Jornal da SBDOF - número 3

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JORNAL da Volume I | NĂşmero III Abril | Maio | Junho de 2016

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O Jornal da SBDOF é um informativo da Sociedade Brasileira de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial (SBDOF). Os textos assinados e aqui publicados representam a opinião dos respectivos autores e não a posição oficial da Sociedade.

Diretoria da SBDOF – Biênio 2015 – 2017 Presidente: João Henrique Padula Vice-presidente: Paulo Afonso Cuneli Secretária: Liete Figueiredo Zwir Tesoureiro: Rodrigo Estevão Teixeira Comissão de Educação e Pesquisa: Paulo César Rodrigues Conti Comissão de Saúde Pública: Roberto Pedras Comitê de Projetos: Simone Carrara Comissão de Comunicação: Juliana Stuginski Barbosa e Rodrigo Wendel Comitê de Divulgação ao Leigo: Adriana Lira Ortega Editor do Jornal da SBDOF: Reynaldo Leite Martins Júnior Diagramação: Time Comunicação Foto capa: Reynaldo Leite Martins Junior

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FALA PRESIDENTE Prezados, caminhamos para a terceira edição do nosso jornal. Nessa terceira edição, temos as colunas fixas já esperadas por muitos de vocês e também a entrevista com o Professor Antoon de Laat que estará presente nos dias 20 e 21 de maio, em Curitiba, para responder outras perguntas, em mais um evento satélite da SBDOF que conta com excelente conteúdo. Não percam ! Nosso novo site já está no ar. Aproveitem para divulgá-lo aos colegas e aos pacientes. Parabéns a toda equipe de comunicação ! A comissão de ensino e pesquisa, irá elaborar um conteúdo programático para a disciplina de DTM e dor orofacial, a fim de orientar sua inserção na grade acadêmica de graduação na área de Odontologia. Nesse sentido convocamos os sócios que são professores universitários e têm experiência nesta área, a auxiliarem na construção deste conteúdo e da carga horária. Desde a fundação da SBDOF, após a formação da comissão de saúde pública, temos insistido junto à coordenação de saúde bucal do governo federal para inclusão da nossa especialidade no Sistema Único de Saúde. O principal objetivo é incluir nossos documentos regulatórios no manual do programa Brasil Sorridente. Esse manual regula a atenção primária de atendimento. Entre outras ações, a sociedade através de suas comissões de ensino e de saúde pública , pretende ainda elaborar uma “capacitação” aos dentistas da atenção primária. Isso será de suma importância para a SBDOF que poderá orientar esse atendimento governamental realizado pelo SUS em todo o país. Por fim, anotem na agenda: o nosso III congresso será realizado nos dias 02 e 03 de junho de 2017, no Maksoud Plaza, em São Paulo-SP. Vamos em frente. João Henrique Padula é especialista em DTM e Dor Orofacial, membro fundador e atual Presidente SBDOF

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FALA SÓCIO - OPINIÃO João Macêdo Doutor em Laser em Odontologia (UFBA/UFPB). Mestre e Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais (Paris- França). Especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial – (CFO). Membro da SBDOF e SBTI.

BRUXISMO: Toxina “ou” Placa? E porque não Toxina “e/ou” Placa?

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bruxismo, que corresponde a uma alteração caracterizada pelo ranger ou apertar dos dentes, pode ser classificado como: do sono (que ocorre durante o sono), ou da vigília (ocorre durante o período acordado); excêntrico (quando range os dentes) ou cêntrico (quando aperta os dentes); primário (sem causa aparente) e secundário (ocorre conseqüente à outras alterações clínicas, podendo destacar como principais: doença de Parkinson, síndrome da apneia obstrutiva do sono, devido ao uso algumas medicações inibidoras seletivas da recaptação da serotonina, como a paroxetina, sertralina, fluoxetina e venlafaxina). A toxina botulínica é uma proteína produzida por uma bactéria chamada Clostridium botulinum, que produz toxina dos tipos: A, B, C, D, E, F e G, sendo que a utilizada normalmente nos pacientes é a toxina botulínica do tipo A (TBA). Sua primeira utilização

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em humanos foi em 1980, por Scott, em casos de estrabismo. Segundo Francisco, Tan e Green (2012) e Dutt, Rammani, Thakur e Pandit (2015) a TBA atuaria: 1) Clivando proteína de ligação na terminação axônica da placa motora, gerando relaxamento da musculatura estriada esquelética; 2) Bloqueando a secreção das glândulas sudoríparas e salivares; 3) Inibindo a liberação de neurotransmissores da dor, como CGRP, substância P e glutamato, tanto em caso de sensibilização periférica como central. Devido à sua ação de relaxamento da musculatura esquelética a TBA pode ser um meio terapêutico para o bruxismo primário. Placa miorrelaxante e a TBA são dois meios terapêuticos que fazem parte de um rol com alguns outros meios, que podem ser utilizados no tratamento do Bruxismo, sendo que ambos têm suas vantagens e desvantagens, podendo destacar:


