Sesc | Serviço Social do ComÊrcio Departamento Nacional Rio de Janeiro Janeiro de 2014
Sesc | Serviço Social do Comércio Presidência do Conselho Nacional Antonio Oliveira Santos Departamento Nacional Direção-Geral Maron Emile Abi-Abib
Textos Hans Günther Pflaum (A vida é um canteiro de obras, Nenhum lugar para ir, Adeus Lenin!, 4 dias em maio, Bem-vindo à Alemanha, O que permanece); Ulrich von Thüna (Berlin is in Germany) e Ralph Eue (Sonnenallee, Yella)
Coordenadoria de Educação e Cultura Nivaldo da Costa Pereira
Tradução Susanna Patrícia Bernhorn de Pinho, Jutta Gruetzmacher e Marcos Silva
Gerência de Cultura Gerente Marcia Costa Rodrigues
Produção Pixel World e SUBS Subtitling
Assessoria de Cinema Marco Fialho Nadia Moreno
Produção editorial (Sesc) Assessoria de Comunicação Direção Christiane Caetano
Goethe-Institut Goethe-Institut São Paulo Diretora Regional para a América do Sul Katharina von Ruckteschell-Katte Goethe-Institut Rio de Janeiro Diretor Alfons Hug Programação Cultural Sandra Lyra Arndt Roskens
Mostra encontro com o cinema alemão
Mostra Encontro com o Cinema Alemão Curadoria Arndt Roskens (Goethe-Institut Rio de Janeiro) e Nadia Moreno (Sesc) Coordenação Nadia Moreno (Sesc); Sandra Lyra (Goethe-Institut Rio de Janeiro); Arndt Roskens (Goethe-Institut Rio de Janeiro); Hans Kohl (Goethe-Institut Central) e Ralph Schermbach (Pixel World)
Sesc. Departamento Nacional. Mostra encontro com o cinema alemão / Sesc, Departamento Nacional. -- Rio de Janeiro : Sesc, Departamento Nacional, 2013.
Supervisão editorial e edição Fernanda Silveira Direção de arte Ruth Marina Lapa e Ana Cristina Pereira (Hannah23) Projeto gráfico Aline Haluch | Studio Creamcrackers Revisão de texto Clarisse Cintra Elaine Bayma Produção gráfica Celso Mendonça Estagiário de produção editorial Thiago Fernandes
100 p. : il. ; 21 cm.
ISBN 978-58-8254-009-1.
1. Cinema - Alemanha. 2. Cinema – Alemanha – Resenha.
I. Título.
CDD 791.430943
As fotos desta publicação foram cedidas pelo Goethe-Institut ©Sesc Departamento Nacional Av. Ayrton Senna, 5.555 — Jacarepaguá Rio de Janeiro — RJ CEP 22775-004 Tel.: (21) 2136-5555 www.sesc.com.br Impresso em janeiro de 2014. Distribuição gratuita. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/2/1998. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida sem autorização prévia por escrito do Departamento Nacional do Sesc, sejam quais forem os meios e mídias empregados: eletrônicos, impressos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
Temporada Alemanha + Brasil 2013-2014 A Temporada da Alemanha no Brasil 2013-2014 é uma iniciativa do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. Os realizadores do projeto são o BDI Brazil Board, o Goethe-Institut (GI), o Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha (BMBF) e o Ministério para Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha (BMZ). Os patrocinadores premium da temporada são Allianz, BASF, Bayer, BMW, Bosch, Lanxess, Mercedes-Benz, Siemens, Volkswagen e ZF. No Brasil, a temporada tem o apoio da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK), do Centro Alemão de Ciência e Inovação-São Paulo (DWIH-SP), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Ministério da Cultura do Governo Federal do Brasil e do Serviço Social do Comércio (Sesc).
Criado e administrado há mais de 60 anos por representantes do em-
O Sesc é uma entidade de prestação de serviços de caráter socioedu-
presariado do comércio de bens e serviços e destinado à clientela
cativo que promove o bem-estar dentro das áreas de Saúde, Cultura,
comerciária e a seus dependentes, o Sesc vem cumprindo com êxito
Educação e Lazer, com o objetivo de contribuir para a melhoria das
seu papel como articulador do desenvolvimento e bem-estar social
condições de vida da sua clientela e facilitar seu aprimoramento cul-
ao oferecer uma gama de atividades a um público amplo, em um es-
tural e profissional. No campo da cultura, a atuação do Sesc acontece
forço que conjuga empresários e trabalhadores em prol do progresso
no estímulo à produção cultural, na amplitude do conhecimento e no
nacional.
fortalecimento de sua identidade nacional, condições essenciais ao desenvolvimento de um país.
Dentre suas diversificadas áreas de atuação, a cultura se caracteriza como um democrático disseminador de conhecimento, uma im-
Nesse cenário, a mostra Encontro com o Cinema Alemão nos brinda
portante ferramenta para a educação e transformação da sociedade,
com um fragmento da safra de filmes produzidos no final do século
levada ao público de grandes e pequenas cidades por meio da itine-
20 e início do século 21 na Alemanha. Em uma parceria do Sesc com
rância de espetáculos, exposições e mostras de cinema.
o Goethe-Institut, foram disponibilizados 10 filmes que configuram o recorte de um cinema articulado com as questões contemporâneas
Ao possibilitar o livre acesso aos movimentos culturais, seja no cine-
da sociedade ocidental e com dois temas de grande impacto na his-
ma, como também nas artes plásticas, no teatro, na literatura ou na
tória do país: a Segunda Guerra Mundial e a vida na Alemanha Oriental
música, o Sesc incentiva a produção artística, investindo em espaço e
com a unificação do país.
estrutura para apresentações e exposições, mas, acima de tudo, promovendo a formação e o desenvolvimento do público e dos artistas
Uma abordagem bastante apropriada para uma ação do calendário
que habitam os quatro cantos do Brasil. A credibilidade alcançada pelo
do ano da Alemanha no Brasil, pois nos permite conhecer a produção
Sesc nesse âmbito faz da entidade uma referência nacional, o que
cinematográfica contemporânea desse país, favorecendo o estudo
revela a reciprocidade entre suas ações e políticas e as atuais necessi-
e a discussão sobre as questões específicas da arte do cinema e, ao
dades de sua clientela.
mesmo tempo, conhecer novos aspectos, novos olhares, sobre as questões do homem e da sociedade. Antonio Oliveira Santos Presidente do Conselho Nacional do Sesc
Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do Sesc
Desde os primórdios da produção cinematográfica, o cinema
Em um trabalho conjunto com o Sesc, nosso parceiro de longa
alemão caracteriza-se pelo trabalho e pelo esforço de propor
data, escolhemos 10 filmes alemães que compõem a mostra
novas ideias tanto na forma quanto na temática dos filmes, as
Encontro com o Cinema Alemão com o objetivo de oferecer ao
quais inspiraram e influenciaram cineastas no mundo todo. Essa
espectador brasileiro um panorama representativo do cinema
influência se deu, por exemplo, por meio do expressionismo do
alemão contemporâneo. Os temas são tão diversos quanto os
cinema mudo de F. W. Murnau, Fritz Lang e outros e, nos anos
cineastas que os realizaram.
1970, do cinema de autor de Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders e Werner Herzog.
No filme 4 dias em maio, Achim von Borries conta, através do olhar de um menino, os dias do término da Segunda Guerra
Nas últimas décadas o cinema alemão tem sido marcado por
Mundial, quando soldados russos e alemães se enfrentaram em
uma grande variedade de estilos e conceitos artísticos: o cine-
um pequeno vilarejo no litoral da Alemanha. Wolfgang Becker
ma dos grandes realizadores dos anos 1970 e 1980, como Wim
e Oskar Roehler refletem sobre a queda do muro de Berlim e o
Wenders, Werner Herzog, Volker Schlöndorff e Margarethe von
processo da unificação da Alemanha a partir de duas perspec-
Trotta, que continuam ativos ainda hoje; as novas ideias e con-
tivas completamente diferentes: enquanto no filme Nenhum
ceitos dos cineastas que sugiram nos anos 1990 após a unifica-
lugar para ir, a queda do muro significa o desabamento do mun-
ção da Alemanha, como Tom Tykwer, Wolfgang Becker e Dani
do material e ideologicamente confortável da personagem, em
Levy, até os cineastas que fizeram sucesso nos últimos anos
Adeus Lenin! relata a velocidade estonteante com que a vida
com uma perspectiva diferente e temáticas novas, como Chris-
muda para as pessoas na Alemanha Oriental.
tian Petzold, Oskar Roehler, Hans-Christian Schmid, Maren Ade e Leander Haußmann.
O filme Sonnenallee faz referência a uma rua em Berlim que, dividida ao meio pelo muro, mostra de maneira irônica a vida de
A Temporada Alemanha + Brasil 2013-2014 é uma boa oportuni-
adolescentes na antiga Alemanha Oriental. Já Berlin is in Ger-
dade de descobrir o cinema contemporâneo alemão e enxergar
many relata as dificuldades de adaptação de um ex-prisioneiro
através da lente dos cineastas uma Alemanha atual, suas agonias
da Alemanha Oriental a um dia a dia desconhecido na Alema-
e alegrias, preocupações e desejos, as perspectivas para o futuro
nha pós-unificação, onde valores e hábitos foram substituídos
e os olhares para o passado. O cinema nos oferece a chance de
por uma cultura completamente estranha para ele. Os jovens
olhar para uma sociedade e compreendê-la um pouco melhor.
de A vida é um canteiro de obras lutam para sobreviver e achar
seus espaços na sociedade, sem olhar para trás. O filme é um excelente retrato do espírito de uma nova geração na Berlim unificada dos anos 1990. Enquanto Hans-Christian Schmid e Maren Ade refletem sobre relações interpessoais por intermédio de uma família burguesa, em O que permanece, e as tempestades de um relacionamento, em Todos os outros, Yella conta a história de uma mulher tentando se realizar na carreira após o término de um relacionamento. Bem-vindo à Alemanha é um filme de destaque por apresentar uma temática vigente. Através da comédia, a diretora Yasemin Samdereli mostra as mudanças na sociedade alemã com a nova geração de filhos de imigrantes que nasceram e foram criados na Alemanha. Como filha de imigrantes turcos, a diretora faz parte de uma nova geração de cineastas realizando filmes fundamentados na experiência pessoal do multiculturalismo. Esperamos que os filmes, acompanhados por um catálogo, inspirem debates e reflexões e contribuam para renovar o olhar brasileiro sobre a Alemanha contemporânea: venham, descubram e curtam! Katharina von Ruckteschell-Katte Diretora do Goethe-Institut São Paulo Diretora Regional para a América do Sul
Sumário Filmes A vida é um canteiro de obras Toda tragédia tem um lado bom: em seu último dia de trabalho, Jan faz um amigo; no confronto com a polícia, conhece Vera; com a morte do pai, tem agora uma casa própria; e o medo da Aids pode fazê-lo pôr ordem em sua vida.
Berlin is in Germany Martin deixa a penitenciária de Brandenburgo após 11 anos na prisão por um assassinato em 1989. Ele só conhecia a Alemanha Oriental e agora é subitamente confrontado com uma nova Berlim unificada.
Nenhum lugar para ir O diretor Oskar Roehler relata a história de sua mãe — a escritora Gisela Elsner, que se suicidou em 1992 — por intermédio da personagem Hanna Flanders, uma militante de esquerda que se vê em meio ao fracasso com o fim da Alemanha Oriental.
Adeus Lenin! Alex decide esconder de sua mãe ativista a queda do Partido Socialista. Mas o que acontecerá quando a mulher, que está internada, receber alta e voltar para casa?
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Sonnenallee Com este filme, sua estreia no cinema, o diretor de teatro Leander Haußmann retrata de forma humorística a vida dos jovens na Berlim Oriental e nas zonas fronteiriças, em 1973.
4 dias em maio Mesmo decepcionado com o fim das batalhas da Segunda Guerra, o órfão Peter ainda tem uma importante tarefa para um soldado: ele precisa proteger a jovem Anna, que está escondida em um celeiro.
Yella Depois de deixar a cidade onde vivia com o ex-marido, Yella encontra Philipp, um executivo que planeja um negócio incrivelmente simples e altamente promissor.
Bem-vindo à Alemanha Em 1964, Hüseyin Yilmaz deixou a Anatólia pela Alemanha. Anos depois, resolve comprar uma casa em seu país natal e convoca a família para começar a reforma. A viagem provoca intensas discussões entre os diversos membros da família.
Todos os outros Um jovem casal tenta desfrutar suas férias isolando-se a dois. Em uma casa de veraneio na Sardenha, eles tentam fugir dos problemas não resolvidos, mas não conseguem fugir um do outro.
O que permanece Um ex-casal vive a esconder os problemas familiares da matriarca Gitte, que sofre de depressão há anos. Mas ela declara não estar mais tomando seus remédios. Os parentes desconfiam que agora terão novos problemas.
circuito
49 53 63 73 81 87 99
A vida é um canteiro de obras Das Leben ist eine Baustelle
Inverno em Berlim. Manifestantes e policiais se enfrentam em um
1997 | 118 min
combate de rua enquanto Jan Nebel vai para seu trabalho no frigorífico. Quando defronta dois homens que perseguem uma jovem
Direção: Wolfgang Becker Produção: X Filme Creative Pool Roteiro: Wolfgang Becker, Tom Tykwer Câmera: Martin Kukula
mulher, ele nem imagina que são policiais à paisana. A noite traz consequências sombrias para Jan: uma alta multa em dinheiro, a perda do emprego e, talvez, do seu grande amor. Pela manhã, ele descobre que sua amada desaparecera do mapa.
Edição: Patricia Rommel Música: Jürgen Knieper, Christian Steyer
Jan mora na casa da irmã Sylvia, que tem uma filha e um namora-
Elenco: Jürgen Vogel, Christiane Paul,
do, de quem a filha não gosta. A vida familiar destroçada parece ser
Armin Rhode, Ricky Tomlinson,
uma doença hereditária. Seus pais se divorciaram há muito tempo,
Christina Papamichou, Rebecca Hessing, Martina Gedeck e Meret Becker
mas de vez em quando Jan visita o pai e os dois costumam jogar xadrez. Quando Jan aparece um dia na casa do pai para pedir-lhe uma ajuda financeira, ele o encontra sentado, imóvel, à mesa da cozinha, com o rosto sobre o prato e a televisão ligada. Horas mais tarde, Vera, com quem ele tinha um encontro à tarde, e Jan fazem uma espécie de velório para o morto durante toda a noite. Para Jan, as coisas vão de mal a pior. A morte do pai, o desemprego e o risco de ir para a cadeia se não pagar a multa não são seus únicos problemas. O namorado de Moni, com quem Jan também já dormira uma vez, está com Aids, mesmo assim, Jan adia o quanto pode seu teste de HIV.
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No entanto, pode ser que toda catástro-
Aqui, o diretor realiza uma
fe tenha seu lado bom: em seu último
proeza só encontrada até
dia no frigorífico, Jan ganha um novo
agora no cinema inglês:
amigo; no confronto com a polícia, co-
uma história sobre miséria
nheceu Vera; com a morte do pai, tem
material e psíquica, sobre
agora um apartamento próprio e, talvez,
perda da pátria e tristeza,
o medo da Aids o faça ordenar melhor a
mas que não se torna plan-
própria vida.
gente e, ao mesmo tempo, a enérgica insistência nos
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Mostra encontro com o cinema alemão
A vida é um canteiro de obras deve ser
tons cômicos não ameni-
entendido de maneira programática:
za a gravidade da situação,
trata-se de conceitos de uma vida ain-
opõe-se às circunstâncias
da em processo de formação, de um
e lhes oferece resistência.
constante reagir a danos, de correções
O fato de a encenação também apelar,
condenado, deve irritar parte do público.
de projetos provisórios e de situações de
vez por outra, para recursos drásticos,
Quase que de passagem, Wolfgang Be-
fragilidade cotidiana. As imagens de can-
seja quando se trata de sexo, trabalho
cker também fala da decadência da te-
teiros de obras que perpassam a história,
ou morte, também deve ser entendido
levisão — com um programa de tevê no
como um Leitmotiv, têm valor simbólico.
como protesto contra a ingenuidade e a
qual os candidatos têm de adivinhar o tí-
As personagens do filme ainda não con-
inocência das produções planas, carac-
tulo de filmes de horror a partir dos gritos
seguem lidar suficientemente bem com
terísticas do cinema alemão dos anos
das vítimas, ou ainda com um concurso
esse mundo que lhes parece sempre
1990, que tentavam abrandar os conflitos
de talentos absolutamente idiota. Mas ele
inóspito para poderem estabelecer-se
incipientes. A vida é um canteiro de obras
fala, principalmente, de relações sexuais
em longo prazo. Muito além de uma co-
tem aquela coragem de provocar — uma
ligeiras, da completa dissolução das estru-
média, o filme de Wolfgang Becker reve-
coragem que caracterizou a geração do
turas familiares, do desemprego, de pro-
la o sentimento de vida de uma jovem
“Novo Cinema Alemão” nos anos 1970.
blemas de habitação e do medo da Aids — os sinais da doença estão onipresentes
geração alemã na segunda metade dos anos 1990.
A própria facilidade com que o inocente
nesse filme. O mundo oposto, com seus
Jan entra em conflito com a polícia e é
hotéis de luxo, suas lojas caras, ou o bufê
de um Congresso Médico sobre a Dor, já está fora do alcance de Jan. Só Vera continua a ultrapassar limites, sem nenhum receio. Ela também estimula Jan a saber se está contaminado pelo vírus da Aids. A chegada da jovem grega, que vagueia pela cidade à procura do irmão, mostra claramente como Wolfgang Becker e seu coautor sobrecarregaram sua história com um volume quase enciclopédico de pro-
Biografia do diretor
ma, seis vezes o Prêmio Alemão de Ci-
um pouco o fluxo da narrativa. Porém,
Wolfgang Becker nasceu em 1954 na ci-
para o Globo de Ouro nos EUA, para citar
sua continuidade é garantida graças aos
dade de Hemer, Vestfália. Becker estreou
somente alguns. Vendido em mais de 64
intérpretes — extraordinariamente presen-
no cinema em 1987 com Schmetterlin-
países, Adeus Lenin! foi sucesso de bilhe-
tes, cheios de vitalidade e multifacetados
ge. A adaptação do conto homônimo
teria também no exterior.
— e à capacidade do diretor de lidar com
de Ian McEwan recebeu, entre outros, o
cenários: A vida é um canteiro de obras
Oscar estudantil (Student Film Award) e
também esboça uma imagem de lugares
o Leopardo de Ouro do festival de filme
desconhecidos da metrópole de Berlim. É
de Locarno (Suíça). A vida é um canteiro
o diagnóstico de uma doença: cheio de
de obras é o primeiro filme dirigido por
contradições e, por isso mesmo, também
Becker para a empresa X Filme Creative
cheio de vida.
Pool GmbH, da qual ele é sócio. Com
tade do filme, essa sobrecarga bloqueia
mais de seis milhões de espectadores, Wolfgang Becker alcançou grande sucesso em 2003, com o filme Adeus Lenin!, que recebeu os seguintes prêmios: nove Lolas do Prêmio Alemão de Cine-
nema, o Cesar na França, foi nomeado
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Filmografia 2009 | Krankes Haus (curta) 2003 | Adeus Lenin! 2000 | Stundenhotel 2000 | Paul is dead 1997 | A vida é um canteiro de obras 1992 | Kinderspiele 1991 | Blutwurstwalzer 1990 | Nicht mit uns 1988 | Schmetterlinge
A vida é um canteiro de obras
blemas. Principalmente na segunda me-
Crítica
sim, ele não só é obrigado a passar a noite na
com a grega Kristina, que procura o irmão. E
delegacia, como também precisa pagar uma
por acaso Jan reencontra Vera fantasiada de
multa alta; falta ao trabalho sem justificativa
Papai Noel em um supermercado, cantando
e acaba perdendo o emprego.
canções de Natal. Os dois combinam um en-
Por Rudolf Worschech
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contro e inicia-se uma história de amor malu-
Mostra encontro com o cinema alemão
Ir para a rua e filmar a vida — nenhum ou-
Jan parece uma pessoa que ainda não en-
ca: eles participam clandestinamente de uma
tro filme alemão dos últimos anos adota tão
controu seu lugar na vida. Ele é açouguei-
conferência de médicos para comer do bufê
bem esse princípio da Nouvelle Vague como o
ro, mas, aparentemente, não tem emprego
e saem de um hotel de luxo sem pagar. É um
filme de Wolfgang Becker. A vida é um cantei-
fixo; vive com a irmã, que exibe lingerie em
amor entre diferentes classes sociais e níveis
ro de obras começa na rua e termina em um
festas particulares; e grande parte dos seus
de educação: ele, açougueiro; e ela, graduada
bonde, desenvolvendo entre essas duas cenas
bens está na bolsa a tiracolo que ele carrega
em música e atuando em performances. Com
uma história de acasos e encontros casuais.
por todo lugar. Sua marcha tem um aspecto
Jürgen Vogel e Christiane Paul, Wolfgang Be-
E os acasos não são “grandes” encontros ci-
machista – Vera lhe dirá um dia – e de fato
cker encontrou o elenco ideal: ele com uma
nematográficos, ao contrário, são pequenos
ele caminha com teimosia pelas ruas da gé-
corporeidade um tanto frágil; ela, misteriosa
e fortuitos, mas têm grande efeito. Já nas
lida cidade de Berlim, como se essas cami-
e inicialmente sem compromissos. Pois assim
primeiras cenas vemos um desses acasos.
nhadas proporcionassem estabilidade à sua
como Vera inicialmente surgiu do nada, ela
Um jovem, de nome Jan, de calça de veludo,
vida. Na realidade, a única estabilidade na
desaparece periodicamente. Vogel e Paul con-
jaqueta jeans, com uma bolsa tiracolo, pe-
sua vida é Jennifer, Jenni, sua pequena so-
seguem interpretar cenas sérias, mas com
rambula por um bairro de prédios antigos; si-
brinha, de quem ele cuida e por quem ele
leveza sem igual em se tratando de comédias
renes, policiais e manifestantes correm pelas
tem um grande carinho. Jan e Jenni eram
alemãs. Certa vez, Jan visita Vera em uma de
ruas e parece que houve saques. De repente,
também os nomes dos amantes no audioli-
suas performances e, após a apresentação, eles
aparece uma jovem mulher, Vera, persegui-
vro Der gute Gott von Manhattan [O bom deus
se sentam ao redor de uma mesa, banhados
da por dois homens. Jan primeiro imobiliza
de Manhattan], de Ingeborg Bachmann.
por uma luz de velas quase mágica. Perguntam se ele poderia cantar alguma coisa, mas,
os dois e logo começa uma fuga pelas ruas, pelos quintais e antigas escadarias. Um me-
Jan Nebel se deixa levar pela vida e a vida o
sem muita coragem, ele acaba tirando uma
nino fantasiado de super-homem ajuda os
leva. Quando recebe o último pagamento, seu
melodia dos copos.
dois, escondendo-os no apartamento dos
amigo Buddy o ajuda para que ele não seja
pais, mas mesmo assim Jan é pego por po-
pego roubando alguns filés. Buddy é fã da
O que mais intriga nesse terceiro filme de
liciais – que, é claro, estavam à paisana. As-
música de Buddy Holly e ambos se deparam
Wolfgang Becker (após Schmetterlinge [Bor-
conversa com ela e decidem compartilhar
Em seu filme A vida é um canteiro de obras Wol-
seus segredos para ganhar confiança. Nesse
fgang Becker criou uma grande obra de arte,
momento, Becker muda de cena, deixando
um filme sobre coisas tão banais como di-
seus personagens a sós.
nheiro, morte, emprego, procura por apartamento e amor, dando mesmo assim aos seus personagens um lampejo daquele bigger than
sa em Berlim, uma cidade que hoje [à época
life necessário para uma história cinemato-
que o artigo foi escrito] é um grande cantei-
gráfica. São retratos momentâneos da vida
ro de obras. No entanto, Becker não explo-
que em alguns personagens se densificam,
ra Berlim como, por exemplo, Caroline Link
criando um caráter, em outros não. Se qui-
na segunda parte do filme Jenseits der Stille
séssemos descrever a narrativa desse filme
boletas], 1988, e Kinderspiele [Jogos infantis],
[Além do silêncio]. Não são exibidas aquelas
e a atitude em face dos seus personagens, a
1993) é que tudo parece evidente na super-
vistas de cartão-postal dos bairros nobres
melhor palavra provavelmente seria “aberta”.
fície, mas cada pessoa tem o seu segredo.
de Berlim ou dos pontos conhecidos. Vez ou
Observamos os personagens por duas horas
Isso vale especialmente para Vera, que deixa
outra podemos vislumbrar a torre de televi-
e mesmo assim não sabemos tudo sobre eles,
mensagens em um gravador e sai da cama
são da antiga Berlim Oriental, uma ponte,
nem o que será deles. Como em um canteiro
de manhã de mansinho. E também Jan, que é
uma fábrica antiga. No mais, tudo se passa
de obras, que nos permite ter uma leve noção
possivelmente HIV soropositivo. Becker obri-
nas ruas tristes e cinzentas dos bairros an-
de como será o prédio.
ga o espectador a ver o mundo com os olhos
tigos. Desde o filme Solinger Rudi, de Dietmar
dos seus personagens: há muito poucos mo-
Klein, nenhum outro filme alemão retratou
mentos nesse filme nos quais o espectador
o ambiente dessas ruas, seus apartamentos
sabe mais que os personagens. Becker usa
e os habitantes com tanta atenção e auten-
esse recurso para gerar confusão no espec-
ticidade. O espectro abrange desde a exce-
tador, por exemplo, quando Vera está senta-
lente caricatura proletária (Jans Schager,
da em um hospital e não sabemos por quê.
interpretado pelo ator Armin Rohde) até um
Becker chega até mesmo ao ponto de nem
quadro de solidão triste e grotesco, quando
sempre divulgar os assuntos discutidos pelo
Jan encontra o pai morto na frente da televi-
casal. Em uma cena, Jan persegue Vera e des-
são com a cabeça na pizza.
cobre que ela mora com outro homem. Ele
Fonte: EPD Film, Frankfurt, n. 3, mar. 1997 (tradução nossa).
