Trauma BoleTEAM edição 27

Page 1

3ยบ Trimestre/2020

1


2

3º Trimestre/2020

Editorial

Comunicação e União: Pilares necessários para vencer a Pandemia

Expediente

dência Médica em Cirurgia do Trauma, sob a coordenação do Dr. Ricardo Breigeiron. Além disto, o Dr. Rogério Schneider, a Dra. Doris Lazzarotto e o Dr. Rodrigo Caselli têm se empenhado junto à Camara dos Deputados e ao Senado Federal para rediscutir as Portarias 1.365 e 1.366, de 2013, do Ministério da Saúde, que instituem a Linha de Cuidado ao Trauma. Outros assuntos estratégicos também têm sido discutidos em grupos menores. A comunicação evoluiu e permitiu que os projetos estruturais da SBAIT pudessem continuar a serem desenvolvidos. Nosso Congresso de Trauma, o Dr. Tércio de Campos, presidente da SBAIT Trauma Brasil, programado inicialmente para novembro deste ano, assim como outros eventos científicos em todo o mundo, teve que ser postergado. Mas já há uma nova data: 14 a 16 de outubro de 2021, em conjunto com o CoLT e a Sociedade Panamericana de Trauma, na cidade de São Paulo. Acreditamos que este será um momento único para todos aqueles interessados em Trauma voltarem a se encontrar e discutir os assuntos relacionados a esta doença. O planejamento estratégico da SBAIT continua a ser desenvolvido. Todos os sócios da SBAIT foram convidados a opinar sobre a sociedade e, em breve, teremos os trilhos do caminho da SBAIT nos próximos anos traçados, para que o crescimento da sociedade seja sólido e estruturado. A parte científica da SBAIT ganhou também um grande destaque, através de inúmeras publicações de seus membros, das várias aulas e discussões online, em que a SBAIT esteve sempre representada, e através das perspectivas que estão por vir. A SBAIT está abrindo a possibilidade do desenvolvimento e discussão de guidelines em Trauma. Todo serviço de trauma poderá participar do projeto, se candidatando a escrever sobre um tema de trauma. Este guideline será discutido nas reuniões da SBAIT, debatido pelos participantes e publicado em revistas científicas para que seja referência para os cirurgiões de trauma do país. A sociedade precisa se fortalecer, crescer de modo consistente e ocupar definitivamente o lugar a que pertence, ou seja, protagonizar as diretrizes do Trauma no país, com o apoio de sociedades parceiras como o Colégio Brasileiro de Cirurgiões e a ABRAMEDE, entre outras. Isto só será possível com uma estruturação interna sólida, com o aumento do número de sócios, com alianças duradouras e com a união de todos em prol da causa do combate ao Trauma. Em toda crise, os dois fatores mais relevantes que podem fazer uma diferença no resultado esperado são a comunicação e a união. Com isto, conseguiremos vencer a Pandemia da COVID-19, alcançar nosso desenvolvimento como sociedade e atingir o nosso principal objetivo, que é tratar melhor o doente traumatizado, de modo integrado entre todas as áreas da saúde, e, de preferência, prevenindo o trauma, que é a melhor maneira de tratar esta doença.

Arquivo SBAIT

Desde o final de fevereiro deste ano, quando o Brasil registrou seu primeiro caso de COVID-19, todos os profissionais de saúde do país começaram a se preparar de diferentes formas para enfrentar uma doença pouco conhecida, sem tratamento específico e com alta taxa de internação e mortalidade. A SBAIT foi uma das primeiras sociedades a se mobilizar, iniciando com a publicação de recomendações gerais a respeito de cuidados com os procedimentos cirúrgicos, sugerindo a suspensão temporária de cursos e atividades presenciais de ensino ligadas ao trauma e participando, com o apoio do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, da elaboração de Normas Técnicas da ANVISA para a Pandemia da COVID-19. Além disto, nas primeiras semanas da pandemia no Brasil, a SBAIT organizou campanhas sobre a utilização de máscaras pela população e para a doação de sangue, visto que informações provenientes de outros países já indicavam uma queda significativa dos estoques dos bancos de sangue. Entretanto, como em outras catástrofes no país, em que a SBAIT se mobilizou para prestar auxílio a vítimas de trauma, desta vez, apesar de não ser algo relacionado diretamente ao trauma, havia a necessidade de nova mobilização para promover a troca de experiências entre os membros da sociedade, melhorando a comunicação através de encontros online. Deste modo, iniciamos as reuniões da SBAIT, duas vezes por semana, sendo a primeira em 19 de março, com a participação de nosso amigo de Miami, o Dr. Antonio Marttos Jr., totalizando 30 reuniões até o final de junho, período em que pudemos acompanhar o fluxo da doença no país, detectar, antes da imprensa, a situação gravíssima nos estados da região norte e, de algum modo, contribuir com auxílio e treinamento à distância para a população e profissionais de saúde em regiões longínquas que necessitavam de apoio. Além disto, alguns temas foram discutidos com mais detalhes com convidados especiais, como a Paramentação e Desparamentação segura, Traqueostomias no paciente COVID-19, Opções Técnicas nas Vias Aéreas Cirúrgicas e o Tratamento da COVID-19 na UTI. Muitas experiências foram compartilhadas entre os participantes nas reuniões, em um espaço livre e democrático, com estes dois objetivos principais: fortalecer a comunicação e promover a união de todos. A Pandemia, infelizmente, não acabou, e ainda está longe de um desfecho. Esperanças relacionadas ao surgimento de uma vacina e à redução do número de casos novos e de mortes sustentam a força para a batalha. Nas situações difíceis, temos que aprender e evoluir. E a SBAIT encontrou uma oportunidade de estar mais próxima de seus sócios. Após as reuniões sobre a COVID-19, iniciamos reuniões semanais que foram criadas a partir de julho, às quintas-feiras, às 18h, com o objetivo de discutir os diferentes pontos que movem a SBAIT, além de estimular a parte científica. Toda última quinta-feira do mês, um serviço de trauma se candidata para apresentar um caso clínico. O primeiro serviço a se apresentar, em julho, foi o de São José do Rio Preto, com o Dr. Paulo Espada, seguido de Belo Horizonte, com o Dr. Sizenando Starling, em agosto; e Sorocaba, em setembro, com o Dr. José Mauro Rodrigues. Todos podem se inscrever para apresentar seu caso na reunião. Além disto, a Diretoria da SBAIT passou a se reunir toda última terça-feira do mês, para discutir a pauta estabelecida e fazer as deliberações necessárias. Foram criados Grupos de Trabalho, dentre eles, um grupo de Registro de Trauma, coordenado pelo Dr. José Gustavo Parreira, um grupo de Centros de Trauma, liderado pelo Dr. Milton Steinman, e outro grupo sobre Resi-

PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ATENDIMENTO INTEGRADO AO TRAUMATIZADO Presidente: Tércio de Campos (SP) 1º Vice-Presidente: Amauri Clemente da Rocha (SP) 2º Vice-Presidente: Rogério Fett Schneider (RS) Secretário Geral: Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro (SP) 1º Secretário: Fábio Henrique de Carvalho (PR) 2º Secretário: Hélio Machado Vieira Jr (RJ) 1º Tesoureiro: Bruno Monteiro Tavares Pereira (SP) 2º Tesoureiro: Lívio José Suretti Pires (MG) Comitê Pré-Hospitalar: Daniel Souza Lima (CE)

Secretária: Nancy Job (secretaria@sbait.org.br) Comunicação Digital: CRM Media (cristiane@crmmedia.com.br) Assessoria de Imprensa: Capovilla Comunicação (imprensa@sbait.org.br) Contabilidade: Consuport Redação TRAUMA BoleTEAM: Cristiane Regina da Silva Manzotti e Patrícia

Comitê Ligas do Trauma: Thiago Rodrigues A. Calderan (SP) Comitê de Educação: Gustavo P. Fraga (SP) Comitê de Desastres: André Gusmão (BA) Comitê de Qualidade e Registro de Trauma: José Gustavo Parreira (SP) Comitê de Prevenção: Danilo Stanzani (SP) Comitê de Acreditação: Edivaldo Massaro Utiyama (SP) Conselho Consultivo e Fiscal: André Gusmão (BA), Carlos Alberto Fagundes (ES), Sizenando Starling (MG), Sandro Scarpelini (SP) e Carlos Otávio Corso (RS).

Capovilla Jornalista Responsável: Patrícia Capovilla (MTb 31.445) Edição de Arte: Karina Brito – Proteção Publicações Ltda Capa: Divulgação

Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado - www.sbait.org.br - Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º andar - Bela Vista - São Paulo - SP CEP 01318-901 - Fone/Fax (11) 3188 4558 - Horário de funcionamento: de segunda a sexta feira, das 12h00 às 18h00. Tiragem: 800 exemplares


3

3º Trimestre/2020

Trauma 2021

SBAIT confirma data do seu próximo congresso A pandemia afetou a realização de diversos eventos médicos durante todo o ano de 2020. E não foi diferente com a 14ª edição do Congresso da SBAIT, inicialmente previsto para acontecer entre os dias 19 e 21 de novembro deste ano. Após avaliar as possibilidades de data e de transformar o congresso em um evento virtual, a atual diretoria optou por mudar o evento para outubro de 2021, entre os dias 14 e 16, e mantê-lo presencial. O local continua o mesmo: Centro de Convenções Frei Caneca, em São Paulo. “Foi uma decisão muito discutida, que levou em conta vários aspectos. Mas, no fim, a diretoria concluiu que o Congresso da SBAIT é marcado pela troca que existe entre congressistas e palestrantes. É um momento muito importante para nós, que precisa ser de forma presencial”, explica o presidente da Sociedade, Dr. Tércio de Campos. “Esperamos que, até lá, tudo esteja normalizado e que nosso evento seja um sucesso. Para isso, é muito importante a parceria e a participação dos nossos associados e também dos demais cirurgiões do Trauma”, destaca. De acordo com Campos, o XXIII CoLT (Congresso das Ligas de Trauma) também será realizado junto com o Congresso da SBAIT. “Ainda estamos negociando com outras sociedades para ver a possibilidade de agregarmos outros eventos ao Trauma 2021. Em breve, devemos ter novidade”, antecipa o presidente. A SBAIT também deve definir, ainda neste ano, como ficarão as datas dos demais congressos. “Nosso congresso sempre foi realizado nos anos pares para que intercalasse com os congressos do Colégio Brasileiro dos Cirurgiões, que acontecem nos anos ímpares. Ainda não foi definido se faremos o Congresso da SBAIT em dois anos seguidos (2021 e 2022) para retomarmos os anos pares ou se vamos decidir por algo diferente. Tudo será avaliado e discutido com muita cautela”, garante. Além do Trauma 2021, a SBAIT também já confirmou sua participação no

Divulgação

Evento, que seria realizado em novembro deste ano, foi transferido para outubro de 2021

Trauma 2021 será realizado em São Paulo, no Centro de Convenções Frei Caneca

Intergastro & Trauma & Tecnologia, previsto para acontecer de 20 a 22 de

maio do próximo ano, no Royal Palm Hall, em Campinas (SP).

Diretoria cria Grupos de Trabalho para discutir assuntos importantes Durante as reuniões on-line realizadas pela SBAIT, que começaram, inicialmente, para discutir assuntos relacionados à Pandemia, muitos outros temas foram colocados em pauta e debatidos no grupo. Com base nessas discussões, foram criados cinco Grupos de Trabalho, formados por membros que participam da diretoria ou não, para avançar de forma mais consistente sobre temas considerados importantes para a entidade. Um dos grupos, coordenado pelo Dr. Ricardo Breigeiron, é sobre Residência Médica, assunto que foi tema de diversas reuniões e tem como objetivo ampliar o tempo de residência em Cirurgia do Trauma. O outro grupo, liderado pelo Dr. José Gustavo Parreira, trata sobre o Registro de Trauma, que também foi abordado nos encontros on-line. A implementação de um registro de trauma é uma bandeira antiga da SBAIT, que o considera extremamente importante para que o Trauma receba mais atenção e possa ser trabalhado de maneira mais organizada no País. Os Centros de Trauma são tema de outro grupo, sob coordenação do Dr. Milton Steinman. Um quarto grupo discute as portarias 1365 e 1366,

