios globais. Destacaria três principais delas:

• Remessas internacionais tiveram um aumento de 650%, passando de 128 bilhões para 831 bilhões de dólares entre 2000 e 2022.

• Remessas de migrantes ultrapassam os investimentos estrangeiros diretos no aumento do PIB das nações em desenvolvimento.

• Com 281 milhões de migrantes em todo o mundo, o número de pessoas deslocadas alcançou a cifra recorde de 117 milhões ao final de 2022 (OIM, 2024).1

Estas três principais mudanças destacadas do relatório evidenciam que, a migração internacional continua sendo um fenômeno crucial para o futuro da humanidade, notadamente no que diz respeito às mudanças humanas, sociais e econômicas. As guerras, as violências e os desastres ambientais, entre outros, também têm impulsionado e contribuído de forma exponencial para esse aumento significativo de pessoas deslocadas em todo o mundo.

Paralelamente a essas mudanças, em 2024 também houve um crescimento de 5,8% da taxa das remessas enviadas por migrantes e não migrantes para vários países em todo o mundo, um número bem superior

3. CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Antônio Tadeu Ribeiro; SILVA, S. L. Relatório Anual OBMigra 2023 - OBMigra 10 anos: Pesquisa, dados e contribuições para políticas Série Migrações. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração Laboral. Brasília, DF: OBMigra, 2023. 4.

JUNGER DA SILVA, Gustavo; CAVALCANTI, Leonardo; DE OLIVEIRA, Antônio Tadeu Ribeiro Refúgio em números: 10 ª Edição. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Departamento das Migrações. Brasília, DF: OBMigra, 2025.

aos 1,2% registrados em 2023. Os cinco principais países em que as remessas representam uma proporção maior do Produto Interno Bruto entre os países de baixa e média rendas são Tajiquistão (45% do PIB), seguido por Tonga (38%), Nicarágua (27%), Líbano (27%) e Samoa (26%). Na lista também constam países como Honduras (25,2%), Guatemala (19,6%), Haiti (18,7%) e Jamaica (17,9%). 2

Nessas duas últimas décadas, com a intensificação do fenômeno migratório Sul-Sul, o Brasil registrou um aumento de forma exponencial de pessoas migrantes e em situação de refúgio. Entre 2013 e 2022, as pessoas de nacionalidades venezuelana, haitiana, argentina e colombiana foram as que mais solicitaram residência no Brasil, o que caracteriza uma mudança significativa nas principais correntes migratórias, que passaram a se consolidar a partir do e no Sul Global. 3

Os dados do OBMigra mostram que se, em 2013, havia 90 mil pessoas migrantes internacionais no mercado formal, em 2022, esse número alcançou 200 mil, mais do que o dobro. As principais nacionalidades são venezuelana, haitiana e paraguaia, e as ocupações estão relacionadas aos alimentadores de linha de produção e magarefes, principalmente o abate de aves e frigoríficos de suínos3. Em 2022, pela primeira vez, desde 2014, as pessoas trabalhadoras venezuelanas no mercado formal ultrapassaram em volume as trabalhadoras haitianas.

No ano de 2024, o Brasil atingiu o número de 156.612 pessoas reconhecidas como refugiadas, tendo alcançado um aumento de 9,5% se comparado ao ano de 2023, que registrou 142.980 pessoas reconhecidas como refugiadas oriundas de 130 países. No referido ano, houve um aumento significativo de mulheres, além de crianças, adolescentes e jovens até 18 anos de idade, representando 41,8% das pessoas reconhecidas como refugiadas no Brasil4 .

O aumento de forma exponencial das pessoas migrantes de cor preta e parda no Brasil, aliado às novas políticas migratórias com mais ênfase nos direitos humanos, contribui para destacar que novos imaginários de migrações são necessários no país, de modo que a gestão e as práticas

5. JOSEPH, Handerson

Cor e dinâmicas raciais nas migrações internacionais no Brasil: configurações de desigualdades e horizontes de possibilidades.

In: CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Antônio Tadeu

Ribeiro; SILVA, S.