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A vida é um canteiro de obras
O filme A vida é um canteiro de obras se pas-
Berlin is in Germany 2001 | 90 min
companheiro da agora ex-esposa não vê
Manuela, mas é denunciado pelo namo-
com bons olhos essa reaproximação.
rado da mulher e preso a seguir. Ainda assim, ele consegue ser libertado com a
Direção e roteiro: Hannes Stöhr
Nessa nova realidade, Martin reencon-
ajuda de Manuela e Rokko e da assistente
Produção: Luna/ZDF-Kleine Fernsehspiel
tra velhos companheiros. Um deles lhe
social que foi responsável por ele duran-
ORB/DFFB
arranja um emprego em uma sex shop,
te o período de liberdade condicional.
Câmera: Florian Hoffmeister
onde ele conhece uma stripper, uma
Edição: Anne Fabini
simpática garota dos Balcãs, que é es-
Berlin is in Germany é inspirado em um
tudante e vê esse trabalho como uma
fato real: o diretor Stöhr ouviu falar da his-
atividade temporária. Martin também
tória de um prisioneiro que fora condena-
encontra Enrique, um velho amigo que
do antes da queda do muro e, anos mais
trabalha como motorista de táxi, e aca-
tarde, liberto em uma nova Berlim reunifi-
Em 2001, Martin deixa a penitenciária de
ba ficando entusiasmado com a ideia de
cada. Esse foi o ponto de partida para seu
Brandenburgo após 11 anos prisão. Em
trabalhar também como motorista, pre-
roteiro. A experiência-chave de Martin é
1989, fora condenado por assassinato,
parando-se com afinco para o exame de
seu encontro com um mundo totalmen-
mas teve a pena – por homicídio não
habilitação. Porém, durante a prova, ele
te novo. Por toda parte, ele vê máquinas,
premeditado – reduzida para 11 anos. No
descobre que não poderá exercer esse
prédios novos, propagandas e arranha-
entanto, Martin só conhecia a Alemanha
tipo de trabalho, por causa dos seus an-
-céus, mas se assusta ao perceber quão
Oriental e ao sair da prisão é subitamente
tecedentes criminais. Desesperado com
pouco tudo isso parece impressioná-lo.
confrontado com uma nova Berlim unifi-
a notícia, Martin vai para a sex shop a fim
Seja como for, é compreensível que ele
cada. Ele se hospeda em um hotel, sai em
de se embebedar, só que a polícia che-
procure o que lhe é familiar nesse novo
busca de trabalho, mas nada consegue.
ga antes e invade o local, que está sob
mundo, como os velhos amigos ou ex-
Procura Manuela, sua mulher e mãe do
suspeita por ser um ponto de drogas. Em
-companheiros de prisão. Como tam-
filho que nunca vira até então, mas o atual
sua fuga, Martin se refugia na casa de
bém é perfeitamente compreensível que
Música: Florian Appl Elenco: Jörg Schüttauf, Julia Jäger, Tom Jahn, Valentin Platareanu e Edita Malovic
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Bem convincente é também o suave retorno de Manuela para Martin. Isso talvez se explique pela capacidade de interpretação dos dois atores, mas também pela maneira cuidadosa com que um reage ao outro, pelo cuidado que ele procure sua mulher, que já não via há alguns anos e que agora vive com um novo namorado, e o filho que ele nem chegara a conhecer. Embora Martin agisse reservadamente, ele é visto como um estranho Ossi (alemão da Alemanha Oriental), como um animal exótico.
20 Nesse trabalho final para a Academia de Cinema e TV, Stöhr mostra grande competência não apenas no tratamento extremamente realista dado a cada personagem, mas também na encenação oportuna e Mostra encontro com o cinema alemão
irônica do encontro leste-oeste. Os companheiros que Martin reencontra também são simpáticos e, em sua caracterização, Stöhr foge ao folclore televisivo tão característico das séries policiais que vemos na tevê. Seu modo de falar soa autêntico e o ambiente que os cerca, inclusive os bares e os skin heads andando à toa pelas ruas, parecem bem reais.
demonstram um pelo outro. As rupturas acumuladas na vida real ou as de-
Biografia do diretor
silusões, até mesmo as pequenas, que
Hannes Stöhr nasceu em 1970 na cida-
se somam ao longo da vida, não têm
de de Hechingen-Sickingen, na Suábia
muito espaço nesse roteiro: não só os
(Baviera). Estudou Direito europeu na
amigos de Martin têm um coração de
Universidade de Passau. Estudou na aca-
ouro, como também são companheiros
demia de cinema Deutschen Film- und
de verdade. Até Viktor, o sujeito esquisito
Fernsehakademie Berlin (DFFB) a partir
da sex shop, de estranho sotaque esla-
de 1995. Graduou-se com o filme Berlin
vo, que prepara um novo golpe e logo
is in Germany, premiado, pelo público, na
será recapturado. Também não deixa de
Berlinale de 2001 na mostra Panorama,
ser simpático que a assistente social não
além de diversos outros.
seja apresentada como uma simples burocrata, mas sim como alguém que se engaja de verdade pelos seus clientes. Manuela não estava diante do portão da penitenciária quando Martin foi libertado, mas seu amor perdurou apesar de tantos anos de separação e do novo relacionamento de Manuela, e isso é perfeitamente plausível na vida real.
Filmografia 2008 | Berlin Calling 2004 | One Day in Europe 2001 | Berlin is in Germany 1998 | Gosh, Zirkusportraet (documentário) 1997 | Lieber Cuba libre (documentário) 1996 | Maultaschen 1995 | Biete Argentinien, suche Europa
Crítica Por Thomas Waitz Nas últimas cenas de Berlin is in Germany, Martin sai pela segunda vez da penitenciária. O portão se fecha. A rua está vazia à sua frente, não é difícil percorrê-la. Poderia ser o começo de outro filme, e dessa vez parece haver alguma confiança e esperança nas coisas.
Martin Schulze é o último Ossi. Quando o
para Martin, chegar a um lugar estranho;
As tentativas de Martin de criar raízes e
as lembranças tornaram-se invisíveis. Mais
buscar contatos indicam um progresso len-
tarde, na retrospectiva, conhecemos o mo-
to. E, de repente, ele depara com a porta da
tivo para a detenção de Martin, um motivo
casa de Manuela, sua ex-esposa; com o hall
que obviamente visa à compaixão dos es-
e a sala de estar. Ele está sentado à mesa,
pectadores: uma tentativa de fuga do país
em um lugar certo e ao mesmo tempo er-
terminou em homicídio culposo. Mas o fil-
rado, junto com a visita que veio do sul da
me de Stöhr está inteiramente concentrado
Alemanha. Eles perguntam: “Fale um pouco
no mundo interior do seu protagonista, sem
sobre aquela época, na Alemanha Oriental.
desenvolver uma perspectiva política explí-
Gostamos de ouvir essas histórias.” No en-
cita, mas também sem falsa autocompaixão
tanto, o que Martin conta não são histórias.
ou eufemismo poético.
É a sua vida. Uma vida muito difícil de se explicar em poucas frases para um estranho.
muro caiu em 1989, ele cumpria pena na penitenciária. Onze anos depois, no dia em que lhe foi concedida a liberdade, as gruas já tomaram conta dos canteiros de obra da cidade. Gruas demolindo o ontem e removendo os escombros do passado dessa cidade que começou a se reinventar. As ruas continuaram, mas com novos nomes. Martin tem de aprender a nova realidade que vem da televisão e checar com a própria vida.
A câmera de Florian Hofmeister destaca esse personagem – que perambula em bus-
Nos últimos anos, na Alemanha, foram cria-
ca de segurança, em seu ambiente – com a
dos filmes absolutamente obscenos, que não
sua teleobjetiva, em tomadas longas. Um
têm a menor relação com a vida real, qual-
ambiente que parece estranho e ao mesmo
quer que seja ela. Stöhr fez um filme que tem
tempo familiar para o público, como sob um
a coragem de narrar uma realidade muito
véu que cobre os objetos e aguarda para ser
diferente da que esperamos, aparentemen-
retirado. No entanto, quanto mais esse per-
te nada espetacular. Um dos trabalhos mais
sonagem — interpretado com muita sensi-
impressionantes dos últimos tempos.
21
bilidade por Jörg Schüttauf, quase esmagado
seus personagens parece ser igualmente de um observador paciente e distante: paisagem que passa quando ele olha pela janela do trem; as máquinas de venda no trem metropolitano. A dupla liberdade significa,
na sua forma física — parece se perder na insegurança, mais nosso público se aproxima dele. Stöhr e Hoffmeister encontraram, para isso, uma linguagem cinematográfica que apoia uma encenação discreta e impassível em imagens escassas e simples.
Fonte: Site Schnitt (tradução nossa). Disponível em: http://www.schnitt.de/202,1200,01.html. Acesso em: 1 nov. 2001.
Berlin is in Germany
Mas a atitude do diretor em relação aos
Entrevista A Alemanha Oriental como metáfora para o passado
22
condicional, muita burocracia. No entanto,
Oriental anos após a mudança de regime
Martin começa a reconquistar o mundo novo
deve ser bastante cruel, não é?
com curiosidade, teimosia, charme e coragem. Uma licença como taxista finalmente
HS: É bem triste, muito mais triste do que o
parece abrir a perspectiva que ele esperava.
filme que acabamos fazendo. Na realidade,
Inesperadas dificuldades burocráticas na re-
cada caso é um caso e cada um dos detentos
Uma entrevista com Hannes Stöhr sobre o
alização da prova parecem colocar em risco
— e eu encontrei muitos — é diferente. Mas
seu filme Berlin is in Germany
o sonho de Martin. De repente, seus antece-
quando analisei essas pessoas tive vontade
Por Nina Rehfeld
dentes criminais tornam-se um empecilho.
de fazer uma ficção, senti saudade de uma
Para Martin, sua ex-esposa Manuela (Julia
história que se destaca da realidade trans-
Martin foi condenado à prisão antes da
Jäger) e seu filho Rokko, que ele nunca viu,
formando-a em um conto de fadas. Inclusi-
queda do muro na República Democráti-
representam uma última chance — no en-
ve, muitos figurantes nesse filme viveram
ca Alemã — para onze anos depois ser li-
tanto, o atual noivo de Manuela quer evitar
realmente essa história.
bertado na nova Berlim. Curioso, corajoso
isso de qualquer modo.
e charmoso, Martin começa a reconquis-
NR: O que lhe deixou fascinado nessa his-
tar o seu mundo... Com esse excelente fil-
Nina Rehfeld: Por que você decidiu escre-
me de conclusão de curso da Deutschen
ver uma ficção sobre esse tema em vez de
Film- und Fernsehakademie Berlin, Han-
um documentário?
nes Stöhr ganhou o prêmio do público na
tória? HS: Simplesmente pensei: Isso não é real! Uma pessoa é presa antes da mudança do
Mostra encontro com o cinema alemão
Berlinale. Nina Rehfeld conversa com o
Hannes Stöhr: Minha primeira ideia foi real-
regime, só conhece as pessoas e os aconte-
diretor de 31 anos sobre o seu filme.
mente reproduzir um caso autêntico. Tenho
cimentos atuais a partir da tevê e quando
uma amiga que trabalha como assistente
sai da penitenciária não encontra mais sua
Após onze anos na penitenciária, o cida-
de condicional na associação Freie Hilfe e.V.
casa, não conhece mais Berlim. A sensação
dão da República Democrática Alemã,
em Berlim e ela me levou à penitenciária
de estar sentado aqui no trem em Berlim e
Martin Schulz (Jörg Schüttauf) é liberta-
em Brandenburgo. Nesse momento, percebi
pensar, gente, se alguém pudesse ver isso nova-
do da prisão de Brandenburgo. Martin só
como é difícil retratar de maneira justa um
mente com um olhar completamente puro. Acho
conhece essa Alemanha reunificada pela
caso verídico com recursos cinematográficos.
que todo mundo conhece isso. Para uma
tevê — e também, no seu caso recomeçar
pessoa que sai da prisão, isso é real. Essa
é difícil: um quarto em um hotel barato,
NR: A realidade das pessoas que saem de
situação absurda e cômica sempre me in-
oficinas criativas com a sua assistente de
uma penitenciária da antiga Alemanha
trigou. Mas quando fui à penitenciária para
fazer a pesquisa percebi que há também
les. A mensagem pode ser entendida em
muita tragédia por trás disso. O lado cômi-
qualquer lugar.
co seria perdido em um documentário, pois estamos falando de pessoas e não podemos
NR: Seu ator principal, Jörg Schüt-
simplesmente impor uma ideia.
tauf, é da Alemanha Oriental, você é da Suábia. Há uma diferença entre o olhar oriental e o olhar ocidental nes-
fadas. É por causa do final feliz?
sa história?
HS: Não, é também por ser uma história de
HS: Jörg é um cético criativo, temos
Robinson Crusoé: um homem fica afastado
isso em comum. Trabalhamos muito
por muito tempo, retorna, e tudo está diferen-
com as dúvidas. Existem dois tipos di-
te. Isso para mim se parece muito com um
ferentes de dúvidas, a dúvida destru-
conto de fadas. A história também poderia se
tiva, que sempre achei problemática, pois
passar em Munique ou em Hamburgo, pois lá
ela gera uma atitude do contra. Mas dúvidas
os que saem da penitenciária também não re-
construtivas como as de Jörg são necessá-
conhecem mais o seu mundo. Mas nós, como
rias para o desenvolvimento. No entanto,
espectadores, não conseguimos sentir isso.
esse assunto de leste-oeste nunca foi uma
No entanto, quando uma pessoa sai da prisão
questão entre nós.
onze anos depois de uma mudança de regime em Berlim Oriental, o intuito fica claro ime-
NR: Apesar de ser ficção, seu filme está
diatamente. Assim, a República Democráti-
muito próximo da vida. Como você conse-
ca torna-se uma metáfora do passado. Esse
guiu esse efeito?
homem veio de um mundo que já não existe mais. E ele precisa aceitar que as mudanças
HS: Para mim é muito importante que esse
são parte importante da vida. Panta rei, tudo
filme retrate a vida real. Há o cidadão da
flui, já disse Heráclito. Esse é o plano univer-
Alemanha Oriental que se mudou para Stut-
sal que sempre foi nosso intuito. Podemos
tgart depois da queda do muro e depara com
confirmar isso em apresentações no exterior,
a arrogância na Alemanha Ocidental — co-
em Moscou, Hong Kong e até em Los Ange-
nheço pessoas com essa história.
NR: Por que essa reflexão profunda sobre os efeitos da reunificação só é vista agora no cinema? Houve necessidade de criar alguma distância?
23
HS: Eu não pude fazer isso antes, pois esse é o meu primeiro longa-metragem. Mas também me perguntei por que justo eu, Hannes Stöhr, da Suábia — embora do leste da Suábia —, tive de fazer esse filme? NR: Essas biografias interrompidas da Alemanha Oriental não oferecem excelentes assuntos para filmes? HS: Mesmo que o meu filme, em primeiro lugar ainda narre a história de um ex-detento, também sinto a fascinação da biografia
Berlin is in Germany
NR: Você diz que o seu filme é um conto de
dupla que cativou Jörg Schüttauf. Ele disse: “Vivi algo que os outros não conhecem.” Isso é, na realidade, um presente, pois todas as pessoas sentem a necessidade de viver vidas diferentes. Existe uma frase de Pablo Diaz, um autor cubano, “las vidas que no has vivido”, as vidas que você não viveu. Para mim isso é a origem de todas as histórias, e é uma riqueza. Isso também me intriga quando vejo meus amigos, as pessoas que vêm da Alemanha Oriental e têm essas descontinuidades em suas biografias, não conheço isso, pois venho da Suábia. Quem sabe a Alemanha Oriental é como o faroeste, lá
24
simplesmente acontece mais. E a Alemanha Ocidental precisa finalmente aprender a descobrir o leste do país.
Mostra encontro com o cinema alemão
Fonte: REHFELD, Nina. Die DDR als Metapher für Vergangenheit. Fluter, 1 Nov. 2001 (tradução nossa). Disponível em: http://film.fluter.de/de/2/film/174. Acesso em: 4 nov. 2013.
Nenhum lugar para ir Die Unberührbare
litante de esquerda. Ela rompeu relações
1999 | 100 min
com a Rowohlt, sua editora na Alemanha Ocidental, em virtude do fracasso nas ven-
Direção: Oskar Roehler Produção: Distant Dreams/ZDF Roteiro: Oskar Roehler
das. Na Alemanha Oriental, ao contrário, seus livros continuam a ser regularmente publicados, mas cada vez menos lidos.
Câmera: Hagen Bogdanski
Para ela, um mundo inteiro vem abaixo —
Edição: Isabel Meier
ou, pelo menos, o que ainda restava dele.
Elenco: Hannelore Elsner, Vadim Glowna,
Hanna Flanders chegou praticamente ao
Tonio Arango, Michael Gwisdek, Bernd
seu limite psíquico, físico e econômico.
Stempel e Jasmin Tabatabei
Mas ainda não irá suicidar-se — ainda não.
Nove de novembro de 1989: enquanto
Hanna Flanders se desfaz do apartamen-
uma tevê transmite imagens ao vivo da
to em Munique e muda-se para Berlim,
queda do muro de Berlim, Hanna Flan-
onde o reencontro com o filho e, depois,
ders fala ao telefone, fumando nervo-
com o ex-amante na editora Volk und
samente. “Agora eu me mato”, diz ela.
Welt é um verdadeiro fiasco. O aparta-
Em uma das mãos ela sustenta o fone
mento reservado para escritores, no qual
e, na outra, uma garrafinha de arsênico.
ela hospeda uma leitora, fica bem fora da
so, com seu ex-marido Bruno, que se tor-
cidade e está em um estado deplorável.
nou um alcoólatra irrecuperável, incapaz
A queda do muro não a deixa entusiasma-
Amigos tentam ajudá-la, mas ela resolve
de oferecer-lhe qualquer tipo de apoio.
da, ao contrário. “Isso tudo é uma traição”,
voltar para o sul da Alemanha. Uma visi-
balbucia ela, “não consigo entender”. Han-
ta aos pais, em Nuremberg, reabre velhas
De volta a Munique, Hanna não encon-
na Flanders é escritora e se considera mi-
feridas, assim como o reencontro, ao aca-
tra mais forças para tentar um novo re-
27
escritora. A editora Volk und Welt a corte-
O trabalho de Oskar Roehler foi recebido
java muito mais por razões políticas que
com entusiasmo pela crítica alemã. A re-
por razões literárias. Membro do Partido
vista Spiegel descreve Nenhum lugar para
Comunista Alemão, talvez Gisela tenha
ir como o mais esplêndido retrato de mu-
pressentido — e logo começado a per-
lher produzido pelo cinema alemão nos
ceber — que o fim da Alemanha Oriental
últimos dez anos: “Mantendo-se distante
seria também o fim do seu sucesso pro-
de qualquer tendência dominante no meio
fissional.
cinematográfico, trata-se de uma obra irritantemente singular, estranha e mono-
começo. Depois de desmaiar em frente
28
maníaca, mas de uma beleza pungente.”
a um restaurante, os médicos fazem
Esse filme é de uma intensidade quase
um diagnóstico avassalador: viciada e
torturante e mostra a autora como uma
sofrendo de vasoconstrição, ela terá de
mulher extremamente contraditória: an-
Por mais incomum que tenha sido o
parar de fumar imediatamente. Ao fre-
tes de partir de Munique, ela compra um
destino dessa escritora, sua biografia é
quentar uma clínica de desintoxicação,
casaco Dior em uma elegante loja, onde
bem característica para a história alemã
ela volta a encontrar seu grande amigo,
é conhecida como cliente assídua, mas
contemporânea: ela retrata uma mulher
Ronald, que está de partida para Viena.
não tem escrúpulos em comentar o fim
sensível, dividida entre fronts ideológicos
da Alemanha Oriental de maneira acu-
diferentes, e fala das contradições entre
Mostra encontro com o cinema alemão
Em Nenhum lugar para ir, Oskar Roehler
satória: “Seremos devorados
relata a história de sua mãe — a escritora
pela sociedade de consumo”,
Gisela Elsner —, que se suicidou em 1992,
profetiza ela. Quando ela pró-
e declara seu suicídio como uma “morte
pria se vê forçada a abrir mão
heroica”. O título do filme já nos aponta as
de privilégios e viver alguns
razões: Gisela Elsner tinha se tornado uma
dias a realidade do socialismo
figura tão marginal, que passara a ver-se,
no decadente apartamento da
ela própria, como “intocável”, como pária
editora reservado a escritores
da sociedade cultural. Na verdade, exceto
situado em um deprimente
pelo seu furioso romance de estreia, Gise-
bairro de periferia, Hanna não
la Elsner nunca chegou a ser uma grande
aguenta uma única noite e foge.
Filmografia
utopia política e vida real. No fim, filme e protagonista se recolhem no isolamento
2012 | Quellen des Lebens
da clínica, que, também simbolicamente,
2010 | Jud Süß — Film ohne Gewissen
se transforma mais e mais em um pesa-
2009 | Lulu & Jimi
delo. Durante um de seus surtos, Hanna
2006 | Elementarteilchen
Flanders arranca da parede um enorme
2004 | Agnes und seine Brüder
relógio, como se com isso pudesse parar o
2003 | Der alte Affe Angst
tempo, ou fugir do seu curso. A sensação
2002 | Fahr zur Hölle, Schwester
de claustrofobia se torna ainda mais dolo-
2001 | Suck My Dick
rosa. A última cena — no momento de seu suicídio — simboliza também a fuga de uma vida em confinamento, cujo fracasso
2000 | Nenhum lugar para ir
Biografia do diretor
1999 | Latin Lover — Wilde Leidenschaft auf Mallorca
está indissoluvelmente ligado a essa época. Nenhum lugar para ir também se con-
Oskar Roehler nasceu em 1959 em Star-
1998 | Gierig
trasta com todos os filmes eufóricos sobre
nberg, mas foi criado pelo pai em Berlim.
1997 | Silvester Countdown
a reunificação dos dois estados alemães.
É filho da escritora Gisela Elsner, que mais
1995 | Gentleman
tarde emigrou para a Alemanha Oriental, e do revisor da editora Luchterhand, Klaus Roehler. Desde o início dos anos 1980, Oskar trabalha como escritor. Seu segundo filme, Silvester Countdown (1996), foi agraciado com o prêmio para jovens diretores no Festival de Cinema de Munique, em 1997. Comemorou o seu maior sucesso três anos depois com Nenhum lugar para ir: com ele Roehler recebeu o prêmio alemão de cinema para o melhor filme, assim como diversos prêmios em festivais internacionais.
29
Crítica Oskar Roehler relata os últimos dias de vida de sua mãe Gisela Elsner Por Veronika Rall
Que jogada! Tão ousada, tão precisa, que só podemos parabenizar Oskar Roehler. Com Silvester Countdown (1997) e Gierig (1998) ele já havia realizado dois filmes que vão muito além da costumeira e medíocre mania de sucesso. Mas é apenas em Nenhum lugar para
30
ir que seu estilo encontra uma história que acompanha a maneira como é contada.
Roehler ousou ao relatar os últimos dias da vida de sua mãe, a escritora Gisela Elsner. Hoje quase desconhecida, nas décaMostra encontro com o cinema alemão
das de 1960 e 1970 ela foi uma das figuras mais brilhantes do universo literário alemão. Com seus dois romances iniciais, Die Riesenzwerge (1964) e Der Nachwuchs (1968), “conquistou o título de não conivente, aliás, mais do que isso, de crítica radical da mentalidade de seus concidadãos contemporâneos, soturnos e mal-humorados”, conforme escreveu o jornal FAZ (Frankfurter Allgemeine
Zeitung). No início dos anos 1980, começou sua
cabeça do leitor. Mas a impressão do todo é
decadência: as ásperas críticas da imprensa,
tudo menos evidente; concordância e nega-
a briga com a editora Rowohlt e o crescente
ção, frio e calor, possibilidade de tocar ou não
isolamento social. No fim, a queda do muro
tocar, estão separados apenas por um sopro.
parece ter causado também a destruição da carapaça psíquica que ela havia construído
A dramaturgia do filme fica mais densa onde
para si: em 1992 deu fim à sua vida atirando-
pode e deve. A sequência inicial mostra uma
-se pela janela de uma clínica.
mulher em um chalé sofisticado, que, tomada pelo desespero ao ouvir as notícias da
“Uma mulher má, esta Elsner, na verdade,
queda do muro na tevê, corre até uma buti-
uma maldição”, escreveu Christa Rotzoll,
que famosa para comprar um extravagante
em 1977, no jornal Süddeutsche Zeitung. É essa
mantô. Paramentada com o casaco e uma
maldição que seu filho coloca nesse filme
enorme peruca, Hanna Flanders (o nome da
preto e branco artificial, estilizado. Falar dos
personagem que representa Elsner) ainda
últimos dias de vida de uma pessoa signifi-
arrisca uma ida a Berlim, mas nem o en-
ca abreviar, tornar mais denso, cristalizar.
contro com o amante, nem com o filho (aqui
O primeiro ponto importante de cristaliza-
o personagem Roehler é caricaturalmente
ção do filme é Hannelore Elsner (sem qual-
representado pelo ator Lars Rudolph), tam-
quer parentesco com Gisela Elsner), que, com
pouco com um garoto de programa propor-
exemplar coragem, exibe seu rosto inteiro,
ciona alívio. Continuando mais para o leste,
envelhecido, sem maquiagem. Apenas um
ao bairro de Marzahn, após um encontro em
cigarro se interpõe permanentemente entre
um bar segue-se outro encontro com uma
ela e o olho da câmera. Mesmo assim, po-
clássica família da Alemanha Oriental, que
demos ler em seu rosto, como em um livro:
aloja Hanna na cama das crianças onde, fi-
rugas como páginas impressas; fugazes con-
nalmente, consegue dormir um bom sono.
trações em torno dos lábios como capítulos;
Mas ainda há um confronto com os pais e
um abrir de pálpebras como uma formula-
outro com o ex-marido Bruno (personagem
ção muito bem-sucedida, que permanece na
que representa o pai de Oskar, Klaus Roeh-
ler, por muitos anos revisor da editora Lu-
(o reverso da euforia geral) que a queda do
chterhand) e, por último, a síncope em plena
muro causou no lado ocidental da Alemanha.
