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3.3 Maracatu Cearense: ressonâncias de um “patrimônio cultural” em Fortaleza

3.3 Maracatu Cearense:

ressonâncias de um “Patrimônio Cultural” em Fortaleza

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Atualmente, existem alguns exemplos que evidenciam o já reconhecimento do Maracatu Cearense como uma manifestação cultural importante para as memórias e identidades culturais do Ceará, cujo lugar de destaque é o da sua capital, Fortaleza. Comecemos a apresentar esses exemplos a partir de uma instituição cuja função, entre outras, é a da constituição de uma memória coletiva, meio importante para a consolidação de identidades culturais, isto é: os museus públicos. No caso, trata-se do Museu Histórico do Ceará, doravante Museu do Ceará. Localizado no centro histórico da cidade de Fortaleza, o Museu do Ceará guarda e expõe uma coleção variada de objetos que, de certa forma, buscam representar e criar um sentido para a formação, desenvolvimento e atual estágio daquela sociedade. No seu espaço, estão dispostos aos visitantes, por exemplo, artefatos arqueológicos das populações indígenas que habitaram (e habitam em alguns casos) a região; arquivos de personalidades do Estado; um bode embalsamado, que no início do século XX se tornou um “personagem” admirado e respeitado na região central da cidade; as vestes características e outros objetos do Padre Cícero, uma das personalidades mais conhecidas do Ceará; a mesa onde foi assinada a abolição da escravidão no Estado, cinco anos antes da abolição nacional, e tantos outros objetos. Juntamente com esses bens museográficos, também estão expostos no Museu do Ceará, para o que nos interessa, dois bens representativos do Maracatu Cearense: um vestido de rainha e uma boneca calunga15. A presença de objetos que representam o Maracatu Cearense entre tantos outros que buscam constituir uma memória e identidade do Estado por meio do Museu do Ceará é uma evidência inconteste de que essa manifestação cultural passou a ser reconhecida e usada pelo poder público, pela história oficial do Estado, como parte da sua memória coletiva; símbolo da identidade cultural cearense. Outro marco importante e que sublinha o já reconheci- mento do Maracatu Cearense como manifestação cultural importante na vida social e cultural da sociedade fortalezense foi a instituição do dia 25 de março como Dia do Maracatu. Daí, constata-se que há três décadas o Maracatu Cearense já integra o calendário festivo da cidade de Fortaleza. Outro aspecto simbólico desse fato é que 25 de março é o dia em que se comemora a abolição da escravidão negra no Estado do Ceará, libertação que se deu, como é sabido, cinco anos antes da abolição em âmbito nacional. Observa-se, ainda, que a partir do ano 2011, por força da Emenda Constitucional nº 72, o dia 25 de março também foi instituído como feriado estadual no Ceará.

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Importa observar que, para nossa surpresa, este foi um exemplo encontrado, por acaso, em uma visita típica de um turista aprendiz na referida instituição.

Maracatu Cearense: ressonâncias de um “Patrimônio Cultural” em Fortaleza

Integrado à comemoração do dia 25 de março como Dia do Maracatu Cearense, a Prefeitura de Fortaleza iniciou, em 2013, uma ação extensiva que celebra todo dia 25 como dia de Maracatu (Souza, 2014). Assim, a cada dia 25, um grupo de Maracatu de Fortaleza realiza, em locais estratégicos da cidade, geralmente pontos de grande circulação ou lugares simbólicos, uma apresentação cultural que visa promover a manifestação cultural. Essa ação, que tem sido intitulada Dia 25 é dia de Maracatu, é mais uma evidência do reconhecimento e, de certa forma, apropriação, por parte do poder público municipal, do Maracatu Cearense como parte da memória e identidade coletiva da sociedade fortalezense. Outro encontro por acaso que, também para a nossa surpresa, fundamenta a argumentação tecida nesta seção é a presença do Maracatu Cearense em um vídeo que faz parte de um ambiente montado no aeroporto internacional de Fortaleza destinado aos turistas. Com a temática conheça as belezas do Ceará, juntamente com cenas das belas praias do Estado, de pontos turísticos da capital como, por exemplo, o Espaço Cultural Dragão do Mar, a praia do Futuro, a orla marítima da praia de Iracema e outros cartões postais, também é apresentado o Maracatu Cearense como uma das “belezas” do Estado. A existência de uma série de iniciativas que evidenciam a presença do Maracatu Cearense nas ações oficiais do Estado e da Prefeitura de Fortaleza fornece elementos importantes para o reconhecimento dessa manifestação cultural como Patrimônio Cultural de Fortaleza. Com isso, buscamos sublinhar também que já existe toda uma conjuntura ou intenção deliberada dos poderes públicos em tela, sobretudo o municipal, em patrimonializar o Maracatu Cearense. Assim, a elevação formal da manifestação a “Patrimônio Cultural de Fortaleza” e sua inscrição no respectivo Livro de Registro seria apenas o corolário de uma intenção já pré-estabelecida. Para finalizar esta seção, gostaríamos de tecer breve observação sobre as ressonâncias do Maracatu Cearense para além dos detentores e brincantes de uma forma geral (fato axiomático) e dos poderes públicos estadual e municipal de Fortaleza. Para ficar mais claro, buscaremos dar indícios sobre as ressonâncias da manifestação cultural na sociedade envolvente, isto é, no seu público “externo”. Este não foi um dado possível de ser alcançado pela pesquisa que subsidiou a realização deste produto, mas encontram-se algumas referências sobre, na pesquisa realizada por Cruz (2013) na sua tese de doutorado. Os dados a serem apresentados são referentes ao Carnaval do ano 2011. Valendo-se de uma ampla pesquisa qualitativa realizada por meio de questionários estruturados e “aplicados em diversos espaços da Avenida Domingos Olímpio”, Cruz (2013, p. 178) obteve resultados importantes para