L. Relatório Anual

OBMigra 2023OBMigra 10 anos: Pesquisa, Dados e Contribuições para Políticas. Série Migrações. Brasília, DF: OBMigra, 2023.

6.

HEIDEGGER, Martin

Ser e tempo. Parte I. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti.

2. ed. Petrópolis: Vozes, 1988. p. 57.

7. Idem. p. 65.

governamentais das migrações internacionais no cenário atual brasileiro possam contemplar as dinâmicas raciais e de cor.

Os dados evidenciam que a maioria das mulheres brancas migrantes ocupa os setores relacionados ao trabalho administrativo e intelectual, enquanto as mulheres migrantes de cor preta e parda ocupam os lugares mais desvalorizados. Algumas atividades se tornam trabalhos subalternos, visto que alguns serviços são mais valorizados por determinados grupos raciais 5 . ***

O filósofo Martin Heidegger, na sua obra clássica Ser e tempo, define a palavra fenomenologia como “as coisas em si mesmas”6. O termo tem sua raiz no grego, e tem dois componentes: fenômeno e logos. De acordo com o filósofo, a fenomenologia seria, portanto, a ciência dos fenômenos. Originalmente, essa obra de Heidegger foi publicada em 1927. Muito antes da sua publicação, a migração e o refúgio já se consolidavam como um fenômeno, portanto, o fenômeno migratório e a mobilidade humana manifestavam-se (e continuam se manifestando) como práticas constitutivas da história humana e, para uma boa parte dos seres humanos e de suas sociedades, a mobilidade e o refúgio seriam horizontes de possibilidades para buscar a vida, fazer a vida e ganhar a vida

Se a fenomenologia seria, assim, a ciência dos fenômenos, a fenomenologia migratória seria a ciência dos fenômenos migratórios. Esta última ciência tem contribuído para compreender a mobilidade humana como constitutivo do devir humano e do futuro da humanidade, seja do ponto de vista econômico, social, cultural ou tecnológico, entre outros. Heidegger afirma que a fenomenologia é um “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo”7 . Diria que a Fenomenologia migratória se torna uma ferramenta teórica importante para analisar os fenômenos migratórios, notadamente as tendências, os horizontes e as perspectivas migratórias.

Perspectivas do futuro do refúgio

Luís Felipe Aires Magalhães

Professor credenciado no Departamento de Demografia da Unicamp e no Programa de Pós-Graduação em Demografia da Unicamp.

Coordenador adjunto do Observatório das Migrações em São Paulo

1. Algumas dessas atividades tiveram a participação de pesquisadores e pesquisadoras do Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/Unicamp), coordenado pela professora Rosana Baeninger (NEPO/Unicamp), sobretudo por meio de lançamentos de livros, cursos e conferências sobre o tema da migração e do refúgio no Brasil. 2. MADUREIRA, André de Lima; ROSA, William Torres Laureano da. 25 Anos da Lei 9.474/1997: uma leitura da lei brasileira à luz de legislações nacionais latino-americanas. In: RAMOS, André de Carvalho et al. (org.). 25 Anos da Lei Brasileira de Refúgio. Brasília, DF: ACNUR, 2022.

Em grande medida, o histórico de atuação do Sesc São Paulo junto à população migrante e às pessoas em situação de refúgio no Brasil é, ao mesmo tempo, produto e produtora da conjuntura migratória e de refúgio contemporâneos em nosso país. Conhecer esta dinâmica recente é, portanto, condição indispensável para compreendermos as perspectivas do futuro da migração e do refúgio; as suas urgências em termos de políticas públicas e acesso a direitos; e os desafios colocados à atuação do Sesc São Paulo.