1. A placa não é invasiva. A aplicação da TBA é um procedimento minimamente invasivo, com realização de poucas perfurações com agulha de insulina (30G) antecedida pelo uso de vários métodos de analgesia tópica. 2. Tanto a placa como a TBA são reversíveis. Segundo a literatura (Paiva, 1999) a TBA é reversível, inicialmente a terminação axônica fica inativada, a contração muscular que volta acontecer é resultado da neuroplasticidade: depois que a liberação da acetilcolina pelo neurônio é bloqueada pela toxina, uma nova terminação axônica é formada para suprir a ausência da primeira. Porém a primeira volta a funcionar e a nova entra em degeneração. Ocorrendo este processo a cada aplicação. 3. A toxina atua tanto no bruxismo do sono como da vigília, enquanto a placa atua apenas no bruxismo do sono, já que a placa miorrelaxante deve ser utilizada normalmente, ao dormir. 4. A TBA diminui a força na função, sabendo que esta diminuição é dose/dependente, ou seja, quanto maior a dose maior esta diminuição. Pode ser benéfica em casos de pacientes com hipertrofia dos músculos masseteres e/ou temporais. Portanto, o profissional que a utiliza tem de ter experiência na sua utilização. A placa não diminui a força na função nem quando se necessitaria. 5. Tanto a placa como a TBA evitam desgastes dentários. O músculo agonista no movimento de lateralidade é pterigóideo lateral inferior (não tendo indicação de infiltração de toxina em caso de bruxismo), é ele quem movimenta a mandíbula para frente e para baixo, e não para cima. O maior atrito gerando maior desgaste dentário é realizado durante o bruxismo pela contração dos músculos temporais e masseteres, que são submetidos aplicação da TBA. 6. Tanto a placa como a TBA apresentam contraindicações. A TBA têm contraindicações absolutas: alergia a qualquer componente do medicamento (toxina tipo A, albumina humana, etc.), pacientes grávidas ou amamentando ou com idade abaixo de 02 anos, aplicação em local infectado e em pacientes com doenças neuromusculares (Síndrome de Lambert-Eaton, Esclerose amiotrófica lateral, Esclerose múltipla, Miastenia grave e Síndrome de GuillainBarré) e como contraindicações relativas: pacientes dismórficos ou fazendo uso de antibióticos aminoglicosídeos, penicilamina e ciclosporina. A placa apresenta contraindicações: pacientes com poucas unidades dentárias, deficientes mentais, portadores de próteses totais, pacientes fazendo uso de aparelho intraorais (ortodônticos ou para apneia do sono), pacientes em fase de crescimento. Contraindicações estas da placa miorrelaxante que se pode utilizar a TBA. 7. Tanto a placa como a TBA apresentam efeitos adversos. Os da TBA quando aplicada nos masseteres e/ou temporais, são: atrofia muscular, fadiga ao mastigar, diminuição da amplitude do sorriso e osteogenia. Efeitos que são dose-dependentes, ou seja, se colocar doses elevadas maior possibilidade e são temporários. A atrofia muscular normalmente é uma opção terapêutica escolhida pelo profissional e pelo paciente em casos de hipertrofia dos masseteres e/ou temporais. A diminuição da amplitude do sorriso e devido ao grande relaxamento do masseter fazendo com que o risório tenha redução de sua ancoragem (a origem do risório é na fáscia do masseter). A literatura demonstra (Warner et al.,2006; Rafferty et al., 2012 e Darbois et al., 2015) que osteopenia corresponde à diminuicao da densidade óssea medular e não cortical, ou seja, não se perde altura de ramo por exemplo, que já é conhecida há anos na área de ortopedia (imobilização gera atrofia muscular que gera diminuição da calcificação), que é temporária, não significando que esta diminuição seja patológica e que a maior calcificação seja o ideal. Como efeitos adversos da placa têm: odontalgia duradoura, piora da dor, movimentações dentárias, conseqüências de placas mal-ajustadas. Portanto, quem vai oferecer placa e/ou TBA aos seus pacientes tem de ter conhecimento no método terapêutico proposto. 8. Tanto a toxina botulínica quanto a placa miorrelaxante são métodos terapêuticos que diminuem ou evitam uso de medicações orais, minimizando os efeitos colaterais existentes em várias destas medicações.

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Sabe-se que não há artigos com altas evidências científicas subsidiando o uso da toxina botulínica em casos de bruxismo, mas tudo que é utilizado em casos de bruxismo tem altas evidências científicas? Não conseguiram nem definir a etiologia do bruxismo primário. Em minha opinião, a TBA não deve ser indicada para substituir a placa miorrelaxante, são indicadas muitas vezes para o uso concomitante (casos que mesmo com o uso da placa miorrelaxante o paciente continua com bruxismo), ou somente a TBA (casos que a placa está contraindicada). A TBA é mais uma forma terapêutica que se pode utilizar como tratamento para o bruxismo, e independente da forma terapêutica escolhida, o profissional tem de ter conhecimento sobre o método utilizado. Nós que atuamos na área, não devemos pensar que temos de escolher entre a Toxina “ou” a Placa, e sim pensar na possibilidade de ser Toxina “e/ou” Placa.

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O QUE ESTOU ESTUDANDO Por Liete Maria Liarte Figueiredo Zwir ou formada em Odontologia pela Universidade de São Paulo (USP). Sou odontopediatra e especialista em disfunção temporomandibular e dor orofacial. Durante a especialização, pela influência e orientação do professor Antônio Sérgio Guimarães, comecei a estudar o envolvimento da articulação temporomandibular (ATM) nas doenças reumáticas.

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No mestrado estudei o envolvimento da ATM na Artrite Reumatóide (AR). Para isto avaliamos por meio de exame clínico e imagem de ressonância magnética (IRM) a ATM de pacientes com AR com tempo de diagnóstico da doença inferior a 5 anos. Naquela época se achava que a ATM raramente estaria envolvida pela AR e que este envolvimento ocorreria de forma tardia no curso da doença. Por causa desta informação meus orientadores, professor Daniel Feldman da Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e professor Antônio Sérgio Guimarães, acharam interessante estudarmos o envolvimento precoce desta articulação. Qual não foi nossa surpresa ao encontrarmos um grande número de articulações assintomáticas com processos erosivos importantes instalados e com alterações ósseas sugestivas de processos degenerativos, sugerindo um envolvimento precoce da ATM. No doutorado foi a vez de direcionar a pesquisa para a minha paixão: odontopediatria! Com a orientação das professoras Maria Odete Hilário e Maria Teresa Terreri estudamos de forma longitudinal, por meio de exame clínico, IRM com contraste e ultrassonografia, o envolvimento da ATM em pacientes pediátricos com Artrite Idiopática Juvenil (AIJ). Novamente encontramos (e agora de acordo com a literatura vigente e usando o método padrão de referência para o diagnóstico) um número muito grande de articulações assintomáticas envolvidas mesmo em crianças com a doença inativa. Por causa desta alta frequência de envolvimento, com a colaboração e orientação dos professores Soraia Ale Souza e Artur Fernandes da Disciplina de Imagem da UNIFESP, desenvolvemos um método de quantificação da presença de realce sinovial na ATM destes pacientes. Este método de quantificação nos auxiliou na associação entre alguns parâmetros clínicos e achados de imagem.

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O diagnóstico precoce da artrite na ATM é muito importante em indivíduos em crescimento e desenvolvimento por causa da localização superficial da principal zona de crescimento da mandíbula. Isto a torna muito susceptível às alterações inflamatórias e degenerativas que ocorrem no espaço articular, e pode levar a graves distúrbios de crescimento mandibular. Agora estamos estudando junto com a reumatologista pediatra Dra. Melissa Fraga e os professores Maria Teresa Terreri e Cláudio Len os pacientes com queixas e alterações funcionais na região orofacial acompanhados no Ambulatório de Dor do setor de Reumatologia Pediátrica. Estamos avaliando nos pacientes com dor musculoesquelética idiopática (fibromialgia, síndrome da amplificação dolorosa e dor em membros) as possíveis apresentações clínicas orofaciais e suas associações com outras dores.


do tratamento conservador para DTM em crianças e adolescentes? e 4-Qual o percentual de aderência ao tratamento conservador nesta faixa etária? Ainda, atualmente, junto com a professora Vera Lúcia Mestre Rosa, estamos avaliando as imagens de radiografias panorâmicas dos pacientes com AIJ e comparando com radiografias panorâmicas de crianças e adolescentes sem doenças reumáticas pareados por gênero e idade. O objetivo deste estudo é estabelecer parâmetros neste tipo de imagem que possam servir como ferramenta inicial para a indicação de uma avaliação mais detalhada da ATM destes pacientes. E isto é só o começo....

