Livro: TV Digital e Educação Básica. A TV como meio pedagógico. A escola como meio de comunicação

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TV Digital e Educação Básica: A televisão como meio pedagógico. A escola como meio de comunicação.

Organizadores: Heli Sabino de Oliveira Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa



TV Digital e Educação Básica: A televisão como meio pedagógico. A escola como meio de comunicação.

Heli Sabino de Oliveira Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa



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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA REITOR Ir. Jardelino Menegat

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PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Julio Cesar Lindemann

DIREÇÃO EDITORIAL Heli Sabino de Oliveira Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa

ASSESSOR DA REITORIA E DIRETOR DE STRICTO SENSU Ir. Lúcio Gomes Dantas ORGANIZADORES Heli Sabino de Oliveira Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa REVISÃO Thiago Pinheiro Heli Sabino de Oliveira Deisy Fernanda Feitosa Cirlene Cristina de Sousa

COMISSÃO EDITORIAL Alexandre Schirmer Kieling Ciro Inácio Marcondes Florence Marie Dravet Walesson Gomes Fernando Carlos Moura Regis Orlando Rasia

T968 TV digital e educação básica [recurso eletrônico] : a televisão como meio pedagógico : a escola como meio de comunicação / Heli Sabino de Oliveira, Cirlene Cristina de Sousa, Deisy Fernanda Feitosa (organizadores). – 1. ed. – Brasília : Universidade Católica de Brasília, 2019. Disponível em: <www.ucb.br>. ISBN 978-85-60485-90-1 1. Televisão digital - Aspectos sociais. 2. Educação de base. 3. Inclusão digital. I. Oliveira, Heli Sabino de. II. Sousa, Cirlene Cristina de. III. Feitosa, Deisy Fernanda. CDU 37:621.397.13 Ficha elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da Universidade Católica de Brasília (SIBI/UCB) Bibliotecárias Joanita Pereira Basto CRB1/2430 e Sara Mesquita Ribeiro CRB1/2814



Sumário

Prefácio .................................................................................................................................................. 9 3UyORJR $ 6HMD 'LJLWDO HP WHUULWyULRV HVFRODUHV SHUFXUVRV H WHOH UHÀH[}HV ............................. 15 Apresentação....................................................................................................................................... 17 Capítulo 1 - O poder das conexões: vidas, vozes, cotidianos e educação pela garantia do Direito à Comunicação Televisiva “nas” Minas Gerais (Deisy Fernanda Feitosa)....................................................................................................................27 Capítulo 2 - Televisão e vida social: mudanças do contemporâneo (Denise Figueiredo B. do Prdo)..........................................................................................................57 Capítulo 3 - Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital em foco: a televisão e suas potencialidades educativas (Heli Sabino de Oliveira) .....................................................................................................................79 Capítulo 4 - Olha pro cê VÊ! A TV digital vem aí, uai! (Cirlene Cristina de Sousa).............................................................................................................. .109 Capítulo 5 - Sem Bombril nem chuvisco, mas com “cheiro” de Master Chef: a migração para a TV digital a partir do olhar de crianças e professores dos anos iniciais (Cláudio Márcio Magalhães, Cláudia Chaves Fonseca, Carlos Renato da Silva, Carolina Aparecida de Sena e Otávio Pereira Camargos)............................................................. 135 Capítulo 6 - TV digital: um estudo sob a ótica dos estudantes e professores da Educação de Jovens e Adultos (Heli Sabino de Oliveira, Maria José Batista Pinto Flores e Analise de Jesus da Siva)..............................................................................................................173 Capítulo 7 - Televisão: discutindo futuro, passado e presente em sala de aula (Marcelo Guilherme de Oliveira Dias)..............................................................................................201 Capítulo 8 - Olhares televisivos da docência mineira (Cirlene Cristina de Sousa, Marcos Silva e Heli Sabino de Oliveira)...................................................217



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PREFÁCIO Televisão Digital Terrestre – tecnologia, comunicação, pedagogia*. Almir Almas1 1

Desde dezembro de 2007, quando a televisão aberta e terrestre do Brasil entra definitivamente na era digital, muitos aspectos televisivos sofreram substancial modificação, não apenas nos paradigmas tecnológicos, como também nos paradigmas de modelos de negócios e de produção de conteúdo. Isso implicou que, com as mudanças nas padronizações tecnológicas, viessem também mudanças na esfera da televisão como mídia e geradora de conteúdo audiovisual, na área das comunicações. Isto é, quando se fazem mudanças no sistema de televisão, em seu todo, mudam-se não apenas aspectos técnicos de padronização, mudam-se também aspectos do modelo de negócio e do universo dos diversos atores que compõem o sistema televisivo. Portanto, o sistema é o todo, maior que as partes que o compõem.

1. Professor associado e chefe do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão e pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em meios e processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Coordenador do grupo de pesquisa LabArteMídia (Laboratório de Arte, Mídia e Tecnologias Digitais) e do Obted (Observatório Brasileiro de Televisão Digital e Convergência Tecnológica). Doutor e mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Cineasta, videoartista, VJ e membro do Coletivo de Arte Cobaia. Vice-diretor de Cinema da SET (Sociedade Brasileira de Televisão). Autor do livro “Televisão digital terrestre: sistemas, padrões e modelos”. 9


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Essa questão de sistemas, modelos e padrões já foi tratada por mim, tanto em minha tese de doutoramento, quanto no livro que a sucede. E, sempre que possível, retomo essa questão em artigos, palestras e entrevistas. Vejo que é importante – ainda é – bater nesta tecla, uma vez que há – ainda – muita incorreção quando do uso desses termos, para falar da televisão digital. Ressalta-se também que para o grande público – e para os grandes conglomerados de mídia – televisão digital é quase sinônimo de televisão digital terrestre e aberta. Só quando se definiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, SBTVD – posteriormente, ISDB-Tb, a partir da publicação do Decreto 5.820, de 29 de junho de 2006, é que a televisão digital passa a fazer parte do jargão da grande imprensa. Antes, pouquíssimas publicações especializadas davam conta do que se passava no interior das associações profissionais de radiodifusão e de associações representantes dos radiodifusores, nas universidades, centros de pesquisas e nas empresas fabricantes de equipamentos (profissionais e para o consumo) e no governo federal. As mudanças, porém, não se deram, assim, de uma hora para outra. Aliás, não se dão, nunca se dão. As mudanças que se deram no meio televisivo nesses últimos 10 anos não foram mudanças disruptivas, no sentido de “matar” o que existe e sobre este construir algo novo. As mudanças se fizeram em transição suave, sem solavancos, como num contínuo, sem que as características do meio se perdessem. Isto é, muda-se o meio televisivo, mas, ao mesmo, este se mantém, num amálgama entre o que existe e o novo, sem que um substitua o outro. Nos últimos 12 anos, vivemos um período de transição em que a nova tecnologia digital de transmissão de sinal de televisão terrestre aberta vem, aos poucos, substituindo a velha tecnologia de transmissão analógica do sinal de televisão, como foi previsto no Decreto 5.820, da implantação da televisão digital no Brasil e nos demais decretos complementares posteriores. Embora o Decreto, naquele momento, previsse um período de dez anos, em que se viveria num ambiente de simulcasting, ou seja, simultaneamente transmissão do sinal de televisão em analógico e digital, vimos que esse período pode se estender até 2023, perfazendo um total de dezesseis anos. Isto porque as pequenas cidades no Brasil, que são em número muito grande, até este momento de 2019, ainda não tiverem seus sinais analógicos de televisão desligados. 10


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Desde 2016, vivemos no Brasil esse período, que é chamado de “switch off”, ou “desligamento”, em que o sinal analógico de transmissão de televisão aberta e terrestre é definitivamente e totalmente desligado e substituído pelo sinal digital de transmissão de televisão terrestre e aberta. À medida que se faz o desligamento do sinal analógico, o ciclo da digitalização se completa; e, após esse período, pode-se dizer que as mudanças no sistema, principalmente das padronizações tecnológicas no meio televisão, se efetivam. Ou seja, com essas mudanças, as características do meio televisivo sofrem mudanças. Se essa premissa é verdadeira no que se refere às questões tecnológicas e de padronizações, torna-se também verdadeira no que se refere às questões de comunicações e produção de conteúdo audiovisual. O livro que leitoras e leitores têm agora em mãos – TV Digital e Educação Básica: A televisão como meio pedagógico. A escola como meio de comunicação, organizado por Heli Sabino de Oliveira, Cirlene Cristina de Sousa e Deisy Fernanda Feitosa – nos leva a inferir que a premissa acima também se faz verdadeira em relação às questões das características pedagógicas do meio. Este livro nos chama a atenção a que se muito nos atemos aos aspectos do paradigma tecnológico da digitalização, não podemos nos furtar a atentar para as questões comunicacionais e pedagógicas desse meio. Como dito pelo engenheiro Antônio Carlos Martelletto, diretor-geral da EAD/Seja Digital, em texto neste livro, esta obra é uma abordagem documental de quando a região metropolitana de Belo Horizonte (composta de 39 cidades) realizou seu desligamento (switch off) e das ações conjuntas da parceria que a Seja Digital/EAD realizou com a Universidade Federal de Minas Gerais. Em função da parceria com a Universidade de Minas Gerais, questões pedagógicas foram incorporadas, e, dessa forma, o livro se propõe a pensar o meio televisão a partir do meio pedagógico, e a escola a partir da comunicação. Na verdade, este livro se inscreve numa chave mais ampla, uma vez que identifica nos dois objetivos específicos com os quais trabalha (a televisão e a educação básica) fatores da ordem dos artefatos culturais. Ou seja, a televisão e a educação básica possuem funções sociais específicas que as

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tornam, ao mesmo tempo, próximas e distantes. Embora de formas diferentes e em escalas distintas, a televisão e a educação básica mobilizam pessoas, criam nelas necessidades e as colocam frente a questões de ordem social. Em suma, para este livro, a televisão (a comunicação) cria para si uma dimensão pedagógica, e educação básica, uma dimensão educacional. Voltando ao processo do switch off (desligamento do sinal analógico de televisão), temos que este se inicia no Brasil em 2016 – e ainda está em andamento – e que é um marco histórico da televisão brasileira. Marco no sentido de que, nesse momento, cria-se e se estabelece uma política pública para a televisão digital brasileira em que o pedagógico e o comunicacional são também fontes formadoras do processo. As campanhas de Mobilização Social da Seja Digital, empresa criada para gerir o processo de desligamento, são provas das dimensões relatadas acima. O livro trata do processo acontecido em Belo Horizonte, Minas Gerais. Mas, as ferramentas colocadas em funcionamento nesse processo, nesse cluster, são frutos já dos trabalhos da Seja Digital em outras localidades, notadamente, nos clusters de Rio Verde (GO), Brasília (DF) e São Paulo (SP). Testadas inicialmente em Rio Verde/GO, as campanhas de Mobilização Social, o envolvimento das comunidades e das famílias, o envolvimento das escolas e a distribuição de kits técnicos, criam uma ferramenta social até então inédita. Essa ferramenta social é, então, entendida aqui como a base de uma política pública. Para a Seja Digital/EAD, a partir das demandas governamentais, todo o possível seria feito para que o direito à comunicação televisiva fosse assegurado e refletido. Ou seja, o ser humano, telespectador é também visto como parte dessa ferramenta social. O seu direito básico à comunicação e a receber o sinal de televisão deve ser respeitado. Mesmo os telespectadores de menor renda – inscritos nos programas sociais do governo, por exemplo – não podem ficar sem receber o sinal de televisão. Repetindo, entendo que a ferramenta social criada e colocada em implantação no processo de switch off (desligamento) é, sim, uma ferramenta de política pública, que pode ser replicável. Nesse sentido, interessa, neste livro, entender aspectos de uma política pública que se coloca frente às demandas do meio televisivo.

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Deisy Fernanda Feitosa, coorganizadora deste livro e autora do capítulo O poder das conexões: vidas, vozes, cotidianos e educação pela garantia do Direito à Comunicação Televisiva ‘nas’ Minas Gerais, esteve trabalhando para a Seja Digital/EAD nos clusters de Rio Verde (GO), Brasília (DF) e Belo Horizonte (MG). Deisy foi convidada para trabalhar na Seja Digital/ EAD, pois havia defendido seu doutoramento sobre o tema. Em sua tese, de 2015, a Dra. Deisy Fernanda já descreve o que viria a ser essa ferramenta social, a partir do envolvimento e da contribuição da população, da identificação dos atores sociais e seu engajamento e da valorização do lugar da televisão, enquanto dispositivo e artefato social e cultural. Deisy identifica em sua tese procedimentos levados a contento na Itália e na Inglaterra, quando do switch off naqueles países, e de como a população foi levada em consideração ao se realizar esse processo. E essa ferramenta social, que a Seja Digital/EAD aplicou, acabou sendo o melhor resultado do processo de desligamento (switch off) do sinal analógico de televisão. A partir dessa metodologia de Mobilização Social, pode-se notar que o meio televisão é meio pedagógico, e a pedagogia educacional básica é meio de comunicação.

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PRÓLOGO A SEJA DIGITAL EM TERRITÓRIOS ESCOLARES: PERCURSOS E (TELE)REFLEXÕES A Seja Digital tem a honra de apresentar o livro TV Digital e Educação Básica: a televisão como meio pedagógico. A escola como meio de comunicação. Trata-se de um relato documental das ações e pesquisas realizadas em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) durante o processo de migração do sinal analógico de televisão para o sinal digital na regional Belo Horizonte, um agrupamento composto por 39 cidades mineiras. Tudo começou quando nós, entidade responsável por operacionalizar e acelerar o processo de migração do sinal analógico da televisão no Brasil, entendemos que crianças e adolescentes poderiam se tornar disseminadores das informações sobre a mudança que estava acontecendo para incontáveis públicos, a começar pela própria família e a reverberar para vizinhos, amigos e parentes que levariam a mensagem a muitos outros lares. Sabíamos que o ambiente mais propício para provocar o engajamento desejado seria o território escolar, e o caminho obrigatoriamente passaria pelos educadores que exercem papel de referência e credibilidade sobre seus alunos. Por isso, decidimos investir em ações nas quais o professor pudesse conhecer efetivamente, e de forma didática, o significado dessa mudança tecnológica e como ela transformaria o ambiente escolar e familiar. Propusemos a elaboração da coleção Conexões Escolares com a TV Digital – material didático que procurou explorar o viés transdisciplinar 15


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do tema “televisão digital” – desenvolvida em parceria com acadêmicos e educadores do ensino básico. No dia a dia dessa experiência, entendemos como foi importante o processo de conscientização dos educadores sobre a sociedade em constante transformação e integração tecnológica. Pedagogicamente, podemos dizer que uma docência “televisiva” é uma docência viva, comprometida com a democratização da comunicação nos tempos atuais. O resultado pode ser acompanhado nas próximas páginas deste livro, em que se poderá conhecer olhares plurais para o tema. São testemunhos inquietos, esperançosos, incisivos, informativos, analíticos ou pedagógicos. São testemunhos que evidenciam e confirmam a relevância do papel da televisão no cotidiano brasileiro. E eis que, juntos, caminhamos para a jornada de, sim, sermos digitais. Boa leitura! Antônio Carlos Martelletto Diretor-Geral da EAD/Seja Digital

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APRESENTAÇÃO Caro leitor, este livro coloca em evidência dois objetos que possuem grande capilaridade na sociedade brasileira: a televisão e a educação básica. Cabe sublinhar, de saída, que ambas fazem parte do cotidiano de milhões de pessoas, influenciando diretamente seus hábitos, valores, costumes e visão de mundo. Todavia, cada qual, com linguagens, funções sociais e interesses próprios, buscam, de forma distinta, indagar os sujeitos em suas subjetividades. A televisão, compreendida aqui como artefato cultural, notabiliza-se por sua capacidade de interpelar, de forma sensorial, indivíduos, grupos e classes sociais. Suas palavras e imagens em movimentos despertam, não raro, sentimentos ambíguos: de um lado, é descrita por muitos como um importante veículo de comunicação, capaz de aproximar pessoas e lugares distantes, tornando o estranho e o exótico em algo familiar. Por outro lado, em virtude de sua capacidade de distanciar quem se encontra próximo (amigos, vizinhos e parentes), ela é vista frequentemente com desconfiança por alguns. O fato é que não há como negar sua “dimensão afetiva”, especialmente quando se tem em mente aquelas pessoas que se encontram solitárias, enfermas ou em seus afazeres domésticos diários. Tampouco, pode-se desprezar sua “dimensão comercial”, quando se toma como referência seu estímulo ao consumo, por meio de marketing, propaganda e merchandising. Nem mesmo se pode desconsiderar sua “dimensão de lazer e entretenimento”, principalmente quando se pensa nos programas de auditórios, em novelas e futebol. Por fim, não se pode deixar de valorizar sua “dimensão de informação e a cultura”, principalmente quando se tem por base os telejornais e documentários. Assim, a televisão é, antes de tudo, um veículo complexo, multidimensional, que não se enquadra em abordagens simplistas e reducionistas. A educação básica, por sua vez, busca, em suas diferentes etapas e em seus currículos formais, desenvolver a “formação integral” (cognitivo, afetivo, emocional, artístico, ético e estético) de crianças, adolescentes, jovens e 17


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adultos. Do ponto de vista “sociocultural”, seu enfoque incide, conforme determina a Constituição Federal, sobre as socializações de seus educandos, visando ao apreço à liberdade, ao respeito, às diferenças culturais e à valorização do patrimônio histórico cultural da sociedade brasileira. Do ponto de vista “cognitivo”, suas abordagens educativas, em cumprimento à legislação educacional2, são voltadas ao domínio pleno da leitura e da escrita, à realização de operações e cálculos matemáticos, ao domínio de habilidades e competências, que permite ao educando se situar no tempo e no espaço, bem como aos conhecimentos ligados às ciências da natureza e suas tecnologias. Do ponto vista “ético e estético”, a educação básica tem por finalidade a construção de sensibilidades artísticas e literárias, e valorização da diversidade cultural. Dessa forma, a educação básica integra um campo social (família, cultura, ciências e tecnologia), o que a torna uma atividade altamente sofisticada, abarcando múltiplas dimensões da vida social. Pode-se dizer, no entanto, que a distinção entre televisão e educação básica não se resume somente a esses aspectos. Conquanto a relevância da educação básica seja um consenso nacional, sua capacidade de atrair a atenção de seu público é bastante inferior quando comparada ao poder de sedução da televisão. Enquanto a televisão mobiliza múltiplas linguagens (fotografia, teatro, circo, cinema, literatura, dentre outras), a educação básica se assenta, na maioria das vezes, em leituras, principalmente de materiais didáticos, e na escrita, especialmente de textos escolares, em exercícios e avaliações. Cumpre destacar que a educação básica conta, geralmente, com poucos recursos didáticos pedagógicos para despertar a motivação do educando. Por seu turno, a televisão se vale de todos sentidos humanos para mobilizar a atenção do telespectador. Com efeito, isso implica, sem valorização de juízo, maniqueísmo e hierarquização, no reconhecimento de que a cultura televisiva é mais dinâmica e sedutora do que a cultura escolar. Tomaz Tadeu da Silva (2003), renomado pesquisador e escritor no campo educacional, chama-nos a atenção para o caráter pedagógico da televisão:

2. Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases Nacional). Duas observações importantes: a) As demais notas de rodapé estão inseridas no final deste livro e b) Embora não integrem ABNT, as linhas que demarcam as citações deste livro decorrem de escolhas estilísticas realizadas pelos organizadores deste material. 18


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Sem ter o objetivo explícito de ensinar, entretanto, é óbvio que elas ensinam alguma coisa, que transmitem uma variedade de formas de conhecimento que, embora não sejam reconhecidas como tais, são vitais na formação da identidade e da subjetividade (SILVA, 2003, p. 140).

O autor destaca que a programação televisiva possui, guardadas as devidas proporções, um currículo, isto é, uma proposta pedagógica que se assemelha, em grande parte, ao currículo escolar: O currículo e a pedagogia dessas formas culturais mais amplas diferem, entretanto, da pedagogia e do currículo escolares, num aspecto importante. Pelos imensos recursos econômicos e tecnológicos que mobilizam, por seus objetivos – em geral – comerciais, elas se apresentam, ao contrário do currículo acadêmico escolar, de uma forma sedutora e irresistível. Elas apelam para a emoção e a fantasia, para o sonho e a imaginação: elas mobilizam uma economia afetiva que p WDQWR PDLV H¿FD] TXDQWR PDLV p LQFRQVFLHQWH (SILVA, 2003, p. 140).

O fato é que a televisão também possui uma dimensão pedagógica, e a educação básica, uma dimensão comunicacional, nem sempre percebidas por quem atua nessas duas áreas, pensamento que endossa o título escolhido para esse livro: a televisão como meio pedagógico, e a educação básica como meio de comunicação. Tal compreensão, que procura reconhecer a influência recíproca, (in)direta e inegável, desses dois objetos de estudo, inspirou a realização de um conjunto de ações, no ano de 2017, com esse propósito. Referimo-nos aos trabalhos inovadores da Seja Digital – entidade criada a partir de um edital da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para acelerar o processo de migração do sinal analógico para o sinal digital de TV nas médias e grandes cidades brasileiras – em 39 cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte e suas adjacências. É importante destacar, no entanto, que o intuito da Seja Digital não era apenas o de contar com papel estratégico das escolas na mobilização da informação sobre as mudanças do sinal analógico para o digital, mas principalmente mobilizar estudantes, professores e comunidade escolar como um todo para que o direito à comunicação televisiva fosse assegurado e

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refletido. Para tanto, no primeiro semestre de 2017, a Seja Digital financiou a elaboração de uma coleção intitulada Conexões Escolares com a TV Digital, composta por quatro cadernos pedagógicos que abordam as potencialidades educativas da TV digital, com um enfoque transdisciplinar. Os cadernos propõem atividades destinadas a crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, adolescentes dos anos finais do ensino fundamental, e jovens, adultos e idosos matriculados na educação de jovens e adultos (EJA). Já no segundo semestre do referido ano, a Seja Digital estabeleceu um convênio com a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, do qual fez parte também o Centro Universitário UNA, com o objetivo de promover formações continuadas, oficinas, acompanhamentos pedagógicos e uma pesquisa em escolas da educação básica. Dividido em oito capítulos, o livro, que ora apresentamos, descreve e analisa essas ações pedagógicas. O primeiro capítulo, intitulado, O poder das conexões: vidas, vozes, cotidianos e educação pela garantia do direito à comunicação televisiva “nas” Minas Gerais foi elaborado pela pesquisadora e jornalista Deisy Fernanda Feitosa, que coordenou o processo de migração do sinal de televisão analógico para TV Digital na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A autora aborda, inicialmente, o contexto em que ocorre o processo de desligamento de sinal analógico de TV no mundo, iniciado 2006. Agora, o Brasil passa a integrar o grupo dos 74 países que vivenciam a fase de migração da TV. O grande trunfo da tecnologia digital é, para a autora, a possibilidade de oferta de inúmeros serviços gratuitos, como interatividade, acessibilidade, gravação de programas, play/replay e pause, TV sob demanda, mobilidade e portabilidade. Nesse sentido, a televisão torna-se uma Pedagogia Social, fornecendo elementos para construção de novos saberes e de práticas cidadãs. A autora descreve, de forma minuciosa, todas as ações pedagógicas desenvolvidas pela Seja Digital, pensadas, por um lado, para inserir essa temática no cotidiano da população, e por outro, criar ambientes propícios para que famílias acolhessem e se envolvessem nesse momento histórico brasileiro. São descritas dezesseis ações, cada qual tocando em aspectos específicos do processo de migração da televisão aberta para TV digital. Trata-se de procedimentos pedagógicos dos quais lançou mão a Seja Digital, com o intuito de que a mudança tecnológica representasse, antes de tudo, algo efetivo tanto do ponto de vista da conscientização, quanto relacionado ao que 20


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representa a inovação da tecnologia digital e a compreensão do lugar da televisão na sociedade brasileira. O segundo capítulo, intitulado Televisão e vida social: mudanças do contemporâneo, de autoria da professora Denise Figueiredo B. do Prado, examina os usos sociais da televisão, com vistas a compreender a diversidade de formas que esta tecnologia acolhe e a tensão discursiva na qual está envolvida. Assim, a televisão é pensada não apenas como uma tecnologia, mas, sobretudo, como um importante artefato cultural. Amada e odiada por muitos, a televisão tem seu obituário declarado de tempos em tempos. No entanto, a autora demonstra que a televisão tem, a despeito de críticas, mantido sua vitalidade. Após traçar um breve panorama sobre os momentos da televisão no Brasil, a autora indaga sobre um ponto pacífico no senso comum: a crença de que a maneira de nos relacionarmos socialmente possui uma relação causal com as tecnologias, especialmente com a televisão. Apoiando-se em estudiosos que abordam a questão, a autora sugere que nos atentemos, antes de tudo, para necessidades sociais que conduziram ao desenvolvimento tecnológico e, principalmente, sobre as maneiras que guiamos, por meio de nossas práticas sociais, os rumos das experimentações e criações tecnológicas. Isso implica tanto compreender as formas pelas quais nos relacionamos socialmente, quanto perceber como a sociedade se organiza, gera suas relações e articula modos de fazer. Para a autora, refletir sobre a televisão nos permite observar sua adaptabilidade como uma estratégia de sobrevida: ao ser afetada pelo contexto e rearticular as formas de reprodução social do seu discurso fundador, vemos como ela se mantém viva no contemporâneo. Pensá-la em sua forma e em seu discurso, permite-nos mapear como as tensões de ordem histórica, temporal, espacial, tecnológica, formal e discursiva a afetam e a modificam. O terceiro capítulo, intitulado Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital em foco: a televisão e suas potencialidades educativas, de autoria do professor Heli Sabino de Oliveira, descreve e analisa o processo formativo proposto pela Seja Digital e executado em parceria com a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Trata-se de um projeto de extensão universitária que atuou em duas frentes de trabalho: a primeira, uma formação com carga horária de 8 horas que atendeu, entre os meses de agosto e novembro, a 805 professores que atua21


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vam na educação básica na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Já a segunda, uma formação com carga horária de 16 horas que atendeu a 30 professores que atuavam nos anos iniciais e finais do ensino fundamental, bem como na educação de jovens e adultos. Tanto uma quanto a outra procuraram, por meio de materiais produzidos pela Seja Digital, por palestras e oficinas, trabalhar as potencialidades educativas da televisão. O que difere, no entanto, a segunda formação da primeira não é apenas a carga horária e o número de professores envolvidos, mas, principalmente, a participação do segundo grupo em um projeto de pesquisa. Os professores foram convidados, por um lado, a trabalhar em suas respectivas salas de aulas a proposta dos cadernos pedagógicos da Seja Digital, tomando a televisão como objeto de estudo e reflexão e, por outro lado, a receber em suas unidades educativas estudantes bolsistas de cursos de licenciatura da UFMG para documentar os seus trabalhos. Para descrever o processo, o autor aborda os fundamentos teóricos, conceituais e teórico-metodológicos que balizaram a formação dos professores da educação básica que participaram voluntariamente da proposta pedagógica da Seja Digital. O quarto capítulo, intitulado Olha pro cê vê! A TV digital vem aí, uai!, de autoria da professora Cirlene Cristina de Sousa, evidencia os olhares surpresos de alguns professores mineiros ao tomarem conhecimento do processo de migração de sinal de televisão analógica para a TV digital. A autora aborda, inicialmente, o enraizamento da televisão na cultura brasileira e a necessidade da participação escolar no processo de democratização da TV no Brasil. Em seguida, discorre sobre trabalhos pedagógicos que tomaram a televisão como objeto de estudo. O jornal da TV digital, uma experiência pedagógica realizada em uma escola de periferia de Belo Horizonte, ganha destaque com depoimento do professor que realizou essa instigante atividade educativa. A autora registra, ainda, um trabalho de uma turma de educação infantil que produziu materiais sobre a TV. Os dados empíricos de alunos e professores são fundamentais para compreensão da necessidade de se educar o olhar e compreender, no contexto escolar, o princípio educativo da pesquisa. O quinto capítulo, Sem Bombril nem chuvisco, mas com “cheiro” Master Chef: a migração para a TV digital a partir do olhar de crianças e professores dos anos iniciais, foi elaborado pelos seguintes autores: Cláudio 22


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Márcio Magalhães, Cláudia Chaves Fonseca, Carlos Renato da Silva, Carolina Aparecida de Sena e Otávio Pereira Camargos. Trata-se de um texto denso e rico em depoimentos e propostas de organização do trabalho pedagógico que tomam a televisão como tema transversal. Os autores procuram destacar as percepções de alunos e professoras sobre a televisão, seus interesses e perspectivas. Além disso, evidenciam como os olhares das crianças incidem sobre a dimensão sensorial desse veículo de comunicação (a televisão), que promove fantasias, sonhos e prazer; assim como as professoras, com intuito de promover uma educação integral, enfatizam a questão do controle do tempo e da adequação da programação ao público infantil. Para os autores, o momento histórico pelo qual passa a televisão brasileira é bastante fecundo para se debater e construir novos diálogos na educação básica, tendo como eixo formativo a televisão, suas linguagens e seu potencial educativo. Já o sexto capítulo, TV digital: um estudo sob a ótica dos estudantes e professores da educação de jovens e adultos, escrito pelos acadêmicos Heli Sabino de Oliveira, Maria José Batista Pinto Flores e Analise de Jesus da Silva, tem por finalidade descrever e refletir as formas pelas quais estudantes e professores da educação de jovens e adultos da Região Metropolitana de Belo Horizonte se relacionavam, naquele momento de migração tecnológica, com a televisão, assim como compreender expectativas que possuem em relação à TV digital e suas potencialidades no contexto educativo. Este trabalho aborda fundamentos e conceitos que orientam a educação de jovens e adultos, buscando contextualizar o espaço sociopolítico em que os sujeitos estão inseridos. Para tanto descreve, em linhas gerais, as percepções dos estudantes pesquisadores, dos educandos da EJA e dos professores. Os dados empíricos são examinados à luz do contexto em que estão inseridos os sujeitos da EJA. A diversidade geracional é percebida como um elemento fundamental para se construir um ambiente rico em trocas de experiências e necessário aprofundamento de questões que marcam a realidade desse público. Para os autores, a luta pelo direito à informação e à comunicação permanece como eixo estruturante de novas abordagens educativas nessa modalidade de ensino. Por sua vez, o sétimo capítulo, Televisão: discutindo futuro, passado e presente em sala de aula, de autoria do pesquisador Marcelo Guilherme de Oliveira Dias, tem por objetivo mostrar as discussões e ações empreen23


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didas no campo escolar no momento de migração do sinal analógico de TV para o sinal digital – na Região Metropolitana de Belo Horizonte e suas adjacências. O capítulo discute a preocupação em se evitar um olhar estritamente técnico para esse processo e defende que a televisão digital seja apresentada como uma tecnologia que traz melhoras não só à qualidade de imagem e som, mas à qualidade do ato, de assistir e interagir com os conteúdos da programação televisiva. Um significativo desafio lançado foi o de “desmontar/descontruir” a televisão digital e, associado a ele, a própria ideia de tecnologia, seus caminhos, ações e promessas de futuro no campo científico, ambiental, político e social, de maneira interligada. A visão dos jovens e adultos em meio às constantes mudanças são destacadas, bem como ações práticas dentro da política dos 3 R’s (reduzir, reutilizar e reciclar), ao propor uma nova consciência que nos leve a desmontar, remontar e rearranjar equipamentos eletrônicos, com o objetivo de estimular o despertar de “fazedores de tecnologia” e diluir a figura passiva, muitas vezes desenvolvida, por “usuários de tecnologia”. Por fim, o oitavo e último capítulo, Olhares televisivos da docência mineira, escrito por Cirlene Cristina de Sousa, Marcos Silva e Heli Sabino de Oliveira, examina os diversos modos de os professores da educação básica assistirem à televisão, a partir dos relatos concedidos e reflexões realizadas durante a Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital. A ideia de sistematizar as múltiplas percepções dos professores sobre o ato de assistir à televisão ocorreu ao se observarem os diferentes modos pelos quais eles demostraram experimentar essa prática sociocultural. Dessa forma, os autores chegaram a cinco categorias: a) olhar dispersivo; b) olhar informação; c) não-olhar; d) olhar inquiridor; e e) olhar modificado. Tais categorias contribuem para que se conheçam aspectos da subjetividade do educador que podem aproximar ou distanciar a prática reflexiva sobre a televisão em sala de aula. O leitor interessado em compreender as estreitas relações entre comunicação e educação, e suas fecundas e recíprocas potencialidades “educomunicativas”, encontrará, em nossa obra, descrições densas e análises profundas sobre esse profícuo encontro experimentado no ano de 2017, no estado de Minas Gerais. Esperamos que os relatos de experiências aqui documentadas inspirem professores e gestores que atuam na educação 24


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básica, fomentando novos trabalhos educativos comprometidos com a democratização da informação e da comunicação; e contribuindo para a construção de uma educação básica inclusiva e de qualidade. Boa leitura!

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Capítulo 1

O PODER DAS CONEXÕES: VIDAS, VOZES, COTIDIANOS E EDUCAÇÃO PELA GARANTIA DO DIREITO À COMUNICAÇÃO TELEVISIVA “NAS” MINAS GERAIS

Deisy Fernanda Feitosa “Santa clara, padroeira da televisão, Que a televisão não seja o inferno, interno, ermo, Um ver no excesso o eterno quase nada (quase nada), Que a televisão não seja sempre vista Como a montra condenada, a fenestra sinistra, Mas tomada pelo que ela é, De poesia...” (Santa Clara, Padroeira da Televisão – Caetano Veloso)

O Brasil vive uma fase histórica: o sistema digital de televisão entra em cena de forma definitiva. Com isso, passa a compor o grupo dos 74 países que vivenciam a fase de migração da TV. O processo de desligamento do sinal analógico de TV foi iniciado no mundo no ano de 2006, com Países Baixos e Luxemburgo. De lá para cá, 52 países dos cinco continentes já se tornaram plenamente digitais (UIT, 2018). No Brasil, a corrida pelo desligamento do sinal analógico de TV (switch off) começou em 2015, e a 27


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previsão é a de que seja concluída em 2023, considerando o cronograma estabelecido pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)1. O que pode parecer apenas uma mudança tecnológica para alguns países é, na verdade, um novo tempo para milhões de famílias brasileiras, à medida que assistir à televisão com excelente qualidade de som e imagem deixa de ser um privilégio de somente quem tem condições financeiras para arcar com serviços de TV paga. Além disso, o grande trunfo da tecnologia digital de televisão está permitir a oferta de inúmeros serviços gratuitos como interatividade, acessibilidade, gravação de programas, play/replay e pause, TV sob demanda, mobilidade e portabilidade. Além disso, para que esses serviços pudessem ser transmitidos e acessados de forma democrática, e a televisão aberta e gratuita continuasse a ser um bem público sempre presente nos lares brasileiros, foi estabelecida uma política pública pelo Governo Federal de modo a garantir a continuidade dos serviços de radiodifusão após a transição analógico-digital. Nesse sentido, por determinação do Governo Federal, foi criada a Seja Digital – entidade administradora da digitalização da TV, uma organização sem fins lucrativos constituída pelas operadoras de telefonia Algar, Claro, TIM e Vivo, vencedoras da licitação nº 002/2014-SOR/SPR/CDANATEL, de lotes de radiofrequências na faixa de 700 MHz. Nasceu para ser o braço operacional do processo de transição da TV analógica para a TV digital no Brasil e recebeu a missão de acelerar a digitalização de domicílios brasileiros em grandes e médias cidades. A Anatel estabeleceu, em conjunto com as empresas de radiodifusão, o percentual mínimo de 93% como condicionante para o desligamento do sinal analógico de TV em cada agrupamento de cidades. Por isso, determinou que a Seja Digital executasse um conjunto de ações que, dentre outras coisas, incluíam a execução de campanhas de comunicação focadas em informar e preparar a população para habilitar os seus antigos aparelhos de TV a receberem o sinal digital, e a distribuição de kits conversores gratuitos (compostos por conversores, controles remoto, antenas e cabos) para famílias beneficiárias de programas sociais do Governo Federal2, consideradas de menor renda, no Brasil.

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Este capítulo apresenta detalhes sobre a fase de transição da TV no agrupamento Belo Horizonte3, constituído pela capital mineira e mais 38 cidades4 do seu entorno. Somente nesse território, a Seja Digital coordenou a realização de centenas de ações, entre janeiro e dezembro de 2017, e contou com o apoio de mais de sete mil voluntários (dentre eles, 2.330 lideranças comunitárias), 250 escolas, nove instituições parceiras5, 39 prefeituras e do Governo de Minas Gerais, que colaboraram com projetos de mobilização social voltados ao switch off da TV. Este capítulo é um relato documental de como essa temática foi inserida no cotidiano da população e de como as famílias acolheram e se envolveram nesse momento histórico brasileiro, no qual a Seja Digital lançou mão de instrumentos pedagógicos para que a mudança de tecnologia pudesse também seguir em sintonia com a mudança de paradigmas sobre a televisão, com a conscientização sobre o que representa a inovação da tecnologia digital para o campo televisivo e com a realização de debates críticos sobre o lugar da televisão na sociedade. 1. Além da mudança tecnológica: A TV como lugar da Pedagogia Social Olhar para a televisão, em conjunto com a população, de um ponto de visto analítico e a partir do cenário de convergência digital, fez do Brasil um país com experiência ímpar no processo de switch off da TV. E isso porque os processos de migração para o sinal digital e de desligamento do sinal analógico não foram explorados no sentido de simplesmente preparar ou “educar” tecnicamente a população para recepção do sinal digital da televisão, mas abriu-se um campo de profunda reflexão e de debates significativos, por diferentes coletivos e instituições. Esses debates levaram em conta o momento em que a televisão passou a fazer parte da esfera social e doméstica brasileira. Além disso, falou-se sobre as expectativas em relação às influências da tecnologia digital nos conteúdos gerados pela televisão. Nesse processo, discutiram-se as formas de fruição contemporâneas da mídia televisiva, as possibilidades geradas pelo digital, a qualidade dos conteúdos exibidos, a questão da representatividade na televisão e a influência da televisão nas práticas de exercício da cidadania e no cotidiano da sociedade. Naturalmente, inclui-se, nesse uni29


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verso, a escola – no momento em que foi proposto que o tema fosse pensado e trabalhado na perspectiva da transdisciplinaridade. No livro A Invenção do Cotidiano, Michel De Certeau (1998, p. 309) tece uma reflexĂŁo para o que chama de “lugares estratificadosâ€?, lugares esses que podem ser representados pelas mudanças de tempo, ideologias, idiossincrasias, de culturas, enfim, pelo desenrolar da histĂłria da humanidade. Na anĂĄlise de De Certeau, esses lugares, ao longo do tempo, sofrem o fenĂ´meno da “imbricaçãoâ€?, e nĂŁo da “justaposiçãoâ€?. Isto ĂŠ, uma nova obra nĂŁo aniquila aquela preexistente; o “aprimoramentoâ€? nĂŁo ocupa o lugar da solução original, mas agrega-se de alguma forma ao que lhe precede, e carrega consigo o material genĂŠtico oriundo de uma histĂłria. Assim, por mais que possa parecer imperceptĂ­vel, existe um substrato sempre presente. $ GLIHUHQoD TXH GHÂżQH WRGR OXJDU QmR p GD RUGHP GH XPD MXVWDSRVLomR PDV WHP a forma de estratos imbricados. SĂŁo inĂşmeros os elementos exibidos sobre a mesma superfĂ­cie; oferecem-se Ă anĂĄlise; formam uma superfĂ­cie tratĂĄvel. [...] Sob a escritura fabricadora e universal da tecnologia subsistem lugares opacos e teimosos. As revoluçþes histĂłricas, as mutaçþes econĂ´micas, os caldeamentos GHPRJUiÂżFRV Dt VH HVWUDWLÂżFDP H Dt SHUPDQHFHP RFXOWRV QRV FRVWXPHV QRV ritos e nas prĂĄticas espaciais. Os discursos legĂ­veis que antigamente os articulavam desapareceram, ou deixaram na linguagem apenas alguns fragmentos. Esse lugar, na superfĂ­cie, parece uma colagem. De fato, ĂŠ uma ubiquidade na espessura (DE CERTEAU, 1998, p. 309).

Seguindo esse raciocĂ­nio, trazemos como exemplo material a cidade de Roma. ArqueĂłlogos descobriram que existe uma Roma antiga embaixo da cidade de Roma contemporânea: dependendo do lugar, bastam algumas escavaçþes superficiais para que seja possĂ­vel encontrar vestĂ­gios e atĂŠ estruturas de grandes palĂĄcios no subsolo. Dependendo do local da cidade, ĂŠ possĂ­vel identificar e fazer vir Ă tona esses locais, para que, conforme as condiçþes de preservação, atĂŠ possam ser abertos Ă visitação turĂ­stica. De certa forma, convivem duas “Romasâ€?: a antiga, com as suas ruĂ­nas, e a contemporânea, composta tanto de construçþes milenares preservadas quanto das novas construçþes que foram empreendidas. Esses elementos compĂľem o todo, e a Roma dos cĂŠsares fornece subsĂ­dios para o universo atual da cidade. 30


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Partindo desse pressuposto, pode-se afirmar que a cultura da convergência que navega em ambiente digital, e circunda grande parte dos processos comunicacionais da atualidade, tem base nas primeiras linguagens experimentadas pelo ser humano há milhares de anos. Este é o nosso cotidiano, não há como negar. E, independentemente de nossas posições severas ou deterministas sobre a questão dos veículos de comunicação de massa, somos herdeiros de tudo o que foi construído até hoje e seremos daquilo que ainda haveremos de construir. Considerando essa hipótese, o que acontece de “novo” em determinadas questões sociopolíticas, econômicas ou educacionais são aperfeiçoamentos para atender as exigências do agora. O fato é que tais aperfeiçoamentos parecem andar cada vez mais velozes neste mundo digital, por isso, mais do que nunca, é fundamental levantar tais debates sobre a questão. Dessa forma, a Seja Digital, ultrapassou a missão institucional de prestar orientação e apoio técnico acerca do desligamento do sinal analógico de TV e da migração para a tecnologia digital, ao provocar reflexões aprofundadas, com suas ações de campo, sobre tudo o que está direta e indiretamente ligado à televisão e a impactos que ela causa no cotidiano da sociedade. Isso significa que o que poderia ter se restringido a ações de distribuição de kits e publicação de anúncios midiáticos em massa, sobre o desligamento do sinal analógico de um dos veículos de comunicação de maior alcance no Brasil, tornou-se um processo significativo de cooperação, que envolveu instituições legitimadas da sociedade, como escolas, universidades, secretarias de governos (educação, saúde, desenvolvimento social, meio ambiente, segurança pública, turismo e comunicação), associações de moradores, fabricantes, varejistas, emissoras de televisão, ONGs e fundações. No caso de Belo Horizonte, cluster que trazemos como o estudo de caso deste livro, com apoio dessas instituições e voluntários, foram executados dezessete projetos6 que, em sua maioria, tiveram como base a metodologia de mobilização social, o que permitiu à população desenvolver um sentimento de apropriação pela campanha e, ao mesmo tempo, fazer com que a mensagem lançada pela Seja Digital tivesse o maior alcance possível. Eis os projetos executados no cluster Belo Horizonte: 1. Caravana nos Bairros: ação itinerante que oferecia serviço de atendimento para auxiliar a população de menor renda na etapa de agenda31


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mento para retirada do kit gratuito, ao mesmo tempo em que esclarecia dúvidas e apoiava famílias na fase de migração para o sinal digital de TV. Em um ônibus personalizado e equipado com televisores, no qual se reproduzia uma sala de estar, era realizada a oficina Sintonize-se!, através da qual os visitantes podiam aprender como instalar o kit gratuito e como fazer a busca de canais. Ao todo, tivemos 37 eventos como esse. A maioria ocorreu em feiras livres, durante os finais de semana. 2¿FLQD ,QVWDODGRU $PLJR criava oportunidades de trabalho e renda, ao formar novos instaladores e tornar acessível a contratação dos serviços de antenistas e instaladores pela população, aumentando, ainda, o número de profissionais aptos a prestar o serviço. No cluster Belo Horizonte, a Seja Digital formou gratuitamente 608 instaladores que também atuaram como voluntários. Os profissionais que mais se destacaram no curso foram contratados para serem monitores do projeto e atendentes das Caravanas de Instalação. Os participantes dos cursos, além da certificação, ganhavam um kit de ferramentas. 3. Caravana do Instalador Amigo: um grupo de instaladores voluntários, treinados pela Seja Digital, visitava comunidades de menor renda para realizar serviços de instalação gratuita de antenas e conversores e orientar a população sobre como evitar acidentes domésticos com instalações de antenas. Ao todo, foram realizadas 40 ações de instalação. 4. Minha Casa é Digital: quatrocentas placas foram distribuídas para que líderes comunitários, voluntários do projeto Seja Digital, pudessem afixá-las no muro de suas casas. A placa indicava que naquele local funcionava um Ponto de Aconselhamento Comunitário, cujo proprietário auxiliava os vizinhos no processo de migração para o sinal digital e no agendamento para a retirada do kit gratuito da Seja Digital. Os quatrocentos voluntários desta categoria também contribuíam com a realização de ações da Seja Digital em suas comunidades, como a Caravana nos Bairros e a Caravana de Instalação. 5. Campanha de Voluntariado: ferramenta social que tinha por objetivo realizar o diálogo direto da Seja Digital com a população, estimu-

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lando a própria comunidade a levar informações acerca do desligamento. A comunicação, intensificada com a ajuda de 7.595 voluntários locais, contribuiu para envolver as comunidades na campanha de desligamento, gerar interação social, disseminar informações de forma mais assertiva e promover um sentimento de apropriação da comunidade pelo projeto. 6. Pontos de Retirada de Kit Gratuito: no cluster Belo Horizonte, os pontos de retirada de kit gratuito (PDRs) da Seja Digital foram instalados em sessenta agências dos correios. Para retirarem os equipamentos que davam acesso ao sinal digital, as famílias de menor renda atendidas pelo Governo Federal realizavam um agendamento dias antes no qual definiam data e horário de retirada, através do portal Seja Digital (sejadigital.com. br) ou do número 147, central de atendimento gratuito, que funcionava 24 horas por dia, 7 dias por semana. No ato da entrega do kit, os atendentes dos PDRs ofereciam um treinamento sobre como fazer a instalação do conversor e da antena. 7. Mutirão Comunitário: os 1.187 mutirões e ações de diálogos comunitários levavam informação à população do cluster Belo Horizonte com a ajuda de voluntários mobilizados pela Seja Digital e por lideranças comunitárias. Durante as ações, os voluntários se reuniam para orientar a população em locais de média circulação (comércios, feiras, rodoviárias, eventos culturais e esportivos, estações de metrô, restaurantes comunitários e parques) ou batendo de porta em porta. 8. Diálogos Comunitários: com a ajuda de ONGs parceiras, a Seja Digital mobilizava lideranças que passaram a disseminar informações sobre o desligamento do sinal analógico de TV e a distribuição de kits gratuitos em reuniões de associações de moradores, encontros de centros religiosos, grupos de idosos, escolas, Cras e postos de saúde. 9. Mutirões de Varejo: a Seja Digital mantinha um relacionamento estreito com a indústria e o varejo, para garantir que não faltassem equipamentos no mercado e para que fossem pensadas, de forma conjunta, ações promocionais e facilidades de compra, de modo a garantir a aquisição de equipamentos pela parcela da população não beneficiária do kit gratuito, e com poucas condições financeiras para adquiri-lo. Dessa forma, as equi33


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pes locais do cluster Belo Horizonte realizaram mutirões de varejo em 136 lojas do mercado de eletroeletrônicos. Além de terem firmado parcerias com comerciantes locais para a realização de oito feirões promocionais em shoppings, em parceria com a Rede Globo. 10. Pontos de Aconselhamento Comunitário (PDAs): serviço criado pela Seja Digital para orientar famílias de menor renda assistidas pelo Governo Federal sobre a migração para o sinal digital de TV e, ao mesmo tempo, apoiá-las na realização de agendamentos para a retirada do kit gratuito da Seja Digital. Eram, geralmente, instalados em Cras, associações comunitárias ou em residências de lideranças comunitárias de bairros menos digitalizados. A Seja Digital implantou 129 PDAs no cluster Belo Horizonte. 11. De Porta em Porta: campanha liderada por agentes comunitários de saúde, que aproveitavam as suas visitas diárias a domicílios para comunicar famílias sobre o desligamento do sinal analógico de TV e, ao mesmo tempo, orientá-las sobre o agendamento e retirada de kits gratuitos e sobre a instalação dos equipamentos. Dessa forma, 30.137 famílias foram beneficiadas no cluster Belo Horizonte. 12. O Planeta Somos Nós: campanha liderada pela ONG Programando o Futuro com o apoio da Seja Digital, que promovia ações para orientar a população sobre a importância do descarte correto do lixo eletrônico oriundo de aparelhos de TV, considerando a alta taxa de descarte habitualmente gerada no período que antecede o desligamento do sinal analógico de TV e o alto grau de contaminação gerado por aparelhos de TV descartados no meio ambiente, devido aos metais pesados que trazem em sua composição. Durante a campanha, foram coletados 8.231 aparelhos de televisão. 13. Selo Amigo: campanha dedicada a engajar e credenciar microempresários (padeiros, cabeleireiros, farmacêuticos, comerciantes, lojistas, etc.) de bairros de menor renda no projeto Seja Digital. Após serem capacitados por mobilizadores sociais, eles se tornavam parceiros e passavam a esclarecer dúvidas dos seus clientes sobre o processo de desligamento do sinal analógico de TV e a divulgar o programa de distribuição de kits gratuitos. Houve a adesão de 1.260 comerciantes. 34


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14. Conexão Juventudes: projeto incentivava jovens lideranças comunitárias a aturem como agentes de mobilização da Seja Digital. Eles participavam de oficinas de comunicação comunitária, desenvolviam estratégias de comunicação para realização de ações comunitárias e produziam peças de comunicação para que circulassem em suas redes. A Seja Digital fez uma parceria com Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, para que as oficinas pudessem acontecer no Centro de Referência da Juventude e contassem com a participação de 120 jovens educadores da escola integrada, advindos de diferentes comunidades e da região metropolitana de Belo Horizonte. 15. Caravana nas Escolas: projeto lúdico, conduzido por artistas e arte educadores, direcionado a alunos e servidores de 250 escolas públicas, com o intuito de conscientizá-los sobre a migração para o sinal digital de TV e de convidá-los a serem multiplicadores, divulgando, principalmente, o programa de distribuição de kits gratuitos da Seja Digital. 16. Conexões Escolares com a TVD e Formações: a Seja Digital construiu, em parceria com pesquisadores especialistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), a coleção Conexões Escolares com a TV Digital. Direcionada para professores do ensino fundamental I e II e da EJA, o material possui dupla finalidade: refletir sobre as potencialidades educativas da televisão, examinando as suas múltiplas linguagens, e propor oficinas e atividades que instiguem a construção de conhecimentos interdisciplinares na educação básica. Assim, foi criada para explorar os detalhes da migração plena para o sinal digital de TV, a partir do princípio da transdisciplinaridade, e dialogar com várias áreas do currículo escolar, especialmente Geografia, História e Ciências. Durante o processo de migração para o sinal digital em Belo Horizonte, os autores da coleção ofereceram capacitações para professores de escolas públicas com o intuito de gerar reflexões a partir do conteúdo proposto pelos cadernos7. Ao analisarmos as ações sociocomunitárias realizadas pela Seja Digital, apontadas acima, podemos constatar que o campo de exploração sobre o tema “televisão” partiu da educação informal, atravessou o território da educação não formal e chegou, finalmente, à educação formal. E, ao per35


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passar direta e indiretamente essas três práticas do campo educacional, fez com que fosse cumprido um importante ciclo de construção de conhecimento durante a campanha realizada, especialmente, no estado de Minas Gerais. Sendo assim, antes de seguirmos na condução deste capítulo e, consequentemente, na leitura dos demais que virão nesta obra, consideramos parte importante do processo de compreensão uma apresentação do significado dessas práticas a partir de Maria da Glória Gohn (2006) que, em seus estudos, traz conceito, finalidade, atributo, educador responsável e lugar onde cada uma acontece. Educação informal: aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados. Finalidade: socializar os indivíduos, desenvolver hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da linguagem, segundo valores e crenças de grupos a que se frequenta ou a que se pertence por herança, desde o nascimento. Principais atributos: não é organizada, os conhecimentos não são sistematizados e são repassados a partir das práticas e experiência anteriores, usualmente é o passado orientando o presente. Atua no campo das emoções e sentimentos. É um processo permanente e não organizado. Educador: os pais, a família em geral, os amigos, os vizinhos, colegas de escola, a igreja paroquial, os meios de comunicação de massa etc. Lugar: espaços educativos demarcados por refe-rências de nacionalidade, localidade, idade, sexo, religião, etnia etc. A casa onde se mora, a rua, o bairro, o condomínio, o clube que se frequenta, a igreja ou o local de culto a que se vincula sua crença religiosa, o local onde se nasceu etc. (GOHN, 2006, p. 2). Educação não formal: aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas. É um dos núcleos básicos de uma Pedagogia Social, que trabalha com coletivos e se preocupa com os processos de construção de aprendizagens e saberes coletivos. Finalidade: capacitar os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Abre janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Principais atributos: não é organizada por séries/idade/ conteúdos; atua sobre aspectos subjetivos do grupo; trabalha e forma a cultura política de um grupo. Desenvolve laços de pertencimento. Ajuda 36


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na construção da identidade coletiva do grupo; pode colaborar para o desenvolvimento da autoestima e do empoderamento do grupo, criando o que alguns analistas denominam, o capital social de um grupo. Fundamenta-se no critério da solidariedade e identificação de interesses comuns e é parte do processo de construção da cidadania coletiva e pública. Educador: o grande educador é o outro, aquele com quem interagimos ou nos integramos. Lugar: territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e indivíduos, fora das escolas, em locais informais, locais onde há processos interativos intencionais. Educação formal: aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados. Finalidade: destaca-se a finalidade de fomentar o ensino e aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados, normalizados por leis, dentre os quais evidenciam-se o de formar o indivíduo como um cidadão ativo, desenvolver habilidades e competências várias, desenvolver a criatividade, percepção, motricidade etc. Principais atributos: requer tempo, local específico, pessoal especializado. Educador: professor. Lugar: território das escolas, instituições regulamentadas por lei, certificadoras, organizadas segundo diretrizes nacionais. Quando executou campanhas ao lado de parceiros como igrejas, associações comunitárias, prefeituras (agentes de saúde, agentes de endemias e funcionários do Cras), organizações não governamentais (ligadas aos âmbitos da educação, redução de danos, meio ambiente, assistência social e saúde) e agentes midiáticos (mídia impressa, radiofônica, televisiva e comunitária), a Seja Digital se utilizou de práticas da educação não formal. Do seu conjunto de ações ligadas à educação não formal, podem-se citar algumas: a realização de debates sobrea política de direito à comunicação; a capacitação de pessoas para o trabalho (oficinas de antenistas e instaladores, empreendedorismo8, reciclagem de lixo eletrônico, produção de vídeos comunitários, atendentes e produção de eventos)9; as práticas de mobilização social10 com o apoio de líderes comunitários, agentes comunitários de saúde e agentes de endemias. Em relação às ações de mobilização social, recebemos muitos relatos, ao final, que elas fortaleceram e uniram moradores para, inclusive, lutarem por outras causas importantes para as comunidades, que não a televisão. 37


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Observamos que garantir o acesso ao sinal de televisão por moradores com baixas condições financeiras, especialmente de pessoas com deficiência e idosas, tornou-se uma causa coletiva, e muitos grupos se empenharam para a solucionar todas as barreiras que poderiam vir a surgir. Além disso, as oficinas e debates com líderes comunitários e profissionais de saúde permitiram o acesso a um conhecimento mais profundo por parte desses públicos sobre as características técnicas e sociais da televisão digital e aos conteúdos referentes à campanha Seja Digital, fazendo com que essas pessoas participassem de forma direta e ativa do momento de migração do sinal de televisão. Para nos apoiar na abordagem da educação informal no contexto da campanha Seja Digital, escolhemos parafrasear o texto que fala sobre os “lugares estratificados”, expressão à qual nos referimos anteriormente, conforme a postulação feita por De Certeau (1998). Neste caso, esses lugares seriam formados por sedimentos de linguagens advindos de diferentes veículos de comunicação que, juntos, integram a era da convergência digital que, por sua vez, é constituída por uma sociedade midiatizada. E o momento de transição do sinal de televisão foi uma oportunidade pertinente para isso. Uma oportunidade para repensarmos as nossas convicções oriundas de conhecimentos muitas vezes adquiridos por meio da educação informal e de nos abrirmos para um processo que nos permita reinventar, desconstruir, e construir novos estratos, olhares e compreensões acerca da televisão. E não apenas dela, a velocidade do tempo do di-gital nos convida a pensar sobre os fenômenos que promovem mudanças velocíssimas e contínuas no campo da comunicação social, a entender o nosso lugar neste cenário e a assumirmos uma postura protagonista diante do processo, de forma que nos movamos da posição de “massa” conduzida a realizar um processo de mudança tecnológica, para assumirmos o status de atores sociais que decidem se querem partir para a mudança. E não existem melhores lugares do que ambientes em que se pratica educação formal e não formal para se exercitarem essas práticas. Paulo Freire (1996) nos convida a sair da posição de “ingenuidade” para a “criticidade” através da escola, que desemboca através de formação e construção coletiva de conhecimento no que chama de “desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil” (FREIRE, 1996, p. 15); a sair da posição da 38


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verdade, para um lugar de profundidade do pensar e, assim, dar abertura para novas descobertas, mesmo que isso implique confronto com o próprio pensar, com a concepção inicial sobre algo. A tarefa coerente do educador que pensa certo Ê, exercendo como ser humano D LUUHFXViYHO SUiWLFD GH LQWHOLJLU GHVD¿DU R HGXFDQGR FRP TXHP VH FRPXQLFD H a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não hå inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso Ê dialógico e não polêmico (FREIRE, 1996, p. 17).