As atividades culturais, formativas e de acolhimento realizadas pelo Sesc São Paulo junto à população migrante e em situação de refúgio1 iniciam-se em 1995, portanto, apenas dois anos antes da promulgação da Lei do Refúgio (Lei nº 9.474/1997), que amplia a definição universal de refugiado, vigente desde a Convenção de 1951, ao inserir, de maneira pioneira no continente, a grave e generalizada violação de direitos humanos como condição para a admissibilidade, que passaria então a ser avaliada, caso a caso, por um órgão criado especificamente para esta finalidade, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Não obstante os avanços representados pela Lei do Refúgio2, a cobertura jurídica para imigrantes mantinha-se vinculada à Lei de Segurança Nacional3. Em completo anacronismo com a perspectiva dos direitos humanos presente tanto na Lei do Refúgio como na própria Constituição Federal de 1988, o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), entulho ditatorial que se manteve vigente até 2017, quando de sua substituição pela Nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), contribuía à subalternização do status político de imigrantes, à sua condição de cidadania apenas formal, à dificuldade de acesso a serviços públicos, à inexistência de políticas públicas para migrantes e à superexploração de sua força de trabalho, ainda que no mercado formal de trabalho 4

3. RAMOS, André de Carvalho et al. (coord.). Nova Lei de Migração: os três primeiros anos. Campinas, SP: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo/ Unicamp); Observatório das Migrações em São Paulo - FADIP, 2020.

4. MAGALHÃES, Luís Felipe Aires et al (org.). Migração e refúgio: temas emergentes no Brasil. Campinas, SP: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” – NEPO/Unicamp, 2024.

5. SAYAD, Abdelmalek. Imigração ou os paradoxos da alteridade São Paulo: Edusp, 1998.

6. TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 199-218, 2008.

7. PERES, Roberta Guimarães. Que marcadores sociais fazem a diferença: Contribuições para uma perspectiva intersecional das migrações internacionais. In: MAGALHÃES, Luís Felipe Aires et al (org.). Migração e refúgio: temas emergentes no Brasil. Campinas, SP: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” – NEPO/Unicamp, 2024.

Esse descolamento protetivo entre os marcos legais do refúgio e da migração condicionam desigualdades de acesso a direitos, porém, tendo em vista que a xenofobia estrutural e as políticas migratórias no país são produto de um pensamento de Estado assimilacionista, ambos os grupos acabam condenados a uma situação de permanente provisoriedade5. Claro está que essa condição não se impõe de forma homogênea a todos os grupos migrantes e refugiados: a existência de redes migratórias6 e os marcadores de gênero, raça e classe7 nos permitem identificar especificidades não apenas entre as nacionalidades mas também, e principalmente, entre migrantes de uma mesma nacionalidade.

Esse problemático passado se impõe, agora, como desafio civilizatório. As perspectivas futuras do refúgio e da migração no Brasil guardam relação direta com o modelo de Governança Migratória, isto é, com o paradigma que orienta a política migratória e de refúgio. Esse paradigma deve ser estruturado de forma participativa, com o protagonismo de migrantes e refugiados. Este é o maior desafio a ser enfrentado na formulação das futuras políticas migratórias e de refúgio: institucionalizar mecanismos protetivos incentivando a participação social desses sujeitos.

Nos últimos anos, particularmente no período entre a I e II Conferência Nacional sobre Migrações, Refúgio e Apatridia (Comigrar), isto é, entre 2014 e 2024, a participação social de imigrantes e pessoas em situação no refúgio tem dado sinais de esgotamento 4 . Há algumas causas para tal esgotamento, que devem ser compreendidas para entendermos de forma mais precisa quais são os desafios de uma Governança Migratória e de Refúgio participativa e democrática.

A primeira causa é econômica: a recessão entre 2014 e 2016, seguida pela estagnação de 2016 a 2021, promoveram o fim de um ciclo econômico expansivo. Em uma conjuntura de crise, migrantes e refugiados, enquanto elos mais frágeis do sistema capitalista, são ainda mais prejudicados8. É preciso reconhecer, no entanto, que essa vulnerabilidade é estrutural, e não conjuntural: mesmo em contextos de crescimento econômico, migrantes e refugiados são objeto preferencial de mecanismos de superexploração da força de trabalho9

8. MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009. 9. MAGALHÃES, Luís Felipe Aires. A imigração haitiana em Santa Catarina: perfil sociodemográfico do fluxo, contradições da inserção laboral e dependência de remessas no Haiti. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 2017. 10. VEDOVATO, Luís Renato; ASSIS, Ana Elisa Spaolonzi Queiroz. Direito Migratório e Po lítica Nacional de Migração, Refúgio e Apatridia: A impotância da abordagem consensual para proteção da dignidade humana. In MAGALHÃES, Luís Felipe Aires et al. (org.). Migração e refúgio: temas emergentes no Brasil. Campinas, SP: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” – NEPO/ Unicamp, 2024.