Estamos também implementando, junto com as fisioterapeutas da equipe multiprofissional do Ambulatório de Reumatologia Pediátrica, uma série de exercícios mandibulares com o objetivo de manter/ aumentar a amplitude dos movimentos da mandíbula em pacientes pediátricos com esclerose sistêmica. A avaliação da eficácia destes exercícios a longo prazo nos permitirá o acréscimo desta sequência no arsenal terapêutico destes pacientes. No Ambulatório de Disfunção Temporomandibular (DTM) e Dor Orofacial (DOF) do Hospital São Paulo -EPM- UNIFESP, coordenado pelo professor Antônio Sérgio Guimarães, recebemos e tratamos pacientes pediátricos encaminhados pelo SUS e outros ambulatórios, com queixas na região orofacial. Sob a orientação da professora Adriana Lira Ortega e com a colaboração da nossa equipe (professoras Carmen Hoyuela, Elaine Porto, Monique Sanches, Thatiana Bastos Guimarães e Vera Lúcia Mestre Rosa) estamos engajadas num amplo projeto com o objetivo de responder algumas perguntas pertinentes ao estudo de DTM no segmento pediátrico: 1-O que faz crianças e adolescentes procurar tratamento para DTM? 2-Quais os diagnósticos musculares e articulares mais frequentes nesta faixa etária? 3-Qual a efetividade

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ENSINO E PESQUISA

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incorporação do ensino de DTM e Dores Orofaciais nos cursos de Graduação em Odontologia, preferencialmente por meio de disciplinas próprias, tem sido uma batalha de nossa Comissão desde o início da atual gestão. Este é um passo de extrema importância dentro do contexto de informação, formação e disseminação de nossa área. Baseado no fato de que somos uma especialidade, o ensino da DTM deveria ser obrigatório, logicamente dentro das limitações impostas pela formação de um clínico generalista, com atuação em diversas áreas. Este tópico é, talvez, o que mais nos faz refletir: qual o nível de ensino a ser oferecido a alunos de graduação numa área que é altamente guiada por conhecimentos cada vez mais aprofundados de fisiologia, neurologia, farmacologia, entre tantos outros? Deveríamos nos limitar a ensinar as dores musculoesqueléticas, ou abrangermos para todas as manifestações das dores orofaciais não odontogênicas? Para nos ajudar a iniciar uma ampla discussão a respeito destes tópicos, a Comissão de Ensino e Pesquisa enviou comunicado aos sócios, especialmente aqueles envolvidos com o ensino de Graduação em Odontologia, questionando sobre os currículos que estão sendo ministrados nas disciplinas de Graduação em suas Faculdades. Recebemos algumas manifestações, as quais agradecemos imensamente, sendo que estamos agora compilando tais informações a fim de estabelecermos um documento único a ser apresentado e discutido com os sócios por meio digital e presencial. Esperamos que em breve tenhamos uma proposta que seja condizente com a atualidade do ensino odontológico em nosso País. Uma proposta realista que reflita toda a transição do mecanicismo para uma abordagem biopsicossocial, e que reflita toda a mudança de mentalidade que experimentamos nos últimos anos, podendo produzir profissionais de saúde comprometidos com um dos maiores desafios de nossos tempos: o alívio da dor e do sofrimento. Um abraço a todos e até a próxima!!!!!!!

Paulo C. R. Conti

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SAÚDE PÚBLICA

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Dr. Roberto Pedras e a Dra. Ana Pitchon, Coordenadora de Saúde Bucal da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte (SMS-PBH), estabeleceram uma parceria entre a SBDOF e a Coordenação de Saúde Pública da SMS-PBH, para a elaboração do Protocolo de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial da SMS-PBH. O documento tem como objetivo orientar a implantação da especialidade nos centros de saúde do município. Devido à esta política de implantação, a PBH promoveu concurso público para especialista em DTM e DOF em maio de 2015, que classificou 05 especialistas para trabalharem nos Centros de Especialidades Odontológicas.

Coordenadores de Saúde Bucal da microrregional de Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte, se encontraram com o Dr. Roberto Pedras para discutir a implantação da especialidade de DTM e DOF na região. A reunião foi promovida pela Comissão de Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial (SBDOF) e pelo CROMG. Foi discutida a necessidade da capacitação dos cirurgiões-dentistas da atenção primária e a elaboração de um protocolo, para o atendimento dos pacientes com DTM e/ou dores orofaciais. Estiveram presentes as cirurgiãs-dentistas Dra. Denise Sales, Dra. Wilcinéia de Carvalho, Dra. Débora Magalhães, Dra. Angélica Cupertino, Coordenadoras de Saúde Bucal dos municípios de Confins, São José da Lapa, Lagoa Santa e Matozinhos. Além da Dra. Gláucia Maria da Cruz, Coordenadora da Atenção Primária do município de São José da Lapa. Roberto Pedras Coordenador da Comissão de Saúde Publica

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SBDOF ENTREVISTA

este volume, a SBDOF entrevista o Professor Antoon de Laat, é Phd em Periodontia, Dor Orofacial e DTM; professor e coordenador do departamento de ciências da saúde bucal da Universidade Católica de Leuven (UK Leuven), Bélgica. Sua linha de pesquisa é direcionada para dor e disfunção do sistema mastigatório, bruxismo, diagnóstico e tratamento, teste sensorial quantitativo e dor orofacial. Ele estará nos dias 20 e 21 de Maio no II Encontro Paranaense da Sociedade Brasileira de DTM e Dor Orofacial em Curitiba.