No âmbito da educação formal, a campanha Seja Digital cultivou uma pråtica educativa que incluiu crianças, jovens e adultos em um profundo debate acerca da televisão, partindo do pressuposto que o veículo de comunicação habita de forma significativa os nossos espaços sociais, que nos vê e por nós Ê vista, que testemunha a nossa existência e vice-versa, em um movimento que envolve diferentes sentidos, campos, paisagens, territórios, lugares, experiências e espaços de conhecimento. Algumas das iniciativas exploradas instigaram o professor a colocar a televisão como centro de debate em algumas aulas, como uma oportunidade de construir conhecimento partilhado com os seus alunos sobre um tema paradoxal, muitas vezes tomado por um jogo dialÊtico: a televisão amada, questionada; com a qual se discorda ou se concorda; a televisão que se coloca como janela para a vida, que sopra em diferentes territórios; a companhia de solitårios, doentes, de donas de casa; o objeto cujas imagens audiovisuais preenchem tempos de vida, gerador entretenimento e informação; que educa e atÊ deseduca; e estimula comportamentos, destinos, consumo, curiosidade. Apesar de termos nos deparado com alguns professores resistentes ao debate sobre a televisão, a forma sensível com que os pesquisadores responsåveis abordaram o tema e de os convidar a participar desse momento fez com esses mestres abrissem as portas do seu lugar de fala para discutirem de forma efetiva, com os seus alunos, o tema proposto. Tudo isso pode ser acompanhado e corroborado nos relatos dos capítulos que vêm a seguir, neste livro, que tratam da pesquisa de campo proposta pela Seja Digital e coordenada pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. 39


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A partir do discurso defendido por Paulo Freire (1996), no livro Pedagogia da autonomia, podemos defender que conhecer a televisĂŁo que se tem ĂŠ um ponto de partida fundamental para intervir e (re)construir a televisĂŁo que se pretende, que se defende; para analisar as linguagens e conteĂşdos dessa e de outras mĂ­dias habitantes do cenĂĄrio da convergĂŞncia. Essa seria a postura do professor que, segundo ele, “pensa certoâ€?: O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres histĂłricos, ĂŠ a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo (FREIRE, 1996, p. 14). A coleção ConexĂľes Escolares com a TV Digital, proposta pela Seja Digital e escrita por professores da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Estadual de Minas Gerais, por exemplo, reforçou a mĂĄxima freiriana de que “ensinar nĂŁo ĂŠ transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construçãoâ€? (FREIRE, 1996, p. 12). AtravĂŠs do material, o professor foi convidado a descontruir e a reconstruir com alunos, de forma democrĂĄtica e dialĂłgica, as suas concepçþes sobre a televisĂŁo, a ampliar reflexĂľes e pensamentos intergeracionais, a produzir novos saberes, a discutir criticamente os caminhos e alternativas sobre esse veĂ­culo de comunicação, considerando o presente, o passado e o que se imagina para o futuro. Enfim, ele foi instigado a substituir em sala de aula a condição da crĂ­tica pura pela condição de uma crĂ­tica que propĂľe caminhos coletivos alternativos, e que ensaia esses caminhos, considerando que a escola ĂŠ um terreno fĂŠrtil e apropriado para isso. E no mais, como bem defende Freire, ĂŠ fundamental “aprender criticamenteâ€?: (QVLQDU QmR VH HVJRWD QR ÂłWUDWDPHQWR´ GR REMHWR RX GR FRQWH~GR VXSHUÂżFLDOPHQWH feito, mas se alonga Ă produção das condiçþes em que aprender criticamente ĂŠ possĂ­vel. E essas condiçþes implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. [...] Nas condiçþes de verdadeira aprendizagem os educandos vĂŁo se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. SĂł assim podemos falar realmente de sa-ber ensinado, em que o objeto ensinado ĂŠ apreendido na sua razĂŁo de ser e, portanto, aprendido pelos educandos (FREIRE, 1996, p. 13).

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Figura 1: Coleção Conexþes Escolares com a TV Digital

Os cadernos e jogos suplementares da coleção sugeriram metodologias e atividades como ponto de partida para se pensar a televisĂŁo e pretenderam exercitar a pedagogia da autonomia, uma pedagogia que problematiza, que dĂĄ espaço Ă criatividade, Ă sociabilidade e Ă cidadania. Uma vez que Freire (1996) nos conduz a pensar com “curiosidade crĂ­ticaâ€?, e com ela fazer a nossa histĂłria evoluir para um ciclo contĂ­nuo, circular, de construção e reconstrução, sem que estejamos fixados de forma viciosa a uma ideia; para que nĂŁo corramos o risco de penetrar em espaços que nos levem a “irracionalismosâ€? advindos de uma insistente “racionalidadeâ€? provocada pelos tempos modernos, cujas tecnologias podem nos conduzir a isso. Educar ĂŠ substantivamente formar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciĂŞncia ĂŠ uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado. De testemunhar aos alunos, Ă s vezes com ares de quem possui a verdade, rotundo desaFHUWR 3HQVDU FHUWR SHOR FRQWUiULR GHPDQGD SURIXQGLGDGH H QmR VXSHUÂżFLDOLGDGH compreensĂŁo e na interpretação dos fatos. SupĂľe a disponibilidade Ă revisĂŁo dos achados, reconhece nĂŁo apenas a possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o direito de fazĂŞ-la (FREIRE, 1996, p. 16).

Dando continuidade a esse pensamento, dizemos que educar Ê formar, mas Ê tambÊm se formar, Ê construir estados de equilíbrio, Ê construir conhecimento com a coletividade; Ê falar, mas Ê tambÊm ouvir, se ouvir e ser ouvido; Ê dar espaço para o novo, sem, contudo, desconsiderar os estratos que compþem uma história e as necessidades de cada tempo; Ê analisar e

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considerar diferentes contextos onde se passam os fatos; é admitir equívocos, e voltar atrás se for preciso; é buscar uma verdade coletiva, que tem dentro de si uma complexidade e, com isso, construir um tapete sígnico, plural, democrático, dialógico. Em todos os espaços e em tudo o que se faz residem traços significativos da arte de educar, da palavra “educação”. O verbo educar acontece no habitat da vida e das ações cotidianas. E em um cenário de importante mudança tecnológica da televisão, um veículo de comunicação que compartilha efetivamente do nosso cotidiano e que passa a compor o cenário da convergência digital não poderia ser diferente. Nesse processo, seria mais que necessário identificar oportunidades da prática educativa e da prática da criticidade. 2. Um olhar além Com todas as ações executadas, especificadas acima, e considerando as pesquisas que realizamos sobre o tema, mais uma vez, podemos afirmar que o processo de migração para o sinal digital brasileiro tem conseguido ir além do que fora vivido e/ou documentado pelos 52 países do mundo que já atravessaram essa fase, seja no tocante à condução do processo, seja na forma com que as complexidades ligadas à questão envolvida têm sido consideradas nas fases de switchover e switch off da TV (ou seja, de transição e desligamento, respectivamente). Em nosso país, a televisão digital tem sido vista para além do espectro eletromagnético e suas faixas de canais; para além dos seus transmissores e receptores de sinal; para além da audiência. E, mesmo diante da complexidade geográfica, política, econômica e social do Brasil, tem-se buscado construir um processo sólido, participativo e inclusivo, no qual a garantia pelo direito à comunicação trazida pelo sinal de televisão é o fator que, via de regra, une a todos. Ao longo das experiências que acompanhamos, temos visto vizinhos, amigos, familiares, colegas e desconhecidos unidos em prol dessa mesma corrente: não deixar ninguém para trás.

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Foto: Simona Luchian

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Figura 2: Equipe de mobilização promove ação Diálogo Comunitário

Assim sendo, e para colaborar com esse propósito coletivo, a Seja Digital tem aprendido com a sua lida cotidiana a solucionar desafios oriundos de cada região brasileira, a mitigar não apenas interferências, mas impactos causados pelo processo inevitável de mudança tecnológica da TV; a respeitar e valorizar culturas e hábitos; a gerar distribuição de renda a partir do capital que constituiu a própria Seja Digital: um desconto de um leilão oriundo de uma concessão pública. Assim, entendemos que a forma com que a migração para o sinal digital de TV no Brasil tem sido conduzida contempla todas as esferas ligadas ao ecossistema televisivo no contexto da digitalização da TV, a saber: gica noló Tec

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MIGRAÇÃO PARA A TV DIGITAL NO BRASIL

Técnica

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Educacional

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Figura 3: Esferas do processo de migração para a TV digital no Brasil

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Na esfera tecnológica, o processo de construção da TV digital brasileira foi iniciado no ano de 2003, quando o Governo Federal optou pelo desenvolvimento de um padrão de televisão digital nacional, projeto executado por 18 consórcios, compostos por 1.200 pesquisadores e técnicos e 79 entidades (universidades e institutos de pesquisas), chegando-se, assim, ao Sistema Brasileiro de Televisão Digital, que depois foi integrado ao sistema de modulação japonês (ISDB-T11). Com o nome de ISDB-Tb12, foi lançado oficialmente no Brasil em 2 de dezembro de 2007 e tornou-se um sistema híbrido (nipo-brasileiro), com tecnologias de modulação e interatividade do Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Na época, foi considerado, pela União Internacional de Telecomunicações, como o sistema mais avançado do mundo, por apresentar atributos como: grande capacidade de compressão do sinal, robustez, alta definição de som e imagem, mobilidade, acessibilidade, portabilidade e interatividade. Durante as ações para o switch off da Seja Digital, falou-se muito sobre as características do ISDB-Tb e sobre os impactos causados por ele em relação à experiência de assistir a televisão, à medida que dava abertura a uma televisão mais democrática, participativa e imersiva. A coleção Conexões Escolares com a TV Digital, por exemplo, levou ao professor esses aspectos de forma didática. Durante os processos formativos voltados aos agentes de saúde e aos antenistas, também procurou-se difundir essas informações para que a migração para o sinal digital pudesse fazer ainda mais sentido para as famílias brasileiras. Em se tratando da esfera técnica, consideramos aqui desde as capacitações dos multiplicadores e antenistas, com foco no processo de instalação de conversores e antenas, até as técnicas repassadas por eles ao preparem famílias para digitalizarem os seus domicílios (considerando instalação de equipamentos, busca de canais e o lugar para onde apontar a antena receptora). Além disso, vale ressaltar aqui a atuação da equipe de engenharia da Seja Digital no tocante ao remanejamento de canais e à mitigação de interferências. Até o momento em que foi escrito este capítulo, nenhuma interferência em função da implementação da tecnologia 4G fora identificada. Além disso, o trabalho de remanejamento de canais tem sido bastante exitoso.

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A esfera informativa inclui ações de comunicação voltadas à divulgação e orientação sobre a migração para o sinal digital (aquisição dos equipamentos ou agendamento para a retirada de kits gratuitos), a criação do senso de urgência sobre o desligamento, através dos mobilizadores da Seja Digital – durante as reuniões comunitárias, ações de caravanas, porta a porta e mutirões – e a atuação dos veículos de comunicação (rádio, TV13, internet e impresso), à medida que exibem campanhas publicitárias e matérias jornalísticas sobre o tema. Apesar de ter uma parte do seu orçamento destinada a esse fim, a Seja Digital tem gerado uma onda gigante de mídia espontânea no país. Isso significa que entrou em cena um projeto colaborativo que, antes de mais nada, conta com o apoio significativo da imprensa e dos brasileiros, que se colocam em posição de torcida e, mais do que isso, mobilização, para garantir o direito à comunicação de audiência, amigos, conhecidos e familiares. A esfera humana, por sua vez, consolida tudo o que foi dito anteriormente. Tendo sido criada para ser um braço operacional do processo de migração da TV analógica para a digital no Brasil, a Seja Digital, como já foi frisado anteriormente, poderia permanecer estática em sua missão, restringindose a apenas realizar campanhas de comunicação de massa, distribuir kits gratuitos, realizar pesquisas, operacionalizar o processo de remanejamento de faixas do espectro eletromagnético e atuar na mitigação de interferências. Entretanto, absorveu para a sua missão ações que contemplam notadamente um veio de responsabilidade social e valorização da inclusão sociodigital e da sustentabilidade. E isso porque que todos os mobilizadores e voluntários do projeto foram treinados para assumir uma postura humanizada e sensível frente às particularidades das pessoas com quem dialogam cotidianamente, especialmente pessoas idosas, com baixo letramento e com deficiência. Uma das iniciativas que merecem destaque, nesse sentido, é a ação que executou em conjunto com as secretarias municipais de desenvolvimento social para a implantação de PDAs14 nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Ao entender que milhares de famílias com baixas condições financeiras se enquadrariam nos requisitos exigidos para beneficiários de auxílios sociais, mas desconhecem os serviços prestados pelos Cras ou possuem dificuldade em se inscrever no CadÚnico15 e, conse45


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quentemente, de acessar benefícios oferecidos pelos programas sociais do Governo Federal, a Seja Digital buscou construir forças-tarefa em conjunto com prefeituras para identificar pessoas com esses perfis e fazer com que passassem a compor a base do Cadastro Único. Assim, além de passarem a receber os kits gratuitos da Seja Digital, passaram a ser beneficiadas com serviços e programas que antes nem imaginavam existir. O que gerou, por si só, um importante impacto social. Somando-se a isso, é importante relatarmos o fato de que a Seja Digital contribuiu significativamente para o aumento do nível de empregabilidade temporária, ao contratar pessoas de menor renda para atuarem em seus projetos e ações, provocando o que consideramos ser um impulso na “economia bancária” do país. Ou seja, além de gerar inclusão digital, promoveu inclusão social e financeira de muitas famílias. Parceiros do projeto, por exemplo, relataram que tiverem em suas equipes pessoas que sequer tinham tido em algum momento da vida uma conta bancária e, muito menos, uma microempresa individual. Trazendo essas discussões para a esfera ambiental, embora não estivesse no escopo de suas obrigações, a Seja Digital incentivou a realização de ações para diminuir o impacto ambiental causado pelo desligamento do sinal analógico de TV, o que permitiu à população entender mais sobre o assunto e conhecer práticas que podem ser adotadas para evitar a contaminação do planeta pelos aparelhos de televisão. No agrupamento Belo Horizonte, por exemplo, a ONG Programando o Futuro implantou, com o apoio da Seja Digital, 120 Pontos de Entrega Voluntária (PEVs), isto é, caixas coletoras de aparelhos de TV em desuso. Elas foram distribuídas em associações comunitárias, cooperativas de catadores, centros de formação de catadores, escolas, prefeituras, Cras e em sedes de entidades não governamentais. Durante a campanha, a Programando o Futuro coletou 8.231 aparelhos de TV, o equivalente a 63,8 toneladas de resíduos, que, posteriormente, foram encaminhados para centros especializados em geração de resíduo. Além disso, o projeto incentivou a atuação de catadores e cooperativas: os 100 catadores e as 13 cooperativas participantes da ação receberam uma remuneração por cada aparelho de televisão coletado. Júlio César de Souza, presidente da Associação de Moradores do Alto Vera Cruz e mobilizador da Seja Digital, 46


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falou sobre o impacto gerado em sua comunidade, pela campanha O Planeta Somos Nós: (VVD p XPD PXGDQoD VLJQL¿FDWLYD QR VHQWLGR GH TXH R VLQDO GH 79 GLJLWDO PH lhora a qualidade, tem a ver com a conexão que estå aí pelo mundo, com uma mudança de postura, que sai de uma era e passa para a outra. AlÊm disso, esse assunto desperta o interesse para a gente começar a discutir outras coisas, como a sustentabilidade. Nos mutirþes de instalação, recolhemos, por exemplo, aparelhos de TV de tubo estragados. E ninguÊm sabia que deixar a TV jogada por aí contamina o solo, e que as TVs de tubo que não podem ser aproveitadas são coletadas. Então, esse trabalho de informar as pessoas sobre isso tambÊm gerou uma discussão sobre o que vamos fazer com o lixo eletrônico (FEITOSA; LUCHIAN, 2017, p. 282).

Outra ação executada foi a capacitação Tratamento e Destinação de ResĂ­duos EletroeletrĂ´nicos. Oferecida para 100 catadores, mostrou as diferenças entre resĂ­duos comuns e eletrĂ´nicos e instruiu os participantes sobre a comercialização desses resĂ­duos. AlĂŠm disso, apresentou as linhas de equipamentos eletroeletrĂ´nicos (eletrodomĂŠsticos, informĂĄtica e telefonia) e ofereceu uma atividade prĂĄtica para identificação e separação de cada resĂ­duo (tubos de imagem, placas, ferrosos, polĂ­meros e borrachas). A ação teve como objetivo a ampliação da atuação dos catadores e, consequentemente, a melhoria de renda para as suas famĂ­lias. AlĂŠm disso, a Programando o Futuro realizou a instalação artĂ­stica Jardim do Destino Circular. ConstruĂ­da com base no conceito Economia Circular, pretendeu provocar discussĂľes sobre a importância do descarte correto do “lixoâ€? eletrĂ´nico e mostrar detalhes do processo de reaproveitamento e destinação dos resĂ­duos eletrĂ´nicos, provenientes dos aparelhos de TV e dispositivos mĂłveis. A instalação recebeu, do dia 22 de outubro ao dia 8 de novembro de 2017, 4.196 visitantes, no Museu de Artes e OfĂ­cios, dentre eles, alunos e professores de 45 escolas de Belo Horizonte e RegiĂŁo Metropolitana. O momento era oportuno porque, com o fim da transmissĂŁo do sinal analĂłgico de televisĂŁo no Brasil e no mundo, bilhĂľes de aparelhos analĂłgicos de TV tĂŞm sido substituĂ­dos por aparelhos digitais; e os recursos naturais, muitas vezes preciosos, utilizados na 47


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fabricação desses aparelhos estão cada vez mais escassos, como explicou a curadora da instalação, Simona Luchian (2017): O que sabemos é que o destino dos resíduos eletrônicos pode estar em um círculo de transformação e renascimento perpétuo: um ciclo de vida que todo ser humano é chamado a manter vivo, para ajudar a preservar o planeta saudável e habitável para o futuro. Aqui, o ato de descartar não é apenas se desfazer de um objeto, mas destiná-lo a novas metamorfoses (LUCHIAN, 2017).

Por fim, para inserir as escolas nas discussões da esfera ambiental do projeto, a Programando o Futuro promoveu o Prêmio Minha Cidade é Digital, que premiou aquelas que mais conseguiram coletar aparelhos de televisão com ou sem condições de uso. Durante a campanha, as 50 escolas inscritas coletaram, no total, 2.290 televisores. As três escolas ganhadoras16 coletaram juntas 1.119 aparelhos de TV e receberam como premiação um laboratório com computadores recondicionados pela Programando o Futuro, com acesso à internet por um ano. A professora Aparecida Lopes, da Escola Maria de Lourdes Pereira dos Santos (São José da Lapa-MG), ganhadora do primeiro lugar do concurso, deixou um depoimento sobre a experiência de participação da escola na campanha. Foi muito bom, porque as portas foram se abrindo. E foi saindo televisão de tudo quanto era lugar. Foi dando aquele entusiasmo. Os professores vestiram a camisa e foram atrás, e as secretarias de Educação e do Meio Ambiente mandaram caminhões para ajudar. E nós abraçamos, vimos que era possível ganhar esse prêmio. Muitos lugares tinham televisões que precisavam que a gente as tirasse dali. Com isso, nós conseguimos uma quantidade muito boa de aparelhos. E era muita ansiedade para esperar o resultado, porque foi muito envolvimento mesmo. Estamos muito felizes com o prêmio (LOPES APARECIDA, 2017).

Além da campanha citada acima, feita em colaboração com escolas, na esfera educacional, a Seja Digital teve uma atuação profunda através de iniciativas complementares que envolviam a comunidade escolar como um todo, traziam professores e educadores para o centro das discussões e estimulavam os estudantes a pensar a televisão a partir de diferentes formas: sinal televisivo, transmissão, qualidade de conteúdos, dispositivos de recepção, impactos no meio ambiente, formas de interação, influências sociais, econômicas e políticas. 48


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Os projetos Conexão Juventudes, Caravana nas Escolas e Conexões Escolares com a TVD foram espaços profundos de produção do conhecimento, ao envolverem atores importantes do ambiente escolar em um processo de apropriação de um momento histórico da televisão brasileira. As oficinas oferecidas pelo projeto Conexão Juventudes a jovens professores da Escola Integrada, por exemplo, permitiram que os participantes pudessem conhecer de forma mais profunda questões relacionadas à TV digital e, ao mesmo tempo, as vivenciassem, através de exercícios que propunham a produção de vídeos e peças de comunicação, que mais tarde Fotos: Simona Luchian

Figura 4: Escolas coletaram 2.290 televisores durante campanha

Figura 5: Campanha uniu comunidade escolar 49


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seriam compartilhadas nos espaços escolares aos quais pertenciam, como bem reflete um dos coordenadores do projeto, Clebim Quirino: &RQH[mR -XYHQWXGHV IRL XP GHVD¿R &ULDPRV SHoDV GH FRPXQLFDomR D SDUWLU GH formaçþes com 120 jovens monitores e educadores de escolas públicas. [...] Os MRYHQV HGXFDGRUHV LQVFULWRV QD R¿FLQD WUD]LDP XP GHVHMR GH DSUHQGL]DGR TXHriam possibilidades que pudessem levar de volta para suas escolas e aprimorar a lida com seus alunos. [...] Acredito que essa ação foi muito importante para que a transição da TV analógica para a digital pudesse deixar um rastro e um legado para a arte e a educação (FEITOSA; LUCHIAN, 2017, p. 229).

O jovem comunicador Mateus deixou o seu relato sobre o projeto ConexĂŁo Juventudes. A experiĂŞncia que eu tive com o ConexĂŁo Juventudes foi muito positiva, conheci muita gente legal, com muitas ideias bacanas. A gente acabou estudando sobre a KLVWyULD GD 79 SDUD ID]HU R QRVVR WUDEDOKR ÂżQDO H WLYHPRV TXH SHQVDU QR IRUPDWR que usarĂ­amos para passar isso para outras pessoas. Foi um conhecimento a mais para mim (FEITOSA; LUCHIAN, 2017, p. 233). Foto: Simona Luchian

Figura 6: Educadores participaram das oficinas e produziram 22 vĂ­deos a partir do que foi apreendido

Figura 7: Vídeos produzidos traziam vårias abordagens relacionadas à digitalização da televisão 50


TV Digital e Educação Básica Foto: Simona Luchian

Figura 8: Carolina Baião esteve entre os jovens participantes do projeto.

As Caravanas nas Escolas atenderam 54.447 alunos da rede pública de ensino municipal e estadual, durante as 250 apresentações artísticas que realizaram. Durante as apresentações, uma trupe de artistas (circenses, hip hop, dançarinos e contadores de história) que circulavam pelo cluster Belo Horizonte apresentava, através de esquetes, as qualidades e potencialidades da TV digital e informações sobre procedimentos para a retirada do kit gratuito da Seja Digital e para a instalação do kit conversor; ao mesmo tempo em que convidava os estudantes para se engajarem na campanha de mobilização da Seja Digital. Juliana Sevaybricker, diretora do Centro de Intercâmbio e Referência Cultural (CIRC), ONG executora do projeto, trouxe as suas percepções sobre o impacto da ação no cotidiano de alunos, professores e diretores. A natureza da criança é lidar com o mundo de modo lúdico, fazer o que lhe dá prazer e satisfação. Por isso, a potência e a efetividade das apresentações artísticas da Caravana nas Escolas. É importante ressaltar que as escolas que recebiam as caravanas estão localizadas, em sua grande maioria, em áreas muito pobres e de pouquíssimo acesso a apresentações culturais. Através do lado lúdico das apresentações, conseguíamos envolver as crianças no artístico, mas também levar os conteúdos fundamentais da Seja Digital. Essas crianças são as verdadeiras multiplicadoras dessas informações, tanto nas suas famílias como nas suas comunidades (FEITOSA; LUCHIAN, 2017, p. 85).

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Foto: Simona Luchian

Figura 9: Apresentação da Caravana nas Escolas Nova Lima (MG).

Já as oficinas que refletiram sobre os conteúdos trazidos pelo kit pedagógico Conexões Escolares com a TV Digital trouxeram importantes contribuições dos professores participantes – todos eles de escolas públicas de Belo Horizonte e região – e dos autores dos cadernos. Posteriormente, trinta desses professores foram convidados a participar de uma pesquisa, financiada pela Seja Digital e coordenada pela Faculdade de Educação da UFMG, que enviou um grupo de pesquisadores para acompanhar em sala de aula as práticas das atividades sugeridas pela coleção e as reflexões provocadas por elas. Detalhes e análises sobre a pesquisa serão trazidos nos próximos capítulos deste livro. 3. Televisão, reflexão, educação: um diálogo profundo Entendemos que foi mais do que assertiva, a decisão de colocar a educação, seja ela formal ou não formal, em um ponto estrutural do projeto de migração para o sinal digital de TV no cluster Belo Horizonte. Todos os projetos executados e os resultados das pesquisas trazidos neste livro, acerca da televisão, nos confirmam essa hipótese. Essa escolha nos ajudou a sair de um lugar comum. Ela nos levou a procurar entender a televisão do ângulo “da poesia” com que fala Caetano Veloso, no trecho da música Santa Clara, Padroeira da Televisão, citada no começo deste capítulo. Um encontro que, cremos nós, somente poderia ser passível de acontecer no 52


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chão da escola e de espaços de educação popular, por todos os estereótipos que já tomaram conta da sociedade acerca desse veículo de comunicação; como também pelas crenças, resistências e pesares que exalam sobre ele. Somente a escola (professores, educadores, estudantes – crianças e jovens –, famílias e servidores) e espaços de educação não formal via sociedade civil, tomando a televisão em seu seio, poderiam ser capaz de reeducar os sentidos de suas comunidades para descontruir o que se tem e lançar novos olhares para esse veículo de comunicação e para as potencialidades que carrega em si. Esses espaços foram fundamentais para se olhar a televisão do ângulo da construção partilhada do conhecimento, do qual que se busca uma verdade, trilha-se uma estrada diante da qual se desbravam espaços de proposições, objeções, “tele-reflexões”. Quando propôs a execução de projetos em conjunto com a comunidade escolar, a Seja Digital abriu um diálogo social que fez com que professores, antes, arredios e desconfiados com o processo de migração, não só aceitassem mergulhar em um nível profundo de compreensão sobre a temática, como fizessem parte desse todo e, a partir de um senso de pertencimento que fora estimulado e despertado, abrissem com os seus alunos, de forma orgânica, de bom grado, um debate profundo sobre a televisão aberta e gratuita, partindo da TV que temos à TV que queremos. Debates esses que os fizeram sair do lugar comum de crítica e resistência à televisão, tomando-a como um veículo de inegável alcance e relevância social, que conecta a todos, pela forte presença que exerce no cotidiano, ao ocupar lugares polêmicos, políticos, econômicos, sociais, artísticos, de entretenimento e de ampla utilidade pública; ao ser parte de 98% dos domicílios das classes brasileiras baixa, média e alta; ao estar presente em presídios, hospitais, clínicas, fábricas, restaurantes, ou seja, em todos os espaços do habitar e do mundo do trabalho, governamental e não governamental. Tudo isso nos convence ainda mais de que a televisão necessita ser pensada, discutida, analisada, construída coletivamente, observada em sua essência e através de outros elementos, como geográficos, históricos, comunitários, pedagógicos, artísticos, científicos e comunicacionais, tal como fora proposto pela coleção Conexões Escolares com a TV Digital. Tudo isso 53


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nos convence a caminhar para além da mudança tecnológica e a olhar para a televisão pós-desligamento do sinal analógico, considerando que a tecnologia digital poderia vir a tornar a televisão “ainda mais televisão”, por conceder ao público uma série de “tele visões”, à medida que o sinal de televisão deixa de habitar um único dispositivo – o aparelho de televisão – e passa a ser um elemento do plano de convergência tecnológica que tem o digital e a internet como base.

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Referências ALVES, Aline Neves Rodrigues; SOUSA, Cirlene Cristina de (Org.); FEITOSA, Deisy Fernanda (Org.); OLIVEIRA, Heli Sabino de; FREITAS, Ludmila Gomides; DIAS, Marcelo. Diversidades Geotelevisivas – Conexões Escolares com a TV Digital. 1. ed. Belo Horizonte: FaE - UFMG, 2017. v. 4. 40p. DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: as artes de fazer (1980). Petrópolis, RJ: Vozes, 1998 DIAS, Marcelo; ALVES, Aline Neves Rodrigues; SOUSA, Cirlene Cristina de (Org.); FEITOSA, Deisy Fernanda (Org.); OLIVEIRA, Heli Sabino de; ALVES; FREITAS, Ludmila Gomides. Materialidades Televisivas - Conexões Escolares com a TV Digital. 1. ed. Belo Horizonte: FaE - UFMG, 2017. v. 4. 58p. FEITOSA, Deisy Fernanda; LUCHIAN, Simona. Belo Horizote e região são plenamente digitais: registro de vivências da equipe da Seja Digital no Cluster Belo Horizonte. Valparaíso de Goiás, Goiás: Programando o Futuro, 2018.314p.: il. FEITOSA, Deisy Fernanda. A mobilização social enquanto ferramenta de apoio ao switch off da TV e de humanização do processo: a experiência da Seja Digital em Rio Verde (GO) e no Distrito Federal. In: KIELING, Alexandre (Org.); FREITAS, Kênia (Org.); FEITOSA, Deisy Fernanda (Org.). TV Digital: O desligamento do sinal analógico e a adaptação dos telespectadores. 1. ed. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2017. v. 1, p. 23-94. FEITOSA, Deisy Fernanda. A televisão na era da convergência digital das mídias. 8PD UHÀH[mR sobre a comunicação comunitária. 2015. Tese (Doutorado em Teoria e Pesquisa em Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. doi:10.11606/T.27.2015. tde-24112015-101553. Acesso em: 2018-05-29. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. FREITAS, Ludmila Gomide; ALVES, Aline Neves Rodrigues; SOUSA, Cirlene Cristina de (Org.); FEITOSA, Deisy Fernanda (Org.); OLIVEIRA, Heli Sabino de; DIAS, Marcelo. Trilhas Televisivas – Conexões Escolares com a TV Digital. 1. ed. Belo Horizonte: FaE - UFMG, 2017. v. 4. 30p. SOUSA, Cirlene Cristina de (Org.); OLIVEIRA, Heli Sabino de; ALVES, Aline Neves Rodrigues; FEITOSA, Deisy Fernanda (Org.); FREITAS, Ludmila Gomides; DIAS, Marcelo (Org.) Televisão: mais que uma palavra? In: &RQH[}HV (VFRODUHV FRP D 79 'LJLWDO 1. ed. Belo Horizonte: FaE UFMG, 2017. v. 4. 44p.

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Capítulo 2

TELEVISÃO E VIDA SOCIAL: MUDANÇAS DO CONTEMPORÂNEO

Denise Figueiredo B. do Prado

Quando se discute a TV digital e suas possibilidades e potencialidades – tentando compreender seus usos e sua presença na vida cotidiana – é sempre bom recordar as muitas narrativas que já tentaram definir o papel social da tevê. Sua morte (bem como a de outras mídias) foi anunciada incontáveis vezes e, ainda assim, quando era quase certo o seu solapamento pela chegada de uma nova tecnologia, quando as expectativas sociais aguardavam seu último suspiro, havia sempre um novo rumo a traçar. Isso pode até parecer engraçado – e nos faz lembrar o cemitério de Sucupira, cidade fictícia de O Bem-Amado17, na qual Odorico Paraguaçu não conseguia fazer a cerimônia de inauguração por falta de falecimentos – pois tal como os moradores de Sucupira, a tevê continua respirando apesar das suas muitas mortes anunciadas. Falar das mortes da tevê é, também, em alguma medida, pensar na sua história: sua morte virou quase um fetiche, vem sendo por muitos desejada, na expectativa de que o seu desaparecimento daria vida à promessa de um mundo comunicacional mais próspero, diversificado e plural. Mais recentemente, essa promessa apareceu revigorada com a falsa sensação 57


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de que uma sociedade marcada pela presença das redes sociais seria mais interligada e mais solidária pelo fato de “nos vermos” em outros espaços, em outras virtualidades. Esta expectativa se deve, especialmente, porque muitos problemas comunicacionais foram atribuídos à presença da tevê. Acusaram-na de manipular as informações, controlar as narrativas identitárias, reduzir os espaços da vida social e a espessura de nossa experiência cotidiana e, principalmente, de levar seus públicos à letargia. Todas estas críticas estão associadas às maneiras como a televisão é compreendida socialmente. Para amadurecermos nosso olhar sobre ela, é preciso pensar nos seus usos sociais, afinal só assim compreenderemos a diversidade de formas que ela acolhe e a tensão discursiva na qual está envolvida. Comecemos, então, uma breve reflexão sobre a televisão para compreendermos um pouco mais sobre seu lugar social. 1. A tevê e seu lugar social Desde a sua chegada, na década de 1950, a televisão é marcada pelo anseio de que ela traria entretenimento ao mesmo tempo em que possibilitaria acessar a informações de maneira mais ampliada. Daí, até o início dos anos 1960, boa parte de sua estruturação buscou referências (e mesmo contratou seus profissionais) do rádio e do teatro. Pode-se dizer que sua forma, neste momento, resultou em grande medida de improvisos e experimentações (CALABRE, 2002). Em pouco tempo, percebeu-se o potencial político da tevê: ela fazia chegar a grupos distantes discursos que até então estavam pulverizados ou inacessíveis; conseguia vincular imagens a produtos e ideias e torná-los mais próximos de seus consumidores; e ainda ganhava uma penetrabilidade na vida cotidiana imprevista com relação aos demais meios de comunicação que existiam àquela época. Ela ia sorrateiramente ocupando o lugar do rádio na sala de estar e as poltronas iam se movendo na sua direção, inaugurando nas casas brasileiras um lugar privilegiado de contato com o mundo televisivo18. A tevê ia, aos poucos, entrando na vida cotidiana e organizando sua programação associada aos hábitos cotidianos. Conscientes desse potencial imagético e ideológico, bem como de sua presença habitual, a tevê no Brasil é vista, cada vez mais, pelo seu poten58


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cial político e cultural: ela seria um poderoso aliado na constituição de uma ideia de povo e nação. Pela tevê, poderíamos compartilhar imagens, valores e leituras do quadro social; ela se torna, mais e mais, um espaço de inscrição e construção da vida social, de definição dos nossos valores, desejos e projetos de nação. A tevê vai se fortalecendo – tanto nas programações informativas quanto ficcionais – como um espaço no qual se organizavam e se construíam narrativas e interpretações sobre o mundo social e os sujeitos. As figurações e identidades construídas pelas telas da tevê – e também aquelas relegadas a segundo plano – passam a figurar no imaginário nacional e nas formas de organizar a vida cotidiana e são, continuamente, tensionadas e testadas nas contemporâneas formas de representação social. Tais imagens deixaram seus vestígios na maneira como nos relacionamos com a imagem televisiva: ver tevê torna-se uma maneira de se conectar com outros países e culturas, de conhecer um espaço interdito pela distância e apenas fabulado pelo mundo das palavras. Há poucos anos, no início do milênio, tivemos uma grande mudança no contexto da TV: assistimos a uma diversificação muito intensa dos programas televisivos (cada vez mais mesclados, embaralhando informação com entretenimento, ficção e jogo com o real – tal como fazem os reality shows) (JOST, 2004) e uma presença que vai deslizar o lugar até então absoluto da tevê: a internet. Disputando o lugar de acesso à informação rápida e atualizada, a internet se fortalece no Brasil graças a uma série de políticas econômicas de estímulo à expansão tecnológica e à redução dos custos do acesso aos computadores domésticos. Isso faz com que se comece a pensar numa possível “substituição” da tevê pela internet. A internet19 trazia a promessa de um mundo atual, diversificado, extensivo, com conexão a informações e pessoas até então inacessíveis e, principalmente, uma expectativa de diversidade e pluralidade na informação e nos contatos culturais. Havia, inclusive, a expectativa de que todos teriam espaço na rede e teríamos a erosão das autoridades e do poder dos mediadores (LÉVY, 1994). Certamente, as assimetrias não acabaram, e presenciamos os grandes grupos de comunicação entrando maciçamente na internet e criando portais 59


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e redes como forma de manter sua dominância e fortalecer sua presença. Ficamos, inclusive, mais suscetíveis à influência e à presença de grandes empresas transnacionais de comunicação. De toda forma, não podemos deixar de pontuar que o acesso à tecnologia ainda não é extensivo nem homogêneo em todas as regiões do planeta, muito menos de condições de produção e divulgação de suas leituras da vida social. Ao mesmo tempo em que há mais variedade de informação e fontes de acesso, não podemos dizer que há, necessariamente qualidade, pluralidade e visibilidade equilibradas. Observamos desigualdades e assimetrias em todas as formas de produção, visibilidade, acesso e valorização da cultura e da informação. Atualmente, notam-se mudanças contextuais mais ampliadas que reFRQ¿JXUDP VRFLDOPHQWH R PRGR FRPR QyV QRV UHODFLRQDPHQWRV FRP o tempo e com o espaço, fazendo com que a dinamicidade das interações sociais seja marcada pelas múltiplas afetações identitárias e pelas

mesclas

e

hibridações

imprevistas

entre

os

repertórios

culturais

(HARVEY, 2010; HUYSSEN, 2014; CANCLINI, 2003).

Neste contexto, o lugar social da televisão é necessariamente reconfigurado, e França (2009) nos apresenta traços e tendências na sua forma social e discursiva. Para a autora, essa reconfiguração vai desde a mescla entre informação e entretenimento nos mais diversos programas televisivos, que não respeitam mais os limites do real e do ficcional nas suas produções, até uma exploração de suas formas estéticas com intuito de se vincular emocionalmente a seus públicos. Ela ainda explica que temos o foco no personalismo e na intimidade como mecanismos e mobilização expressiva e valorização das experiências privadas, bem como o aparecimento e destruição de celebridades midiáticas. As questões individuais, a vida ordinária e dramas pessoais são cada vez mais explorados e tornados visíveis, fazendo, inclusive, uso da exploração de imagens polêmicas e picantes, capazes de inquietar e estimular os sentidos.

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Também neste contexto, a televisão passa a acolher – pelas tensões sociais e de seus públicos – críticas sociais e diversas formas de luta e resistência que aparecem na vida social (ainda que de maneira desequilibrada e desigual). A diversidade discursiva emerge como potência estratégica, dada a variedade de públicos com os quais tenta dialogar. Também não podemos deixar de citar os diálogos intermidiáticos, posto que a presença intensiva das redes sociais é transformadora da forma de presença e contato dos públicos com a tevê e das mídias entre si (FRANÇA, 2009). Além de observamos mudanças no lugar da tevê, vemos mover o lugar da produção e circulação do audiovisual. É inegável que temos uma produção mais diversificada e intensiva de audiovisual, dadas as condições atuais de acesso aos meios técnicos de produção, bem como as mais diversas plataformas de compartilhamento de produção audiovisual. Embora a TV tal como conhecemos ainda seja forte e concentrada em grandes redes, podemos notar a emergência de novas formas de produção, circulação e contato com o audiovisual, para além dessa produção televisiva. Vale, inclusive, dizer que essa produção vem afetando o lugar da tv tradicional. Neste momento mesmo, vivemos uma mudança profunda na nossa relação com a televisão: a passagem do sinal analógico para o digital. A mudança para a TV digital não se resume a uma mera alteração tecnológica: a televisão digital nasce num momento em que se valoriza cada vez mais os espaços de interlocução entre produtores e público e se procura abrir espaços para o tensionamento destas fronteiras entre produção e consumo. A TV digital tem como proposta ampliar as possibilidades de contato entre produtores e público, estimular o acesso a conteúdos diversificados, aumentar a oferta de produtos comunicacionais, instaurar uma interface de acesso à internet via televisão, expandir a presença das tecnologias digitais nas residências brasileiras e, principalmente, garantir uma diversificação e pluralização das produções audiovisuais, tanto no que se refere à sua difusão quanto à sua autoria. Daí, neste contexto, começam a surgir discursos que defendem que tevê, tal como a conhecemos, tende a desaparecer e a morte da tevê passa a ser, mais uma vez, anunciada. Dentre os motivos para se pensar na “morte da tevê”, temos dois argumentos complementares que aparecem com 61


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grande recorrência e vêm sendo retomados no momento atual. São eles: 1) as tecnologias sociais são substituídas levando ao desaparecimento de determinados dispositivos e 2) em algum momento teremos uma “caixa preta”, à qual todas as tecnologias comunicacionais utilizadas até hoje vão se reduzir e convergir em um único equipamento capaz de agregar todas as funcionalidades comunicativas necessárias. Para se contrapor a esses argumentos, Briggs e Burke (2006) fazem as seguintes ponderações com relação ao processo de desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação. Para eles, o processo de desenvolvimento de tecnologias não é desconectado entre um dispositivo e outro, pois observam que o processo de elaboração tecnológico é articulado e simultâneo; e, ainda, o surgimento de novas técnicas e tecnologias não necessariamente gera substituição das formas comunicativas. Ou seja, para eles, as necessidades comunicativas e seus propósitos são reconfigurados e articulados, mas não deixam de existir. Assim, as tecnologias emergem pela articulação e amadurecimento, não pela ruptura e substituição. Para tais autores, isto está associado à ideia de que o desenvolvimento de tecnologias não é espontâneo ou determinista dos processos sociais; ao contrário disso, são os processos sociais que direcionam a busca e elaboração de tecnologias e o que faremos com elas. Jenkins (2008) explica que ideia de que as mídias vão morrer pelos avanços e transformações tecnológicas é uma perspectiva bastante recorrente – e falha. Como ele explica, diversos estudos históricos vêm nos mostrar que são as ferramentas, os equipamentos que utilizamos, que se modificam, mas nossas necessidades comunicacionais perduram. Por isso, é preciso diferenciar os sistemas de distribuição e contato tecnológico dos processos comunicativos mediados por tecnologia, ou “protocolos”. As tecnologias e suas possibilidades são o tempo todo modificadas e atualizadas, mas os protocolos estão associados a bases sociais e culturais e crescem articulados com os desenvolvimentos tecnológicos. Desta forma, caberia mais falar em transformação das maneiras de se comunicar do que em ruptura ou desaparecimento destas formas. O questionamento da lógica da ruptura e da superação tecnológica está envolvido com um debate maior e anterior sobre o lugar das tecnologias 62


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nos processos de desenvolvimento social. Vamos discutir um pouco mais sobre isso, para avançarmos no entendimento do lugar da tevĂŞ na vida social. 2. Os processos sociais e interacionais: as tecnologias e o desenvolvimento social Na dĂŠcada de 1970, Williams, em TelevisĂŁo – tecnologia e forma cultural (2016), apontava que jĂĄ era um lugar comum dizer que a tevĂŞ alterou o nosso mundo e a maneira como nos relacionamos socialmente, como se ela trouxesse – enquanto tecnologia – uma nova sociedade, uma nova fase da histĂłria. Em sua crĂ­tica, Williams explica que esse tipo de afirmação tem implicaçþes e pode nos dar a falsa sensação de que as tecnologias, ao emergirem, conduzem o desenvolvimento humano e social. Ao invĂŠs disso, ele propĂľe pensar as necessidades sociais que conduziram ao desenvolvimento tecnolĂłgico e como nĂłs, nas nossas prĂĄticas sociais, guiamos os rumos das experimentaçþes e criaçþes tecnolĂłgicas. Para ele, tal discussĂŁo ĂŠ vĂĄlida, pois: (...) Isto nĂŁo ĂŠ sĂł uma questĂŁo de incerteza intelectual, ĂŠ uma questĂŁo de prĂĄtica social. Se a tecnologia ĂŠ uma causa, podemos na melhor das hipĂłteses, modiÂżFDU RX SURFXUDU FRQWURODU VHXV HIHLWRV 6H D WHFQRORJLD FRPR p XVDGD p GH fato um efeito, a que outros tipos de causa e outros tipos de ação devemos nos referir e relacionar a nossa experiĂŞncia e seus usos? Essas nĂŁo sĂŁo questĂľes abstratas, ocupam um lugar cada vez mais importante em nossos debates sociais e culturais e, na prĂĄtica, tomamos decisĂľes concretas e efetivas sobre elas o tempo todo (WILLIAMS, 2016, p. 24).

TambÊm preocupado com os discursos de que as tecnologias guiariam os processos sociais, temos as contribuiçþes de Castells (2006), pois, para ele, essa perspectiva não nos auxilia a entender a complexidade das açþes humanas na determinação da vida social. O autor explica que atribuir às tÊcnicas o poder de guiar a vida social oculta a potência decisiva do humano nos rumos do social. Para ele, as tecnologias seriam parte, mas não causa, da mudança multidimensional da sociedade. As tecnologias não teriam o poder de determinar o curso da história humana, uma vez que resulta da ação social. Para este autor: 63


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A era da informação ĂŠ nossa era. É um perĂ­odo histĂłrico caracterizado por uma revolução tecnolĂłgica centrada nas tecnologias digitais de informação e comunicação concomitante, mas nĂŁo causadora, com a emergĂŞncia de uma estrutura social em rede, em todos os âmbitos da atividade humana, e com a interdependĂŞncia global desta atividade. É um processo de transformação multidimensional que ĂŠ ao mesmo tempo includente e excludente em função dos valores e interesses dominantes em cada processo, em cada paĂ­s e em cada organização. Como todo processo de transformação histĂłrica, a era da informação nĂŁo determina um curso Ăşnico da histĂłria humana. Suas consequĂŞnFLDV VXDV FDUDFWHUtVWLFDV GHSHQGHP GR SRGHU GH TXHP VH EHQHÂżFLD HP FDGD uma das mĂşltiplas opçþes que se apresentam, conforme a vontade humana (CASTELLS, 2006, p. 225, grifos nossos).

Associado a esta perspectiva e atento às transformaçþes do contemporâneo, Orozco (2006) afirma que hå uma mudança paradigmåtica no contexto atual ao nos voltarmos para a produção imagÊtica, ao invÊs da literalidade que orientou por tantos anos nossa referência interacional: Se alguma tese sustento nesta discussão seria a de que muitas mudanças que estamos presenciando, e que seguiremos presenciado no futuro imediato, no âmbito da comunicação social, não se devem porÊm ao potencial tecnológico mais recente, que se depreenderia das últimas tecnologias ou da racionalidade tecnoinformåtica como tal, mas, sim, à extensa presença das mídias e tecnologias nascidas da modernidade. São mudanças, como a do trânsito de um paradigma da literalidade a um da imagem, que estão principalmente pre¿JXUDQGR DV WUDQVIRUPDo}HV IXWXUDV SRVVtYHLV R TXH H[LJH HQWHQGr ODV SDUD não cair no terreno das especulaçþes ou futurismos idealistas ou otimistas (OROZCO, 2006, p. 84).

Sobre esta mudança de Êpoca e de referencialidade interacional, podemos trazer as contribuiçþes de Braga (2006), para quem vivemos uma transformação nas formas como interagimos socialmente, engendrando uma reconfiguração dos processos interacionais de referência. Para ele, o momento social não pode ser compreendido olhando somente para mudanças e desenvolvimentos tecnológicos, mas para uma mudança no padrão interacional de nossa Êpoca. Braga explica que, ao longo do tempo, as sociedades interagiram de maneiras muito diversas e, dentre os múl64


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tiplos processos interacionais que estabelecemos, há sempre um que se destaca, tornando o referencial de sua época. Assim, a grande mudança que vivemos é esta: nosso processo interacional de referência está em transformação, se redesenhando e, por isso, vivemos uma remodelação das maneiras como interagimos socialmente. Na percepção de Braga, esse processo interacional em emergência e configuração é a midiatização. A midiatização não se trata apenas do uso de tecnologias ou do quanto a presença de desenvolvimentos tecnológicos tem se tornado intensiva e ostensiva em nossa vida cotidiana. Diferente disso, a midiatização se refere a um processo no qual, para além da centralidade das novas tecnologias e da mídia nas sociedades modernas, há uma remodelação na forma como construímos a realidade social e produzimos coletivamente sentidos para nossas práticas e nossas instituições sociais. Ou seja, não se trata somente de lidarmos com uma presença das tecnologias, mas sim de notar que nossas formas de nos relacionar socialmente vem se modificando e, inclusive, remodelando as maneiras de ser e estar no mundo. Isto ocorre porque a midiatização conduz à criação de tecnologias com objetivos sociais e interacionais numa sociedade pré-midiática. Braga explica que, com isso, inaugurou-se uma necessidade “apriorística por mais tecnologia”. Com isso, foram se alterando as formas de se perceber a realidade, incidindo no processo de construção da realidade social. Por isso, ao se falar em midiatização, não tratamos apenas de mudanças nos modos de trocar mensagens ou produzir significados, mas, sobretudo, nos modos como a sociedade se organiza, gere suas relações e articula modos de fazer. Assim, no cenário atual, Não se demarcam apenas modos de organizar e transmitir mensagens e de proGX]LU WUDQVSRUWDU VLJQL¿FDGRV PDV WDPEpP H VREUHWXGR FRPR PRGRV VHJXQGR os quais a sociedade se constrói. São padrões para “ver as coisas”, para “articular pessoas” e mais ainda, relacionar sub-universos na sociedade e – por isso mesmo – modos de fazer as coisas através das interações que propiciam (BRAGA, 2006, p. 7).

A midiatização implicaria uma nova forma de organização da vida e uma outra forma de presença no mundo, inauguraria uma nova ambiência, um 65


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padrão de condutas e comportamentos diferenciados, alterações perceptivas e organizadoras da realidade social e novas formas de interação. Também Hjarvard (2014) vê a midiatização como envolvida em transformações de longa duração e extensivas: elas não afetam somente a nossa relação com as mídias, mas também as nossas formas de interação, institucionalizando novos padrões de relações sociais. Para ele, a interativi-dade é especialmente afetada neste contexto pois: A comunicação de massa tem sido complementada por uma variedade de mídias interativas, permitindo a todos não apenas receber, mas também se engajar ativamente em diversas formas de comunicação com alcance potencialmente global (HJARVARD, 2014, p. 23).

Tal perspectiva enxerga uma dimensão integrativa entre mídia e vida social também no aspecto interacional, de modo que as práticas culturais e sociais se veem alteradas significativamente. Essa alteração nas formas interativas não se limita aos quadros interacionais, mas à maneira como as diversas instituições sociais interagem entre si e se articulam socialmente. Desta forma, a midiatização se desenha como uma ambiência que não se limita aos contatos midiáticos ou mediados, mas atravessa também as formas de organização institucional da vida social. Essa reconfiguração afeta, por certo, as dinâmicas internas da própria instituição midiática e seus dispositivos comunicacionais. Por isso, vale refletir como os dispositivos midiáticos interativos vêm se modificando e se rearticulando neste novo quadro interativo. Dentre as múltiplas mudanças emergentes no contexto da midiatização, quero propor aqui uma discussão sobre as mudanças diretamente ligadas ao audiovisual e como elas reverberam nas lógicas da televisão. 3. O contexto social contemporâneo: mudanças no audiovisual Numa perspectiva próxima àquela de Braga e Hjarvard citadas acima, Martín-Barbero (2014) defende que as mudanças tecnológicas não podem ser negligenciadas, embora não deem conta de explicar todo o contexto de transformação que estamos vivendo. Para ele, as novas tecnologias permitiram o surgimento de uma nova ambiência interacional na 66


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qual reconfiguramos nossos modos de habitar o mundo e de formar laços sociais. Martín-Barbero explica, então, que este contexto não pode ser visto somente por uma perspectiva econômica e de mercado (especialmente quando se pensa em globalização), pois tambÊm afeta o fazer comunicacional e as dimensþes culturais emergentes. Este contexto pode ser pensado pela chave da convergência, um conceito que propþe compreender o momento atual como um cenårio de inflexão e mudança culturais, na qual são estabelecidas novas visualidades. Conforme Martín-Barbero, A experiência cultural audiovisual, abalada pela revolução digital, aponta para a FRQVWLWXLomR GH QRYDV PRGDOLGDGHV GH FRPXQLGDGH DUWtVWLFD FLHQWt¿FD FXOWXUDO e de uma nova esfera do público. Ambas acham-se ligadas ao surgimento de uma visibilidade cultural, cenårio de uma batalha política decisiva que passa hoje pelo deslocamento dos saberes, perturbando suas velhas, mas ainda prepotentes, hierarquias [...], disseminando os espaços onde se produz o conhecimento e os circuitos pelos quais transita, e permitindo aos indivíduos e às coletividades inserir suas culturas cotidianas orais, sonoras e visuais nas novas linguagens e escrituras (MART�N-BARBERO, 2014, p. 26).