uma compreensão a respeito da relação entre o Maracatu Cearense enquanto manifestação cultural carnavalesca e o público apreciador da festa. Segundo nos informa a autora: principal motivação assistir aos Maracatus É extremamente significativo constatar que basicamente 50% das pessoas que estavam no local naquele ano de 2011 tinham como motivação principal assistir aos Maracatus. Isto é, sem dúvida, um dado revelador da ressonância do Maracatu Cearense no seio da sociedade fortalezense. Outra constatação positiva é o alto percentual familiar do público que lá estava, algo nem sempre frequente no mundo dos carnavais na atualidade, predominantemente marcado por um público mais jovem ou menos familiar. Ainda segundo Cruz (2013, p. 178), do total dos entrevistados, “41,6% tinham faixa etária entre 30 e 49 anos”. Complementando a argumentação acima e dotando ainda mais de significado o percentual de quase 50% dos apreciadores da festa estarem lá para ver os Maracatus, Cruz (2013) faz esta importante observação: participantes dos grupos de Maracatu Como é sabido e foi apresentado nos capítulos anteriores, internamente, os grupos de Maracatus possuem laços familiares fortes e imprescindíveis para a realização da manifestação cultural: em alguns casos, família sanguínea propriamente dita; em outros, família afetiva construída no e para o Maracatu. Se o Maracatu Cearense já possui uma representatividade considerável na sociedade fortalezense devido às suas características próprias, isto é, são quinze grupos com um número de brincantes que somam, em alguns Maracatus e em determinados momentos, trezentas pessoas na avenida16, o fato de 60,2% do público “externo” não possuírem “qualquer laço afetivo com os participantes dos grupos de Maracatu” adensa ainda mais a sua representatividade na sociedade fortalezense. Se não possuem laços afetivos com os brincantes, indubitavelmente

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Este foi um dado informado durante esta pesquisa pelo Maracatu Vozes D’África.

Maracatu Cearense: ressonâncias de um “Patrimônio Cultural” em Fortaleza

possuem com a manifestação cultural. Não temos dados para a seguinte afirmativa, mas arriscaríamos dizer que dificilmente outra manifestação cultural no mundo das ditas culturas populares possuem ressonância tão significativa para a sociedade fortalezense como é possível perceber no Maracatu Cearense. Como tem apontado José Reginaldo Santos Gonçalves em importantes e originais contribuições para os estudos dos patrimônios culturais, a necessidade de encontrar “ressonância” junto a seu público é um requisito importante para esses bens culturais serem considerados como tais; ao mesmo tempo, é um dos limites do patrimônio. Nesse sentido, não basta a vontade do Estado ou do mercado em “criar” patrimônios de acordo com seus respectivos interesses, pois é preciso que esses bens encontrem ressonâncias no seu público e sejam legitimados pela sociedade. De ambos os lados, tanto da parte do poder público quanto da sociedade fortalezense, verifica-se que o Maracatu Cearense possui os requisitos necessários para ser consagrado como Patrimônio Cultural de Fortaleza, o que o torna, daí por diante, merecedor de ações qualificadas para sua salvaguarda. Importa sublinhar, por fim, ainda segundo orientações de importantes estudiosos da área, que essas ações devem ser idealizadas, implementadas e avaliadas, segundo orientações e voz ativa dos detentores da manifestação cultural (ARANTES NETO, 2004).

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