Avenida Maximiliano, na cidade de Munique; uma clínica, o diagnóstico e o fim.
Roehler acompanha a figura artística de Hanna como um sismógrafo através de dois
Seria errado supor que o filme Nenhum lugar
anos de história alemã e, subitamente, esta
para ir consiga colocar o dedo em apenas
mulher não mais parece intocável, muito
uma ferida pessoal. Gisela Elsner talvez te-
pelo contrário. Gisela Elsner deu ao seu ter-
nha sido sempre uma pessoa muito pública,
ceiro e famoso romance o nome de Berührun-
muito artificial. “Você está me confundindo
gsverbot [Proibido contato, em tradução livre],
com minha maquiagem”, teria dito certa
e Roehler foi capaz de romper essa proibição
vez ao ex-marido, mas o filho consegue não
e se aproximar de uma pessoa escondida e
apenas remover a maquiagem de seu rosto,
mascarada. O fato de não usar sentimenta-
como também da realidade em que se mo-
lismo (salvo na cena com o ex-marido, que
vimenta.
também é seu pai e a quem dedica o filme), mas sim avançar fazendo suas descobertas,
Finalmente, um filme alemão consegue
é admirável.
lidar com o período do fim da RDA (República Democrática Alemã) por meio de uma perspectiva do lado ocidental, quando a esquerda se esvaía em declarações de manifesta impotência, os jornais folhetinescos da Alemanha Ocidental nada mais faziam que dissecar as conexões dos intelectuais do lado oriental e o conservadorismo da era do chanceler Kohl comemorava o feliz retorno às origens. E, finalmente, é possível perceber um pouco da depressão, do choque
Fonte: EPD Film, Frankfurt, n. 5, 2 May 2000 (tradução nossa).
Adeus Lenin!
na mãe de Alex sua primeira crise psí-
Vez por outra, o rapaz coloca produtos
quica. Quando retorna da clínica, ela se
novos em embalagens antigas, e o em-
transforma em uma ativista ferrenha, en-
buste das etiquetas ocidentais-orientais
quanto o resto da família segue sua vida
funciona perfeitamente.
Good bye Lenin!
nos moldes socialistas; até o outono de
2003 | 120 min
1989. Durante uma manifestação pela
Cada melhora do estado de saúde da mãe
liberdade, que é brutalmente reprimida
requer medidas cada vez mais audaciosas
pelos representantes do poder estatal,
para manter a ilusão. Para comemorar
a mãe de Alex vê o filho ser espancado
seu aniversário, Alex faz uma encenação
e acaba entrando em coma após sofrer
grandiosa: chama antigos camaradas e
um infarto, indo parar no hospital.
rapazes do coral de Jovens Pioneiros — já
Direção: Wolfgang Becker Produção: X Filme Creative Pool/WDR/ARTE Roteiro: Bernd Lichtenberg, Wolfgang Becker
extinto há muito tempo —, que canta mú-
Câmera: Martin Kukula Edição: Peter R. Adam
Em seu coma profundo, a mãe de Alex
sicas de louvor à pátria socialista. Com a
Som: Wolfgang Schukrafft
perde a chegada triunfal do capitalismo
ajuda de um amigo, ele consegue contor-
Música: Yann Tiersen
em toda a Alemanha. No verão de 1990,
nar até mesmo a questão da mídia: Denis
Elenco: Daniel Brühl, Katrin Saß, Chulpan
a mulher desperta do coma e seu médi-
mistura imagens da sua câmera de vídeo
co explica que qualquer excitação pode
com material de arquivo da antiga Alema-
Khamatova, Maria Simon, Florian Lukas, Alexander Beyer, Michael Gwisdek e Burghart Klaußner
ser fatal. Então, Alex decide esconder de sua mãe todos os aconteceimentos envolvendo o fim da RDA.
República Democrática Alemã, 1978: a bordo da Sojus 3, Sigmund Jähn é o pri-
O que vem a seguir é a história de uma
meiro astronauta alemão a ser lançado
nostalgia da Alemanha Oriental vivida na
ao espaço. O pai de Alex Kerber também
prática, e que vai desde a redecoração
deixa seu país, rumo ao Ocidente. Um é
dos cômodos até a procura dos tradi-
visto como herói, e o outro, como trai-
cionais pepinos silvestres da floresta do
dor da pátria. A visita dos homens da Stasi
Spree, que desapareceram do mercado
(Serviço de Segurança Nacional) provoca
agora invadido pelos produtos ocidentais.
33
perguntas deu ao filme um caráter de
ainda outros filmes sobre a virada radical
comédia com subtons levemente trági-
na Europa: um helicóptero levando a re-
cos, embora essa não tenha sido precisa-
boque a estátua desmembrada de Lenin,
mente a intenção do diretor. Então quais
que desliza pelo ar com irritante leveza, já
recursos usar para se criar a ilusão de
aparecera pela primeira vez no filme Um
uma Alemanha Oriental ainda existente?
olhar a cada dia, do grego Theo Angelopoulos. Abordando o tema da copa do
nha Oriental. O sucesso da trapaça não se deve apenas à astúcia do falsificador, mas também à limitada capacidade de imaginação da mãe de Alex, incapaz de ir além daquele outubro de 1989.
34 Após a queda do muro, os traços físicos da Alemanha Oriental foram apagados com tanta rapidez que, pouco mais de uma década depois, tornou-se necessário recorrer-se à ficção para retratar a Mostra encontro com o cinema alemão
reconstrução. A história de Bernd Lichtenberg e Wolfgang Becker pode parecer absurda à primeira vista, mas ela toma como ponto de partida uma questão fundamental: para seus cidadãos, apoiado em que provas visíveis o Estado baseou sua existência? Até que ponto ele apostou em símbolos, sinais e rituais que podiam ser manipulados? A resposta a essas
Com inteligência e engenhosidade, Adeus
mundo — em 1990 a Alemanha reunifica-
Lenin! demonstra a arbitrariedade de ima-
da foi campeã da copa — Adeus Lenin! dá
gens e sons, indo assim muito além da
continuidade a uma tradição iniciada por
própria história: a fraude só dá tão certo
Fassbinder com os filmes O casamento de
porque a própria Alemanha Oriental cul-
Maria Braun e Lola.
tivou uma autoencenação manipulada durante os 40 anos de sua existência. As-
Em 2003, Adeus Lenin! teve um sucesso es-
sim, os pretensos documentos podem
trondoso na Alemanha e atraiu mais espec-
ser invertidos com métodos semelhantes
tadores que certos campeões de bilheteria
— até mesmo a virada histórica acontece
de Hollywood. O filme foi contempla-
na direção contrária. No material sobre a
do com o prêmio do cinema europeu.
queda do muro, falsificado por Denis, não são os cidadãos da Alemanha Oriental
Biografia do diretor
que correm para Berlim Ocidental, mas sim os ocidentais que fogem para o les-
Ver o filme A vida é um canteiro de obras,
te, para escapar ao terror do consumo e
do mesmo diretor.
do desemprego. Mas em 1991, Alex tem de encerrar a ficção de uma Alemanha
Filmografia
Oriental ainda existente com um golpe final. Às vezes, Adeus Lenin! parece evocar
Ver o filme A vida é um canteiro de obras,
os filmes da DEFA. Wolfgang Becker evoca
do mesmo diretor.
Crítica Por Oliver Rahanyel Muitos já se aventuraram em histórias sobre a reunificação da Alemanha, mas escritores parecem compreender o tema melhor que roteiristas e diretores.
O diretor Wolfgang Becker — da Alemanha Ocidental — ambienta sua história no fatídico ano de 1989 na Berlim Oriental. Junto com o roteirista Bernd Lichtenberg, desen-
35
volveu um enredo muito elaborado, no qual
se fosse uma camera oscura. Becker percorre um caminho radicalmente diferente dos realistas e dos comediantes que não conseguiram escrever ou encenar tão bem a sensação da vida alemã, seja ocidental ou oriental — como foi o caso, por exemplo, de Leander Haußman (Sonnenallee) ou Winfried Bonengel (Führer Ex).
Naquele ano, Alex, 21 anos, não é verdadeiramente um rapaz politizado. Com uma garrafa de cerveja na mão, o que ele mais gosta de fazer é sentar na pracinha em fren-
te ao conjunto habitacional e ficar pensando
te aqueles oito meses, a Alemanha Oriental e
sobre o que poderia fazer na vida. Como era
todo o bloco de países comunistas na Europa
habitual naqueles dias, o rapaz sai andando
naufragaram, o muro caiu e a Alemanha foi
para acompanhar uma das várias passea-
reunificada. Alex, sua irmã e o namorado de-
tas que reivindicam liberdade de imprensa,
cidem ocultar tudo isso da mãe. Devolvem o
quando não a própria queda do muro.
estilo original ao apartamento que já haviam arrumado com a decoração ocidental, alojan-
Ao avistá-lo, sua mãe, a caminho do Palácio
do a mãe em um dos cômodos ao modo da
da República, onde irá receber uma home-
Alemanha Oriental.
nagem, sofre um ataque cardíaco e desmaia. Oito meses depois, ela volta a si, mas com es-
Há vários detalhes tocantes no filme: como
trita recomendação para se preservar. Coisa
o entediado Alex (Daniel Brühl), personagem
que não seria nada fácil fazer, já que, duran-
de admirável insegurança, que acompanha
Adeus Lenin!
transparece a recente história alemã, como
a passeata comendo uma maçã ou
outdoor da campeã de vendas IKEA
tenta desesperadamente encontrar
com a estante que traz o mesmo
produtos da Alemanha Oriental
nome e que os olhos da mãe, atô-
ou pelo menos suas embalagens,
nita, descobrem ao passar por ele.
como consegue sempre encontrar novas explicações, seja para a exis-
Não obstante, o filme de Becker
tência da tevê ocidental na casa
nos mostra, de maneira diverti-
dos vizinhos ou até para um outdoor
da e ao mesmo tempo séria, uma
da Coca-Cola que foi montado em
perspectiva
frente à janela. Nos casos mais difí-
reunificação e da vida na Alema-
ceis, Alex conta com a ajuda de um
nha Oriental como pátria.
alemã-oriental
amigo que produz as edições mais
36
absurdas do noticiário Aktuelle Ka-
Becker criou uma obra calorosa e vidente, o
mera para sua mãe, gravando-as em vídeo
que talvez não tivesse conseguido com uma
para poderem passá-las na “televisão”.
dramaturgia mais comercial, e que também em A vida é um canteiro de obras só conseguiu
Mostra encontro com o cinema alemão
Mas Wolfgang Becker, como já havia feito
de maneira relativa. No entanto, o filme
em A vida é um canteiro de obras, não queria
não esgota todo o seu potencial, pois Becker
apenas rodar uma comédia. Aos poucos o
sempre mantém um pé no freio: seja nas ce-
filme vai construindo um testemunho geral
nas de comédia, na história da família ou
sobre a reunificação, de certa maneira es-
na dimensão histórica. Assim, é sempre mo-
tabelecendo uma relação com a dignidade
deradamente engraçado, tocante ou impres-
do morrer, diferenciando-se, portanto, da
sionante. Em alguns momentos pode até
“ostalgia” (nostalgia da vida na Alemanha
ficar irritante: seria mesmo necessário o fa-
Oriental) e de qualquer clima de vitória.
bricante de limonada, tão carregado de simbolismo, aparecer tantas vezes, como já foi
Foi esse clima que predominou bastante
o caso em Billy Wilder nos anos 1940? Aliás,
Fonte: Film-Dienst, Bonn, n. 4, 11 Feb. 2003
nas produções sobre o tema nos anos 1990.
falando em Wilder, muito mais acertado é o
(tradução nossa).
da
Entrevista
rir o que é que estava escrito
fazendo ressuscitar a Alemanha
ali. No caso de “Lenin” não era
Oriental, mas uma Alemanha
nenhum treatment, era apenas
Oriental diferente da que existia
uma carta do roteirista Bernd
antes. No entanto, durante esse
Lichtenberg, que eu conhecia.
processo, que no início era uma
Uma carta que ficou perdida
empreitada positiva, ele fica
durante semanas em nossa pro-
envolvido em tantas mentiras
dutora, algo um tanto preocu-
e compromete tantas pessoas,
pante, mas que, graças a Deus,
que a situação vai ficando cada
acabou
Nessa
vez mais suspeita. A meu ver o
carta, Bernd Lichtenberg havia
filme conseguiu mostrar essa
descrito o projeto sucintamen-
ideia de maneira bastante clara.
te, em três páginas. Tratava-se
Então, quando terminamos, e
basicamente do seguinte: ainda
fui reler a tal carta, fiquei muito
nos tempos da República De-
contente ao constatar que nada
mocrática da Alemanha (RDA,
foi perdido ao longo do caminho.
1
Quem grava um filme, a certa altura precisa saber: “Qual é meu interesse nele?” Então, qual foi seu interesse principal no caso de Adeus Lenin!? Wolfgang Becker: Na verdade, Adeus Lenin! foi parecido com os outros filmes que fiz antes. Tratava-se também de não perder a ideia original ao longo do caminho. Esse é o maior problema. Você começa com algo que só está descrito em duas páginas, e depois de meses e anos você termina em um ponto totalmente diferente e então se questiona: aquilo que pretendia contar no início ainda existe? Ou, durante o processo, durante todo o caminho,
acabou
escorrendo
por entre os dedos feito areia e se perdeu? Isso pode acontecer. Eu sempre fico muito curioso quando, ao final do processo, vou lá e resgato aquelas duas primeiras páginas para confe-
a
reaparecendo.
Alemanha
Oriental),
uma
mulher entra em coma quan-
Quando você vê uma ideia as-
do vê seu filho participando de
sim, existe um momento em que
uma passeata por ocasião do 40o
diz: “Sim! Quero ver isso!”? E não
aniversário do regime, e, para
só isso, há um momento em que
surpresa de todos, recupera a
você também diz “eu mesmo
consciência oito meses depois.
quero colocar isso em cena!”?
Mas ela não deve ficar sabendo dos recentes acontecimen-
WB: Sim, isso acontece de vez em
tos políticos, pois isso poderia
quando: você tem vontade de ver
ser fatal em seu caso. Assim,
a coisa, mas não de colocá-la em
seu filho decide simplesmente
cena, você mesmo. E outras ve-
construir em seu entorno um
zes acontece exatamente assim,
mundo que já não existia mais,
você quer encenar pessoalmente
Versão resumida de roteiro. (N. da T.)
algo que deseja ver, pois corres-
1
38
Mostra encontro com o cinema alemão
ponde exatamente ao seu gosto. Na verdade,
vilhoso!”, você se pergunta algo como: “Por
WB: Por exemplo, quando pensamos no
para mim é assim: quatro em cinco coisas
que esse livro me agradou tanto? E quais
personagem Alex em Adeus Lenin!, no
que eu gostaria de ver não gostaria de reali-
as conclusões que posso tirar a partir disso
exposé2 ele é apenas um esboço. É como
zar pessoalmente, pois creio não ser o diretor
em relação ao meu gosto por romances?” A
um desenho a carvão, mas onde já é
certo para a questão. Mas uma entre as cinco
maioria das pessoas não fica fazendo autoa-
possível identificar um gesto, uma pose
eu quero realizar, aquela que estamos sempre
nálises desse tipo no seu dia a dia. É alguma
e uma postura, mas nada disso ainda
procurando. É porque queremos contar uma
coisa que toca especialmente, que faz você
foi detalhado. Eu diria, o exposé de um
história sobre um universo de pessoas que
vibrar, faz relembrar, faz rir de determinada
roteiro corresponde a um esboço, como
nos seja próximo. Quanto mais próximo de
maneira. É aquele momento em que você diz:
aquele bloco de desenhos ou estudos fei-
nós for a história, sem que você esteja muito
“Aqui sinto essa identificação, percebo logo
tos pelo artista plástico, antes de partir
envolvido — pois é preciso também manter
como são aquelas pessoas, eu as entendo,
para pintar o quadro propriamente dito.
certo distanciamento — mais fácil será falar
compreendo-as emocionalmente.” Quando
Quando se está envolvido no roteiro pre-
sobre ela. Muitas coisas estavam presentes
tudo isso estiver reunido, trata-se do enredo
cocemente — o que foi o meu caso ao
no caso: primeiro, tratava-se de pessoas mui-
certo. Infelizmente não acontece com muita
realizarmos Adeus Lenin! —, o diretor
to próximas a mim quanto a sua origem, sua
frequência. Há diretores que têm uma ati-
também tem a oportunidade de inserir
maneira de pensar, sua atitude emocional.
vidade muito diversificada e abrangente, e
no roteiro aquilo que lhe parece impor-
Além do fato de serem pessoas da Alemanha
com ela causam um efeito parecido, penso
tante em um personagem, e não apenas
Oriental — e eu sou alguém que não tem em
eu, ao de um antibiótico de amplo espectro.
reinterpretar e modificar o personagem
sua biografia a vivência ativa na Alemanha
Podem criar diversos argumentos a partir
de um roteiro finalizado, aquilo já vai
Oriental — o necessário distanciamento para
de gêneros diferentes, porque a própria pes-
fazer parte do roteiro. Eu não precisei
contar tudo isso era um fato.
soa, sua biografia, não é tão importante. É a
adaptá-lo, pois já estive envolvido em
história que está em primeiro plano. Eu, de
todo o seu processo de desenvolvimento.
O que é preciso para que um argumento o
minha parte, preciso de um conhecimento
E, por essa razão, a familiaridade com os
fascine dessa maneira, como aconteceu em
mais íntimo das pessoas.
personagens era muito grande.
Adeus Lenin!? Mas e quando os personagens são invenWB: Acontece quando você lê alguma coisa
tados por outra pessoa, de onde vem essa
e simplesmente fica fascinado. Quando você
sensação de que você os conhece? Eles fa-
termina de ler e fecha um livro exclamando
zem você lembrar de pessoas que já conhe-
“Incrível! Acabo de ler um romance mara-
ceu durante sua vida?
Depois de definida a ideia de um filme, o exposé é o próximo passo: é um esboço do roteiro, descreve o tempo e espaço da história, as características das personagens, a evolução da ação etc. (N. da T.) 2
Pode-se dizer que os temas que interessam
para todos. Observa detalhadamente e cria
a você contêm uma filosofia de vida espe-
situações de extremo absurdo e intrinca-
cífica?
mento. E nós achamos graça, mas de maneira alguma queremos estar no lugar daquele
WB: Sim, trata-se do absurdo da vida. Os
personagem, que até poderíamos ser, sim-
termos “humano” e “compreensível” são
plesmente porque nos reconhecemos nessas
muito importantes nesse contexto. Quer di-
pessoas.
zer, quando encontramos uma situação e a levamos a um extremo, uma situação que
Absurdos ou situações de hilaridade absurda
envolve alguma mentira e passa a ser con-
podem ser vistos todos os dias. Quero dizer,
duzida por ela, iremos tocar todas as pesso-
basta abrir o jornal, estar no metrô, no ae-
as, pois todos nós já mentimos alguma vez
roporto, em qualquer lugar, andando pelas
na vida. Todos nós já ficamos enrolados al-
ruas, em toda parte deparamos com esses
guma vez dessa maneira, e sabemos o que
episódios. Basta abrir os olhos ou ter certa in-
pode acontecer quando uma mentira foge
clinação para descobrir essas coisas. E parte
do seu controle por algum acontecimento
disso você acaba captando.
39
a mentira e cada vez mais vai sendo envol-
Por exemplo, você está em um aeroporto e
vida em dificuldades maiores. Assim, algo
passa por alguém que berra sem parar ao
que inicialmente foi apenas uma mentira
telefone: “Não posso ficar me repetindo, não
criada para cobrir uma emergência, ou até
posso ficar me repetindo!”, de alguma manei-
com boas intenções, passa a ser um grande
ra é bem simples, é uma situação engraçada.
problema. Isso é algo que qualquer um irá
Você só ouve isso da pessoa. Ou outro exem-
entender, independentemente da língua, da
plo, que acabo de ler no jornal: uma pessoa
mentalidade, da classe social. É algo univer-
que recebia um benefício social do estado
sal. Não pretendo comparar meu filme a um
teve o benefício cortado por ter se recusado a
de Charlie Chaplin, mas ele constrói seu hu-
responder a um teste. Isso aconteceu de ver-
mor exatamente dessa maneira, ele observa
dade. O teste incluía uma questão, que exigia
muito bem o ser humano e explora aspectos
que a pessoa conjugasse o verbo em todas as
muito simples, humanos e compreensíveis
pessoas dentro da seguinte frase: “Eu fodo
Adeus Lenin!
fortuito. A pessoa se vê obrigada a sustentar
sua mãe.” A pessoa se recusou a fazê-lo. Ao
que existe o story driven e o character driven,
dação, que tem um enorme potencial, mas
perguntar ao funcionário público do ministé-
ou seja, a história conduzida pelo enredo e
ainda não tem um rosto concreto, nem mo-
rio por que aplicavam um teste tão esquisito
a história conduzida pelos personagens. Em
vimentos concretos. É isso que procuramos
— agora não é mais o Ministério do Trabalho,
Adeus Lenin! o fio é sem dúvida o enredo, que
ao formar um elenco: onde existe a maior
é alguma agência — ouviu a resposta de que
é muito forte, mas também há personagens
congruência entre como pensamos um per-
a ideia era fazer os testes adaptados à classe
fortes. Os filmes que fiz antes desse, na ver-
sonagem e a maneira muito espontânea de
social [risos]. Acho isso tão absurdo... Merece
dade, surgiram pelo conhecimento profundo
algum ator. É algo que o ator nem precisa in-
até um novo filme, imediatamente.
que eu tinha dos personagens que em algum
terpretar, está presente no seu jeito, em seus
momento juntei, quase como se fosse um ex-
gestos. Na verdade, cheguei a Daniel Brühl
Você tem um arquivo em que coleciona
perimento, para ver o que poderia acontecer
bem tardiamente, pois ele não atendia a um
esse tipo de coisa?
com eles ao escrever. Não havia um enredo
dos requisitos: não era de Berlim Oriental.
predeterminado.
Eu estava conversando com a maquiadora sobre o sotaque típico na fala de quem é de
WB: Sim, em casa tenho umas caixas com
40
papéis meio desorganizados, infelizmente,
Em Adeus Lenin! a composição do perso-
Berlim Oriental. Maria Simon também é de
grosseiramente separados por temas, com
nagem de Alex foi extremamente impor-
lá, e Karina Sass também conhece bem isso.
recortes de jornal, pequenos comentários
tante. Você conseguiu visualizá-lo logo em
Apesar de não ser de Berlim Oriental, ela
que vou anotando aqui e ali. Coisas que pos-
sua mente?
também tem esse acento. O Daniel Brühl, que é da Renânia, e na verdade é um garoto
so aproveitar aqui e ali. Mas o problema é
Mostra encontro com o cinema alemão
esse, só os papéis não fazem surgir uma his-
WB: Na verdade, em um roteiro, a essência
típico de Colônia, não fala assim. E fazer um
tória. A história tem que existir, essas coisas
de um personagem só pode ser composta do
treinamento para forçar esse sotaque não
são apenas a carne que será acrescentada às
seguinte: Como ele reage em determinada
dá certo. Por isso é que inicialmente eu nem
pessoas. É aquilo que ainda não está presen-
situação? Como podemos descrever peque-
o considerei e fui procurar alguém em Ber-
te naquele esboço, mas que vai definir os de-
nos momentos gestuais, pequenas reações?
lim Oriental. Mas não encontrei ninguém. A
talhes da pessoa.
Como ele reage principalmente por meio de
certa altura Daniel apareceu e foi ótimo! Ele
sua linguagem? Isso é muito importante.
teve que aprender a pronúncia durante três
Mas a fisionomia perfeita ainda não existe,
meses, mas, depois, tivemos que eliminá-lo
a não ser que você esteja escrevendo um
novamente.
E qual o tamanho desse arquivo agora? WB: No momento estou fazendo uma revisão
roteiro para determinado ator. Esse não foi
[risos]. Não é brincadeira. É verdade, é o que
o caso em Adeus Lenin!. Então, nessa fase
Quais as qualidades de Daniel Brühl para
estou fazendo. Os norte-americanos dizem
apenas se trata de um personagem de re-
este papel?
WB: Ele é muito convincente em todos os
o outro. Você percebe que ali não fica nada.