Este momento aparece marcado pelas disputas identitĂĄrias e sociais que passam a transbordar nas narrativas midiĂĄticas monolĂ­ticas, fazendo aparecer a diversidade e as tensĂľes do campo social nestes espaços midiĂĄticos. Para MartĂ­n-Barbero, a diversidade cultural encontra-se numa situação bastante peculiar, na qual vem disputando sua penetrabilidade no social por duas vias: 1) pela digitalização, procurando traduzir para esta ambiĂŞncia numĂŠrica uma diversidade de prĂĄticas, discursos e formas culturais atĂŠ entĂŁo restritas ao seu contexto de surgimento – rompendo com os dualismos do inteligĂ­vel face ao sensĂ­vel e ao emocional, da razĂŁo Ă imaginação, da ciĂŞncia Ă arte, e tambĂŠm da cultura Ă tĂŠcnica ou do livro aos meios audiovisuais; 2) pela configuração de um novo espaço pĂşblico pelos movimentos sociais, comunidades culturais, meios comunitĂĄrios e mais diversas e descentralizadas formas de produção e circulação discursiva. Este processo de constituição de novas visualidades evidencia-se entĂŁo como marcado pelo entrecruzamento de novas e velhas maneiras de ha67


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bitar o mundo, pois correlacionam experiências culturais distintas e de temporalidades variadas. Assim, traz-se ao debate perspectivas que estavam relegadas a segundo plano pelas formas convencionais e hegemônicas de produção discursiva. Com isso, o contexto da convergência delineia-se como uma situação de remodelação e afetação cultural, na qual a emergência de uma “nova economia cognitiva” marca a primazia do sensório e do simbólico através da digitalização das novas modalidades de interação. Henry Jenkins (2008) também considera a convergência como um processo cultural, muito além de um processo econômico ou tecnológico. Por isso que, para ele, não faz sentido pensar em um tipo de “tecnologia síntese” (ou a famigerada “caixa preta”) na qual todas as nossas necessidades interacionais e comunicativas seriam atendidas. Mais do que uma alteração tecnológica, a convergência se desenha como um processo que afeta e tensiona as formas de se posicionar e ler o quadro social. Justamente por isso, não podemos observar a convergência pelos equipamentos tecnológicos que possuímos ou desejamos: “a convergência envolve uma transformação tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os meios de comunicação” (JENKINS, 2008, p. 42). Nesta perspectiva, não podemos compreender a convergência olhando somente para as alterações pelas quais vêm passando as grandes indústrias da mídia e o avanço dos equipamentos de acesso e as tecnologias a eles associados, como a televisão. Mais do que olhar para a TV digital como uma tecnologia emergente, precisamos compreendê-la como ela reconfigura os processos de circulação do audiovisual. É importante pensarmos na dinâmica de produção e circulação envolvidos e notar que, por se tratar de um processo cultural amplo no horizonte social, produtores e consumidores têm vivido uma remodelação dos seus lugares estabelecidos. E tais remodelações – de ordem comunicacional – implicam novas maneiras de habitar e compreender o mundo. Jenkins explica que a convergência acaba por afetar o fluxo dos conteúdos, que se deslocam em diversos canais e empreendem múltiplas modalidades interacionais com seus públicos, engendrando, inclusive, uma dinâmica participativa, na qual os públicos afetam intensamente as lógicas produtivas. Também neste momento, podem ser observadas a expansão de 68


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possibilidades imprevistas de grupos alterativos reagirem e produzirem formas comunicacionais alternativas àquelas propostas pelos tradicionais veículos midiáticos. Isso nos faz pensar que não podemos olhar para a TV digital como se ela fosse uma mera transformação tecnológica, que não vai afetar a TV enquanto forma cultural. Da mesma forma, para compreender esta afetação, precisamos olhar para ela inserida neste novo contexto de produção e circulação do audiovisual – um contexto de midiatização e convergência – e observar alguns dos pontos de tensionamento que se desenham neste cenário. Observando o atual contexto em que as tecnologias de produção, compartilhamento e acesso às produções audiovisuais estão em mutação, e sem a pretensão de esgotar o debate, proponho pensar em alguns elementos que geram tensionamentos na relação com a TV nos últimos tempos: a. Novas instituições e grupos produzindo e disponibilizando audiovisual Recentemente, dado o alargamento do acesso a equipamentos e conhecimentos produtivos em linguagem audiovisual, temos observado uma expansão de novas plataformas de streaming20 que operam on demand, ou sob demanda21. Basicamente, a particularidade dessas plataformas é que elas oferecem um banco de conteúdos gigantesco e diversificado que é acessado pela escolha dos seus públicos via internet. Este tipo de circulação via streaming e sob demanda inaugura não somente uma diferente lógica de produção e disponibilização de conteúdo (que independe de uma grade de programação), como também estimula formas de contato diferenciadas. Neste modelo, os públicos podem assistir e reassistir a essas produções quando quiserem, respeitando seus próprios ritmos de fruição (como no time-shifting, ou seja, o hábito de gravar e assistir ou rever múltiplas vezes), podem assistir às sequências em cascata, sem respeitar lógicas de exibição (as famosas “maratonas de séries”, ou binge watch) ou mesmo fazer uma assistência dispersiva, se relacionando com múltiplas telas durante o contato com estas produções (engendrando as experiências de “segunda tela”, guiadas ou não pelos produtores de conteúdo) (MASSAROLO & MESQUITA, 2016). 69


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Para elucidar melhor este ponto, podemos citar duas plataformas que operam sob demanda, mas que desenvolvem lógicas singulares de contato e produção de conteúdo: Netflix e YouTube. A Netflix é uma empresa fundada nos Estados Unidos, em 1997, cujo traço marcante é a disponibilização de um grande acervo de produção profissional de audiovisual (filmes, séries, documentários...) por streaming, mediante uma assinatura mensal. Nos últimos anos, além de disponibilizar conteúdos (o que fazia desta empresa uma plataforma), agora a Netflix também produz material audiovisual e vem realizando uma grande quantidade de filmes e séries de sucesso mundial. Tal como uma biblioteca virtual, seus públicos se tornam assinantes do acervo e podem acessá-lo indistintamente pela internet e escolher a programação que querem ver. É interessante notar que esse acesso pode se dar de múltiplas formas: seja por computadores, notebooks, tablets e celulares, seja por aplicativos disponíveis a Smart TVs e conversores digitais (estes conversores permitem a recepção do sinal digital em aparelhos analógicos, bem como o acesso à internet, instalação de aplicativos e exibição de conteúdos sob demanda). Já o YouTube, criado também nos Estados Unidos, em 2005, é uma plataforma de compartilhamento – operando numa lógica de rede social – de postagem e difusão de conteúdo audiovisual. Nele, o acesso é por streaming e segue uma lógica sob demanda: os públicos selecionam os materiais para visualização. Podem ser visualizados por equipamentos variados como computadores, notebooks, tablets, smartphones, Smart TVs ou pelo uso dos conversores digitais. Esse conteúdo pode ser produzido e disponibilizado por grandes empresas da mídia (e hoje, até mesmo grandes redes de televisão disponibilizam canais no YouTube, nos quais deixam seus conteúdos acessíveis aos públicos após ou simultaneamente à exibição televisiva), empresas produtoras de audiovisual (que estão cada vez mais firmando seu espaço de elaboração fora dos circuitos tradicionais de circulação audiovisual) e pessoas comuns, que postam vídeos familiares, autorais/biográficos, ficcionais etc. Por vezes essas categorias se misturam: o fenômeno dos youtubers tem mostrado que os produtores podem muitas vezes alcançar um grau de visibilidade e acesso tão elevado que se tornam verdadeiras empresas e marcas. Essas grandes empresas se tornam referenciais neste contexto para compreender o surgimento de novos atores no cenário contemporâneo do au70


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diovisual, mas não são só elas que existem atualmente: há uma quantidade enorme de empresas, inclusive da mídia tradicional, que vêm desenvolvendo suas próprias plataformas como o objetivo de concorrerem também neste filão. b. Velhas instituições tentando se inserir neste novo contexto A tevê vem, ao longo do tempo, se modificando e adaptando suas formas de produção e de contato com seus públicos. No contexto da midiatização não seria diferente: os desenvolvimentos tecnológicos afetam desde a produção das formas midiáticas, reconfigurando seus traços estéticos e estruturais, fazendo surgir novos formatos, até a criação de novas formas de estabelecer contato e se aproximar seus públicos. Se num primeiro momento, a participação do público era estimulada pelo envio de cartas, telefonemas e depois e-mails, hoje a divulgação simultânea de mensagens deixadas nas redes sociais das empresas tentam dar a sensação de presença do público nos seus quadros. Com a TV digital, a forma do público acessar a programação da televisão vem se modificando: os públicos nutrem contato com variadas telas enquanto assistem à tevê e também podem assistir à programação televisiva nos sites das empresas e em aplicativos desenvolvidos especificamente para acolher sua produção e manejar este contato expandido com o público. Além disso, com o acesso à internet via televisão, o público poderá não só escolher a programação sob demanda, como interagir com as programações assistidas pelo contato ou mesmo pela alteração das lógicas de assistência. Podemos dizer que se as possibilidades de acesso se expandiram, o modo de se relacionar tecnicamente com a televisão também mudou. Enquanto temos cada vez mais Smart TVs que disponibilizam aplicativos desses grandes grupos midiáticos (gerando também uma migração do público tradicional da tevê para as plataformas de streaming) temos também uma procura pelos conversores das tevês analógicas. Os conversores permitem que aparelhos analógicos recebam o sinal digital e, além disso, possibilitam a conexão em rede destes aparelhos analógicos, garantindo o acesso a esses novos modelos de programação. Além disso, os conversores per71


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mitem que as pessoas conheçam uma programação diversificada, especialmente de plataformas que não possuíam canais de TV analógicos, ampliando os tipos de conteúdo que se tornam disponíveis. Também neste cenário, notamos que os grupos midiáticos tradicionais vêm tentando ganhar espaço, lançando aplicativos para serem instalados nos conversores e nas Smart TVs. O objetivo seria continuar atuando neste contexto de transformação das formas de contato com a televisão. Um dos aplicativos brasileiros de mais sucesso é o da Globo play, criado pela Rede Globo, que além disponibilizar a programação diária do canal Globo, vem desenvolvendo mais e mais conteúdo exclusivo para quem faz uso do aplicativo ou assina o serviço da emissora. Há ainda outras empresas tradicionais de comunicação que vêm se associando a plataformas de streaming já consolidadas para criar seus canais dentro destes espaços. É o caso da Rede Record, que tem um canal no YouTube alimentado com sua programação. c. Públicos gerando imagens para novas e velhas instituições Por certo, temos uma mudança tecnológica e estrutural na organização das empresas tradicionais e recentes de produção audiovisual. Mas, além disso, podemos dizer que a relação dos públicos com o audiovisual também tem sido modificada. Com a ampliação do acesso às tecnologias e a incorporação de câmeras de foto e vídeo cada vez mais avançadas nos smartphones, temos vivido uma era de intensiva produção audiovisual. Até poucos anos atrás, o acesso às tecnologias de produção, edição e compartilhamento do audiovisual era bastante restrito e estava concentrado em empresas ou grupos sociais de alta renda. Com a disseminação tecnológica, a produção de vídeos se torna cada vez mais cotidiana: as pessoas fazem vídeos para guardar memórias, relatar suas experiências e saberes, postar e compartilhar em redes sociais, e, inclusive, para atestar suas vivências, trazendo para este tipo de produção um cunho testemunhal. Isso faz com que as pessoas passem a se inserir mais intensamente num quadro de produção e circulação audiovisual – embora devamos reconhecer que se trata de uma escala desequilibrada em termos de produção e visibilidade com relação às grandes indústrias do audiovisual. Mesmo com essas assimetrias de produção e visibilidade, não se pode negligen72


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ciar a presença das produções amadoras e suas eventuais reverberações. Apesar de o acesso reduzido em comparação à visibilidade alcançada pelas grandes empresas, há um volume crescente de postagens e de público que vem disponibilizando suas produções em plataformas como o YouTube. Além disso, é válido ressaltar que não são raras as vezes que esses pequenos produtores alcançam visibilidade e conquistam um número, invejável para muitas empresas, de adesões e acesso a suas produções. É neste cenário, inclusive, que vemos surgir as centenas de “youtubers” – a “profissão” dos sonhos entre os mais jovens. A grande conquista deste tipo de produção é permitir um tipo de presença até então interdita pelas mídias tradicionais: as fontes de informação e a entrada de novos discursos passa ao largo das grandes empresas e gera tensões e conflitos sobre as definições e organizações das narrativas sobre o mundo e seus fenômenos. Diversos atores aparecem na cena pública e passam a disputar a legitimidade e o reconhecimento de suas versões da realidade e ganham mais ou menos adesões de acordo com o contexto e ao sabor dos gostos do público. A legitimidade das grandes instituições para definir o real se encontra abalada pela presença destes atores inesperados. Os regimes de crença se tornam cada vez mais importantes, pois eles passam a se vincular, com muita frequência, aos enunciadores e o grau de reconhecimento e legitimidade que conseguem arrebanhar para si – muito embora eles careçam de uma segurança ou vínculo institucional para dar ancoragem e credibilidade aos seus discursos. A “verdade” está cada vez mais associada à crença na enunciação e no enunciador (VERÓN, 1983). Neste cenário, os afetos e as emoções passam a conquistar públicos e trazer para esses enunciadores um lugar de referência até então inimaginável. Esses entrecruzamentos não param por aí: nessa guerra pela visibilidade, muitos novos produtores alcançam o espaço já consagrados de produção audiovisual e chegam às mídias tradicionais. Com relativa frequência, vemos vídeos amadores produzidos pelos celulares de pessoas comuns ganhando milhões de acessos simplesmente por figurarem dentro de um telejornal ou programa de entretenimento, constituindo uma forma contemporânea de “fala testemunhal” ou “relato do cotidiano”. Isso evidencia o quando os processos de produção estão mais difusos, menos concentrados nas ações de algumas empresas, e, inclusive, mostra que os grandes 73


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grupos midiáticos têm buscado se associar a seus públicos como forma de captar atenção e audiência. Podemos dizer que a mídia tem incorporado essa participação popular por, sinteticamente, três motivações principais: 1) incorporar um grau de penetrabilidade do público na sua produção, inovando nas maneiras de presença do povo na tevê; 2) fazer ali emergir uma sensação de “imparcialidade” nestes relatos, pois a instância televisiva não seria a mediadora: haveria aí um mundo real, das pessoas comuns, que observa e interpreta o mundo e, num rompante, chega até ela e transborda nos seus espaços e; por fim, 3) usar de seu lugar de credibilidade para conferir àquela produção amadora o estatuto de verdade, pois seria uma imagem (cujo grau representacional é sempre burlado em favor de uma sensação de realidade) capaz de trazer a dinâmica da vida social para dentro da TV pelas mãos (e olhos) de seu público, invertendo as lógicas que até então foram os parâmetros de seu discurso. Conclusão? Sem a pretensão de esgotar o debate sobre a tevê no quadro contemporâneo – por isso a interrogação, pois não consideramos possível concluir esta discussão – procuramos traçar um panorama das questões que vêm sendo sentidas no contato cotidiano com o mundo televisivo e com as mutações do audiovisual. Numa sociedade que a cada dia avança no processo de produção de suas histórias por narrativas complexas, gerando inovações nas formas de linguagem e nas construções imagéticas, sonoras e afetacionais, somos instigados a pensar como essa profusão de formas modifica a maneira como nos relacionamos com as narrativas midiáticas, com as nossas histórias e as nossas linguagens. Refletir sobre a tevê nos permite observar sua adaptabilidade como uma estratégia de sobrevida: ao ser afetada pelo contexto e rearticular as formas de reprodução social do seu discurso fundador, vemos como ela se mantém viva no contemporâneo. Pensá-la em sua forma e em seu discurso nos permite mapear como as tensões de ordem histórica, temporal, espacial, tecnológica, formal e discursiva a afetam e a modificam.

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Contudo, o eixo integrador dessas mudanças não pode ser outro que não a ação humana no mundo, que estimula os processos sociais e dá rumo às mutações empreendidas. Somente uma compreensão articulada das adaptabilidades da tevê com os processos sociais nos permite avançar numa leitura complexa e integrativa do contemporâneo. Defendemos aqui essa leitura articulada como fundamental para uma abordagem contextual da televisão, articulada com o entendimento de que vivemos num quadro de midiatização e convergência, no qual remodelamos culturalmente nossas ações na vida social. Essa perspectiva, que vê as tecnologias e os processos sociais como dimensões ligadas a partir das quais o lugar da televisão vem se desenhando no mundo hoje, abre dois campos interpretativos. Primeiro, ao reco-nhecer que não estamos a reboque da tecnologia no processo social (ou seja, não são as técnicas que direcionam os rumos do social), conseguimos dar complexidade e profundidade para as interações sociais. Isso nos permite dizer que nossas relações com a mídia e com os demais processos sociais não obedecem a uma lógica determinística. Entendemos que são as ações sociais – fruto da presença e atuação humana – que direcionam o que fazemos com as tecnologias comunicacionais e como remodelamos nossas culturas e identidades no quadro contemporâneo. As tecnologias aparecem assim como uma resposta a uma necessidade interacional mais forte, envolvida nas expectativas e nas necessidades da vida social. Segundo, ao assumirmos que a tevê é fruto de processos sociais, podemos remodelá-la a partir do tensionamento de suas formas. Assim, reconhecemos na televisão uma dimensão encarnada com o social: a tevê não é uma instância à parte, que contempla e narra a sociedade. A tevê é fruto desta sociedade na qual se insere e, no seu interior, participa dos processos de reprodução e elaboração de sentidos sobre a vida social. Por isso, vemos que a tevê engendra sua adaptabilidade à luz de sua forma interacional com a sociedade: para além de uma mudança tecnológica das suas formas de produção, circulação e contato com seus públicos, a tevê nutre uma relação comunicacional com seu contexto e seu discurso. As mudanças pelas quais vem passando estão alinhadas com alterações mais amplas, do nosso contexto social de midiatização e convergência, do re75


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posicionamento dos atores e dos grupos sociais, bem como das formas de produção e circulação audiovisual no contemporâneo. O surgimento de novos atores no audiovisual pode ser compreendido como eco dessa modificação mais ampla do quadro social: a criação de novas plataformas e modalidades discursivas no audiovisual vêm atender a este anseio de presença e inserção nas formas de elaboração narrativa e imagética da vida social. Tais emergências tensionam rumo a uma reconfiguração das posições das instituições midiáticas para além do plano interinstitucional: na vida cotidiana, as pessoas travam relações das mais diversificadas com esta cultura audiovisual. Muitos atores (institucionais ou não) têm encontrado nos discursos audiovisuais uma maneira de se posicionar publicamente e fazer reverberar suas leituras sobre o mundo. Vivemos um momento social em que a pluralidade de discursos nos faz questionar sobre a nossa habilidade de acolher a diversidade e problematizá-la. Também questionamos o estatuto das legitimidades e dos regimes de crença que vêm se desenhando e são convocados para estabelecer a validade e o grau de confiabilidade junto destes novos atores. Ao mesmo tempo em que notamos uma dispersão de enunciados, vemos grupos se organizando para manter a adesão e centralizar seus discursos e suas narrativas sobre a vida social. Neste cenário, podemos dizer que tevê – agora TV digital – continua mudando, manifestando aí sua vitalidade e sua associação com a dinâmica social. A presença de novos atores e instituições não pode ser vista como uma perda nem como problemas a serem solucionados, mas sim como uma reconfiguração do quadro social no qual vivemos e construímos sentidos e narrativas sobre nós mesmos. Já sabemos que a tevê muda rápida e vastamente. Ela estaria assim próxima de sua morte pela diversidade? Sua adaptabilidade nos mostra que não. Morte da tevê? Vida longa à tevê.

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CapĂ­tulo 3 FORMAĂ‡ĂƒO CONTINUADA CONEXĂ•ES ESCOLARES COM A TV DIGITAL EM FOCO: A TELEVISĂƒO E SUAS POTENCIALIDADES EDUCATIVAS

Heli Sabino de Oliveira

Acreditei, durante muitos anos, que a televisão era uma forte concorrente com a Educação de Jovens e Adultos. contas, jå tive jovens que ausentaram, nas Acreditei, durante Afinal muitosdeanos, que a televisão era seuma forte concorquartas-feiras, da escola por conta de futebol; algumas senhoras deixaram vir à aula porque UHQWH FRP D (GXFDomR GH -RYHQV H $GXOWRV $¿QDO GH FRQWDV Mi WLYH MRYHQV queriam perder o último capítulo da novela que se ausentaram, nas não quartas-feiras, da escola por conta de futebol; al(depoimento de uma professora da Educação de Jovens e Adultos). gumas senhoras deixaram vir à aula porque não queriam perder o último capítulo da novela (depoimento de uma professora da Educação de Jovens

Descobrir,ena formação continuada da Seja Digital, as potencialidades educativas Adultos). da televisĂŁo. Foi para mim, algo surpreendente. Via a televisĂŁo como uma grande rival da educação.Descobrir, JĂĄ tive, emnaminha sala, crianças sonolentas pela manhĂŁ porque assistiu formação continuada da Seja Digital, as potencialidades eduĂ televisĂŁo atĂŠ altas horas da madrugada; jĂĄ tive crianças que, sob influĂŞncia da televisĂŁo, cativas da televisĂŁo. Foi para mim, algo surpreendente. Via a televisĂŁo como possuĂ­am, em sala de aula, comportamentos violentos uma grande rival da educação. JĂĄ tive, em minha sala, crianças sonolentas pela (depoimento de uma professora do Ensino Fundamental). manhĂŁ porque assistiu Ă televisĂŁo atĂŠ altas horas da madrugada; jĂĄ tive crianças TXH VRE LQĂ€XrQFLD GD WHOHYLVmR SRVVXtDP HP VDOD GH DXOD FRPSRUWDPHQWRV

Antes da formação, separava o de mundo escolar e odo mundo daFundamental). televisão em campos violentos (depoimento uma professora Ensino completamente opostos: à escola, cabia a formação de cidadãos críticos; à televisão, a formação de indivíduos consumistas Antes da formação, separava o mundo escolar e o mundo da televisão em cam(depoimento de um professor do Ensino Fundamental). pos completamente opostos: à escola, cabia a formação de cidadãos críticos; à televisão, a formação de indivíduos consumistas (depoimento de um professor do Ensino Fundamental).

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As falas que abrem o presente capítulo foram obtidas durante a Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, promovida pela Seja Digital, em parceria com a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Tendo como público alvo 30 professores da Educação Básica, a referida formação buscou, além de informar sobre migração do sinal televisão analógico para o sinal de televisão digital na Região Metropolitana de Belo Horizonte, apresentar à escola a coleção Conexões Escolares com a TV Digital, um material didático pedagógico que promove um diálogo entre televisão digital e disciplinas escolares. Cabe destacar, de saída, que a formação continuada integrou o projeto de Formação de Educadores da Educação Básica: Televisão digital e educação midiática – um novo jeito de pensar a TV, coordenado pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, que procurou abordar as múltiplas linguagens televisivas e suas potencialidades educativas na educação básica. O referido projeto de extensão desenvolveu duas ações distintas e complementares voltadas a professores/as que atuavam, em 2017, na educação básica na Região Metropolitana de Belo Horizonte: A) Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, com carga horária de 8 horas, para 805participantes; e B) Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, com carga horária de 16 horas, para 30 participantes. Enquanto a ação A ocorreu, entre os meses de agosto e novembro, em escolas e secretarias de educação em cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a ação B aconteceu somente no mês de agosto, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. A despeito da diferença entre a carga horária e número de professores/as envolvidos, houve, entre atividade A e atividade B, pelos menos três pontos de contatos: 1) a apresentação de informações básicas sobre o processo de desligamento do sinal analógico; 2) novas possibilidades educativas suscitadas pela TV digital e 3) realizações de oficinas e atividades, envolvendo questões pertinentes à mudança de sinal na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O que basicamente distinguiu uma ação da outra foi o fato de a atividade B ter se desdobrado em elaborações de sequências didáticas pelos/as professores/as, bem como por acompanhamentos de 80


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estagiários dos cursos de licenciaturas da Universidade Federal Minas Gerais, com vista a observar e registrar, por meio de fotos, anotações em diário de campo, questionários e entrevistas, os trabalhos docentes. Cabe destacar que, nesse processo, além da formação presencial, os/as professores/as se valeram das redes sociais, por meio de uma página criada no Facebook para debater e socializar suas sequências didáticas. Tendo como referência materiais produzidos pela Seja Digital e autores que estudam o campo educacional, a Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital se apoiou em uma concepção que compreende a televisão digital como uma nova plataforma de comunicação digital, que pode ser transformada, no contexto escolar, em objeto de estudo, permitindo o desenvolvimento de um olhar crítico sobre o mundo contemporâneo. O caráter formativo dos encontros pode ser notado nas três falas selecionadas que compõem as epígrafes que abrem o presente capítulo. A primeira fala evidencia a perplexidade de uma professora de Educação de Jovens e Adultos (EJA), ao tomar consciência sobre possibilidades educativas da televisão. Antes da formação, ela compreendia a televisão como elemento concorrente à prática pedagógica. O futebol e as novelas eram usados por estudantes da EJA como justificativas para se ausentarem da escola. No entanto, após a formação, a professora percebia o quanto a televisão pode ser tomada como objeto de estudo, tornando o espaço escolar mais atrativo para os/as educandos/as. Na terceira seção, apresento uma sequência didática elaborada pela referida professora para ser trabalhada em sua turma de EJA. A segunda fala coloca em relevo o novo olhar de uma professora do ensino fundamental, anos iniciais, sobre a televisão. Até então, ela percebia a TV como um elemento que limitava seu fazer pedagógico. Do ponto de vista empírico, notava, por um lado, que algumas crianças do turno matutino não se envolviam, de forma efetiva, com as atividades escolares em razão da sonolência, fruto de uma noite mal dormida, por assistir à televisão até “altas horas da madrugada”; por outro lado, observava que outras crianças, influenciadas por certos programas televisivos, manifestavam, em 81


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sala de aula, comportamentos agressivos. Trata-se, como veremos mais adiante, de um olhar que marca o senso comum de alguns professores. No entanto, chamo a atenção aqui para o fato de a professora ter, após a realização da formação continuada, constatado as potencialidades educativas da televisão, ferramenta que pode ser pensada como aliada ao processo de escolarização. A terceira fala evidencia uma perspectiva binária de um professor do ensino fundamental, anos finais, superada durante a formação continuada. Sua visão sobre função social da escola e da televisão se assenta aparentemente em uma perspectiva bastante simples. De um lado, a escola, voltada para formação do cidadão; de outro, a televisão, voltada para formação de indivíduos consumistas. Contudo, a formação permitiu, de acordo com seu próprio depoimento, que revisse sua posição, questionando, até certo ponto, os antagonismos entre educação, escolarização e televisão. As três falas nos suscitam algumas indagações: o que foi, afinal de contas, a Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital? Quais temas foram trabalhados nessa formação? Que recursos didáticos foram mobilizados? Em que base epistemológicas foram estruturados a formação continuada? Que sequências didáticas foram elaboradas nesses encontros? Este capítulo pretende responder a essas e outras questões. Para tanto, está dividido em quatro seções e as considerações finais. A primeira seção apresenta a organização temática da Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, bem como sua respectiva carga horária. A segunda seção aborda os principais temas tratados durante o curso, com foconos materiais que balizaram os encontros com os/as professores/as da educação básica, colocando em relevo os cadernos pedagógicos, elaborados pela Seja Digital, no primeiro semestre de 2017. Trata-se de uma coleção composta por quatro cadernos pedagógicos que destaca as múltiplas linguagens, bem como potencial educativo no contexto escolar. A terceira seção toma como objeto de análise depoimentos de professores e professoras que participaram da Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, colocando em evidência a perspectiva educacional Pedagogia do Olhar.A quarta seção examina algumas propostas de trabalho elaboradas pelos educadores durante a Formação Continuada 82


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Conexões Escolares com a TV Digital. As considerações finais retomam alguns aspectos tratados no capítulo, com a finalidade de pensar novas possibilidades pedagógicas na educação básica, tendo a televisão como tema transversal e objeto de estudo. Conexões Escolares com a TV Digital: a formação de professores em uma sociedade em permanente mudança. À primeira vista, a mudança do padrão de transmissão da televisão de sinal analógico para o sinal digital na Região Metropolitana de Belo Horizonte pode ser lida como um acontecimento desencadeado pelo alto desenvolvimento tecnológico, que permitiu o acesso da população a uma TV de melhor qualidade, sem “chuviscos” e “fantasmas”. Esse ponto de vista é facilmente demonstrável: basta observar, logo após a migração de sinal, como houve uma substancial melhoria do som e da imagem da TV aberta. No entanto, para 30 professores/as da educação básica, que participaram efetivamente da Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, essa mudança significou novas possibilidades educativas, um novo jeito de pensar e ver televisão. Para eles, o advento da TV digital suscitou a oportunidade de se estudar a televisão como um tema transversal, como um objeto de estudo e investigação que permite criar situações de aprendizagem para crianças, adolescentes, jovens e adultos.

Foto: Rafael Gaia 83


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Professores da educação básica em formação na Faculdade de Educação Com uma carga horária de 16 horas presenciais, a Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital contou com a participação de educadores que atuam no Ensino Fundamental, anos iniciais e finais e professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA. Enquanto o Ensino Fundamental, anos iniciais, atende criança do 1º ao 5º ano, com idades entre 06 e 11 anos, o ensino fundamental, anos finais, atende adolescentes do 6ºao 9ºano, com idade entre 12 e 15 anos. Por sua vez, a EJA corresponde, conforme a lei 9394-96, artigo 37, a modalidade de ensino fundamental e médio destinada às pessoas que não tiveram acesso à escolarização na infância e na adolescência. Os professores da formação em questão atuam na modalidade da EJA destinada ao ensino fundamental. Cumpre sublinhar aqui dois aspectos: a) todos os professores eram voluntários, dispostos a trabalhar, em sala de aula, com a temática “A televisão na era digital”; b) as cidades onde trabalhavam esses educadores eram Belo Horizonte, Betim, Contagem, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano. O quadro a seguir permite-nos visualizar a distribuição dos 30 professores por escola, bem como a sua atuação na etapa de escolarização que atua na Educação Básica.

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Conexões Escolares com a TV Digital: sobre formação continuada Cidade: Belo Horizonte

Modalidade Educativa

Número de participantes 01

Escola Municipal Edson Pisane

Educação de Jovens e Adultos

Escola Municipal Caio Líbano Soares

Educação de Jovens e Adultos

02

Escola Municipal Osvaldo França Junior

Ensino Fundamental, ANOS INICIAIS

02

Escola Estadual Menino Jesus de Praga

Ensino Fundamental, ANOS INICIAIS

09

Cidade: Contagem

Modalidade Educativa

Número de participantes

Escola Estadual Nair Mendes Moreira

Ensino Fundamental, ANOS INICIAIS

03

Modalidade Educativa

Número de participantes

Escola Estadual José Luiz de Carvalho

Educação de Jovens e Adultos

01

Escola Estadual José Luiz de Carvalho

Ensino Fundamental, ANOS INICIAIS

02

Escola Estadual José Bonifácio de Andrade

Ensino Fundamental, ANOS INICIAIS

01

EM Sebastião Gomes

Educação de Jovens e Adultos

03

Cidade: Santa Luzia

Modalidade Educativa

Número de participantes

Escola Municipal Geraldo Teixeira da Costa

Ensino Fundamental, ANOS INICIAIS

02

Cidade: Vespasiano

Modalidade Educativa

Número de participantes

Escola Municipal

Educação de Jovens e Adultos

02

Cidade: Betim

Modalidade Educativa

Número de participantes

Escola Municipal Maria Mourice Graniere

Educação de Jovens e Adultos

01

Cidade: Ribeirão das Neves

Fonte: arquivo do projeto de extensão

Há que se destacar que a Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital foi planejada coletivamente com os seguintes atores sociais: coordenação da SejaDigital, responsável pelo desligamento do sinal analógico na Região Metropolitana de Belo Horizonte, três professores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, uma professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais e um professor do Centro Universitário UNA. 85


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Metodologia da Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital: a televisão digital em perspectiva A Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital foi dividida em cinco eixos temáticos: a) importância estratégica das escolas no desligamento da TV analógica; b) as tecnologias digitais no mundo contemporâneo; c) Pedagogia do Olhar: fundamentos, princípios e implicações no processo de construção de conhecimento na era digital; d) apresentação dos cadernos Conexões Escolares com a TV Digital, com seus respectivos autores; e e) construção de sequências didáticas, tendo como foco a televisão na era digital. Os procedimentos metodológicos usados na Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital foram diversificados: aulas expositivas dialogadas, trabalhos em grupos, exibição de vídeos, oficinas e elaboração de sequências didáticas. Como recursos didáticos, utilizou-se os quatro cadernos pedagógicos, materiais informativos elaborados pela Seja Digital para divulgação nas comunidades, leituras de crônicas que tratam do lugar ocupado pela televisão no cotidiano, músicas que abordam diferentes facetas e perspectivas acerca da influência da televisão na sociedade brasileira, documentários e reportagens. No processo formativo em questão, um oitavo do tempo de formação dos professores se destinou ao papel estratégico das escolas no processo de migração do sinal analógico para sinal digital. Afinal de contas, nem todos os televisores estavam preparados para captar o sinal de TV digital, nem todos mineiros possuíam informações sobre esse processo. Assim, eram necessários que os professores informassem aos seus estudantes que aparelhos de TV analógicos que não estivessem conectados a um conversor, nem ligados a uma antena UHF, externa ou interna, não receberiam, a partir de novembro, o sinal de televisão aberta. Além disso, era necessário que os estudantes soubessem que famílias cadastradas nos programas sociais do governo federal receberiam gratuitamente conversor, antena, controle remoto e manual de instalação. As demais famílias precisariam, no entanto, adquirir tais equipamentos ou comprar um novo televisor; caso contrário, deixariam de ter acesso aos programas televisivos. Dessa maneira, a escola pôde desempenhar, nesse processo, um papel crucial na 86


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divulgação, no esclarecimento e na mobilização de seus estudantes para que o acesso à televisão aberta fosse assegurado. Um quarto da formação se destinou à compreensão das mudanças tecnológicas. Trata-se de uma abordagem baseada em quatro novas possibilidades suscitadas pelo sinal digital. A primeira possibilidade diz respeito ao acesso aos programas televisivos por meio de outras ferramentas digitais: celulares, computadores de mesa, notebooks e tablets, o que retira dos aparelhos de TV a exclusividade de transmissão de conteúdos televisivos. A segunda possibilidade diz respeito à própria função do aparelho de TV, que passou desempenhar funções de um computador com acesso à internet. A terceira diz respeito às emissoras de TV aberta propriamente ditas, que, através do sistema digital, podem oferecer interatividade, multiprogramação e acessibilidade aos seus usuários, que incluem uma maior diversidade de programação e de conteúdos, participação em enquetes e debates, a possibilidade de compras virtuais, o acesso a informações de utilidade pública não vinculadas à programação exibida e uma maior interação de pessoas com deficiências auditivas e visuais com o aparelho de televisão e com os conteúdos exibidos. A quarta diz respeito à liberação da faixa de 700 MHz do espectro eletromagnético, após o desligamento do sinal analógico. Utilizando a faixa de 700 MHz, empresas de telecomunicações têm implantado a tecnologia 4G pelo Brasil, ampliando, assim, a qualidade e o alcance dos sinais da telefonia móvel, bem como oferecendo serviços de internet por preço mais acessível. Um quarto da formação se destinou ao estudo da Pedagogia do Olhar, uma perspectiva que toma a televisão como objeto de investigação. Tratase de pensar a televisão, não apenas como recurso de apoio didático, mas também como temática que faz parte da vida cultural dos estudantes. Isso implica considerar as produções, as imagens e as informações apresentadas nas programações televisivas tanto como fonte de entretenimento e informação quanto como linguagem que precisam ser compreendidas, caso queiramos formar, de fato, sujeitos críticos e participativos que interajam de forma ativa em seu meio social. A Pedagogia do Olhar parte do princípio de que o ato de pensar a televisão é uma competência que precisa ser fomentada na educação básica.

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A referida formação continuada reservou ainda um oitavo de seu tempo para apresentação e debate da coleção Conexões Escolares com a TV Digital que, tal como já fora introduzido no a capítulo anterior, trata-se de um material dividido em quatro cadernos, elaborado no primeiro semestre de 2017, por professores da educação básica e do ensino superior, visando a trabalhar as potencialidades educativas da televisão. Em resumo, o primeiro caderno (Televisão: mais que uma palavra?) indaga sobre as múltiplas linguagens que orientam as programações televisivas. Tomando como referências teóricas conceituais, pensadores como Freire (1985), Chauí (2006) e Fischer (2006), os autores apresentam a Pedagogia do Olhar uma perspectiva investigativa que busca compreender a televisão como objeto de estudo, com linguagem e interesses próprios. Trata-se de um olhar denso, marcado pela curiosidade e pelo estranhamento. O segundo caderno (Trilhas televisivas) aborda a influência da televisão na constituição do imaginário, dos afetos, dos comportamentos, das identidades e das subjetividades da sociedade brasileira. Com enfoque no papel pedagógico da televisão na sociedade contemporânea, a autora faz um percurso pela história da TV, dialogando com as várias trilhas linguísticas, técnicas e discursivas que esse dispositivo de comunicação foi construindo ao longo dos anos. O terceiro caderno (Materialidades televisivas)versa da mudança do sinal de televisão analógico para o digital sob o ponto de vista da cultura material – tubos de raios catódicos, sinais eletromagnéticos, pixels e bytes – tendo em vista três eixos teóricos: antropoceno, uma nova era geológica definida pela ação humana sobre o planeta; teoria do ator rede, pessoas e coisas (como objetos, animais e ondas) serão igualmente responsáveis pela consolidação de uma nova tecnologia, a televisão digital; bricolagem, prática que permite criar novas montagens a partir dos objetos existentes. E, por fim, o quarto caderno (Diversidades geotelevisivas) reflete sobre o fenômeno da televisão no cotidiano da sociedade brasileira. Para isso, são utilizados os conceitos norteadores da ciência geográfica em articulação com a prática pedagógica em sala de aula. Nesse material, o professor encontra quatro eixos para abordar, em sala de aula, a televisão na era digital: a) a TV, como objeto situado no lugar; b) a TV, como equipamento que apreende a diversidade de paisagens; c) a TV, como rede (material e imaterial) construída nas regiões brasileiras; e d) a TV, como fenômeno técnico-científico-informacional (mundial), que territorializa espaços a partir das relações de poder e que, consequentemente, mobiliza indivíduos e coletivos. 88


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Foto: Rafael Gaia

Um quarto de horas da formação continuada foi destinado à elaboração de sequências didáticas, tendo como foco a migração do sinal da TV analógica para TV digital. O ponto de partida dessa atividade foi a retomada dos princípios pedagógicos freirianos que orientam a organização do trabalho pedagógico em sala de aula: “ensinar não é transferir conhecimento, mas construir condições para sua produção” (Freire, 1995, p. 15). A Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital buscou, assim, assegurar que 30 professores da Evento de lançamento dos Cadernos Pedagógicos Educação Básica trabalhassem com as potencialidades educativas da televisão, tendo como eixo a migração da TV analógica para TV digital. Entre final de agosto e início de dezembro, os professores que participaram da formação continuada foram convidados a desenvolver, em sala de aula, essa temática. Durante esse processo, estudantes bolsistas de curso de licenciaturas da Universidade Federal de Minas Gerais passaram a acompanhar esses professores em sala de aula, observando e registrando seus trabalhos. A Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital ocupa, assim, como veremos na próxima seção, um lugar próprio no campo educacional. Em vez de pensar os conteúdos escolares em contraste com os conteúdos televisivos, ela articulou esses campos, com intuito de formar cidadãos críticos e participativos. Trata-se, como veremos a seguir, de uma nova perspectiva de pensar a relação entre televisão e escolarização.

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TV Digital e Educação Båsica

Pedagogia do Olhar como fonte de construção de conhecimento no contexto escolar O depoimento de uma professora que atua no ensino fundamental, anos iniciais, apresentado no inĂ­cio deste capĂ­tulo, ĂŠ bastante ilustrativo para que se compreenda o carĂĄter multifacetado do processo de escolarização. Eu nunca pensei que pudesse tomar a televisĂŁo como objeto de estudo; para mim, ela era um limite para o processo de escolarização. No entanto, descobrir na formação continuada da Seja Digital as potencialidades educativas da televisĂŁo, foi algo surpreendente. Via a televisĂŁo como uma grande rival da educação. JĂĄ tive, em minha sala, crianças sonolentas pela manhĂŁ porque assistiram WHOHYLVmR DWp DOWDV KRUDV GD PDGUXJDGD Mi WLYH FULDQoDV TXH VRE LQĂ€XrQFLD GD televisĂŁo, possuĂ­am, em sala de aula, comportamentos violentos (professora do ensino fundamental, anos iniciais de Belo Horizonte).

A fala da professora suscita pelo menos trĂŞs consideraçþes: a) a televisĂŁo, tida como uma forte concorrente ao processo de escolarização, ĂŠ responsabilizada por comportamentos agressivos e por sonolĂŞncias de estudantes. Tem-se, assim, um discurso que nĂŁo indaga sobre o papel social dos responsĂĄveis legais que deveriam monitorar o horĂĄrio e conteĂşdo das programaçþes televisivas a que as crianças tĂŞm acesso. Talvez isso ocorra, todavia, porque a professora desconfia de que algumas crianças, por uma sĂŠrie razĂľes, contam, em suas casas, mais com a presença da “babĂĄ eletrĂ´nicaâ€? do que da presença de adultos; b) o papel da escola tem sido ampliado nas Ăşltimas dĂŠcadas. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), a formação integral das crianças e adolescentes nĂŁo ĂŠ uma exclusividade da famĂ­lia, mas tambĂŠm da sociedade e da comunidade e; c) para as Diretrizes Nacionais da Educação BĂĄsica (2013), o cuidar ĂŠ tambĂŠm uma dimensĂŁo intrĂ­nseca ao fazer pedagĂłgico na educação infantil e no ensino fundamental, anos iniciais. Assim, a preocupação da professora ĂŠ bastante pertinente. Preocupar-se com horĂĄrio e conteĂşdos televisivos sĂŁo atributos da escola, na medida em que interferem na formação integral de crianças e adolescentes. Isso implica tratar do assunto com os responsĂĄveis legais, bem como “construir combinadosâ€? com os estudantes. Cumpre sublinhar, no entanto, que a professora nĂŁo foi surpreendida por essas questĂľes. O que criou perplexidade na educa90


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dora foi a possibilidades educativas suscitadas pelo advento da televisão digital. Eis a segunda parte da fala da professora: A Pedagogia do Olhar me chamou muita atenção, porque vejo televisão dispersivamente, geralmente realizando outras atividades. Como foi tratado aqui, a televisão Ê tão familiar que Ê difícil a gente vê-la como uma construção social e cultural (professora do ensino fundamental, anos iniciais de Belo Horizonte).

A professora destaca aqui o eixo estruturante da formação continuada que participou: a Pedagogia do Olhar. Grosso modo, pode-se dizer que, do ponto de vista epistemolĂłgico, trata-se de um jeito de conceber a relação ensino/aprendizagem a partir de uma educação da visĂŁo. Nessa perspectiva, ver e notar sĂŁo coisas distintas. Vemos diariamente pessoas, paisagens e objetos. Isso nĂŁo significa, no entanto, que sempre notamos certas coisas que nos rodeiam. O termo Pedagogia do Olhar foi cunhado por Rubem Alves (2011), com objetivo de nos chamar a atenção para aspectos que foram naturalizados, que perderam seus encantamentos, por estarem enredados em nossos cotidianos. Educar ĂŠ mostrar a vida a quem ainda nĂŁo a viu. O educador diz: “Veja!â€? - e, ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vĂŞ o que nunca viu. Seu mundo VH H[SDQGH (OH ÂżFD PDLV ULFR LQWHULRUPHQWH ( ÂżFDQGR PDLV ULFR LQWHULRUPHQWH ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria – que ĂŠ a razĂŁo pela qual vivemos. -i OL PXLWRV OLYURV VREUH SVLFRORJLD GD HGXFDomR VRFLRORJLD GD HGXFDomR ÂżORVRÂżD GD HGXFDomR Âą PDV SRU PDLV TXH PH HVIRUFH QmR FRQVLJR PH OHPEUDU GH qualquer referĂŞncia Ă educação do olhar ou Ă importância do olhar na educação, em qualquer deles. A primeira tarefa da educação ĂŠ ensinar a ver... É atravĂŠs dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascĂ­nio do mundo. Os olhos tĂŞm de ser educados para que nossa alegria aumente. As palavras sĂł tĂŞm sentido se nos ajudam a ver um mundo melhor. HĂĄ muitas pessoas de visĂŁo perfeita que nada veem... O ato de ver nĂŁo ĂŠ coisa natural. Precisa ser aprendido (ALVES, 2011, p1).

O autor diferencia o ver e o enxergar. Podemos ver, sem notar, sem nos atentar para o detalhe, para gênese do objeto e a intencionalidade de quem estå nos mostrando. Daí a necessidade de uma educação do olhar, de uma 91


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pedagogia que se volte para o estranhamento, para desnaturalização e para construção de sensibilidades. Um comentårio de um professor que atua no ensino fundamental, anos finais, traduziu bem essa perspectiva pedagógica. A televisão estå tão presente no dia a dia da gente que deixamos de pensar sobre suas linguagens, sobre seus interesses; a gente vê a TV, mas não nota o quanto ela faz parte do nosso cotidiano. O estudo sobre a chegada da TV digital nos deu oportunidade de pensar sobre isso (depoimento de um professor, (QVLQR )XQGDPHQWDO DQRV ¿QDLV

A televisão estå, como destaca o professor, bastante estabelecida na sociedade brasileira. Hoje, ela não ocupa somente as salas de nossas residências. Podemos encontrå-las em outros cômodos. Sua presença, jå hå algum tempo, deixou de ser o espaço domÊstico, podendo ser vistas nos bares, restaurantes, consultórios, hospitais. A familiaridade da televisão não nos permite, assim, que tomemos distância sobre esse artefato cultural. Sua naturalização no cotidiano nos impede de (re)pensar como um construto social, de desenvolver um olhar que nos permita inquirir sobre suas diferentes linguagens e sobre os interesses que informam suas programaçþes. Eu era criança quando a televisão chegou a minha casa. Assistíamos a novelas, futebol e desenhos animados. Eu tinha 7 anos. A energia elÊtrica chegou a minha casa em 1977, mudando completamente a relação de minha família com a vi-zinhança. (depoimento de uma das responsåveis pela Formação ContinuDGD &RQH[}HV FRP D 79 'LJLWDO

O formador chama a atenção para um aspecto pouco trabalhado na educação båsica: a chegada da televisão às famílias e as mudanças de håbitos e em decorrência de seu estabelecimento na sociedade brasileira. Um dos procedimentos que nos permite reeducar nosso olhar Ê a reconstituição da história da televisão, tendo como foco os estudantes e familiares. Por meio da construção de um museu vivo da televisão Ê possível iniciar o processo desnaturalização do lugar ocupado socialmente pela televisão.

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Professores da EJA em formação continuada Seja Digital

Foto: Rafael Gaia

Um exemplo desse procedimento está documentado no caderno Trilhas Televisivas, da coleção Conexões Escolares com a TV Digital. Tomando como ponto de partida a questão do consumo, Oliveira (2017) se propõe a examinar as origens da TV brasileira nas camadas populares, seu lugar na memória coletiva na construção de fantasias e sonhos. Isso pode ser realizado por meio de depoimentos de pessoas que passaram a ter contato com a televisão tardiamente, em contextos marcados pela ausência de energia elétrica. Antes de apresentar sua proposta pedagógica, o autor examina a chegada da televisão em sua própria casa, no final da década de 1970, o que representou profundas mudanças nas formas de interação no âmbito familiar e na comunidade na qual estava inserido. A substituição das histórias orais, contadas pelo pai, pelas fascinantes histórias televisivas, com sons e imagens e em movimento, foi a primeira alteração destacada pelo autor. A segunda mudança foi o lugar em que a família passara a ocupar na vizinhança. Como se trata de uma época e de um lugar em que a energia elétrica acabara de ser instalada, não havia, nas moradias próximas da casa do autor, nenhum aparelho de TV. Sua casa passou, então, a ser frequentada por homens, mulheres e crianças. O televizinho, experiência de ver televisão na casa do vizinho, alterou não 93


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somente a rotina da família, mas também redefiniu o lugar social ocupado pelos pais e pelos filhos na comunidade. O autor sugere, então, que se investigue a chegada da televisão às camadas populares na década de 1970. Para ele, esse procedimento pode provocar espanto nas gerações mais novas, acostumada com a onipresença desse artefato cultural em seu cotidiano. Para crianças, adolescentes e jovens, uma TV, com o formato e com a qualidade de som e de imagem que tínhamos na infância é hoje algo impensável. Imagino que para eles, uma TV Zenith, de 24 polegadas, com válvulas e tubos enormes, em um museu, provocaria um estranhamento, uma sensação de falta de senso estético. Suponho, porém, que o nível de perplexidade deles aumentariam ainda mais, se assistissem a uma programação com imagens em preto e branco, com grande quantidade de “chuviscos” e “fantasmas”. Não sabendo eles que em uma época, em que a televisão era um bem inacessível para as camadas populares, possuir uma tevê era fonte de orgulho, status social e poder (OLIVEIRA, 2017, p. 40).

Um estudo sobre o lugar da TV na esfera doméstica nos permite, assim, compreender porque o ato de assistir à TV não é apenas ato individual, mas, antes de tudo, um ato social. Afinal de contas, a televisão brasileira ocupa um lugar na memória coletiva, na organização do pensamento, na construção de fantasias e afetos. Oliveira (2017) conclui seu depoimento, sugerindo uma atividade pedagógica que busque examinar esses aspectos. Como a televisão se encontra enraizada no cotidiano das famílias na atualidade, é difícil para as crianças, adolescentes e jovens imaginarem um mundo sem a presença deste artefato cultural. Assim, um estudo sobre a chegada da televisão na vida dos avôs e avós maternos e paternos, na vida da mãe e do pai dos estudantes pode ser uma atividade interessante. A construção de um museu vivo da televisão, com fotos de TVs antigas, ao lado de TVs modernas; com relatos de diferentes pessoas pode ser possibilidade pedagógica interessante. Os professores podem se valer da perspectiva da História Oral na condução desse trabalho. Grosso modo, essa metodologia diz respeito a um conjunto de pesquisa que tem como foco a reconstituição de aconWHFLPHQWRV LPSRUWDQWHV SDUD GHWHUPLQDGDV FRPXQLGDGHV 6XD ¿QDOLGDGH p R UHFR lhimento de depoimentos sobre vivências passadas e presentes de pessoas numa determinada localidade. Não se trata, no entanto, de aplicação de questionários e de respostas às entrevistas estruturadas, mas de entrevistas em profundidade, abordando aspectos relevantes para os sujeitos e comunidade (OLIVEIRA, 2017, p. 41).

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Em outras palavras, uma Pedagogia do Olhar busca indagar sobre algo que se encontra naturalizado, familiarizado e enredado em nosso senso comum; isso implica examinar o nosso olhar sobre coisas que vemos, mas que nem sempre notamos. A pedagogia do olhar se volta para a compreensão de como a televisão pensa e representa as minorias, bem como descreve nossas experiências espaciais e territoriais. Outro aspecto que informa a pedagogia do olhar é tanto a compreensão de como a televisão se mostra, como ela pode ser interpretada. Uma pedagogia do olhar se volta para compreensão de experiências de TVs comunitárias e educativas, e seu lugar na democratização da comunicação. Nessa perspectiva, a pedagogia do olhar traz em seu bojo os seguintes questionamentos: o que é a televisão? O que queremos que ela seja? O que é a TV digital? Como a TV digital altera a relação entre o público e as emissoras de televisão? Como o proFHVVR GH GLJLWDOL]DomR SRGH PRGL¿FDU QRVVD SHUFHSomR VREUH REMHWR 79" (SOUSA & OLIVEIRA, 2017, p. 35).

Uma Pedagogia do Olhar se abre, assim, para o múltiplo, para o plural e para diferentes perspectivas suscitados pela televisão. Isso implica distinguir o olhar infantil e o olhar adulto sobre uma mesma programação televisiva. Eis um trecho de um depoimento de uma professora do ensino fundamental sobre essa questão: “meu olhar sobre a televisão quando criança era outro completamente diferente do que tenho hoje. Morria de rir com Os Trapalhões, Os Três Patetas e Agente 86. Agora não consigo achar graça mais. Hoje assisto mais jornais e novelas”. A professora destaca aqui um ponto importante que orienta a Pedagogia do Olhar: a questão geracional. A faixa etária, o nível de escolaridade, a questão de gênero e raça interferem na forma como assistimos aos programas televisivos. Isso não significa, no entanto, que se trata de algo natural, que não pode ser indagado. Há que se examinar ainda as formas pelas quais os meios de comunicação podem se tornar instrumentos valiosos na luta em favor da vida, da dignidade humana e da inclusão social. Ao lidar com imagens, com formas de representação social, crianças, adolescentes, jovens e adultos podem 95


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aprender a fazer e como fazer programações televisivas. Cumpre sublinhar aqui que, entre 2005 e 2007, um grupo de jovens negros franceses decidiu aprender a usar tecnologias de informação e comunicação para documentar seu cotidiano em média, curtas e supermetragens. Veja o que um deles diz sobre esse fato. Depois de 2005, dissemos: chega. Não deixaríamos mais que falassem da gente daquele jeito, de uma maneira prejudicial e violenta! [..] (decidimos) que a palavra devia vir de dentro. [...] Sabemos que hoje imagem é do poder da grande mídia. Daí a ideia de nos apoderarmos dela, de tomar o controle. É um ato político. Uma espécie de golpe (KRÉMER, 2008, apud, SANTOS, 2009, p. 25).

Dessa forma, o estudo sobre a TV digital e suas linguagens implica a construção de situações em que os estudantes não se limitem somente a consumir programações televisivas, mas também sejam desafiados a realizar produções midiáticas sobre a escola e o bairro onde estão inseridos. Ao redefinir seu olhar sobre a televisão, os estudantes estão, como destaca Arlindo Machado, construindo um novo conceito e uma nova prática de televisão. Ao decidir o que ver, o que fazer na televisão, ao eleger as experiências que vão merecer nossa atenção e o nosso esforço de interpretação, ao discutir, apoiar determinadas políticas de comunicação, estamos, na verdade, contribuindo para construção de um conceito e uma prática de televisão (MACHADO, 2000, p. 12).

Na próxima seção, destacaremos algumas sequências didáticas elaboradas pelos/as professores/as na parte final da formação.

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Formação Continuada com a participação de representante da Seja Digital (FaE/UFMG)

Foto: Rafael Gaia

Sequências didáticas: a televisão digital em foco A Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital procurou instigar os/as professores/as a construir sequências didáticas que tomassem a televisão digital como objeto de investigação e de aprendizagem. Para tanto, seis princípios educativos, inspirados em Paulo Freire, foram trabalhados: a) A elaboração de uma sequência didática precisa estar ancorada no diálogo e na problematização. Os encontros pedagógicos são, nessas perspectivas, guiados por perguntas desestabilizadoras, que despertam curiosidades e que provocam novos desafios aos educandos e às educandas; b) O educador não é visto como facilitador do processo pedagógico, cuja principal tarefa é transferência de conhecimentos. Acredita-se que, subjacente à concepção de transferência de conteúdo, celebrada pelos modismos pedagógicos, encontra-se a noção de que o conhecimento seja uma coisa ou abstração, com vida própria, sem conexão com indivíduo e so97


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ciedade. Todavia, o conhecimento não é, nessa perspectiva, uma entidade autônoma e neutra, nem um elemento reificado da cultura e da sociedade. Por isso, em vez de ser definido como facilitador, o professor, nessa perspectiva, é tratado como um desafiador pedagógico. c) Compreende-se o conhecimento como uma construção social, fruto de relações de poder. Com efeito, não se trata apenas de uma construção técnica, guiada por princípios epistemológicos e regras metodológicas. Assim, o processo de construção de conhecimento interroga experiências sobre as experiências e os saberes prévios dos/as estudantes. d) Uma sequência pedagógica precisa, assim, ser pensada com e nunca para os/as educandos/as. Quando isso não ocorre, a violência simbólica, resultado de uma educação bancária, instaura-se, impedindo que os conhecimentos e a experiências discentes emerjam no contexto escolar. e) A práxis (teoria e prática são dimensões indissociáveis) é parte constitutiva da ação/reflexão/ação. Como sustenta Paulo Freire, a teoria sem a prática é verbalismo e a prática sem a teoria é a ativismo. f) A questão da televisão digital não é apenas uma questão técnica, alheia às experiências dos/as crianças, adolescentes, jovens e adultos, mas uma dimensão humana, que marca, de forma existencial, vidas e experiências dos/as estudantes da educação básica. De forma geral, uma sequência didática consiste em organização de atividades, com diversificação de recursos didáticos, tendo como foco o aprofundamento de um determinado tema. Em geral, uma sequência didática é realizada, no mínimo, com cinco aulas. A título de ilustração, apresento, a seguir, quatro sequências didáticas: A primeira sequência didática que destaco aqui foi realizada por uma professora do Ensino Fundamental, anos iniciais, de uma escola do município de Belo Horizonte. Apoiando-se nos Cadernos Pedagógicos da Seja Digital, ela elaborou, durante a formação, uma sequência didática, intitulada de televizinho, com cinco aulas.