A segunda causa é política. No mencionado período, não obstante a revogação do Estatuto do Estrangeiro e a promulgação da Nova Lei de Migração, o Executivo Federal foi ocupado por gestões notadamente pouco sensíveis à agenda social e de políticas públicas. Entre 2016 e 2018, foi implementado um programa de ajuste fiscal e de redução do gasto público, além de estabelecido um conjunto de vetos importantes à Nova Lei de Migração. Já no período de 2019 a 2022, houve desarticulação e redução do escopo de programas sociais; reforço de mecanismos de controle militar de fronteiras e de fluxos (como a Operação Acolhida); e o rompimento com o Pacto Global da ONU para Migração Segura, Ordenada e Regular. Mais recentemente, houve retrocessos relevantes à questão migratória e de refúgio, sobretudo por meio da Nota Técnica nº 18/2024/Gab-Demig/Demig/Senajus/ MJ, que retira a cobertura e a proteção da Nova Lei de Migração aos migrantes em trânsito no Brasil; e da Portaria Interministerial nº 51, de 27 de dezembro de 2024, que, na prática, limita a emissão de visto de acolhida humanitária para haitianos no Brasil.

A terceira causa da inexpressiva/diminuta participação social de migrantes e refugiados reside na própria manifestação do assimilacionismo brasileiro, por meio da Operação Acolhida. Esta operação, militarizada e coordenada pelas Forças Armadas brasileiras, voltada ao ordenamento de fronteiras, abrigamento e interiorização de migrantes venezuelanos no país, faz do maior fluxo migratório contemporâneo, a imigração venezuela, uma migração dirigida4, tutelada pelo Estado brasileiro. Que autonomia e participação social poderá emergir de um fluxo tutelado pelo Estado?

A recém-promulgada Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (Decreto nº 12.657, de 7 de outubro de 2025), que estava prevista na Nova Lei de Migração10 e foi fortemente reivindicada na II Comigrar, trata de forma muito geral e superficial da participação social de imigrantes. Entretanto, sua presença no Decreto é importante para estimular municípios, estados e mesmo o próprio Governo Federal a criar conselhos e fóruns representativos de imigrantes e refugiados. Tais espaços tornam o Estado aberto às demandas de migrantes e refugiados, reconhecendo-as como legítimas em suas especificidades – etapa indispensável para a superação do assimilacionismo.

Sapatos sem dono, pés descalços: o chamado ético da vulnerabilidade

Eda Nagayama

Atriz, escritora e pesquisadora, doutora em Estudos Linguísticos e Literários pela USP. Autora de Desgarrados (2015) e Yaser (2018), atua nas áreas de literatura, memória e narrativas de deslocamentos migratórios. Sua pesquisa aborda temas como pós-memória, trauma cultural, identidades e alteridade