WB: Isso é extremamente importante. É o
sentidos. Na verdade, este era um projeto
Para descobrir essas coisas eu sempre me
que a pessoa viveu que a liga a uma época de
muito ousado: ter tanto amor pela mãe a
dou bastante tempo. É um processo muito
sua vida. Pensemos na escolha dos adereços
ponto de um filho construir um mundo in-
interessante. Há filmes em que essas coisas
— é sempre um problema. Existem adereços
teiro para ela. Nessa empreitada, ele arrisca
não têm importância porque os personagens
narrativos, dos quais depende muita coisa.
o relacionamento com a irmã e a nova na-
são muito mais estilizados. Mas quando você
Esses têm uma função dupla: não cumprem
morada, ele envolve todo mundo, a coisa não
está lidando com a forma realista, é preciso
apenas uma funcionalidade, precisam ser
sai barato e o deixa ocupado 24 horas por
prestar atenção a essas coisas porque os es-
também representativos para toda uma ge-
dia! Ele fica igual a um aprendiz de feiticei-
pectadores têm uma sensibilidade incrivel-
ração. Cada um é um bocado diferente. En-
ro que acaba perdendo o controle sobre sua
mente apurada para elas.
contrar o adereço, digamos, “apoteótico”, que
criação. É um construto muito ousado, im-
fale por todos e que obtenha unanimidade,
possível de explicar em um roteiro ou uma
O que é que se percebe em Daniel Brühl
muitas vezes é difícil. Isso não se refere a to-
história ou um diálogo — um personagem
que o faz ser tão convincente nesse papel?
dos os adereços — graças a Deus —, mas é
precisa ter tudo isso dentro de si. E Daniel
sempre um ou outro que tem muita impor-
Brühl tem. Nunca surgiu a pergunta: Por
WB: É simplesmente por causa do grande co-
que ele faz tudo isso pela mãe? Outro ator,
ração que ele tem. Um coração enorme que
que talvez interpretasse bem o papel, teria
não poderia ser interpretado em qualquer
Você poderia citar exemplos de adereços
trazido a pergunta dentro de si. São esses
atuação.
sobre os quais tenha dito: “Aqui encontrei
detalhes que podemos observar durante a
tância, que precisa ser muito bem escolhido.
exatamente a coisa certa”?
composição do elenco. É para isso que faze-
Então você rejeita a tese de que todo ator
mos o casting e os testes com os atores. Não
seja capaz de interpretar qualquer papel?
para descobrir se alguém é fundamental-
WB: Por exemplo, em Kinderspiele [Bricadeiras de crianças], a questão era o jantar. Que
mente um bom ator. Mas sim para descobrir
WB: Essa tese de que todos os atores possam
copos deveriam estar na mesa, como era a
se determinado ator é exatamente o melhor
interpretar qualquer papel é de uma estupi-
garrafa de leite, o que se comia na época?
para aquele papel. Vemos tantos casais apai-
dez total.
Essas coisas são estranhas, os sanduichi-
xonados, principalmente nos filmes nortemas você sabe com toda certeza que, quando o diretor diz “corta!”, cada um volta para o seu trailer e um não tem mais nada a ver com
nhos que se faziam, tinham um aspecto Trata-se também de determinado ambien-
bem característico. Criar uma situação em
te e de determinada época. Para você é im-
que uma breve olhada na mesa é suficien-
portante que as pessoas que viveram certa
te para imediatamente causar aquela sen-
época possam reconhecê-la no filme?
sação em muita gente “Oh meu Deus, essa
Adeus Lenin!
-americanos, que reúnem grandes estrelas,
41
vida! inda bem que eu pude escapar”, mas
que raciocinar: onde é o espaço de circula-
também tem a ver com o orçamento dispo-
logo voltam os sentimentos sufocantes, pois
ção, como corre a dona de casa, onde está
nível para a produção. Quando o dinheiro
conheço muito bem essa vida. Para gerar
a pia, o fogão, como é a movimentação nor-
não está escasso, você também pode dizer
um sentimento desses deve ser suficiente
mal? Isso vai determinar a distribuição dos
para o ator: vá até ali no armário e abra!
dar uma olhada, aquela panorâmica: você
lugares à mesa: onde senta o pai, a mãe, as
Geralmente ele abre o armário e por dentro
vê aquela mesa e tem a sensação de estar
crianças? Mas isso você só percebe em um
não há nada, pois não houve dinheiro su-
sentado ali na sua infância, como naquela
espaço concreto. Eu costumo dormir no set
ficiente. Então você nem sequer pode ter a
época. Isso é que é importante, e é isso que
de filmagens para desenvolver uma percep-
ideia: você não pode abrir gavetas ou por-
os adereços contam. No início das filmagens
ção para as sequências de cena.
tas porque por dentro não há nada. Quando
tínhamos uma cozinha no set, equipada
42
há dinheiro, dizemos: vamos montar com
como se tivesse saído de um catálogo dos
Você tem a fama de ser perfeccionista em
tudo! Só então o diretor pode ter a ideia e
idos de 1960-1965. Naquela época, a fórmica
algumas coisas. É necessário mesmo ficar
dizer: abra a porta do armário! Essa é uma
acabava de ser lançada. Isso foi um proble-
elaborando tanto a ponto de dormir no set
situação muitas vezes difícil, pois frequen-
ma para o filme, pois as cozinhas eram mais
para que tudo saia a contento?
temente as necessidades do diretor não cor-
um amontoado de partes: ao lado de coisas
respondem às possibilidades do orçamento.
Mostra encontro com o cinema alemão
novas ficava o aparador da vovó dos anos
WB: Talvez eu tenha fama de perfeccio-
Mas creio que em algumas coisas devemos
1920 e coisas da guerra. Então eu conheci
nista porque quando uma coisa ainda não
ser muito precisos. Isso faz parte. Considero
muitas cozinhas desse tipo, seja na Baviera
está certa na terceira tentativa eu seja
alguns diretores, do passado e da atualida-
ou no norte da Alemanha. Tínhamos mui-
um pouco mais enfático: agora está na
de, muito desleixados nesse aspecto.
tos parentes, o que me fez conhecer várias
hora de termos o adereço certo! E sempre
cozinhas. Só as pessoas endinheiradas pu-
tem a ver também com os recursos que
A ideia de fazer os pioneiros cantarem, de
deram logo comprar aqueles armários sus-
as pessoas com quem trabalhamos têm
ativar o velho diretor, preparar o cesto ade-
pensos esquisitos, em amarelo-claro, rosa
à disposição. Nossos orçamentos são mui-
quado — e depois a tal faixa da Coca-Cola.
e azul-claro. Mas as pessoas mais humildes
to limitados, mas então aparece um diretor
Você consegue se lembrar como chegou a
não podiam comprar um jogo de armários
que deseja, para um simples jantar, uma
esses detalhes?
inteiramente novo, por isso era importante,
decoração muito específica. Aí vem o cenó-
no contexto do filme, conseguir represen-
grafo e diz: “Já fiz isso tantas vezes, porque
WB: Lembro-me de que, no roteiro, a mãe
tar essa mistura. Assim sendo, derrubamos
é que esse sujeito quer algo tão especial? Por
não era apenas professora primária, mas era
nossa nova cozinha e a remontamos com
que isso agora está no centro das atenções?
professora de uma escola de surdos-mudos.
um mobiliário misturado. Depois tínhamos
Só vai custar mais dinheiro.” Sem dúvida
A cena do aniversário, na verdade, era a se-
vendo. Primeiro você escreve e depois é que
que acabam representando tudo em nossa
escola usando a línguagem de sinais, uma
percebe: “Ah, estou acrescentando muita
vida. Podemos observar isso nos momentos
canção de pioneiros (da Alemanha Oriental),
coisa aqui.” Essa cena tem apenas uma di-
mais simples, na vida do dia a dia. Por mui-
e estava muito feliz, pois as crianças conse-
mensão menor. Como atribuir outra dimen-
tos anos dirigi um táxi em Berlim. Hoje em
guiram entender.
são a ela, e talvez até uma terceira, sem que
dia, os taxistas ficam em maus lençóis co-
tudo acabe ficando muito superposto? Pode-
migo quando dirigem mal, quando não sa-
A questão com a faixa da Coca-Cola ainda
ríamos ser mais parcimoniosos e condensar
bem o caminho. Isso porque eu sei o que é
nem estava no roteiro, só entrou em uma
uma cena cortando algumas passagens. Al-
necessário para ser um bom profissional. Ela
cena mais adiante. Os alemães iam jogar a
guns detalhes ficam mais na nossa memória.
tem o reflexo que todos têm quando cantam
final do futebol e todos queriam sair logo do
Por exemplo, a linguagem do professor, cujas
com crianças. Ela o faz espontaneamente,
aniversário para ver o jogo, e a mãe perce-
frases sempre se perdem no infinito. No ro-
e isso faz parte desse tipo de personagem.
be isso. Algum dos presentes exclama sem
teiro, essas frases estão bem elaboradas, ou
Mas você precisa ensinar um pouco disso
querer: “Sim, estamos na final!” A mãe fica
seja, está marcado onde o ator deve inter-
ao ator. Não é difícil ver isso em filmes: os
totalmente surpresa ao saber que a Alema-
romper, onde faz uma pausa, onde gague-
coadjuvantes à direita e à esquerda sabem
nha Oriental (RDA) possa jogar uma final de
ja. E você vai e procura um ator que tenha
bem o que fazer, mas o ator principal, que está
um torneio. E assim se cria o problema para
essa aptidão maravilhosa de deixar as frases
no meio deles, nem sabe como deve segurar
Alex: ela quer ver o jogo a todo custo e ele
terminando no infinito... Michael Gwisdek
uma faca. No meu caso, quando isso acontece,
tem de fazer a sua vontade. Tentamos tudo
é alguém que sabe fazer isso, primeiro, ele
oriento os atores a observarem por um ou dois
o que foi possível para criar interferências
sempre tenta mandar um caco. E se você tem
dias um local de trabalho para aprenderem
na transmissão da tevê, para que só se pu-
consciência disso, poderá fazer um trabalho
essas coisas, para que não fique tão esquisito.
desse ver os jogadores correndo no campo,
maravilhoso com ele. Outro ator que não te-
mas sem deixar que fossem reconhecidas as
nha esse talento especial não conseguiria
O que me impressionou muito foi a descren-
camisas dos times. Isso é quase impossível.
isso. Outra situação é aquele gesto da mãe,
ça demonstrada no rosto de Brühl quando a
quando os pioneiros estão cantando e ela faz
mãe diz: “Tem alguma coisa atrás de você!”
Nesse caso são três ideias diferentes, que
o sinal para encerrar. Mesmo acamada, mo-
E ele, então, pergunta, irritado: “O que que
haviam sido desenvolvidas em três cenas
mento em que ela deveria apenas repousar,
é?” Certamente isso é muito difícil construir,
diferentes, mas acabaram se fundindo nes-
está ligada na atitude de professora.
quando já se sabe o que existe ali atrás.
exemplo do quanto escrever um roteiro sig-
(Rindo) É mesmo, todos somos quem so-
No nosso caso, o Daniel até interpretou essa
nifica em primeira linha estar sempre re-
mos. Muitas vezes ficamos ligados a coisas
cena sozinho. Os outros nem estavam pre-
sa cena. O que por sua vez é um excelente
43
A vida é um canteiro de obras
guinte: ela cantava para alguns alunos da
sentes. Para mim, foi uma cena difícil de
a eles uma situação o mais natural possível.
Há momentos no filme que vieram como
dirigir porque a câmera filmava em uma
O fato de Daniel ter conseguido um bom
um presente lindo e inesperado?
direção, voltada para Katrin Sass sozinha
resultado, apesar das condições adversas,
na cama, e depois havia a outra direção, a
deve-se a sua qualidade como ator.
câmera voltada para 10 ou 12 pessoas, que
dek, que, como você disse acertadamen-
em um momento eram mostradas em uma
Você chegou a usar algum adereço para
te, não conclui as frases por estar nervoso.
panorâmica e dali pinçávamos um ou ou-
surpreendê-lo? Muitas vezes deixamos os
Como diretor escolar, deveria ter aprendido
tro. A situação ideal teria sido que nesse dia
atores um pouco no escuro, a fim de provo-
isso, além de pequenos discursos oficiais.
todos estivessem no set o dia inteiro, mas
car reações autênticas.
Podemos perceber muito bem sua inse-
esse não foi o caso. Um ou outro tinha de
44
WB: Há diversas coisas. Como Michael Gwis-
gurança quando começa a gaguejar, pois
sair depois de duas horas, outros só chega-
WB: Podemos fazer isso espontaneamente.
Alexander Beyer e Maria Simon o corrigem
ram três horas depois, outro nem pôde vir.
Quando uma situação não está funcionan-
sem parar. Os três protótipos da Alemanha
No dia de filmar a tomada reversa, Daniel
do e não conseguimos ir adiante, combina-
Oriental, ou seja, o zelador, a vizinha e mais
Brühl não pôde vir, estava recebendo um
mos algumas coisas com um ator e dizemos:
um colega de trabalho do condomínio, todos
prêmio. Tivemos de usar um motorista em
“Faça algo que surpreenda o outro, faça algo
foram muito bem escolhidos e interpreta-
uma cena, vesti-lo com as roupas de Da-
que seja inesperado para ele, deixe-o inse-
ram seus papéis com muita satisfação, dan-
niel, de ensinar-lhe a se movimentar como
guro.” Mas isso só vai funcionar uma vez. Se,
do as suas contribuições na estilização dos
Daniel, tudo isso é terrível. E para fazer as
por azar, nesse momento, o cameraman tre-
personagens. Foi uma grande alegria tra-
tomadas da mãe, fui eu quem ficou pulan-
mer ou o material acabar, não será possível
balhar assim, ver como eles conseguiram,
do como um Zampano por trás da câmera
repetir. Portanto, esse não é um recurso que
nesse breve momento que tinham, fazer
pronunciando todas as frases — e Katrin
vá servir sempre. Por isso é que não confio
esse ajuste fino com um só olhar e não atuar
Sass tinha ataques de riso, pois eu também
muito em trabalhar com momentos-sur-
apenas seguindo as instruções.
estava tentando interpretar.
presa. Quando você trabalha com coadju-
3
Mostra encontro com o cinema alemão
vantes que simplesmente não reagem, pode
O que caracteriza um bom diretor?
Naturalmente isso é uma condição difícil
deixar cair alguma coisa que faça barulho e
para o ator, quando a situação não é das mais
todos irão olhar imediatamente, esse é um
WB: Um bom diretor deveria ser alguém que
autênticas e reais. Os atores não existem
reflexo puramente instintivo que você pode
tem a capacidade de contar uma história em
para transformar uma situação totalmente
aproveitar. Mas você não pode fazer isso in-
que os personagens sejam de carne e osso.
artificial em natural. Devemos proporcionar
cessantemente com os atores, eles podem
E, naturalmente, precisará também de uma
reagir com muita irritação.
série de virtudes secundárias de grande
3
Personagem de Fellini em La Strada. (N. da T.)
valor. Deve ter muita paciência, o que não
plesmente, muito importante. Mas cuidado
fora tudo o que era considerado clichê nos
é meu caso, e perseverança, o que creio ter
para não confundirmos as coisas: se você
filmes mudos. De produção mais recente,
um pouco. Ao gravar um filme, você funcio-
está em um set e acha graça em uma cena,
achei Gegen Die Wand [Contra a parede] um
na um pouco como anfitrião. Nessa fase, é
isso não quer dizer – não mesmo – que o pú-
admirável trabalho de direção, também um
importante que as pessoas que chegam to-
blico também irá dar risada.
filme muito corajoso.
as outras, pois passam juntas um período
Na história do cinema alemão, diga o nome
É difícil citar filmes isoladamente. Mas
bem longo e quase chegam a formar um tipo
de um diretor cujo trabalho o tenha im-
achei Das Weisse Rauschen [O ruído branco],
de família. Quando as condições são favo-
pressionado, talvez até influenciado.
de Hans Weingartner, um filme muito, mui-
dos os dias ao set se sintam bem umas com
ráveis, isso é algo muito fácil, mas quando
to bom, de um principiante. Eu acho, por WB: Encontrar um único nome é muito difí-
exemplo, Das Parfum [O perfume], de Tom
complicado. Como bom diretor você tem de
cil. A diversidade é muito grande. No momen-
(Tykwer), tudo bem, ele é agora meu amigo e
dar atenção a isso, ser um bom anfitrião. En-
to estou muito impressionado com Käutner,
colega, um trabalho simplesmente admirá-
tão, dizer apenas “aqui me concentro total e
de Unter den Brücken [Sob as pontes]. Por sor-
vel. Trata-se de um romance incrivelmente
somente na encenação, todo o resto não me
te, uma versão restaurada desse filme foi
complexo.
interessa”, acho bem problemático. Alguns
lançada em DVD, apesar de ter sido rodado
cineastas são assim, mas creio também que
em 1944. Parece tão moderno e recente, não
A mesma pergunta, mas sobre o cinema
acabam perdendo certas coisas. E do que
tem nada a ver com o nacional-socialismo,
estrangeiro. Qual faria você pensar: “Al-
mais precisa um diretor? Com todas as pres-
nem ideologicamente ou por alguma identi-
gum dia também quero fazer algo assim”?
sões que ele sofre — está sujeito a pressões
ficação, nem pela maneira como as pessoas
incessantes, pressões financeiras, da produ-
falam. Mostra uma imagem bem diferente
WB: Há incrivelmente muitos exemplos de
ção — ele precisa saber preservar o prazer
das pessoas daquela época, mas que, a meu
filmes que me impressionaram, que tam-
do lúdico. E vai conseguir isso da maneira
ver, também existiram. Na forma como foi
bém são muito diferentes entre si. Um fil-
mais fácil ao escolher as pessoas que fica-
rodado e como trata o lado visual, também a
me que realmente me impressionou, que
rão a sua volta, que também devem gostar
montagem, podemos dizer que em algumas
nunca envelheceu e eu acabo de revê-lo, é o
de brincar, pessoas com quem você também
cenas parece mesmo um filme da nouvelle
The Conversation, de Coppola. É um filme que
pode ficar falando bobagens nos intervalos,
vague. Outro filme que por aqui é pouco co-
continua me impressionando, até hoje. A
fazendo brincadeiras. Se não houver humor,
nhecido, chama-se Asphalt [Asfalto], de Joe
meu ver é um dos seus maiores filmes. Mas
se um set for um local sem graça, terei lá
May; acabei de revê-lo. Um filme mudo, dos
também posso achar maravilhoso algum
meus problemas. Para mim o humor é, sim-
anos 1920, mas que é tão moderno, deixa de
desses filmes de puro entretenimento, como
45
Adeus Lenin!
as condições são difíceis pode ser algo bem
Cantando na chuva, apesar de esse filme, a
onde você pode receber consolo e alívio por
WB: Comecei a carreira como cameraman. Foi
certa altura, ter um ponto fraco no enredo,
diversas razões. Porque tira você do cotidia-
essa minha escolha na escola de cinema. Fo-
que sempre me fez pensar que fizeram al-
no e porque muitas vezes pode dizer a você
ram mais os outros que me levaram a decidir
guma concessão ao ator principal. Contudo,
que os outros podem não estar tão bem como
pela direção, não foi algo da minha cabeça.
é uma história contada com extremo vigor.
você. Ou que certo problema não é só seu...
Quando o primeiro filme que dirigi começou
E um filme também pode fazer você pensar.
a fazer sucesso, não recebi mais nenhum chamado para trabalho de câmera. Então pensei:
Há filmes de média duração. Por exemplo,
46
Mostra encontro com o cinema alemão
há um filme que me influenciou de maneira
Para mim, naturalmente, o cinema também
vamos ver se é um episódio único ou se vai continuar
muito duradoura durante o período de mi-
é a possibilidade de reunir diversos inte-
assim. Mas o trabalho de cameraman seria mi-
nha formação, bem no início do meu curso
resses, por exemplo, a paixão pela música,
nha primeira escolha. Outra coisa que tam-
na DFFB, acho que foi o primeiro ou o segun-
por Shakespeare, por imagens, e me refiro
bém acho muito interessante é o sound design,4
do filme de Mike Leigh. Era um filme para
não apenas a fotografias ou imagens em
eu acho que também saberia fazer bem, iria
tevê chamado Meantime. Ninguém o conhe-
movimento, mas sem dúvida à relação da
gostar. O que com toda certeza eu não seria é
ce hoje em dia, e pessoas como Tim Roth e
fotografia com a visualidade. A cada vez é
roteirista (risos).
Gary Oldman tem papéis bem secundários.
uma nova missão, a cada vez a tônica recai
É um filme que na época me influenciou
mais sobre uma coisa do que sobre outra. É
muito, já faz tempo que não o vejo, pois in-
a oportunidade de ter recursos fantásticos
felizmente não existe em DVD. No cinema
à disposição que eu não teria se fosse escre-
francês existem muitos filmes. O homem que
ver um romance, por exemplo — o que para
amava as mulheres sempre foi um dos meus
mim seria horrível: estar sentado e ter a
grandes preferidos de Truffaut.
obrigação de escrever um romance. Sei que escrever um romance é uma realização in-
Diga em uma frase o que significa cinema
crível, lançar pessoas em uma viagem fan-
para você.
tástica assim. Mas não é de meu interesse. E
WB: Para mim o cinema, como lugar, é sem-
é isso que eu aprecio no cinema, poder reu-
Fonte: BELCKER, Wolfgang. Interview... Kategorie:
nir diversos recursos na criação.
Regie Spielfilm (tradução nossa). Disponível
pre uma sala escura onde você pode viver
em: http://www.vierundzwanzig.de /content/
algo muito mágico com outras pessoas. É um
Uma última pergunta: se você não fosse di-
download/4029/26151/version/1/file/becker.pdf.
local onde você também pode encontrar um
retor, poderia se imaginar exercendo qual-
Acesso em: 4 nov. 2013.
breve entretenimento, portanto é também
quer outra profissão no cinema?
4
Sonoplastia. (N. da T.)
Sonnenallee 1999 | 94 min
em se tornar um astro pop. Pela política
do serviço secreto; mas a única certeza
ele não se interessa — não é a favor nem
que Michael tem é a de estar apaixonado
contra o sistema da Alemanha Oriental.
por Miriam, a maravilhosa e inalcançável
No entanto, ele quer bagunçar toda a or-
Miriam.
ganização da sociedade “de dentro para fora”— coisas que se pensa quando se
Sonnenalle retrata, com humor, a vida
é jovem e revolucionário. Seus amigos
dos jovens na Berlim Oriental e nas zo-
Mario, o existencialista, e Wuschel, que
nas fronteiriças, em 1973, fazendo uma
corre perigo por causa de um disco dos
caricatura dos problemas dessas pessoas
Rolling Stones, estão no mesmo barco.
a fim de contar uma história universal. Ao
Seu tio, que vive na parte ocidental, con-
final, a comicidade do filme é interrompi-
Edição: Sandy Saffeels
trabandeia meias de náilon para a mãe
da por passagens mais dramáticas.
Música: Stephen Keusch, Paul Lemp
de Michael; seu vizinho pode ser espião
Direção: Leander Haußmann Produção: Boje Buck Produktion Roteiro: Leander Haußmann, Detlev Buck, Thomas Brussig Câmera: Peter-Joachim Krause
Elenco: Alexander Scheer, Alexander Beyer, Robert Stadlober, Teresa Weißbach, Katharina Thalbach, Elena Meißner, Detlev Buck, Henry Hübchen, Ignaz Kirchner e Margit Carstensen
Na sua estreia no cinema, o diretor de teatro Leander Haußmann tenta capturar a vida em Berlim Oriental nos anos 1970. Micha Ehrenreich, de 17 anos, vive com os pais e uma irmã na Sonnenallee, avenida que tem um trecho mais longo no bairro de Neukölln (em Berlim Ocidental), e um trecho mais curto em Treptow (na parte oriental da cidade dividida). Micha vive na na parte Oriental e sonha
49
em Berlim (Oriental). Apesar de atuações bem-sucedidas em diversas salas de teatro, Haußmann começou a trabalhar como diretor em 1991 e em 1999 dirigiu
Crítica Por Thomas Waitz
seu filme inspirado no romance Sonne-
“Você se esqueceu de trazer o filme colori-
nallee (de Thomas Brussig), que provou
do”, ouvimos no fim do filme em uma can-
ser um grande sucesso de crítica e de
ção antiga — “Agora ninguém vai acreditar
público, sendo agraciado também com
como aqui é bonito”, enquanto a imagem
o Urso de Prata.
adquire tonalidades acinzentadas. Usando o roteiro premiado de Thomas Brussig,
Filmografia 2013 | Hai-Alarm am Müggelsee 2011 | Hotel Lux
50
2008 | Robert Zimmermann wundert sich über die Liebe
Mostra encontro com o cinema alemão
Na época, Leander Haußmann escolheu
2007 | Warum Männer nicht zuhören und
como protagonistas atores completa-
Frauen schlecht einparken
mente desconhecidos; já para os papéis
2005 | Kabale und Liebe
coadjuvantes, foram escolhidos veteranos
2005 | NVA
premiados, como Katharina Thalbach,
2003 | Herr Lehmann
Henry Hübchen e Ignaz Kirchner.
2001 | Denk ich an Deutschland — Die Durchmacher
Biografia do diretor
2000 | John Gabriel Borkman 1999 | Sonnenallee
Leander Haußmann, nasceu em 1959,
1997 | Das 7. Jahr — Ansichten zur Lage der
em Quedlinburg. É filho do ator Ezard
Nation
Haußmann. Em 1982, estudou interpre-
1995 | Männerpension
tação na Escola Superior Ernst Busch,
1991 | Die Verschwörung des Fiesco zu Genua
Leander Haußmann parte para uma dupla viagem em sua estreia como diretor de cinema: ele retorna aos anos 1970 e retorna à realidade perdida do dia a dia da República Democrática Alemã.