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1) A professora propôs, para a primeira aula, trabalhar leituras de folhetos explicativos, produzidos pela Seja Digita, bem como informações vinculadas pelo rádio e televisão sobre o desligamento do sinal analógico e sobre a televisão digital e suas principais características. Em uma perspectiva dialógica, os estudantes foram instigados a pensar sobre a migração do sinal analógico para o sinal digital, bem como sobre as novas possibilidades geradas pela TV digital. 2) Na segunda aula, a professora se propõe a realizar a leitura de dois relatos, extraídos dos Cadernos Pedagógicos da Seja Digital. O primeiro, Televizinho: uma memória de infância (Caderno 2) e o segundo, A TV Fusca (Caderno 4). A professora pretendeu, no segundo encontro, criar um ambiente de diálogo, de relações de trocas em torno da temática televisão. Além disso, com o objetivo de ampliar o debate, a professora elaborou algumas questões para que as crianças entrevistassem pessoas de seu convívio familiar (pai, tio, avó etc.) sobre a chegada da televisão ao cotidiano da família. 3) Na terceira aula, a professora propôs um debate sobre as narrativas familiares a respeito da televisão. Os alunos, distribuídos em grupos, foram desafiados a contar as histórias de seus pais, tios e avós. 4) Na quarta aula, realizou-se a socialização e confecção de protótipos de TV por cada aluno. 5) Na quinta aula, a professora fez uma exibição, para escola, de atividades produzidas pelos estudantes. Conforme documentado pelos bolsistas, esta atividade gerou uma rica exposição da história da televisão, com diferentes tipos de televisão (preto e branco, de tubo, pequenas, grandes, de plasma, LED, LCD). A segunda sequência didática, elaborada por outra professora do ensino fundamental, anos iniciais, teve como temática o Museu da TV. Essa sequência também organizada para ser trabalhada em cinco encontros, tendo como fonte de inspiração a história da televisão brasileira (Caderno 2). Para o primeiro encontro em sala de aula, a professora propôs a construção de um diagnóstico da turma, visando a conhecer o que os alunos 99


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sabem e o que precisam saber sobre a mudança de sinal da televisão. A aula esteve ancorada nos informativos básicos sobre a mudança do sinal analógico para sinal digital produzidos pela Seja Digital. Para o segundo encontro, a professora planejou a construção de um roteiro de entrevistas, a fim de saber, por meio de depoimentos de mães, avôs e avós, a história da televisão brasileira na ótica dos familiares. No terceiro encontro, após lerem e comentarem os depoimentos obtidos junto aos familiares, a professora propõe a construir o Museu da TV. Museu Vivo da Televisão

Arquivo pessoal

A terceira sequência didática que destaco aqui foi elaborada por um professor do ensino fundamental, anos finais, do município de Ribeirão das Neves. O objetivo central do professor foi trabalhar com os princípios da Pedagogia do Olhar por meio de música, filmes e textos. Para tanto, o professor planejou cinco encontros. No primeiro, o professor se valeu de letras de músicas que têm como foco a televisão. O intuito era ampliar a capacidade de interpretação de textos. A primeira letra, Meus amores da Televisão, refere-se a um texto bastante simples, que descreve o fascínio de um fã pelas atrizes de novelas televi100


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sivas. A canção de Roberto Carlos evidencia o amor romântico, próprio dos enredos da dramaturgia, que exaltam as beldades de suas personagens. Após apreciar a melodia, os estudantes são desafiados a identificar as ideias principais e secundárias expressas na letra da música. A segunda letra, “A Televisão me deixou muito burro demais”, do grupo Titãs, requer a compreensão do contexto em que a mesma foi elaborada, já que o refrão destaca um bordão proferido nos anos de 1980, por Ronald Golias: “oh! Cride, fala pra mãe que tudo a TV captar meu coração captura”. Cride é uma corruptela de nome próprio Euclides. Por meio da letra dessa música, os alunos são desafiados a pensar não somente sobre as programações televisivas, sobre o conceito de expectador, a fim de que refletirem sobre o papel ativo que precisam ter ao assistir a TV. A terceira letra de música, “Eu Adoro minha televisão”, exige, por sua vez, que o ouvinte identifique no texto uma ironia. A música do Capital Inicial destaca as ambiguidades da televisão como instrumento de entretenimento. No segundo encontro, o professor discutiu a migração de sinal da TV, a partir das informações que os estudantes já haviam obtido pelos meios de comunicação. Em seguida, o professor se dispõe a ler folhetos explicativos, produzidos pela Seja Digital, bem como apresentar informações vinculadas pelo rádio e televisão sobre o desligamento do sinal analógico e sobre a televisão digital e suas principais características. Nesse encontro, o professor trabalhou também com o Caderno 3 do kit pedagógico. No terceiro e quarto encontro, a fim de examinar a linguagem televisiva, o professor exibiu o filme Show de Truman, estrelado por Jim Carrey. Trata-se de uma trama que descreve a história de um rapaz que, ao nascer, foi vendido pela família para um programa de televisão, transmitido ao vivo durante 24 horas para mais de vinte países do mundo. Entretanto, Truman (Jim Carrey) não sabe que sua vida é um verdadeiro simulacro. Isto é, as pessoas com as quais ele convive são atores contratados para trabalhar nesse reality show. Além disso, a cidade inteira foi construída como um grande estúdio de TV. Cumpre destacar que a forma pela qual o programa consegue aferir lucros estratosféricos se deve ao fato de todos os objetos usados pelos atores serem comercializados. Com a apresentação comentada do filme, o professor e os alunos debateram o conceito de simulacro e programas reality show. 101


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No quinto encontro, o professor tomou como ponto de partida duas crônicas, extraída dos Cadernos Pedagógicos. O primeiro, Televizinho: uma memória de infância (Caderno 2) e o segundo A TV Fusca (Caderno 4). O intuito do professor foi abordar o caráter afetivo e sensorial que marcam a linguagem televisiva. No último encontro, o professor propôs apresentar as principais mudanças suscitadas pela migração de sinal, bem como realizar uma oficina de construção de antena. Uma professora da EJA do município de Belo Horizonte, antes de iniciar sua sequência didática, procurou caracterizar os estudantes da escola onde trabalha. Nesse estabelecimento educacional, a idade dos alunos oscilava, em 2017, entre 15 e 77 anos. O que fazia com que o uso e os significados sobre a televisão fossem diversos. Havia, nessa escola, 105 estudantes, sendo 65% constituído por pessoas do sexo feminino. Os dados coletados, no mês de agosto de 2017, por meio de questionário, evidenciavam o quanto a televisão estava presente no cotidiano dos estudantes: constatou-se que a TV estava presente em 96% da residência deles. Ou seja, em um universo de 105 pessoas, apenas 6 disseram não possuir, em casa, esse eletrodoméstico. Enquanto 40% disseram ter conhecimento sobre a migração do sinal analógico para o sinal digital por meio das propagandas de rádio e televisão. A maioria dos estudantes, 60%, não tinha conhecimento sobre a mudança de sinal. Pôde-se notar ainda que, para mais 58% dos estudantes, a TV é a principal fonte de informação. Enquanto as mulheres (76%) disseram que a programação predileta era novela e programas de auditórios, os homens apontaram o futebol como programação preferida. Além disso, 87% dos estudantes disseram acreditar totalmente nas informações apresentadas pelos telejornais. A sequência didática foi dividida em três fases, tendo como referência os princípios da pedagogia ativa e da educação emancipatória. Na primeira fase, denominada de problematização, buscou-se fomentar no estudante o desejo de estudar a temática; na segunda, denominada de desenvolvimento, a professora procurou trabalhar, de forma sistemática, a televisão em sala de aula e, na síntese, os alunos apresentaram seus trabalhos e avaliaram o projeto.

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A problematização, primeira fase da sequência didática, teve uma duração de dois encontros. Seu intuito era o de construir um ambiente de aprendizagem que mobilizasse não apenas o lado cognitivo que permeia o processo ensino/aprendizagem, mas também a emoção, a fantasia, o sonho e a imaginação, elementos fortes que estruturam as ações dos seres humanos. Em outros termos: procurou-se criar um ambiente educativo favorável ao estudo dessa temática. De acordo com Leite (1997, p. 32), a problematização abarca o detonador e a organização do projeto propriamente dito. Por meio do detonador se busca, por um lado, diagnosticar os conhecimentos prévios dos educandos sobre a temática; por outro lado, criar situações de aprendizagem que despertem o desejo do grupo sobre o que se propõe a estudar. O princípio educativo que preside a problematização está ligado ao pressuposto construtivista que afirma que o que não é problemático não é pensado. Para Rubem Alves, uma das razões do fracasso nos estabelecimentos educacionais decorre do fato de os professores insistirem em ensinar sobre questões que nunca incomodaram seus alunos. O que não é problemático não é pensado. Você nem sabe que tem fígado até o momento em que ele funciona mal. Você nem sabe que tem coração até que ele dá umas batidas diferentes. Você nem toma consciência do sapato, até que uma pedrinha entra lá dentro. Quando está escrevendo, você se esquece da SRQWD GR OiSLV DWp TXH HOD TXHEUD 9RFr QmR VDEH TXH WHP ROKRV± R TXH VLJQL¿FD que ele vai muito bem. Você toma consciência dos olhos quando eles começam a funcionar mal. Da mesma forma que você toma consciência do ar que respira, até que ele começa a feder... Fernando Pessoa diz que “pensamento é doença dos olhos”. É verdade, mas nem toda. O mais certo seria “pensamento é doença do corpo” (ALVES, 1983, p. 23).

A professora organizou a problematização a partir dos seguintes procedimentos, a saber: a) exibição de um episódio do filme A Família Dinossauro, a Cúpula de Energia. Trata-se de uma trama que destaca a criação de uma cúpula de energia elétrica por Bob Sauro em uma feira de ciências. Em um primeiro momento, a mídia celebra a grande descoberta do jovem cientista. Seu 103


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retrato é estampado nas primeiras páginas dos jornais de grande circulação. Ele se torna uma celebridade em programas de entrevistas, seu nome aparece em capas de jornais e revistas. Em um segundo momento, Bob passa a ser atacado pela empresa que monopolizava a produção de energia. Sua vida é devassada, descobre-se que o jovem havia cometido certos deslizes, próprios da adolescência, o que é amplamente explorado por uma imprensa sensacionalista, fazendo com que sua invenção caia em descrédito perante a opinião pública. b) A leitura de um fragmento, extraído do livro de Ciro Marcondes Filho (1992), Televisão: a vida pelo vídeo. Trata-se de um texto que aborda o peso da publicidade na estruturação dos programas televisivos. Nesse momento, os alunos foram indagados sobre as seguintes questões: quem paga os altos salários de apresentadores de programas de auditórios? Como as emissoras de televisão obtêm lucros com suas programações? Qual é o valor de um comercial de televisão, com inserção nacional de quinze segundos, durante o horário nobre? Qual o peso do índice audiência na estruturação de um programa televisivo? c) Migração do sinal analógico para digital (o que muda e o que permanece? Quais as novas possibilidades suscitadas pelo novo padrão de transmissão da televisão?). Para tratar dessa temática, a professora se valeu de materiais produzidos pela Seja Digital para divulgar nas caravanas e nos meios de comunicação. Após a realização da problematização, a professora se propôs a desenvolver a sequência didática por meio da construção de uma história oral da televisão. Os estudantes da EJA passaram a relatar sobre envolvimentos com a televisão, os programas que assistiam na infância, os que assistem hoje, que tipo de programações televisivas gostariam que fossem transmitidas em uma TV aberta e quais expectativas possuíam em relação à TV digital.

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Grupo de professores que participou da primeira Formação Continuada (FaE/UFMG)

Foto: Rafael Gaia

Considerações finais Como destaca Moran (2013), as tecnologias digitais nos permitem registrar, editar, combinar, manipular informações em qualquer tempo e lugar. O autor sublinha que a digitalização nos liberta dos espaços e tempos rígidos, previsíveis, determinados, integrando, de forma convergente, computador, celular, internet, câmera digital. A despeito das novas possibilidades técnicas geradas pela TV digital, as formações oferecidas pelo projeto Seja Digital em parceria com a UFMG, e detalhadas acima, procuraram “desmanchar” a imagem, por vezes rígidas, que se tem da TV, através de atividades que buscaram demonstram que esse veículo de comunicação é bem mais que uma palavra. Ele é, acima de tudo, um artefato cultural, que se encontra bem estabelecido na sociedade brasileira. Em sua ambivalência, a TV aproxima o que se encontra distante e distancia o que se encontra próximo. Sua linguagem é plural, pois se apoia na pintura, teatro, fotografia, rádio, cinema, literatura, cultura circense. Os afetos e 105


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sonhos que por ela são mobilizados se enredam na vida cotidiana, instituindo-se valores e pautando diálogos entre pessoas que, em muitos casos, acabaram de se conhecer. Do ponto de vista teórico e metodológico, a Formação Continuada Conexões Escolares com a TV digital buscou se debruçar sobre os fundamentos da Pedagogia do Olhar, a partir da prerrogativa de que os processos educativos que não produzem novos desafios ou não provocam novas formas de pensar sobre as práticas sociais perdem a capacidade de produzir espanto, de inovar pedagogicamente. Ensinar, como sustenta Freire (1995), não se resume à transmissão de conteúdo. Sua finalidade primeira é a construção de saberes, de novas formas de fazer e pensar sobre o mundo social. A Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital buscou, assim, contribuir não apenas para a preparação da população mineira para o desligamento do sinal analógico, mas, principalmente, contribuir para construção de uma educação básica inclusiva, plural e de qualidade. As pesquisas de campo realizadas em turmas de Ensino Fundamental e de educação de jovens e adultos, entre os meses de agosto e dezembro de 2017, pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, com estudantes e professoras da educação básica, podem nos revelar em que medida os objetivos da formação continuada em que questão foram bem-sucedidos, como pode ser melhor verificado nos próximos capítulos.

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Capítulo 4

OLHA PRO CÊ VÊ! A TV DIGITAL VEM AÍ, UAI!

Cirlene Cristina de Sousa

Olha pro cê vê essa televisão não é somente som e imagem. Estou aqui encucado com esse trem de que a televisão nos vê diariamente. (Professor Pedro)

Olhar pedagogicamente a participação da televisão na tessitura da nossa vida cotidiana parece ser a síntese da epígrafe que abre este capítulo. A fala é do professor Pedro22, um dos participantes da Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, proposta pela Seja Digital e oferecida para professores de escolas públicas da Região Metropolitana de Belo Horizonte, no ano de 201723. Tal epígrafe traz uma reflexão importante sobre o debate que a equipe pedagógica levou para as escolas mineiras, a saber: a televisão digital não é apenas uma mudança na qualidade de som e imagem, ela é um dispositivo de comunicação que nos olha diariamente; ela é um campo complexo de possibilidades em termos técnicos, educativos, culturais, linguísticos, so109


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ciais, políticos e econômicos. Ela é construtora de modos de ser, de modos de conviver, de modos de aprender e de modos de ver. Dessa epígrafe surgiu o título do presente capítulo: Olha pro cê vê! A TV digital vem aí, uai. “Olha pro cê vê” é uma expressão mineira que indica que o olhar sobre a vida, sobre as pessoas e sobre as coisas deve ser atento, concentrado e reflexivo. Este jeito mineiro de prestar atenção ao mundo é bastante significativo para o contexto contemporâneo tão afetado pelo processo de midiatização da cultura24. Por isso, esse jeito mineiro de olhar foi o nosso guia para a interpretação da participação de algumas escolas na proposta da Seja Digital de não deixar nenhum brasileiro sem o sinal de TV digital. Para tanto, analisamos alguns momentos da formação oferecida aos educadores, procurando interpretar como foi se construindo a relação da escola básica com a chegada TV digital em Minas Gerais. Discutimos com os docentes, as seguintes questões: que televisão é essa que nos chega? Quais os campos educativos nela acoplados? Qual o papel reflexivo-pedagógico da escola nesse projeto midiático?25 O capítulo está dividido em três eixos: no primeiro, interpretamos a relação televisão e cotidiano; no segundo, exploramos tópicos da relação televisão e escola; e no terceiro eixo, discutimos a televisão como objeto de pesquisa na educação básica. 1. A televisão e a tessitura de nossas experiências cotidianas Se não podemos escapar à ação da mídia, porque ela ocupa um lugar importante na tessitura das nossas experiências diárias (SILVERSTONE, 2002), com certeza podemos afetá-la, reinventá-la com as nossas práticas cotidianas. Para tanto, é preciso notar que tal cotidiano não é o lugar da repetição, da mesmice, mas o lugar das lutas e práticas criativas; lugar da inventividade e das resistências; lugar das “táticas e estratégias” das pessoas comuns (CERTEAU, 2006). É na articulação com esse cotidiano vivo, que a mídia televisiva vai tecendo operações que afetam singularmente os processos de constituição das identidades e das subjetividades dos sujeitos contemporâneos. Seja como dispositivo midiático, como linguagem ou como eletrodoméstico, a televisão participa ativamente dos nossos processos de socialização e subjetivação (FISCHER, 2002). 110


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Dessa forma, dificilmente escapamos às produções midiáticas. No caso da televisão, ela é passatempo e entretenimento, sedução e poder, informação e educação, publicidade e estética, pauta e agenda da vida social. E, fundamentalmente, ela é uma força econômica singular da indústria cultural. Isto significa que as produções televisivas não são inocentes, imparciais ou neutras. No caso da televisão digital, ela é, por um lado, interatividade, pluralidade tecnologia, prestadora de serviços públicos, ampliadora de canais, criadora de tópicos de inclusão. E, por outro lado, ela é parte de uma indústria cultural que produz consensos, modos de pensar, de ser e de ver o outro. Como destacou Rosa Bueno Fischer (2002), as produções midiáticas estão sempre inscritas em disputas comunicacionais, culturais, políticas, educacionais, identitárias e estéticas. Segundo tal autora, a televisão se constitui como um complexo aparato cultural-econômico, envolvendo a produção, veiculação e consumo de imagens, sons, informação, publicidade e divertimento, com uma linguagem que lhe é própria. Dessa forma, a produção televisiva se constrói entre as múltiplas e complexas questões relacionadas às forças pelas quais “produzimos sentidos e sujeitos na cultura” (Fischer, 2002, p. 152). Diante desse cenário, segue-se a ressalva do pesquisador Martín-Barbero (2000) de que a escola não deve deixar de fora dos seus currículos aquilo que seria estratégico pensar, a inserção da educação nos complexos processos de comunicação da sociedade atual. Frente a alunos e alunas, cujo ambiente comunicativo os afetam com saberes-mosaicos26, que não são necessariamente do currículo escolar, espera-se interpretações e participações político-educativas da escola nessa ambiência. A seguir, abordamos mais detidamente a relação entre escola e televisão. 2. A participação escolar na democratização da televisão no Brasil Para Citelli (2004), pelo fato de a escola se dedicar sistematicamente à tarefa de educar, cabe a ela o papel de atuar como mediadora da relação dos indivíduos e as demais instituições socializadoras. Portanto, no contexto midiático contemporâneo, segundo tal autor, esta instituição social continuará fazendo uso de uma prática formal/científica, mas hoje com uma carga significativa ampliadora: sendo ela este lócus de sistematização de conhecimentos, deve estar integrada “aos fluxos crítico-dialógicos dos demais discursos com os quais a escola trabalha” (CITELLI, 2004, p. 17). 111


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Dessa forma, a escola não poderá se calar ou se refutar a pensar o processo de midiatização27 e seus impactos nos processos de aprendizagens de seus alunos e alunas. A partir dessas considerações de Citelli, podemos dizer que o processo formativo proposto pela Seja Digital em escolas mineiras do ensino fundamental II sobre a chegada da TV digital em Minas Gerais foi um momento rico para discutirmos e analisarmos esta relação entre escola de educação básica e o processo de midiatização da cultura contemporânea. 2.1.A escola de educação básica e a televisão digital A princípio, consideramos que, para uma relação fecunda entre a escola e a TV digital, há o seguinte apelo: “pensarmos ou refletirmos mais detalhadamente sobre uma perspectiva mais plural da educação, ou seja, as educações” (PRETTO, 2011, p. 95). Pois, a intensa relação de crianças, adolescentes e jovens com a midiatização da cultura tem marcado cotidianamente as relações entre professores e alunos. Tanto que navegar pela internet, participar de comunidades e grupos virtuais, assistir a séries televisivas, debater cinema, compartilhar informações e acontecimentos midiáticos com os amigos, familiares ou mesmo pessoas desconhecidas têm produzido perfis de alunos e professores midiatizados e/ou em midiatização. Essas práticas midiáticas vão impactar os modos de ser escola. Nesse sentido, a mídia não pode ser ignorada e/ou relativizada como espaço de educação na sociedade atual. Claro não podemos deixar de questionar a lenta democratização do direito à comunicação midiática no Brasil. Como bem dimensionou Pretto (2011), estamos ainda vivendo o vislumbrar-se de uma midiatização plena: “[...] se o acesso não for democratizado e se as formas de produção não forem des-centralizadas, não se enfrentará nenhum dos desafios que temos pela frente e que não são poucos” (PRETTO, 2011, p. 99). Este desafio da democratização midiática foi levado a sério pela Seja Digital, ao assumir a missão de não deixar nenhum brasileiro sem acesso à TV digital. Tanto que um dos tópicos de discussão nas formações escolares foi o processo de democratização da televisão digital no Brasil. Em relação a este debate, o professor Marcos, da rede estadual de edu112


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cação, destaca: “se a descentralização das redes e canais de televisão não se constituir de fato, a televisão digital, mesmo com toda a sua potencialidade, será apenas mais uma mudança tecnológica e continuará a ser privilégio de poucos”. Sua fala também encontra ressonância na maneira como a professora Marta, da rede municipal de educação de Santa Luzia, compreende esse processo, acrescentando a necessidade de ampliação do acesso à internet: “é urgente essa democratização da comunicação midiática, pois aqui na escola há muitos alunos que ainda não têm internet em casa. E a televisão aberta tem poucos canais. Se de fato a quantidade de canais oferecidos aumentar, aumenta a pluralidade de ofertas, isto é muito bom”. Atentos a estas falas, os professores-pesquisadores que assumiram o papel de formadores na formação da Seja Digital/FaE-UFMG e os professores da educação básica que receberam a formação foram refletindo sobre elementos teórico-metodológicos que pudessem contribuir para o processo de interpretação dos campos de possibilidades pedagógicos da televisão digital que chegava às terras mineiras. Para tais reflexões, trabalhou-se com roteiros de análises da programação televisiva, com oficinas e atividades dos cadernos da coleção Conexões Escolares com a TV digital. Tais trabalhos são descritos a seguir. 2.2. Estudo dos cadernos Conexões Escolares com a TV Digital Durante a formação, apresentaram-se aos docentes os cadernos Conexões Escolares com a TV Digital. A partir dessa coleção, discutiram-se as possibilidades pedagógicas dessa televisão. Para tanto, trabalhou-se sobre quais habilidades pedagógico-midiáticas eram necessárias para a escola estudar, interpretar e pensar tal televisão. Num primeiro momento, apresentaramse, de forma geral, os conteúdos, as metodologias, as atividades e oficinas propostas nos quatro cadernos da coleção. Conforme a demanda e curiosidade dos participantes, aprofundou-se em determinados aspectos. O roteiro sobre análise da mídia televisiva, escrito pela professora Denise Prado da Universidade Federal de Ouro (UFOP)28 foi um dos itens aprofundado. Neste roteiro, tal professora propõe analisar os produtos televisivos a partir de quatro aspectos, a saber: os aspectos formais, discursivos, interacionais e contextuais. Os aspectos formais estudam a organização 113


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técnica, tomando como referência o cenário, os atores e seus papeis e o ordenamento interno dos programas televisivos. Os aspectos discursivos se referem aos objetivos da programação: aos valores atitudinais e conceituais que buscam disseminar. Os aspectos interacionais tratam das formas pelas quais os programas televisivos buscam se relacionar com o público. E por último, os aspectos contextuais dos programas televisivos que visam a identificar o lugar ocupado pelo programa no contexto televisivo e a examinar seus conteúdos à luz do contexto social mais amplo. Alguns professores avaliaram esse roteiro como uma proposta metodológica interessante para se trabalhar com televisão na escola, como destacou a professora Maria, da rede municipal de Educação de Santa Luzia: “muito legal este roteiro, ele nos permite entender um programa televisivo de forma mais aprofundada. Na minha disciplina de língua portuguesa, por exemplo, escolher um programa e pedir cada grupo de alunos trabalhar com um aspecto televisivo daria uma aula bem interessante”. Do Conexões Escolares com a TV digital foram exploradas ainda as oficinas e atividades propostas para serem desenvolvidas em sala de aula, tais como: montagem de antenas digitais com materiais reciclados, modos de pensar e operar o lixo tecnológico, roteiro de montagem de uma rádio escolar, modos de analisar a linguagem televisiva e de analisar suas possíveis produções sobre a diversidade e a diferença. Dessas oficinas, as que mais interessaram aos docentes mineiros foram aquelas que trabalharam: a relação tecnologias e lixo eletrônico, televisão e memórias, televisão e diversidades. Tal fato se pôde observar na fala de alguns professores, durante a formação, e também em alguns trabalhos que nos foram enviados por estes professores após a formação nas escolas. A seguir, pontuamos alguns desses retornos. Primeiro, citamos falas mais pontuais durante a formação, as quais denominados Tópicos relevantes dos cadernos; e depois, descrevemos os trabalhos do professor Isaías e da professora Marlúcia, que foram enviados à equipe de formadores.

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Tópicos Relevantes dos cadernos citados pelos docentes Um item que mexeu com a curiosidade dos professores e professoras foi o da Pedagogia do olhar. Conceito desenvolvido no Caderno 1: Televisão mais que uma palavra? Por meio dessa pedagogia se discute a necessidade de a escola tomar a televisão como objeto de estudo e como conteúdo curricular. Assim diz a professora Neusa, da rede municipal de Santa Luzia: “Gostei muito do material, achei a ideia da Pedagogia do Olhar muito interessante, essa coisa de desmanchar a televisão é uma proposta inovadora pra mim, nunca tinha pensando nisto”. A professora Marta da rede estadual de educação comentou: “[...] a história da TV Fusca me trouxe de volta lembranças da infância, fiquei muito emocionada”. A TV Fusca é uma história narrada pela professora Shirley da Escola Estadual Menino Jesus de Praga. A televisão amarela, que a professora Shirley ganhou de presente de seu pai, aos nove anos de idade, só funcionava a partir da bateria retirada do fusca da família. A história narrada traz uma relação afetiva entre infância, memória, família e televisão. Aliás, esta perspectiva da relação afetiva das famílias brasileiras com a televisão foi um debate bastante rico nas formações escolares. A fala do professor Alberto da rede municipal de Belo Horizonte traz essa constatação: “eu sou um crítico do que recebemos todos os dias em nossas casas via televisão. Mas nunca duvidei da capacidade que a televisão tem de mexer com os sentidos das pessoas, com os nossos afetos. Isto é algo para se refletir. Pois, a escola é uma instituição que tem dificuldade 115


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de trabalhar a dimensão dos afetos em suas propostas pedagógicas”. Desta mesma rede educacional, a professora Maristela acrescenta: “na minha família, todo mundo tem uma história da televisão para contar. Nunca me esqueço de que nas festas caipiras de Brumadinho, na casa dos meus avós maternos, a gente se sentava em torno de uma grande fogueira e ficava ali horas conversando sobre programas antigos de televisão. Eram adultos, crianças e jovens, todo mundo rachando de ri sobre as histórias de nossos pais com a televisão. Não me esqueço da Terezinha, u-uuu. Era bom demais”. Ilustração: Warley Bombi

A professora Marisa da rede municipal de Belo Horizonte destacou: “eu sou da Geografia e o Caderno 4 pode contribuir para eu pensar conteúdos geográficos via programas televisivos, como a questão do telejornal e o espaço geográfico. Gostei muito dessa discussão. Gostei também das atividades com o tema da diversidade e das diferenças, principalmente, na questão da juventude negra. A gente sabe que na maior parte das programações televisivas ainda predomina uma estética padrão, e como a televisão é o meio de comunicação que está mais presente na casa de todos os nossos alunos, isto é preciso ser pensado [...] Adorei a capa do caderno, ela é muito sugestiva para a Geografia e gostei também do título”. Após a formação da Seja Digital/FaE-UFMG, alguns professores começaram a incluir em suas aulas o tema da televisão digital. A seguir, apresentamos uma síntese do trabalho de um professor e uma professora da rede estadual e da rede municipal de educação mineira. 3. A TV digital nas aulas do professor Isaías e da professora Marlúcia Nas escolas mineiras, a chegada da TV digital foi noticiada em jornais escolares, encenada em peças teatrais, vivida na construção de antenas 116


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digitais, aprofundada nas atividades sobre o lixo eletrônico e no contar e registrar histórias televisivas na educação infantil. A seguir, apresentamos o trabalho do professor Isaías da Escola Estadual Menino Jesus de Praga. Professor Isaías e o Jornal da TV Digital Professor de Geografia da rede estadual de Minas Gerais, Isaías elaborou junto com seus alunos e alunas o Jornal da TV Digital. Assim, tal professor descreve o seu trabalho: 6RX SURIHVVRU GH JHRJUD¿D GD UHGH S~EOLFD HVWDGXDO PLQHLUD RQGH OHFLRQR GHVGH Participei em agosto e setembro de 2017 do curso de formação continuada, na Faculdade de Educação na Universidade Federal de Minas Gerais (FaE-UFMG). O curso foi ofertado pela Seja Digital, empresa responsåvel pelo processo de desligamento do sinal analógico de televisão na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em parceria com a FaE-UFMG. A formação teve enfoque nas questþes que englobam a troca do sinal de TV analógico pelo digital e demonstrou de forma extensiva todas as consequências positivas TXH GHFRUUHP GHVVD PXGDQoD 2 FXUVR QmR ¿FRX SUHVR DSHQDV D TXHVW}HV WpFQLFDV do processo, mas ajudou-me a compreender como a televisão pode ser agente de interesse social, podendo assim tambÊm atender interesses da educação e dos sujeitos nela envolvidos, apesar do seu viÊs, historicamente comercial. O debate ocorreu principalmente em torno das inúmeras possibilidades que a TV pode ofertar, como ferramenta de ensino, aprendizagem e propagação das diversas formas de conhecimento. Foi nos apresentado um material didåtico que versava sobre a transição do sinal analógico de TV para o digital em suas multidimensþes no contexto educacional. O material foi dividido em cadernos com propostas pedagógicas de caråter multidisciplinar. Os cadernos apresentam excelente qualidade, tanto de conteúdo quanto de impressão e layout. O diferencial [do curso]: feito em sua maior parte por professores, atuantes na educação båsica pública, que conhecem de perto a realidade social e econômica dos que frequentam os estabelecimentos públicos de ensino. Foi esse diferencial que deu campos de possibilidade de aplicabilidade em sala de aula, pois exigiam recursos e ferramentas amplamente disponíveis didaticamente praticåveis. Os professores que ministraram o curso ajudaram-me a desconstruir certas opiniþes que tinha a respeito da mídia televisiva. Apesar de entender que a teleYLVmR KRMH p XP PHLR GH LQIRUPDomR TXH DWHQGH D LQWHUHVVHV HVSHFt¿FRV GH HGXFDomR e/ou de o consumo e que parte de seus conteúdos reforça estereótipos e exclui determinados grupos minoritårios, hoje enxergo a sua programação com olhos de um educador que tambÊm reconhece outras dimensþes e novas perceptivas para a TV brasileira.

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O Jornal MJP Digital O Jornal MJP Digital ĂŠ produto de um trabalho que eu desenvolvi em 2017 com meus alunos do 7Âş ano da Escola Estadual Menino Jesus de Praga em Belo Horizonte. O projeto faz parte de uma sĂŠrie de açþes desenvolvidas pela Seja Digital, empresa responsĂĄvel pelo processo de desligamento da TV analĂłgica no Brasil, e a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao longo de nove aulas, que ocorreram durante o mĂŞs de outubro de 2017, foram introduzidos os tĂłpicos trabalhados. JĂĄ na primeira aula, os alunos sabiam que a proposta era criar um jornal impresso. O tema do jornal seria questĂľes relacionadas Ă TV no dia a dia. A primeira aula abordou o desligamento do sinal analĂłgico. Os alunos conheceram as diferenças entre os sinais analĂłgico e digital. Aprenderam tambĂŠm o caminho que as ondas eletromagnĂŠticas e o VLQDO GLJLWDO ID]HP DWp FKHJDU j 79 H DV SRVVtYHLV LQWHUIHUrQFLDV TXH LQĂ€XHQFLDP na qualidade da imagem/som recebidos. A turma foi dividida em cinco grupos, FDGD XP ÂżFRX UHVSRQViYHO SRU SURGX]LU XP FRQWH~GR SDUD R MRUQDO LPSUHVVR 1D segunda aula, foram apresentados vĂ­deos que demonstraram as mudanças e as QRYDV SRVVLELOLGDGHV SURSRUFLRQDGDV SHOD 79 GLJLWDO $R ÂżQDO GD VpULH GH YtGHRV foram repassadas informaçþes sobre quem tinha direito ao conversor de sinal JUDWXLWR H FRPR REWr OR 1R ÂżQDO GD DXOD RV DOXQRV TXH Mi WLQKDP R FRQYHUVRU em casa, explicaram como adquiriram e as diferenças que conseguiram notar na WHOHYLVmR DSyV D LQVWDODomR GR NLW $R ÂżQDO GHVVD GLVFXVVmR RV JUXSRV HQWUHJDram redaçþes, feitas com objetivo de serem corrigidas e selecionadas para publicação no jornal. A terceira aula foi destinada Ă s experiĂŞncias pessoais dos alunos com a TV. Cada aluno contou experiĂŞncias e histĂłrias pessoais envolvendo a sua relação com a televisĂŁo. Os alunos em sua maioria falaram de experiĂŞncias passadas, histĂłrias de quando eram menores, outros falaram da relação da famĂ­lia FRP D 79 RX GDV GLÂżFXOGDGHV TXH HQIUHQWDP HQIUHQWDYDP FRP R VLQDO DQDOyJLFR $R ÂżQDO GD DXOD IDODPRV VREUH OXJDU SHUWHQFLPHQWR H DIHWLYLGDGH )LFRX FRPELnado que na aula seguinte, cada aluno deveria trazer essas experiĂŞncias por escrito, para publicação no jornal. Na quarta aula, tivemos uma conversa sobre

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as novas possibilidades proporcionadas pela TV digital. A turma aprendeu sobre audiodescrição, tradução em libras, interatividade com o pĂşblico, a função social da TV e multiprogramação. Foi designado um grupo para pesquisar sobre o assunto e redigir uma reportagem para o jornal. Na aula cinco, debatemos sobre a televisĂŁo como fonte de informação e conhecimento. Foi dada a oportunidade para que cada aluno falasse sobre o que aprende vendo TV, experiĂŞncias boas e ruins. Os assuntos que mais se destacaram foram o preconceito e a segreJDomR VRFLDO UDFLDO UHĂ€HWLGR QD 79 YLROrQFLD FRQVXPR FRQVXPLVPR IDOWD GH UH presentatividade das minorias e ausĂŞncia de conteĂşdos educativos. Cada aluno ÂżFRX UHVSRQViYHO SRU ID]HU SRU HVFULWR XPD FUtWLFD SRVLWLYD H RXWUD QHJDWLYD D televisĂŁo, ou aos conteĂşdos difundidos nos meios de comunicação televisivos, para publicação no jornal. Na aula de nĂşmero seis, foi passado um vĂ­deo com a temĂĄtica “impactos do descarte de lixo eletrĂ´nicoâ€? com uma explicação sobre o assunto. A aula sete ocorreu na sala de multimĂ­dia, apresentamos vĂ­deos tutorias que ensinavam como criar sua prĂłpria antena. Houve uma explicação sobre os EHQHItFLRV GD UHFLFODJHP 1HVVH GLD ÂżFRX GHVLJQDGR XP JUXSR TXH FRQVWUXLULD uma antena e a apresentaria Ă turma na semana seguinte. Foram tiradas fotos do trabalho para publicação no jornal. A aula de nĂşmero oito foi reservada Ă produção de conteĂşdo para o jornal, houve coleta de opiniĂľes sobre diversos temas relacionados a TV. Os alunos responsĂĄveis pela construção da antena Âż]HUDP D DSUHVHQWDomR QD DXOD QRYH $ ÂżQDOL]DomR GRV DVVXQWRV UHODWLYRV DR jornal que estavam pendentes foi resolvida nessa aula. A participação dos educandos, expondo suas opiniĂľes e visĂľes a respeito da televisĂŁo, superou as expectativas; os alunos trouxeram experiĂŞncias muito ricas e jĂĄ tinham percepçþes primĂĄrias sobre como a TV exerce papel educativo, seja de forma positiva ou negativa. A padronização de determinados comportamentos e a disseminação de informaçþes distorcidas sobre determinadas situaçþes da realidade foram os assuntos de maior interesse do grupo. Busquei valorizar essas vivĂŞncias e conhecimentos prĂŠvios, para a partir daĂ­ lapidar e ampliar seus horizontes. Todos os tĂłpicos trabalhados tiveram como ponto de partida, o conhecimento que a turma jĂĄ tinha na bagagem (professor IsaĂ­as, 2017).

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Abaixo, colocamos o recorte de algumas partes do Jornal da TV Digital desenvolvido pelo professor IsaĂ­as e os alunos (as) da Escola Estadual Menino Jesus de Praga:

DESLIGAMENTO! Desligamento do sinal analĂłgico de TV em BH ocorrerĂĄ dia 22/11

Quais são as novidades TV digital? Respostas dos especialistas da turma 723 A TV digital ainda proporciona ao telespectador assistir em outros dispositivos móveis como: celulares com tecnologia 4G, tablets e aparelhos GPS. A primeira mudança notåvel Ê a ausência da interferência, enquanto o sinal analógico se modifica e apresenta queda na qualidade em virtude de ruídos externos como: rådio, ondas eletromagnÊticas, etc. O sinal digital consegue manter a mesma nitidez de imagem e åudio, sem os indesejåveis chuviscos e atÊ mesmo interferências de outros canais. A segunda vantagem em adquirir uma TV digital, Ê uma excelente resolução de imagem, enquanto a TV analógica oferece apenas 480 linhas, a TV digital oferece 1080, ou seja, proporciona alta qualidade e imagens perfeitas.

SUA TV Jà É DIGITAL DE FĂ BRICA? Sim, minha TV ĂŠ digital. EntĂŁo ĂŠ sĂł conferir se sua antena recebe o sinal digital e quais canais digitais jĂĄ estĂŁo disponĂ­veis na sua cidade. NĂŁo, minha TV nĂŁo ĂŠ digital. Tudo bem. Veja como receber sinal digital em casa: Conversor Digital Se a sua TV tiver entrada de sinal digital, serĂĄ preciso apenas um conversor. Programa de Distribuição de Kits O kit gratuito com antena e conversor ĂŠ destinado aos beneficiĂĄrios de Programas Sociais do Governo Federal como Bolsa FamĂ­lia, Minha Casa Minha Vida, Tarifa Social de Energia ElĂŠtrica e muitos outros. A sua TV vai ter muito mais qualidade de imagem e som com a TV Digital.

Agendamento Seja Digital pela internet Para fazer o agendamento online Seja Digital, Ê necessårio acessar o site oficial da entidade (www.sejadigital.com.br). Na sequência, clique no item ´Programa de distribuição de kits¾ que se encontra em vermelho no menu principal. Acesse o botão ´Clique e Agende¾ Você serå direcionado para um formulårio eletrônico. Preencha o campo em branco com o CPF ou NIS do responsåvel familiar. Clique em buscar. Se o seu nome estiver na lista, informe o melhor dia, horårio e local para retirar o kit de TV digital. Prossiga com o preenchimento do formulårio e informe o número do celular. O Seja Digital enviarå uma mensagem SMS, com o protocolo de agendamento. Esse código deve ser guardado, pois serå exigido para a retirada dos equipamentos. Agendamento Seja Digital por telefone TambÊm Ê possível fazer o agendamento por telefone, atravÊs do número 147. Os atendentes ficam disponíveis de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. A ligação Ê totalmente gratuita. ,QIRUPDo}HV REWLGDV QR VLWH GD 6HMD 'LJLWDO

(Fragmentos: Jornal Digital) 120


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Mateus Felix Programa de TV preferido: Malhação porque tem muitos jovens. O que assiste na TV: Noticia, lazer, novidades, brincadeiras, programas e jogos de futebol.

Maria Eduarda Lopes Crítica: Acho que a televisão tinha que ter mais conteúdo para crianças, idosos e adolescentes. Horas em frente a TV por dia: 6 horas de segunda a sexta. Sábado e domingo 24 horas. Onde mais assiste TV: No celular.

Rafaela Rodrigues Programa de TV preferido: Bake Off Brasil, porque eu adoro comida e adoro ver eles cozinhando. Tem TV tubo em casa? Tenho, mas ninguém assiste. Como será a televisão do futuro Será tipo implantar um chip no nosso cérebro, daria para ver várias coisas. História marcante: Na minha casa, colocamos bombril na TV, para conseguirmos assistir. Eu ficava sempre na casa da vizinha, pois lá tinha SKY. Eu adorava ficar lá, para assistir os desenhos.

Sara Suellen O que você aprende vendo TV?Fico mais informada e aprendo a fazer comida.

Isadora Ribeiro Programa de TV preferido: Encrenca! Tem vários vídeos divertidos para eu e minha família ver. Tem TV tubo em casa? Não! só na casa da minha avó que tem. Critica a TV: Tem muita coisa que eu não gosto na TV, não vou falar pois é muita coisa. Assiste TV em outras plataformas? No youtube. Histórias marcante: Quando eu era criança ei ia para a casa da minha avó ou da vizinha para assistir TV e ver os meus desenhos favoritos.

Sara Augusta

Tem TV tubo em casa? Sim possuo uma, mais estamos providenciando o conversor.

MJP Digital

Ana Paula X.

Critica a TV: Os pobres quando são representados são bandidos. Tem muita violência. Como será a televisão do futuro? Sem controle, com internet.

Diogo

Como será a televisão do futuro?Vai ser implantada no cérebro.

Thaís Fernanda

O que você aprende com a televisão? Eu aprendo muito com o Jornal, é bom. Horas por dia em frente a TV: Umas 12 horas.

Sabryna Lorrany

Critica a TV: A falta de diversidade de programas, tinha que ter mais conteúdos educativos e diversos para todas as idades. Como será a TV no futuro? Com programas muito mais interativo, e conseguiremos assistir em qualquer lugar, até na nossa cabeça. Relação da Família com a TV: Tranquilo, nos gostamos dos mesmos programas e sempre nos reunimos. História marcante: Quando eu era pequena, minha família tinha uma televisão que era muito ruim e sempre estava chuviscando, mas aí, minha avó comprou uma televisão nova. Eu lembro que fiquei tão feliz e impressionada que passei o dia inteirinho na frente dela.

Myllena Gabrielle

Critica a TV Alguns programas negativos, que excluem negros e pobres, que colocam eles sempre como bandidos e empregados. Isso acaba com a reputação de todos, e também a pornografia e a violência. A TV deveria apresentar a cultura de todos, programas infantis que educam e programas que influenciam as pessoas a fazer coisas boas. Como será a televisão do futuro? As TVs do futuro vão aparecer a qualquer hora, tipo um chip implantado em nós, veríamos tudo. História marcante: Sempre que eu não conseguia ver a novela eu corria para a casa da minha vó, assistia por lá, ou então nós pegávamos o celular e íamos para o portão para pegar o sinal e poder assistir a novela.

Letícia

Quantas horas por dia você assiste TV? 6 horas. Assiste TV em outras plataformas? Pelo celular.

Emily Gomes

Qual é o seu programa de TV preferido? A novela ´ A força do querer, é muito interessante e emocionanteµ Quantas horas por dia você assiste TV? 5 horas. Assiste TV em outras plataformas? No celular por meio da internet.

Thays Stefanny

Critica a TV: Deveria mostrar mais pessoas negras, mais programas infantis e de adolescentes. Como será a televisão do futuro? Vai ter entrada para cartão de memória, entrada para chip, você vai mexer pelo computador etc. Quantas horas por dia você assiste TV? 12 horas Onde você assiste TV? No celular, no computador e no tablet. Relação da família com a TV. Cada dia é um que assiste, ou cada um assiste um pouco. História marcante: Quando eu era pequena, eu gostava tanto da TV, que de noite eu ia escondido para assistir.

Emilly Gomes

Relação da sua família com a TV: Na maioria das vezes eu e minha irmã escolhemos os programas. Quando meu pai chega do trabalho ele escolhe. O que você aprende na TV ? Aprendo a cozinhar. História marcante: Minha mãe sempre me falou, que quando ela era pequena e ainda não tinha TV na casa dela ela assistia os desenhos na casa da vizinha. Ela (a vizinha) reunia todos os que não tinham TV. Sempre tinha uma briga pelo controle.

Marta

Porque você gosta d assistir TV? Eu gosto da televisão pois é um momento de lazer que eu tenho.

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MJP Digital

Sinal analógico É um sinal contínuo variante em relação ao tempo, é também representado por curvas. Logo, o sinal analógico varia continuamente seus valores entre 0 a 10 (5, 5.1, 5.550, 9.182), fazendo com que ocorra alta taxa de oscilação em sua frequência e ineficiência na transmissão.

Análise da novela “A FORÇA DO QUERER” A Força do Querer, novela da Rede Globo, escrita pela autora Glória Perez, exibida no horário das 21hrs, mostrou muitas coisas boas e ruins. A novela falou sobre transexuais. Muitos transexuais dizem que a novela ´tem deixado a desejarµ Outros já dizem que estão gostando e aprendendo . Eu na verdade eu aprendi muito, pois não tinha escutado sobre o assunto. Está sendo uma maneira de mostrar o que os transexuais passam na vida real. Outro assunto que causou polêmica na novela, foi ´associação ao tráficoµ Há muitas críticas, especialmente sobre a personagem Bibi. Em geral as pessoas dizem que A Força do Querer, faz apologia ao crime. Porém a autora não faz apologia ao crime, e sim conta uma história baseada em fatos reais, é o que vemos nos jornais todos os dias.

Sinal digital

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Em contrapartida, o sinal digital é considerado descontínuo em relação ao tempo e amplitude e é representado por um histograma. Assim, ele assume valores discretos em uma escala de o a 10 (5, 6, 10), diminuindo consideravelmente a oscilação e entregando uma transmissão de maior qualidade.

A trama mostra também o vício, que é interpretada pela personagem Silvana, que não vê que está se afundando nos jogos de azar, e prestes a perder tudo o que tem inclusive o amor da família. Gosto muito da forma que a autora Gloria Perez escreve suas novelas, ela conta historia de gente, destacando as diversidades, é isso que incomoda muitos telespectadores, que tem dificuldade de aceitar o diferente, o que está na frente, mas não quer enxergar. Por Maria Fernanda

FOTO– TV GLOBO/DIVULGAÇÃO

Você sabia? o microfone do Raul Gil é de ouro e que vale uma nota? Segundo declarou Raul Gil Jr., filho do apresentador, ao programa "Okay Pessoal", de Otávio Mesquita, o microfone, que custa cerca de US$ 100 mil, foi um presente de um sheik árabe. O "mimo" foi entregue em uma caixa dourada. O aparelho, que fica guardado em um cofre, chega e sai do SBT escoltado por cinco seguranças.

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1ª TV :Por volta de 1923, Vladimir Zworykin, um russo que vivia no E.U.A, criou o tubo iconoscópico, que é a base da televisão moderna. 1ª transmissão televisiva: penas em 1928 foi realizada a primeira transmissão de TV, feita por Ernst F. W. Alexanderson, que trabalhava para a GE. Essa televisão ainda era muito rudimentar, sendo mais parecida com um rádio que mostrava imagens embaçadas.


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MJP Digital

EXPEDIENTE IDEALIZAÇÃO: ISAIAS GOMES DA SILVA E ALUNOS DA TURMA 723TARDE-2017-EEMJP. DIAGRAMAÇÃO, EDIÇÃO E REDAÇÃO: ISAIAS GOMES DA SILVA. COLABORAÇÃO: CRISTIANO ARAÚJO E SORAIA DE MELLO G. APOIO: E. E. MENINO JESUS DE PRAGA.

Jornal Lagoa News O Jornal Lagoa News, foi apresentado aos professores e alunos do MJP e aborda a temática ´Desligamento do sinal analógico em BHµ Sob coordenação do professor de ciências Cristiano Arruda, participaram todos alunos da turma 921 (9º ano). Parabéns aos envolvidos! Renata Magricella e Willian Jhonner

Vó Amélia e Vô Zé Antônio dando entrevista

PARTICIPAÇÃO: ANA CLARA PEREIRA COSTA, ANA PAULA XAVIER NUNES SILVA, BRUNA KARLA AMARAL MARTINS, CARLOS DANIEL BARBOSA, DIOGO HENRIQUE DOS SANTOS MATOS , EMILY GOMES MOREIRA, ÉRICK DEIVID MENDES DOS SANTOS, GABRIEL VITOR MARTINS MAXIMINIANO, HENRIQUE ALAN SANTOS RIBEIRO, ISADORA RIBEIRO DE SOUZA, KÉZIA ASSUNÇÃO SILVA, LETÍCIA LACERDA VENTURA, LUIS FELIPE GOMES SHIMITE DA SILVA, LUIZ FERNANDO GOMES RODRIGUES, MARIA EDUARDA LOPES DA SILVA, MARIA FERNANDA FRANCO FERREIRA, MARIANA GOMES DA SILVA CASSIA, MARTA CAROLINA FARIA DE OLIVEIRA, MATEUS FELIX NUNES, , MYLLENA GABRIELE PEREIRA DOS SANTOS,, PABLO HENRIQUE MENDES DOS SANTOS, RAFAELA RODRIGUES REZENDE, RYAN MOREIRA DE CARVALHO, SABRYNA LORRAYNE ANDRADE FLAUSINO,, SARA AUGUSTA DA CRUZ, STEPHANY KATHLEEN LÚC IA DA SILVA, THAIS FERNANDA BATISTA DE AVELAR, THAYS STÉFANNY GOMES, SARA SUELLEN DE ANDRADE FERREIRA

Antena de Latina de aluminio

Repórter Agora Maria e deputado Gedel Essa Verba é Minha

Antena de Material reciclado

Essa antena foi construída com material 100% reciclado. Foram utilizados: partes de antena inutilizada, latinha de alumínio, haste de alumínio e fiação. Todo esse material seria apenas lixo, mas o engenheiros mirins da 723 ( Pablo, Erick e Ryan) transformaram em uma antena que recebe sinal Digital. O meio ambiente agradece!

Alunos do ensino fundamental I, construindo antenas com latinha de alumínio, cabos de vassoura e fios que foram descartados. 100% de material reciclado.

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A Turma Barangandão e a TV digital A educação infantil não ficou de fora. Entre os pequenos da Turma Barangandão da Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei Lagoa), a televisão digital foi apresentada em desenhos, debatida em rodas de conversas e vivida na contação de história. Este trabalho foi orientado pela professora Marlúcia, que participou da formação de professores. Esta professora trabalhou a coleção Conexões Escolares com a TV Digital com alunos do ensino fundamental I da Escola Estadual Menino Jesus e com alunos de 5 e 6 anos da turma do Barangandão da Umei Lagoa. Com a turma Barangandão, a professora explorou a história da TV Fusca, e por meio de expressões artísticas, desenhos e contação de histórias, as crianças produziram uma pequena coletânea sobre a televisão digital. Assim Marlúcia relata seu trabalho: Depois de várias histórias, resolvi levar para os meus alunos a história da TV Fusca do Caderno 4 da coleção Conexões Escolares com a TV Digital. Os alunos adoraram a relação daquela menininha com sua TV Fusca. Foi nesta ocasião que o aluno Gabriel falou: “vi a propaganda na televisão da mudança da TV analógica para a TV digital”. Esta fala do Gabriel instigou toda a turma, eles começaram a conversar sobre televisão digital e demonstraram querer saber mais. Eu estava fazendo o curso Seja Digital pensando que trabalharia este assunto da TV digital apenas com os estudantes do ensino fundamental I. Mas a curiosidade das crianças mostrou-me que eu estava enganada. Assim, tive que pensar em como fazer uma transposição didática para a turma Barangandão (educação infantil), que não fosse empobrecida. Estudando sempre os cadernos da Seja Digital, comecei a carregá-los para todos os lugares. O Gabriel reconheceu a logomarca do projeto, comentou com a turma e daí então as aulas não foram mais as mesmas. Estavam postas as conexões e estas se transformaram em muitos registros que levaram à produção de uma pequena coletânea com as produções da turma. Eles desenhavam sobre as antenas, sobre o lixo eletrônico, sobre a televisão em suas casas e tantos outros. As famílias relataram o prazer das crianças pelos estudos e diziam que quando elas viam algo na TV que fala da mudança de sinal, elas demonstram grandes conhecimentos sobre o assunto. O mais importante é o exercício da ci124


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dadania instaurado a partir da experiência das crianças com a televisão digital, principalmente no que diz respeito ao acesso ao kit pedagógico, a consciência do lixo eletrônico, a qualidade da televisão entre outros. Sou muita grata à professora Shirley Santos, que me incentivou a participar dessa formação e à equipe da Seja Digital/FaE-UFMG, por ter me recebido tão bem. Abaixo, colocamos algumas imagens da coletânea produzida pela Turma Barangandão, que sintetizam três grandes questões trabalhadas com as crianças, a saber: informações gerais sobre as novidades trazidas pelo digital, o processo de instalação da antena digital articulado com a conscientização da relação TV digital e, por último, a produção de lixo tecnológico. Vejamos:

(Imagens: coleção Barangandão) 125


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(Imagens: coleção Barangandão) 126


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A partir desses e outros trabalhos desenvolvidos nas escolas públicas mineiras, a equipe da Seja Digital/FaE-UFMG pôde perceber que o envolvimento e a singularidade do olhar da docência sobre a televisão digital são fundamentais para se inserir a cultura mídia na educação básica, bem como para educar estudantes reflexivos em torno dessa cultura. Apesar de, em muitos momentos da formação, os professores colocarem em destaque suas frágeis formações universitárias em relação à cultura midiática, eles se mostraram dispostos a discutir os campos de possibilidades pedagógicos da televisão digital. Como diz o professor Marcos da rede estadual: “conhecer a televisão exige uma postura de pesquisar sua produção, e nosso tempo na educação básica para estudar e pesquisar não é considerado nos projetos pedagógicos da Secretaria de Educação”. A consideração desse professor produziu um alerta: a formação sobre cultura midiática é uma questão imprescindível para a integração entre currículo escolar e televisão digital. Este foi um debate bem rico no processo de formação nas escolas. Por meio deste debate, chegamos ao ponto chave da nossa formação com os professores do ensino fundamental II, a saber: a prática da pesquisa é essencial quando o assunto são as relações televisivas nas escolas de educação básica. Na verdade, essa relação entre te-levisão e pesquisa escolar foi um dos itens mais discutido nas formações. Por isto, demos a ele um tratamento especial, como veremos a seguir. 4. Olhar a televisão: o princípio educativo da pesquisa Convocar a participação da escola neste cenário midiático-televisivo é, em primeiro lugar, reconhecer que a escola é mais que uma ambiência onde se produz o conhecimento das áreas científicas como história, geográfica, física, português entre outras. Ela é uma instituição que educa seus sujeitos para a complexidade da construção social de uma determinada realidade e de uma determinada sociedade. Olhamos para a escola como o lugar da pergunta midiática, e não como lugar da resposta midiática. Paulo Freire (2005) nos ilumina, neste sentido, ao refletir que a pergunta é base constituidora de uma “concepção problematizadora da educação” caracterizada pela abertura do ser humano ao mundo e ao outro em oposição a uma “educação bancária” que se caracteriza pela postura “fixista” ou “imobilista” do educar (Freire, 2005, p. 83). 127


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Nesse sentido, a pesquisa é o lugar fundamental para o processo de aprendizagem escolar. Como destaca Pedro Demo (1997), é na pesquisa que se educa a relação entre professores e estudantes e se promove a pesquisa como princípio educativo. A pesquisa nos ajuda na compreensão de que o ato de aprender é um processo em permanente construção. Um processo que envolve ação e reflexão de todos os sujeitos ali presentes. A pesquisa propõe uma forma de saber pensar e saber aprender. Esta perspectiva da pesquisa foi um dos itens de debate proposto aos professores pelo Caderno 1: Televisão mais que uma palavra?, da coleção Conexões Escolares com a TV Digital. Ilustração: Roberto O. Melo

Ilustração: Warley Bombi

(Figuras no Caderno 1: Televisão mais que uma palavra?)