ambas de 2013. A primeira é sobre a linha de cuidado ao trauma na rede de atenção às urgências e emergências, e a segunda, sobre a organização dos centros de trauma. Um quinto grupo está empenhado nos Assuntos Estratégicos da SBAIT. “Temos muitos assuntos, que são discutidos há anos na SBAIT, mas acabam se perdendo. Acreditamos que com a criação desses grupos, vamos conseguir dar um direcionamento melhor. Os membros de cada grupo têm experiência nesses temas e, por isso, estão muito preparados para conduzir essas discussões”, explica Dr. Tércio de Campos, presidente da SBAIT. O Grupo de Residência em Trauma, que tem como principal objetivo ampliar o tempo da residência para dois anos, esteve reunido com o presidente do CBC (Colégio Brasileiro de Cirurgiões), Dr. Luiz Carlos Von Bahten, no dia 12 de agosto, para discutir o assunto. Agora, a SBAIT vai elaborar um programa e com uma carta de apresentação para serem avaliados pelo CBC. Esses documentos passam, primeiramente, por quatro comissões e, após aprovação, são encaminhados para os demais trâmites.


4

3º Trimestre/2020

Pandemia

SBAIT elabora publicações para auxiliar cirurgiões Documentos foram desenvolvidos de forma exclusiva ou em parceria com outras instituições

Fernando Zhiminaicela por Pixabay

A SBAIT esteve ainda mais unida nesse período de enfrentamento à pandemia da COVID-19. Nesses momentos, observase a importância de uma equipe unida, alinhada e comprometida. Uma equipe que está diariamente em busca de atualização e conhecimento em um cenário totalmente novo e, com humildade, respeito e amizade, fortalecese no compartilhamento de experiências e aprendizado conjunto, visando um só objetivo: salvar vidas, a de pacientes e de colegas de profissão. Dessa forma, as primeiras ações da SBAIT visaram apoiar os cirurgiões do trauma em relação às recomendações de segurança para o cirurgião, equipe e paciente para a prevenção do novo coronavírus durante os atendimentos e cirurgias. O cenário, totalmente novo para todos, exigiu um enfrentamento de todos. Somando esforços, foram reunidas informações , estudos, publicações de todo o mundo, o que originou publicações exclusivas e em parceria com outras instituições que puderam apoiar o cirurgião em sua prática no dia a dia com mais tranquilidade, confiança e segurança nessa situação inédita para todos.

Publicações orientam cirurgiões durante a pandemia

No dia 25 de março, a SBAIT publicou 10 recomendações voltadas aos profissionais de saúde, que abordavam desde a paramentação ideal para a proteção do profissional para segurança durante o atendimento, como o adiamento de cirurgias eletivas, as cirurgias de urgência que poderiam ser postergadas, os riscos da cirurgia laparoscópica e a recomendação de evitá-la para proteção da equipe devido à geração de aerossóis, até orientações no atendimento de urgências a pacientes suspeitos de COVID-19, recomendando-se , se possível, a realização de tomografia de tórax para descartar alterações compatíveis com a Covid-19 e recomendações em relação às salas cirúrgicas, entre outras. A publicação completa pode ser conferida no blog da SBAIT (http://blog.sbait.org. br/2020/03/25/recomendacoes-sbaitcovid-19/). Também no mês de março, a SBAIT, em conjunto com o Colégio Brasileiro de Cirurgiões - CBC e Capítulo Brasileiro do American College of Surgeons , preparou um Guia Rápido para a atuação dos coordenadores de serviços de Trauma no Brasil em razão da pandemia da COVID-19.

O objetivo do Guia é levar orientações capazes de auxiliarem os coordenadores de hospitais que lidam com pacientes traumatizados sobre pontos importantes relacionados ao preparo, antecipação, planejamento e cuidados com pacientes críticos e equipe durante este período. O Guia aborda orientações detalhadas sobre a atuação dos coordenadores de serviços de Trauma no Brasil em nível regional e hospitalar, além de políticas e procedimentos para proteger e apoiar a equipe de trauma e orientações para o atendimento inicial ao paciente, no centro cirúrgico e durante o tratamento intensivo. O Guia pode ser acessado pelo link: http://www.sbait.org.br/files/pdfs/ coronavirus_orientac_o_es_para_o_trauma_2.pdf Já em 29 de abril, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) divulgou NOTA TÉCNICA com orientações para a prevenção e o controle das infecções pelo novo coronavírus em procedimentos cirúrgicos. O documento contou com a participação da SBAIT no grupo de discussão e revisão, com a presença do presidente Dr. Tercio de Campos, juntamente com outras sociedades médicas. A Nota Técnica pode ser acessada pelo link: http://www.sbait.org.br/br/publicacoes/nota-tecnica-anvisa A SBAIT ainda colocou à disposição dos cirurgiões do trauma um plantão de dúvidas, por meio do site, redes sociais e e-mail da presidência para, assim, apoiar o cirurgião no inicial da pandemia, que surpreendeu a todos em um cenário inesperado. O lema “Juntos somos mais fortes” nunca foi tão verdadeiro e, hoje, após meses de vivência e enfrentamento dessa pandemia, o que pode-se ressaltar com certeza é que a união, companheirismo e solidariedade de todos na busca e organização de informações contribuíram para a segurança dos profissionais de saúde, cirurgiões , equipes e, com certeza, para um aprendizado enriquecedor.