Sonnenallee é uma avenida em Berlim cujo trecho mais longo fica na parte ocidental, o finzinho na parte oriental da cidade — no
meio, o muro. Em cenas muito belas, em for-
ele conseguem realizar uma descrição —
ma de cartazes, o filme apresenta os perso-
sem precedentes — do que representa o dia
nagens: conhecemos primeiramente Micha,
a dia no sistema da República Democrática
Mario, Wuschel e alguns outros rapazes.
Alemã. A artificialidade proposital e a vi-
A maioria deles está terminando o Ensino
sualização do que foi encenado são parte
Médio e precisa decidir se presta o serviço
do projeto — apesar de se suspeitar de que
militar no exército ou não. Nessa ociosidade,
não se trata tanto de um recurso genérico
sempre cheia de vitalidade, nessas horas de
da linguagem cinematográfica, mas de um
lazer em comum, presenciamos uma alegria
efeito decorrente do histórico de teatro de
colorida que muitas vezes beira a algazarra.
Haußmann.
Essa apresentação nostálgica é alimenta-
Detlev Buck, que já estava correndo o risco
final do túnel.” O final do túnel: é — no mi-
da por um arsenal completo de fenôme-
de se tornar a maior caricatura do cinema
crocosmo — a luz no final da Sonnenallee.
nos genuínos da cultura pop oriental, cuja
alemão, trabalha de modo bastante discre-
principal característica é provavelmente o
to no âmbito de suas possibilidades mími-
Brussig e Haußmann têm razão em defen-
princípio do workaround. Como não há drogas
cas limitadas. Os demais papéis contam
der uma experiência de vida autêntica e
usuais à mão, a opção é usar um remédio
com um elenco excelente e uma interpre-
com credibilidade contra aqueles que viam e
contra asma diluído em Coca-Cola — aliás,
tação brilhante, especialmente os “adultos”
ainda veem na República Democrática Ale-
o efeito é impressionante. Micha (Alexander
— encabeçados por Henry Hübchen e Ignaz
mã especialmente o muro, o serviço secreto
Scheer) e sua família são o fio desse filme
Kirchner. Muitas vezes são os atores que evi-
e a falta de liberdade. O roteiro e a direção
narrado em episódios, vinculados pela pers-
tam que o filme acabe em um pastelão.
não escondem essa parte, mas incluem aqui
pectiva de desenvolvimento do amor entre
a história autêntica de uma juventude. No “Esse país é apertado como um par de sa-
fim, tudo foi divertido? Pode ter sido. Ou en-
patos”, escreve Micha no seu diário em uma
tão, muito diferente.
Uma teoria que Brussig aponta com proprie-
cena com excelente dramaturgia no final do
dade no folheto sobre o filme é que a Repú-
filme. E durante um blecaute na região da
blica Democrática Alemã, na retrospectiva,
fronteira — exibida em uma montagem pa-
dá uma boa farsa e, de fato, Haußmann e
ralela — ele complementa: “Mas há luz no
Fonte: Site Schnitt (tradução nossa). Disponível em: http://www.schnitt.de/202,2532, 01.html. Acesso em: 4 nov. 2013.
Sonnenallee
Micha e sua vizinha Miriam.
51
4 dias em maio 4 Tage im Mai 2011 | 95 min Direção: Achim von Borries
Uma patrulha russa, composta por apenas oito pessoas, ocupa o orfanato no qual o garoto vive com a tia. A mulher, inteligente e decidida, logo se rende aos russos, mas Peter quer bancar o herói e aponta sua arma para o capitão Kalmykow, que reage com valentia e prudência, e baixa a arma da criança. A patrulha e seu ma-
Produção: X Filme Creative Pool/ZAO Studio
jor têm uma tarefa desesperada: vigiar a
F.A.F./LLC Aurora Production/NDR/HR/ARTE
costa e fazer os reféns. Nesses últimos
Roteiro: Achim von Borries
dias de guerra, Kalmykow quer proteger
Câmera: Bernd Fischer Edição: Antje Zynga Música: Thomas Feiner
seus homens acima de tudo.
detenção. Já no fim da guerra, quando a Alemanha capitula, Peter acaba aceitando Kalmykow como um amigo paternal.
Elenco: Pavel Wenzel, Aleksei Guskov,
Quando uma unidade alemã aparece na
Angelina Häntsch, Gertrud Roll e Grigory
costa, Peter revela que os soldados so-
Dobrygin
viéticos estão infinitamente em número
4 dias em maio foi originalmente um pro-
inferior e insuficientemente armados.
jeto de Aleksei Gustov, que faz o papel do
Porém nem os alemães querem mais
capitão, como coprodutor. Assim, o filme
lutar, preferem fugir para a Dinamarca e
não só fala sobre a paixão equivocada de
se render aos ingleses. Peter reage com
uma criança, mas também sobre a his-
grande decepção, mas enfrenta outro
tória de uma adoção secreta e não ex-
problema: ele precisa proteger a jovem
plicitada. Peter perdeu seu pai na guerra,
Anna, escondida dos russos em um ce-
Kalmykow perdeu seu filho. Nesse filme,
leiro. Ela se apaixona pelo telegrafista
repetidamente ocorre a desconstrução
russo Fedjunin, que estudou música an-
de estereótipos de inimigos em um pe-
tes da guerra e toca os clássicos no piano
ríodo cheio de imperfeições. Mesmo
desafinado do orfanato. Com ciúme, Pe-
a música clássica do piano desafinado,
ter denuncia Fedjunin, que é punido com
mencionada repetidamente, remete a um
Peter, de 13 anos, corre até a costa para alertar os jovens da milícia Volkssturm: “Os russos estão chegando!” No entanto, o garoto, que queria ser um soldado valente, não é levado em consideração e após uma batalha insana, o mesmo garoto encontra um soldado alemão morto, veste o seu uniforme e pendura também o seu fuzil.
53
mundo à busca de sua harmonia perdida,
Kalmykow conta que veio de Leningrado,
semelhante às aves de arribação no céu
a mulher destaca que vem de São Peters-
que migram para o leste, perseguidas pe-
burgo. No entanto, no momento decisivo,
los olhares saudosos dos soldados russos.
a norma oficial da língua perde o seu poder.
No início do filme, vemos como os sol-
Biografia do diretor
dados russos prendem e levam embora
54
uma funcionária do orfanato. Achim von
Achim von Borries nasceu em 1968, em
Borries tem mesmo a coragem de relem-
Munique. Ele estudou História e Filosofia
brar as histórias contadas várias vezes so-
na Freie Universität, em Berlim, e Cine-
bre raptos e estupros, ele não quer adular
ma na Academia de Cinema e Televisão
a história nem ser intransigente, mas sim
(DFFB). Seu longa-metragem de estreia
superá-la. Isso também combina com a
como diretor, England! (2000), foi um su-
2011 | 4 dias em maio
sua maneira de lidar com a linguagem:
cesso de crítica e ganhou vários prêmios
2004 | Was nützt die Liebe in Gedanken
suas barreiras são transparentes, Peter e a
em festivais internacionais.
2001 | England!
diretora do orfanato também falam russo.
Filmografia
1998 | Halberstadt (curta)
Mostra encontro com o cinema alemão
Crítica Por Claudia Lenssen O filme 4 dias em maio, de Achim von Bor-
bos lados. O filme se passa em uma casa de
antiquada, mostra-se um conquistador em-
fazenda próxima à praia, na ilha de Rügen.
penhado em não prejudicar os soldados nem
O lugar é um abrigo para órfãos de guerra,
as crianças do orfanato ou suas educadoras.
dirigido por uma baronesa (Gertrud Roll) de
Esse herói paternal já passou por um longo
São Petersburgo que domina a língua russa.
histórico de repressões e concentra em si o
ries, narra um episódio dramático ocorrido
ódio dos seus superiores, fato que provoca
no final da Segunda Guerra Mundial, quan-
Um grupo de soldados do exército Wehrma-
do a divisão entre amigo e inimigo perde a
cht também aguardava na praia a chegada
clareza e a notória hora zero explode em
de um barco que os transportasse para um
4 dias em maio mostra o Exército Vermelho
uma dinâmica de violência absurda. Em 4
campo de prisioneiros britânico na Dina-
como uma tropa dividida, um campo de
de maio de 1945, poucos dias após o suicí-
marca. Para o protagonista, um pequeno
conflito entre soldados verdadeiros, benevo-
dio de Hitler, a guerra termina na Holanda,
garoto ruivo (Pavel Wenzel) que observa os
lentes e simpáticos do capitão e seu superior
no norte da Alemanha e na Dinamarca com
soldados já cansados da guerra, aquilo tudo
com uma impressionante carreira stalinista
a capitulação parcial das tropas alemãs. O
é uma grande decepção. Peter, que fala rus-
(Merab Ninidze). O armistício com os inimi-
sucessor de Hitler, Dönitz, pretende deixar o
so como a tia, perdeu o pai — um oficial do
gos alemães na praia funciona com ajuda
maior número possível de soldados e fugiti-
Wehrmacht — na guerra e, apesar da capi-
das traduções do menino. Todavia, uma fal-
vos civis nas áreas controladas pelos aliados
tulação, não quer abrir mão de suas fanta-
britânicos, para concentrar as forças e con-
sias de vingança.
uma progressão furiosa.
55
Quatro dias depois, o plano fracassa, quan-
A rendição parcial trouxe à ilha de Rügen
do na noite do dia 8 para o dia 9 de maio
uma paz traiçoeira, de modo que aqueles
foi decidida a capitulação plena no quartel
poucos homens do Exército Vermelho con-
principal russo em Berlim.
seguiram chegar até à fazenda sem batalhas. Nessa situação, o menino conhece um
O diretor adotou essa situação explosiva en-
representante especial do vitorioso Exérci-
tre a guerra e a paz como pano de fundo para
to Vermelho. O capitão Kalmykov (Aleksei
um encontro, que por um momento abala os
Guskov), junto com seus oito soldados can-
conceitos preconcebidos de inimigos de am-
sados e uma última bala na sua artilharia
A vida é um canteiro de obras
tinuar a guerra contra o Exército Vermelho.
ta grave do major bêbado inicia uma terrível confrontação em que os “bons” alemães estão em número maior e os “maus” russos estão completamente em desvantagem perante o ataque dos tanques de guerra do Exército Vermelho.
Esse filme alcança uma intensidade cativante por meio do protagonista infantil. Nenhum detalhe dessa perigosa situação de impasse que ocorre na casa da fazenda escapa ao olhar obstinado do garoto. Sonhador, ele
56
ainda brinca com os raios de sol que passam
concretas e não fontes abstratas. Os con-
pelo telhado do celeiro, mas adoraria partici-
ceitos preconcebidos de inimigos permane-
par da última batalha com os soldados. Peter
cem em vigor após a capitulação: os russos
esconde a babá (Angelina Häntsch), pela qual
na casa da fazenda e os alemães na praia
está apaixonado, dos soldados que se apro-
se aproximam, mas, apesar das negociações
ximam, por outro lado fica fora de si quan-
pragmáticas, é visível a sua separação.
do ela se apaixona por um telegrafista russo Mostra encontro com o cinema alemão
(Grigoriy Dobrygin), também pianista, que toca Schubert e Schumann para ela.
Diálogos sobre o que separa e o que une, por exemplo, o idioma do inimigo ou o significado de apelidos estão presentes durante todo o filme. A seleção dos cenários, a encenação
Fonte: EPD Film, Frankfurt, 2011 (tradução nossa).
visual e a condução da câmera também des-
Disponível em: http://www.epd-film.de/33184_90690.
tacam o constante conflito entre pessoas
php. Acesso em: 4 nov. 2013.
Conversa com Achim von Borries, roteirista e diretor de cinema
MF: Então você aprendeu seu ofício de
tado. Posso fazer isso usando apenas o que
modo convencional?
aprendi, sem limitações, sem censuras internas, somente o trabalho a ser feito. O que
AB: Não é bem assim... Às vezes me pergun-
não quer dizer que minha mente não esteja
to se aquele que faz filmes é artista ou arte-
no projeto ou que não haja paixão, mas seria
são. De fato, não acreditava que dominasse
de alguma maneira fora do meu universo
meu ofício, achava que era mais um artista.
criativo. Fazer um filme do zero, com argu-
Conhecia bem minhas ferramentas, mas só
mento, confecção do roteiro, direção e edi-
percebi isso na televisão, quando fiz traba-
ção é a verdadeira batalha, e em que utilizar
Achim von Borries: Sempre adorei cinema,
lhos como diretor contratado. Foi então que
técnicas acadêmicas tem peso menor, pelo
desde criança. Não tínhamos tevê em casa,
me dei conta de que conhecia o meu ofício.
menos na minha opinião.
então ir ao cinema era uma ocasião especial.
Acredito que com cinema a melhor manei-
Após os estudos regulares me candidatei a
ra de aprender é efetivamente fazendo fil-
várias escolas de cinema, mas em todas fui
mes. Isso também refletia o lema da escola.
considerado muito jovem, o que na verdade
Quando fiz England!, foi a primeira vez em
AB: Francamente, eu prefiro variar. Não con-
era, pois eu tinha 19 anos...
que estive fisicamente presente na realiza-
seguiria fazer um filme por ano e passei sete
Match Factory: Como você começou a fazer filmes?
MF: Qual você prefere?
ção de um filme. Não tinha ideia até então
anos sem fazer um filme. Talvez esse inter-
Então passei por algumas experiências de
do que significava filmar por 30 dias. Havia
valo tenha sido um tanto longo. Preciso de
estágio bastante desanimadoras, de manei-
feito um curta-metragem, e só. Hoje em dia,
tempo entre os filmes. Torno-me insuportá-
ra que decidi me concentrar em outras áreas
adoraria ter um pouco daquela inocência de
vel para meus amigos e para minha família
do meu interesse: escolhi História e Política.
volta.
quando estou filmando, e não conseguiria
Por querer estar em Berlim, em 1989, fazia
fazer isso senão a cada dois, três anos. Eles
sentido, então, cursar uma universidade
MF: Isso quer dizer que sua técnica é útil
por lá. Por sorte, após alguns semestres,
quando faz filmes que não escreveu?
consegui ser aceito na Deutsche Film- und Fernsehakademie (Academia de Cinema e Televisão) de Berlim. Sorte a minha: não estaria fazendo filmes hoje não fosse por isso. Não sou do tipo autodidata.
57
não aguentariam... MF: A questão se aplica ao processo de rea-
AB: É claro que sempre acabo utilizando
lização?
minhas habilidades instintivamente. Mas começo a me conscientizar delas quando
AB: Existem três processos envolvidos em
trabalho com o roteiro de outra pessoa ou
se fazer um filme: você dá à luz o filme três
ainda em trabalhos como roteirista contra-
vezes. Primeiro se constrói o argumento.
4 dias em maio
Entrevista
Escrever é um trabalho fantástico, solitá-
nos pelos meus padrões. Tenho a tendência
AB: Há três anos, Aleksei Guskov me abor-
rio, tranquilo, contemplativo. Dirigir torna
a visualizar claramente minhas paisagens e
dou durante o Festival de Cinema de Berlim.
a coisa toda terrivelmente concreta, mas
locações enquanto escrevo e depois mal os
Ele havia assistido à England!, que também
eventualmente válida. Transmitir a mágica
consigo reconhecer na realidade filmada.
tem um viés russo-ucraniano atual. Eu ti-
para a película [...], algum momento que não
Mesmo em 4 dias em maio não conseguimos
nha acabado de conhecer alguns realizado-
se esperava; evocando um ser humano, al-
ter algumas coisas da maneira que quería-
res russos, como Bakhtyar Khudojnazarov,
gum sentido, um estado de espírito. Adoro
mos e é preciso uma edição cuidadosa para
que dirigiu Luna e me apresentou à Aleksei.
quando vejo uma equipe inteira buscando
que eu consiga aceitar algum material como
esse único instante: o momento em que a
sendo algo novo sem que se compare com o
Com a abertura dos arquivos russos, essa
câmera começa a rodar e alguma coisa que
que quer que tenha sido concebido no início.
história se tornou pública. Fala da unidade
até então era somente papel e imaginação
É aí que geralmente preciso de uma pausa
de reconhecimento dos russos que havia
ganha forma. O terceiro momento do nasci-
antes de continuar com a montagem.
desafiado as ordens do próprio comando,
mento ocorre na edição, quando se confron-
58
salvando a vida de mulheres e crianças ale-
ta aquilo que se imaginou com a realidade
MF: Como você conseguiu a história para 4
mãs durante os dias finais da guerra. Isso
do que se tem filmado. Geralmente acho
dias em maio?
causou grande comoção. Durante 50 anos
esse momento relativamente duro, ao me-
ninguém havia imaginado tal situação. Alguns produtores começaram a buscar alguém que reescrevesse essa história e Guskov já a havia abordado de um ponto de vista alemão. Fiquei muito empolgado por
Mostra encontro com o cinema alemão
ter sido contratado para desenvolver o roteiro. Quando nos encontramos, logo concordamos que eu não somente reescreveria o roteiro, mas também o dirigiria. Durante anos busquei uma boa história para um filme e havia recusado muitos projetos. Finalmente eis que surge algo que eu realmente estava inclinado a fazer. Algo que valesse todo o esforço e toda a dor (risos). Quando Stephan Arndt e X Films se juntaram ao
MF: Com exceção do garoto...
projeto, as coisas começaram a caminhar
ponto de vista do inimigo. Tenho certeza de
para um filme. Retardamos por um ano
que ter escolhido a perspectiva da criança
por conta da crise financeira na Rússia.
tornou o filme mais convincente e pessoal.
AB: O garoto acredita que deve lutar. Lutar
Finalmente, começamos a rodar em 2010,
O tema é extenso e abrangente: a guerra en-
por seu pai e contra ele. Ele é uma criança
mesmo com restrições orçamentárias. Os
tre a Alemanha e a União Soviética, a cam-
que cresceu sem referências masculinas, que
produtores assumiram um grande risco.
panha de destruição de Wehrmacht, tanto a
de repente se vê diante dessa massiva presen-
Sensacional!
liberação quanto a ocupação pelos aliados,
ça militar de homens. Ele faz algumas coisas
o trauma dos estupros — é material de dis-
realmente terríveis, mas, a meu ver, não é
MF: De que maneira o roteiro foi mudado
cussão demais para ser colocado em um só
uma pessoa ruim. Espero que compreendam
do original de Guskov?
filme. Já havia me concentrado nesse perí-
o que se passa com ele. Ele está crescendo, o
odo enquanto estudava história. Então eis
que já é, por si, doloroso. Ainda me arrepio
AB: Não deveria denegrir o trabalho de co-
que surge essa história real de oito oficiais
quando vejo o rosto de Pavel no início ou no
legas, mas, para mim, o original mais pare-
de reconhecimento de terreno que eu cos-
fim de uma sequência. Ele se torna comple-
cia piada de caserna. A relação dos russos
turei na história fictícia de um menino — e
tamente diferente, tão cheio de compaixão! O
com suas forças militares e com a Segunda
assim consegui fazer o filme.
personagem do oficial funciona tão bem por-
59
que ele encontra seu parceiro nesse pequeno
Guerra é bastante diferente. Existe uma tradição na literatura e no cinema sobre como
MF: Trata-se de um filme de guerra quase
rebelde. O mais velho percebe que um deles
se recontar essa história. Eu não quis con-
sem lutas...
precisará ceder naqueles dias finais. Será ele,
mandante. Havia essa criança que aparecia
AB: Sim, os melhores filmes de guerra são
sua vida se aproxima do fim. Trata-se de uma
rapidamente no roteiro original e que levou
aqueles sem batalhas. A batalha é o aspecto
parábola, se quer saber: o sacrifício de nossos
à ideia de se focar na visão de uma criança
mais chato do gênero. Foi ótimo termos tido
pais ou avós por nossa liberdade.
ou jovem experimentando os últimos dias
aquela locação remota com uma situação
da guerra, algo com o qual eu já vinha obce-
perfeita: oito russos, baseados em um an-
MF: O personagem principal é interpretado
cado há algum tempo. Então sugeri a narra-
tigo lar para crianças, esperando que tudo
por um jovem ator alemão, e o soldado, por
tiva vista da perspectiva de um garoto. Para
terminasse para voltar para casa. Quando
um astro do cinema russo. Como foi traba-
alívio meu, Aleksei concordou de imediato.
de repente surgem os alemães, que por sua
lhar com uma equipe russo-alemã?
Ele percebeu que dessa maneira podia-se
vez também estão cansados de lutar. Na
melhorar a maneira como seu protagonis-
verdade, a preocupação de todos ali é voltar
AB: Difícil, porque não havia uma lingua-
ta se mostrava, mesmo se desenvolvida do
para casa em paz.
gem comum. Constantemente tínhamos de
4 dias em maio
visto que é mais velho e experiente e porque
tá-la sob a perspectiva do gabinete do co-
recorrer a intérpretes. Já havia trabalhado
colocam dinheiro próprio ou ainda fazem
ção não é assim tão ruim, mas pareceu uma
com atores russos em England!, mas ali tí-
empréstimos na esperança de que o gover-
eternidade. Na tevê preciso de seis semanas,
nhamos sempre uma língua comum para
no vá, de fato, comparecer com os recursos
no máximo.
comunicação; fosse o inglês ou o alemão.
prometidos, em algum momento. Fiquei
Aqui precisamos usar um meio-termo. Você
muito entusiasmado com a coprodução.
vai à loucura no set, discutindo tudo sob a
60
MF: Agora [na época] está quase pronto e prestes a ser lançado. Você tem mais ex-
pressão do tempo com dez russos e duas in-
Apesar de existirem muitos filmes sovié-
pectativa quanto à première russa ou ale-
térpretes de cada lado. Eles foram ótimos,
ticos e russos, e alguns alemães, sobre o
mã?
mas ainda assim não foi fácil. Tampouco foi
assunto, não há sequer um semelhante a
fácil com a criança e Aleksei por perto. Eu
esse. No meu modo de ver, o fator da parti-
AB: É claro que estou na expectativa da pre-
era como um adestrador de animais com
lha foi importante, não somente porque era
mière alemã, visto que todos os meus ami-
um torrão de açúcar na mão para cada um,
pertinente ao enredo. Não foi sempre fácil
gos estão aqui. A russa será mais desafiante,
no momento certo. Aleksei foi bastante soli-
unir os dois fios dos dois países debaixo de
creio eu, porque sei como as pessoas podem
dário e ele precisava ensinar ao menino um
um mesmo guarda-chuva. E houve algum
ser mais rigorosas por lá. Apesar de algumas
pouco mais de russo. No fim, eu o recrutei
desentendimento recorrente entre mim e
reações iniciais vindas da Rússia me darem
para manter os sete rapazes russos sob con-
Aleksei — mas, no final, sempre conseguí-
a expectativa de que o filme será bem rece-
trole. Ele se tornou, por fim, o oficial de co-
amos chegar ao melhor para o filme. Agora
bido, nunca se sabe. O encontro de um filme
mando deles.
todos estão felizes, o que não é tão fácil para
com o público é sempre um momento de re-
nenhum dos dois lados.
velação.
MF: O que tornou a edição tão complicada e
MF: Você credita que o filme vai mexer com
por que demorou tanto?
o público russo?
As mentalidades são bastante diferentes e
AB: Foi difícil editar porque se trata de um
AB: Talvez. Com alguns, certamente. Exis-
as posturas perante o trabalho divergem,
filme pequeno com um tema enorme. Um fil-
tem tantos momentos lindos nesse filme;
assim como os mecanismos de captação dos
me pequeno de dimensões épicas, o que por
cada soldado, cada personagem tem ao
recursos. Ao contrário da crença popular,
si só não é fácil. Somente cortamos cinco ou
menos um momento quando parecem hu-
não existe o caso de os russos aparecerem
seis cenas, o que não é muito, mas incluindo
manos, trágicos, cômicos; quando se chega
com dinheiro suspeito, em espécie, dentro
muitas vezes alguns detalhes. Simplesmente
a eles de uma maneira profunda. Não bus-
de diferentes malas. Alguns investidores
demorou a tomar forma. Seis meses de edi-
quei imparcialidade e nunca me interessou
MF: A produção também foi russo-alemã, Mostra encontro com o cinema alemão
foi difícil? AB: Quando começamos não era nada fácil.
produzir um discurso político engajado no
lado.” Ela tinha toda razão. A imaginação do
ele descreve a ida a um restaurante, a ex-
cinema. Também não estava interessado se
público é, de qualquer maneira, bem mais
pectativa de comer sopa de peixe e pepino,
um dos personagens alemães era ou não na-
soturna.
bife e ovos e depois sair para um passeio a
zista. O garoto não é nazista ou membro da
pé. É como deve ter acontecido. Tirei a cena
Juventude Hitlerista. Ele deliberadamente
O que me fascinou desde o princípio foi como
do roteiro original russo. Havia tamanha
não veste um uniforme da Juventude Nazis-
seria ser um soldado em uma guerra? Ter de
verdade ali que não precisei fazer nada para
ta, preferindo roubar um uniforme comum.
se submeter ao inferno, independentemente
melhorar. O lado pessoal, profundo, é o que
Ele é um menino que quer lutar e é fascina-
do lado pelo qual se luta. Com a morte por
há de mais inspirador no cinema. É por isso
do pelo culto da masculinidade, da guerra,
todo lado, sua vida sob ameaça, e a inevi-
que faço filmes.
das armas. Meu Deus! Estou pisando em gelo
tável perda de toda a esperança em algum
fino aqui, afinal só nasci em 1968 (risos).
momento. Então, quando a matança parecia finalmente se aproximar do fim, Berlim ha-
MF: Será interessante verificar a reação ao
via caído ou estava prestes a cair, naquele
filme na Alemanha, depois que Anonyma
instante em que o tempo para e você se dá
(2008) também abordou a relação entre rus-
conta de que pode até sobreviver, afinal —
sos e alemães no fim da Segunda Guerra.
esse é o momento de transição que sempre
61
AB: 4 dias em maio não é sobre ajustes de con-
se tornando novamente cidadãos comuns,
tas, e também não é sobre o fato histórico do
tendo de aprender a novamente retomar a
estupro coletivo de mulheres alemãs. Nun-
vida. Nossos avós dos dois lados tiveram de
ca seria capaz ou gostaria de abordar essa
se livrar das suas capas de bárbaros e voltar
história. No início do filme há uma cena em
a ser tios, pais ou maridos amorosos. O fato
que uma mulher é sequestrada e podemos
de isso nunca ter sido abertamente discutido
imaginar o que acontecerá com ela. A gente
é quase inacreditável. Só começou nos anos
se pergunta se essa mulher deveria reapare-
1970, com a Guerra do Vietnã, as narrativas
cer em algum momento. Cheguei a escrever
sobre o trauma da transição — de cidadão
várias sequências para isso quando minha
comum à besta e para cidadão comum no-
esposa me chamou de lado e disse: “Você
vamente. Adoro a cena da primeira noite no
não tem a noção de como uma mulher como
filme, quando um dos russos diz o que faria
Fonte: Material de divulgação da distribuidora
essa pode ressurgir. Então deixe isso de
quando voltasse para casa; a maneira como
The Match Factory para a imprensa, 2011.
