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MAR tanto

Diretora do Instituto Camões, Alexandra

Pinho navega pelas semelhanças e pelo oceano de diversidade que fortalecem a conexão entre Brasil e Portugal

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Para além da revisão histórica que vem atualizando as relações entre o Brasil e outros países lusófonos com Portugal, pontes vêm sendo criadas por uma frutífera produção cultural. A língua portuguesa, em toda sua diversidade e plasticidade, é o oceano pelo qual navegamos. Conselheira cultural na Embaixada de Portugal no Brasil, Alexandra Pinho ocupa, desde 2018, a direção do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, em Brasília, onde atua na promoção do diálogo entre os países por meio de ações culturais.

Um trabalho realizado em conjunto com instituições públicas e privadas não só para a valorização e difusão da língua portuguesa, mas também para a produção de conhecimento e fomento cultural. “Eu olho para o Brasil e vejo um país vastíssimo, construído com muita diversidade, com várias identidades que se cruzam e, portanto, o primeiro grande desafio é procurar entender a melhor forma de cooperação nas diferentes áreas geográficas, e como podemos estar presentes sempre em parceria”, explica a diretora do Instituto Camões.

Neste Encontros , Alexandra Pinho, que é licenciada em línguas e literaturas modernas pela Universidade de Coimbra, e mestre em estudos alemães pela Universidade Nova de Lisboa, aborda o reconhecimento das diversidades culturais que abraçam a língua portuguesa, reflete sobre as conexões entre Brasil e Portugal e mira novos caminhos à vista.

Pr Mio Cam Es

O galardão mais importante das literaturas em língua portuguesa é um prêmio binacional, ou seja, é dado pelo Brasil e por Portugal de forma absolutamente paritária e, em 2019, como sabemos, Chico Buarque foi o escritor, cantor, compositor escolhido, mas não foi possível chegarmos à cerimônia de entrega do diploma [quatro anos depois, em 23 de abril de 2023, Chico Buarque recebeu o prêmio em cerimônia realizada em Lisboa]. Neste último 5 de maio, ocorreu a entrega do Prêmio Camões à querida Paulina Chiziane, galardoada de 2021. Trabalhei cinco anos como diretora do Camões em Maputo [capital de Moçambique, no leste do continente africano] e tive a oportunidade de conhecer Paulina, a primeira mulher moçambicana negra a receber este prêmio. Uma mulher que é um exemplo, sobretudo para as meninas em Moçambique, ao mostrá-las a possibilidade da emancipação. É muito importante que haja esse reconhecimento público daquilo que significa termos figuras nos diferentes países de língua portuguesa que nos representam, criam pontes e estão presentes em várias gerações. São pessoas que nos ajudam a compreender melhor o lugar onde estamos e a olhar também para o outro.

Pela Coopera O

O Instituto Camões tem três pilares de atuação. Um na área da cooperação, que tem na Agência Brasileira de Cooperação (ABC) a sua congênere mais direta - e estamos a falar de cooperação para o desenvolvimento, em especial atenção para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mas também Timor Leste [único país lusófono do continente asiático], nas áreas, sobretudo, de educação, saúde e cultura. Temos uma segunda vertente de atuação na área da língua portuguesa, tanto no que diz respeito à difusão da língua em países que não falam português, quanto na formação de professores nos países de língua portuguesa em África e Timor Leste, bem como uma atuação muito especial no Brasil através da rede de Cátedras Camões. O terceiro pilar é a cultura, que é transversal aos outros dois pilares. Eu olho para o Brasil e vejo um país vastíssimo, construído com muita diversidade, com várias identidades que se cruzam e, portanto, o primeiro grande desafio é procurar entender a melhor forma de cooperação nas diferentes áreas geográficas, e como podemos estar presentes sempre em parceria, e da melhor forma, tanto em São Paulo quanto em Sergipe, em Belém e outras cidades. Assim, a atuação [do Instituto Camões] no Brasil está muito ligada à vertente da língua portuguesa enquanto língua que nos ajuda a compreender o mundo e a produzir conhecimento.