Inspirados pelo trabalho de Pedro Demo (1999) sobre a educação pela pesquisa, diríamos que, midiaticamente, é preciso desacostumar os sujeitos escolares (professores e alunos) a viver a televisão apenas no sofá de casa, na cama do quarto, na espera dos consultórios médicos e/ou nos bares mineiros. É preciso incentivá-los a ver a televisão por outros ângulos, e um desses ângulos é o da cientificidade da educação escolar. Dessa forma, a pesquisa sobre a televisão na escola é notada como uma oportunidade singular de desdomesticar a televisão e a interpretá-la pelos olhares educientíficos das disciplinas escolares. Parafraseando e utilizando-nos das reflexões de Pedro Demo (1999), diríamos que compreender o professor e o aluno como pesquisador de televisão é fazer do assistir televisão não apenas um resumo da sua pro128


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gramação. Pois, o ato de resumir produz um olhar sobre a televisão distraído, dispersivo, inocente. Pelo resumo, a postura de professores e alunos diante da produção midiática seria apenas de uma escuta passiva, que não cria campos de possibilidades para se conhecer e enfrentar os mais amplos projetos de sociedades televisivos. E pelo resumo é pouco provável que os professores consigam aproveitar os campos de possibilidades educacionais e inclusivos que a TV digital comporta. Por isso, o olhar da docência sobre a televisão deve se fazer mediante uma postura reflexiva. Somente com tal postura, o professor será capaz de ampliar o seu olhar televisivo e problematizar o olhar do aluno sobre a produção midiática e, mais especificamente, sobre a TV digital. É com este espírito investigativo sobre a televisão que a escola pode contribuir para que seus alunos façam elaborações próprias sobre essa cultura, como nos diria Pedro Demo (1999). No caso da televisão digital, a investigação leva docentes e discentes a compreender que, mais que um objeto tecnológico ou um aparelho doméstico, a televisão é um modo complexo de ser e de fazer. E, fundamentalmente, ela é um direito de todos. Como destaca Pedro Demo (1999), a docência é um lugar primordial de construção da ciência. E, para nós, formadores da Seja Digital/FaEUFMG, acreditamos que a escola pode ser um lugar de deslocamento cotidiano das agendas midiáticas, do aprender a pensar e inquirir os modos televisivos de fazer, os modos televisivos de ser. Isto significa que pensar a televisão na escola é educar professores e alunos para que não apenas imitem, copiem ou reproduzam os modos de ser da televisão, mas que sejam capazes de interpretá-los, reelaborá-los. E, principalmente, os profissionais da educação básica deveriam explorar ao máximo os múltiplos campos de possibilidades educativos que, na TV digital, se veem bastante ampliados. Esse trabalho de estudar e de se apropriar das produções e linguagens midiáticas é lento, mas necessário. Educar para a mídia e para o direito à comunicação midiática é também uma função da escola, para tanto é primordial debater a relação entre o currículo escolar e a sociedade midiática. Um professor-pesquisador com formação em cultura midiática será capaz de orientar seus alunos na leitura do mundo midiático. Como diria 129


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Paulo Freire (1998), antes da leitura da palavra, vem a leitura de mundo. Dessa forma, transformar a televisão em objeto de estudo significa realizar um trabalho pedagógico coerente com as exigências postas à sociedade contemporânea. Assim, o ato de olhar criteriosamente a TV nos remete a um trabalho possível (e necessário) em relação a ultrapassar as chamadas evidências – ir além do que nos é dado ver de imediato – e se colocar em um exercício constante de produção do olhar indagador. Como expresso no comentário do professor João da rede estadual de educação: – estou aqui pensando que se, de fato, a televisão digital alcançar essas promessas, vai ser muito importante. Pois, queira ou não, a televisão é o meio mais presente na casa de todos nós, e como a maioria dos brasileiros é carente, seria um ganho na qualidade das informações e dos serviços. Para despertar este interesse científico sobre a televisão, a metodologia utilizada na formação dos professores foi a de aproximação e distanciamento. Primeiro, a equipe de formadores da Seja Digital/FaE-UFMG procurou aproximar os professores da televisão digital no que diz respeito às suas dimensões tecnológicas, econômicas, sociais, inclusivas, culturais e políticas. O passo seguinte foi o de produzir distanciamentos e provocar reflexões-pedagógicas sobre essa televisão que chegava às terras mineiras. Com essa metodologia de aproximação e de distanciamento, foi se propondo modos de compreender a linguagem da televisão digital e de se pensar formas de análises mais gerais da cultura midiática. E, fundamentalmente, foi se construindo uma corresponsabilidade de levar o direito à TV digital a todos os mineiros. Portanto, a formação foi uma oportunidade para se refletir via escola qual a televisão digital que se quer nas terras mineiras. Se a TV tem seu modo de nos dizer, de nos pensar e de nos construir, as escolas têm que criar modos próprios de olhá-la, de desfazêla e de refazê-la. Não há melhor lugar para isto do que no processo de construção pedagógico da escola. Se a televisão nos olha, a escola pode construir um olhar educativo sobre ela: o que se propõe a fabricar a TV digital? O que nossos alunos podem fabricar com essa televisão? O que a escola pode aproveitar da complexidade da TV digital? 130


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Nesse sentido, a participação da escola no processo de migração do sinal da TV analógica para o sinal digital foi um momento singular de apropriação educientífica desse acontecimento midiático pelas docências mineiras. Via formação da Seja Digital/FaE-UFMG, os professores discutiram que perspectivas de inclusão e que projetos educativos estavam acoplados à televisão digital, como mesmo disse o Professor Paulo, da rede estadual: “acho de extrema importância essa questão da audiodescrição acoplada a TV digital, é um elemento de inclusão muito importante”. Os professores e professoras também discutiram a importância de se esquivar do modelo tecnicista da pedagogia da resposta no tratamento da cultura televisiva na escola, e de se aprofundar na pedagogia da pergunta sobre o campo de possibilidades trazidas pelas tecnologias da TV digital. Nesse sentido, a escola deve, pela pesquisa midiática, se perguntar sobre essa televisão que nos chega. Incorporar o desconhecido para buscar uma produção sobre tal desconhecido. Isto é uma forma de escapar às respostas prontas que temos sobre a televisão e qualquer outro meio de comunicação e de reativar a ideia de que não se ensina com respostas certas, respostas prontas, pois resposta fixa não nos permite conhecer e sonhar mais longe (FREIRE, 1992; DEMO,1999). Portanto, somente colocando questões aos acontecimentos televisivos, fazendo-lhes nossas questões educativas, colocando-lhes nossas questões escolares é que seremos capazes de ensinar e conhecer a televisão e dela usufruir pedagogicamente. As perguntas podem nos permitir interpretar melhor essa televisão que nos chega tão atraente e tão mais complexa. Paulo Freire afirma que “[...] toda a docência implica pesquisa e toda pes-quisa verdadeira implica docência. Não há docência verdadeira em cujo processo não se encontre a pesquisa como pergunta, como indagação, cu-riosidade e criatividade” (Freire, 1992, p. 192-193). E isso por ser corrobo-rado na fala do professor Marcos da rede estadual de educação: “gostei de participar dessa formação, ela me trouxe muitas aprendizagens e curiosidades sobre esta televisão digital”. Apontamentos finais A interpretação e compreensão do lugar da escola e da docência na configuração da cultura televisiva foi o debate mais rico do processo formativo 131


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do Conexões Escolares com a TV Digital, na modalidade educativa fundamental II. O lugar-escola se destacou como um território, uma ambiência singular de possíveis e promissores debates sobre a televisão digital. Singular ao se revelar como um possível território de educação científica. Promissor, pois mesmo com todas as mazelas, dificuldades, desvalorização da educação nas políticas governamentais, a escola pública se colocou como um lugar especial para se articular o processo de democratização da comunicação midiática. É via escola que a Pedagogia do Olhar e da pergunta podem ampliar pesquisas sobre os modos de ser da televisão brasileira. E é por este olhar que a escola pode usufruir de todas as novidades da TV digital. Enfim, o olha pro cê vê foi o jeito escolar mineiro de conhecer e indagar essa televisão digital. Olhar com atenção, olhar com provocações, olhar com questões. Este foi o olhar produzido via a coletânea Conexões Escolares com a TV Digital, um olhar que se propôs ver mais longe a televisão digital e todos os seus campos de possibilidades educativos. Portanto, nas terras mineiras, o desligamento do sinal analógico de televisão e sua migração para a televisão digital se apresentou não apenas como um acontecimento midiático, mas como um cuidadoso fazer de pessoas e de culturas. Por isto, ele foi uma mistura de televisão, de gente, de histórias e de aprendizagens. Esta gente mineira foi se aventurando no projeto de não deixar nenhum mineiro sem televisão. Para tanto, estiveram envolvidos profissionais da comunicação, da cultura e arte, da cultura popular e juvenil, do morro e do asfalto, da música e da poesia, do jornal do ônibus e do jornal de rua, dos encontros nas praças e dos encontros nas igrejas e nas associações comunitárias. Não ficaram de fora os hospitais, os botecos, o rádio, o jornal impresso, a internet, a panfletagem nas vilas. Tudo isto num processo de interação entre o acontecer midiático da TV digital e o viver de uma gente mineira. E nessas interações, a escola não pôde ficar de fora. Pois se a televisão acontece ao branco e ao negro, ao jovem e ao idoso, ao rico e ao pobre, ao morro e ao asfalto, ao campo e a cidade, ao ribeirinho e ao quilombola, ela acontece também à escola, na escola e pela escola.

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ReferĂŞncias

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Capítulo 5 SEM BOMBRIL NEM CHUVISCO, MAS COM “CHEIRO” DE MASTER CHEF: A MIGRAÇÃO PARA A TV DIGITAL A PARTIR DO OLHAR DE CRIANÇAS E PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS

Cláudio Márcio Magalhães Cláudia Chaves Fonseca Carlos Renato da Silva Carolina Aparecida de Sena Otávio Pereira Camargos

1. Introdução Que a televisão está presente de forma íntima na sociedade brasileira, é difícil encontrar alguém que negue. Um pouco eclipsada pelo crescimento da internet enquanto objeto de debate, a TV, no entanto, ganhou fôlego extra com a transição do sistema analógico para o digital iniciado em 2016 no Brasil. Aproveitando desse novo destaque, a Seja Digital viu a oportunidade de colocar a TV novamente na pauta da escola com o lançamento da coleção Conexões Escolares com a TV Digital. Assim, este capítulo tem como objetivo acompanhar as experiências de aplicação desse material em salas dos anos iniciais, na região metropolitana de Belo Horizonte/ MG, no ano de 2017. Nos resultados, percebe-se que há uma importante diferença sobre como crianças e professoras veem a televisão, embora as 135


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expectativas sobre a TV digital se assemelhem. As convergências e divergências ajudaram na série de ricas experiências didático-pedagógicas, com uso lúdico e criativo pelas crianças e educadoras, envolvendo a prática escolar e trazendo complexidade da TV como temática para a sala de aula. A presença no cotidiano, a indústria milionária, a influência social e política são fatores que fizeram da TV constante objeto de debate, dos bares à academia. Especificamente dentro das escolas, a televisão há muito está presente, seja como produto de consumo contestável, seja com uso pedagógico e didático, mesmo porque igualmente está presente na vida daqueles que constituem sua comunidade, do mais tenro aluno ao mais experiente professor. Esse contexto, portanto, justifica os inúmeros estudos para entender e tentar apaziguar, concatenar, aglutinar, amalgamar, comunicar (fazer comum, na origem da palavra), esses dois mundos aparentemente diversos, o da escola e o da TV. Os cadernos Conexões Escolares com a TV Digital são cartilhas que pretendem auxiliar os educadores a repensar com sua comunidade escolar esse veículo que continua sendo importante personagem da família dos brasileiros, um lugar onde boa parte da população se informa e se entretém, a despeito do crescimento da internet. Durante o planejamento do processo de transição do sinal em Belo Horizonte, que ocorreu em definitivo no final de 2017 – e considerando a experiência de inclusão social e digital vivenciada em Brasília, no ano de 2016, (KIELING, FREITAS & FEITOSA, 2017) – a Seja Digital visualizou uma oportunidade de construir projetos que pudessem auxiliar no entendimento sobre a relação entre educandos e educadores quando o assunto é televisão, seguindo os passos de autores como Guilhermo Orozco Gómez, Jesús Martín-Barbero, Joan Ferrés e as brasileiras Maria Aparecida Baccega, Rosa Maria Bueno Fischer, Elza Dias Pacheco, Heloísa Dupas Penteado, entre outros(as). O trabalho aqui relatado contou com um processo metodológico que envolveu questionários, entrevistas e, principalmente, a observação participativa das atividades de nove educadoras em oito escolas da região metropolitana da capital mineira, tanto antes como depois do desligamento do sinal analógico. 136


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Transição do sistema analógico para digital e formação dos telespectadores A transição da TV analógica para a TV digital no Brasil começou ainda no final do século passado, quando se debatia qual sistema tecnológico o país deveria adotar (naquela ocasião, ainda estávamos restritos aos sistemas estadunidense e europeu, que, posteriormente, foram suplantados pelo japonês). Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, a transição e o seu debate consequente iniciaram-se no final dos anos 1980 e as operações começaram no início dos anos 1990. Nos EUA, em 1991, a Federal Communications Commission (FCC) estabeleceu os princípios a serem verificados para a aplicação da tecnologia digital e, em 1993, formou-se a Grande Aliança, um consenso entre os principais desenvolvedores de sistemas que culminaria no padrão ATSC (Advanced Television Systems Committee) de 1996. E, na Europa, caminho semelhante aconteceria partir de 1991, com a criação do European Launching Group (ELG)¸formado por órgãos reguladores, emissoras e fabricantes de equipamentos, trabalho que resultaria, em 1993, no Digital Video Broadcasting (DVB). Durante essa década, os sistemas evoluíram em ambos os continentes, agregando o Japão, a partir de 1995, com iniciativa semelhante à europeia com a formação do Advanced Digital Television Broadcasting (ADTVb-LAB) (MELO, RIOS, & GUTIERREZ, 2000). No Brasil, embora o marco inicial ainda seja a publicação do Decreto 4.901, de 2003 (BRASIL, 2003), nos anos 1990 já se discutia, em diversos seminários, órgãos de classe e na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), como seria a transição no país. Tal contextualização histórica é importante, uma vez que os rumos imaginados para a nova tecnologia seriam embalados pelo período de redemocratização do país, em grande medida, nos debates que levaram à Constituição Federal de 1988. Neste sentido, a TV digital era vista como mais uma grande oportunidade de inserção social dos menos afortunados – agora via digitalização do principal veículo de comunicação, a televisão. Principalmente, se considerarmos que o televisor enquanto aparelho doméstico é mais do que um dispositivo eletrônico, é um aparato cultural que permeia a vida e a história recente dos brasileiros. “Promover a inclusão social, a diversidade cultural do país e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação” (BRASIL, 2003) é o que prometia a primeira normatização relacionada à televisão digital brasileira, resultado de mobilização social em137


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preendida por entidades ligadas à democratização da comunicação. O processo de transição, no entanto, teve seu passo mais importante com o Decreto 5.820, de 2006 (BRASIL, 2006), que elencou as diretrizes para a transição do sistema analógico para o digital. Dez anos depois, na cidade de Rio Verde, estado de Goiás, a primeira transição foi completada, e o projeto piloto tem servido de modelo para o processo de migração plena do sinal digital de capitais, médias e pequenas cidades do país, previsto para ser finalizado no ano de 2023. Ao fazer as regras da transitoriedade do sistema de TV analógica para o da TV digital, o ordenamento compeliu que as empresas de telefonia pudessem compensar eventuais custos com a liberação do espaço do espectro eletromagnético29. A mais importante exigência era a garantia da inclusão de, no mínimo, 93% da população brasileira dentro do processo de recepção dos sinais da TV digital. A Seja Digital, entidade administradora da digitalização no Brasil, tomou como o compromisso o lema “não deixar ninguém para trás”, já que, por entender que para aqueles não atingidos pela digitalização, o resultado seria a perda completa do acesso à televisão aberta, o veículo de comunicação e entretenimento mais importante para a maior parte da população brasileira. Para ampliar as suas ações e o alcance de suas mensagens, a Seja Digital estabeleceu um núcleo de trabalho social e de pesquisa e desenvolveu diversas parcerias com universidades, envolvendo centenas de estudantes voluntários, professores do ensino básico e estudantes em dezenas de projetos sociais e de formação, tendo, por-tanto, comunidades escolares como protagonistas fundamentais do processo de migração da TV. Ao acelerar a transição articulada com instituições de ensino, a Seja Digital recebeu mais do que oferta de mão de obra, mas contou com um envolvimento que trazia debates sobre o processo, a nova tecnologia e as oportunidades que se descortinavam. Os procedimentos puderam resgatar algumas das intenções sociais imaginadas nos primórdios dos debates sobre a TV digital, em especial a necessidade de haver certo letramento digital para que os telespectadores se servissem da transição, para também tentar usar a “nova” TV de maneira eficiente, tanto no aspecto técnico como também na sua compreensão enquanto aparelho de comunicação social. Em 2017, além da cidade-piloto de Rio Verde/GO o desligamento em Brasília teve importante papel neste sentido, e a processo de mobilização social que aconteceu durante 0 projeto foi documentado no livro TV Digital: a adaptação dos telespectado-res (KIELING, FREITAS, & FEITOSA, 2017). 138


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Depois da capital do país, era importante dar um passo a mais, e a opção escolhida foi a escola formal. Dessa maneira, a partir do exemplo de Brasília, Belo Horizonte deu continuidade às atividades de mobilização social, agora acrescidas de uma ênfase na educação formal, voltando-se a levar os objetivos de inclusão sociodigital e reflexões sobre o contexto da TV digital através de experimentações em escolas de ensino básico público, como mesmo defende essa citação, de Feitosa e Schulünzen (2012, p. 471): “as tecnologias apontam para uma realidade em que o cidadão é protagonista dos meios digitais. Então é possível, sim, pensar em um contexto em que professores também possam fazer da TV uma extensão da sala de aula”. Com esse intuito, a Seja Digital propôs a realização de novas atividades, dentre elas, formações para professores de escolas públicas da região metropolitana da capital mineira. As formações foram apoiadas pelos cadernos didático-pedagógicos intitulados Conexões Escolares com a TV Digital (SOUSA & FEITOSA, 2017a), produzidos a partir de uma parceria entre a Seja Digital e professores da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Estadual de Minas Gerais, como já indicado em capítulos anteriores. Podemos dizer que tal iniciativa vai ao encontro do que Guilhermo Orozco defende como “necessidade fundamental de se educar as audiências”, que podem, segundo a leitura que fazemos dele, ser passíveis de transformação através dos conteúdos da TV, como também atuar como críticos significativos. Apesar de que ele nos adverte que não podemos deixar de considerar que essa relação pode ter diversas dimensões (OROZCO, 2000). Parece-nos, dessa maneira, que a Seja Digital aceitou o convite e as provocações realizadas ao longo de décadas por influentes pesquisadoras, como Baccega (2003) e Fischer (2001), para as quais a escola tem o importante papel de “brincar ‘a’ televisão, brincar ‘com’ a televisão e brincar ‘a partir dela’ ou ‘a propósito dela’” (OROZCO-GÓMEZ, 2001, p. 107). A transição da TV analógica para a TV digital, portanto, foi a oportunidade de colocar novamente a televisão na pauta da escola. Conforme Antônio Carlos Martelleto (2017, p. 7), presidente da Seja Digital, as publicações de cunho pedagógico pretendem, justamente, “explorar os detalhes desse processo, a partir do princípio da transdisciplinaridade”. Por sua vez, os editores acreditam que é o momento propício para convidar 139


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a escola a “ampliar suas reflexões sobre o processo de democratização da comunicação digital no Brasil”. Neste sentido, as publicações foram orientadas por dois objetivos: 1- Informar e formar a população brasileira sobre a mudança do sinal analógico para o sinal digital de televisão, mobilização que também se faz urgente no “chão da escola”, lugar da experiência, das trocas, das práticas e vivências do coletivo escolar. 2- Transformar esse acontecimento em uma oportunidade de fortalecer a educação midiática na escola básica (SOUSA & FEITOSA, 2017a, p. 9).

Sendo assim, trazemos, neste capítulo, uma análise de dados colhidos durante uma pesquisa de campo com a colaboração de professores de escolas públicas que participaram da Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital – carga horária de 16 horas, que aconteceu no mês de agosto de 2017, por iniciativa da Seja Digital em parceira com pesquisadores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Relembrando o que foi dito no capítulo anterior, a formação teve como proposta discutir conteúdos da coleção Conexões Escolares com a TV Digital e trazer para os professores detalhes do processo de migração definitiva para o sinal digital de televisão, que estava prestes a acontecer na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Após a formação, os trinta professores participantes foram convidados a compor três amostras com intuito de acompanhar, através de uma pesquisa qualitativa, a forma com que os mesmos trabalhariam os conhecimentos adquiridos por meio dos conteúdos da coleção 30. De que maneira o educador iria se apropriar desse material? Como a utilização do material didático contribuiria para construção e/ou aprimoramento do olhar crítico sobre a TV por educadores e estudantes? Ficamos 31 responsáveis por acompanhar a amostra 1, composta por nove desses educadores, que atuavam em oito escolas dos anos iniciais do ensino fundamental – ou seja, até o 5º ano – atendendo crianças de 6 a 11 anos. Além disso, na oportunidade da formação, aplicamos um questionário quanti-qualitativo para professores participantes que tanto atuavam no Ensino Fundamental, quanto na EJA. 140


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Os resultados de toda a investigação serão trazidos nos próximos itens deste capítulo. 1.2 O projeto em sala de aula A partir da observação que fizemos com o público-alvo anteriormente mencionado, tanto antes do desligamento do sinal analógico de TV (nos meses de outubro e novembro de 2017) como também após o dia 22 de dezembro (nas duas semanas seguintes) – quando a TV digital passou a reinar nessas localidades – de forma geral, o que se percebe é uma relação ainda conflituosa em relação à televisão e os seus conteúdos. De um lado, as crianças com um olhar prazeroso, de curiosidade e encantamento, para essa janela de entretenimento, de informação e de socialização. De um outro, educadores muito desconfiados e resistentes às abordagens temáticas realizadas por emissoras de televisão aberta, alguns chegavam a sugerir que representava um empecilho aos seus projetos educativos. Essa questão pode ser, em parte, explicada pelas características da relação pedagógica, que se fundamenta em uma assimetria entre o educando – ao trazer para a escola seu conhecimento do mundo, ainda sem sistematização, aliado a uma curiosidade “ingênua” (FREIRE, 1997, p. 37) – e o professor – que tende a ser mais crítico, “dada a sua responsabilidade de refletir sobre a prática para construir o conhecimento com seus alunos” (Freire, 1997, p. 42). No entanto, a entrada da TV digital na pauta da sala de aula foi uma oportunidade de se aproximar as visões, na busca de um equilíbrio, talvez nem tanto de fascínio, nem tanto de resistência. Metodologia A televisão, há muito tempo, exerce um papel fundamental na vida brasileira. Ela, que está ligada nas casas da maioria da população, tornou-se um instrumento fortíssimo de produção e reprodução cultural, servindo para construir ideais, costumes, modas, e até mesmo para fornecer elementos de construção moral de quem a assiste, como mesmo defende Fischer (2001), quando enxerga o veículo de comunicação como um processador das experiências sociais. De acordo com ela, tudo passa, é 141


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“narrado”, “mostrado”, “significado”, pela televisão. Sendo assim, faz-se necessário considerar a inserção de discussões sobre a televisão em projetos de educação formal, porque muito do que temos enquanto saber é construído em conjunto com ela, que habita exatamente, e inevitavelmente, em meio às nossas experiências cotidianas, a saber: A TV seria um lugar privilegiado de aprendizagens diversas; aprendemos com ela desde formas de olhar e tratar nosso próprio corpo até modos de estabelecer e de compreender diferenças de gênero (isto é, de como “são” ou “devem ser” homens e mulheres), diferenças políticas, econômicas, étnicas, sociais, geracionais. As profundas alterações naquilo que hoje compreendemos como “público” ou “privado” igualmente têm um tipo de visibilidade especial no espaço da televisão, e da mídia de um modo geral (FISCHER, 2001, p. 16).

Além disso, embora haja a impressão de que a televisão perde importância no cotidiano familiar, devido à concorrência com outras mídias, em especial a internet móvel, todos os dados estatísticos demonstram que ela ainda causa significativo impacto em nosso cotidiano. A quantidade de aparelhos aumenta nas residências (IBGE, 2016), assim como o tempo dos jovens à frente da TV, que saltou de 4h43min de 2004 para 5h35min em 2014, tempo superior à boa parte do horário escolar do país32. Tal situação reforça a necessidade de um exercício crítico a seu respeito, não como tentativa de “lutar contra a televisão”, mas como “estimular o desenvolvimento da curiosidade e do pensar críticos” (FREIRE, 2011, p. 236). E foi considerando esse contexto que visitamos oito escolas públicas das cidades de Belo Horizonte e Ribeirão das Neves (que compõe a região metropolitana da capital), para observar as atividades de nove professoras que participaram da formação da Seja Digital/FaE-UFMG, a partir das propostas dos cadernos da coleção Conexões Escolares com a TV Digital (SOUSA & FEITOSA, 2017 a). Das nove professoras, cinco receberam os pesquisadores após o desligamento do sinal analógico, e duas aceitaram responder ao questionário enviado por e-mail. As educadoras aplicaram, nos dias de observação anteriores ao desligamento, algumas das atividades sugeridas na coleção. Quando da visita dos pesquisadores, boa parte já havia realizado as atividades em outros momentos e, no dia da observação, aplicaram novas atividades, reforçaram 142


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as antigas ou retrabalharam os resultados anteriores com as crianças. Portanto, parte da metodologia foi de observação participativa, com os pesquisadores permanecendo em sala o mais discretamente possível, e só fazendo intervenções quando convidados pela educadora da disciplina. Quando percebiam a necessidade, eles realizavam perguntas para entender melhor o que professora e/ou criança estavam pensando naquele momento. Foi utilizado um roteiro, ao qual a educadora não teve acesso, que serviu como um diário de anotações para registrar as informações que condiziam com os objetivos da observação. Abaixo, descrevemos as atividades por acreditarmos que metodologia da qual lançamos mão pode ser replicada e utilizada por educadores, devidamente adaptada, em ocasiões semelhantes, como, por exemplo, o estudo de outras mídias, que não a televisão, e de outros materiais pedagógicos que porventura adentrem a sala de aula. A pesquisa demandou as seguintes tarefas dos pesquisadores: a. Descrever quais são as visões sobre a televisão no discurso das professoras em sala de aula. b. Descrever quais são as visões sobre a televisão no discurso do/a aluna/o em sala de aula: há confrontos e/ou convergências nessas visões? O que acontece na sala quando há o encontro dessas visões? c. Descrever, quando possível, o lugar ocupado pela televisão na vida cotidiana do(as) professore(as) e alunos(as), a partir dos discursos realizados em sala de aula. d. Como acontece o processo de ensino-aprendizagem a partir do material didático-pedagógico da Seja Digital? Descrever as atividades usadas, o clima e as relações interpessoais entre professor-aluno, aluno-aluno, tanto quando das aplicações do material, tanto em outros momentos da aula; as aparentes aprendizagens que acontecem no momento da aula; e as primeiras impressões sobre as limitações e as possibilidades de uso do material didático-pedagógico. e. Descrever as percepções de professore(as) e estudantes sobre o processo de migração do sinal analógico para o sinal digital de televisão (obs: 143


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neste item, o observador precisava verificar a diferença entre os olhares do adulto e da criança). Queríamos saber se a criança tinha uma percepção do processo, se ela já notava a diferença entre analógico e digital como algo significativo. Queríamos identificar se as crianças usavam termos como “chuvisco”, “TV rabiscada”, “letrinha A”, para diferenciar o momento de transição do sinal analógico para o digital. Por outro lado, os adultos pareciam valorizar os “rituais”, momentos definitivos e marcados por atividades específicas àquele instante, e que estavam sendo reforçados pelo discurso midiático sobre o “desligamento”. f. Descrever se, no discurso de ambos, há formas de identificar a percepção que se tem da transição tecnológica. g. Havendo o item anterior, descrever quais são essas formas de discurso, ou seja, como a criança e o professor(a) demonstram conhecimento sobre essa transição. h. Igualmente como no item “b”, descrever se há confrontos e/ou convergências nessas visões. O que acontece na sala quando há o encontro dessas visões? Também foi realizada, após a observação em sala, uma pequena entrevista com a professora (através de anotação e/ou gravação, caso a professora permitisse) contemplando as seguintes questões: • Qual, na sua visão, é o lugar ocupado pela televisão na vida cotidiana dos professore(as) e estudantes? • Quais, na sua visão, são as expectativas do(as) professore(as) e estudantes em relação à migração do sistema analógico de televisão para o digital, no Brasil? • Quais, na sua visão, são os limites e as possibilidades do uso do material didático-pedagógico da Seja Digital? Após o desligamento, a nova pesquisa procurou aplicar um novo roteiro de observação. Essa nova atividade se deu em três momentos: 1) conversa com a professora – pessoalmente e via e-mail, 2) conversa com alunos e 144


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3) observação da escola. Nesta última, circulamos pelo ambiente escolar para verificar se havia a presença de materiais e exercícios sugeridos pelo material didático: ficou em um lugar privilegiado ou meio “largado”? O material está concentrado ou espalhado? É ilustrativo ou reflexivo? Foi realizada uma atividade ou várias? Na conversa com a professora, foi importante saber: a. Houve desdobramentos do trabalho após a visita dos pesquisadores, bem como após o desligamento do sinal analógico de TV. Ou seja, houve continuidade? b. Houve mudança na opinião da professora em relação ao que pensava sobre qual era o lugar ocupado pela televisão na vida cotidiana dos professore(as) e estudantes? c. Foram cumpridas, não cumpridas ou não saberia responder, as expectativas do(as) professore(as) e estudantes em relação à migração do sistema analógico para o digital da TV brasileira? d. Quais foram os limites e as possibilidades do uso do material didáticopedagógico da Seja Digital? e. Caso esteja claro que não houve continuidade das atividades (ou pouco significativo), buscar entender o porquê! Já com as crianças, foi importante saber: a. Se elas se lembravam das atividades. b. O que elas lembram das atividades. c. Qual o sentimento que elas têm sobre as atividades. d. Buscar entender, nas falas, as convergências e as divergências do discurso das professoras sobre TV. e. O que elas falam sobre a TV digital.

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É fundamental informar que, raramente, as observações conseguiram cumprir toda a extensão do roteiro – e nem era a intenção. A dinamicidade das aulas, as características pedagógicas de cada escola e o nível de aceitação particular de cada professora e turma certamente fizeram com que cada experiência fosse singular. Os pesquisadores tinham a missão de, através da observação e entrevistas, entender as relações entre as educadoras e seus alunos, no que condiz à temática da televisão, dentro do contexto da transição, e quando do uso do material didático e pedagógico desenvolvido pela Seja Digital. O roteiro tal como foi descrito aqui tinha a função de oferecer um direcionamento ideal. Paralelamente ao trabalho de pesquisa de campo descrito acima, como já mencionamos anteriormente, foi realizado um levantamento de dados com educadores que participaram da formação inicial. Durante o evento de formação, aplicamos aos professores, presencialmente, um questionário quanti-qualitativo que continha questões sobre o uso que faziam da televisão, a forma como a aplicavam pedagogicamente e entendimento que tinham sobre o processo de transição tecnológica desse veículo de comunicação. Parte dos resultados da referida pesquisa foi utilizada para melhor ilustrar as conclusões. RESULTADOS Utilização do material didático Seja Digital O que logo se percebeu no princípio dos trabalhos de observação foi o distanciamento entre a euforia das crianças, quando se trata de televisão, e a resistência, quando não a desconfiança, das educadoras sobre a mesma temática. Embora a formação realizada pela Seja Digital/FaE-UFMG possa ter contribuído para amenizar os discursos, ainda se percebeu um certo “receio” por parte das educadoras a respeito dos conteúdos televisivos. Um sinal disso foi que os dados e resultados da nossa pesquisa nos apontam que, em muitos casos, nos trabalhos realizados pelas professoras com os alunos, residia o desejo do adulto, e isso pôde ser entendido pelos pesquisadores em campo, quando dialogavam com as crianças. Os registros do nosso diário de campo apontam que existiam situações em que as crianças tentavam participar ativamente das atividades propostas, demonstrando como eram os seus hábitos cotidianos de assistir à tele146


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visĂŁo; porĂŠm, determinados docentes colocavam limites, considerando o que entendiam ser “realmente bomâ€? quando se tratava de programas televisivos. Nessas situaçþes, as crianças nĂŁo tinham autonomia sobre seus trabalhos, porque pareciam ser direcionadas pelo pensamento adulto jĂĄ formado, mesmo que isso significasse que a atividade tivesse vindo de uma escolha “democrĂĄticaâ€?, isto ĂŠ, depois de uma votação entre os alunos. Assim, as divergĂŞncias sobre o que assistir e o que nĂŁo assistir ficavam mais transparentes, Ă medida que os alunos iam dando os seus depoimentos. Aqui temos uma tensĂŁo entre uma abordagem bancĂĄria e uma abordagem dialĂłgica. O enfoque bancĂĄrio incide sobre o papel central do professor sobre as definiçþes de temĂĄticas e sobre os conteĂşdos escolares. Nessa perspectiva, o estudante nĂŁo ĂŠ considerado sujeito do processo educativo. Assim, o que pensa e deseja nĂŁo ĂŠ visto como importante. Pelo contrĂĄrio, as experiĂŞncias e histĂłria discentes sĂŁo compreendidas como elementos Ă parte, distantes dos saberes socialmente valorizados pelos currĂ­culos escolares. Por sua vez, o enfoque dialĂłgico tem como ponto de partida as relaçþes de trocas, as interaçþes entre saberes dos educandos e conteĂşdos programĂĄticos. Em Paulo Freire (2011), isso nĂŁo implica uma renĂşncia Ă s abordagens diretivas e a celebração do espontaneĂ­smo pedagĂłgico. O professor, nessa concepção, ĂŠ um desafiador, alguĂŠm que busca permanentemente criar um ambiente de aprendizagem, tendo o diĂĄlogo como elemento estruturante do processo educativo. HĂĄ uma responsabilidade do educador na prĂłpria programação da educação. E ele nĂŁo pode fugir a essa responsabilidade: ver tudo o que ele possa fazer, QR VHQWLGR GH TXH R HGXFDQGR SRXFR D SRXFR HVWLPXODGR GHVDÂżDGR SRVVD começar a compreender a razĂŁo de ser da prĂłpria busca em que estĂĄ inserido. Para mim, tudo o que o educador possa fazer com esse intuito ĂŠ altamente formador. (FREIRE&GUIMARĂƒES, 2011, p. 87).

A pesquisa de campo nos revelou que havia uma clara desconfiança, quase que unânime, das docentes em relação à televisão. Com efeito, em vez de estimular a curiosidade e instigar os estudantes a se posicionarem frente aos programas televisivos, houve, em algumas situaçþes, o posicionamento do adulto, com seu juízo de valor, sobre as programaçþes televisivas e 147


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o lugar ocupado pela televisão no seio familiar. A esse respeito, uma das professoras chegou a nos dar o seguinte depoimento: Muitas vezes (a TV) acaba substituindo atÊ o convívio familiar, famílias que têm um pouco mais de acesso, um pouco mais de condição, tem duas ou três tevês GHQWUR GH FDVD HQWmR ¿FD XPD QR TXDUWR RXWUD ¿FD QD VDOD RXWUD ¿FD HP RXWUR espaço em que as pessoas se subdividem e acabam não conversando, no momento que seria noite, para poder ter aquele convívio social mesmo (professora 2, informação verbal).

A percepção geral dos docentes mais resistentes em relação Ă televisĂŁo pode ser condensada no discurso de uma delas, quando disse: Infelizmente, a televisĂŁo, ao invĂŠs de auxiliar, ajuda a deformar a consciĂŞncia crĂ­tica das pessoas. Os canais de televisĂŁo teriam mais valor se prestassem serviços Ă comunidade e ao povo brasileiro, atravĂŠs de uma programação mais voltada Ă formação e informação, com o governo ou o povo, gerenciando os canais – fazendo com que a televisĂŁo cumpra seu papel, com informação com qualidade e consciente, para formação humana da população, e nĂŁo a serviço do poder (professora 2, informação verbal).

Esta ĂŠ uma concepção ainda muito presente na escola bĂĄsica, talvez por um excesso de cuidado dos docentes, talvez por um desconhecimento da lĂłgica de funcionamento dos meios de comunicação, o que sĂł reforça a necessidade de uma formação continuada – voltada para a docĂŞncia – a respeito deste tema. Percebeu-se que parte significativa das professoras nĂŁo discutia, antes da formação Seja Digital/FaE-UFMG, de forma alguma, qualquer assunto referente Ă TV em sala de aula, porque a viam como um dificultador do seu trabalho na educação. Uma das professoras, inclusive, lamentou o tempo excessivo em frente da TV, por parte das crianças: A gente foi percebendo o quanto a televisĂŁo ĂŠ babĂĄ, porque os pais saem para WUDEDOKDU H GHL[DP RV ÂżOKRV PDLV QRYRV FRP R ÂżOKR TXH QmR p WmR PDLV YHOKR nĂŁo ĂŠ maior de idade; e quem acaba olhando essa criança ĂŠ a televisĂŁo, porque enquanto ela estĂĄ ali prendendo a atenção, nĂŁo estĂĄ na rua. Foi o que muitos nos disseram, que a negociação em casa ĂŠ feita com o irmĂŁo assim: eu deixo YRFr DVVLVWLU VH YRFr ÂżFDU TXLHWR H QmR VDLU SDUD D UXD Dt HX GHL[R YRFr DVVLVWLU determinado programa na televisĂŁo (professora 3, informação verbal).

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Esse exagero na exposição televisiva deixaria as crianças sonolentas e dispersas na sala de aula, segundo ela. Outras professoras contaram que não acompanham a programação de entretenimento da televisão aberta em sua vida pessoal, mas davam preferência a filmes, documentários e livros em seus horários de lazer; e demonstraram certa ansiedade quando falavam neste ponto, apresentando, inclusive, uma certa necessidade de negar a TV, por considerá-la “algo maléfico”, quase uma espécie de “vilão” contra o ambiente intelectual em que estão envolvidas profissionalmente. Todavia, algumas delas, embora afirmassem que a programação televisiva não é a sua principal ou predileta fonte de entretenimento, revelaram que assistem à TV nos finais de semana, e ainda destacaram o vínculo do seu núcleo familiar com o veículo de comunicação, oportunidade em que citaram as programações prediletas dos esposos e mães, e demonstraram, no momento da fala, simpatia com a TV e com o uso que os seus familiares fazem dela. Tal discurso, que podemos considerar ambíguo – já que negavam a televisão como um artefato cultural, mas revelaram, ao mesmo tempo, um certo vínculo com a TV, conforme pode ser visto no último capítulo deste livro, Olhares televisivos da docência mineira – também aparece na pesquisa exploratória, realizada durante a formação, com 28 docentes de todos os anos, e não somente dos iniciais. Nessa investigação, 68% dos professores declararam que veem TV de três a seis vezes na semana, sendo que mais de 42%, até duas horas por dia. De fato, as preferências são os telejornais e programas esportivos, mas eles também disseram acompanhar desenhos animados, novelas e programas de auditório, que constituem a maior parte da programação da TV aberta brasileira. Quanto ao uso familiar da televisão, boa parte confirmou assistir com parentes, mas 75% declarou que também assiste sozinho. A partir da formação continuada33, percebemos, por meio de atividades docentes, que algumas professores assumiram uma postura crítica em relação à televisão, isto é, compreenderam que não poderiam simplesmente se colocar diante de um aparelho de televisão, “entregues” ou “disponíveis” ao que vier, conforme afirmou Freire (2011, p. 237). Todavia, em alguns casos, não foi isso que verificamos em nossa pesquisa de campo. Isso porque o espaço aberto aos alunos parecia tratar, em geral, de questões técnicas da TV. Nesse sentido, faz-se necessário ressaltar que 149


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o docente precisa estar atento ao seu duplo papel: o telespectador, que desfruta de conteúdos televisivos como fonte de informação, lazer e entretenimento; e o educador, que necessita assumir uma postura crítica sobre esse importante veículo de comunicação34. Outro aspecto importante nesse processo é o desafio de se reconhecer que seus alunos assistem a diferentes tipos de programações na TV, buscando trazer, para a sala de aula seus pontos de vistas. Vale ressaltar que, durante a nossa observação nas salas de aula, várias discussões significativas surgiram a partir da curiosidade dos alunos. Um dos temas debatidos, por exemplo, foi sobre quem é o público de cada programa, para quem foi desenvolvido (criança, idoso, homem, mulher etc.). Uma das professoras descreveu orgulhosa o trabalho que fez com os alunos sobre propagandas apresentadas na televisão, uma discussão que os levou a enxergar as características comerciais dessa mídia de outra forma, saindo do lugar restrito de receptor, e indo em direção a um lugar de análise crítica e reflexiva. Algumas docentes, no entanto, lamentaram sobre a pouca quantidade de atividades destinadas ao primeiro ciclo do ensino fundamental e da necessidade de adaptações para aplicá-las, por que disseram não se sentirem preparadas para tal. De qualquer forma, tinha-se a sensação de que as professoras ansiavam por acessar ainda mais materiais e atividades relacionados à temática. Mesmo diante dos conceitos pré-estabelecidos e da resistência inicial sobre a televisão e o seu papel na sociedade e na escola, os docentes se mostraram dispostos a trabalhar com o tema, demonstrando abertura para enfrentar a ambiguidade presente na relação entre televisão e educação. As professoras participantes da pesquisa aceitaram o desafio de refletir sobre esse veículo de comunicação em sala de aula e, inclusive, colocar em prática diversas atividades lúdicas propostas pelos cadernos da coleção Conexões Escolares com a TV Digital, como se verá mais adiante, nas descrições dos casos ilustrativos. Foi notório o quanto as educadoras acolheram e aplicaram os procedimentos sugeridos pelos cadernos pedagógicos e, quase sempre, obtiveram 150


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aulas divertidas, com envolvimento das crianças e, de uma forma ou de outra, repassaram o debate sugerido pelo material didático. Na visão das educadoras, os cadernos eram de ótima qualidade, principalmente pela quantidade de propostas a serem trabalhadas. Tanto jogos como oficinas eram recursos bastante atrativos para as crianças. Uma das professoras reconheceu que a coleção é um “[material que] vem para somar com o trabalho das professoras”. Tal postura vai ao encontro do que Fischer afirma a respeito do caráter pedagógico da televisão: A televisão é extremamente pedagógica, o seu discurso é deveras importante na formação dos sujeitos, e por isso mesmo a escola não pode esquecê-la – o cruzamento entre as funções da TV e da escola é intrínseco. Apesar de toda a força hegemônica de tal narrativa, apostamos no fato de ela ser construída e, como tal, de trazer em si mesma a possibilidade de ser diferente do que é (FISCHER, 2001, p. 19)

Cabe-nos aqui também citar o pedagogo francês Célèstin Freinet, um dos precursores da escola moderna. Ele foi um dos pioneiros em levar e explorar a linguagem dos meios de comunicação na escola, notadamente o jornal escolar. Em um dado momento ele disse: 8PD GDV JUDQGHV GH¿FLrQFLDV GD QRVVD FXOWXUD ± H D HVFROD WHYH SHOR PHQRV participação nela – é o caráter de tabu que o impresso assume para as crianças e os adultos da nossa época. O jornal, principalmente, é tabu. Está escrito!... Está impresso! Não sairia no jornal se fosse falso! (FREINET, 1976, p. 110)

É provável que o mesmo pensamento se aplique atualmente às demais mídias. Ao ser usuários delas, desconhece-se, muitas vezes, o seu funcionamento, as suas lógicas decisórias, e tende-se a reificá-las. As concepções de Freinet a respeito da função do jornal na escola ajudam a pensar, hoje, a relação televisão e escola. Segundo o autor, o jornal escolar não se resu-miria à introdução de uma “novidade” em sala de aula, mas uma ferramenta para se exercitar a dialogicidade na comunicação. O uso do jornal teria um sentido político-pedagógico preciso, o de erigir a cidadania infantil, uma vez que, ao entender a lógica de operação do meio, os alunos se apropriariam de um conhecimento que não deveria estar restrito a técnicos. Essa discussão proposta por Freinet é de grande atualidade, uma vez que o 151


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desenvolvimento da mídia tem trazido cada vez mais desafios à constituição plena da cidadania e à democracia. Dentro das propostas sugeridas pelas cartilhas da coleção da Seja Digital, as preferidas foram a construção da televisão de rolo de papelão (Figura 2), que tinha como objetivo “refletir sobre o modo como a TV participa do nosso cotidiano e interfere nos hábitos de convivência em nosso lar” (SOUSA & FONSECA, 2017b, p. 37) e a cápsula do tempo, que convidava as crianças a “construir um registro sobre a TV de hoje e estimular a imaginação sobre a TV que queremos” (p. 38). Após o desligamento, boa parte da produção ainda continuava exposta nos corredores da escola. Foto: produzida pelos pesquisadores

Figura 1: TVs de papelão confeccionadas pelas crianças: fruto das atividades sugeridas pelo kit pedagógico

Houve também a construção de um “museu” da televisão, a partir dos depoimentos dos parentes, confecção de antena com material reciclado, apre-sentação teatral e até um telejornal protagonizado pelos alunos e exibido na escola (vide, adiante, nos casos ilustrativos). Os trabalhos resultantes mostraram a notável influência que a televisão exerce na vida dos estudantes. Todas e todos declararam que assistiam à TV, e, a partir das oficinas, puderam demonstrar o que gostavam de assistir, constatando-se a variedade de preferências entre as próprias crianças, a sua própria inserção no cotidiano e o desenvolvimento de uma possível aprendizagem a partir disso. 152


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Transição da TV Analógica para a TV Digital Ainda que um dos principais objetivos da pesquisa de campo fosse a questão da abordagem pedagógica relacionada à televisão, também procurou-se realizar uma análise acerca da expectativa que se tinha sobre transição para a tecnologia digital. Enquanto para os educadores a transição não era um fenômeno que merecia ser tratado com grande atenção – afinal, tratava-se, em grande parte, da mesma televisão que apenas transmitia uma imagem esteticamente melhor –, para as crianças era um momento de ansiedade, de expectativa sobre o que estava por vir. Tais visões expressam uma certa assimetria da relação pedagógica que foi percebida em nossa investigação, como já apontado anteriormente, que pode estar relacionado ao fato de os docentes tenderem, em função do papel que desempenham, a ter um olhar mais crítico, mais desconfiado em relação ao que pode ser uma novidade. Já as crianças, por sua vez, com sua curiosidade natural, tendem a querer saber mais sobre a novidade. Esta dessemelhança também aparece quando se notavam as expectativas para a transição do sinal digital. Enquanto as educadoras pareciam considerar apenas questões técnicas, os estudantes especulavam sobre o ocorrido. A euforia com a transição passava pelo fato de a “TV ter ficado melhor”, de que agora o Bombril só seria usado na cozinha – e não mais para melhorar a imagem da TV. No discurso das crianças, a melhoria ocorreria sem precisar gastar dinheiro (neste sentido, percebe-se que fora a influenciados pelo discurso que ouviram dos pais, sobre a transição) e, também, falava-se sobre a reutilização das televisões antigas, tanto para a casa de parentes “na roça”, quanto, principalmente, para uso em seus próprios quartos, no caso das famílias que compraram equipamentos televisivos mais modernos. As expectativas eram em torno de melhorar a experiência de assistir à TV. Menos chuviscos, imagem mais bonita, som melhor. E trouxeram até crenças surpreendentes: “eu acredito que, com o conversor digital, vou poder sentir o cheiro das comidas do Master Chef e vou poder fazer compras, tudo pelo controle remoto”, disse uma criança, a respeito de um programa de culinária de um canal aberto. Embora a afirmação possa parecer fantasiosa, a criança se mostrou vanguardista. E exatamente a expecta153


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tiva supostamente mais inventiva é a que podemos entender como a mais próxima da realidade. Pesquisadores japoneses35, sul-coreanos e norteamericanos36 já experimentaram o cheiro de programas de TV e, embora não prevista, ainda, para a televisão brasileira, a digitalização seria, sim, capaz de proporcionar a prática, necessitando apenas de um aplicativo dentro do sistema operacional de interatividade e o acoplamento de um dispositivo ao aparelho. Em vários momentos, as crianças mostraram, nas conversas durante as atividades, um conhecimento amplo sobre a implantação da TV digital. Inclusive, em algumas escolas, muitas famílias de baixa renda ainda não tinham o conversor necessário que lhes permitiria continuar a ver TV após o desligamento do sinal analógico, mas as crianças sabiam desta obrigatoriedade. Estava claro que as crianças, com perdão do trocadilho, estavam “antenadas” com mudanças que chegavam, e, em seus relatos, traziam muita esperança por um lazer diferenciado. As expectativas das crianças eram manifestadas com grande empolgação, visto que a maior parte ainda não tinha o conversor do sinal em casa, e estavam em êxtase por sua espera. A imaginação saltava aos olhos, principalmente nas perguntas que faziam sobre o sinal, como: “poderei jogar e assistir à Netflix através do conversor?”, “e se os satélites explodirem, o que acontecerá?” e “como vai ser nas cidades de muito morro, que os morros não vão deixar o sinal passar?”. No caso desta última pergunta, foi feita porque o irmão de um dos alunos mora em Ouro Preto, cidade montanhosa de Minas Gerais. Quando a pergunta surgiu, após uma explicação de como as ondas de TV caminham, os alunos queriam oferecer soluções, tais como: “é só posicionar vários satélites entrando entre as montanhas, aí um vai mandando sinal para o outro, até chegar às casas, no meio das montanhas”. Percebeu-se uma boa interação entre as professoras e as crianças, e a presença dos pesquisadores nas salas de aula estimulavam ainda mais os debates sobre a TV digital. Embora as docentes expusessem suas expectativas de forma mais madura, demonstravam igual animação com questões e hipóteses que não divergiam grandemente das dos alunos, e a opinião deles, em parte, parecia ser fruto das aulas exploratórias sobre o assun154


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to. A partir disso, pudemos perceber que quando há oportunidade para reflexão, a polarização entre comunicação de massa e educação tende a amenizar-se, uma vez que são percebidas as potencialidades de trabalho em conjunto. Algumas professoras destacaram a importância da formação e do material didático para seu crescimento profissional, pois, antes de acessá-lo, segundo nos relataram, chegaram a acreditar que a migração para o sinal digital seria, mais uma vez, um vilão que viria para “alienar” crianças e jovens, dificultando processos de aprendizagem e de formação humana. Dessa forma, passaram a enxergar a TV digital com outro olhar, considerando, inclusive, a possibilidade de utilizá-la como aliada em sala de aula. Uma das professoras afirmou, partir do conteúdo que acessou da coleção Conexões Escolares com a TV Digital: “o que teve lá eu pude aproveitar tudo. Nós falamos sobre propaganda, eles fizeram propagandas” (professora 2). Outra docente contou: O trabalho realizado em sala de aula e no laboratório da escola foi bem-sucedido, pois as crianças conseguiram entender o objetivo proposto de reciclagem, reutilização dos materiais usados, as melhorias de imagens e a evolução dos aparelhos de TV no Brasil (professora 4).

Na visão das professoras, os alunos tinham grande expectativa, principalmente em relação à melhoria da qualidade de som e imagem e a disponibilização de mais canais, com filmes de desenhos animados. Já a expectativa das educadoras, para além da melhora da qualidade de imagem e som, seria a abertura de novos canais educativos e a possibilidade de gravar a programação via conversor digital. As visões das professoras e dos alunos sobre a televisão Mesmo assumindo as novas possibilidades pedagógicas que encontraram para trabalhar em sala de aula a temática “televisão”, parte importante dos educadores alegou que o acesso irrestrito dos alunos a qualquer tipo de programação é “altamente nocivo” ao seu desenvolvimento intelectual, físico e moral. Isso decorre, até certo ponto, da tensão entre cuidar e educar, elementos constitutivos da educação básica. 155


TV Digital e Educação Båsica

Na pesquisa exploratĂłria, que realizamos durante a formação inicial, descrita no capĂ­tulo 3, constatamos que menos de 50% dos 28 professores que preencheram o nosso questionĂĄrio acreditam que a programação da TV aberta auxilia na prĂĄtica pedagĂłgica do professor. PorĂŠm, quando perguntados sobre a importância do aparelho televisivo na escola, como ferramenta didĂĄtico-pedagĂłgica, 75% dos professores afirmam que se trata de um recurso fundamental para o processo educativo, criando infinitas possibilidades para o cotidiano educacional. O reconhecimento deste potencial, portanto, nos leva a reforçar a necessidade de os cursos de Pedagogia e licenciaturas investirem com mais afinco em uma formação que vincule cultura midiĂĄtica ao currĂ­culo, construindo com os futuros docentes processos reflexivos que os capacitem a exercer uma anĂĄlise crĂ­tica sobre as mĂ­dia fundamentada em um conhecimento aprofundado sobre as teorias da comunicação e da semiĂłtica. Segundo algumas professoras entrevistadas, a TV tende a ocupar um lugar de substituta dos pais e responsĂĄveis; do seu lugar, ser transmissora de valores, o foco principal das atençþes dos alunos, a principal “vilĂŁâ€? da educação (fazendo FRP RV DOXQRV ÂżTXHP LQGLVSRVWRV SDUD DFRUGDU H LU j HVFROD SHOD PDQKm H UHproduzam discursos de violĂŞncia apreendidos na TV). As docentes observaram que a exposição Ă televisĂŁo deveria ser mediada, tanto em termos do tempo utilizado pelas crianças para assistir Ă televisĂŁo, quanto em relação Ă discussĂŁo dos seus conteĂşdos, como propĂľem alguns textos da coleção ConexĂľes Escolares com a TV Digital. Uma das professoras em entrevista faz a seguinte sugestĂŁo: “a televisĂŁo devia ser direcionada para a criança, com programas que educassem e que a criança pudesse interagirâ€? (professora 5).