5

3º Trimestre/2020

Em destaque Entrevista - Dra Thaís Tapajós

Covid-19 no Pará

Arquivo Pessoal

Em março de 2020, a cidade de Belém começou seu momento de apreensão em relação à pandemia do Novo Coronavírus. No dia 18 daquele mês, tivemos a confirmação do nosso primeiro caso, um homem, que havia passado o Carnaval no Rio de Janeiro e, no seu retorno a Belém, Capital do Estado do Pará, iniciou os sintomas. Naquele momento, já estava participando das Reuniões da SBAIT sobre o enfrentamento ao Covid-19 e pensava aflita sobre o que ainda estaria por vir. Foram semanas de atualizações e relatos sobre o enfretamento à Covid-19. Duas reuniões por semana comandadas pelo presidente, Dr. Tércio de Campos. Assisti relatos de colegas na linha de frente em outros estados e, pela imprensa, acompanhei a agonia dos nossos vizinhos do Amazonas, que já agonizavam em meio ao caos que essa doença causara. Não estávamos prontos e me perguntava se um dia estaríamos. O estado do Pará possui dimensões continentais, diversidade gritante entre cidades, algumas de muito difícil acesso. Temos os ribeirinhos, os indígenas, um sistema público de saúde

que sempre foi insuficiente, seja na capital ou no interior do estado, leito de UTI na rede pública sempre foi “artigo de luxo”. Os dias se seguiram e, com eles, vimos aumentar o número de casos, número de internações, número de óbitos. Até que, em Abril, nós colapsamos. Recordo-me que no dia 18 de Abril, estava de plantão na Ambulância UTI de um grande plano de saúde, era um sábado, e não tínhamos mais para onde levar doentes: hospitais particulares com portas fechadas por superlotação, pacientes graves intubados dentro das ambulâncias, sem ter para onde serem levados, unidades de graves que antes comportavam 10 pacientes mas recebendo 16, paciente “internados” em cadeiras... um pesadelo que acontecia na rede privada, uma noite para ser esquecida. Os dias se seguiram e, com eles, vimos nossos números dispararem, pessoas morrendo em casa, na porta de hospitais e aos montes dentro deles. A doença chegou na rede pública! Fomos deslocados de função, tínhamos que ajudar, claro. E, de repente, eu, cirurgiã, estou dentro de uma UTI Covid vendo de perto a face mais cruel desta doença. Do dia para noite, vimos hospitais mudando seu perfil de atendimento, abrindo leitos de UTI, abertura de Hospitais Campanha... tudo a “toque de caixa”. No Trauma, passamos dias atendendo urgências respiratórias que chegavam junto com os politraumatizados. Tivemos que nos acostumar com toda aquela vestimenta e com o medo de sermos os próximos, de levarmos o vírus para casa, de contaminarmos nossa família. Muitos colegas da linha de frente se isolaram, adoeceram, sucumbiram... ,e quando falamos em isolamento, podemos nos dar conta que é uma doença que isola o paciente dos seus, o profissional de saúde, é uma doença que traz consigo medo e solidão. Dra Thaís na linha de frente do atendimento a pacientes com COVID-19 Foram dias muito ruins, rece-

Arquivo Pessoal

Associada da SBAIT relata, neste artigo, sua experiência com a pandemia em Belém, no Pará

Dra. Thaís paramentada para atendimento na cidade de Belém

bíamos áudios e mensagens de colegas e pacientes sem saber o que fazer, sem retaguarda... e falando em colegas, perdemos muitos! Fomos uns dos estados que mais perderam médicos para a Covid-19. Perdi a conta quando chegou em 35 o número de óbitos de médicos. Não consigo dizer em que momento o jogo virou ou se houve um movimento, em especial, que fez o curso mudar. A Capital ficou devastada. Em 18 de Abril, tínhamos 33 mortes registradas. Ao final de maio esse número atingiu 2.300 óbitos. Como um tsunami, a Covid-19 passou por Belém e rumou ao nosso interior do Estado, onde a estrutura hospitalar é ainda mais precária. A Capital respirou, mas o interior do Estado sangrou! Em agosto, estamos perto de 6 mil óbitos. Hoje, ventos melhores já sopram para nós, a vida está voltando ao que podemos considerar como normal, porém aprendemos a seguir com as cicatrizes. Vivemos dias de dor e apreensão e, em particular, vivi dias que eu jamais irei esquecer. Serei eternamente grata aos Colegas da SBAIT que, ao logo desses dias tão difíceis, estenderam a mão para ajudar e, foi dentro desta Sociedade, que encontrei força, estratégia e amparo para seguir no front até o final.


6

3º Trimestre/2020

À Distância

SBAIT IMPLANTA REUNIÕES SEMANAIS VIA TELEMEDICINA

possível, e de forma rápida, a uma nova realidade”, complementa Campos. A ideia, então, foi estimular a troca de experiências e de informações entre os cirurgiões de trauma. E isso só era possível de uma única maneira: à distância. Rapidamente, a sociedade se organizou e deu início a uma série de encontros virtuais, via telemedicina, realizados duas vezes por semana, para que cirurgiões do Trauma de todo o Brasil e até de outros países pudessem se ajudar, esclarecer dúvidas, conhecer os trabalhos que estavam sendo desenvolvidos e como cada um estava lidando com este novo cenário. Arquivo SBAIT

Arquivo SBAIT

O primeiro caso da COVID-19 foi registrado no Brasil no dia 26 de fevereiro. Foi então que o Brasil começou a se mobilizar e a definir ações de enfrentamento ao novo coronavírus, entre elas, a quarentena, que começou a ser determinada pelos governos estaduais em meados de março. Com base nas experiências de outros países, havia uma preocupação muito grande de todos os setores da Saúde para retardar o máximo possível o avanço da doença e, dessa forma, ganhar tempo para que os serviços hospitalares se estruturassem para conseguir atender os pacientes contaminados e também os que precisavam de serviço médico por outros motivos, como o trauma. Foi nesse cenário que o presidente da SBAIT, Dr. Tércio de Campos, decidiu que a sociedade precisava agir e dar um respaldo técnico para os cirurgiões de trauma. “Tudo era novo. Viver uma pandemia era novo. A doença era nova. As ações que estavam sendo tomadas eram novas. De certa forma, os profissionais de saúde estavam relativamente perdidos sobre protocolos, uso de EPIS´s, condução de pacientes, atendimento seguro”, explica. “Logo no início, por segurança, as cirurgias e os atendimentos eletivos foram suspensos. Mas, no caso do Trauma, isso não era possível, então, precisávamos nos adequar, da melhor maneira

Arquivo SBAIT

Encontros começaram para discutir assuntos sobre a pandemia, mas com bons resultados, serão mantidos por tempo indeterminado

