No tempo mais que perfeito

Page 69

N o t e m p o m a i s q u e p e r f e i to

concentração no trabalho. Ainda assim, costumo passar horas para escrever uma só linha. Quando eu disse que precisava voltar para casa, pois havia deixado só minha mulher com o nosso primeiro filho, que tinha apenas dois anos, ele comentou: — Da entrevista, pouco falamos. Mas você a invente, escreva o que quiser, porque não tenho o hábito de desmentir o que dizem que falei. Se precisar esclarecer alguma coisa, telefone-me. Não houve a necessidade de esclarecer qualquer coisa, pois a entrevista acabou engavetada. O ator de cinema e teatro Robert Morley era outro caráter singular, absolutamente imune a vaidades, simples e divertido, Um gigante de corpo gordo, olhar arregalado, Morley foi, no cinema, o coadjuvante que dominou os papéis, colocando-se na mesma altura das estrelas do filme. Quando o entrevistei no escritório do agente que possuía em Londres, no bairro do Soho, ele começou me perguntando se tudo que havia lido sobre o que acontecia na América Latina dos militares era verdade. Morley declarava-se socialista convicto, mas com afeições claras por uma das liberalidades do capitalismo – o jogo. — Sou um jogador, adoro um cassino – disse, candidamente. Ao comentar que a imagem dele era vista periodicamente em filmes exibidos na televisão, sua reação foi cômica: — Essas televisões insistem em me lembrar aquilo que bem sei: sou um mau ator de cinema. Sei mesmo é de teatro... mas teatro ninguém está filmando... É, de teatro, sei alguma coisa. Personagem de cinema fascinante e diferente é Steve Frears. Eu o conheci quando “My beautiful launderette”, o filme que dirigiu, ganhou um prêmio no festival do Rio de Janeiro. Frears me recebeu no apartamento muito modesto em que vivia num bairro central de Londres. Com o filho bebê no colo, mantinha a mão direita ocupada na preparação de um café solúvel que me serviu numa caneca de alça trincada. “Filmar para mim tem de ser em estúdio, onde posso fazer o que bem quiser. Dias de chuva, de sol... Não gosto de cenas ao ar livre, porque são muito arriscadas”, foi o que me disse. Richard (Dick) Attenborough, o ator e diretor de cinema, que entrevistei na festa de lançamento de “Um Grito de Liberdade”, conta histórias magníficas sobre seus longos anos à frente ou atrás das câmeras, que lhe deram dois Oscars. Em 1977, ele reuniu um grupo bem grande de superestrelas, como Gene Hackman, Sean Connery, Dirk Bogarde, Robert Redford, Maximilian Schell, Michael Caine, Anthony Hopkins, Liv Ulmann e Elliott Gould para um filme épico sobre um gigantesco fracasso militar dos aliados, durante a Segunda Guerra, chamado “Uma Ponte Longe Demais”. Havia outro ator, mais renomado por seus trabalhos no palco, que despertava a atenção de todos os demais. Era o notável Laurence Olivier, que tinha uma pequena participação no filme. Mas todos queriam vê-lo, queriam aprender um pouco com Olivier e se reuniram em torno do cenário. Tudo pronto para rodar a cena, quando Olivier gritou para Attenborough:

67


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.