As turmas pesquisadas estão localizadas em regiþes perifÊricas e atendem a um público de classe mÊdia baixa e baixa. Uma pequena quantidade de alunos possui TV por assinatura e Ê reconhecida por seus colegas devido a isso. Elas declararam assistir a novelas, filmes de ação e suspense, programação destinada ao público adulto. Apenas uma pequena parte dos alunos confessou, de início, assistir a desenhos, filmes animados e programas infantis. Filmes animados e desenhos de ação foram colocados como os seus favoritos.

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TV Digital e Educação Básica

Para as crianças, a TV é vista como companheira diária, o ato de assistir-lhe é, então, considerado algo “prazeroso”. Apesar de tudo, a maioria dos alunos afirmou que não trocaria as brincadeiras com os colegas pela TV. Neste ponto, há uma distinção entre os gêneros: as meninas pouco se manifestaram, enquanto os meninos se pronunciaram em massa que as brincadeiras na rua têm prioridade. Uma das turmas observadas merece destaque por conta do trabalho desenvolvido pela professora sobre comerciais de televisão. Ela propôs que seus alunos apontassem elementos dos comerciais de TV que fazem um público específico se interessar pelos produtos apresentados. Eles, por sua vez, demonstraram uma construção significativa de criticidade sobre essa ferramenta televisiva, e utilizaram experiências próprias como exemplos. Três alunos afirmaram que desistiram do presente que haviam escolhido de Natal, ao verem o comercial: “ele parecia bem legal no comercial, mas jogo era meio sem noção, e eu não ia brincar muito. Aí, eu escolhi outro que não estava na TV, mas que eu ia jogar mais”. Em suma, para os alunos, percebe-se, pelas discussões, que a TV é vista como uma companheira co-tidiana, principalmente das noites. Ela é vista com carinho e parece pos-suir uma forte presença em seus núcleos familiares. Já grande parte dos professores afirmou ter pouco contato com a programação da televisão aberta, seja pela falta de tempo durante a semana ou pela falta de interesse. Segundo eles, quando assistem, geralmente nos finais de semana, são mais seletivos na escolha dos programas, preferindo a filmes e documentários. Processos de Aprendizagem No tocante ao clima de sala de aula e as relações interpessoais entre professor-aluno, aluno-aluno, percebemos que nos momentos em que era aplicado o conteúdo da coleção pedagógica Conexões Escolares com a TV Digital, havia bastante engajamento de todos, e as crianças, em especial, demonstravam bastante empolgação com as atividades sugeridas. As aprendizagens foram, muitas vezes, para além do planejado pelas professoras. Por se tratar de um assunto inerente ao cotidiano das crianças, elas demonstraram muito interesse, realizando perguntas inesperadas e desenvolvendo pensamentos sofisticados sobre o tema. 157


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Quanto questionadas, as crianças demonstravam se lembrar, principalmente, das questões técnicas sobre o desligamento do sinal analógico de TV, do número de telefone gratuito (147) para agendar a retirada do kit conversor por famílias beneficiárias de programas sociais do governo e da data em que ocorreria o desligamento. Observaram-se distintas apropriações da temática trabalhada. A maior parte das turmas apresentou um discurso majoritariamente técnico sobre sinal televisivo – ondas eletromagnéticas, conversor digital e o desligamento do sinal analógico – mesmo sendo alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Continuidade da pesquisa Alguns dias após o desligamento do sinal analógico, os pesquisadores voltaram em cinco das escolas, para verificarem se havia aspectos que apontassem desdobramentos ou a continuidade do trabalho realizado pelos professores sobre a TV digital, e para observar a percepção dos alunos entre os momentos analógicos e os momentos digitais. Na observação e nas entrevistas informais com as professoras, grande parte afirmou que deu continuidade ao trabalho, mas apenas uma minoria delas apresentou os materiais produzidos durante as atividades, como foi o caso da atividade “cápsula do tempo” que, após aberta, os alunos refletiram sobre as cartas que escreveram e elaboraram uma resposta, dizendo se suas expectativas foram supridas ou não. Perguntadas se mudaram de opinião em relação ao lugar ocupado pela televisão em suas vidas cotidianas e na vida das professoras, por unanimidade responderam que “não”. Sobre as expectativas das professoras e estudantes em relação ao que aconteceria após a migração plena para o sistema digital de TV, os pesquisadores escutaram de uma pequena parte das crianças reclamações, principalmente da imagem que se tinha após o desligamento, alegando que o sinal de TV caía e, por isso, ficavam completamente sem ver TV devido a qualquer ventania ou chuva fraca, ou simplesmente que o seu sinal de TV travava sem nenhum motivo aparente. É importante frisar que durante o processo de transição para o sinal digital no agrupamento Belo Horizonte, composto por 39 cidades, houve relatos de problemas técnicos de recepção, principalmente devido à topografia da região. Algumas crianças 158


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disseram que não perceberam a melhoria de qualidade de som, que, segundo elas, não havia diferença em relação ao sinal analógico. No entanto, tais impressões devem ser relativizadas por: a) conforme relatado anteriormente por parte do mesmo grupo, boa parte das casas já contava com TVs de tela plana e, portanto, com um sistema mais moderno de captação e transmissão de sons, o que dificultaria a impressão de mudança auditiva; b) o local de instalação ou mesmo da residência, dado que a qualidade de sinal depende de diversos outros fatores, como zonas de sombra; c) número ínfimo de crianças respondentes neste sentido, em comparação com os demais que não relataram nada neste sentido; d) a necessidade natural de parte das crianças em querer participar das atividades com os pesquisadores, nem que para isso tenha que criar respostas que, no seu imaginário, os agradariam. Casos ilustrativos Para melhor ilustrar as experiências e conclusões da pesquisa, foram escolhidos alguns casos específicos identificados pelos pesquisadores de campo. As informações de campo serviram como base para os resultados gerais, mas aqui encontram um lugar também para situações específicas e consideradas inusitadas. Tais casos foram selecionados por entender que possuem uma representatividade do que foi coletado em termos gerais. Os participantes da pesquisa tiveram nomes alterados como forma de se preservar a sua identidade. Turma A: Cápsula do Tempo Nesta turma, foram trabalhadas as questões técnicas exploradas em aulas expositivas referentes à transição do sinal analógico de televisão, tais como a data prevista para o desligamento e a necessidade de se ter um conversor para receber o sinal digital em televisões de modelos mais antigos, além da distribuição de conversores gratuitos, feita pela Seja Digital, para famílias cadastradas em programas sociais. A professora relatou que os pais participaram enviando perguntas, e os alunos estavam afiados com as informações, respondendo às questões da professora de forma rápida e precisa.

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Além das aulas expositivas, os alunos trabalharam com os jogos do kit pedagógico e confeccionaram cartazes, que foram expostos na própria sala de aula. Os cartazes foram produzidos com intervenções mínimas da professora. Como ápice do trabalho, a educadora produziu com as crianças uma cápsula do tempo, e cada aluno foi convidado a escrever uma carta para si mesmo, que seria aberta no futuro, com o tema “como será a TV digital”. Das cartas lidas pelas crianças, predominavam as características de alta qualidade de imagem e som de cinema e a maior quantidade de canais, proporcionadas pela TV digital. Foi dessa turma que se destacou a criatividade do aluno, que além da qualidade de som e imagem, disse esperar que fosse possível sentir os odores e o clima da programação, realizar compras e interagir diretamente com a programação, através de comentários e diálogo com os apresentadores. Turma B: avaliação crítica da propaganda Além de trabalhar questões pontuais sobre o desligamento do sinal analógico de televisão e falar sobre a distribuição de conversores digitais para famílias beneficiadas por programas sociais, a professora desenvolveu com as crianças atividades que contemplavam uma análise crítica sobre a estrutura das propagandas televisivas e os elementos presentes nos comerciais, conforme o público-alvo, além dos horários em que são exibidos, o porquê de algumas propagandas se destacarem como proposta, entre outras abordagens. A crítica de mídia, no ambiente escolar, conforme trabalho realizado por esta professora, é uma tarefa que desafia o corpo docente. Como disse Freire: “a televisão é uma coisa fantástica, mas é preciso que a gente se ponha diante dela, como diante de tudo, muito criticamente” (FREIRE, 2011, p. 63). Os alunos foram divididos em grupos, e cada grupo criou uma marca de algum material utilizado em sala de aula (cola, lápis de escrever, caderno). As crianças criaram a embalagem, a frase comercial que representa o produto e, por fim, escreveram um roteiro e gravaram um comercial para seu produto. Além da gravação, as crianças produziram um cartaz de seu produto para ser incluído na tarefa seguinte.

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TV Digital e Educação Básica Foto: produzida pelos pesquisadores

Figura 2: Televisões de rolo de papelão produzidas pelas crianças em diversas escolas

A segunda etapa da atividade envolveu a criação de uma grade de programação de um canal de televisão. Cada grupo foi dividido entre roteirista, locutor e desenhistas. O grupo discutiu qual história contaria. O roteirista foi responsável por escrever a história; os desenhistas por desenhar e colorir os cartazes; e o locutor, por sua vez, narraria a história, quando fosse exibida na televisão. A professora construiu um protótipo de televisão de rolo, a “TV improvisada”, como nomeou outra docente (Figura 3), e montou os cartazes da produção dos alunos intercalados com a propaganda produzida anteriormente. O projeto culminou na exibição dos programas do canal intitulado TV Educativa Sala 3, momento em que a professora rodava os quadros enquanto o locutor narrava a história. Nos intervalos entre uma história e outra, era exibido o comercial produzido na atividade anterior. Turma C: O televizinho O trabalho da professora, além das questões técnicas sobre o desligamento, girou em torno de dois relatos presentes nos cadernos pedagógicos: Televizinho: uma memória de infância (Caderno 2) e A TV Fusca (Caderno 4). A partir desses dois relatos, cada aluno ficou responsável por entrevistar uma pessoa mais velha do seu convívio familiar (pai, tio, avó etc.) sobre como foi seu primeiro contato com a TV e como ela chegou 161


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a sua casa. Cada aluno contou sua entrevista, e a turma debateu sobre o surgimento da TV e como ela foi ocupando espaço ao longo da vida das pessoas. A conclusão do trabalho foi a confecção de protótipos de TV por cada aluno. Esta atividade gerou uma rica exposição da história da televisão, pois mesmo sem que a professora orientasse sobre qual modelo deveriam confeccionar a maquete, apareceram vários, desde as mais antigas, em preto e branco, de tubo, pequenas, até as grandes, de plasma. Além disso, discutiu-se sobre personagens, as marcas e elementos que, no imaginário das crianças, representam o próprio conceito de televisão, como os apresentadores Sílvio Santos e Faustão, os desenhos animados, a provedora de filmes e séries de televisão por streaming Netflix e tantos outros modelos da grade televisiva que fazem parte da programação assistida pelas crianças (Figura 3). Foto: produzida pelos pesquisadores

Figura 3: Televisões de papelão produzidas pelas crianças

Turma D: Antena de material reciclado No dia da atividade de construção de antena com material reciclado, a professora já havia trabalhado com o material dos cadernos Conexões Escolares com a TV Digital em sala de aula, e havia realizado algumas atividades com a turma. A docente fez, então, uma retrospectiva do que tinha sido trabalhado, e as crianças contaram o que aprenderam. Na visão das crianças, a qualidade da imagem da TV iria melhorar com 162


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o sinal digital; algumas delas, inclusive, já contavam com a tecnologia em casa. A confecção artesanal de antenas de TV utilizou materiais reciclados (Figura 5), e, por conta disso, a turma dialogou com os três pilares da sustentabilidade (reduzir, reutilizar e reciclar), tratados no Caderno 3. A professora destacou a importância de não descartar as TVs antigas de forma incorreta, por todos os prejuízos que os metais pesados presentes em um aparelho de TV podem causar no meio ambiente. A atividade, por si, demonstrava que as TV de tubo poderiam ser reutilizadas dentro do sistema digital com o suporte de antenas confeccionadas manualmente. Foto: produzida pelos pesquisadores

Figura 4: Oficina de antena feita de material reciclado

O estudante John (11 anos) disse que achou “legal” reutilizar os materiais para confeccionar a antena, pois, dessa forma, não precisaria gastar dinheiro. Também achou que “a TV ficou melhor”. Ele disse que gostou da oficina de montagem de antena e de ter aprendido mais sobre a filosofia dos “3 R’s: reduzir, reutilizar e reciclar”. Da mesma maneira, Fernanda (10 anos) falou que a experiência de confecção da antena “foi muito boa” e que “foi fácil aprender a fazê-la”. Disse que antes, com o sinal analógico, “mal dava para enxergar” as imagens da TV, e que agora está bem melhor. Paulo (10 anos) ajudou Fernanda a confeccionar a antena e disse que foi uma experiência prazerosa, principalmente por conta da reciclagem. 163


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Achou a atividade “bem louca”, em suas palavras, por não ter que gastar dinheiro à toa. Por sua vez, Joana (10 anos) afirmou que, embora a sua antena tenha “ficado feia”, não ter gastado dinheiro foi bom, pois levaria a antena para “roça”, para que fosse instalada na casa de seus parentes. Laura observou que além de a imagem ter ficado mais limpa com a antena artesanal, agora: o “Bombril é só na cozinha”. Os depoimentos acima retratam a opinião da maioria das crianças, que demonstraram preocupação com economia e reciclagem, mas também com a estética. A professora, a seu turno, avaliou que o trabalho realizado em sala de aula e no laboratório da escola foi bem-sucedido, pois: “as crianças conseguiram entender o objetivo proposto de reciclagem, reutilização dos materiais usados, as melhorias de imagens e a evolução dos aparelhos de TV no Brasil”. Ela ainda falou sobre a importância do material pedagógico e sobre a formação da Seja Digital/FaE-UFMG: “os cadernos pedagógicos interligados na escola foram muito interessantes, pois possibilita o educador a trabalhar o assunto com abordagem interdisciplinar, tornando o trabalho, desse modo, abrangente e com conteúdo bastante rico”. Embora, para a professora, a formação tenha conseguido mostrar que a TV também tem um papel importante dentro da educação das crianças, ela acrescentou que é preciso controlar a quantidade de tempo em que as crianças ficam diante da TV e o que elas assistem ou deixam de assistir. Ela ainda lamentou a falta de tempo para trabalhar os assuntos sugeridos pela coleção da forma que gostaria, visto que tem uma grade curricular pré-estabelecida por sua escola para cumprir. Esta questão a respeito da grade curricular foi discutida por Paulo Freire e Sérgio Guimarães (2011), nos diálogos que travaram sobre educação midiática. Freire afirmou que simplesmente utilizar a televisão na escola, sem reflexão e discussão com os alunos, seria limitar o aluno à tarefa do consumo. Para ele, seria fundamental “discutir com a meninada (...) o que é a televisão enquanto instrumento de comunicação, quais as implicações tecnológicas e históricas que aquilo tem, do tipo ‘como é que apareceu isso?’” (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 54). Embora, muitas vezes, o cumprimento do programa curricular seja imposto, Freire acredita na relevância extrema deste tipo de trabalho: “seria até uma espécie de introdução ao pensamento científico da criança” (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 55). 164


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O assunto ainda rendeu em algumas aulas, principalmente após o desligamento. E, pelo o que percebemos, algumas crianças tiveram um benefício extra: os seus pais compraram novos aparelhos, e elas ganharam as TVs de tubo de presente para colocá-las em seus quartos. Nesta mesma escola, mas fora do escopo da pesquisa, os pesquisadores presenciaram uma atividade realizada por uma turma de 9º ano. Eles desenvolveram o “Lagoa News”, um telejornal amador protagonizado pelos próprios estudantes, trabalhando temas como política e meio ambiente, mas aproveitando para propagandear questões sobre a TV digital e a migração do sinal analógico para o digital, em sua programação que seria exibida para toda a escola. Turma E: Teatro da TV Digital A professora que idealizou o Teatro da TV Digital, após ter trabalhado a coleção Conexões Escolares com a TV Digital com seus estudantes, montou uma apresentação que reproduzia um telejornal. Na peça de teatro, as crianças falavam sobre a evolução da TV brasileira e mostravam que, nas décadas de 1970 e de 1980, ocorreram melhorias na qualidade da televisão e, na década de 1990, essas melhorias foram mais significativas com a chegada da TV a cabo, quando também a TV digital começou a ser pensada. A peça de teatro também encenou propagandas e o quadro “Previsão do Tempo”, tal como uma programação real de telejornal. Ao final da apresentação, os estudantes contaram que já estavam informados sobre a mudança do sinal de TV e que tinham percebido que a qualidade da imagem da TV havia melhorado nas casas que tinham feito a transição para o sinal digital. O fato de o sinal digital permitir a oferta de mais canais também apareceu no discurso dos alunos e das alunas. Turma F: Museu da TV Em uma das escolas, os estudantes foram envolvidos nos projetos que discutiam a temática da TV digital confeccionando um informativo sobre a mudança do sinal, distribuído para a toda comunidade escolar. Houve também uma pesquisa sobre a história da televisão, uma das atividades sugeridas no material pedagógico. Para isso, as crianças entrevistaram 165


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seus familiares e com os colegas confeccionaram aparelhos de TV usando materiais recicláveis. Nelas, colocaram seus programas favoritos, como ocorreu em outras escolas. A escola preparou um pequeno museu que narrava sobre a história da TV brasileira. No museu foram expostos os trabalhos feitos pelas crianças em sala de aula, além de murais abordando diversas questões sobre a trajetória da televisão no Brasil (Figura 6 e 7). A coleção foi exposta para toda a comunidade escolar no dia em que diversos parentes das crianças estavam presentes. Naquela ocasião, as famílias contaram que haviam sido informados sobre a mudança para o sinal digital de TV, e que perceberam o quão significativa foi a melhoria. A professora relatou que eles não enfrentaram dificuldades durante a mudança plena para o sinal digital, e que as crianças e seus pais entenderam que foi “uma coisa boa”. As exceções, de acordo com ela, eram duas famílias, que não eram beneficiárias de programas sociais do governo e que não conseguiam arcar com os gastos de uma antena digital. Fotos: produzidas pelos pesquisadores

Figura 5: Painel com a linha do tempo no museu sobre a TV

Figura 6: Museu da Televisão

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Turma G: Jogo de Perguntas e Respostas Nessa escola, a atividade proposta foi discutir, sob a mediação da professora, a temática da transição da TV analógica para a TV digital, e conhecer o seu entendimento pelas crianças. Durante a conversa, a empolgação dos alunos foi de tal ordem que se criou uma balbúrdia. Todas as crianças queriam falar ao mesmo tempo, e mostrar o quanto sabiam sobre o assunto apreendido durante as aulas. Os alunos tinham tudo na ponta da língua, mesmo que alguns trouxessem limitações discursivas para expor o seu conhecimento. A educadora sugeriu que um dos alunos falasse sobre o tema, e perguntou a ele o porquê de o sinal analógico ser desligado. O aluno respondeu: “porque o sinal da internet vai ficar melhor, e o sinal digital é superior”. Pode-se dizer que o aluno tenha, da sua forma, dado a resposta correta, pois, além de o sinal digital ser superior, o sinal da internet tende realmente a melhorar após do desligamento do sinal analógico. Isso porque o governo brasileiro leiloou a faixa de 700 MHz, que seria desocupada após o desligamento do sinal analógico, como uma alternativa de popularização da internet 4G (que possui mais velocidade de conexão e melhora a cobertura em ambientes fechados), de forma que se torne mais acessível financeiramente e possa ser levada às zonas rurais brasileiras. Atualmente, o mundo enfrenta um problema de congestionamento do espectro eletromagnético, devido à alta demanda dos dispositivos móveis, que tende a aumentar. E a tecnologia de TV digital ajuda na solução, pois permite uma maior otimização de uso do espectro, devido à sua capacidade de comprimir o seu sinal. Assim, com a resposta do aluno, a docente trabalhou com as demais respostas complementares. As crianças conheciam bastante sobre o tema que não só tinham apreendido em sala de aula, como também nos veículos de comunicação como TV, rádio e internet. Muitas crianças disseram que já tinham visto as imagens da TV digital, e que, em casa, já tinham conseguido instalar o conversor. Segundo elas, as imagens eram muito melhores do que aquelas da TV analógica, que tinham “chuviscos” e “barulhinhos”. Antes de apresentar o trabalho realizado pelas crianças, televisores de tubo feitos de forma artesanal, a professora fez uma espécie de jogo de 167


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perguntas e respostas para os alunos, concernente ao descarte dos aparelhos de televisão e aos locais próprios para esse tipo de descarte, entre outros assuntos relacionados à televisão. A professora utilizou o material pedagógico como um livro didático, tendo trabalhado muitos dos textos da coleção com seus alunos. A professora contou que gostava de alguns dos programas de TV que os alunos haviam apontado nas atividades, mas que a televisão deveria ter programas direcionados para as crianças, que educassem ao mesmo tempo em que permitissem interação. E disse usar a televisão como fonte de introdução de conhecimentos aos alunos. Perguntada sobre as novelas, ela disse embora acredite que sirvam para recreação e diversão, ela entende que não contribuem para educação das crianças. As crianças, por sua vez, falaram, durante o debate, que além de verem a televisão como uma fonte de diversão, percebiam que havia nos desenhos animados assuntos sobre compartilhamento, amor, animação, comédia e aventura, e que muitas animações as ajudavam a ser pessoas melhores. A professora contou que o seu trabalho de conclusão de curso de graduação foi sobre a utilização da televisão como instrumento educativo nas aulas, mas que, na escola onde leciona, existe uma grande dificuldade em trazer programas de TV para integrar os conteúdos a serem ministrados, por restrições da direção, devido a questões de infraestrutura e de currículo. $SHVDU GH HX WHU XP WUDEDOKR GH FRQFOXVmR GH FXUVR VREUH D XWLOL]DomR GH ¿OPHV para a educação, aqui não nos é permitida a execução disso, pois no currículo não há nada que permita a utilização da televisão nas aulas. É triste quando vemos que a televisão tem muito a contribuir, mas não temos a liberdade para poder trabalhar conteúdos relativos a programas televisivos com os alunos. Somos apenas duas professoras que introduzem algumas questões sobre a televisão, e nos anos iniciais é muito difícil trabalhar estas questões, pois temos um currículo a seguir e não temos a autonomia de fazer (professora 4).

Durante a observação, percebeu-se um confronto de ideias sobre a utilização da TV na vida das crianças. Ao perceber que muitas crianças assistiam a TV em casa sem limitação de programação, a professora orientava 168


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os seus alunos sobre o que uma criança pode assistir e como utilizar a televisão. Além disso, ela contou que realiza constantemente discussões sobre programas da internet, já que as crianças também utilizam muito outros dispositivos, além do aparelho de TV. Os alunos, segundo ela, assistem a muitos conteúdos da Netflix e muitas vezes discutem sobre os conteúdos de alguns programas em sala de aula. Após o desligamento do sinal analógico, a professora afirmou que houve uma continuação do trabalho realizado com o uso da televisão, mas não com o material didático apresentado. Ela disse que trabalha, algumas vezes, com algumas questões que os alunos trazem de casa, quando assistem a algum tipo de programa, e perguntam por que aconteceu isso ou aquilo. E, dessa forma, flui o debate entre eles. Já sobre os impactos da migração plena para o sinal digital, a professora disse que não houve nenhum comentário dos alunos, e que acreditava que todos já haviam instalado os conversores. Algo curioso que aconteceu foi que a professora disse ter ficado sem o sinal de sua televisão, após o desligamento do sinal digital, porque não instalou o conversor, pois imaginava que quem tinha internet ligada à televisão iria continuar com o sinal de TV. E, naquele momento, ela estava assistindo apenas a Netflix. Considerações finais No livro Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire nos fala sobre a importância do acolhimento da identidade cultural dos educandos, pois, em seus argumentos, somos sujeitos com autonomia, experiências e práticas sociais (FREIRE, 1996). E é indiscutível a presença da televisão na história, nos costumes, na vida cotidiana, na construção da identidade do brasileiro. A televisão é uma das mais presentes experiências e das mais frequentes práticas sociais. Dessa forma, precisamos entender melhor a televisão, que, conforme palavras de Rosa Bueno Fischer (2001, p. 43), “precisa entrar nas escolas e na formação dos professores não apenas como recurso, meio, mas também – e, sobretudo – como objeto de estudo”. Assim, compreendendo a televisão como um lugar que pode estabelecer espaços para aprendizagens e de formação cultural, é preciso ficar atento 169


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a quem define o que pode ou não passar neste verdadeiro processador do tecido social, ainda relembrando Fischer (2001). É certo que não se pode esquecer as dimensões políticas e econômicas do meio. Até porque sabemos que os canais de televisão, públicos e privados, por, muitas vezes, ao responderem à pressão do campo econômico, nem sempre atendem de forma mais adequada aos interesses sociais. E esse é mais um dos motivos que justificam a presença da televisão dentro do currículo e do cotidiano da escola, que deve ser pautada pela formação crítica de seus telespectadores. Caso isso não venha das emissoras, que parta da escola. A televisão possui uma dimensão pedagógica que não pode ser negada, o seu discurso é deveras importante na formação dos sujeitos e, por isso mesmo, a escola não pode esquecê-la, uma vez que o cruzamento entre as funções da TV e da escola é intrínseco. “Apesar de toda a força hegemônica de tal narrativa, apostamos no fato de ela ser construída e, como tal, de trazer em si mesma a possibilidade de ser diferente do que é.” (FISCHER, 2001, p. 19). Por fim, é visível que a formação e as atividades dos cadernos pedagógicos da coleção Conexões Escolares com a TV Digital foram de extrema importância para informação e formação da comunidade escolar pesquisada. Tanto para o momento de transição do sinal analógico para o sinal digital de TV, como para ofertar oportunidades didático-pedagógicas que oportunizem um maior entendimento sobre a televisão em conjunto com as práticas escolares, aprimorando, concomitantemente, a leitura desse meio de comunicação por professores e alunos. Contudo, entendemos que ainda há um longo caminho a percorrer, a fim de tornarmos a escola parceira das comunicações, de colocarmos a televisão no papel de companheira da educação escolar, e o jovem como ponto central desse processo de tantas mudanças em meio às tecnologias digitais, das quais a te-levisão também é parte. “É importante que a equipe pedagógica da escola esteja preparada para entender a juventude: desejos, medos, dificuldades, o modo como fazem a ressignificação do mundo, e como elegem suas preferências.” (FEITOSA & SCHLÜNZEN, 2012, p. 471). Aprimorar esses processos é missão cotidiana de todos os educadores. Esperamos que esta pesquisa possa inspirar e fornecer metodologia para 170


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que se prossiga nessa trajetória. Qualquer que seja a interpretação dos seus resultados, ainda assim seria limitada, por tratar-se de uma amostra muito restrita. O que a torna válida é levar à discussão, uma vez mais, a presença da televisão no cotidiano escolar e capacitar os docentes para a crítica de mídia. É inegável que recursos didáticos de qualidade, como os cadernos Conexões Escolares com a TV Digital, são fundamentais para deixar o assunto em pauta, e até mesmo para ir contra as resistências naturais que eventualmente possam existir, por parte da comunidade escolar. Aproveitar o momento histórico pelo qual passa a televisão brasileira é se engajar em uma janela de oportunidades para se repensar como construir a relação com esse veículo que está, indubitavelmente, presente na vida de educadores e educandos.

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Capítulo 6

TV DIGITAL: UM ESTUDO SOB A ÓTICA DOS ESTUDANTES E PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Heli Sabino de Oliveira Maria José Batista Pinto Flores Analise de Jesus da Silva

Este capítulo tem por objetivo analisar as formas pelas quais estudantes e professores da educação de jovens e adultos (EJA) da Região Metropolitana de Belo Horizontese relacionam coma televisão, bem como compreender expectativas que possuem em relação à TV digital e suas potencialidades no contexto educativo37. Cumpre sublinhar, de saída, que oprojeto desenvolvido pela Seja Digital e pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais abrangeu uma ampla atuação formativa, abarcando contextos escolares e não escolares. Podese dizer que, no que se refere ao trabalho junto às escolas, buscou-se várias frentes de trabalho de formação continuada com os professores, privilegiando esse sujeito coletivo como ator principal na disseminação de usos e apropriações críticas do processo de transição da TV analógica para a TV digital38. Para que se tenha uma ideia da dimensão desse projeto no âmbito escolar, 173


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basta observar o número de ações realizadas a partir da parceria entre Seja Digital e a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais: 805 professores da educação básica participaram da Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, sendo que, deste universo, 147 professores eram atuantes na EJA. A formação consistiu tanto em trabalho com docentes no contexto da universidade, quanto em visitas e formação nos diversos contextos escolares, por meio de oficinas e palestras baseadas na coleção Conexões Escolares com TV Digital (2017). Além disso, 10 professores da modalidade EJA participaram de uma formação continuada, com carga horária de 16 horas, na Faculdade de Educação, conforme destacado no capítulo 3, deste livro, e, em seguida, foram convidados a participar da pesquisa que observou como os conteúdos da formação foram trabalhados em sala de aula. Considerando que a coleção Conexões Escolares com a TV Digital traz elementos que podem contribuir para a educação midiática em sala de aula – bem como conceitos envolvidos no processo de transição da TV analógica para a TV digital, e propostas de ensino que possibilitam a realização de intervenções educativas –,propusemos uma investigação junto a docentes (e seus alunos) participantes da referida formação continuada, focalizando sujeitos da modalidade educação de jovens e adultos39. A escolha desse público se justifica pela especificidade educativa que, entre outros fatores, apresenta uma diversidade de experiências de vida que só enriquece a interação em ambiente de sala de aula. Podemos dizer que, entre esse público, a convergência oriunda de diversidade geracional, de origem geográfica e de apropriação de bens públicos e culturais se faz muito presente, e constitui-se um desafio constante em termos de práticas educativas emancipatórias. Nessa perspectiva, propusemos uma pesquisa qualitativa, considerando-a condizente com o objeto proposto, pois busca-se atribuir sentido aos dados obtidos, tendo em vista o contexto em que estão inseridos. Ela parte de um processo de construção, interpretação e explicação das relações estabelecidas entre os dados coletados e os referencias teóricos elegidos. (SAMPIERI et al, 2010). A pesquisa de campo ocorreu durante realização de atividades pedagógicas em sala de aula, por uma equipe de estudantes de graduação, bolsistas de cursos de licenciaturas, que visitou dez escolas, a fim de coletar dados 174


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que permitissem examinar os usos e significados que professores e educandos estabeleciam com a televisão em seus cotidianos, incluindo o contexto escolar. Tudo isso em um momento no qual acontecia o processo de migração para o sinal digital de televisão nos domicílios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A pesquisa de campo teve como sujeitos dez professores (um professor de cada escola) e vinte estudantes (dois alunos de cada estabelecimento educativo). Foram entrevistados 4 mulheres e 6 homens. Os dados coletados foram organizados por meio da análise de conteúdo, buscando, nos depoimentos dos estudantes ressaltar os aspectos relacionados às interações que têm com a TV digital e as tecnologias em geral. Essa escolha nos permitiu verificar a diversidade de interação e suas peculiaridades, assim como problematizar as possiblidades formativas a serem fomentadas nas práticas da EJA.A coleta de dados se deu por observação e entrevistas semiestruturadas, buscando “documentar o não documentável”, conforme expressão de Maria Cecília Minayo (1998). O objetivo desse tipo de entrevista é instigar à reconstituição da experiência por meio do encontro com o outro e de possíveis interpretações sobre a realidade. Neste sentido, as entrevistas foram guiadas por bolsistas nos contextos escolares, por meio de uma técnica que buscava, através do diálogo, uma aproximação com os sujeitos a partir de questões relacionadas aos seus gostos e hábitos cotidianos (comidas, lazer e rotina) e, posteriormente, prosseguia sobre a relação dos sujeitos com a escola e com a televisão em particular. Buscava-se, assim, um certo distanciamento em relação ao pro-jeto, tentando não conduzir uma entrevista que pudesse ganhar o caráter de processo avaliativo em relação à TV digital, que estava sendo estabe-lecido naquele contexto. Percebeu-se, durante o processo de coleta de da-dos, uma grande inibição dos entrevistados, especialmente da parte dos estudantes da EJA, reverberando em falas curtas e pontuais. No caso dos professores, contudo, observou-se mais desenvoltura nos depoimentos. Os docentes nos forneceram narrativas relacionadas aos processos vivenciados na relação que estabelecem com a televisão TV digital, bem como o que exploram em suas práticas educativas, tanto espontaneamente como a partir da participação que tiveram na Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital. 175


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Já a pesquisa de campo produziu informações e dados que nos remeteu a autores que nos permitem compreender em que medida a transição entre TV analógica para TV digital afeta nossos modos de vida cotidianos, demandandonos ressignificação das relações e, portanto, sendo eminentemente educativo. Para tanto, recorremos a diversos estudos que tratam da relação entre mídias, educação, tecnologias digitais, dando maior importância à configuração da TV digital nesse universo. Privilegiamos, nesses estudos, referências assentadas na noção de cultura e recorremos aos seguintes autores: Jésus Martin-Barbero (1999), Paula Sibilia (2012), Maria Luiza Belloni (2012), Tom Chatfield (2015), Pierre Levy (1999), HenryJenkins (2009) e José Manuel Moran (2013). Buscamos analisar os depoimentos dos educandos e educadores considerando que o contexto de mudança da televisão analógica para a televisão digital representa uma significativa transformação na forma como essa mídia opera com a informação e comunicação. Trata-se de uma transformação que integra diferentes mídias em um mesmo aparelho, como já ocorre com celulares, que agregam vídeos, câmeras fotográficas, televisão, jogos, internet e outros. Essa multifuncionalidade, como suporte e em sua natureza digital, supostamente transformaria a televisão em uma mídia com maior interatividade e mais dinamismo na sua produção. No entanto, há um aspecto aqui que não pode ser ignorado: o acesso a tais tecnologias ainda é escasso em relação às camadas populares, bem como distribuído de maneira desigual e debilitado em termos da capacidade potencial. Isso não quer dizer que não tem sido crescente o aumento da população brasileira na rede mundial de internet. Ao produzir um indicador de integração de telefonia, internet e celular (ITIC), a partir da análise da população de 5.550 municípios brasileiros, a Fundação Getúlio Vargas apontou que “o Brasil se situa na 72ª posição com 51,25% de ITIC, próximo da média global de 49,1%”, considerando 150 países estudados. (FGV, 2012, p.07). No entanto, nesse mesmo estudo, podemos ver a existência de municípios em extremos opostos em termos de acesso à internet: São Caetano do Sul com 74% de conectividade e Aroeiras (PI) com zero conecti-vidade. Em relação ao celular, verificou-se Chapadão do Céu (GO) com 97,9%, e Alvorado do Fernando Falcão (MA) com 9,2%. Com esse aparato, construímos esse capítulo, que está organizado em quatro seções e as considerações finais. A primeira seção, Diálogos entre 176


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sujeitos da pesquisa e o campo da educação de jovens e adultos, trata dos fundamentos e conceitos que orientam a educação de jovens e adultos, buscando contextualizar o espaço sociopolítico em que os sujeitos estão inseridos. Trata-se de uma modalidade com características próprias, que requer procedimentos pedagógicos específicos e diferenciados. Isso porque seus sujeitos se notabilizam pelo fato de terem sido excluídos da educação básica na infância e na adolescência. A segunda seção, Pesquisadores de campo: em foco as experiências das estudantes universitário, coloca em relevo as expectativas dos estudantes bolsistas da Universidade Federal de Minas Gerais acerca das formas pelas quais estudantes e professores da EJA se relacionam com a televisão. Além de compartilharem as suas percepções sobre o processo de pesquisa de campo, destacam a relevância do projeto para a sua formação como futuro professor e os novos saberes adquiridos a respeito da TV digital. A terceira seção, Educação e cultura televisiva: em foco os múltiplos olhares dos educandos da EJA, analisa os depoimentos concedidos por estudantes da educação de jovens e adultos, com ênfase em suas preferências de programações televisivas. A seção examina algumas características da sociedade contemporânea, com foco nas tecnologias digitais e nos novos desafios impostos à educação escolar. Por sua vez, a quarta sessão, denominada A EJA e TV digital: em foco a ocupação estratégica dos professores na construção de novos conhecimentos, analisa os depoimentos dos professores que participaram da pesquisa, destacando suas propostas educativas que tiveram como referência atividades sugeridas pela coleção pedagógica da Seja Digital. Nas considerações finais, retomamos os pressupostos defendidos pelo projeto de formação continuada da SejaDigital/FaE-UFMG. Sustentamos que não se trata, simplesmente, de revisar os currículos e modificar os dispositivos tecnológicos, mas, sim, de construir redes de conhecimento e interação entre as pessoas, e de compreender o acesso às tecnologias digitais como um direito dos sujeitos. Diálogos entre sujeitos da pesquisa e o campo da Educação de Jovens e Adultos A educação de jovens e adultos é um campo político de formação e investigação que está comprometido com a educação de trabalhadores que estudam e com a superação das diferentes formas de exclusão e discrimi177


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nação existentes em nossa sociedade, as quais se fazem presentes tanto nos processos educativos escolares quanto nos que vão além da escola (SOARES, 2005). A EJA é também uma modalidade de educação construída a partir da constatação de que os sujeitos socioculturais – educandos e educandas, educadores e educadoras – aos quais envolve trazem consigo um repertório de vivências e saberes que devem ser tomados como norteadores de suas propostas político-pedagógicas. E, por ser uma modalidade da educação básica, a educação de jovens e adultos não pode reproduzir a mesma matriz curricular do ensino fundamental e médio destinada a crianças e adolescentes. Em vez disso, a educação de jovens e adultos deve ser pensada como uma modalidade que requer um olhar específico e diferenciado, tendo como eixo seus sujeitos e suas necessidades básicas de aprendizagem. Dessa forma, a EJA diz respeito a um campo teórico e prático vasto que mantem numerosas interfaces com temas correlatos. Entendemos que, se ao longo da última década, as ações, os projetos e programas de educação escolar no Brasil trataram como prioridade a universalização do acesso e permanência de crianças e adolescentes no ensino fundamental, o quadro educacional brasileiro ainda se mostra bastante insatisfatório quanto à garantia dos direitos. Com isso, um de seus grandes desafios continua sendo oferecer educação básica aos jovens, adultos e idosos que a ele não tiveram acesso ou não conseguiram concluí-lo com êxito, marcando em qualquer uma das formas a negação do direito constitucional e humano à educação. Segundo Sérgio Haddad (2007), “é importante salientar, ainda, novas e criativas formas de organização da sociedade na luta pelos direitos educacionais dos jovens e adultos”. Entendemos que tal intento se efetiva na medida em que cumprimos o objetivo de desenvolver conhecimento na partilha de saberes com os educandos da modalidade, e em que contribuímos com a formação de profissionais da educação para a produção e avaliação de materiais didáticos, a criação e o aprimoramento de novas metodologias e tecnologias de ensino. Assim, concebemos a relevância da formação continuada em um serviço que qualifique o educador para o trabalho com a educação de jovens, adultos e idosos, como direito de cada sujeito e da classe trabalhadora. Trata-se de uma educação que contempla as diversidades com qualidade social, promovendo a elevação de 178


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escolaridade de trabalhadores que assim o desejarem de forma integrada à educação profissional, na perspectiva da educação popular, com a intencionalidade de inserir estes trabalhadores de maneira também qualificada no mundo do trabalho. No Brasil, o nível de escolaridade da população é baixo e desigual. Essa desigualdade aparece mais claramente entre as diferentes classes e grupos sociais (conforme a renda familiar), entre a zona rural e urbana, entre as diferentes raças/etnias. Importante destacar que, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-2014), o Brasil possui 14,1 milhões de pessoas não alfabetizadas com 15 anos ou mais de idade. Nós, que vivemos em uma sociedade grafocêntrica, sabemos o peso que tem a visão do analfabeto como um indivíduo alienado, incapaz, ignorante, à margem das decisões da sociedade e do poder construído ao longo da nossa história. Sabe-se como esta visão continua influenciando a maneira pela qual os poderes públicos tratam a questão da educação de jovens, adultos e idosos, sua inclusão na sociedade e sua inserção no mundo do trabalho. A mesma pesquisa aponta que há 52 milhões de pessoas com 15 anos ou mais sem ensino fundamental e 22 milhões de pessoas com 18 anos ou mais sem ensino médio, totalizando 43% da população brasileira. Segundo pesquisa realizada por Silva (2017), o quadro mineiro não é menos avassalador, quando se trata da negação de direitos à escolarização. Há em Minas Gerais 1.247.010 cidadãos e cidadãs não alfabetizados(as), com 15 anos ou mais de idade. Quando nos reportamos àqueles e àquelas que têm o ensino fundamental incompleto, tratamos de 7.287.140 cidadãos e cidadãs, com quinze anos ou mais de idade. Completando este quadro, temos 2.829.240 de pessoas com ensino médio incompleto. Neste contexto em que o direito à educação ainda é um desafio, selecionamos dez escolas voltadas à educação de jovens e adultos com a finalidade de contribuir na construção de um currículo emancipatório, centrado nas necessidades básicas de aprendizagem dos seus alunos. Para que nos aprofundemos nesse debate, torna-se necessário conhecer, em linhas gerais, os sujeitos que participaram do processo de coleta de dados: alunos, professores e estudantes universitários. Isso permitirá que os depoimentos sejam contextualizados e tenham sentido. 179


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Pesquisadores de campo: em foco nas experiências dos estudantes universitårios Os seis bolsistas que participaram do projeto destacaram a importância de se estudar sobre a televisão digital e, ao mesmo tempo, inserirem-se na educação de jovens e adultos, que continua sendo uma lacuna na formação dos cursos de licenciatura. Em depoimento, alguns bolsistas destacaram a importância desse projeto em sua formação inicial como professor. Eu gostei muito. AlÊm de aprender coisas que não sabia sobre a migração da TV analógica para a TV digital, pude conhecer um pouco sobre a modalidade de educação de jovens e adultos. Aqui na universidade, a ênfase do curso se då na formação de professores para trabalhar com crianças, adolescentes e jovens. Dessa forma, tive a oportunidade de conhecer uma turma de adultos e idosos (Alisson, estudante do curso de História)

Sobre a fala do estudante universitĂĄrio em questĂŁo, cumpre destacar que nĂŁo se trata de uma percepção descolada do contexto em que sĂŁo formados academicamente os profissionais da educação. Segundo o ex-secretĂĄrio Nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Ricardo Henriques, existiam, em um levantamento realizado em 2006, mais de 175 mil professores que atuavam nas redes municipais e estaduais como educadores da EJA. 'HVVHV D JUDQGH PDLRULD QXQFD UHFHEHX XPD IRUPDomR HVSHFtÂżFD SDUD D IXQomR TXH H[HUFHP $SHVDU GD PDJQLWXGH GR GHVDÂżR D (GXFDomR GH -RYHQV H $GXOWRV ainda possui pouca expressĂŁo nas universidades, seja no ensino – habilitaçþes HVSHFtÂżFDV HP (-$ Âą VHMD HP SHVTXLVD Âą UHSUHVHQWD XPD SRUFHQWDJHP tQÂżPD atĂŠ mesmo na pesquisa desenvolvida no campo geral da educação – seja na extensĂŁo –, o campo por onde a EJA historicamente entrou no portal da universidade (HENRIQUES, 2006, p. 8).

O lugar perifÊrico ocupado pela EJA nos cursos de licenciaturas explica, em parte, a ausência de uma formação específica para atuação nessa modalidade educativa. Veja o depoimento de uma bolsista que participou do nosso projeto de pesquisa, ao ser indagada sobre sua participação no projeto da Seja Digital. 180


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Pontuo quatro coisas importantes na pesquisa da Seja Digital que participei: XPD p D EROVD SURSULDPHQWH GLWD ¹ HVWDYD SDVVDQGR SRU XP PRPHQWR ¿QDQceiro difícil. A outra foi o contato com uma proposta que vejo como inovadora pedagogicamente. A terceira foi compreender que a televisão possibilita uma aproximação do estudante com o conhecimento escolar e que uso da televisão como objeto de estudo cria novas (sic) possibilidades educativas. E, por último, o contato que tive com a EJA (Joelma, estudante de Artes).

A bolsista, quando destaca que o contato com a EJA foi um ponto importante durante a realização da pesquisa de campo, coloca em evidência uma lacuna dos cursos de licenciaturas, que, via de regra, não oferecem habilitaçþes nessa modalidade de ensino. Nesse sentido, o professor Leôncio Soares, analisando dados do INEP, faz as seguintes ponderaçþes: Segundo os dados INEP de 2002, das 519 Instituiçþes de Ensino Superior (IES) brasileiras que ofertam o curso de pedagogia e que foram avaliadas pelo Exame Nacional de Cursos, apenas nove (1,79%) oferecem habilitação em EJA: três no Sudeste e três no Nordeste (MEC/INEP, 2002). Os dados de 2005 revelam que houve aumento, ainda que pouco expressivo, do número de instituiçþes que oferecem a habilitação de EJA para os cursos de Pedagogia: das 612 contabilizadas, 15 oferecem a habitação (2,45%) e, dos 1698 cursos, hå 27 ofertando essa PRGDOLGDGH HVSHFt¿FD (SOARES, 2008, p. 86).

Os estudos demonstram, assim, que a formação acadêmica inicial tem, via de regra, colocado em segundo plano a formação do profissional docente no campo da educação de jovens e adultos. A rigor, a porta de entrada da EJA na universidade tem sido por meio de extensão universitåria. De certa forma, o lugar marginal e perifÊrico ocupado pelos sujeitos dessa modalidade de ensino na sociedade brasileira reflete na formação de professores dos cursos de licenciatura. A gente teve a oportunidade de ir à escola, conversar com professores e alunos. Coisas que ainda não haviam sido feitas aqui na universidade. Gostei de ter aprendido sobre TV digital e compreender que a televisão pode ser usada como ferramenta pedagógica. (Luciana, estudante de História)

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Note aqui dois pontos recorrentes nos depoimentos dos bolsistas: a) as novas possibilidades educativas suscitadas pela TV digital; e b) a inserção que tiveram na modalidade de educação de jovens e adultos. Pode-se dizer, assim, que o projeto cumpriu um papel importante na formação dos bolsistas, permitindo que eles fossem inseridos em uma modalidade educativa que tem tido pouco atenção nos cursos de formação de professores. Além disso, permitiu que os estudantes de licenciatura tomassem conhecimento sobre novas formas de se pensar a TV. Em suma, os bolsistas tiveram a oportunidade de se relacionar com professores e alunos da educação de jovens e adultos, bem como refletir sobre as singularidades dessa modalidade educativa, marcada por uma diversidade geracional, que se manifesta não somente em diferentes níveis de escolaridade, mas também em distintas práticas culturais e sociais, especialmente no que diz respeito aos acesso às tecnologias digitais e aos diferentes usos da televisão. A seguir, apresentamos as formas pelas quais educandos da modalidade de educação de jovens e adultos se relacionam com a televisão e se apropriam de outras mídias e recursos digitais. Educação e cultura televisiva: em foco os múltiplos olhares dos educandos da EJA A especificidade da educação de jovens e adultos nos interpela de maneira mais profunda sobre a relação entre educação e TV digital, considerando que no cenário acima descrito essa modalidade educativa se configura no horizonte de uma população significativa que não teve acesso à função básica esperada da escola: “ler e escrever”. Trata-se de sujeitos apropriando-se da lecto-escrita e, ao mesmo tempo, convivendo em uma sociedade permeada pela cultura digital, que traz novas demandas de apropriações tecnológicas como condição de sociabilidade e participação plena na vida pública. Dessa forma, como pensar a educação neste cenário? E não há como a educação se furtar dessa relação e trazer para si uma atenção sistemática a tal condição dos educandos, como mesmo reforça Martín-Barbero (1999), em entrevista à revista Comunicação & Educação, cedida às pesquisadoras Roseli Fígaro Paulino e Maria Aparecida Baccega:

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Antes os jovens iam à escola aprender a ler e a escrever. Agora, chegam à escola com novas linguagens, novos modos de ler e escrever que a escola não quer acolher. Não sabe, não entende, Ê outra coisa. O problema båsico da escola Ê abrir-se para novas linguagens. Mas abrir-se, como dizíamos, não de forma instrumentada, mecânica, modernizante, apenas como adorno. Em primeiro lugar, a ideia Ê abrir a agenda de temas que interessam à juventude. São muitos os temas que não chegam ao adolescente e ao jovem pelo lado da escrita: livros, jornais, revistas. Mas que podem chegar pela televisão. Ou seja, a televisão pode agendar temas importantes sobre o país e o mundo. E, em segundo lugar, a televisão poderia mostrar-se para a escola como uma chave do aprendizado GH WRGD D VR¿VWLFDomR TXH KRMH SDVVD SHOD H[SHULPHQWDomR DXGLRYLVXDO 4XHUR dizer que a maioria das pessoas pode ver na televisão, principalmente atravÊs GR YLGHRFOLSH SXEOLFLWiULR H PXVLFDO R TXH RV SUR¿VVLRQDLV HVWmR ID]HQGR FRP R computador (PAULINO; BACCEGA, 1999, p. 76).

MartĂ­n-Barbero (1999) anunciava as possibilidades da TV, que se tornaram ainda mais potentes na era digital, dado o movimento vertiginoso da convergĂŞncia de mĂ­dias em um contexto que permite o acesso e a exploração ainda mais contĂ­nuos. Nessa perspectiva, as possibilidades educativas se ampliam, jĂĄ que, de uma cultura televisiva centrada numa relação de transmissĂŁo unilateral de um produtor para muitos consumidores, temos hoje, com a TV digital, a dinamização dessa relação, compreendendo uma interação mais ativa e produtiva daqueles que seriam apenas consumidores. Nesse sentido, a linguagem televisiva se mescla com uma diversidade de expressĂľes: ao mesmo tempo em que produz uma especificidade ao lidar com a imagem em movimento, tambĂŠm ĂŠ produzida e recriada continuamente. Conforme Sibilla (2012, p. 84): A televisĂŁo atual difere muito daquela que alimentou a subjetividade dos que hoje tĂŞm mais de quarenta anos, por exemplo, porque os usos que ela suscita sĂŁo outros; portanto, a criança contemporânea que vĂŞ a televisĂŁo difere daquela que se sentava na frente do televisor hĂĄ um par de dĂŠcadas. JĂĄ nĂŁo se trata de observar, escutar, UHFHEHU H LQWHUSUHWDU PHQVDJHQV HQTXDGUDGDV HP JrQHURV HVSHFtÂżFRV H EHP GHÂżQLGRV Âą DOpP GH RUGHQDGDV FRQIRUPH R FLFOR GH SULQFtSLR PHLR H ÂżP Âą WUDQVPLWLGDV de maneira estĂĄvel e sem a mediação do controle remoto, com horĂĄrios preestabelecidos e emissĂŁo claramente descontĂ­nua. Ao contrĂĄrio, a televisĂŁo atual HPLWH XP Ă€X[R GH LQIRUPDo}HV IUDJPHQWDGDV H GLVSHUVDV SDUD FXMR FRQVXPR o zapping – ou a troca acelerada e consecutiva de canais graças ao controle remoto – constitui um elemento fundamental (SIBILLA, 2012, p. 84).

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Essa experiência adentra a escola, e o modo como a cultura escolar é estruturada se confronta cotidianamente com a subjetividade daqueles que chegam carregados por essas vivências digitais. Modos de ser, pensar e agir que entram em conflito com a forma escolar, e desafiam pedagogicamente uma interação produtiva em termos de educação. Desta forma, diversos autores têm tratado sobre a relevância de a educação atentar-se para esse contexto e relacionar-se de forma mais efetiva com essas mudanças de cenário sociocultural. Belloni (2012), uma das proeminentes pesquisadoras sobre mídia-educação no contexto brasileiro, tem tratado dessa relação nesse cenário de cultura digital e afirma que: “a mídia-educação é hoje tão necessária ao exercício completo de uma cidadania ativa, quanto era, no início do século XIX, o domínio da leitura e da escrita” (BELLONI, 2012, p. 53). Para essa autora, as definições de mídiaeducação na atualidade incluem as seguintes perspectivas: Inclusão digital: a apropriação dos modos de operar essas “maquinas maravilhosas” que abrem as portas do mundo encantado da rede mundial de computadores, possibilitando a todos se tornarem produtores de mensagens midiáticas; Dimensão do objeto de estudo: a “leitura crítica” de mensagens, agora ampliada para todas as linguagens das telas; Dimensão do meio de expressão: indispensável para o exercício da cidadania, ou seja, para estimular a participação ativa dos jovens baseada na valorização das diversidades culturais e identitárias; Dimensão de ferramenta pedagógica: diz respeito ao seu uso [mídia-educação] em situações de aprendizagem, ou à integração aos processos educacionais (BELLONI, 2012, p. 53, grifos da autora).

Tais perspectivas acenam para uma relação ampliada com as mídias, que compreende incorporá-las de maneira crítica e criativa no cotidiano educativo. De saída, pode-se dizer que os estudantes matriculados na educação de jovens e adultos que participaram de nossa pesquisa de campo possuem certas características que os identificam em relação ao nível de escolaridade, acesso às redes sociais e ao uso de TV aberta, que demonstram, em parte, a diversidade dos sujeitos da EJA. Antes, porém, de apresentar, de forma detalhada a nossa pesquisa, e para facilitar o nível de compreensão sobre o público abrangido por ela, dividimos os estudantes em quatro categorias etárias: adolescentes (com idade entre 15 e 17 anos); jovens (com idade entre 18 e 29 anos), adultos (com idade entre 30 e 50 anos) e adultos/idosos (com idade entre 52 e 73 anos). Cumpre destacar que os sujeitos que compõem este último grupo nasceram no interior de 184


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Minas Gerais, viveram no campo, possuem trabalho informal e apenas um deles está aposentado. Eles são casados e possuem cinco filhos ou mais. Seus pais não tiveram acesso à educação. Esses educandos trazem um histórico de interrupção da escolaridade quando criança e/ou adolescente para priorizar o trabalho e o sustento da família. Eles não possuem acesso às redes sociais, não utilizam internet e o principal acesso à informação ocorre através da televisão. Quanto aos alunos entrevistados que têm idade entre 15 e 50 anos, nasceram em Belo Horizonte, tendo tido sempre uma vida ligada à cidade. Seu nível de escolaridade é maior do que o primeiro grupo, já que tiveram acesso à escolarização na infância. Eles também acessam às redes sociais e demonstram ter grande interesse em ampliar seus conhecimentos em informática. Veja o quadro abaixo: Caracterização geral dos alunos pesquisados

Fonte: dados da pesquisa de campo

Observe-se que há uma relação direta entre geração e nível de escolaridade. Na medida em que aumenta a idade cronológica, aumenta também o número de matrículas em turmas de alfabetização na educação de jovens e adultos. Note-se que não há nenhum adolescente em turmas de alfabetização. Todos os três alunos matriculados na EJA estavam, durante a realização da pesquisa de campo, em turmas de certificação, ou seja, concluindo o ensino fundamental. Entre os jovens (idade entre 18 e 29 anos), dos oito estudantes que participaram de nossa pesquisa, somente dois estavam matriculados em turmas de alfabetização. A situação se in185


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verte, no entanto, quando tomamos como referência adultos e idosos. Dos cinco alunos adultos, com idade entre 30 e 50 anos, três estavam matriculados em turmas de alfabetização, ou seja, a maioria dos alunos estavam em proces-so de aprendizagem das primeiras letras. O número se eleva ainda mais quando passamos a observar alunos com idade acima de 52, aqueles que migraram do campo para cidade, conforme descrevemos anteriormente. Todos os quatro alunos se encontram em processo de alfabetização. Em certo sentido, esse descompasso entre idade e nível de escolaridade se deve ao fato de o ensino fundamental ter se tornado obrigatório no Brasil somente após a Constituição de 1988. Em relação ao uso das redes sociais e televisão, há também uma clara separação geracional, conforme se pode notar no quadro abaixo: Estudantes pesquisados, usos de redes sociais e TV Aberta

Fonte: dados da pesquisa de campo

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Hå uma relação direta entre diversidade geracional e usos da televisão aberta e redes sociais. Os alunos com idade entre 15 e 29 anos acessam, com frequência, diferentes redes sociais (nessa faixa etåria, todos têm conta no Facebook e no WhatsApp). Note que um número menor tem conta no Instagram e no Twitter (6 alunos no primeiro, e dois no segundo). No entanto, essa faixa etåria admite acessar pouco à TV aberta. Isso implica dizer que as informaçþes e entretenimentos advÊm, em boa parte, das redes sociais. Em relação aos adultos e idosos, a situação Ê exatamente oposta. Todos admitem um contato mais intenso e diversificado com a televisão aberta, e um menor contato com as redes sociais. O WhatsApp Ê uma exceção: dos 9 estudantes que se encontram nessa faixa etåria, cinco usam regularmente essa ferramenta digital. A questão geracional não interfere somente nas escolhas dos programas televisivos, mas tambÊm no uso de outras tecnologias, conforme os três seguintes depoimentos: *RVWR GH YHU 0DOKDomR PDV R TXH HX SUH¿UR PHVPR p PH[HU QR :KDWV$SS H QR Facebook (educanda, 15 anos).