4 dias em maio
achei incrivelmente fascinante: guerreiros
Em um apart-hotel na periferia da ci-
Yella
dade, ela encontra Philipp, que está na cidade representando uma empresa de private equity, que a convida para acompanhá-lo em um encontro de ne-
2007 | 88 min Direção: Christian Petzold Produção: Schramm Film Koerner & Weber Roteiro: Christian Petzold
gócios. A partir desse momento, Yella descobre o mundo do capital de risco, das salas de conferência envidraçadas conectadas em redes sem fios, do ronco silencioso das limusines de aluguel,
Câmera: Hans Fromm
do contínuo movimento. Tudo parece
ganhar muito dinheiro e para isso planeja
Edição: Bettina Böhler
fácil, como em um jogo em que não há
um negócio incrivelmente simples e alta-
Som: Andreas Mücke-Niesytka
perdedores, Yella se sai bem e se torna
mente promissor, mas seus clientes já se
Música: Stefan Will
assistente de Philipp.
tornaram desconfiados e seus planos pa-
Elenco: Nina Hoss, Devid Striesow, Hinnerk Schönemann, Burghart Klaußner e Barbara Auer
recem desandar. No entanto, Yella resolYella progride rapidamente, seja instruin-
ve agir para salvar seu sonho, essa nova
do Philipp no trato com os clientes, ou
vida que está tão perto do seu alcance.
encontrando os pontos fracos dos opo-
Comentário do diretor
Yella planeja sair de Wittenberge, onde
nentes, ou, ainda, abrindo discussões
a empresa de seu marido Ben faliu e
com propostas próprias. Ainda assim,
seu casamento naufragou de maneira
Philipp se mantém distante e Yella per-
No início do livro de Marc Augé, Lugares e
dramática. Deseja ir para o oeste, para
cebe que ele joga com regras próprias,
não lugares há uma narrativa. Um homem
o outro lado do Elba, onde deve existir
regras desleais, e põe à prova a sinceri-
de negócios parisiense faz as malas, sen-
trabalho e futuro. No dia de sua parti-
dade de Yella. Ainda assim, eles passam
ta no táxi, enfrenta um congestionamen-
da, é Ben que a leva à estação. O trajeto
uma noite juntos. O estranhamento ini-
to; é a hora do rush e ele tem de chegar
acaba em acidente, mas Yella se salva
cial cede lugar a um abandono e a uma
ao aeroporto Charles de Gaulle. Ali, mais
ainda a tempo de pegar o trem para
intimidade insólitas. Yella então passa a
tarde, suado, tendo acabado de despa-
Hannover.
ser parte dos projetos de Philipp. Ele quer
char sua bagagem, ele entra na zona de
63
embarque, esse mundo de vidro e couro,
Christoph Hochhäusler e Dominik Graf.
de Burberry, Rolex e Bulgari. Não carre-
Ganhou o Urso de Prata no Festival de
ga consigo mais que o passaporte, o car-
Berlim em 2012 pela direção em Bárbara.
tão de embarque e os cartões de crédito.
Filmografia
De repente, esse homem se sente livre e solto. Mais tarde, já dentro do avião, so-
2012 | Bárbara
brevoando Dubai, sente mais uma vez o
2011 | Dreileben
emergir da realidade, pois nesse trecho
2008 | Jericó
não é permitido servir bebidas alcoólicas.
2007 | Yella
O homem é envolvido por uma solidão
2005 | Gespenster
que não é romantizada, é moderna, uma solidão ainda desconhecida.
64
2003 | Wolfsburg
inicialmente estudou línguas germânicas
2002 | Toter Mann
e teatro, além de trabalhar como crítico Do mesmo modo, Yella quer entrar nes-
2001 | A segurança interna
de cinema e exercer várias funções na te-
sa zona. Ela atravessa o rio em direção ao
1998 | Die Beischlafdiebin
levisão. De 1988 a 1994 estudou na Aca-
oeste, onde há leveza e paz. Mas o pas-
1996 | Cuba Libre
demia de Cinema e Televisão de Berlim,
sado, o peso, o lastro de que havia fugi-
1995 | Pilotinnen
trabalhando nessa época como assisten-
do emerge em seu novo mundo, como
te de direção de Harun Farocki e Hartmut
a proibição do álcool sobre Dubai. Esse
Bitomsky.
Mostra encontro com o cinema alemão
lastro a arrasta ameaçando engoli-la. Yella luta contra o lastro, mas também con-
Em 1995 dirigiu Pilotinnen, filme de con-
tra ela mesma. Pois, também, no novo
clusão do curso na academia. Com A
mundo há o amor.
segurança interna ganhou, em 2001, o
Biografia do diretor
Prêmio do Cinema Alemão (melhor filme de ficção), bem como, no mesmo ano, o prêmio da crítica internacional do Festival
Christian Petzold nasceu em Hilden, em
de Cinema de Cannes. Em 2011, realizou
1960. Desde 1981 vive em Berlim, onde
o projeto Dreileben com os cineastas
Crítica Christian Petzold narra mudança para o lado ocidental Por Martina Knoben
É uma nova vida que se inicia, e vem acom-
biu de um serviço ilegal. Há uma repugância
panhada do farfalhar do vento nas árvores
na ligação entre dinheiro e sexo. Philipp é
e do borbulhar da água que Yella havia es-
mais elegante e esperto que seu precursor;
cutado ao se arrastar para fora do rio Elba
ainda assim, é brutal, engana não apenas
depois do acidente. E essa trilha sonora in-
seus parceiros comerciais, mas também os
sistente é a primeira indicação do rumo da
próprios chefes.
viagem. A água como sinal do destino já haHinnerk Schönemann concede a Ben o char-
via sido marcante em outros filmes de Pet-
Nina Hoss atua com maravilhosa precisão;
me jovial de um herói de província, mas
zold, mais antigos.
foi ela quem fez o papel da vingadora no fil-
também uma periculosidade latente; sua
me de Petzold em Toter Mann [Homem mor-
possessividade e disposição à violência, e de
Yella passa a morar em um hotel onde co-
to] e Wolfsburg e agora faz o terceiro trabalho
Yella, seu retraimento e medo, estão grava-
nhece Philipp (Devid Striesow), que traba-
com ele. Nina faz Yella parecer ao mesmo
dos nesses dois corpos assim como no olhar
lha para uma empresa de private equity. Ele a
tempo uma pessoa realista e misteriosa,
da câmera.
leva para negociações em enormes salas com
frágil e insegura, mas lhe dá muita força.
vista panorâmica sobre a cidade, e ela se di-
Pelo seu desempenho no papel, recebeu um
A maestria com que Petzold conta suas his-
verte. Private equity é o capitalismo elevado à
Urso de Prata de melhor atriz – e merecida-
tórias em imagens é sempre admirável. E o
maior potência: empresas em situação finan-
mente; afinal, ela dá vida a uma persona-
início de Yella é especialmente tenso porque,
ceira periclitante recebem créditos em troca
gem totalmente inacreditável. Yella é uma
nessa parte da história, o diretor, com sua
de uma participação. Devid Striesow é a per-
mulher de sonho, mas uma mulher que so-
habitual parcimônia, nos obriga a redobrar
sonificação desse negócio: jovem, atraente,
nha também, que se constrói sonhando, e
a atenção. No dia seguinte, Ben leva Yella à
ágil e, como ator, tão capaz de se transfor-
não o resultado do sonho de outros, trata-se
estação de trem e eles brigam no caminho.
mar como também é o personagem Philipp.
do fascínio da liberdade feminina.
65
Quando estão cruzando a ponte sobre o rio Depois do primeiro trabalho que fazem jun-
zendo o carro mergulhar no rio. Yella con-
tos, Philipp dá dinheiro a Yella, como se es-
segue se salvar e ainda alcança o trem para
tivesse pagando uma prostituta. Do mesmo
Hannover.
modo, o primeiro chefe de Yella na Alemanha Ocidental, um sujeito sórdido, a incum-
Fonte: Filmportal.de. (tradução nossa). Disponível em: http://www.filmportal.de/node/97377/ material/540415. Acesso em: 4 nov. 2013.
Yella
Elba, Ben gira a direção abruptamente, fa-
Entrevista “Filmes que prometem certezas são entediantes.” Christian Petzold e Nina Hoss conversam com o filmportal.de sobre o filme Yella, sobre mundos que ainda não têm imagens e sobre a importância de estender a roupa Filmportal.de: Yella já é o terceiro filme que vocês fazem juntos. O que há de especial nesse trabalho conjunto?
66
Christian Petzold: Desde o início, procuro não manter uma estaticidade. Tudo começou em 2000, quando um projeto meu foi cancelado e a emissora ZDF me perguntou se eu poderia apresentar uma nova história em um prazo bem curto. Descrevi o conte-
em uma entrevista na tevê e simplesmen-
já é bem diferente, acho que representa a si
te fiquei impressionado. O redator da ZDF,
mesma.
Hans Jahnke, disse apenas: “Perfeito” — e dali já não havia mais volta! (Christian e
Christian Petzold: Concordo com o que ela
Nina dão risada.)
diz. Os filmes Toter Mann e Wolfsburg analisam a relação entre um homem e uma mulher. O
Até aquele momento ainda não conhecia as
personagem em Toter Mann tem imaginação e
qualidades de interpretação de Nina e nem
projeção, ele deseja uma mulher. A Laura em
sabia como ela trabalhava. Quando inicia-
Wolfsburg é um personagem bastante fragi-
mos os ensaios, ela ficava o tempo todo to-
lizado na perspectiva desse homem que ini-
mando nota, isso me deixava maluco e eu
cialmente não a vê como mulher, mas como
me perguntava: O que ela está escrevendo? Mas
mãe da criança que matou. No filme Yella,
quando, nos primeiros dias em Berlim, Nina
observamos o tempo todo somente as ativi-
teve de gravar uma cena bem simples — só
dades de uma mulher. Por isso, Yella também
precisava caminhar um trecho interpretan-
tem somente uma única trama. Isso gera
do a personagem Leyla — foi uma sensação.
uma situação interessante: não havia a pos-
A imagem ficou carregada com toda a ten-
sibilidade de mudar para outra trama como
são da situação do personagem. Nunca ha-
recurso dramatúrgico, fui obrigado a man-
via vivenciado nada igual — desde então o
ter o foco em Yella, como ela constantemen-
trabalho com ela tem sido maravilhoso.
te volta ao quarto do hotel, entra no carro e
údo de uma crônica que havia escrito junto Mostra encontro com o cinema alemão
com Harun Farocki, que depois deu origem a Toter Mann [Homem morto]: uma mulher quer se vingar do assassino da sua irmã.
cada vez há uma pequena mudança, algo que FP: Na sua opinião, onde há correspondên-
se deslocou. Aqui precisei de alguém como
cias entre os papéis da Leyla em Toter Mann,
Nina, que tem uma memória corporal incrí-
da Laura em Wolfsburg e de Yella?
vel e que cria um diferencial a partir da lembrança do que já interpretou.
Quando os redatores perguntaram quem deveria interpretar a mulher, respondi espontaneamente: “Nina Hoss”. Naquela época, ainda nem conhecia qualquer filme em que estivesse atuando. Eu tinha visto Nina
Nina Hoss: Considero Leyla e Laura antagônicas. Leyla conduz ativamente o filme, se-
FP: Como você trabalhou essas nuances
duz o homem e domina o cenário e as ações,
nas diferentes cenas?
enquanto Laura é passiva e busca amparo, e nesse caso é o homem quem lidera. Yella
NH: Nas cenas em que a personagem dor-
me, inicialmente não tínhamos clareza de
primeiros-socorros. Tivemos de procurar
CP: Algumas por muito tempo. A cena de
que Yella deveria dormir sempre na mesma
uma posição para dormir que mostrasse
Yella ligando para a companhia ferroviária
posição e acordar sempre de determinada
essa forte tensão e até mesmo a morte, uma
Deutsche Bahn do seu quarto de hotel para
maneira, uma vez que nunca deveria ador-
força enorme que puxa para baixo. Isso fun-
consultar a conexão de trem de Hannover
mecer profundamente. Daí pensamos nas
cionou até a cena na qual Yella dorme com
para Wittenberge foi ensaiada uma hora e
situações em que você acorda sobressalta-
Philip. Fizemos várias experiências. Como
meia — para uma única tomada.
do, por exemplo, quando adormece em um
podemos retratar nessa cena, por um lado,
trem. Chegamos à conclusão de que para
o relaxamento, ou seja, acordar de manhã
NH: Ou a cena estendendo a roupa. Acho
Yella é sempre como se estivesse emergindo
após uma noite de amor, mantendo ainda
que também ensaiamos uma hora e meia.
da água, tentando salvar-se do afogamento.
a tensão da morte? Isso obviamente requer
São alguns detalhes que só chamam aten-
tempo, mas vale a pena, pois sempre pode
CP: Qualquer produtor diria: “Isso vocês gra-
ção depois de assistir ao filme umas três ve-
surgir algo de novo que não havíamos ima-
vam em 20 minutos.” Mas você não deve enxer-
zes, mas tudo é planejado detalhadamente.
ginado anteriormente.
gar esse estender roupa somente como uma
Muitas vezes isso nem se desenvolve duranFP: Quanto tempo vocês ensaiaram as dife-
dades do dia a dia, que a normalidade precisa
rentes cenas?
ser ensaiada, pois um momento de estra-
CP: A posição de dormir da Yella é qua-
nhamento — que são muito importantes em
se que a posição lateral de segurança dos
Yella — só pode ser percebido se antes havia
67
a normalidade. Tivemos uma situação semelhante com Christian Redl no papel do pai de Yella: a mesma naturalidade que Yella mostra ao estender a roupa também precisa existir quando ele descasca a laranja. Milhares de vezes ele descascou uma laranja, mas naquele dia ele corta a última laranja para a sua filha antes que ela o deixe. E, de repente, ele interrompe o ato de descascar e, nessa parada, precisamos perceber sua hesitação, a qual não deve ser demonstrada com evidência. Yella
te os ensaios, somente durante a filmagem.
atividade cenográfica. É justamente nas ativi-
do. Yella só entende o que acontece no final e eu, como atriz, faço o mesmo. Enquanto interpreto, considero que tudo o que acontece com ela é como se fosse real. CP: Acho que essa é a única opção. Yella está fugindo da morte, mas foge também de relações mortas, de paisagens mortas e de situações sem saída. Ela não pode pensar demais. NH: Sim, ela precisa ser mais rápida que a morte. Não pode parar para pensar, senão será alcançada pela morte. CP: Yella está o tempo todo sujeita a uma
68
enorme pressão. Os estranhamentos que a acometem só podem ser vencidos com essa
Mostra encontro com o cinema alemão
NH: Quanto mais tempo um ator puder en-
FP: Nina, como você se prepara para um
força que adquiriu ao lutar contra o afoga-
saiar, mais profunda será sua compreensão
papel como o de Yella, pois na maior parte
mento. E isso dá credibilidade a essas curio-
do personagem. Assim ele precisará ensaiar
do filme ela não vive a realidade, mas so-
sidades secundárias, por exemplo, que todos
menos outra cena mais adiante, que possi-
nha sua vida?
os quartos do hotel estão sempre abertos, que o amante descasca a laranja da mesma ma-
velmente seria muito mais difícil, pois nesse momento já encontrou o personagem,
NH: Na verdade, preciso esquecer que sua
neira que o pai — uma compressão psicoana-
já se aproximou dele. É equivocado pensar
vida não é real. Tenho de deixar tudo muito
lítica, sobre a qual eu nem tinha muita noção
que isso não seja tão importante, que seria
claro e simples e aceitar todas as situações
inicialmente. Aqui, todo o sonho de vida de
tempo perdido, pois, no decorrer do projeto,
que Yella vive, todas as hesitações e estra-
Yella se cristaliza em um único segundo. Ela
o trabalho fica mais fácil. Para o ator, isso
nhamentos que ela experimenta, como se
está viajando e encontrou um novo homem
não significa estar amarrado, mas sim a má-
fossem a realidade. Conhecemos essas situ-
que finalmente lhe dá a sensação de estar em
xima liberdade, pois nessa atividade vai en-
ações: de repente hesitamos, acreditamos ter
casa, como o desejo que manifestou no mo-
contrando seu personagem.
ouvido algo, mas depois acabamos esquecen-
mento do telefonema de seu pai.
FP: Christian, você pode falar algo sobre a
filmes como consultor de dramaturgia e cujo
autor de romances com raízes no século 19
dramaturgia das cores de Yella? Por exem-
documentário Nicht ohne Risiko [Não sem ris-
— e Harun é mais James Joyce ou Wolfgang
plo, o uso de vermelho chama atenção...
co], sobre sociedades de capital de risco, é
Koeppen. Quando assisti a Nicht ohne Risiko
mencionado por você pela grande influência
eu sabia: Harun está mostrando um mundo
que teve em Yella?
que ainda não tem imagens, ele criou as primeiras imagens sobre esse mundo do capi-
do para isso. Não creio que possamos fazer filmes com uma psicologia de cor categóri-
CP: Certa vez, Harun afirmou que não queria
tal de risco, imagens que são absolutamente
ca. Fica muito transparente e o espectador é
pensar muito sobre nosso trabalho porque
contemporâneas e ainda não são ficção. Esse
usado apenas para testar se suas sensações
ele flui com muita facilidade — e ele tem ra-
mundo oferece, portanto, um espaço onde
são equivalentes. Inspirei-me em um filme
zão. Essa cooperação é realmente muito fácil,
Yella poderia irromper, um espaço que não
de Roger Corman, que também não tinha
com muitos diálogos. Por exemplo, eu lhe en-
havia ainda imaginado. Ela ainda não sabe o
uma dramaturgia de cor elaborada, mas há
vio algo que acabo de escrever, em forma de
que lhe espera.
um verniz vermelho que reaparece durante
crônica ou como fragmento de um diálogo,
todo o filme. Fiquei fascinado com o quanto
depois vou visitá-lo e nós sentamos ou vamos
FP: A Alemanha muitas vezes parece fantas-
a cor vermelha tem vida e ao mesmo tempo
caminhar e conversamos. Nessa conversa
magórica e irreal nos seus filmes. Alguns lo-
é um símbolo de morte. Por isso, eu queria
vamos desenvolvendo a trama, e muitas ve-
cais parecem destacados da história, como
que em Yella os carros e a blusa também
zes acabamos nos perdendo, como se diz na
os personagens da realidade. Um exemplo
levassem o vermelho a todo o filme. Isso
minha terra, a Renânia, em mil e um deta-
disso é o Potsdamer Platz, em Berlim, no
também faz Yella retornar sempre ao centro
lhes. Mas nós nos divertimos com essas idas
filme Fantasmas. Para você, a Alemanha é
da imagem. No início, quando retorna para
e vindas e quando eu chego em casa, à noite,
como um trem-fantasma?
Wittenberge, ela tira a blusa vermelha, pois
já estou preenchido de imagens ou narrati-
ali não quer ser centro das atenções, prefe-
vas, e volto a me aproximar da história.
re se esquivar. Mais tarde, depois de vestir
69
CP: Sim, de certa forma creio que sim. Já sentia isso quando jovem, sempre me per-
novamente a blusa vermelha, mostra que
E os ensaios cinematográficos de Harun já
guntava: O que todos aqui estão fazendo, que
está a caminho de uma nova vida, onde será
influenciaram muitos dos meus filmes. No
vidas estranhas eles levam!
o centro, onde poderá se autoafirmar — e
filme Toter Mann, por exemplo, usei suas pes-
torna-se ofensiva.
quisas de call center; no filme Beischlafdiebin
Como a maioria dos alemães, eu me criei em
usei seu filme sobre treinamento para re-
uma Alemanha temporária, toda fragmen-
FP: Como funciona o seu trabalho com Ha-
colocação profissional. Harun é muito mais
tada. Não cresci em Berlim, uma capital cul-
run Farocki, que colabora em todos os seus
moderno do que eu, pois sou basicamente
tural, um centro ou uma metrópole — mas
Yella
CP: Não tivemos um conceito muito elabora-
em uma cidade-dormitório, com grandes
gosto quando penso de repente Ah, já entendi!
também desconfiança e infâmia. O nome do
transformadores, uma lagoa perto da biblio-
Para mim, é importante ter muitas dúvidas.
próximo filme, portanto, será Jerichow e será
teca municipal, onde as pessoas se encon-
As respostas são apenas secundárias, quero
muito influenciado por Ossessione — uma
travam de noite para tomar uma cerveja e
desenvolver os meus pensamentos, quero fi-
história sobre um crime passional.
conversar. Essa Alemanha pequeno-burgue-
car mais ligada e conhecer mais sobre a per-
sa, fragmentada em sobradinhos e povoa-
sonagem e sua história. Quando tudo já está
dos, era inacreditavelmente provinciana.
claro, a personagem já não tem mais graça
Sempre me intrigou o significado de passar
para mim.
a juventude lá, buscar uma maneira própria de olhar o mundo e a vida, enquanto vive-
FP: Vocês já têm planos para um novo pro-
mos entre as estradas, esses movimentos de
jeto conjunto?
busca de um lugar para si. E isso certamente
70
se reflete nos meus personagens que estão
CP: Tive a ideia quando filmamos Yella em
sempre à procura. Filmes que prometem
Wittenberge. Estava procurando pontes,
certezas são entediantes.
das quais um carro poderia cair, e cheguei à região de Jerichow. No leste da Alemanha
Mostra encontro com o cinema alemão
FP: Nina, também no filme Hannah, de Eri-
existe aquela política de “faróis”, ou seja,
ca von Moeller, que estreia agora [na época
determinadas cidades ou regiões têm pro-
da entrevista, em 2007] nos cinemas, você
gresso econômico, mas, ao redor, tudo está
interpreta uma mulher com uma existência
abandonado. Assim que você sai de uma ci-
insegura. O que lhe intriga nesses papéis?
dade, tudo em volta é decadente. Foi o que senti naquela região. Tive a ideia de fazer
NH: Simplesmente me interesso por histó-
um filme sobre um grupo de pessoas que
rias cujos personagens carregam determi-
formam uma espécie de “farol social”, ou
nados conflitos dentro de si, personagens
seja, dois homens e uma mulher que têm
que batalham por algo ou sofrem uma ad-
uma relação amorosa e de trabalho — bem
versidade com que precisam aprender a li-
semelhante a Ossessione, de Visconti, um fil-
dar. São personagens que sempre guardam
me muito importante para mim. Ossessione
um segredo, pois inicialmente não têm no-
também trata de um casal ao qual se junta
Disponível em: http://www.filmportal.de/node/97377/
ção do que está acontecendo com ele. Não
uma terceira pessoa, o que gera desejos, mas
material/540421. Acesso em: 4 nov. 2013.
Fonte: Filmportal.de. (tradução nossa).
Bem-vindo à Alemanha Almanya — Willkommen in Deutschland
A confusão foi en-
2010 | 95 min
tão instalada. A partir do medo de viajar
Direção: Yasemin Samdereli Produção: Roxy Film/INFA Film/Concorde Roteiro: Nesrin Samdereli, Yasemin Samdereli
da
jovem
Canan
— que está grávida, mas os pais e os avós desconhecem
Câmera: Ngo the Chau
o fato —, episódios
Edição: Andrea Mertens
do passado se mis-
Bem-vindo à Alemanha é uma extraor-
Música: Gerd Baumann
turam ao presente, contados pela própria
dinária contribuição ao atual debate so-
Elenco: Vedat Erincin, Fahri Yardim, Lilay
Canan: como o avô fugira com a noiva,
bre a integração na Alemanha, realizado
Huser, Demet Gül, Rafael Koussouris e
como mais tarde partira para a Alemanha
por duas jovens mulheres que puderam
a fim de sustentar a esposa e os filhos,
incluir também na história suas experiên-
como posteriormente trouxera a família
cias pessoais. O filme fala sobre identida-
Em 1964, Hüseyin Yilmaz partiu da Ana-
e os problemas que tiveram de enfrentar
des que se transformam pouco a pouco,
tólia em direção à Alemanha na condição
ao chegar à Alemanha e como a famí-
sobre a complexa questão da pátria de
de trabalhador imigrante. Agora ele está
lia inteira passara pela primeira vez férias
cada um, que admite diferentes respos-
prestes a receber a cidadania alemã, mas
na Anatólia, quando sentiram os primei-
tas. “Somos turcos ou alemães?”, per-
não sabe se é isso o que realmente dese-
ros sinais de estranhamento. Durante a
gunta o pequeno Cenk, inseguro diante
ja. Inesperadamente, ele revela à mulher,
viagem de ônibus rumo à cidade natal,
da reação de seus colegas de escola —
aos filhos e aos netos que comprara uma
Hüseyin morre e começam discussões
e também irritado porque, no grande
casa em seu país de origem e espera que
que há muito já deveriam ter acontecido
mapa da Europa, em sua sala de aula,
todos estejam lá para ajudá-lo na reforma.
entre os familiares.
não existe a Anatólia.