Um par de chinelos de plástico cor-de-rosa. Sobre a larga tira, um Piu-Piu amarelo. Sem Frajola. Vi pela primeira vez nos pés de Maria, uma menina de uns seis anos em um campo de refugiados na minúscula Alexandreia, Grécia, em 2016. Pés e chinelos sujos de poeira e terra, unhas mal aparadas. Ficou a imagem dos pés, não sendo permitido fotografar os rostos. Vi os chinelos pela segunda vez, alinhados a outros sapatos por tamanho e cor, na instalação Laundromat (2017), do artista e ativista chinês Ai Weiwei, exposta na Galeria Nacional de Praga, República Tcheca. As muitas roupas e sapatos que compunham a obra haviam sido abandonados no campo de Idomeni, também na Grécia, depois coletados e higienizados, antes de serem selecionados e organizados em diálogo com imagens postadas no então Twitter, hoje X. Alguns pares pareciam recém-saídos de lojas, outros traziam marcas de uso, algum dano. Vistos em conjunto, eram os sapatos sem par que, órfãos, causavam apreensão: um pé deixado descalço, o outro lado perdido, afundado no lodaçal do campo abarrotado e inundado pelas chuvas. Agora ordenados, os sapatos evidenciavam seu potencial de afetividade ao remeterem à condição humana de vulnerabilidade e desproteção, bem como à necessidade de alento e conexão para uma existência plena. Mais do que as roupas, sapatos são objetos vestigiais, nos quais são impressos rastros do uso, uma pessoalidade orgânica e biológica, o suor e o formato dos pés, o caminhar e a maneira como corpo e pés se equilibram em movimento. Sapatos dizem também de sua época, da moda e do gosto, dos recursos usados na sua fabricação, podendo ainda denotar posição social. Na obra de Ai Weiwei, os sapatos eram indícios – presentes – de uma massa de individualidades – ausentes –, anônimas e sem voz, aos milhares. Em um mercado de modelos e materiais globalizados, os sapatos não são exclusivos de lugar algum, habitados por sírios ou bengalis, somalis ou ucranianos, ou mesmo por nossos próprios pés. Podem ainda dialogar no tempo e no espaço, com sentidos criados a partir de contextos singulares: a montanha de sapatos de prisioneiros mortos pelo regime nazista, exibidos no museu do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia; o pé de uma bota degustada com bons modos em Em busca do ouro (The Gold Rush, 1925), filme de Charlie Chaplin, semelhante ao par muito desgastado e sujo pintado por Van Gogh (Shoenen, Van Gogh Museum, Amsterdã, 1886). Vistos sob o risco de contaminação e contágio, ao portarem vestígios das terras de origem, os sapatos devem ser deixados para trás. Na Mare Nostrum (2013-2014), operação naval e aérea do governo italiano que resgatou mais de 150 mil pessoas no Mar Mediterrâneo, a equipe de acolhida, em rigorosas vestimentas de proteção que se tornariam familiares na pandemia, oferecia calçados tipo crocs genéricos. A contaminação

não se restringiria àquela de doenças e bactérias, mas ao próprio senso de alteridade, em sua carga arquetípica e simbólica, quando a diferença é alvo de um julgamento moral, tomada como ameaça a ser combatida e eliminada: o outro é indesejável, mau. Em uma abordagem radical e simplista, os “remédios” sociais aplicados são brutais e imponderados: por parte do Estado – perseguição, separação, prisão, expulsão e deportação; pela população civil – violência, em muitos modos e gradações. Seria possível cultivar uma sociedade pautada pela inclusividade, da diferença como descoberta e conjunção? Esse foi o cerne da revisão do projeto Refúgios Humanos, quando o Sesc celebra 30 anos de desafios, realizações e méritos diante de um tema de urgência e de exponencial crescimento futuro. Ao repensar os encontros entre educadores, migrantes e refugiados, atestou-se a incontornável questão da comunicabilidade: como transmitir a intensidade e complexidade de experiências, por vezes traumáticas e específicas de um grupo e localidade, a priori distintas e distantes da realidade brasileira?

Em inglês, a expressão “calçar os sapatos do outro” descreve o sentimento de empatia. A analogia traz consigo empecilho e desconforto: todos diferentes, os pés nem sempre se ajustam e, como diz o ditado, cada um sabe onde lhe aperta o sapato. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, apresenta uma relação entre identidade e um repetitivo espelhamento ao definir empatia como “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende, etc.” Trata-se, então, de outro tipo de impasse: como sentir, querer, apreender como outro que não eu, sem que haja algum tipo de falseamento, um ‘eu’ travestido de ‘outro’?

No lastro dessa impossibilidade empática, podemos, então, retomar a proposição moral do filósofo Emmanuel Lévinas (1906-1995) como princípio fundamental da ética: o ser humano deve ser responsável pelo outro. Tal chamado não se estabelece, então, por força, mas justamente pela vulnerabilidade e necessidade moral de proteção do outro contra qualquer forma de violência. Essa vulnerabilidade poderia encontrar analogia na desproteção dos pés. Na recorrente longa trajetória dos deslocamentos forçados, os sapatos se perdem: pés infantis crescem, sapatos se estragam, se entregam, desistem da jornada. Descalços e vulneráveis, os pés se ferem nos escombros de terras devastadas por bombardeios. Se nus, sim, mas também sujos, desonram a sagrada oração voltada para Meca, sem água para livrá-los das impurezas. Cuidar e lavar os pés do outro é gesto consagrado de humildade e reverência a uma vida de sentido e compaixão, de comunidade. Em uma responsividade ao chamado ético, que os nossos – todos os pés –, possam estar protegidos, limpos e livres para caminhar sobre o mundo.