SBDOF: Você poderia nos contar um pouco sobre sua carreira em Odontologia e, especificamente, o seu envolvimento posterior na área de DTM / DOF ? Eu me graduei em Odontologia em 1980 na Universidade de Leuven e decidi atuar como Clinico Geral e ao mesmo tempo especializar-me em Periodontia onde, pesquisando sobre fisiologia oral, eu me interessei sobre o tema dor e disfunção. Após a conclusão de meu PhD, visitei vários centros ao redor do mundo para aprender mais sobre o tratamento desses pacientes. Então, comecei a atender pacientes no hospital universitário de Leuven enquanto continuava envolvido com pesquisa e ensino, além de atuar em organizações internacionais. Após atuar por um tempo como professor em período parcial, no ano de 1999 assumi a atividade acadêmica em tempo integral. Durante minha carreira como professor, pesquisador e clínico atuando exclusivamente

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na área de dor e disfunção me envolvi com várias organizações internacionais como as Academias de Dor Orofacial, a IASP, a IADR e a Sociedade de Fisiologia Oral. Também fui presidente da Sociedade Belga de Dor e durante este período ajudei a definir os fundamentos de atuação multidisciplinar das clínicas de dor na Bélgica. Como resultado dessas atividades, pude viajar por todo o mundo, dividindo conhecimento e experiência, e construí amizade sincera com muitos, muitos mesmo, colegas nessa área. SBDOF: Como é a área de DTM/DOF na Bélgica? É uma especialidade odontológica? É uma disciplina específica na Faculdade de Odontologia ou seu conteúdo é incluso em outra disciplina? Na Bélgica existem apenas três especialidades odontológicas reconhecidas (Clínica Geral, Ortodontia e Periodontia). Além disso, o dentista pode fazer um


partes do mundo, o tratamento de pacientes de dor mudou de uma abordagem estritamente “mecânica”, biológica, odontológica para uma visão e abordagem que considera o modelo biopsicossocial de saúde e doença.

Metrado ou Pós-graduação em Endodontia, Dentística Restauradora, Odontopediatria, Odontologia para Pacientes Especiais, e também Dor e Disfunção. Os alunos podem participar desse treinamento de um ano de duração várias vezes ao longo dos anos. Muitos pacientes de dor também consultam os Cirurgiões Maxilofaciais, uma especialidade médica em que o aluno tem que primeiro obter tanto o diploma de Medicina quanto o de Odontologia. SBDOF: Ela é distinta da carreira de clínico? Como funciona o financiamento de pesquisas na área de DTM/DOF? Muito poucos colegas escolhem seguir a carreira de pesquisa odontológica em tempo integral; na maior parte das vezes é uma combinação de ensino e atividades clínicas. A obtenção de recursos para a pesquisa não é fácil e existe muita competição com todas as outras disciplinas da Odontologia e da Medicina. Por fim, não existem fundos específicos para pesquisa em DTM e DOF. SBDOF: O Senhor apresentou palestras sobre DTM e Dor Orofacial várias vezes no Brasil. O Senhor observou alguma mudança nessa área de conhecimento aqui, desde sua primeira visita até os tempos atuais? Eu já estive no Brasil 11 vezes desde 1995… e tenho a impressão que, da mesma maneira que em outras

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SBDOF: Aqui no Brasil o uso da toxina botulínica em pacientes de DTM tem crescido muito, sendo utilizada inclusive por profissionais sem treinamento na área de DTM/DOF. Isto também ocorre na Europa? Há qualquer algoritmo quanto à sua utilização em pacientes de DTM / DOF, demonstrando a sua eficácia e evitando o sobretratamento? O uso de injeções de toxina botulínica em músculos está se tornando cada vez mais popular na Neurologia e entre Cirurgiões Maxilofaciais. Mas, como as evidências científicas neste momento ainda são “leves”, nós raramente aplicamos em nossa clínica em Leuven. Nós reservamos este procedimento específico para aquelas dores musculares “rebeldes” que persistem após uma extensa abordagem conservadora. Além disso, o alto custo para o paciente é uma motivação adicional para nós sermos restritivos em relação ao seu uso. Quais são as suas expectativas em relação à sua participação como orador principal no Congresso em Curitiba, evento satélite da SBDOF? Estou ansioso para interagir e dividir meu conhecimento com os colegas brasileiros, sempre entusiasmados, ativos e críticos, além de rever muitos amigos após alguns anos de ausência. Vou me sentir gratificado se puder transferir minha experiência e meu conhecimento para vocês todos. A Bélgica foi recentemente alvo de ataques terroristas, injustificáveis sob qualquer prisma. Vivemos em um tempo de radicalização, ódio e insegurança. Como você pensa que cada cidadão, independente de governos, pode contribuir para um mundo mais tolerante, pacífico e seguro?Esse recente “desastre” mostra novamente que existem criminosos e loucos em qualquer lugar, independente de religião, raça ou nacionalidade. Para mim, os ataques ilustram que (ainda!) existem falhas na integração de todas as pessoas de diferentes origens (>100) que existem na Bélgica, que convivem, dividem experiências e aprendem com as diferenças alheias. Em relação a isso, baseado em minha experiência pessoal, o Brasil poderia servir como excelente exemplo de harmonia entre as pessoas, independente de onde você veio: após apenas uma geração, vocês todos se sentem brasileiros e dividem amor e vida...


RESENHAS CIENTÍFICAS Farag AM, Spierings EL, Maloney GE. Intermittent sharp facial pain starting at the mandibular right first molar: A diagnostic challenge. J Am Dent Assoc. 2016 Mar;147(3):196-9. doi: 10.1016/j.adaj.2015.09.011. Epub 2015 Nov 6. PubMed PMID: 26552332. Resenha emviada por José Luiz Peixoto Filho- Cirurgião Dentista, especialista em DTM e Dor Orofacial, Membro Fundador da SBDOF, Membro da Sbce e ABSONO