Aylin Tezel
73
74
Esse filme, de extraordinária riqueza de
Biografia da diretora
Filmografia
emoções e temática, se distingue de
Mostra encontro com o cinema alemão
muitos trabalhos que giram em torno
Yasemin Samdereli nasceu em 1973, em
do mesmo assunto, sobretudo pelo seu
Dortmund, e estudou na Escola de Ensi-
tom: a diretora e sua coautora criaram
no Superior para Televisão e Cinema em
uma trama agradável, irônica, alegre e
Munique de 1993 a 2000. Trabalhou ao
calorosa, com grande afeição pelos per-
mesmo tempo como colaboradora au-
sonagens, às vezes sentimentais, bem-
tônoma para a Bavaria-Film, mais tarde
-humorados, muitas vezes irônicos, mas
também como assistente do diretor em
sem qualquer momento cínico e sem
produções de cinema internacionais, in-
acobertar problemas e conflitos.
cluindo dois filmes da série Jackie Chan. Participou como coautora na série de tevê Türkisch für Anfänger [Turco para iniciantes]. Bem-vindo à Alemanha é seu lançamento no cinema.
2010 | Bem-vindo à Alemanha
A tradição multicultural não existe mais? A história das relações turco-alemãs nunca foi contada com tanta sensibilidade e ao mesmo tempo com tanto humor como nesse primeiro filme das irmãs Yasemin e Nesrin Samdereli. Por David Siems
Todos deviam fazer como Mesut Özil. O pequeno driblador turco-alemão que joga pelo Real Madrid tornou-se um novo exemplo de integração e entendimento entre os povos. Promovendo grande repercussão na mídia, a primeira-ministra alemã, no final do ano passado, parabenizou o jogador no vestiário. Essa encenação premeditada foi refutada algumas semanas mais tarde com a afirmação: “A tradição multicultural fracassou na Alemanha.” Será mesmo? As irmãs e diretoras Yasemin e Nesrin Samdereli contribuíram recentemente para o debate sobre integração.
No seu longa-metragem Bem-vindo à Alemanha, as duas turca-alemãs de Dortmund
optaram inicialmente por elementos estilís-
filme Solino, ainda narrava a situação da pri-
ticos conhecidos, mas ao mesmo tempo ori-
meira pizzaria italiana na região do Ruhr, o
ginais, e piadas que lembram uma comédia
presente filme apresenta a história do mi-
étnica com clichês e costumes ironicamente
lionésimo primeiro trabalhador estrangeiro
caricaturados. Quando Hüseyin (Vedat Erin-
(Fahri Yardim faz o papel do joven Hüseyin),
cin), após 45 anos vivendo na Alemanha, fi-
que veio de um vilarejo na Anatólia para um
nalmente adquire o direito a um passaporte
país “onde só há batata”. A barreira linguís-
alemão, ele sonha com um funcionário da
tica é retratada pelas irmãs Samdereli com
imigração, que lhe passa as condições para
um artifício, que é ao mesmo tempo uma
adquirir a nacionalidade alemã: tornar-se
reinterpretação: como no filme O grande di-
membro em um clube de tiro, comer carne
tador, de Charlie Chaplin, o jovem turco re-
de porco duas vezes por semana, assistir ao
cém-chegado percebe a língua alemã como
seriado policial Tatort todo domingo e viajar
uma fala incoerente, agressiva, cheia de
para Mallorca a cada dois anos no verão. Hü-
consoantes agressivas, que se suaviza cada
seyin, um velhinho bastante dinâmico, acor-
vez mais ao longo dos anos.
75
da suado; em seu pesadelo, sua esposa Fatma (Lilay Huser) trajava roupas tradicionais típi-
No mais, é maravilhoso ver as reflexões do
cas da Baviera e falava no dialeto bávaro.
filme sobre temas pessoais, como saudade,
Todavia, Bem-vindo à Alemanha não é somente um retrato das particularidades turco-alemãs, mas, em primeiro lugar, a história de uma família de imigrantes nos tempos do milagre econômico. Enquanto Fatih Akin, no
Bem-vindo à Alemanha
Crítica
76
identidade cultural ou a importância da família, sem parecer sentimental ou superficial. Bem-vindo à Alemanha está cheio de episódios e observações sobre a tradição multicultural em 2011 na Alemanha; mesmo assim, devemos resistir à tentação de
Mostra encontro com o cinema alemão
instrumentalizar o filme para fins políticos. Angela Merkel tem um pequeno papel, convidando alguns imigrantes selecionados para uma recepção no castelo Bellevue. E para falar da excelente qualidade do filme, é mais fácil citar um ditado suíço do que um alemão: “Chamamos trabalhadores, vieram pessoas”, disse o escritor Max Frisch. Fonte:EPDFilm,Frankfurt,n.5,2 May 2000(tradução nossa).
Entrevista Beta Cinema: Como vocês tiveram a ideia de fazer um filme como Bem-vindo à Alemanha?
BC: Até que ponto o filme é autobiográfico? Vocês incluíram experiências vividas por vocês? YS: Incluímos muitas coisas da nossa infância, por exemplo,
Yasemin Samdereli: Há muito tempo per-
nossa vontade de celebrar o Na-
cebemos que várias pessoas achavam mui-
tal. Para nós era uma tortura
to curioso quando lhes contávamos sobre
quando, todo ano, as crianças
nossa infância. Por exemplo, o fato de Nes-
alemãs nos mostravam com or-
rin sair como “Funkenmariechen” [perso-
gulho todos os seus presentes ou
BC: Vocês escreveram o roteiro juntas?
nagem tradicional do carnaval da Renânia],
nos contavam sobre as tradições natalinas,
Como funcionou essa colaboração? E como
frequentar uma escola primária católica e
com toda aquela comida maravilhosa etc.
se escreve 50 versões de um roteiro?
cantar com entusiasmo hinos católicos nas
Uma vez chegamos a forçar nossa mãe a
missas de quarta-feira. Eu tocava flauta em
preparar uma ceia de Natal — mas foi um
YS: Para falar a verdade, foi um processo
uma banda marcial e sempre soletrava meu
fracasso total.
muito longo e árduo de desenvolvimento e,
nome “Jasmin” até que o professor do tercei-
77
ro ano frustrou minha tentativa de mudan-
NS: Além do mais, não tínhamos nada que
tamente uma ou outra teria desistido. Agora
ça de nome e deixou bem claro que a grafia
se comparasse ao Natal. Lembro quando me
somos uma equipe muito boa, o que também
de meu nome era “Yasemin”.
perguntaram, no terceiro ano, se não havia
é consequência das 50 versões do roteiro! O
nenhuma data festiva comparável entre
trabalho em si funcionava da seguinte ma-
Nesrin Samdereli: E as pessoas ainda pen-
nós, os “maometanos”. Pensei rapidamente e
neira: primeiro estabelecíamos a sequência
sam que nós, turcos, não nos esforçamos o
— feliz por ter me lembrado de algo — men-
das cenas e então escrevíamos as cenas cada
suficiente para nos integrar!? Hoje em dia,
cionei a Festa do Sacrifício, em que muitos
uma por si. Mais tarde revíamos as cenas
mais do que nunca, a imigração é um as-
carneiros são abatidos e sua carne é distri-
comparando-as entre nós. Mas nem sempre
sunto muito interessante. E Bem-vindo à Ale-
buída a parentes e vizinhos. As crianças ale-
escrevemos em equipe. Cada uma de nós
manha apresenta uma visão muito subjetiva
mãs me lançaram um olhar muito estranho
também tem os próprios projetos.
sobre o porquê de estarmos aqui, como tudo
após esse episódio e, com pena, alguns pais
começou e o que significa ser estrangeiro.
me deram presentes nas festividades de São
NS: E, graças a Deus, quando terminamos
Nicolau, no Natal.
a primeira versão do roteiro ainda não
Bem-vindo à Alemanha
se não estivéssemos juntas no projeto, cer-
tínhamos noção de quantas mais iríamos
NS: A questão do idioma foi realmente engra-
com a integração. Há debates acalorados
escrever! E o próprio fato de que em nenhum
çada. Parte da equipe era alemã e parte era tur-
sobre a evidente precariedade da cultura
momento pensamos em desistir e também
ca. Basicamente usamos o inglês como língua
Gastarbeiter, em que jovens agridem idosos
de que fomos capazes de nos motivar cons-
franca, assim nós duas falávamos turco com
alemães, cometem assassinatos por honra
tantemente para continuar a escrever nos
os turcos e alemão com os alemães, exceto
ou simplesmente apresentam um compor-
mostrou que essa história realmente tinha
nos casos em que havia tanto alemães quanto
tamento antissocial. O multiculturalismo
de ganhar o mundo.
turcos no set, quando então falávamos inglês.
parece estar morto, e o que chega às man-
Durante as filmagens na Alemanha, até usa-
chetes agora é, logicamente, tudo o que não
BC: Como foi filmar na Alemanha e na Tur-
mos um “idioma ininteligível” que ninguém
funciona. Bem-vindo à Alemanha nos lembra
quia?
além de mim e Yasemin entendia e causava
que naquela época os Gastarbeiter foram
confusão para turcos e alemães. Foi impressio-
convidados pelo governo alemão e deram
nante o fato de conseguirmos nos comunicar.
enormes contribuições à estabilidade eco-
YS: Filmar é sempre uma grande aventura.
nômica do país. Eles têm o direito de estar
Com Bem-vindo à Alemanha também tivemos
78
de enfrentar o grande desafio de gravar al-
BC: Como surgiu a ideia para o alemão ar-
aqui. Bem-vindo à Alemanha diz: “Estamos
gumas cenas históricas, tanto na Alemanha
tificial fictício?
aqui”, o que nos agrada.
quanto na Turquia. Foi uma tarefa bem difícil
Mostra encontro com o cinema alemão
sob muitos pontos de vista. Na verdade, não
YS: Em seu maravilhoso filme O grande di-
tivemos tempo suficiente para realizar a his-
tador, Charlie Chaplin — que admiro pro-
tória que queríamos contar. Financeiramente,
fundamente — usou um idioma fictício, um
o projeto como um todo foi um grande desa-
gibberish (idioma ininteligível), para carac-
fio. Tínhamos um elenco enorme e muitos
terizar Hinkel (Hitler). Utilizamos o mesmo
dias de filmagens com crianças. Essas já se-
recurso estilístico para transmitir aos es-
riam condições básicas muito difíceis. Acres-
pectadores alemães a mesma sensação de
cente-se a isso o fato de metade da história
estranheza e confusão causada por um novo
ocorrer nos anos 1960, quando não existiam
idioma em nossa família turca.
antenas parabólicas — ao passo que, hoje em dia, em Izmir (onde filmamos) há pelo menos
BC: O que vocês desejam para seu filme?
um bilhão delas. Tente convencer uma família turca louca por tevê a remover sua antena,
NS: No momento há uma grande discussão
Fonte: Material de divulgação da distribuidora Beta
mesmo que somente por alguns dias!
na Alemanha sobre como devemos lidar
Cinema, 2011.
A onda de imigração da década de 1960
Chamamos trabalhadores e vieram pessoas. — Max Frisch
Pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial, algumas empresas da República Federal da Alemanha começaram a reclamar da falta de trabalhadores. Os anos de guerra estavam entre as razões para tal reclamação, por terem causado desfalque significativo na população. O primeiro acordo de recrutamento foi concluído em meados da década de 1950. Limitou-se principalmente à concessão da permissão de entrada e trabalho na Alemanha Ocidental aos Gastarbeiter italianos. Em seguida, vieram trabalhadores da Espanha e da Grécia. Com base no acordo de recrutamento assinado entre a Alemanha Ocidental e a Turquia, homens e mulheres emigraram desse país para a Alemanha a partir de 1961, totalizando cerca de 826 mil Gastarbeiter. A Turquia tinha esperanças de que o acordo ajudasse
o governo a encontrar uma solução para
exames do estado de saúde e aptidão física,
os problemas econômicos e sociais. Por sua
aptidão profissional, leitura e escrita) ti-
vez, a Alemanha Ocidental tinha um enor-
nham a permissão de entrar e trabalhar no
me interesse nessa mão de obra “barata”,
país. A maioria dos trabalhadores turcos se
que, naquele momento, representava uma
instalou naquela época no distrito de Ruhr.
grande massa de trabalhadores em poten-
A população turca na Alemanha cresceu
cial, os quais ajudariam a reforçar o tão
continuamente devido a uma intensa po-
aclamado crescimento dos anos do “milagre
lítica de reunificação familiar e de casais
econômico”. Além disso, durante a Guerra
na Alemanha. Hoje, imigrantes da Turquia
Fria, as forças da Otan estavam firmemente
já estão em sua quarta geração na Alema-
decididas a estabilizar sua fronteira sudeste
nha. Segundo o Statistisches Bundesamt, um
com a estabilização da Turquia. A maioria
total de 6,7 milhões de estrangeiros viviam
dos trabalhadores que emigrou desse país
na Alemanha no fim de 2009. Entre eles os
era transportada em trens especiais de Is-
turcos constituem o maior grupo, com uma
tambul para a Alemanha Ocidental. Nos
população que alcança 1,66 milhão.
79
anos 1960, a viagem de trem para a Alemanha durava no mínimo 50 horas, cruzando a Grécia. A possibilidade de uma rota mais rápida, através da Bulgária, apresentou-se somente na década de 1970. Até o fim do recrutamento, em 1973, o número de estrangeiros na República Federal da Alemanha aumentou de cerca de 1 milhão para mais de 4 milhões. Entre 1961 e 1973, mais de 2,6 milhões de turcos se candidataram a postos de trabalho na Alemanha Ocidental. Todos que passassem no teste de qualificação imposto pelas autoridades alemãs (incluindo
Fonte: Material de divulgação da distribuidora Beta Cinema, 2011.
Bem-vindo à Alemanha
Histórico
Todos os outros
Contudo, eles só não conseguem fugir
Chris é o perdedor. Não obstante, atraídos
um do outro. Chris, um arquiteto pensa-
pelas suas diferenças, os dois têm afeição
tivo e idealista, está passando por uma
um pelo outro e, cada um à sua maneira,
fase de insegurança profissional e preci-
luta pela atenção e dedicação do outro.
Alle anderen
sa muito do apoio de sua namorada. Ele
2008 | 119 min
não se mostra empolgado em encontrar
Quando Chris descobre que foi eliminado
seu colega de faculdade Hans (Hans-Jo-
de um concurso de arquitetura em que ti-
chen Wagner), que também está passan-
nha grande esperança de ser escolhido,
Direção: Maren Ade Produção: Komplizen Film
do suas férias na ilha, e
Roteiro: Maren Ade
por quem, além disso,
Câmera: Bernhard Keller
não nutre muita sim-
Edição: Heike Parplies
patia, muito embora o
Elenco: Birgit Minichmayr, Lars Eidinger,
admire. Chris começa,
Hans-Jochen Wagner, Nicole Marischka e
então, a questionar a
Mira Partecke
81
própria masculinidade — aparentemente de
Todos os outros conta a história de Gitti
maneira bem-humora-
(Birgit Minichmayr) e Chris (Lars Eidinger),
da, mas, no seu íntimo,
um casal de muitas diferenças, com ida-
suas dúvidas são exis-
des no início da casa dos 30, que tenta
tenciais. Gitti, por outro
desfrutar suas férias isolando-se a dois na
lado, parece estar de bem com a vida e
fica totalmente desestabilizado. Ele es-
casa de veraneio dos pais de Chris, na Sar-
não dá muita atenção ao que os outros
conde o fato de Gitti e, assim, vai ficando
denha, aonde foram para fugir dos pro-
possam pensar a seu respeito. Seu humor
cada vez mais difícil corresponder à ex-
blemas não resolvidos em casa. Dentro da
pode mudar de uma hora para outra, mas
pectativa que sua alegre namorada havia
casa tudo é igual ao lar na Alemanha, por
é uma pessoa destemida e animada, que
nutrido para as férias.
isso os dois preferem passar horas na pis-
tem opinião formada sobre tudo. Volta e
cina, entregando-se a brincadeiras pue-
meia irrompem disputas de poder entre
Seu projeto de se tornar um arquiteto
ris e fugindo de vizinhos inconvenientes.
os dois, nas quais, na maioria das vezes,
livre e descomprometido parece ter fi-
Filmografia
cado bem distante. A perspectiva de ser contratado para um projeto na ilha — a
2009 | Todos os outros
reforma de um palacete de conhecidos
2003 | Melanie Pröschle und der Ernst des
dos seus pais — parece pesar-lhe mais
Lebens
do que alegrar. Gitti gostaria que Chris
2003 | Der Wald vor lauter Bäumen
não deixasse as coisas pesarem tanto e
2001 | Mein Beitrag zur deutschen Leitkultur
se libertasse de seus ideais tão dogmá-
2001 | Vegas
ticos. Ambos são tomados pela insegu-
2000 | Ebene 9
rança, quando ela confessa o amor que tem por ele e, ao mesmo tempo, manifesta seu temor de que outra mulher
Biografia da diretora
possa combinar melhor com ele. Chris
82
acalma a companheira e confessa que,
Maren Ade nasceu em 1976, em Karlsruhe.
de sua parte, muitas vezes teme não ser
Ainda jovem, dirigiu seus primeiros curtas,
suficientemente interessante para Gitti,
iniciando um curso na Escola Superior de
mas as coisas mudam de figura quando
Televisão e Cinema (HFF) em Munique, em
os vizinhos começam a estar presentes
1998. Seu filme de graduação e ao mesmo
demais na vida do casal.
tempo o primeiro filme de longametragem, Der Wald vor lauter Bäumen que es-
Mostra encontro com o cinema alemão
Inicialmente, a tentativa de Gitti em cor-
treou em 2003 no festival Hofer Filmtage.
responder ao desejo do companheiro parece um jogo, mas aos poucos passa a
Em 2007, Maren Ade fundou a produtora
ser uma luta silenciosa contra si mesma.
Komplizen Film. O segundo filme de lon-
Cada vez eles se distanciam mais do ca-
gametragem de Ade, Todos os outros,
sal que foram um dia.
estreou mundialmente na Berlinale de 2009 — sendo agraciado com o Urso de Prata de “Melhor direção” e de “Melhor atriz” (Birgit Minichmayr).
Crítica
tão sempre voltados apenas
Férias sob o signo da sinceridade: um casal diz quase tudo um ao outro
estão deitados, sentados, andando, em pé ou dançando. Não há cena em que não apareçam juntos, todo o espaço
Ele é arquiteto, ela profissional, ambos estão
está organizado de modo a
no início da casa dos trinta e passam férias
estabelecer uma relação en-
na Sardenha. Chris (Lars Eidinger) e Gitti
tre os dois corpos. Nas suas
(Birgit Minichmayr) mantêm um relaciona-
discussões, “os outros” a que
mento intenso que alterna paixão desenfre-
o título do filme faz referên-
Não é apenas o humor dos diálogos que ca-
ada, diversão infantil e grande seriedade.
cia, e que para Gitti e Chris representam a
racteriza Todos os outros. Quando compara-
Testam-se mutuamente como se fossem
normalidade alemã, estão sempre presentes.
do a Der Wald vor lauter Bäumen, é bem mais
adolescentes. Ao serem confrontados com
Nunca se entregam ao devaneio de poder
acessível apesar de concentrar-se sobre o
outro casal, seus conflitos acirram-se ao
existir, como par, desgarrado da sociedade.
sujeito com a mesma intensidade e ter um
longo do filme. Com muita maestria, Maren
83
elenco ainda mais reduzido. As imagens
Ade mostra os personagens de maneira tão
Maren Ade encena com simplicidade seu es-
em vídeo, duras e frias, de um ambiente
íntima, tão penetrante, que aos poucos vão
tudo sobre relacionamentos e concede a ne-
pequeno-burguês do sul da Alemanha ce-
se tornando insuportáveis. Incessantemen-
cessária liberdade a seus atores. O que se
dem lugar a cenas luminosas e quentes de
te derrama sal na ferida de um relaciona-
destaca é a atuação muito precisa de Birgit
um local de veraneio da alta classe média.
mento dramático. Do mesmo modo como
Minichmayr e Lars Eidinger, ora exaltando,
O foco sobre um casal ao menos permite ao
procedeu em seu filme de estreia Der Wald
ora timidamente dando vida a temas abstra-
espectador a possibilidade de alternar entre
vor lauter Bäumen [Floresta para as árvores],
tos, até mesmo estáticos. No tratamento dado
um e outro personagem. Ambos tornam-se
o enredo concentra-se sobre o sujeito e suas
dos costumes alemães, atitudes gerais de vida
antipáticos e insuportáveis alternadamente.
limitações de maneira muito contundente.
ou mesmo modelos de masculinidade, Ade elabora os problemas detalhadamente. As
Os diálogos são marcados por chavões e di-
Os conflitos são os de um casal que se vê e
brigas recebem um toque de humor, sem res-
versas formulações que soam conhecidas.
fala excessivamente. Durante suas férias, es-
tringir-se apenas à função de aliviar pelo riso.
Sua comicidade se deve ao fato de serem
Todos os outros
Por Frédéric Jaeger
um para o outro. Seja quando
mencionados, ora de maneira irônica, ora
recursos da narração ficcional, como, por
da jovem guarda da Escola de Berlim. Isso
despropositadamente, por um casal que, ao
exemplo, no relato de um sonho e sua inter-
não é muito perceptível em Todos os outros. Os
menos superficialmente, aparenta ser mo-
pretação, ou brincando com as expectativas
filmes de Hochhäusler (Falscher Bekenner [Cul-
derno, aberto e igualitário. Projetar motivos
do público no prólogo, quando até mesmo
pado], 2005), Grisebach (Sehnsucht [Saudade],
e anseios não declarados buscando uma
uma faca de cozinha convertida em arma é
2006) e Köhler (Montag kommen die Fenster [Ja-
verossimilhança incondicional movimenta
aproveitada.
nelas na segunda-feira], 2006), principalmen-
o casal durante toda a trama. Mas essa ne-
te as tomadas panorâmicas, transmitem um
cessidade, que tem longa tradição no cine-
Por isso, surpreende um pouco quando lemos,
sopro de autenticidade no acesso do espec-
ma e na filosofia alemãs, não é aplicada por
nos créditos finais, que Ade convidou Valeska
tador à ficção que se descortina a sua fren-
Ade como medida universal. Ao contrário,
Grisebach, Christoph Hochhäusler e Ulrich
te. Frequentemente requer toda uma cena
a diretora aposta muito no uso certeiro de
Köhler para assessorá-la, os representantes
até que essa impressão se consolide. Em Ade predominam as tomadas de meia distância, eficazmente montadas e que aceleram a tra-
84
ma. Uma estratégia usada principalmente nos filmes para tevê para focar em movimentos de personagens e as relações entre eles, por exemplo. As concepções estéticas nada coincidentes entre os cineastas mencionados convergem no grande êxito de Ade ao fazer
Mostra encontro com o cinema alemão
com que as situações evoluam lentamente, o que gera e mantém no espectador uma silenciosa sensação de desconforto.
Fonte: ALLE Anderen. 14 Feb. 2009 (tradução nossa). Disponível em: http://www.critic.de/film/alleanderen-1538. Acesso em: 4 nov. 2013.
O que permanece Was bleibt
Porém, durante um jantar, Gitte faz um
floresta e grita inutilmente pelo nome da
2012 | 88 min
pequeno discurso que, em princípio,
desaparecida. Como que saída do nada,
deveria alegrar a todos os presentes:
Gitte aparece e pergunta com uma tran-
ela recebeu alta e parou de tomar seus
quilidade quase zombeteira: “Por que
medicamentos. A família reage com sur-
esse barulho todo?” Na manhã seguinte,
presa, estranheza e desconfiança, pois
a polícia encontra Marko — mas não há
todos temem novos problemas. Obvia-
vestígios da mulher desaparecida.
Direção: Hans-Christian Schmid Produção: 23/5 Filmproduktion/SWR/WDR/ Arte Deutschland Roteiro: Bernd Lange Câmera: Bogumil Godfrejow
mente, os psicotrópicos que mantiveram
Edição: Hansjörg Weißbrich
Gitte sedada por um longo período era
No cinema alemão, somente poucos
Música: The Notwist
uma solução cômoda para todos. Mas
diretores têm uma sensibilidade seme-
Elenco: Corinna Harfouch, Lars Eidinger,
somente Marko, cansado da notória hi-
lhante à de Hans-Christian Schmid. Cada
Ernst Stötzner, Sebastian Zimmler, Egon
pocrisia, revela à mãe seus
Merten e Picco von Groote
problemas matrimoniais. Na manhã seguinte ao jantar,
Marko e sua esposa estão separados e
Gitte desaparece. Günter,
têm um filho, Zowie, mas a avó do menino
Marko e Jakob encontram
não pode saber disso e de outras situações
seu carro vazio em um es-
complicadas envolvendo membros da fa-
tacionamento na floresta.
mília. A ilusão da família intacta deve ser mantida, principalmente, por causa da avó
A busca dos três homens é
Gitte. A verdade poderia afetar a mulher,
tão malsucedida quanto a
que já sofre de depressão há muitos anos.
grande ação policial realiza-
Jakob, o irmão de Marko, e o avô Günter
da no dia seguinte. À noite,
têm a mesma opinião.