Espaços de diversidade: o impacto social e as perspectivas de ações futuras

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O olhar voltado para os próximos 30 anos

social impacts and perspectives

impacto social y perspectivas

impacto social e perspectivas

Espaços de diversidade: o impacto social e as perspectivas de ações futuras

Trinta anos de trabalho representam um marco significativo e merecem ser celebrados. A reflexão sobre as ações passadas, a avaliação das estratégias adotadas e o planejamento de iniciativas futuras constituem etapas fundamentais desse percurso.

Os impactos das ações culturais e socioeducativas realizadas de forma contínua contribuíram para a criação de um contexto que incentivou outras organizações a desenvolverem trabalhos voltados à migração e ao refúgio. “O Sesc São Paulo foi o primeiro parceiro da Caritas nos cursos de português para pessoas refugiadas. Essa experiência abriu caminho para outras instituições pensarem cursos semelhantes”, afirma o Padre Marcelo Marostica Quadro, vice-diretor da Caritas Arquidiocesana de São Paulo.

Para Miguel Pachioni, oficial de comunicação do ACNUR, os impactos sociais decorrentes dessa parceria são altamente positivos. “Por meio de iniciativas culturais, empreendedoras, educativas, de bem-estar e formação cidadã, o Sesc tem possibilitado não apenas o acesso a serviços fundamentais, mas também a construção de espaços de convivência onde a diversidade é acolhida e celebrada, onde o respeito às

diferenças é justamente um elemento que nos aproxima”, destaca.

Entre os impactos mais relevantes, ele ressalta: “Essa atuação tem um impacto direto na redução das desigualdades, no combate à xenofobia e na valorização das contribuições que as pessoas refugiadas trazem para a sociedade brasileira, evidenciando saberes e traços culturais que moldam o tecido social e nossa capacidade de evolução. Ao longo dos anos, o Sesc ajudou a transformar percepções sociais, promovendo inclusão efetiva e afetiva. Isso é essencial para que a pessoa refugiada não seja vista apenas por sua condição de vulnerabilidade, mas em seu potencial para contribuir com a comunidade que a acolhe e é por ela acolhida.”

No contexto nacional, observam-se avanços significativos, como a instituição da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (2025), por meio do Decreto nº 12.657/2025. Essa medida tem por objetivo coordenar e articular ações de diferentes áreas do governo federal, em cooperação com estados, municípios, sociedade civil e organismos internacionais, a fim de promover os direitos das pessoas migrantes, refugiadas e apátridas no Brasil.

Por meio de iniciativas culturais, empreendedoras, educativas, de bemestar e formação cidadã, o Sesc tem possibilitado não apenas o acesso a serviços fundamentais, mas também a construção de espaços de convivência onde a diversidade é acolhida e celebrada, onde o respeito às diferenças é justamente um elemento que nos aproxima Miguel Pachioni oficial de comunicação do ACNUR

Também reconhece o papel dessas populações como agentes de desenvolvimento econômico e social, reforçando princípios como interculturalidade, responsabilidade compartilhada e valorização do enraizamento comunitário. Trata-se de um avanço tanto simbólico quanto concreto, ao institucionalizar mecanismos de coordenação intersetorial e fortalecer a participação social, reafirmando a migração como uma questão de direitos, e não apenas de controle.

Também se destaca por contemplar temas historicamente periféricos no debate migratório, como a apatridia, a proteção diferenciada e a integração local. Entretanto, persiste o desafio de assegurar a aplicação uniforme da política em todos os estados e municípios, garantindo que as populações em maior situação de vulnerabilidade, como mulheres, crianças, pessoas LGBTQIA+, povos indígenas e refugiados com baixo nível de escolaridade tenham seus direitos plenamente assegurados. “Para tanto, é imprescindível um esforço conjunto do poder público, da sociedade civil, das instituições e das organizações”, pondera Flavia Carvalho, gerente da Gerência de Estudos e Programas Sociais (Gepros).