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m paciente chega ao seu consultório. Homem, 69 anos, queixando-se de dor na face iniciada há uns dois anos, recorrente, aguda e de curta duração. Ao início localizada no dente 46 e descrita como “em choque elétrico”. Foi feito o tratamento endodôntico... que não resolveu o problema... e, então, o dente foi extraído (por suspeita de fratura!)... mas... a dor persistiu! Agora ela está localizada no rebordo alveolar mandibular direito e tem forte intensidade (EAV = 8/10). É deflagrada pela função mandibular (falar, alimentar-se) e também pela escovação dos dentes proximais e pelo toque do travesseiro na face ao dormir. Ao exame clínico não se observaram alterações extra-orais e nem déficits neurosensoriais ou motores. Sem sinais ou sintomas que sugerissem DTM ou envolvimento da musculatura cervical. O único achado de interesse ocoreu durante a palpação intra-oral do rebordo alveolar que deflagrou dor aguda e paroxística que irradiava para a região da ATM e temporal do mesmo lado. Uma radiografia Panorâmica foi feita mas nada anormal foi observado. Pela descrição das queixas do paciente pode-se suspeitar de dor de origem neuropática, sendo feitas as seguintes hipóteses diagnósticas: Odontalgia Atípica - OA (pois ocorreu inicialmente no 46 e persistiu no rebordo alveolar após sua extração) ou Neuralgia do Trigêmio, podendo existir alguma dificuldade em realizar o diagnóstico diferencial devido a sobreposição de sintomas entre as duas condições mencionadas. Segundo a IASP, dor neuropática é aquela secundária a um processo patológico afetando o sistema somatosensorial. A OA é dor neuropática envolvendo dentes ou rebordo alveolar (atualmente é denominada por alguns pesquisadores como Dor Dentoalveolar Persistente). Os autores preferem chamá-la de Neuropatia Trigeminal Dolorosa: condição dolorosa de prevalência obscura (devido a falta de critérios diagnósticos precisos), contínua, podendo apresentar paroxísmos, ocorrendo expotaneamete ou devido a algum estímulo. A fisiopatologia parece envolver tanto mecanismos periféricos (algum tipo de agressão ao nervo envolvido levando a sensibilização periférica) quanto centrais (sensibilização central). Já a Neuralgia do Trigêmio é descrita como dor severa, súbita, recorrente, em facada ou choque elétrico, envolvedo um ou mais ramos do nervo trigêmio, e também com fisiopatologia incompletamete esclarecida. Esse artigo é parte de uma série que aparece trimestralmente na JADA, chamada de Pain Update (“Atualização em Dor”), que a partir de breve relato de um caso clínico apresenta a discussão sobre um tópico específico de Dor Orofacial: vale a pena procurar por outros artigos dessa série! Neste caso em particular, podemos observar que não é só aqui no Brasil que ainda existe considerável dificuldade em se realizar o diagnóstico de um caso (em minha opinião, fortemente sugestivo) de Neuralgia do Trigêmio... terminando com a extração do dente em questão... Tráz ainda a discussão sobre o diagnóstico diferecial entre a Neuralgia do Trigêmio e a Odontalgia Atípica, condição clínica esta ainda pouco conhecida tanto entre profissionais de saúde quanto pelo público em geral, com duas boas tabelas sobre as características dessas duas condições dolorosas. Por fim, é interessante observar que a sequência seguida para se formular a hipótese diagnóstica é aquela que habitualmente se preconiza para a investigação de qualquer problema de Saúde: uma boa tomada da história clínica (Anamnese) seguida pelo exame clínico pertinente (Exame Físico) que irão determinar a necessidade e escolha (ou não) de exames adicionais com a finalidade de se adquirir mais elementos sobre as queixas do paciente (Exames Complementares).

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Dahan H, Shir Y, Nicolau B, Keith D, Allison P. Self-Reported Migraine and Chronic Fatigue Syndrome Are More Prevalent in People with Myofascial vs Nonmyofascial Temporomandibular Disorders. J Oral Facial Pain Headache. 2016 Winter;30(1):7-13. PubMed PMID: 26817027. Resenha enviada pela Dra. Daniela Aparecida de Godoi Gonçalves, Cirurgiã-dentista especialista em Dor Orofacial e Disfunção Temporomandibular. Mestre em Neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP e doutora em Reabilitação Oral pela FOAr - UNESP. Atualmente é Professora Assistente das Disciplinas de Disfunção Temporomandibular, Dor Orofacial e Oclusão, do Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese da FOAr/UNESP.

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termo comorbidade diz respeito à existência simultânea de duas ou mais condições, em uma frequência maior que a esperada para a população em geral. Tem sido demonstrado que a DTM é comórbida com diversas alterações dolorosas como fibromialgia, dor no corpo difusa, cervicalgia, lombalgia, síndrome do intestino irritável, cistite intersticial, dor pélvica crônica, disfunções por trauma de chicote, vulvodinia e cefaleias primárias (especialmente a migrânea). Condições não-dolorosas também podem apresentar relação de comorbidade com a DTM, incluindo alterações psicossociais, distúrbios do sono e zumbido crônico. A DTM, assim como várias de suas comorbidades, são condições chamadas de síndromes dolorosas funcionais (SDF) ou desordens dolorosas idiopáticas (DDI). A classificação dessas condições é baseada em sintomas, e muitas vezes não apresentam significantes patologias nos órgãos envolvidos com os sintomas primários. Entretanto, há evidências de que sejam associadas com substanciais alterações neurobiológicas, fisiológicas e algumas vezes anatômicas do Sistema Nervoso Central (SNC). Considerando esses aspectos, as alterações observadas na periferia podem ser manifestações de um estado cronicamente alterado do SNC. Além de frequentes, a presença de comorbidades está em geral associada com maior dificuldade de controle das condições dolorosas e a quadros de dores mais intensas e frequentes. Assim, é de grande importância considerar a presença de comorbidades em pacientes com DTM, tanto em nível populacional como individual. Vários estudos têm demonstrado que a DTM apresenta relação de comorbidade com diversas condições dolorosas ou não-dolorosas. A DTM muscular, comparada com a DTM articular (com ou sem dor), tem mais chances de se tornar crônica, de apresentar maior grau de disfunção e de estar associada com outras condições. Dahan e colaboradores investigaram o número de comorbidades, a prevalência de cinco condições específicas e alterações psicossociais (ansiedade e depressão) em pacientes apresentando DTM. Eles estudaram a prevalência de cinco condições clínicas específicas associadas com síndromes de sensibilização central (migrânea; síndrome da fadiga crônica-SFC; síndrome do intestino irritável-SII; cistite intersticial-CI e síndrome das pernas inquietas-SPI) a fim de verificar possível relação de comorbidade com uma população apresentando DTM. Além disso, compararam a prevalência desses cinco condições entre indivíduos com DTM dolorosa muscular (DTM-m) e DTM dolorosa sem envolvimento muscular (DTM-n); e também a média total do número de comorbidades entre esses dois grupos. O estudo foi transversal conduzido em uma amostra de indivíduos apresentando DTM (de acordo com o RDC/TMD) crônica (dor presente por 6 meses ou mais). As cinco comorbidades foram avaliadas por meio de questionários validados: ID-migraine (migrânea); The Schedule of Fatigue and Anergia questionnaire (SFC); The ROME III questionnaire (SII); The Pain, Urgency, and Frequency Symptom Scale (CI); The Cambridge-Hopkins Restless Leg Syndrome Questionnaire-short form (SPI). A amostra final foi composta por 180 participantes (média de idade: 42,8 anos), sendo 121 do grupo DTM-m e 59 no grupo DTM-n. Indivíduos com DTM-m apresentaram maior número de comorbidades (p=0,01), maior prevalência de migrânea (p=0,001) e de SFC (p=0,01). Ainda, migranosos apresentaram risco 3 vezes maior de ter DTM-m do que de ter DTM-n. E indivíduos com maior número de comorbidades tiveram risco 1,5 vezes maior para DTM-m. Contrariando estudos anteriores, não foram encontradas diferenças significantes entre os grupos quanto ao histórico de ansiedade e depressão. Entretanto, os autores salientam que tais achados podem ser devidos à uma falha nos questionários usados para captar tais dados. As associações demonstradas no presente estudo reforçam as evidências de que a DTM-m parece ser parte de uma condição de dor generalizada associada a uma alteração nas vias de processamento nociceptivo central, e que a DTM-n está mais relacionada com uma disfunção localizada. O artigo é bastante interessante e traz informações de relevância clínica. Os resultados confirmam achados anteriores demonstrando que indivíduos com DTM-m apresentam maiores prevalência de migrânea e SFC, e também