A primeira reunião on-line, aberta a sócios e não sócios da SBAIT, aconteceu no dia 19 de março, quando o Dr. Antonio Marttos, cirurgião do Trauma que trabalha em Miami (EUA), fez uma explanação sobre o papel da telemedicina no auxílio da pandemia da COVID-19. Como o coronavírus já estava circulando dos Estados Unidos, ele pôde compartilhar sua experiência com os colegas brasileiros. Na mesma semana, o Dr. Raul Coimbra contou sua experiência na Califórnia, também nos Estados Unidos. Inicialmente, as reuniões foram bem concentradas no tema COVID-19. Foram abordados temas como Manifesta-


7

3º Trimestre/2020

ções Abdominais e COVID-19 e Traqueostomia, além de ricos relatos sobre a situação da pandemia nas regiões mais críticas do País, como Manaus (AM), Belém (PA), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). Um desses relatos, feito pela cirurgiã do Trauma Dra. Thaís Tapajós, que trabalha em Belém, desencadeou uma série de outras ações. “’A situação em Belém estava muito crítica. E nós, como sociedade, precisávamos ajudar de forma prática. Foi então que demos início a um trabalho bem direcionado para aquela região”, comenta Campos. A SBAIT realizou, então, treinamentos à distância de paramentação e desparamentação para os médicos do Pará e disponibilizou um 0800 para auxiliar a população com informações sobre a COVID-19. Além disso, o Plano Nacional de Catástrofe foi acionado e diversos profissionais se dispuseram a ir, voluntariamente, prestar atendimento presencial. No entanto, isso não foi necessário. Em uma das reuniões, o cirurgião do Trauma Dr. Luciano Eifler também compartilhou sua experiência na Missão Manaus, quando uma equipe do Rio Grande do Sul cruzou o país para ajudar no atendimento às vítimas da COVID-19 na capital do Amazonas, que, na época, registrava um grande número de casos da doença, que estava colapsando sua estrutura hospitalar. Com o passar do tempo, outros assuntos também foram ganhando destaque nas reuniões, como a residência médica. O Dr Gustavo Fraga, ex-presidente da SBAIT, deu início a essa discussão na reunião de 1º de junho e falou sobre a situação atual e sobre as perspectivas após a pandemia. No total, foram três reuniões sobre o tema, que envolveu muitas participações e muita troca de opinião entre todos os participantes. As reuniões bissemanais aconteceram até 2 de julho, quando o presidente da SBAIT fez uma apresentação com as principais ações da sociedade sobre a pandemia e anunciou a programação do segundo semestre. A partir de 9 de julho, as reuniões, que antes tinham uma hora, passaram a ser de uma hora e meia, uma vez na semana (sempre às quintasfeiras), com uma pauta mais diversificada. “Os resultados dessas reuniões fo-

ram tão bons, que decidimos mantê-las por prazo indeterminado. Além de toda a ajuda, de toda a troca que esses encontros nos proporcionaram, também foi possível aproximar médicos de todo o país. Isso, de certa forma, fortaleceu a SBAIT, fomentou muitas discussões, diminuiu distâncias e nos proporcionou saber a opinião um do outro sobre vários temas. É uma experiência muito enriquecedora”, ressalta Campos. Na nova programação, é estabelecida uma pauta já no início do mês, com os temas de todas as reuniões. Na última quinta-feira de cada mês, a reunião é clínica, com discussões de casos. Em Julho, por exemplo, os temas discutidos foram Registro de Trauma (Dr. Gustavo

Parreira), Residência em Trauma (Dr. Ricardo Bregeiron) e Centros de Trauma (Dr. Milton Steinman). A discussão de casos foi conduzida pelo Dr Paulo Espada, de São José do Rio Preto (SP). “No meio desse cenário tão desafiador, conseguimos colher bons frutos também. As reuniões da SBAIT, com certeza, estão entre esses frutos. Acabou sendo um legado da pandemia. Espero que a gente consiga manter esses encontros por muito tempo, inclusive com uma maior participação, já que ela também é aberta a não sócios”, destaca Campos. O link para acesso à reunião, que acontece às quintas-feiras, das 19h às 20h30, através do Zoom, pode ser acessado pelas redes sociais da SBAIT.

Confira os temas das reuniões já realizadas: Março/2020 - Telemedicina no cenário da pandemia da COVID-19 - Experiência da Califórnia - Plano de Catástrofe - Manifestações abdominais e COVID-19 Abril/2020 - Resultados da pesquisa sobre EPI´s para profissionais de saúde - Traqueostomia - Apresentação de Papers sobre COVID-19 - A experiência da Bahia na COVID-19 - Atualizações sobre COVID-19 - Situação de Miami na COVID-19 - Sistemas de Trauma Pós-pandemia COVID-19 - Situação de Belém e Manaus na COVID-19 (duas reuniões seguidas) Maio/2020 - COVID-19 – Discussão e revisão da Nota Técnica da ANVISA pela SBAIT - COVID-19 – Situação do Rio de Janeiro e Ações do Estado do Pará - Atualização da COViD-19 no estado do Pará e Situação do interno de Medicina na Pandemia - Atualização da COVID-19 no Rio de Janeiro e Atualização da COVID-19 em São Paulo - Perspectivas de Ensino durante e após a pandemia – que podemos aprender com o ATLS? - Missão Manaus: experiência da equipe do Rio Grande do Sul

- Relatório COVID-19: situação detalhada em todo o país Junho/2020 - COVID-19 e a residência médica: situação atual e perspectivas após a pandemia - Combate à COVID-19 em São José dos Campos - COVID-19 e a residência médica: situação atual e perspectivas após a pandemia – Parte 2 - COVID-19 – Atualização no País - COVID-19 e a residência médica: situação atual e perspectivas após a pandemia – Parte 3 - Plataforma Epidemiológica para o combate à COVID-19 - Centros de trauma - Acreditação de Centros de Trauma - Centros de trauma (parte 2) Julho/2020 - SBAIT 2020: pandemia COVID-19 e programação do segundo semestre - Registro de Trauma - Residência em Trauma - Centros de Trauma - Reunião clínica Agosto/2020 - Resumo de ações e programação do mês - Residência em Trauma (Grupo de Trabalho) - Centros de Trauma (Grupo de Trabalho) - Reunião Clínica