Gosto de futebol e reportagem (educando, 27 anos).

A televisĂŁo ĂŠ minha principal companhia. Vejo programas de culinĂĄria e novelas. Gosto do Programa da FĂĄtima Bernardes (educanda, 63 anos).

Note-se que a adolescente de 15 anos acompanha a sĂŠrie Malhação, enquanto adultos e idosos preferem outros tipos de programa. A adolescente prefere, em primeiro lugar, as redes sociais (WhatsApp e Facebook). Os idosos assistem, por sua vez, a programas policiais, reportagens e novelas. JĂĄ os adultos preferem futebol e novelas. As mulheres, por sua vez, assistem mais novelas que homens, que tĂŞm como principal entretenimento programas esportivos (mais especificamente, futebol) e telejornais. A amostra de educandos que participaram da pesquisa de campo nos pareceu significativa para evidenciar a distinção do uso da televisĂŁo e das tecnologias digitais entre os educandos mais velhos e os mais jovens, explicitando inserçþes distintas na cultura digital, conforme destacamos anteriormente. Como bem observou Tom Chatfield (2015), hĂĄ uma divisĂŁo de geraçþes marcada pelos “nativosâ€?, isto ĂŠ, aqueles que nasceram na era 187


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digital e aqueles que nasceram antes dela. Aqueles considerados nativos possuem uma facilidade maior de acesso às informações através das tecnologias digitais e estabelecem relações de entretenimento e de trabalho através delas. Por outro lado, aqueles nascidos antes da era digital apresentam, algumas vezes, certa resistência e dificuldade de interação com essas tecnologias. Ao observarmos essa brecha geracional entre os educandos, percebemos que se trata de um desafio a ser enfrentado em termos de superação das condições de acesso e uso entre os nativos e os não nativos digitais. Para além dessa cisão do acesso, as interações estabelecidas também são fundamentais nesse processo. Como apontam Lévy (1999) e Jenkins (2009), as possibilidades trazidas pelas tecnologias digitais passam pela constituição de uma inteligência coletiva e de uma cultura participativa como relações potenciais. Do analógico ao digital: a televisão em debate Construir conhecimento em sala de aula sobre as tecnologias digitais assume significativa relevância, especialmente quando, ao olharem para a televisão como objeto de estudo, os estudantes compreendem o potencial educativo trazido por esse veículo de comunicação. Abaixo, trazemos dois trechos no quais estudantes comentam sobre algumas atividades realizadas em sala de aula, tendo a coleção Conexão Escolares com a Televisão Digital como objeto de reflexão. A professora estudou com a gente sobre a chegada da televisão. Gostei da história do televizinho, porque vivi isso na infância. Todas as noites, íamos a casa de uma amiga da minha mãe, para assistir novela (educando, 44 anos).

Gostei de ouvir a professora falar sobre o início da televisão. A primeira vez em que assisti a televisão, eu tinha trinta anos, eu já morava em Belo Horizonte. Na roça, a gente só escutava rádio (educanda, 73 anos).

Já as entrevistas com adolescentes, jovens, adultos e idosos da EJA nos permitiram inferir que organizar atividades em sala de aula, tendo a televisão como objeto de estudo, é uma maneira de aproximar os conhecimentos escolares da realidade desse público. 188


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Eu achei incrĂ­vel ver como que os formatos da televisĂŁo mudaram. Antes, era grande, de vĂĄlvula, muito esquisito. Hoje a televisĂŁo ĂŠ um mĂłvel que embeleza a casa. Antes, as imagens eram em preto e branco, com muito “chuviscosâ€?, hoje D 79 p PDUDYLOKRVD &RP D FKHJDGD GD 79 GLJLWDO Dt TXH D FRLVD ÂżFRX ERP V{ (educando, 26 anos).

Pode-se destacar que a fala do educando não Ê única, uma vez outros estudantes enfatizaram o seu encantamento pelas imagens em HD. Identificamos, em nossa investigação, que a televisão digital, no imaginårio de parte dos alunos da EJA entrevistados, constituía-se muito mais um aparato tÊcnico para garantir a transmissão dos programas televisivos em alta qualidade de imagem, do que propriamente uma tecnologia que proporciona uma sÊrie de recursos interativos e serviços como multiprogramação, acessibilidade, acesso à internet, mobilidade, dentre outros, como se percebe nos depoimentos a seguir. Sempre gostei de assistir a futebol, mas agora a TV estå uma beleza. Acho mais confortåvel e seguro assistir em casa do que ir ao estådio (educando, 38 anos).

$V QRYHODV HVWmR FRP LPDJHQV PHOKRUHV 2V DUWLVWDV ÂżFDUDP PDLV ERQLWRV DLQGD (educanda, 44 anos).

No entanto, vale ressaltar que, para 25% dos entrevistados, a melhoria sonora proporcionada pela TV digital Ê lembrada como um aspecto significativo, como podemos observar na fala dos dois educandos abaixo: A televisão estå uma benção, graças a Deus. Pega todos os canais limpinhos. Eu gosto tambÊm do som da televisão. Agora, eu escuto melhor o que dizem! Assisto a novelas, jornais e programa policial! (educanda, 66 anos).

Sempre gostei de assistir a programas policiais: Balanço Geral, Datena, futebol e Jornal Nacional. Agora com a imagem sem nenhum “embaçamentoâ€? e som nĂ­tido, dĂĄ mais gosto ainda de ver televisĂŁo (educando, 73 anos).

Observe que os depoimentos sĂŁo de dois idosos. Assim, pode-se supor que isso ocorra em virtude de perda auditiva, fato comum entre pessoas dessa faixa etĂĄria. No entanto, os estudantes da EJA nĂŁo sĂŁo apenas apre189


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ciadores de imagem e do som da TV digital. Eles gostam, antes de tudo, de assistir à televisão. e PXLWR LPSRUWDQWH SRUTXH YRFr ¿FD SRU GHQWUR GDV FRLVDV TXH HVWmR DFRQWHFHQdo. A gente precisa ver jornal, ver as notícias. Assistir a uma novela distrai a cabeça (educanda, 44 anos).

Por tudo isso, estĂĄ claro que a educação de jovens e adultos pode ser um lĂłcus fecundo para um debate sobre mĂ­dia e educação no contexto escolar. Faz-se, DVVLP QHFHVViULR LQFOXLU HVWXGDQWHV GHVVD PRGDOLGDGH QHVVHV GHEDWHV D ÂżP de que possam desenvolver uma postura crĂ­tica frente ao cenĂĄrio digital que nos circunda. Os dados explicitados pelos educandos da EJA nos indagam sobre a perspectiva de inclusĂŁo digital que se estabelece no cenĂĄrio da cibercultura. O conceito de inclusĂŁo digital envolve a preocupação com a garantia do direito de acesso Ă informação. Assim, “a inclusĂŁo digital deve ser vista sob o ponto de vista ĂŠtico, sendo considerada como uma ação que promoverĂĄ a conquista da ‘cidadania digital’ e contribuirĂĄ para uma sociedade mais igualitĂĄria, com a perspectiva da inclusĂŁo socialâ€? (SILVA et al, 2005, p. 30 apud BRUNO, 2017).

EJA e educação digital: em foco a ocupação estratÊgica dos professores na construção de novos conhecimentos Estudos revelam que, a despeito da expansão da mídia e de suas novas linguagens, a escola permanece, não raro, valendo-se, ainda, quase que exclusivamente, do livro didåtico como principal fonte de conhecimento, ignorando a presença das mídias e tecnologias digitais na vida contemporânea. A linearidade do saber Ê parte constitutiva do processo educativo na educação de jovens e adultos. Um dos desafios postos pela educação nos dias de hoje Ê criação de ambientes de aprendizagem que tornam possíveis situaçþes de trocas de experiências, de construção de conhecimentos significativos. Isso não Ê possível ser realizado, para especialistas, sem diversificar as pråticas pedagógicas. O livro didåtico, a despeito de seu valor inestimåvel na educação båsica, precisa ser suplementado por outros materiais e recursos. Exatamente por isso, um dos desafios da formação continuada proposta pela Seja Digital em conjunto com a FaE-UFMG foi estimular os professores a pensar a te190


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levisão como um tema transversal ao currículo da educação båsica e como um objeto de estudo. A gente jå fez a capacitação quase jå na Êpoca de instalar a TV digital. Então, eu Mi WLQKD GDGR XPDV DXODV WHyULFDV H LULD ID]HU XPD R¿FLQD FRP RV PHXV DOXQRV Aí, veio um pessoal da Seja Digital para apresentar para eles. [...] Mas assim, com a ajuda dos cadernos, que traz a parte teórica, eu mostrei bem para eles porque que (sic) estava mudando, e a internet iria ocupar o espaço da frequência. Conversei com eles, mostrei. Muitos jå tinham, inclusive, recebido ligação para EXVFDU R NLW FRQYHUVRU (X DWp LD ID]HU XPD R¿FLQD FRP HOHV SDUD PRQWDU D DQWHQD SRUTXH D JHQWH DSUHQGHX QD R¿FLQD PDV RV PHVPRV DOXQRV QmR HUDP WmR carentes que não pudessem comprar uma antena, e muitos jå tinham recebido a antena. Inclusive, muitos jå tinham recebido o kit, e alguns outros chegaram a comprar o conversor e a antena. Então, só expliquei como que iria funcionar, falei das possibilidades da TV digital [...]. Os meus alunos estão satisfeitos com as mudanças que aconteceram, a questão da imagem, da opção de mais canais, eles estão satisfeitos nesse sentido (professora Mônica).

Os educadores notaram, ainda, que ĂŠ preciso tratar a televisĂŁo como objeto de reflexĂŁo e considerar o contexto de expansĂŁo das tecnologias digitais. (P UHODomR DRV PHXV DOXQRV DV RXWUDV PtGLDV WDPEpP KRMH WrP XPD LQĂ€XrQFLD muito grande, principalmente o WhatsApp [...]. Temos que conversar sobre o WhatsApp, como se prolifera aquela coisa, mas ouso dizer atĂŠ pelos relatos que ouvimos: a TV ainda ĂŠ central na vida dos estudantes. Lembrando que estamos falando da educação de jovens e adultos, que atende pessoas que trabalham durante o dia e vĂŞm estudar Ă noite. E vamos falar das mulheres, que ainda chegam em casa e tĂŞm o terceiro turno, pois vĂŁo ajeitar as coisas vendo televisĂŁo! Acho incrĂ­vel, mesmo as minhas alunas e alunos mais frequentes sabem o que acontece nas novelas que elas seguem. Muito tambĂŠm do que ĂŠ consumido pelo WhatsApp vem da televisĂŁo (professor Ronildo).

Como se pode notar, as atividades realizadas por esse professor, em sala de aula, atendiam apenas a aspectos instrumentais do projeto, como a divulgação da mudança de sinal e a informação sobre as formas de se obter o kit. Tanto as pråticas sociais marcadas pela presença das tecnologias 191


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digitais quanto as novas possibilidades educativas suscitadas pela TV digital nĂŁo foram tomadas como objeto de anĂĄlise. Outra professora destaca que usa as redes sociais para obter informaçþes quando organiza o seu trabalho pedagĂłgico. Nas redes sociais, eu tambĂŠm procuro informaçþes por causa dos alunos, porque eu tenho um pouco de resistĂŞncia com algumas informaçþes da mĂ­dia. Eu Âż] XP EORJ HP TXDQGR Âż] XP FXUVR SHOD 8(5- VREUH D :HE $V WDUHIDV do curso eram criar um blog e um canal no YouTube. Eu pensei assim: “eu vou GHVDÂżDU´ H IXL DSUHQGHU ID]HQGR (X VRX WXWRUD D GLVWkQFLD WUDEDOKR PXLWR $t D gente vai brigando e vai aprendendo, nĂŠ? (Professora Aparecida).

O depoimento dessa educadora explicita os paradoxos vivenciados pelos sujeitos no processo de convergĂŞncia e nos remete a consideraçþes de Jenkins (2009, p. 14). Para ele, â€œĂŠ difĂ­cil culpar o consumidor por nĂŁo conhecer a nova linguagem, nem saber o que perguntar, quando se fez tĂŁo pouco para educĂĄ-lo sobre a convergĂŞnciaâ€?. Em razĂŁo de sua experiĂŞncia como tutora, a referida professora busca trazer para o contexto escolar a importância das novas tecnologias, bem como as novas possibilidades e-ducativas suscitadas pela TV digital. No entanto, em razĂŁo de sua desconfiança com as informaçþes das redes sociais e da mĂ­dia, o seu trabalho se concentra no aprofundamento de questĂľes geradas na interação da sala de aula. Cumpre sublinhar que houve trabalhos significativos, tomando a televisĂŁo como objeto de estudo. O depoimento a seguir, de uma outra professora participante da pesquisa, sustenta que o estudo sobre os meios de comunicação ĂŠ fundamental na educação de jovens e adultos. Desde que iniciei meus trabalhos na EJA, noto que a televisĂŁo ĂŠ, e continua sendo, uma das principais fontes de informação. As pessoas mais velhas, entĂŁo, ainda tĂŞm a televisĂŁo como a maior fonte de informação. Elas acreditam no que ĂŠ colocado na televisĂŁo como verdade (professora Nanci).

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A professora nos remete aqui Ă Pedagogia do Olhar, ou seja, a um processo educativo que interroga o que ĂŠ visto, mas nĂŁo ĂŠ notado. (X WUDEDOKHL PXLWR FRP HOHV D WHPiWLFD GDV QRYHODV SRLV DV QRYHODV WrP PXLWD LQĂ€XrQFLD na sociedade. E, principalmente, os alunos do EJA assistem muito Ă s nove-las. EntĂŁo, por exemplo, qual ĂŠ a importância da novela? Eu peguei alguns textos que falavam sobre os meios de comunicação para fazer esse histĂłrico, para falar desde o inĂ­cio dos meios de comunicação, do desenvolvimento dos meios de comunicação no Brasil. Acho que peguei do Caderno 2 da Seja Digital.(Depoimento de uma professora de Edução de Jovens e Adultos da Rede Municipal de Belo Horizonte).

A professora se refere ao caderno Trilhas Televisivas, que aborda a influĂŞncia da televisĂŁo na constituição do imaginĂĄrio, dos afetos, dos comportamentos, das identidades e das subjetividades da sociedade brasileira. Com enfoque no papel pedagĂłgico da televisĂŁo na sociedade contemporânea, a autora do caderno fez um percurso pela histĂłria da TV, dialogando com as vĂĄrias trilhas linguĂ­sticas, tĂŠcnicas e discursivas, que esse dispositivo de comunicação foi construindo ao longo dos anos. Outra professora que acompanhamos no percurso da pesquisa, durante uma atividade em sala de aula – para ampliar as informaçþes dos estudantes sobre o terrorismo no mundo contemporâneo –, questionou a supervisibilidade dada a um atentado que ocorreu em Paris, reivindicado pelo Estado Islâmico, e a superinvisibilidade dada a um atentado provocado pelo Boko Haran, na NigĂŠria, no mesmo perĂ­odo. A gente tentou trabalhar como essas informaçþes foram passadas pelos diversos meios de comunicação, especialmente pela televisĂŁo, internet e o rĂĄdio. Como hĂĄ PXLWDV LQIRUPDo}HV RV DOXQRV QmR WrP HOHPHQWRV FUtWLFRV SDUD ÂżOWUDU LQIRUPDo}HV A mesma informação ĂŠ dada por diferentes agĂŞncias de comunicação com enfoque diferente. Por isso, eu propus que os meus alunos comparassem as ĂŞnfases dada aos atentados em Paris e na NigĂŠria, isto ĂŠ, o atentado que ocorreu na França e na NigĂŠria, em 2016. Porque na NigĂŠria vocĂŞ teve quase 500 envolvidos, duzentos e tantos mortos e mais 200 e tantas pessoas feridas; e na França, acho que nĂŁo chegou a 50 feridos. O que faz um atentado em um local ter projeçþes planetĂĄrias, e outros se encerrarem em seus prĂłprios territĂłrios? Que lugares ocupam, na economia global, a França e a NigĂŠria, respectivamente? (Professora Marta, EJA, Rede Municipal de Santa Luzia).

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Uma outra professora, que se apoiou em dados citados no caderno Trilhas Televisiva, para aprofundar seu trabalho em sala de aula, chamou a atenção para o número reduzido de aulas que ela tinha com a turma que desenvolveu o projeto (uma aula por semana, de 45 minutos). A despeito dessa limitação, trabalhou a matÊria durante o quarto bimestre. A televisão chega a 97% da população, enquanto outro bem, por exemplo, a geladeira, chega a 95% da população. Destaquei as características da TV digital, o lugar ocupado pela televisão no mundo contemporâneo (...). Tentei trabalhar essas e outras questþes. Mas tive uma limitação, pois tenho uma aula só, e a cada 50 minutos; e à noite, na EJA, são 45 minutos que, muitas vezes, atÊ eles FKHJDUHP YRFr SHUGH XP SRXFR GR WHPSR 0DV PHVPR DVVLP DFKR TXH ¿] XP excelente trabalho. Os alunos, no 4° bimestre apresentaram trabalho, realizaram provas sobre a temåtica (professora Nanci, EJA, Ribeirão das Neves).

As experiências descritas pelos professores são bastantes diversas. Isso pode ser notado no depoimento de um outro professor, que descreve aspectos abordados em sala de aula, a partir da Formação Continuada Conexþes Escolares com a TV Digital. Falei um pouco da história da televisão, usei o texto do televizinho e alguns vídeRV TXH IRUDP DSUHVHQWDGRV QD FDSDFLWDomR FRPR R WUDLOHU GR ¿OPH 2 6KRZ GH 7UXman, o clipe Eu Adoro Minha Televisão, do Capital Inicial e a música Televisão, dos Titãs, que Ê uma crítica à TV. Trabalhei tambÊm um pouco com a memória afetiva dos estudantes mais antigos, sobre como era a vida deles, sem e coma televisão. Tentei descobrir o que eles lembram, e se lembravam de fatos marcantes que viram pela televisão. Aí, vieram as histórias das mortes do Tancredo Neves e do Ayrton Senna. TambÊm tive ocaso de uma senhora, jå bem adulta, que foi interessante. Ela ouviu na rua a repercussão que saiu pela televisão da chegada do homem à lua em 1969. Ela não tinha televisão na Êpoca, mas Ê aquela coisa de algo ser noticiado e FLUFXODU Qp" $OpP GLVVR HX WDPEpP SHQVHL HP XPD VHTXrQFLD HVSHFt¿FD TXH foi relacionar a televisão com o consumo consciente, então trabalhei com vídeo A História das Coisas (professor Ramuth, EJA Belo Horizonte).

Hå ainda a experiência do Museu Vivo da Televisão, trabalhado pela professora Eleusa. As atividades propostas mostraram o seu envolvimento e abertura para com o tema, bem como a sua mudança de percepção em 194


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relação à televisão, pois, segundo nos confessou, a televisão não era vista como uma aliada do seu processo ensino-aprendizagem, antes. Durante muitos anos, acreditei que a televisão era uma forte concorrente com a EJA. $¿QDO GH FRQWDV Mi WLYH MRYHQV TXH VH DXVHQWDUDP QDV TXDUWDV IHLUDV GD HVFROD por conta de futebol; e algumas senhoras deixaram vir à aula por que não queriam perder o último capítulo da novela (professora Eleusa, EJA, Belo Horizonte).

Para estudar as linguagens televisivas, a professora organizou uma sequência didåtica, caracterizando o público da escola que trabalhava na ocasião. Nesse estabelecimento educacional, a idade dos alunos oscilava, em 2017, entre 15 e 77 anos. Dos 105 estudantes matriculados nesse estabelecimento educativo, 65% eram constituídos por pessoas sexo feminino e 35 %masculino; 53% por pessoas que se declararam negras, ao passo que 47%pessoas se declararam brancas. Com a sequência em mãos, a professora procurou diversificar sua pråtica pedagógica, exibindo filmes, como Família Dinossauro e Show de Truman, e trabalhando textos e letras de músicas (Meus Amores da Televisão, Roberto Carlos; A Televisão me Deixou Burro Demais, Titãs e Eu Adoro Minha Televisão, Capital Inicial, por exemplo). AlÊm disso, criou um mural na escola, com imagens de diferentes tipos de TV, com fotos de artistas de novelas e apresentadores de programas de auditórios. AlÊm disso, trabalhou com os alunos informaçþes sobre a mudança do sinal analógico para o sinal digital e procurou, junto com os alunos, esclarecer questþes relacionadas aos aspectos tecnológicos e curiosidades sobre da televisão: migração do sinal analógico para digital: o que muda e o que permanece? Quais as novas possibilidades suscitadas pelo novo padrão de transmissão da televisão? Quem paga os altos salårios de apresentadores de programas de auditórios? Como as emissoras de televisão obtêm lucros com suas programaçþes? Qual Ê o valor de um comercial de televisão, com inserção nacional de quinze segundos, durante o horårio nobre? Qual o peso do índice audiência na estruturação de um programa televisivo? Pode-se dizer, assim, que as entrevistas dadas pelos professores nos permitem afirmar que a migração do sinal analógica de TV para o digital trouxe um contexto favoråvel para se tratar do potencial educativo da televisão em sala de aula. 195


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Sobre os professores, pode-se dizer que não havia, no grupo, grande variação etária. Dos 10 professores que participaram da pesquisa de campo, as idades oscilaram entre 35 a 45 anos. Somente uma professora tinha a idade de 62 anos. Havia ainda um equilíbrio de gênero (seis mulheres e quatro homens). Todos tinham acesso às redes sociais e preferiam assistir a séries em TV fechada e reportagens em TV aberta. No entanto, admitiram assistir, em menor proporção, a novelas e futebol40. O quadro a seguir sintetiza o perfil dos docentes, tendo como referência, suas respectivas formações acadêmicas, tempo de docência e tempo de atuação na educação de jovens e adultos.

Fonte: dados da pesquisa de campo

Observe que se trata de professores experientes, com trajetórias consolidadas na educação básica. A maioria já atua como docente há mais de uma década, tanto no ensino fundamental e médio quanto na modalidade de educação de jovens e adultos. Como se pode notar, a maioria dos professores envolvidos era composta por pedagogos. Esse dado não é aleatório: um dos critérios da seleção dos profissionais, além de atuar na educação de jovens e adultos, era se dispor a trabalhar, em sala de aula, a televisão como um projeto transversal. Como se sabe, os cursos de Pedagogia estimulam a construção de um currículo integrado, com abordagens interculturais e enfoques interdisciplinares. Uma das professoras que participaram do projeto fez o seguinte comentário:

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A formação continuada tem um valor inestimåvel para os professores da educação de jovens e adultos porque não tivemos, nos cursos de licenciatura, QHQKXPD IRUPDomR HVSHFt¿FD SDUD WUDEDOKDU FRP HVVH S~EOLFR 3RU LVVR HX GRX muito valor à formação da Seja Digital e da Faculdade de Educação. Aprendi muito sobre um assunto que conhecia pouco: a migração do sinal analógico para o sinal digital. Se não fosse por conta dessa formação, continuaria pensando que a única qualidade da TV digital era a alta resolução de imagem e som. AlÊm disso, não teria construído, em sala de aula, um projeto sobre a televisão (Eleusa, professora, EJA, Belo Horizonte).

Como destacamos anteriormente, a educação de jovens e adultos ĂŠ uma modalidade da educação bĂĄsica que requer uma abordagem especĂ­fica e diferenciada. A condição de nĂŁo-criança de seus sujeitos implica a construção de novos problemas, novas temĂĄticas e novas abordagens educacionais. Ao tomar como objeto de estudo a televisĂŁo, os educadores passaram a refletir sobre o lugar que esse artefato cultural ocupa na vida dos diferentes sujeitos, o que pode significar uma atenção especial sobre a questĂŁo da educação mediĂĄtica. Consideraçþes finais A pesquisa de campo nos revela que diversidade geracional nĂŁo pode ser vista como limite para uma educação midiĂĄtica na educação de jovens e adultos. Pelo contrĂĄrio, os dados empĂ­ricos nos permitem inferir que hĂĄ aqui uma grande potencialidade educativa suscitada pelo momento. Os adolescentes e jovens, imersos nas redes sociais, estĂŁo saturados de informaçþes, nem sempre tendo condiçþes de avaliar a veracidade das mesmas. AlĂŠm disso, eles nĂŁo tĂŞm dimensĂŁo da “bolhaâ€? em que estĂŁo inseridos digitalmente, o que limita a ampliação dos seus campos de escolha. As entrevistas concedidas pelos alunos podem ser um dos pontos de partida para se construir um currĂ­culo de educação de jovens e adultos, tendo como foco as redes sociais, ponto que nĂŁo foi objeto de estudo na formação continuada promovida pela Seja Digital. Cumpre indagar, aqui, como os adolescentes e jovens distinguem um evento real de uma Fake News. Se eles separaram uma informação principal de informaçþes secundĂĄrias, em um determinado texto. Se analisam fontes, identificando quem, quando, como e por que se produziu determinada informação. Tais 197


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questões são pontos de partida para se construir propostas educativas para os grupos mais jovens que se encontram na educação de jovens e adultos. A respeito dos estudantes adultos e idosos, pode-se dizer que o educador pode se valer das experiências que tomaram a televisão como tema transversal. Joan Santacana (2005), em seu artigo Enseñar Historia con los Objetos, chama-nos a atenção para um fato pouco notado no âmbito educacional: os objetos que foram usados por gerações passadas e se encontram em desuso no presente podem ser utilizados como recursos didáticos importantes na educação básica. A televisão é, certamente, um desses objetos. Afinal de contas, seu formato passou por profundas transformações; o mesmo se pode dizer sobre seus padrões tecnológicos de transmissão e seu lugar na sociedade. Assim, podemos indagar: o que essas mudanças nos comunicam? O mesmo autor nos lembra que a pedagoga Maria Montessori (1870-1952) foi a primeira estudiosa a formular o axioma de que os objetos também ensinam. Para ela, o uso de objetos, no contexto escolar não é um simples acessório para os educadores. Trata-se de um elemento central, que indaga sensorialmente os educandos, instigando sua curiosidade e desejo de conhecer. Joan Santacana (2005) destaca, ainda, que o médico e psicólogo belga, Decroly (1871-1932), segue na mesma direção, sustentando que os centros de interesses dos educandos têm como pontos focais a visão, o tato e o olfato. Isso porque os sentidos mobilizam a emoção e a cognição em busca pelo saber. Ele chegou, assim, à conclusão de que há três tipos de exercícios fundamentais no processo educativo quando se trabalha, em sala de aula, com objetos: a observação, a associação e a expressão. Para ele, a observação direta do objeto permite que os educandos estabeleçam associações de causa e efeito, de tempo e de espaço. Isso faz com que tenham elementos para se expressar, fomentar novos saberes. Dessa maneira, a construção do Museu Vivo da Televisão possui bases epistemológicas sólidas no campo educacional. A televisão analógica, que marcou a infância de muitos estudantes, especialmente os adultos e idosos, é um objeto concreto que pode ser observado por diferentes ângulos. Trata-se de um material que integra a memória coletiva de parte dos estudantes dessa modalidade educativa. Como vimos, esse trabalho edu198


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cativo, estimulado pelos princípios da Pedagogia do Olhar, já se iniciou na educação de jovens e adultos na cidade de Belo Horizonte. No entanto, dado seu potencial educativo, ele precisa ser ampliado e difundido socialmente. Os dados empíricos da pesquisa de campo demonstram que a Seja Digital cumpriu um importante papel nesse processo: a) além do suporte financeiro aos bolsistas, em um contexto de redução de investimento em pesquisa, assegurou que os mesmos entrassem em contato com EJA, conhecendo seus sujeitos e demandas de aprendizagem; b) por meio da formação continuada, estimulou os professores a promover a educação midiática, tomando como ponto de partida a TV digital; c) por meio da pesquisa, permitiu caracterizar o perfil dos educandos e delinear os contornos dos trabalhos pedagógicos dos educadores. Os resultados da pesquisa nos revelam que a luta pelo direito à informação e à comunicação não se encerra com a migração da televisão analógica para TV digital. Em certo sentido, podemos dizer que está apenas começando.

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Capítulo 7 TELEVISÃO: DISCUTINDO FUTURO, PASSADO E PRESENTE EM SALA DE AULA

Marcelo Guilherme de Oliveira Dias

Quando a receita me manda “derreter a manteiga numa pequena panela e adicionar a farinha”, sou capaz de segui-la só porque ela dialoga com minha experi-ência anterior de derreter e mexer, de lidar com substâncias como manteiga e farinha, e de encontrar os ingredientes e utensílios básicos nos vários cantos da minha cozinha (Tim Ingold, 2010).

Este capítulo tem como objetivo mostrar como foram as discussões e ações empreendidas no campo escolar no momento de migração do sinal analógico de TV para o sinal digital – na Região Metropolitana de Belo Horizonte e suas adjacências –, sob o ponto de vista dos impactos tecnológicos e ambientais. As observações que aqui seguem têm como ponto de partida a divulgação da coleção Conexões Escolares com a TV Digital, proposta pela entidade Seja Digital, através da Formação de Educadores da Educação Básica: televisão digital e educação midiática – um novo jeito de pensar a TV. A mudança na transmissão do sinal de televisão, do analógico para o digital, foi destes eventos que nos dão a sensação de que o futuro, finalmente, 201


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chegou. Quando começamos a elaborar o material sobre a mudança no sinal de transmissão de televisão41, que faria parte da coleção Conexões Escolares com a TV Digital, percebemos que havia um risco iminente de que essa mudança fosse encarada, a princípio, como estritamente tecnológica. Se não tomássemos os devidos cuidados metodológicos e pedagógicos, o nosso material poderia reforçar a ideia de que as mudanças tecnológicas são neutras, e de que o seu desenvolvimento é natural e inevitável; esquecendo-nos dos profundos impactos sociais implicados e associados a tais acontecimentos. Nesse sentido, convém sublinharmos que avanços tecno-lógicos e científicos são sempre recheados por pessoas, suor, trabalho e disputas no campo técnico e político (LATOUR, 1998) que, bem longe de serem “apenas parte” da história, são peças fundamentais para seu desenvolvimento e para problematizarmos quaisquer tecnologias. Sendo assim, a nossa preocupação maior era evitar este tipo de abordagem. Tínhamos duas opções: falar de televisão digital enquanto uma tecnologia que melhoraria a qualidade de imagens e áudios, ou ir além. E esse foi o importante desafio proposto pela Seja Digital aos autores da coleção pedagógica. Seguindo esse raciocínio, felizmente, o caderno Materialidades Televisivas, por exemplo, foi porta de entrada para muitas discussões, dentre elas a ressignificação do próprio sentido da palavra “técnica” e a sua parceira, a “tecnologia”. Outro ponto que se faz necessário aqui lembrar foi o desafio que tivemos em “desmontar/descontruir” a tecnologia da televisão digital, explicitando suas bases e arranjos, para que os professores e estudantes tivessem à sua frente não uma caixa preta, mas partes de um conjunto maior que podem ser rearranjadas conforme a leitura e a criatividade dos envolvidos. Como se faz a transmissão de televisão ou de rádio? Qual a diferença entre sinal analógico e digital? Quais são as potencialidades da tecnologia digital? Tais potencialidades têm sido exploradas? Quais campos se abrem e quais se fecham? Com essas cartas mais claras à mesa, novas questões podiam sempre surgir; bem como questionamentos sobre as decisões que viriam a ser tomadas por pessoas e entidades envolvidas nesse processo. Afinal, de previsível no desenvolvimento tecnológico, não temos quase nada.

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O último eixo, e de extrema importância para a humanidade, explorado em nosso material, foi a questão dos potenciais impactos ambientais que essa alteração tecnológica poderia gerar. Com sessenta milhões de televisores de tubo funcionando no país, e cada um contendo mais de dois quilos de chumbo e outros materiais tóxicos – além de plástico – em seus componentes, uma corrida consumista apelando para a troca de televisores, poderia despejar toneladas desses materiais no meio ambiente em um espaço de tempo muito curto. Como o vidro impregnado com chumbo no aparelho televisor pode perdurar por milhares de anos, era possível visualizar que impactos negativos ao meio ambiente poderiam ser sentidos por muitas gerações para além da nossa. E com os três eixos descritos acima bem definidos, a nossa abordagem sobre a mudança do padrão de transmissão da televisão buscou escapar de uma descrição meramente tecnicista e oferecer, a professores e estudantes em geral, e, em especial, aos participantes das nossas oficinas de formação, ferramentas necessárias para que pudessem, conosco, equipe pedagógica, participar e intervir no processo de (re)construção da televisão dos anos vindouros. Foto: Arquivo Pessoal

Figura 1 - Televisor despejado a céu aberto nas proximidades da E.M. José Maria dos Mares Guia, BH/ MG. Itens desejados pelo mundo do consumo, apenas alguns anos depois, tornamse rejeitos abandonados. Do apelo ao consumo até o lixo, o caminho, por vezes, é muito curto.

Figura 1 - Televisor despejado a céu aberto nas proximidades da E.M. José Maria dos Mares Guia, BH/MG. Itens desejados pelo mundo do consumo, apenas alguns anos depois, tornamse rejeitos abandonados. Do apelo ao consumo até o lixo, o caminho, por vezes, é muito curto.

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O futuro do passado e o futuro no presente Trazer uma discussão sobre tecnologia para sala de aula não é uma das mais difíceis tarefas. A tecnologia nos cerca, é assunto diário relacionado a problemas e soluções em nossa rotina. Basta acessarmos o nosso smartphone para sabemos o horário em que o ônibus irá passar, fazermos uma conta matemática, abrirmos uma conta bancária, buscarmos o preço de uma mercadoria e realizarmos uma compra virtual, planejarmos a nossa rotina; ou simplesmente nos localizarmos via satélite! O desafio consiste em conseguirmos realizar uma discussão fora de lugares-comuns, uma vez que muitas das visões sobre o desenvolvimento e a tecnologia estão sedimentadas. Pode-se observar isso constantemente em filmes de ficção, programas de televisão, jornais impressos, revistas e comerciais de TV, que mostram ou um futuro maravilhoso proporcionado pelas tecnologias ou um futuro catastrófico. Porém, ainda são poucas as discussões sobre nosso papel no meio dessas mudanças e nosso poder de escolha sobre o futuro, que parece cada vez mais próximo. Vale aqui frisar que, ao contrário do que o senso comum prega, o sucesso de uma tecnologia não está ligado apenas a questões técnicas. O objeto técnico está impregnado de intencionalidade (SANTOS, 2006), inscrita no interior das relações sociais e de poder, revolucionando essas relações por meio da técnica. Nesse sentido, é possível distinguir duas grandes correntes que se fazem presentes entre aqueles que tentam prever o futuro, os futurólogos: uma que considera o futuro como algo imposto pelo próprio progresso das ciências e da tecnologia, determinantes da configuração sociocultural e política da sociedade; e outra vertente que encara o futuro como resultado de decisões conscientes, a serem alcançadas por meio de comunicação e interação (RATTNER, 1973). Em um levantamento prévio a esse respeito, em sala de aula, perguntamos a um grupo de estudantes como seria o futuro. Foi interessante observar como estas percepções estão sempre evidentes, e, assim, procurarmos entender o porquê de não imaginarmos que elas fazem parte de um processo vivenciado na cronologia do tempo presente, no qual vivemos agora, e não [as percepções] do futuro.

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1R IXWXUR R FHOXODU YDL Ă€XWXDU (VWH SRYR p GRLGR LQYHQWD TXDOTXHU FRLVD 2 WUDQVSRUWH WDPEpP VHUi IHLWR Ă€XWXDQGR LJXDO jTXHOHV ÂżOPHV GH URE{ (Ana Luiza, 17 anos). Tudo que vocĂŞ for fazer vai ser digital. NĂŁo vai ter chave para abrir a porta. Vai ser tudo pelo computador (Simone, 35 anos). No futuro, terĂŁo novos carros, novos remĂŠdios, novas doenças, muitas coisas estarĂŁo mais baratas que nos dias de hoje, como os carros caros de hoje, que nĂŁo vĂŁo valer nada daqui hĂĄ 20 anos. JĂĄ os de Ăşltima geração, sempre estarĂŁo valorizados (OtĂĄvio, 16 anos). O futuro, daqui a um tempo, para mim, irĂĄ ter melhores meios de transporte e mais consequĂŞncias da revolução tecnolĂłgica, como as mĂĄquinas deixando as pessoas com menos empregos (Gustavo, 16 anos).

Uma prĂĄtica interessante que sempre propomos, para levantar a questĂŁo do desenvolvimento tecnolĂłgico, seus caminhos e sua grande imprevisibilidade – como foi o caso da televisĂŁo digital, uma nova tecnologia que levou anos para ser desenvolvida, atĂŠ nos alcançar –, ĂŠ buscar revistas de divulgação cientĂ­fica publicadas hĂĄ vinte ou trinta anos; se possĂ­vel, atĂŠ mais antigas. Ou seja, um desafio que traz para o presente o “futuro do passadoâ€?. Folhear matĂŠrias junto aos estudantes, analisar manchetes e ler colunas anunciando o futuro, estando no futuro, ĂŠ uma tarefa bastante engraçada e prazerosa. Um exemplo que temos foi quando experimentamos a dinâmica junto a uma turma de educação de jovens e adultos (EJA). O nosso exemplar, a Ăşltima edição antes da virada tĂŁo aguardada para os anos 200042, foi encontrado em meio a tantos arquivos, em um armĂĄrio antigo43. A nossa revista especulava sobre a saĂşde da ovelha Dolly, primeiro clone desenvolvido a partir de uma cĂŠlula adulta, nascida trĂŞs anos antes; bem como sobre o “Bug do milĂŞnioâ€?, problema gerado como resultado de um pequeno detalhe de programação dos computadores da ĂŠpoca, que marcavam os anos com apenas duas casas decimais44. Em nossa leitura, percebemos erros e acertos sobre o futuro, que na maioria dos casos jĂĄ ĂŠ o nosso presente: uma reportagem tratava sobre a inevitabilidade do contato com alienĂ­genas neste sĂŠculo XXI; uma outra anunciava estudos sobre o primeiro anticoncepcional subcutâneo que, nos dias atuais, ainda nĂŁo se disseminou, mas jĂĄ começa a ser sondado no Brasil, por exemplo, 205


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para um possível uso em pacientes do SUS; e uma terceira reportagem versava sobre um novo método para evitar lesões causadas por derrames cerebrais. Ah! Encontramos uma matéria sobre a mais nova e mais durável lâmpada de filamento! “Lâmpada de filamento? Que é isso?”, de pronto, exclamou uma estudante. Boa parte dos alunos, nascidos já no século XXI não se lembravam das antigas lâmpadas de filamento, sendo necessária a explicação sobre como um fio retorcido poderia gerar luz. Teríamos “no futuro”, segundo um dos artigos da revista, computadores que seriam vestidos como roupas, e não os atuais smartphones. As cédulas de dinheiro passariam a ser feitas de plástico, mas plástico mesmo, como foram as antigas notas de 10 reais que por pouco tempo circularam no ano 2000, em comemoração aos 500 anos do Brasil. Mas nada falava sobre as máquinas de cartão de crédito que são cada vez mais populares. Ah! Espécies extintas retornariam à vida, através do processo de clonagem, assunto sempre presente nos folhetins da virada do século, e que até hoje não se concretizou, tal como especulado. O que estamos acompanhando, infelizmente, é a crescente marcha de espécies extintas. No final da revista, encontramos, em um pé de página, uma pequena reportagem, com certo ar de ironia, sobre uma máquina fotográfica capaz de tirar fotos para os dois lados. Seria essa a avó das câmeras de selfie, tão marcantes nos dias de hoje? Este exercício, de se olhar as promessas de futuro, da tecnologia e da ciência (ou de um tipo de tecnologia e ciência), faz-nos lembrar que de futuro mesmo, nem mesmo aqueles que se dedicam a essa tarefa de construir as mudanças (ou divulgá-lo, como no caso), sabem de muita coisa. Pode ser que aquilo que tanto alardeamos hoje, como os celulares e seus aplicativos, estejam daqui a dez anos esquecidos, e aquilo que é uma pequena nota de pé de página, vire figurinha carimbada em nosso dia-a-dia. Já bateu sua selfie hoje? Uma discussão sobre mudanças no comportamento das pessoas, nos preços das matérias primas, nos minerais, das atitudes em relação às mercadorias, especulações de mercado, de governos, demandas ambientais, sociais, uma nova tecnologia, uma nova descoberta, ou tudo isso junto e misturado, faz com que nos lembremos de que o futuro pode ir para um destino muito diferente do que imaginávamos. E o que esperamos para daqui a dez, vinte ou cinquenta anos? Quem sabe, como nos diz a antiga 206


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revista, os alienĂ­genas nĂŁo façam contato atĂŠ lĂĄ, e tudo vire de pernas para o ar? Durante a discussĂŁo em sala, ao apresentar uma nova tecnologia aos alunos, a televisĂŁo digital e suas potencialidades, como por exemplo, multiprogramação, interatividade, mobilidade, portabilidade, acessibilidade e o acesso Ă internet e a jogos, e tudo mais que pode ser feito em uma banda de comunicação que permite a emissĂŁo de 20 megabytes por segundo de dados por canal (YAMADA, 2004)45, lançamos a seguinte pergunta: o que vocĂŞ acha da televisĂŁo? Como serĂĄ a televisĂŁo do futuro? Como a alcançaremos? 1mR DVVLVWR 79 SUHÂżUR ÂżFDU QR FHOXODU 1D PLQKD FDVD p PLQKD PmH TXH DVVLVWH PDLV WHOHYLVmR $ PmH ÂżFD R GLD WRGR EDL[DQGR ÂżOPHV 2V FDQDLV SUHIHUHP JD QKDU GLQKHLUR FRP DVVLQDWXUD D GLVSRQLELOL]DU VHUYLoRV GH EDL[DU ÂżOPHV JUDWXLWRV (LetĂ­cia, 16 anos). As coisas serĂŁo mais baratas. A televisĂŁo serĂĄ em 3D (Ana LuĂ­za, 17 anos). Seria legal ter jogos na TV. Por que nĂŁo tem? A gente vive jogando (TainĂĄ, 18 anos). A televisĂŁo digital ĂŠ Ăłtima. Fico o dia inteiro assistindo televisĂŁo. Espero que a WHOHYLVmR QR IXWXUR WHQKD FRLVDV ERDV QD WHOHYLVmR SDUD HQVLQDU DRV QRVVRV ÂżOKRV (Marqueliane, 19 anos). NĂŁo mudou nada. A mesma imagem. Mudou quase nada. SĂł aquela “chaturaâ€? GH FRORFDU DTXHOH $ QD WHOD SDUD YRFr PXGDU R DSDUHOKR $ WHOHYLVmR YDL ÂżFDU D mesma coisa (Gustavo, 16 anos).

O exercício de se discutir o futuro e as possibilidades da tecnologia tambÊm nos mostra que o futuro Ê årea de disputa. Hå futuros nem sempre concordantes apresentados pelas revistas de divulgação, pelos filmes e pelas falas de cientistas, políticos e demais interessados. Esse raciocínio abre espaço para mais uma discussão, que vale aqui realizarmos: poderíamos dividir o mundo, grosso modo, entre aqueles que apostam em um maior desenvolvimento da humanidade, e aqueles que apostam em um reenvolvimento.

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A palavra desenvolver esconde nela um artifício. Conforme Viveiros de Castro (2011), desenvolver é, pela lógica de nossa cultura, desenvolver, quebrar o nosso envolvimento com o mundo o qual estamos imersos; enquanto que para Porto-Gonçalves (2006), desenvolver é tirar o envolvimento (a autonomia) que cada cultura e cada povo mantém com seu espaço, separar os homens (e as mulheres) de si e das suas relações com a natureza. Seguindo esse raciocínio, poderíamos aqui conjecturar sobre dois possíveis futuros para a humanidade. No primeiro, teríamos: carros autômatos e elétricos, de posse individual, flutuando no ar; transações bancárias e uma série de outras operações via smartphones acoplados em nossa pele; óculos inteligentes que, dentre tantas coisas, dariam informações sobre geolocalização em tempo real; a possibilidade de conversar com alguém do outro lado do mundo; pessoas morando sozinhas, em pequenas casas, com consumo individual de energia e mercadorias; alimentos comprados semiprontos (embalados e de rápido preparo). Tudo personalizado, individualizado, encontrado nos diversos cantos deste planeta. A reciclagem ajudaria apenas a ciclar as mercadorias e o mercado, em um processo sem fim, pleno de nós de desperdício e de descartes contínuos. Tudo seria jogado para debaixo do tapete, ou para alguma mina, ou mesmo diluído na atmosfera, longe dos olhos humanos. Esse seria o futuro “desenvolvido”. Vamos ao segundo futuro imaginado. As pessoas utilizariam, em sua maioria, bicicletas para se locomover, além disso, morariam em espaços compartilhados e utilizariam apenas meios de transporte compartilhados. Parte da alimentação seria produzida localmente, sem o uso de agrotóxicos ou químicos tóxicos. As pessoas teriam seus tempos mais flexíveis e mais horas livres, no descompasso com o relógio, e cada vez mais estariam ligadas aos ritmos dos organismos vivos e do planeta. A energia, palavra mágica da nossa sociedade, seria gasta com racionalidade extrema, sendo que a energia solar seria aquela mais explorada. Assim, teríamos menos desperdício e sociedades de baixo consumo, isto é, um futuro reenvolvido. É importante frisar que ambos os quadros são igualmente fictícios e, possivelmente, nenhum dos dois será como imaginamos! No entanto, esses extremos também podem ser usados para que dialoguemos, sem que fo208


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quemos em heróis ou vilões. Achar que um deles é mais real que o outro faz parte desse jogo, que envolve interesses, investimentos, tecnologia, e muitas horas de filmes publicitários e produções cinematográficas, claro! Queremos destacar que as visões que têm do futuro é algo muito presente na fala dos estudantes com os quais realizamos essa atividade, e elas reeditam visões de futuro propagadas por envolvidos em um jogo de interesses, da vida real, do qual quase nunca a população é convidada a participar – podemos dizer, por motivos “óbvios”. Mas, voltando ao foco deste capítulo, nesse perspectiva, ao se discutirem as potencialidades da televisão digital, na perspectiva de um futuro que já se faz presente para milhões de famílias do mundo inteiro, os grupos com os quais trabalhei nas capacitações ficou i mpressionado, p rincipalmente, c om a p rogramação sob demanda ou com a possibilidade de interagir com a programação. Nesse contexto de diálogo escolar, por exemplo, a melhoria de imagem e som deixou de ser sinônima de televisão digital, e passou a ser mais característica da tecnologia. Construindo uma antena UHF de forma artesanal - a questão do lixo Uma das atividades propostas em nossas oficinas foi a construção de uma antena receptora UHF utilizando latinhas de refrigerante. Um receptor UHF, em si, não possui muitos segredos: para isso, é preciso apenas uma estrutura metálica receptora que tenha, aproximadamente, um quarto do tamanho do comprimento da onda do canal emissor. Coincidentemente, o tamanho das ondas de TV possuem aproximadamente um metro, o que transforma as latinhas de alumínio de bebidas, cujo comprimento está entre dez e vinte centímetros, em excelentes receptores para uma antena. Além das duas latinhas, sugerimos, para a composição da antena, a utilização de cabos de vassoura e restos de fios utilizados em instalações de televisão a cabo, abundantes no ambiente urbano. Esse “lixo” possui, além de cabos de excelente qualidade, importantes adaptadores coaxiais. Entre os materiais que auxiliam a montagem dessa antena, também estão tesoura (para cortar as latas), fita isolante – único item que precisou ser comprado para sua construção – habilidade e paciência para experimentação científica.

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Nem sempre esse equipamento artesanal funciona pela primeira vez, mas funciona. Vale aqui ressaltar que, além de o nosso objetivo de sido propor a realização de uma oficina para a construção de uma antena de baixíssimo custo, queríamos sugerir uma atividade através da qual o professor tivesse a oportunidade de discutir a questão da geração de lixo e do aumento do consumo em nossa sociedade, tendo como base a política dos três R’s (reduzir, repensar e reciclar), que há 20 anos possuía grande força no debate ambiental, mas, atualmente, encontra-se enfraquecida frente à ideia de um “desenvolvimento sustentável”, que domina parte dos debates da mídia e também do meio científico. A política dos três R’s, importante para qualquer projeto de educação ambiental e presente na Agenda 21 e na Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010), irá mostrar a centralidade de consumo para a questão ambiental, afinal, os R’s possuem uma ordem determinada. O R principal é reduzir, uma vez que reduzir é algo que envolve não somente mudanças comportamentais, mas também novos posicionamentos do setor empresarial, como o investimento em projetos de ecodesign e ecoeficiência. E seguida, temos o R de repensar, e, por último, o de reciclar. Hoje, na política dos três R’s, foram inseridos mais dois, o R de recusar e o R de reutilizar (SILVA et al., 2017). Uma de nossas oficinas, que reuniu estudantes, professores e pais de alunos, realizaram a tarefa de montagem das antenas de latinha, durante uma feira de ciências da Escola Municipal Professor Tabajara Pedroso (Belo Horizonte – MG), na semana anterior à data inicial programada para o switch off da TV analógica. Com o assunto amplamente divulgado na imprensa, foi grande a quantidade de participantes interessados em participar da oficina. Os materiais utilizados para a realização da oficina foram, em parte, achados no caminho que fizemos até a escola, como os fios e os conectores coaxiais. Os participantes da oficina foram desafiados a realizar sua montagem de antena utilizando materiais descartados no lixo da escola. Minutos depois, os participantes retornaram com latinhas, cabos de vassouras quebradas e pedaços de bambu. Apesar de a montagem requerer cuidado na hora de cortar as latinhas, não havia nada que impedisse a realização da oficina por estudantes a partir dos 12 anos de idade46. Os participantes conseguiram realizar a montagem em torno de 30 minutos; depois realizaram testes de varredura de canais com as novas antenas. “Muito interessante, e não vou precisar gastar para 210


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comprar a antena”, disse um pai após testar sua antena. Dias depois, ao ir à escola encontrar o seu filho, aluno do 6° ano do ensino fundamental, este pai nos relatou que conseguiram sintonizar o sinal de todos os canais disponíveis na cidade naquele momento, e que havia construído, também, uma antena para a avó do estudante. Algumas antenas não funcionaram em sua primeira tentativa por causa do processo de encaixe dos fios à estrutura das latinhas. Falhas em experimentos como esses são muito interessantes para que possamos refletir sobre os acertos e erros em uma determinada prática. O erro é importantíssimo durante a construção do processo de aprendizagem, e foi fundamental para o desenvolvimento da ciência (LENTIN, 1997). Em outra oficina que oferecemos, aberta ao público geral da cidade de Belo Horizonte, durante o evento “O Planeta Somos Nós”, promovido pela Seja Digital e pela Programando o Futuro, tivemos a presença de representantes de associações de catadores. Durante a oficina, notamos um erro no encaixe dos cabos ao conversor digital, o que fez com que nossa antena, previamente montada e testada, insistisse em não funcionar. Achar a solução para o problema implicou toda a revisão do processo de montagem, transmissão e recepção do sinal digital pelo equipamento, e foi uma ótima aula prática. Outro problema recorrente, refere-se ao posicionamento da antena, que deve estar apontada para a antena transmissora. A posição das antenas transmissoras nas cidades revela seu relevo, sua distribuição no espaço, a divisão de suas áreas e o posicionamento do experimentador imerso na cidade. Em nossos testes, a eficiência da antena artesanal foi quase a mesma da comercial, perdendo apenas em um único teste, em condições bastante adversas, quando estávamos em uma escola situada na face oposta de um morro em relação à antena transmissora. Tivemos um problema, também, quando testamos a antena dentro de sala de aula, que possuía grades em suas janelas. A redução no consumo e o reaproveitamento de materiais também gera economia para as famílias, já que, em preços atuais, a antena mais acessível custa entre 30 e 40 reais, algo proporcional a 6 horas de trabalho, levando-se em conta o valor atual do salário mínimo. Além disso, também temos a 211


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redução da pressão sobre o ambiente, já que não é criada necessidade de extração de minério e beneficiamento do metal. Reduzir o consumo de mercadorias é uma atitude que leva ao aumento no tempo que as pessoas têm para outras atividades, como lazer e estar com a família, já que precisam trabalhar menos para sustentar a compra de mercadorias. Outra faceta da prática é que a pressão sobre o meio ambiente, no que se refere à extração de minerais e a emissão de poluentes, é bem menor. Ao analisar tutoriais disponíveis na internet, percebemos que a construção desse mesmo objeto tem abordagens bastante diferentes. Em um dos vídeos, por exemplo, a postura do apresentador é de desdém. Ele estimula o consumo, chama as televisões de tubo de “coisinha” e joga um aparelho de lado. Além disso, estimula o público a substituir os aparelhos analógicos pelo o que o chamou de “algo bem melhor”, em referência aos aparelhos de tela plana47. Falar de reciclagem e redução de resíduos possui seus me-andros. Um caso conhecido, na década de 1990, foi a estratégia da indús-tria do alumínio que, ao estimular a reciclagem de latinhas, levou ao aumento do consumo deste tipo de material como vasilhame (LAYARGUES, 2002). Neste caso, o aparente estímulo a uma postura ecologicamente respon-sável, levou ao seu inverso. Reciclar o lixo é uma tarefa fundamental, mas está longe de ser a solução do problema dos resíduos. Diversos produtos e embalagens possuem entraves para seu reaproveitamento, como a falta de indústrias que processam o material reciclado (NALINI, 2008). Além disso, até mesmo para alguns setores em que a reciclagem é um sucesso, como no caso das latas de alumínio, com taxa de reciclagem no Brasil de 98%, há problemas. Os impactos gerados na mineração da bauxita e o custo energético para a fabri-cação do alumínio nos levam a pensar se é, de fato, uma atitude responsável usarmos um metal tão nobre para um uso tão efêmero. Sendo assim, o sucesso da reciclagem do alumínio não serve de parâmetro para outros materiais e se beneficia da pobreza de sua população (LAYAR-GUES, 2002). 212


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Por isso, ao pensar em reciclagem, lembre-se também de que, para cada saco de lixo reciclável que mandamos para os centros de triagem, a cadeia produtiva criou outros setenta sacos de lixo, e muitos desses não serão reciclados (LEONARD, 2011).