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reportam maior número de comorbidades. Tais achados apontam para a existência de um processo de sensibilização central associado à DTM-m, reforçando a ideia de que a DTM pode ser parte de uma condição complexa. Dessa forma, é fundamental que os pacientes com DTM dolorosa, especialmente os casos crônicos e com envolvimento muscular, sejam avaliados de maneira ampla procurando identificar a presença de tais fenômenos, que também devem ser considerados no plano de tratamento e acompanhamento desses indivíduos, preferencialmente por uma equipe multidisciplinar.

Pathophysiology and pharmacologic control of osseous mandibular condylar resorption. J Oral Maxillofac Surg 70:1918-1934, 2012.

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Resenha emviada por Walter Cristiano Gealh

REABSORÇÃO CONDILAR das ATM (RC ATM) tem sido amplamente estudada e gerado muita discussão sobre o melhor método de tratamento. Atualmente existem, basicamente, duas filosofias: uma conservadora e outra mais agressiva, onde a cirurgia articular é recomendada. É importante salientar que se trata de um tema no qual existe carência de estudos clínicos bem conduzidos, randomizados, com grupos controle, duplo cego e acompanhamento de médio a longo prazo, independente da filosofia seguida, resultando na falta de evidências científicas de alto impacto. Infelizmente, tem sido comum a falta de conhecimento do CD especialista em DTM/DOF tanto em relação ao diagnóstico quanto a possibilidade de tratamento conservador desta patologia quando, na verdade, ele deveria ser o profissional mais familiarizado com ela. Isso possibilitaria a ele trabalhar em conjunto com o CD especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial nos casos em que a cirurgia seja realmente indicada. Assim, me parece racional neste momento que na ausência de boas evidências a serem seguidas seja adotada a terapêutica menos invasiva e mais conservadora, e por isso destaco a importância deste artigo e sugiro sua leitura na íntegra. O artigo define as manifestações clínicas da RC ATM como o estabelecimento de desarmonia facial, redução no espaço da via aérea superior e alterações oclusais (como, por exemplo, mordida aberta anterior). Descreve vários fatores que determinam uma maior susceptibilidade individual a sua ocorrência, como o gênero, situação nutricional, fatores genéticos, hábitos bucais e compressão iatrogênica. Há uma forte predileção pelo gênero feminino, provavelmente relacionada à influência de hormônios sexuais, particularmente o estrogênio, como mostram estudos atuais com bom nível de evidência. Os tratamentos para minimizar a perda óssea articular tem encontrado amparo no controle farmacológico de citocinas e enzimas envolvidas no mecanismo de reabsorção, oxidação lipídica e catabolismo do ácido araquidônico. Desta forma, as seguintes abordagens de tratamento podem ser realizadas, de acordo com o artigo: (1) redução de radicais livres – tem sido demonstrado que uma dieta com antioxidantes podem ter efeitos benéficos no controle de erosões ósseas; (2) controle de citocinas – os inibidores do TNF (fator de necrose tumoral), como o adalimumabe e o etanercepte, tem demostrado ser um promissor agente farmacológico no controle da perda óssea articular; (3) metaloproteinases da matriz – a tetraciclina inibe a ação das metaloproteinases através da quelação com o zinco e regulando sua expressão gênica; (4) inibição de prostanóides e leucotrienos através de uma dieta rica em ômega 3; (5) inibição da produção de prostanóides e leucotrienos por inibição da ciclooxigenase e lipooxigenase pelo uso de AINES como o piroxicam. Finalmente, novos tratamentos tem apontado para o uso de medicamentos como estatinas, inibidores da proteína óssea RANKL, inibidores do receptor IL-6 e outros agentes biológicos.

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O SÓCIO PERGUNTA, O SÓCIO RESPONDE DRA. MARTA SOLANGE RAMPANI Cirurgiã Dentista, especialista em Prótese Dentária e Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial. Mestre e Doutora pela UNESP. Certificada pela ABS em Odontologia na Medicina do Sono. Membro do COAT (Centro de Oclusão e Articulação Temporomandibular da Fac. Odontologia ICT/UNESP). Membro Fundadora da SBDOF. Recentemente tem crescido a indicação de Toxina Botulínica na Odontologia, o que inclui sua utilização em casos de DTM e DOF. Qual a sua opinião sobre a forma com que ela tem sido preconizada na nossa especialidade?

REYNALDO LEITE MARTINS JÚNIOR Cirurgião Dentista, especialista em Ortodontia, Dentística Restauradora e DTM e Dor Orofacial. Mestre em Morfologia pela Unifesp/EPM. Autor do Livro “Disfunções Temporomandibulares: esclarecendo a confusão, Ed. Santos-Grupo GEN, 2011, e Membro Fundador da SBDOF.

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toxina botulínica sempre teve alguma indicação terapêutica na área de Odontologia, especialmente nos casos de desordens de movimento na região orofacial, como distonias e discinesias, por exemplo. Seu uso nos casos de DTM e DOF sempre foi muito discreto, mas recentemente tem-se expandido rapidamente, principalmente após a aprovação da toxina para os casos de Enxaqueca Crônica, uma condição bem específica e com resultados de utilização bem documentados. Aparentemente, após essa aprovação, as indicações foram extrapoladas exageradamente para outras condições dolorosas, como por exemplo, Cefaléias do Tipo Tensão, onde as evidências apontam para a ineficácia da toxina. No caso da especialidade de DTM e Dor Orofacial, o exagero parece também estar ocorrendo. A indicação de qualquer droga deve ocorrer mediante estudos prévios de eficácia, segurança e eficiência. O aspecto da segurança já foi bastante estudado (ao menos com resultados curto e médio prazo), e portanto gostaria de focar nos outros dois. Em relação a eficácia, ou seja, se a droga funciona para os casos em que seria indicada, a resposta a é obtida através de múltiplos ensaios clínicos randomizados realizados por grupos diferentes, seguindo metodologia semelhante, e com resultados também semelhantes. E nesse caso, os estudos proporcionaram resultados conflitantes.