8

3º Trimestre/2020

COVID-19

SBAIT desenvolve diversas ações com a comunidade durante a pandemia Campanhas digitais, alertas e divulgação de informações via imprensa foram elaboradas para conscientizar e prevenir a COVID-19 Desde o início da pandemia, além do trabalho direcionado a cirurgiões do Trauma, a SBAIT também desenvolveu uma série de ações, junto à sociedade, para a conscientização e prevenção da COVID-19. O objetivo era usar sua força e divulgar, através das redes sociais e da imprensa, informações e orientações que, de alguma forma, pudessem ajudar nessa força-tarefa para minimizar a propagação do novo coronavírus. Uma das primeiras ações foi o lançamento de uma campanha que incentivava as pessoas a ficarem em casa, com uma exceção: sair para doar sangue. “Com as pessoas em isolamento social e a preocupação com a contaminação, os bancos de sangue começaram a registrar queda de doação, o que se tornou uma grande preocupação para a medicina, em especial, para a área de cirurgia do Trauma”, explica o presidente da SBAIT, Dr. Tércio de Campos. A campanha, divulgada nas redes sociais da sociedade, teve como tema “Fique em casa” e foi formada por cinco peças. Uma delas falava sobre a importância de a pessoa se proteger; outra, sobre a importância de proteger quem amamos; uma terceira reforçava que precisamos proteger os idosos; e uma quarta lembrava que é importante protegermos os profissionais que não podem parar, como médicos, enfermeiros, repórteres, pessoal da limpeza dos hospitais, funcionários de supermercados e farmácia. “E a quinta peça pedia para as pessoas doarem sangue. Ou seja, fique em casa, mas abra essa exceção e depois volte para a segurança do seu isolamento”, destaca Campos. No mesmo período da campanha “Fique em Casa”, a SBAIT lançou um alerta à população sobre a importância de prevenir

era muito grande. A Saúde do nosso país estava se estruturando ainda, então havia uma preocupação gigantesca em relação a isso. Teríamos leito para os casos de COVID e os casos de trauma?”, comenta o presidente da SBAIT. A principal orientação deste alerta era para que as pessoas redobrassem os cuidados, principalmente no trânsito, que é onde acontece a maior parte dos casos de trauma.

casos de trauma, já que isso poderia comprometer os números de leitos que precisavam ser destinados a pacientes contaminados. “No início da pandemia, nosso déficit de leitos, principalmente em UTI´s,

Preocupação com a flexibilização Quando os governos estaduais começaram a anunciar a flexibilização da quarentena, mais uma vez, a SBAIT se manifestou publicamente, preocupada com o possível aumento de casos de trauma. Na ocasião, a entidade reforçou que a quarentena também teve um impacto secundário, que foi a redução do número de casos de trauma, o que também ajudou a evitar um colapso hospitalar em muitas regiões do país.

Segurança dos cirurgiões A SBAIT também tornou público um levantamento que ela mesma realizou e apontou, no início da pandemia, que apenas 15,6% dos cirurgiões de trauma se sentiam seguros para atender durante a pandemia. Os dados foram coletados com 212 cirurgiões do trauma de diversas regiões do país, tanto de hospitais públicos quanto privados. Entre os motivos, estava a falta de EPI´s (Equipamentos de Proteção Individual), fundamentais para evitar a contaminação dos profissionais de saúde. De acordo com a pesquisa, 64% dos cirurgiões que participaram relataram que,

na época, tinham dificuldade para acesso a EPI´s nos hospitais que trabalham. O uso de EPI´s foi uma grande preocupação da SBAIT desde o início da pandemia, já que a cirurgia de trauma não pode parar e que era difícil saber se o paciente estava ou não contaminado, já que, muitas vezes, ele chega desacordado ao hospital e não havia testes rápidos disponíveis. Outro dado que causou preocupação no levantamento é que apenas 46,7% dos afirmavam fazer cirurgias com todos os equipamentos de proteção recomendados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância em Saúde).


9

3º Trimestre/2020

Cirurgião do trauma cria boletim próprio com dados da COVID-19 O coordenador do Comitê de Desastres da SBAIT, Dr. André Gusmão, de Salvador (BA), criou um boletim epidemiológico sobre coronavírus, focado na capital baiana, mas com informações da situação mundial, do país e da Bahia, além de notícias, dicas e orientações sobre a pandemia. Com 11 páginas, o boletim, que é diário, começou a ser feito em 22 de março. Todas as edições podem ser acessadas no site www.boletimcovid19.webnode.com. Gusmão conta que a ideia do boletim surgiu no início da pandemia, quando ele viu que seus familiares e amigos estavam muito apreensivos com a situação e, portanto, em sua opinião, precisavam de informações mais concretas e contextualizadas sobre o problema. Ele sentiu essa mesma necessidade no ambiente de trabalho e decidiu compilar os dados oficiais em um único local. “O trabalho foi crescendo e as pessoas começaram a me pedir o boletim diariamente. Eu fui recebendo muitas sugestões até chegar no formato atual”, conta o cirurgião. “E percebemos que essas informações começaram a deixar as pessoas mais tranquilas”, observa. Inicialmente, o boletim era repassado aos parentes e amigos mais próximos, além dos mora-

dores do seu condomínio e de algumas pessoas no trabalho. Depois, foi crescendo, ganhou espaço no site e começou a ser compartilhado em muitos grupos de WhatsApp. Para a realização deste trabalho, ele também conta com a colaboração da infectologista Andréa Gusmão Cunha, do cirurgião Ricardo Cima, que elabora os gráficos do boletim, e do estudante de medicina João Henrique Fonseca do Nascimento, que criou o site onde são publicados os dados. O boletim só utiliza dados oficiais e disponibiliza todas as suas fontes para que as pessoas possam acessá-las. Ele conta com informações sobre total de casos de infectados, novos casos diários, total de óbitos e novos óbitos diários, em Salvador, Bahia, Brasil e mundo. Também há informações de várias capitais para que possa ser feito um comparativo da situação na Bahia. Além disso, ele também disponibiliza informações sobre recuperados e sobre ocupação de leitos do SUS (Sistema Único de Saúde) na Bahia. O boletim ganhou, ainda, um espaço com as principais notícias a respeito do tema e até uma lista com os laboratórios que realizam a coleta do exame de COVID-19 de forma domiciliar, em Salvador e em Feita de Santana.