A prioridade é reduzir a produção de lixo, aperfeiçoar o uso das mercadorias que temos, como os televisores e reduzir o consumo. Reduzir o consumo, vale repetir! Considerações finais A tecnologia, presente cada vez mais em nosso dia a dia, das tarefas mais simples às mais complexa, pede um tratamento especial, para que a figura de “usuário” de tecnologia, um aparente agente passivo que compra tudo que lhe é ofertado, possa ser convertida para a figura de “fazedor” de tecnologia. Do que adianta tantas possibilidades dadas pela técnica, se não conseguimos manipulá-las e criar nossos próprios itens? Será que nosso papel ativo vai continuar a ser apenas efetuar a escolha de itens de compra, e não participar da busca por soluções para nossas necessidades? Em minha prática docente e durante a realização das oficinas, percebo que nas escolas e demais ambientes de aprendizado, somos muito moldados a trabalhar com o papel quando queremos transpor nossas ideias para algo palpável. Folhas, cortes, letras, escritos. A meu ver, nossas escolas, do ponto de vista da cultura material, tornaram-se fábricas de manipulação e de consumo de papel. Mas será que apenas ensinarmos a trabalhar com o papel, e não também com outros materiais, outras ferramentas é o ideal e o suficiente? Precisamos aprofundar o nosso conhecimento e colocar as nossas mãos em outros materiais, em outras ferramentas. Madeira, metais, argila, cobre, serrotes, chaves, fios, ferros de solda, enxadas, bússolas, terra, antenas, tintas, dentre outros. A fabricação de objetos e de novas ferramentas sempre esteve ao lado, e junto, do desenvolvimento das ideias, para que grandes revoluções no pensamento fossem feitas. Galileu Galilei e Isaac Newton foram, além de grandes físicos, grandes construtores de ferramentas para suas pesquisas (GOLDFARD, 1995). Se não tivesse fabricado a luneta, Galileu seria menos Galilei; e se não tivesse construído o telescópio óptico refletor, Isaac seria menos Newton, podemos dizer. 213


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A princípio, entendemos que é importante começar a abrir os aparelhos eletrônicos ao nosso redor, desmontar a tecnologia e pensar em rearranjos. Desde os equipamentos mais simples, como um chuveiro elétrico, aos mais complexos, como nossos celulares e computadores. Foi por isso que uma de nossas oficinas propôs que os jovens construíssem o seu próprio transmissor de rádio FM, de curta distância, para que compreendessem como funciona a transmissão de informações por ondas eletromagnéticas, inventada há mais de um século! Ilustração: Marcelo Dias

Figura 2 - Esquema de montagem de transmissor de rádio FM proposto em nossas oficinas..

Parece uma ideia muito distante a possibilidade de as pessoas montarem um simples transmissor de curto alcance, mas não o é. Isso tem apenas relação com a forma como, lamentavelmente, fomos educados: para sermos consumidores, e não fabricadores de objetos. A construção de saberes precisa também da dimensão de “colocar a mão na massa”, de criar objetos, para que, em determinados momentos, quando a antena parar de funcionar – ou mesmo quando desvendarmos os segredos do processo de soldagem de algum componente eletrônico em uma chapa metálica –, passemos a compreender melhor a nossa sociedade tão tecnológica, e a construirmos novas formas de conhecer pensar e agir no mundo (INGOLD, 2010).

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Capítulo 8

OLHARES TELEVISIVOS DA DOCÊNCIA MINEIRA Cirlene Cristina de Sousa Marcos Silva Heli Sabino de Oliveira

Ver e olhar, de um modo geral, ou especificamente estar diante da TV, olhar suas imagens pode significar uma série muito ampla de ações e objetivos: posso olhar para obter conhecimento, para ter notícia de alguma coisa, para observar como algo acontece, para reproduzir ou imitar um gesto ou simplesmente para me distrair com o que vejo. O ato de olhar remete a um trabalho possível (e necessário) em relação a ultrapassar as chamadas evidências, a ir além do que nos é dado a ver de imediato –justamente porque sempre olhamos de algum lugar, a partir de um ponto de vista intuído, exercitando o aprendido

(Rosa Bueno Fischer).

Este capítulo tem por objetivo examinar os diversos modos de os professores da educação básica assistirem à televisão. A busca pela compreensão dos múltiplos olhares dos docentes se fez presente durante a Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital, promovida pela Seja Digital, em parceria com a Faculdade de Educação da Universidade Fe217


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deral de Minas Gerais. A formação ocorreu entre os meses de agosto e novembro de 2017, com carga horária de 8 horas, e foi oferecida para 805 professores que atuam na educação básica da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Conforme descrito no capítulo 3, a referida formação apresentou, em linhas gerais, informações básicas sobre o processo de desligamento do sinal analógico; enfocou sobre as novas possibilidades educativas suscitadas pela TV digital e realizou oficinas e atividades, envolvendo questões pertinentes à mudança de sinal na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Inspirados nas provocações de Rosa Maria Bueno Fischer (2006), durante todo trabalho, registramos depoimentos de professores, com intuito de analisar as diferentes maneiras como eles assistiam aos programas televisivos. Com foco no olhar do professor sobre a televisão, este capítulo está dividido em duas seções: na primeira, apresentamos um debate sobre o “ser docente”, fazendo uma discussão em torno da diversidade presente no perfil dos professores brasileiros. Na segunda seção, analisamos os diferentes modos como os docentes olham e debatem a televisão. Pensamos que uma Pedagogia do Olhar, principal referência pedagógica da formação continuada, não pode ser desenvolvida sem um fecundo diálogo sobre os múltiplos olhares dos professores sobre a televisão. Esse processo buscou responder a três indagações: 1) a que caracteriza a docência? 2) Quais são as singularidades docentes? 3) Em que medida a docência se distingue de outras profissões? Supomos que a compreensão das especificidades da profissão de docente pode nos auxiliar no processo de análise dos múltiplos olhares do professor sobre a televisão. Na próxima seção, trataremos dessas e de outras questões. 1. Diversidade e singularidades docentes As opções que cada um de nós tem de se fazer como professor cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam, na nossa maneira de ensinar, nossa maneira de ser (Antônio Nóvoa).

Um dos desafios da Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital foi construir um ambiente educativo na educação básica que tomasse a televisão como objeto de estudo. Durante os encontros, os profes218


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sores foram, por meio de oficinas, textos e vídeos, instigados a elaborar sequências didáticas para trabalhar com turmas de ensino fundamental, anos iniciais e finais e educação de jovens e adultos. Como vimos no capítulo 3, essa formação suscitou nos professores sentimentos ambíguos: por um lado, houve um forte estranhamento e perplexidade; por outro lado, a televisão é, em muitas situações, percebida como forte concorrente das práticas educativas. Afinal de contas, embora esteja estabelecida nos mais distintos rincões do Brasil, a televisão ocupa, não raro, um lugar periférico no processo de escolarização. Vista apenas como recurso didático pedagógico, a função da televisão no contexto escolar é, geralmente, ilustrar ou aprofundar, por meio de filmes, documentários e videoaulas determinadas disciplinas que compõem o currículo da educação básica. Em um dos depoimentos que escutamos, a professora desabafa sobre o fato de haver, não raro, no turno matutino, crianças sonolentas por assistir, de madrugada, certos programas televisivos. A mesma professora chama a atenção para o fato de a televisão influenciar, não raro, comportamentos agressivos de alunos em sala de aula. Dessa maneira, pensar pedagogicamente a televisão no contexto escolar foi um grande desafio. Isso implicou desconstruir imagens e representações sobre a própria profissão docente, bem como compreender que os estudos sobre a estreita relação entre meios de comunicação e educação se encontram em um estágio embrionário. Além disso, há outro elemento que interferiu nos encontros formativos: os cursos de licenciaturas não abordam, via de regra, as potencialidades educativas da televisão. Assim, para se aproximar dos professores, tornou-se necessário se debruçar sobre as características fundantes dessa profissão, colocando em relevo suas singularidades. Isso implicou reconhecer duas idiossincrasias da formação de um futuro professor. A primeira diz respeito ao fato de a formação docente se iniciar quando o sujeito ingressa no processo de escolarização. Embora não esteja em um curso de licenciatura, a criança, matriculada na educação básica, tem a oportunidade de observar e refletir, de forma não sistemática, sobre as funções e papéis dos professores. A segunda idiossincrasia diz respeito à dimensão sociocultural que envolve a docência. Para Tardif e Raymond (2002), a profissão de professor 219


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é um dos raros ofícios que permitem ao futuro profissional mobilizar elementos culturais próprios de seu círculo familiar, social e econômico. Para esses autores, a formação docente não se relaciona apenas com percursos universitários, mas também se articula no âmbito das relações socioculturais; o que significa que os professores não podem ser pensados como momentos abstratos da subjetividade filosófica. Conforme Castoriadis (1982, p. 128), os professores precisam ser pensados como sujeitos efetivos, totalmente penetrados pelo mundo e pelos outros. Nesse sentido, a professora Inês Teixeira (1995) chama a atenção para o fato de os professores operarem no exercício da liberdade, ultrapassando comportamentos reativos a fatores internos e externos, fundando o novo, o inexistente, distinguindo-se dos demais seres vivos e realizandose como anthropos. O que significa que os seres humanos precisam se enredar na cultura e nas práticas sociais para desenvolver o seu processo de formação. Uma das estratégias dos encontros formativos foi, então, se debruçar sobre as memórias televisivas que marcaram a infância e adolescência dos professores. Isso porque, embora não tenha sido objeto de estudo em suas trajetórias estudantis e acadêmicas, a televisão integra-se às experiências sociais dos docentes. Como se sabe, trata-se de um artefato cultural que se encontra bem estabelecido na sociedade brasileira. Assim, pode-se dizer que a televisão faz parte da realidade de alunos e professores. Do ponto de vista teórico, procurou-se inicialmente compreender alguns elementos próprios que informam os olhares docentes sobre a televisão. Oliveira e Sousa (2017) elencaram três dimensões do olhar. A primeira dimensão se refere às formas pelas quais a cultura molda nossa percepção, ordenando, classificando, hierarquizando e invisibilizando objetos e pessoas que nos rodeiam.

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Ao assistirmos, por exemplo, a uma aula, a um espetåculo, a uma novela, não construímos necessariamente as mesmas opiniþes, nem formulamos as mesmas perguntas. Pode-se dizer, por um lado, que nossos olhares são múltiplos, plurais, diferentes e, muitas vezes, contrastantes; por outro lado, podemos dizer TXH HOHV QmR VmR ¿[RV PDV DEHUWRV H HP SHUPDQHQWH WUDQVIRUPDomR 1D PHdida em que interagimos, dialogamos e consideramos o ponto de vista do outro, mudamos tambÊm nossa percepção, nossa forma de compreender e enxergar o mundo (OLIVEIRA & SOUSA, 2017, p. 35).

A segunda dimensão diz respeito às formas pelas quais certos grupos sociais buscam modelar nosso olhar, colocando em relevo certos objetos e deixando outros em segundo plano. A televisão pode ser vista como um exemplo emblemåtico, como destaca Muniz SodrÊ. A TV (...), apesar de nos trazer uma imagem concreta, não fornece uma reSURGXomR ¿HO GD UHDOLGDGH 8PD UHSRUWDJHP GH WHYr FRP WUDQVPLVVmR GLUHWD p R resultado de vårios pontos de vista: 1) do realizador, que controla e seleciona as imagens num monitor; 2) do produtor, que poderå efetuar cortes arbitrårios; 3) do FDPHUDPDQ TXH VHOHFLRQD RV kQJXORV GH ¿OPDJHP ¿QDOPHQWH GH WRGRV DTXHOHV capazes de intervir no processo de transmissão. Por outro lado, alternando sempre os closes (apenas o rosto do personagem no vídeo, por exemplo) com cenas reduzidas (a vista geral de uma multidão), a televisão não då ao espectador a liberdade de escolher o essencial ou acidental, ou seja, aquilo que ele deseja ver em grandes ou pequenos planos. Dessa forma, o veículo impþe ao receptor a sua maneira especialíssima de ver o real (SODRÉ, 1987, p. 61).

A terceira dimensão do olhar diz respeito tanto sobre o lugar social que ocupamos quanto sobre o local físico que nos encontramos. Como se sabe, o nível escolaridade, a classe social, o gênero, a raça, religião e a região interferem nas formas pelas quais enxergamos o mundo. O mesmo se pode dizer sobre o local físico que nos encontramos quando assistimos a um determinado casamento, a uma peça teatral qualquer ou a uma partida de futebol, pois a retina ocular apreende a realidade de maneira distinta.

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Quem se encontra atrĂĄs do gol, por exemplo, tem um campo visual parcial sobre o conjunto do espetĂĄculo, mas quem se encontra em uma ĂĄrea central possui uma visĂŁo panorâmica. No entanto, os que se encontram atrĂĄs do gol podem, em circunstâncias pontuais, ter uma compreensĂŁo melhor sobre uma determiQDGD MRJDGD HVSHFtÂżFD $VVLP SDUD TXH D 79 VH WRUQH DOJR TXH QmR VH DVVLVWD DSHQDV GLVSHUVDPHQWH p QHFHVViULR UHĂ€HWLU VREUH D IRUPD TXH HOD QRV Yr H D maneira que a olhamos. Isso implica o desenvolvimento de uma pedagogia do olhar que consiste em um exercĂ­cio de selecionar determinadas realidades e transformĂĄ-las em objetos de investigação (...). Em outras palavras, o professor p GHVDÂżDGR D VHU XP SHVTXLVDGRU DOJXpP TXH QmR DSHQDV WRPH D 79 FRPR UHcurso didĂĄtico que enriquece suas aulas, mas como um objeto a ser examinado (OLIVEIRA& SOUSA, 2017, p. 35).

Tendo em mente a compreensão dos professores como sujeitos socioculturais, inseridos em dado contexto histórico, pertencentes a uma classe social, marcados por questþes de gênero e relaçþes raciais, procuramos examinar os múltiplos olhares dos professores sobre a TV. Como se trata de uma questão candente, emergida em um contexto marcado pela cultura midiåtica, não se pode deixar de abordar a potencialidade educativa dos meios de comunicação nos cursos de formação. Caso isso não ocorra, os professores tenderão a ignorar essa realidade. Para Tardif e Raymond (2002), quanto mais precarizada for a formação inicial dos professores, mais os professores recÊm-chegados à carreira docente se utilizarão de valores e conceitos adotados pelos pares que exercem hå mais tempo esse ofício. Tais constataçþes nos levam à necessidade de promover experiências junto a esses profissionais que dialogam com o universo da mídia, pois sabe-se que as interferências midiåticas na socialização dos indivíduos contemporâneos são tensas e intensas. Pois, queiramos ou não, a mídia faz parte da tessitura das nossas experiências cotidianas. Portanto, Ê importante que os profissionais da educação se eduquem midiaticamente para que possam contribuir e orientar a educação midiåtica de seus alunos e alunas. Para se fazer uma leitura crítica e informada do fenômeno midiåtico Ê preciso conhecê-lo. Este Ê um dos pontos que pesquisadores que tra222


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balham com mídia e educação vêm destacando. Como diz Rosa Bueno Fischer (2006), é preciso olhar, ver com atenção as mídias, pois elas cotidianamente criam modos específicos de ver, olhar, representar, descrever e dizer sobre os nossos modos de ser e de viver. A seguir, descrevemos como as diversidades docentes estiveram presentes nos modos como os professores mineiros emitiram olhares sobre a televisão, durante o projeto de Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital. 2. Olhares docentes sobre a televisão Voltando à epígrafe do presente capítulo, a pesquisadora Rosa Bueno Fischer (1996) destaca que é preciso compreender a diversidade dos públicos televisivos e seus diferentes modos de ver, de olhar e estar diante da televisão. Para tal pesquisadora, olhar as imagens televisivas pode significar ações e objetivos diferentes conforme os ângulos e os lugares que tais públicos acessam as programações televisivas. Esta diversidade de modos de ver e olhar a televisão se fez presente no diálogo com o público docente durante o processo formativo da Seja Digital/FaE-UFMG nas escolas mineiras. Em se tratando das relações com a televisão, é preciso destacar que, como tantos outros brasileiros, os professores mineiros (pelo menos os que fizeram parte da formação continuada) se apresentaram como consumidores desse dispositivo midiático. Seus modos de consumir tais dispositivos não se diferenciaram tanto dos demais consumidores brasileiros, a não ser quando tais profissionais colocam em atuação seus olhares inquiridores e/ou científicos sobre a televisão. No geral, os professores mineiros disseram gostar de novelas: “eu adoro uma novelinha, é um momento de distração pra mim”. Outros disseram acompanhar o telejornal diário: “antes de vir para a escola, gosto de assistir ao Bom dia Brasil, e à noite, quando volto para casa, gosto de ficar passando os canais de notícias para me informar do que está acontecendo no Brasil” (professor Mário, rede estadual). Filmes e documentários também são programações televisivas bastante consumidas pelos professores mineiros: “acho que filmes e documentários é do gosto de muito de nós. Eu, por exemplo, adoro assistir ao canal National Geografic” (Marta, professora da rede municipal, Santa Luzia). “Eu gosto muito de filmes brasileiros e gosto também de séries” (professor Pedro, rede estadual). 223


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Há outras preferências, como programas de auditório e canais de animações, mas as programações da novela, do telejornalismo e dos filmes/ documentários foram as mais citadas pelos professores mineiros no que diz respeito às suas preferências televisivas. O debate nas escolas sobre os campos de possibilidades da TV digital levou-nos a detectar entre tais professores cinco tipos de olhares sobre a televisão, a saber: o olhar dispersivo, o olhar informação, o não-olhar, o olhar inquérito e o olhar modificado. A seguir, apresentamos uma síntese de tais olhares capturados durante as formações escolares. O olhar dispersivo Estar diante da televisão sem grandes expectativas, vivê-la como passatempo, como entretenimento, como descontração, como uma prática de descanso, de alívio e relaxamento frente às tarefas e tensões cotidianas são marcas do primeiro olhar dos professores mineiros sobre a televisão. Muitos desses profissionais da educação disseram que olham para a televisão sem muitas pretensões. É um modo de olhar sem querer dele significar muitas coisas. A princípio, associamos o olhar dispersivo à identidade de um determinado tipo de consumidor, que não se preocupa com as intenções das programações televisivas; o que importa é a sensação de prazer e de bemestar oferecido pelo produto. O olhar dispersivo não busca profundidade ou densidade dos conteúdos televisivos. Isso não significa, no entanto, que os corpos e mentes dos professores que possuem tal olhar sobre a TV não sejam afetados. Compreendemos que eles são pessoas que carregam consigo as marcas do seu tempo, do seu contexto, dos seus modos de viver. Ou seja, tal olhar leva a compreensão de que, na docência, não há um corpo neutro, um corpo não afetado, um corpo isolado. Portanto, ao adentrarem os portões escolares, tais professores não deixam “do lado de fora” os seus corpos e se tornam docentes. Ao contrário, o ser professor carrega a pluralidade das suas inscrições identitárias e, destas, a sua corporeidade mais ou menos midiática.

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Portanto, o olhar dispersivo aproxima os professores de milhares de outros consumidores que se relacionam com a televisão para um momento de relaxamento. Como tais consumidores, muitos professores disseram que querem estar em frente à televisão para descansar, para aliviar as tensões, as pesadas cargas do mundo do trabalho. Este é um olhar que vê sem querer fazer perguntas: “olha, eu vejo televisão só para descansar, chego da escola depois de dois turnos, quero comer alguma coisa, ficar ali deitada no meu sofá e ver uma novela ou assistir ao jornal” (professora Shirley, rede estadual). O depoimento da professora Shirley indaga nossa compreensão anterior que associa o olhar dispersivo ao consumo, como parte não integrante do trabalho docente. A professora nos chama a atenção para o fato de essa forma de olhar televisão integrar o próprio trabalho docente. Por ser uma atividade estressante, que consome bastante energia física, emocional e mental, o relaxamento é uma condição para reabastecer as energias para labuta do dia seguinte. Esta forma de compreender esse tipo de olhar, permite-nos dizer que os múltiplos olhares para televisão não são fixos e únicos. Eles fazem parte de um contexto e integra à identidade social do profissional docente. Assim, em outra situação, o programa televisivo pode magnetizar o olhar, indagar a subjetividade do sujeito que, em um dado momento, assiste, dispersivamente, a programas de televisão. O olhar informação Próprio de um cenário social em que a midiatização configura parte das interações e as relações humanas, uma parte dos professores diz que a relação que se estabelece com a televisão se encontra no campo mais informacional. Eles e/ou elas assistem a televisão em busca de informações, de atualizações dos acontecimentos cotidianos e de notícias. Este olhar também não seria tão singular do ser docente, mas próprio do sujeito que é também atingido pela mídia que pauta os acontecimentos, que se coloca como lugar de informação, que traz as notícias mais rápidas e curtas. Como outros cidadãos, o professor-consumidor tem a mídia como um lugar onde se busca atualizações, informações da vida cotidiana. Por meio deste olhar, cada professor foi destacando suas preferências televisivas. Há 225


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aqueles que gostavam de informações mais ligadas a um gosto pessoal, como programas de culinária; há outros que buscam informações mais gerais, como situações de trânsito, situações políticas mundiais e acontecimentos do dia a dia do bairro ou cidade onde residem. Nessa categoria, há alguns professores que escolhiam programas televisivos mais voltados para a sua área de formação ou de curiosidade. Porém, este olhar aponta para um elemento específico do professor consumidor, a saber: olhar a televisão para recortar peças publicitárias, documentários, programas de debates e/ou filmes que possam ser incluídos em suas sequências didáticas e ou em suas aulas de forma mais geral. Porém, a busca por informações está aqui mais ligada à ideia de atualização e/ou ilustração didática. Não existe, nesse processo, questionamento sobre o que é visto no campo midiático. Nesse sentido, o depoimento do professor Mário, citado anteriormente, é emblemático. Ele procura, antes e depois do trabalho, assistir a jornais televisivos em busca de informação para tomar conhecimento sobre o que está acontecendo. Cumpre sublinhar aqui que subjacente ao olhar informação encontra a ideia de que os telejornais nos atualizam, colocando-nos a par do que ocorre no Brasil e no mundo. Aqui não se interpela sobre a seleção das notícias, edição e os ângulos tomados pelos cinegrafistas. Em outras palavras, o olhar informação, guardadas as devidas proporções, é um olhar próprio de alguém que naquele momento não está preocupado em compreender o processo que gerou o produto televisivo. No entanto, seu grande mérito consiste em não se afastar de pontos que eventualmente podem ser debatidos com os alunos em sala de aula. O não-olhar Um grupo menor de professores apresentou um olhar mais negativado sobre a mídia televisiva. Este grupo destacou que não gosta e nem assiste a televisão. Esta categoria se aproxima de alguns outros sujeitos que tendem a destacar a televisão como o lugar da manipulação, da indústria cultural, do capitalismo, mídia pouco plural e/ou criativa. Para tal grupo, a prática de assistir televisão é de pessoas mais pobres e sem escolarização. Assim, a opção por não olhar ou assistir televisão é uma escolha intelectual – “a televisão é um meio de comunicação para os ignorantes”, diz um professor. 226


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Porém, ao serem questionados sobre este “não assistir” a televisão, as explicações foram menos intelectualizadas e mais senso comum: “a televisão faz as pessoas ficarem mais burras”, “prefiro ler um livro a ver televisão”, “a tendência de todo mundo que vê televisão é ficar mais ingênuo”, “televisão é só farsa, manipulação”. Este nos pareceu o olhar menos reflexivo sobre a televisão. Assim, não conseguimos enxergar uma postura crítica sobre a televisão. Pareceu-nos uma posição mais ingênua do que a de um intelectual propriamente dito. Isso não se quer dizer que a perspectiva de não-olhar não possa se configurar como uma postura político sobre a televisão. No entanto, a postura do não olhar pode afastar o professor de seus alunos, que trazem para contexto escolar conteúdos e comportamentos oriundos dos meios de comunicação. O Olhar Inquiridor Este olhar pareceu-nos mais próximo daquilo que se espera da profissão docente. Isso porque ele se configura como um olhar que busca se aproximar dos objetos televisivos, deixá-los falar. No entanto, as imagens e as falas precisam ser interpretadas. É o olhar do professor que tem o papel de investigar e de refletir sobre os objetos do mundo. Com este olhar inquiridor, os professores mineiros deixaram bem claro a necessidade de a escola interpretar, analisar e investigar o que a televisão oferece à sociedade brasileira. Os professores que nos apontaram este olhar inquiridor fizeram um elogio direto à metodologia da Pedagogia do Olhar proposta pela coleção Conexões Escolares com a TV Digital. Eles disseram que tal pedagogia pode ajudar os professores a ter uma postura mais reflexiva sobre a produção midiática. Também elogiaram da ideia de se desmanchar a televisão e notar sua complexidade e seus direcionamentos políticos, culturais, sociais e econômicos. O Olhar Modificado No capítulo 3, há registros de professores que disseram ter modificado seu jeito de ver televisão. Destacaremos aqui dois depoimentos. O primeiro é da professora Eleusa, que atua na educação de jovens e adultos da rede municipal de Belo Horizonte. Ela diz que, por muitos anos, acreditava que a televisão era uma forte concorrente com a educação de jovens e adultos. 227


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Por conta de novelas e futebol, alguns estudantes se ausentavam da escola. Ao realizar a formação continuada, ela pôde, no entanto, modificar seu olhar sobre a televisão. Em sua sequência didática, trabalhou com filme O Show de Truman, com o objetivo de analisar, com seus alunos, a linguagem televisiva; e ainda desenvolveu um museu vivo da televisão, a partir de sugestão de umas atividades da coleção Conexões Escolares com a TV Digital. O segundo depoimento é do professor Adriano. Antes da formação, separava o mundo escolar e o mundo da televisão em campos completamente opostos: enquanto o primeiro estava voltado para a formação de cidadãos críticos e participativos, o segundo estava ligado à formação de consumidores. Segundo ele, após a formação continuada, seu olhar foi modificado: ele não concebe agora essa relação linear entre um e outro. Trata-se de uma relação complexa, marcada por conflito e disputas culturais e políticas. Em sua sequência didática, buscou desenvolver as potencialidades educativas da televisão, trabalhando com propagandas, programas de auditórios, novelas e jornais. Apontamentos finais Tais olhares acima apresentados não são fixos e imutáveis, nem uma essência que marca a subjetividade única de um docente. Isso quer dizer que um professor com olhar inquiridor em uma determinada situação pode, em outro momento, adotar o olhar dispersivo. Aquele educador que, por razões política, decide adotar o não-olhar como postura de vida, pode em outras circunstâncias ter seu olhar modificado. Cumpre sublinhar que as categorias aqui examinadas foram criadas para agrupar os diferentes olhares do professor sobre a televisão no momento da transição do sinal analógico para o sinal digital na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Como se trata de algo dinâmico e processual, o olhar não pode ser contido, aprisionado por determinados conceitos. O intuito de se usar essas categorias era demonstrar como que alguns professores em determinados momentos se aproximavam mais fortemente de um olhar, enquanto outros eram marcados por uma pluralidade de 228


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olhares. No entanto, enfatizamos que o olhar inquiridor foi essa perspectiva que orientou a formação continuada para as potencialidades educativas da televisĂŁo digital. Mesmo aqueles professores que se defendiam o nĂŁo-olhar, ao final da formação, compreenderam a necessidade de olhar cientificamente a televisĂŁo. Assim, pode-se dizer que o trabalho da Seja Digital e da UFMG, voltado para o “chĂŁo da escolaâ€?, acabou por destacar a importância da dimensĂŁo polĂ­tico-cientĂ­fico da escola sobre a sociedade midiĂĄtica. Como diz a professora Shirley: “acho que uma palavra que nĂłs, professores, devemos nos preocupar da TV digital ĂŠ qual o significado desse dito novo para a nossa comunidade escolarâ€?. Em outro comentĂĄrio, temos: “televisĂŁo comporta muito poder concentrado; hĂĄ, nesse negĂłcio, muito interesse empresarial envolvido. Por isso, estudar ou desconfiar da televisĂŁo ĂŠ uma necessidadeâ€? (comentĂĄrio do professor Isaias, da rede estadual).

Quanto Ă dimensĂŁo cientĂ­fica, pode-se concluir que a escola ĂŠ o lugar que a vida ĂŠ problematizada, lugar que se coloca perguntas e nĂŁo apenas de apresentar respostas: Acho que ĂŠ preciso ler com bastante cuidado a chegada dessa nova televisĂŁo. A JHQWH VDEH TXH D SURGXomR WHOHYLVLYD p VHPSUH FDUUHJDGD GH VHQWLGRV GH VLJQLÂżcados, e nĂłs nĂŁo podemos ser ingĂŞnuos frente ao seu poder. Se hĂĄ algo de bom nela, vamos aproveitar, mas sempre com um olhar para o que ela quer em troca desse novo (comentĂĄrio da professora Marta, da rede estadual, Santa Luzia).

É no sentido dessa propriedade cientĂ­fico-investigativa da escola que o processo formativo da Seja Digital/FaE-UFMG se construiu. Ao trazermos o debate da televisĂŁo digital para o “chĂŁo da escolaâ€?, observamos que aquele acontecimento midiĂĄtico do desligamento do sinal analĂłgico de TV e sua migração para o sinal digital sofre a afetação do olhar escolar. Nesse processo, os professores mineiros se dispuseram a discutir com os formadores da Seja Digital/FaE-UFMG qual era a televisĂŁo que estava chegando a Minas Gerais, e como atravessaria os portĂľes da escola, chegando atĂŠ a sala de aula. Na escola, a televisĂŁo foi inquirida, pensada, notada, questionada. Debateu-se, durante as formaçþes, como a escola pode 229


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pautar a prática televisiva estudar sua natureza, a relação com seus públicos, seus modos de produção discursiva e de instauração de dinâmicas de sentidos, de significações, de modos de posicionar e reposicionar os sujeitos nela envolvidos. Este foi o entendimento que os docentes foram alcançando ao longo do processo de formação. Nesse sentido, O Conexões Escolares com TV Digital levou a escola a refletir sobre seu papel singular para o processo de democratização da TV digital, que traz mudanças e expectativas. Por meio desta reflexão, chegouse à conclusão de que o olhar escolar sobre a televisão não se resume em apresentar ou descrever um evento, um produto ou uma programação midiática. O trabalho docente consiste em apreender a dinâmica do fazer televisivo: as produções televisivas não estão prontas, seus objetos devem ser desvelados pelo olhar inquiridor da escola. Assim, além dos conteúdos específicos de cada programação, temos os valores produzidos e reconfigurados, os papéis e modos de ser acionados, as estéticas, as subjetivações e padronizações naturalizadas, as possibilidades educativas. Desse processo formativo da Seja Digital/FaE-UFMG, ficou-nos duas certezas: creditar a escola como um espaço singular de debate sobre a afetação da televisão digital na sociedade brasileira, bem como reconhecer que a escola não é apenas o lugar formal de campos disciplinares, tais como a Ciência, História, Geográfica, Português, Matemática, Artes, Ciências, entre outras. O estabelecimento educativo é, acima de tudo, um lócus de formação humana, em que televisão digital integra as ferramentas pedagógicas necessárias ao processo de construção de conhecimento escolar.

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• Notas • Capítulo 1 1. Durante o planejamento para o switch off, a Anatel dividiu o Brasil em agrupamentos de cidades, também chamado de “clusters”. Posteriormente, foi instituído um cronograma de desligamento para cada cluster, composto, em sua maioria, por regiões metropolitanas brasileiras. 2. A Seja Digital também recebeu como responsabilidade mitigar possíveis interferências no sinal de televisão(através da distribuição de filtros gratuitos), geradas pela implantação da tecnologia 4G na faixa de 700 MHz, executar o remanejamento de canais e encomendar pesquisas para coletar dados sobre o percentual de migração da população para o sinal digital de TV. 3. Também chamado Cluster Belo Horizonte. 4. Araçaí | Baldim | Betim | Brumadinho | Cachoeira da Prata | Caeté | Capim Branco | Confins | Contagem| Esmeraldas | Florestal | Fortuna de Minas | Funilândia | Ibirité | Igarapé | Inhaúma | Itaúna | Jequitibá | Juatuba | Lagoa Santa | Mário Campos | Mateus Leme | Matozinhos | Nova Lima | Pedro Leopoldo | Prudente de Morais | Raposos | Ribeirão das Neves | Rio Acima | Sabará | Santa Luzia | São Joaquim de Bicas | São José da Lapa | São José da Varginha| Sarzedo | Sete Lagoas | Taquaraçu de Minas e Vespasiano. 5. O trabalho da Seja Digital no Cluster Belo Horizonte contou com o apoio de parceiros institucionais dos setores público e privado: as ONGs Ijuci (Diálogos e Mutirões Comunitários), Programando o Futuro (Caravana nos Bairros, Caravana de Instalação e Campanha “O Planeta Somos Nós”), Circ (Caravana nas Escolas) e Fábrica do Futuro (Conexão Juventudes e Registro Audiovisual de Ações de Mobilização); as empresas Civitas (Pontos de Aconselhamento Comunitário e De Porta em Porta), Press Comunicação (Assessoria de Comunicação e Imprensa), Ameixa Produções (Eventos Sociais e Comunitários), Correios (Ponto de Retirada de Kit Gratuito); e as instituições de ensino Universidade Federal de Minhas Gerais (pesquisa e formação de professores para adoção da coleção Conexões Escolares com a TV Digital) e o Centro Federal de Educação Tecnológica (Instalador Amigo). 6. A maioria dessas ações foram inspiradas em projetos experimentados nos agrupamentos Rio Verde e Brasília. 7. Material disponível em <www.sejadigital.com.br/kitpedagogico>. Além dos projetos citados, a Seja Digital apoiou iniciativas de emissoras de televisão parceiras, como a “Patrulha Digital”, mutirão de instalação coordenado por equipes da Rede Globo que levava alunos de escolas técnicas do País em bairros de menor renda, para ajudar a população no processo de migração para a TV digital, esclarecendo dúvidas e ajudando na instalação de antenas e conversores e na sintonização de canais. As ações da Patrulha Digital no Cluster Belo Horizonte contaram com a participação de cem alunos do Senai e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), de técnicos da Globo Minas e de instaladores da Seja Digital. 8. Especialmente oficinas com o apoio do Sebrae que orientaram sobre como se tornar um Microempreendedor Individual. 9. Que despertaram habilidades e valorizaram a potencialidade de jovens em situação de recolocação no mercado. 10. Tudo isso aconteceu com o objetivo principal de “não deixar ninguém para trás”, ou seja, sem acesso ao sinal digital de televisão. 11. Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial 12. Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial – versão brasileira. 13. É importante salientar que a Portaria 3.205, de 28 de novembro de 2014, do Ministério das Comunicações (hoje Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC) prevê a inserção de conteúdos pelas emissoras de televisão aberta. As inserções devem aumentar à medida que se aproxima o desligamento do sinal analógico em determinado agrupamento de cidades: no mês que o procede, devem ser realizadas, por exemplo, ao menos, 18 inserções, seja com tarjas, seja com logomarcas, inclusive em horário nobre. 14. Pontos de Aconselhamento Comunitário.

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15. O Cadastro Único é um banco de dados que reúne informações sobre o perfil socioeconômico das famílias de menor renda, e que possibilita ao governo incluí-las na lista de beneficiários de programas sociais. 16. 1° lugar: Escola Municipal Professora Maria de Lourdes Pereira dos Santos (São José da Lapa – MG) – Pontuação: 79,5 – Quantidade de TVs: 367 – Hashtags da campanha nas redes sociais: 46 / 2° lugar: Escola Estadual do Bairro Riacho da Mata (Sarzeo – MG) - Pontuação: 77,5 – Quantidade de TVs: 260 TVs – Hashtags da campanha nas redes sociais: 258 / 3° lugar: Escola Municipal Josefina Alves Vieira (Vespasiano – MG) Pontuação: 60,5 – Quantidade de TVs: 492 – Hashtags da campanha nas redes sociais: 23 Capítulo 2 17. A telenovela O Bem Amado – baseada na peça de Dias Gome – foi produzida em 1973 e narrava a história da cidade de Sucupira, na qual o político corrupto Odorico Paraguaçu adota como meta de governo inaugurar um novo cemitério. Contudo, por não haver mortes na cidade durante seu período de governo, o político tenta as mais diversas artimanhas para quem alguém morra e ele possa realizar a inauguração a contento. Em 2010, Guel Arraes grava uma versão cinematográfica desta produção, que foi exibida em formato de minissérie na Rede Globo. 18. Para ver mais sobre os mundos da televisão, veja Jost (2004). 19. Wilson Gomes (2018), inclusive, destaca que é uma marca de anacronia se referir a “internet” no mundo atual, pois ela já não tem o mesmo sentido que teve há alguns anos. Hoje as pessoas não “acessam a internet”: elas estão em redes sociais das mais diversas modalidades e já não faz mais sentido pensar num mundo “on” e “offline”. 20. O streaming é uma forma de distribuição de conteúdo digital online no qual não é necessário fazer o download do material para posterior assistência. É possível acessá-lo simultaneamente. Hoje, algumas empresas têm surgido com a proposta de oferecer conteúdo audiovisual por streaming como Netflix, Crakle, HBO Go, Amazon Prime, entre outras. Há também empresas de streaming sonoras, como Spotify, Apple Music, SoundCloud, entre outras. 21. On demand, ou seja, sob demanda, refere-se a um tipo de acesso no qual o público seleciona o produto e o assiste, conforme seu próprio tempo, sem obedecer a uma grade pré-estabelecida de programação. Para Massarolo e Mesquita (2016), “o vídeo sob encomenda representa o futuro da indústria televisiva” (p.1). Capítulo 4 22. Os recortes das falas dos professores e das professoras que utilizaremos neste capítulo foram retirados do caderno de campo dos formadores, das fichas avaliativas realizadas sobre a formação da Seja Digital/ FaE-UFMG e de trabalhos enviados por professores à nossa equipe de formadores. Os nomes dos professores são fictícios, exceto o do professor Marcos, do professor Isaías e da professora Marlúcia, que nos enviaram os seus trabalhos. Também não citamos nomes das escolas, apenas indicamos a rede a qual o professor pertence (Estadual e/ou Municipal). 23. Tal processo formativo já fora descrito nos capítulos anteriores. Mas aqui, reiteramos três eixos fundamentais dessa formação, a saber: ter a escola como uma das parceiras na divulgação deste evento midiático; apresentar à escola a coleção “Conexões Escolares com a TV digital”, um material didáticopedagógico que faz dialogar televisão digital e disciplinas escolares; e por fim, levar a escola a refletir sobre o seu papel no processo de democratização da cultura midiática no Brasil. A formação da Seja Digital/ FaE - UFMG fora proposta para as modalidades educativas: fundamental I e II e EJA. 24. A midiatização é um processo interacional que modifica o modo de conceber a comunicação humana e suas questões. Nesta realidade, as práticas comunicativas do ser humano são combinadas num contexto cultural de uma tecno-interação, literalmente “enredando” indivíduos e instituições. Nesta conjuntura, as mídias, sobretudo digitais, constituem uma ambiência povoada de conexões, pelas quais os indivíduos se dizem, se referenciam, se identificam (Cf. SODRÉ, 2006; KELLNER, 2001; BRAGA, 2008). 25. Nessa aproximação com a escola, a Seja Digital produziu a coleção Conexões Escolares com a TV digital e desenvolveu o projeto “Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital”, com o objetivo de levar e trazer da escola informações, produções e reflexões sobre a televisão digital. Ambos já explicitados nos capítulos anteriores.

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26. Saberes-mosaico, como os chamou A. Moles, por serem feitos de pedaços, de fragmentos, que, no entanto, não impedem os jovens de ter, com frequência, um conhecimento mais atua-lizado em física ou em geografia do que seu próprio professor, o que está acarretando na escola, não uma abertura a esses novos saberes, mas, sim, uma posição defensiva, e a construção de uma ideia negativa e moralista de tudo que a questiona em profundidade, desde o ecossistema comunicativo das mídias e das tecnologias de comunicação e informação” (Martín-Barbero, 2006, p.56-57). 27. É preciso destacar que a midiatização como processo interacional de referência na cultura contemporânea é um processo coberto por lacunas que, juntamente com outros tantos desafios no campo da educação, faz com que a sociedade, a mídia, a escola e os alunos se defrontem nessa transição. (cf. Braga, 2007) 28. Este roteiro está presente no caderno 1: Televisão mais que uma palavra? Da Coleção Conexões Escolares. Capítulo 5 29. Com a transição da TV analógica para a TV digital, os sinais de televisão que ocupam tal espectro são fortemente maximizados, o que reduz conside-ravelmente a necessidade do seu uso espacial. Com isso, abre-se espaço para outras tecnologias, em especial as novas gerações de transmissão de aparelhos celulares, que, por sua vez, são cada vez mais robustos já que agora trafegam não mais só áudio, mas fotos, vídeos, dados, e a qualidade da imagem e a velocidade do recebimento se tornam diferenciais importantes de mercado. Daí o interesse, mundial, das empresas telefônicas no processo da digitalização da TV. 30. As formações foram divididas em dois eixos temáticos: um, tratando da abordagem teórico-formativa, outro, com propostas de oficinas e atividades. A pesquisa foi coordenada pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Ge-rais, da qual também participou, especificamente dessa investigação, uma equipe de pesquisadores do Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA). 31. A nossa equipe de pesquisa era composta por quatro pesquisadores, um professor supervisor e três bolsistas da Faculdade de Educação da UFMG. 32. Tempo de crianças e adolescente assistindo TV aumenta em 10 anos. Blog Criança e Consumo. Disponível em http://criancaeconsumo.org.br/noticias/tempo-diario-de-criancas-e-adolescentes- emfrente-a-tv-aumenta-em-10-anos/. Acesso em 15 fev. 2018. 33. Para maiores detalhes sobre a formação continuada, veja o capítulo 03 – Formação Continuada Conexões Escolares com a TV Digital em foco: a televisão e suas potencialidades educativas. 34. Sobre o lugar ocupado pela TV na atualidade, conferir no capítulo 02, Televisão e vida social: mudanças do contemporâneo. 35. Hammerschmidt, R. Sinta o cheiro dos seus programas favoritos com esta TV japonesa. In: Tecmundo (2013). Disponível em https://www.tecmundo.com.br/tv-interativa/38133-sinta-o-cheiro-dos-seus-programas-favoritos-com-esta-tv-japonesa.htm. Acesso em 17 fev. 2018. 36. Pesquisadores criam dispositivo que emite cheiro pelo aparelho de TV. In: R7 Notícias (2011). Disponível em http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/pesquisadores-criam-dispositivo-queemite-cheiro-pelo-aparelho-de-tv-20110715.html. Acesso em 17 fev. 2018 Capítulo 6 37. Esse trabalho contou com a participação de estudantes de diferentes cursos de graduação em Licenciatura: Alysson Faria Costa e Luciana Lourenço de Souza (História); Claudiana Aparecida Gomes (Letras Espanhol); Erik Ordanve de Morais (Belas Artes);Franz Galvão Piragibe (Letras); Joelma Hemenegilda Sena (Artes Visuais). 38. Sobre a abrangência do projeto da Seja Digital, veja capítulo 1, O Poder das Conexões: Vidas, Vozes, Cotidianos e Educação pela Garantia do Direito à Comunicação Televisiva “nas” Minas Gerais.

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39. O projeto estabelecido em parceria com a Seja Digital, propunha, além dos processos formativos, uma interface com a pesquisa, compreendida como uma dimensão educativa essencial para formação docente. Assim foram realizadas pesquisas por duas instituições de ensino superior: a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG) e o Centro Universitário UNA. 40. No último capítulo do livro, há uma caracterização geral sobre os múltiplos olhares dos docentes sobre a televisão. Capítulo 7 41. Isso porque sou um dos autores da coleção, e o primeiro autor do caderno Materialidades Televisivas. 42. Trata-se da revista Superinteressante, nº 147, de dezembro de 1999. 43. Mas também é possível acessar tais conteúdos pela internet, em sites das principais revistas de divulgação científica do Brasil, geralmente no espaço dedicado ao acervo, ou mesmo encontrá-los nas bibliotecas escolares. 44. Com isso, a virada do ano de 1999 para 2000, para os processadores eletrônicos, seria uma volta ao ano de 1900! Essa falha poderia gerar graves problemas para pessoas e empresas. Imagine um banco calculando juros automaticamente para o passado? Afinal de contas, teriam pensando os informatas que não passaríamos do ano de 1999? Ou foi apenas uma decisão para economizarmos dados nos primitivos computadores? Ou, mesmo, um pouco das duas coisas? 45. Esta velocidade de transmissão de 20 megabytes por segundo é a mesma da maioria dos pacotes de internet de banda larga. Vale lembrar que esta transmissão é em apenas uma via. O canal de televisão envia os dados, mas o usuário não consegue enviar dados para o canal de televisão. 46. Caso você, car@ leitor@, queira saber mais sobre isso, existem alguns tutoriais na internet e também trazemos uma explicação detalhada no caderno Materialidades Televisivas, da coleção Conexões Escolares com a Televisão Digital. O arquivo em PDF está disponível no seguinte endereço: http://sejadigital. com.br/kitpedagogico. 47. Manual do Mundo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8dTuKYaJecc. Acesso em: 26 maio 2018.

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Representante da Seja Digital

Deisy Fernanda Feitosa Jornalista, radialista, professora do Centro UniversitĂĄrio Senac (curso de graduação em Audiovisual), empreendedora social e pĂłs-doutoranda do Programa de PĂłs-Graduação Humanidades, Direitos e OuWUDV /HJLWLPLGDGHV Âą 1~FOHR 'LYHUVLWDV )DFXOGDGH GH )LORVRÂżD /HWUDV H &LrQFLDV +XPDQDV GD 8QLYHUsidade de SĂŁo Paulo). Trabalhou na Seja Digital entre os anos de 2015 e 2018, tendo atuado em Rio Verde (GO) e nos agrupamentos de cidades de BrasĂ­lia e Belo Horizonte, onde idealizou e coordenou projetos voltados Ă mobilização social. É integrante e cofundadora do ObservatĂłrio Brasileiro de TelevisĂŁo Digital e ConvergĂŞncia TecnolĂłgica (vinculado ao LabArteMĂ­dia–CTR–ECA/USP), do coletivo Cidade Adentro e do LaboratĂłrio Urbano Vivo Brasil (LUV)

Professores responsĂĄveis pela pesquisa

Analise de Jesus da Silva Professora associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e doutora em Educação pela UFMG. Realizou pĂłs-doutorado (2016) na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERG). Atuou na educação bĂĄsica na Rede Municipal de Belo Horizonte durante 29 anos. Coordena o NĂşcleo de Educação de Jovens e Adultos da Faculdade de Educação da UFMG e R PHVWUDGR SURÂżVVLRQDO OLQKD (GXFDomR GH -RYHQV H $GXOWRV ClĂĄudio MĂĄrcio MagalhĂŁes Professor, pesquisador e orientador do Programa de PĂłs-graduação em GestĂŁo Social, Educação e Desenvolvimento Local e do Instituto de Comunicação e Artes do Centro UniversitĂĄrio UNA. É fundador, vice-presidente (2000-2008), presidente (2008-2012) e conselheiro eleito da Associação Brasileira de TelevisĂŁo UniversitĂĄria (ABTU), onde ĂŠ o editor responsĂĄvel da revista acadĂŞmica da entidade (Revista ABTU: TV UniversitĂĄria + TV PĂşblica). Doutor em Educação, mestre em Comunicação Social e graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Autor, entre outras publicaçþes, do livro Os programas infantis da TV: teoria e prĂĄtica para entender a televisĂŁo feita para crianças (2007). Cirlene Cristina de Sousa Possui graduação em HistĂłria pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001), mestrado em Comunicação Social e doutorado em Educação tambĂŠm pela Faculdade de Educação da Universidade Federal (2007, 2014). Atualmente, ĂŠ professora efetiva da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e professora de HistĂłria da Rede Estadual Mineira. É pesquisadora do ObservatĂłrio da Juventude (OJ) da FaE/UFMG.

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Heli Sabino de Oliveira Mestre e doutor em Educação pela UFMG. Atuou entre 1995 e 2016 como professor da educação bĂĄsica na Rede Municipal de Belo Horizonte. Professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trabalha, atualmente, no estĂĄgio supervisionado do curso de OLFHQFLDWXUD HP +LVWyULD H OHFLRQD H RULHQWD QR PHVWUDGR SURÂżVVLRQDO QD OLQKD GH (GXFDomR GH -RYHQV e Adultos. Maria JosĂŠ Pinto Flores Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). DouWRUD HP (GXFDomR SHOR 3URJUDPD GH GRXWRUDGR /DWLQR $PHULFDQR 3ROtWLFDV 3~EOLFDV H 3URÂżVVmR Docente, mestre em Educação (2006) e graduada em Pedagogia (2001) pela FaE-UFMG. É especialista em Educação a Distância pelo SENAC-MG (2009).

Alunos bolsistas

Alysson Faria Costa Mestrando junto ao Programa de PĂłs-Graduação em HistĂłria da UFMG (PPGH-UFMG) na linha de HistĂłria e Culturas PolĂ­ticas. É graduado em HistĂłria pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011) e estuda Letras na Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente ĂŠ professor de Educação BĂĄsica em Belo Horizonte. Carlos Renato da Silva Graduado em Serviço Social pelo Centro UniversitĂĄrio UNA (2011) e em Pedagogia pela UFMG (2018). Pesquisa prĂĄticas de leitura de literatura digital e digitalizada entre leitores jovens. Carolina Aparecida de Sena Graduada em Pedagogia pela UFMG e pĂłs-graduada em Atendimento Educacional Especializado (AEE) pelo Instituto PedagĂłgico Brasileiro (IPB). Possui experiĂŞncia em regĂŞncia de anos iniciais no ensino fundamental, EJA, alfabetização e supervisĂŁo pedagĂłgica. Claudiana Aparecida Gomes Licencianda em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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Erik Ordanve de Morais Licenciando em Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais. Franz GalvĂŁo Piragibe Graduado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (2016) e mestrando em Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ministrou aulas nos ensinos fundamental, mĂŠdio e superior nas redes da Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais, Secretaria Municipal de Belo Horizonte e Secretaria Municipal de Educação, Esporte, Lazer e Cultura de RibeirĂŁo das Neves. Atuou tambĂŠm em projetos de formação popular. Luciana Lourenço de Souza Licenciada em HistĂłria pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atua como professora de HistĂłria do HQVLQR IXQGDPHQWDO DQRV ÂżQDLV QD 5HGH 0XQLFLSDO GH 6DEDUi OtĂĄvio Pereira Camargo Graduando em Pedagogia e estagiĂĄrio do NĂşcleo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo, da Universidade Federal de Minas Gerais (NEPCampo – FaE/UFMG).

Colaboradores da pesquisa

ClĂĄudia Chaves Fonseca ClĂĄudia Chaves Fonseca ĂŠ doutora (2017) em Educação pela PUC Minas, mestre (2001) em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bacharel em Jornalismo pela UFMG (2017). É professora universitĂĄria e pesquisadora nas ĂĄreas de Teoria da Comunicação, SemiĂłtica, (GXFDomR &RPSDUDGD H )LORVRÂżD GD (GXFDomR Denise Figueiredo Barros do Prado Professora de Jornalismo na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e do Programa de PĂłs-Graduação em Comunicação da mesma Universidade. É graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007) e doutora em Comunicação Social pelo PPGCOM da UFMG (2012). Na pĂłs-graduação, foi efetuada a sua progressĂŁo do mestrado para o doutorado em 2009. Realizou estĂĄgio doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), em Sociologie des MĂŠdias (2010/2011). É pesquisadora do GIRO (Grupo de Pesquisa em MĂ­dia e Interaçþes Sociais da UFOP) e coordenadora do NĂşcleo de Estudos CultMĂ­dia – Comunicação e Culturas MidiĂĄticas. Desenvolve sua pesquisa nas ĂĄreas de Comunicação Audiovisual, Cultura, Processos Sociais e Sociabilidade Contemporânea.

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3HVTXLVDGRUHV H PLQLVWUDQWHV GD IRUPDomR &RQH[}HV (VFRODUHV FRP D 79 'LJLWDO Aline Neves Rodrigues Alves *UDGXDGD HP *HRJUDÂżD OLFHQFLDWXUD SHOD 8QLYHUVLGDGH )HGHUDO GH 0LQDV *HUDLV 8)0* H PHVWUH em Educação pela Faculdade de Educação (FaE/UFMG). Integrante do NĂşcleo de Estudos e PesquiVDV VREUH 5HODo}HV 5DFLDLV H $o}HV $ÂżUPDWLYDV 1(5$ &134 H GR *UXSR GH (VWXGRV ,QWHUGLVFLSOLQDU Quilombola do ObservatĂłrio de Educação Escolar Quilombola e IndĂ­gena (GEIQ-OBEDUC). É professora da Rede Municipal de Belo Horizonte. Atuou como professora formadora do curso semipresencial de Atualização EJA e Juventude Viva (JUVIVA - MEC/UFMG). Foi tutora do curso semipresencial de especialização em PolĂ­ticas de Promoção da Igualdade Racial (EPPIR/UFMG) e foi coordenadora do Projeto Ciclo Permanente de Estudos e Debates sobre a Educação BĂĄsica (SIEX-UFMG), que realiza formação de docentes e discentes na perspectiva da Educação para Relaçþes Étnico-Raciais em escolas pĂşblicas. Atualmente, participa do projeto AnĂĄlise e Sistematização dos Laudos AntropolĂłgicos das Comunidades Quilombolas do Brasil (Linguagem PĂşblica – OJB – NUQ e CERBRAS / UFMG) Daniel Batista Flores Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Gerente em Planejamento Educacional da Secretaria Municipal de Educação de Minas Gerais. JoĂŁo Paulo Mariano Domingues Mestre em Educação: Conhecimento e InclusĂŁo Social pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG) e pedagogo com ĂŞnfase em CiĂŞncia da Educação (2016) pela mesma universidade. É membro do ObservatĂłrio da Juventude da FaE/UFMG.

Ludmila Gomides Freitas Possui bacharelado em HistĂłria (2001) e mestrado em HistĂłria Cultural (2006) pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e doutorado (2014) em HistĂłria Social pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Entre 2014 e 2016 desenvolveu pesquisa de pĂłs-doutorado (com bolsa PNPD) no ,QVWLWXWR GH )LORVRÂżD GD 8QLYHUVLGDGH )HGHUDO GH 8EHUOkQGLD 8)8 QD iUHD GH )LORVRÂżD GD (GXFDomR Atualmente, ĂŠ professora do Departamento de HistĂłria da Universidade Estadual de Minas Gerais – Unidade DivinĂłpolis (UEMG). Marcelo Dias Professor de CiĂŞncias na Rede Municipal de Belo Horizonte desde 2013, trabalhando com estudantes do ensino fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Licenciado em CiĂŞncias BiolĂłgicas, possui mestrado em Fisiologia e cursa mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Selvagem. Realiza pesquisa de doutorado pelo programa de Antropologia e Arqueologia, todos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trabalhou na Rede Jovem de Cidadania nos anos 2000, realizando produçþes audiovisuais, uma delas premiada como segunda melhor produção jovem do Mercosul, no ano de 2005.

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Marcos Antônio Silva Possui graduação (bacharelado e licenciatura) em Ciências Sociais (2011) e mestrado (2016) em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. É aluno de doutorado da Faculdade de Educação da UFMG, professor da Rede Estadual de Ensino, integrante do Observatório da Juventude da FaE/ UFMG (OJ) e atua na produção de eventos e formação de agentes culturais na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Shirley Santos Oliveira Graduada em Letras (Português e Inglês) pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). É professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira/Portuguesa nas redes estadual e privada do Estado de Minas Gerais.

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