O olhar voltado para os próximos 30 anos

Ao projetar sua atuação para o futuro do trabalho com as pessoas refugiadas e migrantes, o Sesc São Paulo reafirma seu compromisso com a construção de uma sociedade plural. Essa perspectiva futura baseia-se na convicção de que a educação, a cultura e o convívio social constituem instrumentos essenciais para o fortalecimento dos laços comunitários e a promoção dos direitos humanos em um contexto global em constante transformação. Diante de novos desafios, como o aumento dos deslocamentos forçados, as crises ambientais e as tensões sociais, a instituição renova sua disposição de cooperação com parceiros e redes de apoio, ampliando oportunidades de integração e aprendizagem. Assim, mantém-se fiel à sua trajetória histórica, ao mesmo tempo que valoriza as possibilidades emergentes de cada encontro, de cada história e de cada acolhimento, reafirmando que as pessoas em situação de refúgio representam expressão de potencialidade. Miguel Pachioni, oficial de comunicação do ACNUR, enfatiza os desafios futuros diante do aumento dos deslocamentos forçados, decorrentes de conflitos e mudanças climáticas, com impactos cada vez mais frequentes e

severos. “É nos momentos mais difíceis que os valores fundamentais de uma parceria que se estende por anos, sendo inclusive aprimorada com o tempo, são evidenciados. O ACNUR acredita que a educação, as trocas culturais e a promoção de oportunidades de integração, como o aprendizado de idiomas e o acesso a serviços de qualidade, são pilares centrais para o desenvolvimento integral do ser humano em seu meio social, e o Sesc São Paulo tem se mostrado um parceiro estratégico nessa agenda da valorização do humano”, pontua. Nesse sentido, a perspectiva é expandir iniciativas conjuntas que promovam sensibilização social, novos aprendizados e experiências, permitindo que as pessoas se reconheçam como agentes transformadores de suas próprias realidades e das comunidades em que vivem.

O Padre Marcelo Marostica Quadro, da Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP), reforça que as perspectivas incluem o combate à xenofobia. “Trabalhar cada vez mais essa questão em campanhas, envolver as comunidades locais, as pessoas que frequentam o Sesc São Paulo: tudo isso para romper com a imagem negativa e preconceituosa

Ao abrir suas portas para que pessoas refugiadas e migrantes ocupem os espaços e compartilhem suas trajetórias, ao longo de três décadas, o Sesc reafirma seu papel como instituição educativa que promove a dignidade, o encontro e os direitos humanos. Cada ação é também um gesto de acolhimento e uma afirmação de que, em São Paulo, o refúgio encontra lugar

Luiz Deoclecio Massaro Galina Diretor Regional do Sesc São Paulo

que ainda se possa ter em torno das pessoas refugiadas e migrantes.” Ele destaca ainda que, no século 21, não é mais viável conceber o movimento migratório ou as políticas associadas de forma homogênea, pois há especificidades a serem consideradas. É necessário ter atenção a crianças, mulheres, idosos, povos indígenas, pessoas com deficiência, bem como à saúde mental, área na qual o Sesc São Paulo pode contribuir significativamente, utilizando cultura e lazer como instrumentos de promoção do bem-estar, não apenas para recém-chegados em situação de refúgio, mas também para aqueles que já residem no Brasil e enfrentam carência de moradia, emprego ou outros desafios sociais, comuns à população brasileira. Luiz Galina, diretor regional do Sesc São Paulo, enfatiza: “Ao abrir suas portas para que pessoas refugiadas e migrantes ocupem os espaços e compartilhem suas trajetórias, ao longo de três décadas, o Sesc reafirma seu papel como instituição educativa que promove a dignidade, o encontro e os direitos humanos. Cada ação é também um gesto de acolhimento e uma afirmação de que, em São Paulo, o refúgio encontra lugar”

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por O Sesc - Serviço Social do Comércio, entidade privada com finalidade pública, criada por iniciativa do empresariado do setor de comércio de bens, serviços e turismo - tem como missão contribuir para a qualidade de vida dos trabalhadores dessas categorias, seus dependentes e da sociedade em geral. Fundada em 1946, desde então a instituição tem elaborado propostas que efetivam uma atuação educativa continuada no campo da cultura em sua diversidade.