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Enquanto alguns mostram algum benefício, outros mostram resultados estatisticamente iguais a um simples agulhamento seco. O outro aspecto é o da eficiência, ou seja a utilização da droga em situações reais. É possível observar que os voluntários das pesquisas sobre toxina botulínica em DTM são selecionados de uma forma um tanto quanto restritiva, por exemplo, pacientes refratários a outros tratamentos. Embora não seja um dado científico, o que se pode notar é que parece estar havendo a indicação da toxina para casos iniciais de DTM, sem dar a chance de outras terapias com melhor custo benefício (financeiro e biológico) sejam proporcionadas antes ao paciente. Sabemos que parte das DTMs pode sofrer remissão espontânea, enquanto outra porção responde bem a terapias conservadoras e reversíveis que não envolvem a aplicação da Toxina Botulínica. Para estes pacientes ( que constituem a maior parte dos que procuram o clínico), sua aplicação poderia consistir em sobretratamento, (termo que deve ser entendido como um tratamento mais extenso, mais invasivo, com mais possibilidades de complicações ou mais dispendioso que o necessário para o caso). Ficam portanto sujeitos a discussão os casos refratários, se deveriam ou não ser submetidos a tentativa de tratamento com o fármaco. Sabemos que indivíduos com casos refratários tem diferenças em relação aos que respondem bem ao tratamento inicial: costumam apresentar maior influência das


características aferidas no chamado “Eixo II” do diagnóstico, o que pode compreender aspectos relacionados a ansiedade, depressão, somatização e catastrofização, que não são enfrentados pelo uso da toxina botulínica. Além disso, tomos somos conscientes da absoluta necessidade de um diagnóstico criterioso dos nossos pacientes com queixa de Dor, envolvento os dois eixos de Diagnóstico. Há 152 itens de condições dolorosas previstos na Classificação internacional de Cefaléias, bem como diversos subtipos de DTM; não é incomum a coexistência de várias destas condições em um mesmo paciente, fazendo com que um diagnóstico apurado seja frequentemente um desafio mesmo para especialistas com experiência. Causa surpresa,

portanto, quando cursos de curtíssima duração (16 ou 24 horas) pretendem incluir o tratamento de DTM/ DOF, e mesmo cefaleias, no rol de capacitação do uso de toxina botulínica para não especialistas. Finalmente, é interessante observar que existe uma possibilidade promissora para o uso da toxina botulínica em casos de determinadas neuropatias dolorosas da região orofacial, possivelmente em casos de dor por desaferentação que apresentam alodínia mecânica. Tal indicação ainda está na fase de hipótese, mas merece ser investigada apropriadamente. Curiosamente, o mecanismo de ação proposto para tais casos não tem relação com a propriedade mais conhecida da toxina botulínica, o bloqueio a contração muscular.

Mais alguma dúvida sobre esse assunto? Mande sua pergunta para o jornal SBDOF pelo email editorialsbdof@gmail.com para a possibilidade de vê-la respondida no próximo número da SBDOF, ou entre em contato diretamente com o Dr. Reynaldo Leite Martins Junior pelo email reynaldo@terra.com.br

DRA. CARMEN PAZ SANTIBAÑEZ HOYUELA A Dra. Carmen Paz Santibañez Hoyuela é formada em Odontologia pela UNISA (1982). Especialista em DTM e DOF EPM/UNIFESP (2007). Mestre em Ciências EPM/UNIFESP 2012. Embora a maior parte dos pacientes com DTM responda bem a procedimentos conservadores relativamente simples, uma minoria desenvolve dor crônica refratária. Alguns pesquisadores defendem que estes pacientes pertençam a um grupo específico onde o chamado “eixo II” tenha maior peso no desenvolvimento de sua condição. O que seria o “eixo II” e como ele poderia ser empregado em favor destes pacietes?

RICARDO DE SOUZA TESCH Especialista em Ortodontia ACDC - Campinas Mestre em Medicina/Cirurgia de Cabeça e Pescoço Hosphel - São Paulo Doutorando em Medicina/Neurologia UFRJ - Rio de Janeiro Coordenador de Pós-graduação em Odontologia FMP – Membro Fundador SBDOF

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studos epidemiológicos indicam que a prevalência de DTM situa-se entre 5% e 15%, com pico em adultos jovens, preponderantemente do gênero feminino. Já as taxas de incidência variam entre 2% e 4% ao ano, dependendo da população estudada. Esta incidência razoavelmente baixa sugere que a alta prevalência de dor por DTM seja resultado

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de sua cronicidade ao invés de altas taxas de acometimento. De fato, estudos transversais e longitudinais sugerem prevalência reduzida de dor e limitação funcional por DTM entre as faixas etárias mais avançadas, acima dos 40 anos, o que está de acordo com a natureza tipicamente auto-limitante de seus sintomas. Durante o período de curso destas desordens, tra-


tamentos conservadores, odontológicos e fisioterápicos, são usualmente bastante eficazes em curto prazo. Porém o acompanhamento em médio e longo prazo destes pacientes não demonstrou um quadro tão promissor. Estudos clínicos controlados foram desenhados para avaliar o impacto da adição de intervenções de auto-cuidado e técnicas cognitivo-comportamentais ao tratamento usual utilizado para a DTM, de acordo com o estado psicossocial dos pacientes. Após um ano de monitoramento, todos os grupos estudados mostraram melhora. Contudo, os pacientes que estavam nos programas de tratamento alternativo tiveram uma resposta mais satisfatória, definida como maior redução na intensidade da dor, nos níveis de interferência dessa em suas atividades diárias e no número de pontos musculares dolorosos `a palpação. Esses resultados indicam que a utilização de critérios de avaliação psicossocial pode contribuir para o sucesso da decisão clínica tomada para o controle das DTM, especialmente quando essas têm origem muscular. O RDC/TMD, um sistema de diagnóstico e classificação das DTM destinado `a pesquisa e prática clínica nesta área, foi desenvolvido de forma a incluir não apenas métodos para classificação física baseados na presença de sinais e sintomas (dispostos em seu eixo I), mas também métodos para avaliação da intensidade da dor crônica e da incapacidade `a esta relacionada, bem como dos níveis de sintomas depressivos e físicos não-específicos (dispostos em seu eixo II) apresentados por estes pacientes. A necessidade de comprovar a validade do eixo II é conceitualmente e clinicamente diferente da exigida para o eixo I, porque o RDC/TMD deliberadamente evita as implicações da realização de um diagnóstico psiquiátrico. No domínio da incapacidade relacionada `a dor, o paciente pode apresentar comportamento patológico significante, com limitações importantes em suas atividades diárias. Um dos fatores predictivos mais fortes para a depressão associada à dor crônica é a extensão em que a dor interfere nas atividades diárias dos pacientes. Já no domínio da depressão, o paciente pode estar experimentando estado de humor disfórico e/ ou estar em risco de transtorno depressivo. Para pacientes com baixa incapacidade relacionada à dor, com pontuação normal nos níveis de sintomas depressivos e sem outros indicadores de problemas psicossociais significativos, parece adequado direcionar o tratamento primariamente, se não exclusivamente, para condições físicas descritas no eixo I. No domínio dos sintomas físicos não específicos, o