Como Ondas

Eu vejo [as aproximações culturais entre Brasil e Portugal] como as ondas do mar: às vezes chegam mais perto, e às vezes afastamse um pouquinho, mas o mais importante é sabermos que as ondas existem constantemente, que esse mar está lá e que é para ele que importa olhar, e não necessariamente para momentos específicos. Evidentemente que temos que estar atentos ao momento, e ele é fundamental, mas aquilo que para mim é um grande ensinamento ao longo destes anos no Brasil é que, de fato, há um fluxo permanente que não pode ser mensurável. A grande questão é não pensarmos que já vimos tudo. Isso eu acho que é fundamental para mim: perceber que conheço alguma coisa, mas tem muito para continuar a conhecer. Essa continuidade de troca, esse permanente olhar, é muito relevante.

Perto E Longe

Quando cheguei a Praga [capital da República Tcheca], onde também trabalhei, efetivamente tive a noção do que é estar num país estrangeiro, de uma língua que é

Encontros

uma barreira até conseguirmos nos comunicar, de uma base cultural bastante distinta. No Brasil, não é assim. Quando visitei Minas Gerais, a imagem mais forte é a chegada a Ouro Preto, que tanto se assemelha com a paisagem do norte de Portugal. É a mesma, mas é diferente. E eu acho que é essa tensão, essa aproximação e, ao mesmo tempo, essa diferença que é tão enriquecedora para nós. Acho que também por isso os brasileiros se sentem tão acolhidos ou querem ir a Portugal. Porque, de fato, não há esse estranhamento inicial, esse choque e barreira. Essa diferença vai se tornando clara à medida que dialogamos, que vemos, que conhecemos, que procuramos entender o lugar onde estamos.

Revis O Hist Rica

Há agora uma questão muito importante, de olhar para a África, a África independente, os países independentes, os países que têm seu lugar, sua voz, seu destino nas mãos. Isso é um processo que está em curso em Portugal e que significa revisitar a nossa história. Nem sempre é um caminho de progresso, às vezes temos que parar, refletir, aprofundar e perceber o que é que estamos a fazer. Por exemplo, a importância do teatro na programação do Mirada [Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, cuja sexta edição foi realizada pelo Sesc São Paulo, em setembro passado], ao trazer grupos como o Teatro do Vestido, que refletem de uma forma sistemática sobre a questão colonial, a herança colonial. É fundamental que seja apresentado em Portugal, e várias companhias têm feito esse trabalho para trazer alguma proximidade com este assunto, e que não seja apenas colocado na esfera política, mas também possa ser sentido. A arte, a cultura, nos ajudam a pensar e a sentir.

Pela M Sica

O Dia Mundial da Língua Portuguesa [5 de maio] foi consignado pela Unesco em 2019, em novembro, mas nós nunca conseguimos fazer uma celebração presencial. Até este ano, quando celebramos presencialmente esta língua que nos é comum. Uma língua pluricêntrica e de muitas nuances. Uma língua que também é muito plástica. Foi pensando na importância da música para a língua e aquilo que ela representa, que nós acreditamos que seria interessante trazer para a primeira celebração presencial não a literatura, mas sim, a música. Uma música que une periferias e que se apresenta como Meu bairro, Minha língua, ao trazer as periferias de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Lisboa, de Cabo Verde [em show realizado no Sesc Vila Mariana, no dia 6 de maio deste ano]. Portanto, nesse sentido, fazemos um primeiro encontro daquilo que também são movimentos musicais. Porque o show traz pessoas de várias proveniências, não só geográficas, mas também musicais. É quase como ter uma orquestra com vários timbres. Uma confluência, digamos assim, de várias proveniências. E a música nos traz para a esfera dos sentimentos e do entretenimento.

Plasticidade Da L Ngua

Por meio do acordo [ortográfico] de 1911, Portugal tinha como meta criar uma norma, porque cada um estava a escrever à sua maneira. Este acordo mais recente é um

O projeto Meu Bairro, Minha Língua - O concerto, em celebração ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, teve a participação de Vinicius Terra, Anelis Assumpção, Curumin, Dino d’Santiago, Lavoisier, Brisa Flow e Ian Wapichana em show no teatro do Sesc Vila Mariana, dia 6/5.