Arquivo Pessoal

Salvador

Gusmão começou a fazer o levantamento apenas para tranquilizar família e amigos

O boletim elaborado por Gusmão também disponibiliza, entre outras informações, o número do Disque-coronavírus, regras de etiquetas respiratória, cuidados com idosos, isolamento domiciliar e o que a pessoa deve fazer quando apresenta sintomas da doença. “Eu sempre busco informações oficiais para não ter interpretações diferentes. Disponibilizamos muitos gráficos, que nos ajudam a ter uma boa ideia da situação atual, apesar de a incidência no Brasil não ser fidedigna porque isso depende de testagem, e a nossa é muito baixa”, explica. Por este motivo, ele prefere analisar a pandemia através dos óbitos registrados.


10

3º Trimestre/2020

Conversa Técnica

O papel da Fistuloclise no tratamento de paciente portadores de fístulas enteroatmosféricas Prof. Dr. Marcelo A. F. Ribeiro Jr., Samara de Souza Augusto, Yasmin Garcia Batista Elias, Paola Rezende Néder, Cássia Tiemi Kawase Costa, Andressa Daniel Maurício As fístulas são comunicações anormais entre dois órgãos, órgão e pele, ou órgão e uma ferida. Quando entéricas, as fístulas enterocutâneas (FEC) representam uma conexão entre o estômago, intestino delgado ou intestino grosso e tecidos adjacentes com descarga de conteúdo entérico e/ou fecal. Nos casos de pacientes graves em decorrência de traumas abdominais complexos submetidos a procedimentos cirúrgicos, uma das complicações mais temidas são as fístulas enteroatmosféricas (FEA), na qual a origem é o trato gastrointestinal (TGI) em conexão com o meio externo por meio do abdome aberto. Em se tratando de fístulas enteroatmosféricas, além do trauma, outras causas são as complicações de cirurgias abdominais, como ressecção do intestino grosso, re-explorações, perfuração intestinal e fístulas de anastomoses. Diante das repercussões clínicas, a taxa de mortalidade desses pacientes pode chegar a 33%. O fator impactante de maior letalidade é o alto débito das FEA, uma vez que a perda de fluídos, eletrólitos, minerais e proteínas levam a complicações como a sepse, desnutrição e distúrbios hidroeletrolíticos. A abordagem inicial para seu tratamento tem como objetivo o suporte sistêmico para o bom funcionamento dos órgãos vitais, com o controle do risco infeccioso, o manejo da ferida operatória, a manutenção hidroeletrolítica e a proteção do trato gastrointestinal. A princípio, o tratamento visa reverter o padrão inflamatório e estimular o fechamento espontâneo da lesão. Em se tratando de FEAs, é pouco provável que em fístulas de moderado e alto débito, haja resolução espontânea. O tratamento passa a ser de longo prazo para manutenção das condições clínicas do paciente e posterior correção definitiva do reestabelecimento do trânsito intestinal. Atualmente, baseado em dados da literatura, assim como deste autor, o prazo mínimo para melhores resultados é de 12 meses, permitindo a estabilização nutricional, controle infecioso e uma melhor condição intracavitária durante a reabordagem cirúrgica. Uma vez que o tratamento definitivo não é viável a curto prazo, é preciso, principalmente, atender às demandas nutricionais do paciente. Com o fluxo entérico persistente pela FEA, há perda significante de fluídos que, associados a perda de nutrientes, baixa ingestão calórica diária e alta demanda energética decorrente do processo inflamatório, resultam em catabolismo proteico-calórico e consequente desnutrição. Como a nutrição do paciente portador de fístula enteroatmosférica tem um papel extremamente importante na condução do caso,

Figura 1 Técnica de fistuloclise

para a redução da morbi-mortalidade, é preciso cautela na definição do tratamento. A via parenteral de forma exclusiva, ainda que seja a opção mais utilizada, apresenta riscos secundários importantes e custos elevados apontados cada vez mais como um contraponto para o paciente. Há consenso entre os estudos publicados na preferência da NE a NP quando ambas estão disponíveis. A proposta da fistuloclise consiste na infusão de dieta enteral assim como da secreção gastro-bílio-pancreática oriunda da boca proximal da fistula, otimizando a regeneração do epitélio intestinal distal, promovendo o eutrofismo celular dos enterócitos, assim como a readaptação funcional quanto a absorção de nutrientes fundamentais para recuperação dos pacientes. Com isto, utilizando a via enteral, mais fisiológica por princípio, estimula-se a perfusão mesentérica por hiperemia esplâncnica pós-prandial, aumenta-se a integridade estrutural e funcional da mucosa do TGI, previne-se a adesão bacteriana a célula epitelial intestinal, com maior estímulo de secreção de IgA e menor resposta inflamatória local. Esses fatores que promovem um cenário de maior qualidade da mucosa local, a longo prazo resultam em melhores resultados na cirurgia definitiva de reconstrução do trânsito intestinal. Para que se possa realizar a fistuloclíse, é preciso realizar um procedimento conhecido como fistulograma. Neste, é injetado contraste na fístula distal por meio de um cateter e, na sequência, é realizado um estudo radiológico por meio de raio-x do abdome para monitorar o fluxo do contraste. Assim, é possível identificar o comprimento da alça distal, a presença ou não de obstruções e confirmar se há fístula e onde está localizada. Atualmente, tal exame pode ser substituído pelo uso da tomografia com contras-