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paciente pode estar enfrentando problemas de dores crônicas generalizadas, sem que para estas possa ser identificada causa somática específica. O instrumento de avaliação de sintomas físicos não específicos não foi originalmente concebido com o objetivo de fazer um diagnóstico psiquiátrico e não deve ser utilizado para este fim. Rotulado inicialmente de “somatização”, foi renomeado para descrever o conteúdo do instrumento, porém sem inferência etiológica. Seu elemento central de avaliação é a presença de múltiplos sintomas somáticos que causem desconforto aos pacientes, mas que não possam ser explicados de forma adequada pelos resultados biomédicos encontrados. O aumento dos níveis de sintomas físicos não específicos aumenta também de maneira significante a probabilidade de diagnóstico de dor miofascial mastigatória crônica e indica um prognóstico desfavorável para o tratamento destas condições. A presença ou ausência de dor generalizada, por exemplo, pode ajudar a definir as circunstâncias específicas em que placas oclusais devem ser prescritas para pacientes com dor miofascial, com maior chance de sucesso. Estudo recentemente publicado por nosso grupo de pesquisas na Faculdade de Medicina de Petrópolis demonstrou correlação inversa entre os limiares de dor experimental por pressão e os níveis de sintomas físicos não específicos apresentados por pacientes com DTM. Uma das hipóteses levantadas é a de que pacientes com múltiplas queixa dolorosas crônicas apresentem baixo limiar para a dor, possivelmente gerado por mecanismos de sensibilização do sistema nervoso central. A sensibilização central, definida como uma amplificação da sinalização neural no SNC que provoca hipersensibilidade à dor, é um fenômeno real e bastante reconhecido, podendo contribuir para distúrbios de dor crônica, inflamatória ou neuropática, em diferentes regiões. Uma das mais importantes omissões da versão original do RDC/TMD esta na indisponibilidade de ferramentas capazes de avaliar os níveis de sintomas de ansiedade. Tal fato foi corrigido em sua nova versão clínica, o DC/TMD. Escores médios para sintomas de ansiedade em pacientes com DTM demonstraram ser significativamente maiores em pacientes com parafunções orais associadas. Outro estudo recentemente publicado por nosso grupo, demonstrou que pacientes com apertamento dentário diurno apresentam escores mais elevados nas escalas de sintomas de ansiedade, do que os pacientes com bruxismo do sono e os livres de bruxismo. Desta forma, melhor distinção das


diferentes formas bruxismo, do sono e em vigília, pode ajudar no desenvolvimento de novas estratégias de tratamento para estes transtornos. Concluindo, há necessidade de maior compreensão e eficiência na aplicação das ferramentas que

compõem eixo II, de forma a ampliar sua utilização na prática clínica e pesquisa, aumentando seu alcance, tanto como uma ferramenta de triagem quanto de monitoramento dos pacientes.

Mais alguma dúvida sobre esse assunto? Mande sua pergunta para o jornal SBDOF pelo email editorialsbdof@gmail.com para a possibilidade de vê-la respondida no próximo número da SBDOF, ou entre em contato diretamente com o Dr. Ricardo Tesch pelo email ricardot@compuland.com.br.

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Muito além da DOR: Reynaldo Leite Martins Junior

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eu nome é Reynaldo Leite Martins Junior, sou natural de Lins-SP, mas moro em Cuiabá-MT há muitos anos, já que minha família paterna é de Mato Grosso. Formei-me em Odontologia na UFRJ, e imediatamente voltei a Cuiabá para iniciar a carreira profissional ao lado do meu pai, também Dentista. Ao longo dos anos fiz especializações em Dentística Restauradora, Ortodontia, e DTM e Dor Orofacial, além do Mestrado em Morfologia na Unifesp, com o Prof. Antônio Sérgio Guimarães. Fui docente em duas faculdades de Odontologia de MT, publiquei artigos, ministrei palestras e escrevi um Livro sobre DTM, publicado pela Editora Santos-Grupo GEN. Atuo em clínica privada em Cuiabá, exclusivamente na área de DTM/DOF e fui um dos sócios fundadores da nossa SBDOF. Desde cedo sou um interessado por fotografia e pela natureza, mas só recentemente, há cerca de 6 anos, consegui unir as duas coisas de maneira mais séria. Cuiabá está a 100 km do Pantanal, com toda sua biodiversidade, e a 250 km do melhor lugar no mundo para observação da Onça Pintada, (Panthera Onca), a região de Porto Jofre, na fronteira com Mato Grosso do Sul. Essa geografia torna a região um prato cheio para biólogos, ecologistas e fotográfos da vida selvagem. Assim,

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faço um mínimo de 10 incursões fotográficas ao Pantanal, todos os anos, com o único objetivo de fotografar. Entre Dezembro e Abril, época das cheias, a paisagem está exuberante, mas com pouca vizualização de animais, que se espalham pela planície alagada. A partir da “vazante” (período em que as águas começam a baixar) começa a abundância de pássaros, e do final de julho até novembro é a temporada de vizualização da Onça Pintada. A “Florada de Piúvas” (Ipê Roxo), época em que todas as árvores “floram” ao mesmo tempo por um curto período, é outro espetáculo da região Ao longo desses anos, essa atividade me proporcionou momentos de descanso em relação à rotina urbana estressante, excelentes amizades, aperfeiçomento da técnica fotográfica e boas fotos, algumas das quais acompanham esses texto. Tive fotografias publicadas em revistas especializadas, e algumas acolhidas em concursos: em 2015 uma foto de minha autoria foi premiada no concurso da Associação de Fotógrafos da Natureza – AFNATURA,(publicada na revista “Fotografe Melhor” de Jan/16), e em 2013 tive quatro outras fotos entre as finalistas do concurso BBC-Wildlife Photographer of the year

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(selecionadas entre mais de 40 mil fotografias). Esse é considerado o “Oscar” da fotografia de vida selvagem e proporciona premiação em noite de gala no Museu de História Natural de Londres, além de exibição em área específica do Museu. Infelizmente, ao final nenhuma delas foi premiada, mas continuo na busca da “foto perfeita” para esse concurso, que seduz fotógrafos da vida selvagem por todo o mundo.


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