No estado de São Paulo, o Sesc conta com uma rede de 45 unidades, incluindo centros culturais e esportivos, bem como unidades especializadas. Oferece, ademais, atividades de turismo social, programas de saúde, educação para sustentabilidade, para a diversidade e para acessibilidade, alimentação, programas especiais para crianças, jovens e pessoas idosas, além do Sesc Mesa Brasil - programa institucional de combate à fome e ao desperdício de alimentos.

O Sesc desenvolve, assim, uma ação de educação não formal permanente com o intuito de valorizar as pessoas ao estimular a autonomia, a convivência e o contato com expressões e modos diversos de pensar, agir e sentir.

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por A Credencial Plena é um direito das pessoas com registro em carteira, que são estagiárias, temporárias, se aposentaram ou estão desempregadas em empresas do comércio de bens, serviços e turismo e seus dependentes. Com ela, você tem acesso prioritário a benefícios como descontos na compra de ingressos e serviços pagos, como tratamento odontológico, cursos, viagens, passeios e hospedagens em hotéis e pousadas do Sesc pelo Brasil.

Como fazer a Credencial Plena? On-line, pelo aplicativo Credencial Sesc SP, ou em centralrelacionamento.sescsp.org.br. Também é possível agendar, nesses canais, horários para realização desses serviços presencialmente, ou ainda dirigir-se a uma Central de Atendimento de uma unidade do Sesc.

Quem pode ser dependente? Cônjuge ou companheiro, filhos, enteados, irmãos e netos até 20 anos (ou estudantes até 24 anos), pai, mãe, padrasto, madrasta, avôs e avós

Qual é a validade da Credencial Plena? Até dois anos. Para estagiários, a validade corresponde à vigência do estágio; a validade para pessoas desempregadas é de até 24 meses após a baixa na carteira de trabalho.

Sesc – Serviço Social do Comércio

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Trabalho Social com Pessoas Refugiadas no Sesc São Paulo: 30 anos

Social Work with Refugees at SESC São Paulo: 30 Years

Trabajo Social con Personas Refugiadas en el Sesc São Paulo: 30 años

Pesquisa Curatorial | Curatorial Research | Investigación Curatorial João Doescher (coordenação | coordination | coordinación), Sandra Mirabelli, Camila Santos Medeiros, Fernanda Suemi Perruso, Alan Dias Fernandes, Patrícia Quadros

Equipe Sesc | SESC Team | Equipo Sesc André Dias, Cleber Paes, Erica Dias, Fabíola Tavares Milan, Guilherme Barreto, Karina Camargo Leal, Silvia Eri Hirao, Silvio Basilio, Thaís Ferreira Rodrigues

Produção e Edição do Conteúdo | Content Production and Editing | Producción y Edición de Contenidos Lúcia Nascimento

Tradução | Translation | Traducción Gama

Traduções Revisão de Textos | Text Revision | Revisión de Textos Luiz Henrique Soares

Identidade Visual e Projeto Gráfico | Visual

Identity and Graphic Design | Identidad Visual y Diseño Gráfico Luiz Felipe Santiago

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

S493t Sesc São Paulo

Trabalho Social com Pessoas Refugiadas no Sesc São Paulo – 30 Anos Sesc São Paulo. São Paulo: SESC SP, 2025.

144 p.; 17cm x 23cm (volume único).

Obra trinlíngue: português, espanhol e inglês ISBN: 978-65-89239-32-1

1. Trabalho Social. 2. Pessoas Refugiadas. 3. Migração. 4. História do refúgio no Brasil. 5. Direitos Humanos. I. Título. 2025-5340

CDD 361 CDU 36

CRB-8/9949

tipografia Chalet e Times

dezembro 2025

Odilio Hilario Moreira Junior – Bibliotecário

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