Marko vai mais uma vez à
87
Filmografia
detalhe é importante. Quando Marko sai sozinho à noite para procurar pela mãe
1989 | Sekt Oder Selters
na floresta (em um local de contos de
1990 | Das Lachende Gewitter
fadas, mas também perigoso) ele grita
1991 | Baron Münchhausen
primeiro: “Gitte” (como todos chamavam
1992 | Die Mechanik Des Wunders
a velha senhora), mas então, inesperada-
1994 | Himmel Und Hölle
mente, ele passa a gritar: “mamãe”. Em
1995 | Nach Fünf Im Urwald
quase todo o filme, o diretor trata de mo-
1998 | 23
mentos nos quais as pessoas deixam o
2000 | Crazy
pretenso solo seguro da realidade e mer-
2003 | Lichter
gulham em outro mundo menos tangível
2004 | Requiem
— apesar de todos os seus esforços para
2007 | Die Wundersame Welt Der Waschkraft
encontrar um lugar seguro na vida.
88
2009 | Sturm 2012 | O que permanece
Biografia do diretor
Mostra encontro com o cinema alemão
Hans-Christian Schmid nasceu em 1965,
fez seu primeiro filme: Sekt Oder Selters
em Altötting, um local de peregrinação
[Champanhe ou água de Seltz], que foi
na Baviera. Ele cursou cinema na Escola
agraciado com o prêmio de melhor filme
de Cinema e Televisão de Munique. Foi
independente no Festival de Osnabrück,
bolsista da Drehbuchwerkstatt München
na Alemanha. O sucesso veio com o fil-
(Oficina de Roteiro Cinematográfico de
me Nach Fünf im Urwald [Na floresta,
Munique), participou de seminários do
depois das cinco]. Pelo roteiro de Nur für
autor Frank Daniel e, em um programa
Eine Nacht [Só por uma noite] Schmid
do Serviço Alemão de Intercâmbio Aca-
obteve, juntamente com seu coautor
dêmico, concluiu seus estudos em rotei-
Michael Gutmann, o prêmio RTL de
ro para cinema na University of Southern
TV — Leão de Ouro 1997 — e o prêmio
California, em Los Angeles. Em 1989,
Adolf-Grimme.
Crítica Após o emocionante psicodrama Requiem e o thriller político Sturm, Hans-Christian Schmid apresenta um filme de pouca duração e silencioso, que mostra o microcosmo de uma família burguesa
mentiras. O patriarca Günter (interpretado
Corinna Harfouch não há o mínimo indício
por Ernst Stötzner, a grande revelação desse
de uma doença mental, ela interpreta Gitte
filme) relata para a família sua saída de uma
como personagem perfeitamente “normal”.
editora, aparentemente bem-sucedida, para se dedicar a um projeto literário. Dinheiro não
Boa parte do filme se passa na casa dos pa-
é problema nessa família, como se pode notar
triarcas, com suas enormes paredes de vi-
pela casa, que provavelmente no momento de
dro, repleta de experiências de sentimentos
sua construção nos anos 1970 foi considerada
e culpa. Hans-Christian Schmid encenou
uma obra de arte da arquitetura, tal qual a
essa family piece com precisão e planejamen-
sua decoração interna. Günter é uma pessoa
to magistral (roteiro de Bernd Lange, que
ativa, um centro de gravidade secreto nesse
também escreveu os roteiros para Requiem
Marko Heidtmeier (Lars Eidinger) mora em
filme, homem da geração que provavelmente
e Sturm); ele não explica muito, mas perce-
Berlim e se encontra com a sua ex-esposa
conheceu o movimento estudantil e mesmo
bemos que o passado influencia constante-
Tine, com quem ele tem um filho, Zowie
assim optou pela burguesia.
mente o presente.
a falta de pontualidade do ex-marido, per-
Todavia, durante o jantar, Gitte (Corinna
Na cena central desse filme, interpretada com
cebemos a tensão existente nesse relacio-
Harfouch) lhe rouba a cena. Ela também
maestria, mas com efeito bastante simples,
namento. Marko leva Zowie para a casa de
tem um motivo para comemorar,
seus pais com o intuito de ser um “pai diver-
ao dizer que alguns meses atrás
tido por 48 horas”, como ele mesmo diz. A
deixou de tomar os remédios
casa fica em na região entre Bonn e Colônia.
contra a depressão; agora estava
Marko trabalha como escritor e com seus
bem e uma taça de vinho tam-
trinta e poucos anos ainda não tem muita
bém não lhe faria mal nenhum.
certeza do que quer da vida.
Gitte é a principal vítima dessa
Por Rudolf Worschech
(Egon Merten). Em suas acusações sobre
família e também se tornará o O que parece um prelúdio já é uma introdu-
catalizador para a sua destrui-
ção casual ao tema desse filme: a ruptura
ção. Pois a ilusão que a casa su-
dessa família ocasionada por uma vida de
gere é frágil. Na interpretação de
89
Marko está sentado ao piano tocando algu-
xima de uma catástrofe: Gitte desaparece,
mas peças, até tocar a canção de Charles
seu carro é encontrado na margem da flo-
Aznavour em alemão Du lässt Dich geh’n (Tu
resta. O filme não chega a mostrar o que
t’ laisses aller, no original francês), que Git-
aconteceu com ela. Talvez ela tenha acorda-
te imediatamente canta junto. A letra des-
do de sua anestesia e queira simplesmente
sa música, que inclusive Godard já usou em
decidir sobre a própria vida.
Uma mulher é uma mulher, já diz tudo (“Há semanas vivo ao seu lado e não sinto nada
Hans-Christian Schmid lança um olhar
ao meu lado”). Até Günter, o grande macho
cético sobre a instância família. Depois da
alfa, canta junto: na verdade, uma emocio-
saída da mãe, tudo aparentemente se encai-
nante cena que já aponta, sem muito alarde,
xa. Aqui está implícito que para a liberação
para os problemas familiares.
é necessária a destruição desse caldeirão de sentimentos, temores e culpa.
90
Quando o irmão Jakob, que mora nas redondezas, passa na frente da casa dos pais correndo, ele encontra a casa aberta, apesar de sua mãe estar em casa: outra indicação de que a proteção e a segurança da família já não existem mais. Jakob é o mais burguês
Mostra encontro com o cinema alemão
dos irmãos: é dentista, mas sofre mais do que o irmão mais velho com a influência do pai, que financiou o consultório e tenta ajudar quando descobre que a clínica foi à falência.
Os relacionamentos, a dinâmica e os rituais em uma família nunca mudarão, consta na legenda do filme. É necessária uma cisão. E, assim, esse filme pouco dramático se apro-
Fonte: EPD Film, Frankfurt (tradução nossa). Disponível em: http://www.epd-film.de/ 33184_90957. php. Acesso em: 4 nov. 2013.
Volta para a família
nossos pais vivem no sul ou no sudoeste da
sobre a travessia da fronteira, sobre o rio,
Alemanha. Os fins de semana em casa são
sobre as duas cidades. Mas não contamos
complicados, não somente na nossa família,
histórias verdadeiras, muita coisa é inven-
mas para muitos de nossos amigos.
tada. O produto final não é um filme que consiste de pesquisas. Inicialmente conver-
Depois de um thriller político internacional, o diretor Hans-Christian Schmid voltou
KK: Como os seus pais reagiram a esse fil-
samos muito sobre o que já sabemos no nos-
para a família. Uma conversa com o cineas-
me? Isso foi complicado para você?
so círculo de amigos e conhecidos. Trata-se de coisas mais íntimas. Bernd anotou tudo
ta sobre seu novo filme. HS: Não. Minha mãe já morreu, mas meu
e trabalhou com sua intuição. Ao contrário
pai sabe que eu não enceno a história da
de Sturm, para o qual fizemos pesquisas an-
Kirsten Kieninger: Em sua opinião, qual é a
nossa família. Ele sempre lê os roteiros e sua
tes de escrever e tínhamos consciência de
questão central de O que permanece?
avaliação é importante para mim. E mesmo
ter de viajar para Haia, para Sarajevo, para
no filme Nach Fünf im Urwald [Na floresta,
Banja Luka e fazer entrevistas.
Kirsten Kieninger
Hans-Christian Schmid: A questão mais
depois das cinco] — que já tem quase duas
importante para mim é que os membros da
décadas — eles poderiam ter perguntado:
KK: Após o seu último filme Sturm, que
família pararam de conversar e de ser ho-
“Essa história se passa em Altötting e Mu-
aborda conteúdos complexos sobre o Tri-
nestos. Trata-se de verdades e mentiras e do
nique, esses pais somos nós?” Mas sempre
bunal de Crimes de Guerra das Nações
fato de os personagens terem se acomodado
houve uma combinação de diversos aspec-
Unidas, O que permanece parece um retorno
por muito tempo nesses papéis. Para mim, o
tos. A família no filme Nach Fünf im Urwald
para a vida particular. E o sistema familiar
mais importante é perceber o que acontece
se parece com uns quatro pais ou mães que
também não é fácil de descrever, não é?
quando uma ou duas pessoas da família —
eu conheço.
primeiramente Gitte, depois também Marko — dizem: “Não, vamos tentar mudar.” KK: Bernd Lange escreveu o roteiro, mas
HS: O que podemos falar sobre a família tem KK: Os seus filmes anteriores também se
obviamente lá suas complexidades. A dife-
destacam por uma excelente pesquisa.
rença para nós foi que os personagens e os
Como você “pesquisa” a família?
locais de filmagem estavam bastante res-
você certamente teve pontos em comum na sua biografia: mudança para Berlim...
91
tritos. Portanto, tivemos mais tempo para HS: Muitas vezes os filmes também aparen-
criar profundidade nos respectivos persona-
tam ser muito bem pesquisados. Em Lichter
gens. Em Sturm havia complicadas explica-
HS: Sim. Sou 10 anos mais velho que Bernd,
[Luzes], por exemplo, fizemos pesquisas e
ções iniciais: Como fica a questão do direito
mas claro, nós dois vivemos em Berlim,
descobrimos muitas coisas interessantes
internacional, como foi a Guerra dos Bálcãs?
O que permanece
Entrevista
Isso estava tão destacado no plano da narra-
KK: A ação de O que permanece concentra a
HS: É bem isso que você descreveu. Marko
ção que ficou difícil retratar os personagens
sua dramaturgia em um fim de semana.
é o único que leva Gitte a sério quando diz:
como nós queríamos. No fim, tivemos qua-
No desenvolvimento do conteúdo, esse ca-
“Não Günther, você não vai sair para o ter-
se um esboço diferente: o objetivo foi criar
minho para narrar a temática estava claro
raço com Jakob, isso é infantil, agora eu vou
uma estrutura de condições bem simples e
desde início?
contar o que acontece.” Ao escrever, tivemos
depois falar mais sobre os personagens.
92
a sensação de que ele mereceu isso: esse HS: Isso foi realmente estranho. Já no pri-
momento de encontrar mais uma vez a mãe,
KK: Como é o trabalho com Bernd Lange,
meiro esboço de Bernd — na época 20 a 30
aquele gesto entre mãe e filho — ele coloca
com quem você também escreveu os rotei-
páginas — tudo estava lá. Inclusive a cena
a cabeça em seu colo. Acho que isso ajuda, a
ros para Requiem e Sturm?
com Gitte na floresta. Isso é incomum, nor-
possibilidade de lembrar-se desse encontro
malmente há muito mais mudanças entre o
mais uma vez. Mais tarde, quando no Natal
HS: Para os filmes O que permanece e Re-
primeiro esboço e a quarta ou quinta ver-
ele diz a Zowie, “Acho que a vovó está bem”,
quiem, ele escreveu o roteiro. Para Sturm,
são do livro. Nesse caso, foram somente de-
acredito que isso se baseia nesse encontro
elaboramos o roteiro juntos. Quando um li-
talhes, os pontos principais e a inversão da
alucinado.
vro é escrito em conjunto, a troca de ideias
história já estavam prontos. Dessa vez ele
é mais intensa: algumas semanas nós con-
escreveu o roteiro sozinho, em pouco tem-
KK: Como lhe ocorreu a música Du läßt dich
versamos — e não se trata tanto de uma
po, pois o conteúdo é de certa forma muito
gehen? A cena é realmente sensacional, im-
atividade analítica, mas simplesmente de
íntimo. Muitas coisas não podem ser discu-
penetrável, ao mesmo tempo alegre e amar-
lançar ideias a esmo. Quando essa fase é
tidas, elas acontecem intuitivamente.
ga. Ela estava no roteiro desde o início?
agora uma parte da história, eu tenho uma
KK: Durante longos períodos, o filme funcio-
HS: Não, essa cena tem uma longa história.
boa ideia em como pode ser realizada. De-
na como uma peça de câmara, onde o sistema
Na primeira versão havia outra cena em que
pois, o outro escreve outra parte da histó-
família é observado. Por isso, a cena notur-
Marko conversa com Ella e depois ele dor-
ria. Antes fazemos uma agenda conjunta:
na com Marko na floresta surpreende ainda
me no sofá da sala e ela no quarto dele, uma
afixamos cartões em um painel e cada um
mais. Aqui, o filme entra em um mundo de
cena na qual os dois juntos ouvem músicas
leva uma pilha de cartões e depois escreve-
sentimentos e descreve a saudade infantil do
antigas, uma deslas foi That’s all, do Genesis.
mos. Em algum momento, depois de uma
aconchego: uma mãe que está sempre dispo-
Até pouco antes da Berlinale o nome do filme
ou duas semanas, trocamos o material e
nível para nós — um sonho do qual teremos
ainda era That’s all. Mas essa cena foi corta-
depois voltamos a discutir. E assim conti-
de nos despedir para ficarmos adultos? Qual
da. Agora que há a música de Aznavour, o ro-
nua, até a versão final.
é o significado dessa cena para você?
teiro previa uma cena na qual Marko, Jakob
concluída, um de nós dois diz: eu escrevo Mostra encontro com o cinema alemão
e Zowie juntos apresentavam uma peça e Marko mostrava um espelho para Gitte. A música prevista era Mother’s Little Helper, fazendo uma referência crítica ao consumo de medicamentos de Gitte. Mas isso me pareceu errado, pois Jakob naquele momento já não estava mais a fim de apresentar uma peça. Por isso, acabamos abandonando essa ideia.
Ao mesmo tempo tínhamos um entendimento: uma canção que não exige muito preparo, que somente o Marko toca, mas que todos ainda a conhecem de antigamente, essa seria uma opção. E teria grande importância, pois assim percebemos que Gitte e Günther
É um subgênero que é recorrente: o olhar
filme Todos os outros e logo cedo tivemos a
de fato foi um casal bem legal. E de repente,
para as famílias com um bisturi na mão.
sensação de que poderia funcionar muito
Bernd teve a ideia.
Muitas vezes me perguntam: “Bem, mas é
bem com Lars. Tudo foi incluído mais tarde,
semelhante ao filme Das Fest [A festa] de Vin-
a família se constituiu lentamente: Quem
KK: O filme Die Besucher [Os visitantes], de
terberg?” E ai eu penso: “Não! A semelhança
poderia ser o pai ou a mãe de alguém como
Constanze Knoche, exibido no festival de
é somente a narração sobre uma família em
Lars? Quem poderia ser o irmão? Irmãos são
filme em Munique, narra uma história de
curto espaço de tempo e em um local.” Mas
sempre parecidos, geralmente parecidos ou
família semelhante, mas que mostra exata-
há mesmo muitos filmes com esse tema.
raramente parecidos.
filhos em Berlim e os conflitos aparecem.
KK: Durante o desenvolvimento do roteiro,
KK: Você ensaiou com o elenco antes das
Você conhece esse filme?
você já tinha o elenco na cabeça?
filmagens? Recebeu algum input dos atores?
HS: Não, mas é parecido com um filme que
HS: Já bem no início, Bernd disse: “Lars Ei-
HS: Normalmente, semanas antes do iní-
eu vi anos atrás: Pieces of april, um filme in-
dinger é legal! Acabei de vê-lo no papel de
cio das filmagens, eu discuto o roteiro in-
dependente norte-americano, no qual tam-
Hamlet no Schaubühne, vá lá ver, ele seria
cansavelmente com os atores. Cada um se
bém os pais visitam a filha...
perfeito como Marko.” Já conhecia Lars do
concentra no próprio papel, e muitas vezes
93
O que permanece
mente o contrário: os pais visitam os seus
KK: O que acontece em O que permanece é
údo. Muitas vezes acontece que algum con-
pouco espetacular comparado com outros
teúdo chega a mim de modo completamente
filmes, mas é narrado com alta credibili-
inesperado. Sturm é um exemplo disso. Nun-
dade e proximidade. Com a sua formação
ca pensei que em algum momento faria um
como cineasta de documentários você tem
filme sobre o tribunal de crimes de guerra
outra visão das coisas, mesmo nos longas-
em Haia, até que em determinada ocasião
metragens?
recebemos um artigo sobre uma autora de lá. Achamos isso interessante e como está-
94
recebemos sugestões interessantes, detalhes referentes aos diálogos ou que deixam os personagens um pouco mais vivos. Isso é incluído na última versão do roteiro. Mas, dessa vez, não foi possível, pois todos tinham outras obrigações em teatros ou
Mostra encontro com o cinema alemão
outras filmagens. Só tivemos uma leitura conjunta à tarde e depois somente reuniões a dois. Mesmo assim, espero que tenha sido suficiente. Não saberia avaliar onde teríamos chegado se tivéssemos tido mais tempo. Mas depois de duas, três semanas no set de filmagens eu tive a sensação: “Bem, agora já parecemos uma família!”
HS: Acredito que sim, é uma ajuda quando
vamos procurando um conteúdo, acabamos
se tem experiência com documentários. Mas
conversando com essa mulher. E, de repen-
não é obrigatório. É também simplesmen-
te, pensamos: Esse é um personagem para um
te um gosto individual que se desenvolveu
filme! Veja bem, tudo isso é pouco planejado.
com os anos. Os meus primeiros longas-
Ao mesmo tempo podemos também des-
-metragens de ficção ainda são muito mais
cobrir, em um filme como Sturm, que trata
construídos. Com o tempo eu me libertei
aparentemente de direito internacional e
um pouco. Agora já sabemos esconder bem
guerra, que também há um desenvolvimen-
melhor a estrutura da história e o especta-
to interno do personagem principal. Aqui se
dor não tem a sensação de estar assistindo a
trata de integridade, idealismo. É algo que
um enredo construído. A vista dos detalhes,
eu, por exemplo, também reconheço na fi-
essa visão bem detalhista para os fatos es-
gura de Karl Koch em 23. E O que permane-
peciais no dia a dia, isso para mim é impor-
ce é uma história de família, assim como
tante. Se o cinema não fizer isso, quem fará?
Requiem. Ao mesmo tempo, a personagem de Sandra Hüller em Requiem, que é jovem,
KK: Os temas dos seus filmes são muito
pretende conquistar o mundo e desenvolve
distintos. Quais são os seus critérios para a
uma psicose, situação que por sua vez tem
seleção de conteúdos e temas? Você vê um
semelhança com Karl Koch...
desenho, uma continuidade? KK: Você sabe encenar histórias de maneiHS: Somente na retrospectiva. Não existe
ra autêntica que se passam em determina-
plano mestre em relação à seleção do conte-
das épocas (Requiem, nos anos 1970; 23, nos
anos 1980). Você conseguiria também ima-
o roteiro é bom, isso é mais da metade do
editar enquanto eu não me sento ao seu
ginar retornar ainda mais para o passado?
caminho andado, é muito raro o filme fra-
lado. Mas temos um processo de descarte
cassar completamente. Pessoalmente, gos-
muito exato. Ele mantém anotações minhas
HS: Na verdade, não. Em primeiro lugar estou
to da fase das filmagens: de repente, o que
para cada cena e cada tomada. No final há
interessado no presente. Mas, se de repente
você anotou durante um ano, cria vida. Ao
umas 30 a 40 páginas cheias de anotações.
surgir um tema histórico, que me fascine
mesmo tempo, é uma fase muito cansativa.
Por exemplo: cena 14, tomada 4/1, esse é um
muito, não vou afirmar que seria impossí-
E depois de todo esse cansaço, acho que eu
momento ótimo. Anoto tudo para não me
vel fazer o filme. Mas assim, por iniciativa
também gosto muito da edição. O filme está
perder no decorrer do longo processo de tra-
própria, nunca pensaria em dizer: “Segunda
praticamente pronto, todos os enredos es-
balho. E ele também faz isso enquanto olha
Guerra Mundial, eu também tenho que dizer
tão reunidos e posso me sentar calmamente
o material.
algo sobre isso.” Inclusive eu me preocuparia,
e pensar como a sequência será realizada e
pois quanto mais eu for para o passado, me-
estruturada.
KK: A edição já é realizada paralelamente às filmagens?
nos conheço o período. Dos anos 1970 ainda me lembro um pouco, lembranças de infân-
KK: Como é o seu papel de diretor duran-
cia. Inclusive todos os ambientes de Requiem
te a edição? Você gosta de ficar na sala de
HS: Sim, isso é muito importante. Especial-
eu conheço bem, eu mesmo cresci em um lo-
edição? Ou você diz para o editor, “vá fa-
mente em um filme como O que permanece,
cal de romaria. E Karl Koch, no filme 23, tem
zendo, depois eu dou uma olhada no que
em que estamos o tempo todo filmando um
exatamente a minha idade: um movimento
você fez”?
tema principal e podemos repetir cenas que
contra energia nuclear, o jornal de alunos,
95
tudo isso eu vivi e me ajuda quando tenho a
HS: E ele responderia: “Enlouqueceu? Você
sensação de conhecer.
acha que eu vou me sentar aqui sozinho e
KK: E o que você faz se, durante a edição,
fazer todo o trabalho?” Passo muito tempo
perceber que o filme está indo para uma
KK: Filmes são criados três vezes: ao es-
na sala de edição, mas não o tempo todo.
direção diferente do roteiro? Já houve ne-
crever, ao filmar e ao editar. Que fase você
Hans-Jörg Weißbrich e eu editamos desde
cessidade de uma reformulação completa?
gosta mais?
1995, somos uma equipe muito harmoniosa: fazemos uma reunião por dia, ele me mostra
HS: Nunca aconteceu de mudar completa-
HS: O mais chato de tudo é escrever. Mas
o que fez até o momento e discutimos como
mente a cronologia. Nesse quesito, a ficção é
é também a fase mais importante de to-
prosseguir. Depois eu aguardo ele entrar em
obviamente bem diferente do documentário,
das. Se o roteiro não estiver perfeito, fica
contato, assistimos juntos às novas cenas
pois é bem definida — e, na verdade, sempre
difícil corrigir isso mais tarde. Mas quando
editadas. Quase não acontece de Hansjörg
funcionou muito bem do jeito que está no ro-
O que permanece
não ficaram boas. E em parte já fizemos isso.
teiro. Os maiores experimentos fizemos em
das telas de cinema e que depois fizeram
um filme, e cogitamos se já não é hora de fa-
23, com voice-over e sequências de montagem.
grandes carreiras. Como você encontrou
zer isso. Mas não existe um projeto em vista
Mas os últimos filmes que fizemos estavam
tão cedo pessoas como Robert Stadlober,
no momento.
muito próximos do roteiro. Pode até aconte-
Tom Schilling, Julia Hummer ou Alice
cer de eliminarmos quatro ou cinco cenas,
Dwyer? Foi por meio de agências de elenco
quando percebemos que não precisamos
ou você mesmo os descobriu? Por exemplo,
delas. O mais provável é abolirmos deter-
a Sandra Hüller é uma “descoberta” sua?
minadas frases quando percebemos que as
96
informações não são necessárias. No mais, é
HS: Não. Pelo menos não foi somente mi-
somente o trabalho de retoque, que às vezes
nha, mas se a agente de elenco não tivesse
inclui palavras ou sílabas. Muitas vezes nem
me apresentado alguém como a Sandra, eu
imaginamos isso, sempre pensamos: “Nossa,
não poderia ter dito: “Sim, nós a queremos!”
esse elenco é ótimo.” Mas quando olhamos
Além disso, esse papel simplesmente combi-
a primeira versão editada vemos que nem
nou muito bem com ela. Mas o trabalho com
sempre todos são tão ótimos.
uma agência é um procedimento padrão. Para mim é completamente indiferente se alguma
KK: Nos seus filmes você muitas vezes utili-
pessoa trabalha em teatro há dez anos ou se
za atores que ainda não são tão conhecidos
acaba de se formar na escola de interpretação — nem um nem outro aspecto é decisivo. Simplesmente procuramos, juntos, o melhor elen-
Mostra encontro com o cinema alemão
co possível. E faz parte dos agentes saber se no terceiro ano da academia de atores Ernst-Busch, em Berlim, existe alguém que precisamos conhecer. Ou dizer: “Ali não adianta nem procurar, conheço todos, ninguém vai combinar.” KK: Você já tem um novo projeto em vista? Fonte: KIENINGER, Kirsten. Rückkehr zur Familie
HS: Temos diversos projetos na gaveta, que
(tradução nossa). Disponível em: http://www.schnitt.
nós revisamos sempre depois de concluir
de/233,7175,01.html. Acesso em: 4 nov. 2013.
98
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