No tempo mais que perfeito

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Jader de Oliveira

nome do milagroso sacerdote holandês, se chamava Progresso. Algumas linhas começaram a ser desativadas em 1952, substituídas pelos ônibus elétricos. Os quatro primeiros circularam em 51, importados dos Estados Unidos. Jorge de Freitas, ex-vereador e ex-diretor do órgão que controlou os transportes públicos a partir de janeiro de 1959, o Departamento de Bondes e Ônibus (DBO), e autor de O Bonde em Minas Gerais, observa um requinte que caracterizava esse serviço: o DBO colocava à disposição dos motorneiros e condutores, nas instalações que ficavam na Avenida Olegário Maciel, uma barbearia, pois ninguém podia trabalhar com o cabelo grande e a barba por fazer. Eles subiam aos bondes impecavelmente uniformizados, com paletó, gravata e boné. Os bondes de Belo Horizonte cumpriram sua missão esplendidamente, durante 60 anos. O último circulou no dia 30 de junho de 1963. No Rio de Janeiro, as linhas cobriam a cidade inteira, transportando centenas de milhares de passageiros. Em 1948, no Almanaque do jornal Correio da Manhã, a Light, empresa concessionária dos serviços, publicou um sugestivo e inteligente anúncio, que realçava a importância do bonde para os cariocas: “A volta ao mundo por Cr$ 1.333,00. (Tal seria o preço de uma viagem ao redor do mundo, se os bondes da Light não parassem em Cascadura...). Sete quilômetros por 30 centavos. 18 quilômetros por 60 centavos. O bonde, a condução coletiva mais barata do mundo, assegura todos os dias o transporte de 1.600.000 cariocas. E, apesar dos seis anos de guerra e das dificuldades de renovar o material, é mantida a conservação de 1.200 carros e de 467 quilômetros de linha”. Quatrocentos e sessenta e sete quilômetros de linhas! Fantástico, pelo menos nove vezes mais do que tínhamos em Belo Horizonte, cuja população era incomparavelmente menor que a do Rio. O Rio, aliás, foi a segunda cidade do mundo a adotar o bonde como meio de transporte público. Isto aconteceu em 1856! A primeira, onde o veículo nasceu puxado a cavalos, foi Nova York, quatro anos antes. Em São Paulo, o bonde começou a circular em 1871 e foi também, durante a sua existência, o transporte essencial para a população. A sua pintura alaranjada levou o povo a chamá-los de camarões. Os bondes e os ônibus nos ensinavam, em versos fáceis de decorar, que o “belo tipo faceiro, que tínhamos ao nosso lado, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rum Creosotado”. Mas seriam versos de Manuel Bastos Tigre, como se propalou? Em julho de 2000, no jornal O Estado de São Paulo, Millor Fernandes revelou que o filho do poeta, Álvaro Ferraz, negava que o pai fosse capaz de cometer um atentado à língua, escrevendo “e entretanto”, como ele afirma que se lê a certa altura da sextilha, o que não é verdade. O verso diz: “E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite...”. Mesmo não havendo atentado algum, a informação encontrada no livro “Bastos Tigre, Eclética Trajetória”, levou Millor a concluir que o verdadeiro autor tenha sido o poeta e teatrólogo Ernesto de Souza, que era, simplesmente, o dono do Rum Creosotado. Isso foi confirmado pela atriz

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