te, a qual poderá fornecer tais dados assim como elucidar a presença de eventuais pontos de obstrução no segmento distal da alça. Associada às condições para o procedimento diagnóstico, o paciente precisa apresentar-se estável hemodinamicamente, sem sinais infecciosos, tendo sido avaliada e excluída a possibilidade de resolução espontânea da fístula em curto espaço de tempo. Embora bastante promissora, a técnica ainda é pouco difundida dentro da prática médica. Por esta razão, não há uma padronização dos materiais utilizados para estabelecer a fistuloclise. Mesmo que haja variação, o mecanismo deve ser realizado da mesma forma para que seja estabelecida uma continuidade extracorpórea da circulação do conteúdo gastrointestinal. Deve sempre haver um meio de coleta do conteúdo entérico da fístula proximal aferente e, criando uma continuidade, promover a reinfusão na fístula distal por meio de um catéter com balão. Associada à reinfusão de suco entérico, deve também ser feita por outra via do catéter a nutrição enteral. (Figura 1) Ao estabelecer a via de nutrição enteral, pela técnica de fistuloclise, outro benefício com repercussão positiva na estabilidade hepática é a redução no risco de translocação bacteriana e, consequentemente prevenção, de sepse. A fistuloclise, embora bastante vantajosa para o paciente, é pouco aplicada na prática médica. Muito se deve a limitações do próprio paciente, que, muitas vezes, se recusa à ideia de reinfusão de conteúdo entérico após a eliminação do mesmo e pelo fato de ser pouco estético o mecanismo utilizado pra viabilizar a circulação extra-corpórea gastrointestinal. Com relação a possíveis contratempos na aplicação da fistuloclise, há escape do conteúdo efluente coletado e corrosão da mucosa e da pele que precisam se reabilitar, assim como deslocamento do tubo por peristaltismo. A utilização da fistuloclise representa um método seguro, que otimiza as condições clínicas e nutricionais dos pacientes portadores de FEA, permitindo que os mesmos, quando abordados para o seu reparo definitivo, encontrem-se bem sob o ponto de vista nutricional e imunológico, aumentando, com isto, as chances de sucesso do procedimento. Nos casos onde o reparo definitivo não seja possível, aumentam-se a chances de redução ou mesmo interrupção do uso da nutrição por via parental, representando, portanto, uma modalidade promissora frente a casos desafiadores.


11

3º Trimestre/2020

Salvando Vidas

Queimadura e Trauma infantil são temas de campanhas das Ligas de Trauma O programa Salvando Vidas, uma iniciativa do Comitê Brasileiro de Ligas de Trauma (CoBraLT) e da SBAIT, trabalhou, nos meses de maio, junho e julho, junto às Ligas de Trauma de diversas regiões do país, importantes temas de prevenção e orientação à população por meio das redes sociais. Durante o mês de maio, foi abordado o tema “Prevenção em casa”, que reforçou o alerta e os cuidados durante a quarentena e divulgou orientações para toda a população, em especial, idosos e crianças. A campanha, realizada on-line, abrangeu os diversos temas relacionados a medidas de prevenção de traumas no ambiente domiciliar, como quedas, queimaduras, intoxicações e choques elétricos. Uma atenção especial foi dada nas orientações sobre os cuidados em relação ao uso do álcool em gel, um grande aliado no combate à COVID-19, mas que se trata de um produto inflamável, o que requer atenção no seu uso e armazenamento. Em junho, a prevenção às queimaduras foi o tema trabalhado. Os materiais da campanha trouxeram informações sobre os tipos de queimaduras (1º, 2º e 3º graus), além da regra dos 9, como evitar as queimaduras e como realizar os primeiros atendimentos em vítimas de problema. Já no mês de julho, o Programa Salvando Vidas trouxe orientações sobre prevenção e cuidados ao trauma infantil, que ocorre em crianças de até 12 anos de idade incompletos e pode englobar as perturbações causadas subitamente por um agente físico, de etiologia, natureza e extensão muito variadas, podendo acontecer em diferentes partes do corpo.

Divulgação

Estudantes trabalharam a prevenção, de forma on-line, para orientar a população

Prevenção ao Trauma pediátrico foi um dos temas trabalhados no Programa Salvando Vidas

No mundo, 1 milhão de crianças morrem por causas traumáticas anualmente. Já no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde (2018), cerca de 3,6 mil crianças brasileiras morrem por ano vítimas de “acidentes” e, em média, 111 mil são hospitalizadas na rede pública de saúde. Segundo A ONG Criança Segura (2017), parceira SBAIT, os “acidentes” que mais tiram vidas de crianças e adolescentes de zero a 14 anos são os eventos relacionados ao trânsito; em seguida, estão os afogamentos e a sufocação. Os eventos relacionados ao trânsito representam 32,5% das mortes, 26,1% são os afogamentos e a sufocação representa 21,2%, o restante de 20,2% representam outras causas variadas. Estudos afirmam que 90% dos trau-

mas “não são acidentes” e, desta forma, podem ser evitados com medidas simples de PREVENÇÃO, como não deixar produtos tóxicos ou inflamáveis ao alcance das crianças, não as deixar sem supervisão, protegê-las adequadamente quando forem passageiras de algum veículo, entre outras ações. A Campanha “Prevenção ao Trauma Infantil” abordou, em suas peças, informações sobre: proteção das crianças no trânsito (carro), proteção das crianças no uso de skate, bicicleta e patins, prevenção de afogamentos e prevenção de sufocação no momento de comer, dormir, brincar, em casa ou no carro. Para saber mais sobre o Programa, acesse o site do COBRALT: http://cobralt.com.br/


12

3º Trimestre/2020

Agenda  Reuniões Online SBAIT - Todas as quintas-feiras, das 18h às 19h30, pela plataforma Zoom. O acesso é divulgado nas redes sociais da SBAIT semanalmente. https://www.facebook.com/sbaitbrasil/ ou https://www.instagram.com/ sbaitbrasil/  79th Virtual Annual Meeting of AAST & Clinical Congress of Acute

Care Surgery - 8 a 18 de setembro de 2020. Informações e inscrições: http:// www.aast.org/Meetings/AnnualMeeting/Default.aspx

dos pelas redes sociais: https://www.instagram.com/cobralt. sbait/ ou https://www.facebook.com/ CoBraLT/

 XXII Congresso Brasileiro de Ligas do Trauma (CoLT)_Online - 12 a 14 de novembro de 2020. Informações sobre Inscrições, Edital de Submissão de Trabalho Científicos e Edital de Competição InterLigas serão divulga-

 Trauma Brasil 2021 / XIV Congresso da SBAIT / XXIII Congresso Brasileiro de Ligas de Trauma ( CoLT) - 14 a 16 de outubro de 2021. Local: Centro de Convenções Frei Caneca São Paulo / SP. Em breve, informações.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.