Histórico das séries
Conheça qual é a primeira série da história e quais as principais mudanças da TV linear para os serviços de streaming
Formas e estratégias de produção:
Produtores explicam como funcionam as leis de financiamento audiovisual no Brasil
Representatividade é importante
Como as séries podem promover a inclusão
José
Luiz Villamarim
Diretor da Rede Globo fala sobre os custos de uma produção atualmente
O mercado das séries
O boom dos serviços de streaming e a situação das pequenas produtoras
Novas tecnologias
Realidade virtual e conteúdos interativos já são realidade no mundo das séries
E mais!
Realidade virtual e conteúdos interativos já são realidade no mundo das séries
2022 | Nº 001 | R$ 10,00
24 de novembro de
O vício em séries é uma característica universal que impulsionou o mercado audiovisual e a criação de novos formatos ao longo da história
Tecnologia
Nesta edição: Editorial 4
5
8
12 Por dentro dos bastidores da produção Como as
18 Inclusão e acessibilidade como as
lidam
essas questões?
Glossário
As séries audiovisuais
séries lidam com essas questões?
séries
com
24
30 Economia As
Mundo 42 O que anda bombando Crítica 36 36 Bom dia, Verônica 37 Cobra Kai 39 (Des)encanto 40 True Beauty
As séries estão retratando e incorporando cada vez mais um mundo cheio de tecnologia nas suas produções
novas produções, serviços de streaming e seus impactos na economia
Editorial
Como uma pessoa apaixonada por séries, me orgulho de ter proposto o tema como nosso TCC. Foram meses de trabalho árduo, mas extremamente prazeroso e gratificante. Ver nossa revista tomando forma foi uma sensação mágica e muito marcante proporcionada pelo Jornalismo. Com o produto em mãos, percebo o quanto amo minha profissão e como mal posso esperar para contar histórias pelo resto da minha vida.
A escolha do nosso TCC juntou duas coisas que mais amo neste mundo: a escrita e as séries. A experiência de não ser mais apenas uma espectadora desse tipo de produção, mas me tornar alguém que produz conteúdos relevantes sobre o tema, me mostrou como escolhi a profissão certa. Todas as entrevistas, apurações, leituras e cada etapa de produção foram desafiadoras, mas também muito especiais e marcantes. Agora, ver a paixão por histórias e pelas palavras se consolidando em um trabalho muito importante e feito com muito carinho é extremamente gratificante e algo que levarei para sempre com muito orgulho.
Entrei para o curso de Jornalismo, porque sempre amei escrever histórias. Conseguir juntar isso, com a minha paixão por séries através do tema do TCC, acabou fazendo com que eu me envolvesse ainda mais na produção da revista. Ver o caminhar de todas as matérias produzidas e o Mise En Serie tomando forma me enche de orgulho e de gratificação depois de tanto trabalho duro ao longo desses meses.
Produção e texto
Julia Portilho, Maria Eduarda Costa, Letícia Anacleto e Sheila Lemes
Revisão e orientação Iara Franco
Projeto gráfico e diagramação Saulo Laranjeira
Impressão
Futura Express
Papel
Capa: Couché Liso 180g Miolo: Couché listo 90g
Após quatro anos cursando a graduação, concluo com a certeza de que nenhuma outra profissão me faria mais feliz que o jornalismo. A experiência de construção de cada etapa da revista foi desafiadora e gratificante. Com o TCC, pude unir o gosto por séries e a paixão pelo processo jornalístico de propor pautas, apuração e redação. A produção de cada matéria e o trabalho como um todo, se tornou essencial para compor minha bagagem acadêmica e profissional.
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Julia Portilho
Letícia Anacleto Maria Eduarda Costa
Editorial
Sheila Lemes
Glossário das séries
Um compilado em 2 minutos de conceitos sobre o universo das séries para você imergir por completo nesta revista e se aventurar sem perder nenhum detalhe
1x01, 2x01,…
O primeiro termo sempre se refere a temporada e o segundo ao número do episódio.
Cliffhanger
Também conhecido como “gancho”, é a estratégia utilizada nos finais dos episódios e temporadas para provocar a curiosidade do espectador e fazê-lo acompanhar a sequência. Normalmente, costuma interromper a história no clímax.
Crossover Hiatus
Outra estratégia bastante utilizada no mundo das séries, é a junção de duas produções diferentes em um mesmo episódio para atrair espectadores para ambas e aumentar a audiência. Um exemplo são as séries de super-heróis do canal americano CW, como “Arrow”, “The Flash” e “Supergirl”.
Hiatus é o tempo em que a série fica “parada”, sem ser transmitida. É o período em que serão gravadas as cenas da temporada seguinte. Por conta disso, as temporadas geralmente são lançadas uma vez a cada ano.
Mid Season Piloto
É o período em que a maior parte das séries americanas finalizam suas temporadas e entram em hiato até o lançamento da próxima temporada.
O piloto é o primeiro episódio de uma série, geralmente produzido com o intuito de ser um teste para a própria emissora ou plataforma e a audiência. Dependendo das reações positivas ou negativas, os rumos do projeto podem ser alterados.
É o enredo, a trama. Uma série é composta por um plot principal e por várias outras ações dentro da história que criam a narrativa.
Plot Plot Twist
É uma reviravolta na narrativa que muda os rumos da série até então, geralmente apresentando acontecimentos chocantes e inesperados.
Reunion
É o reencontro do elenco de uma série, anos após o seu encerramento. Diversas produções como “Friends”, “ICarly” e “Um Maluco no pedaço” fizeram reuniões recentemente, para relembrar a época que as séries estavam em atividade, bem como para compartilhar histórias dos bastidores.
Traduzida do inglês “season”, a temporada é o conjunto de episódios reunidos em blocos, normalmente, de 10 a 20 episódios, lançados ano a ano.
Upfront Showrunner
É o evento decisivo para as produções e para o próprio canal. É o momento em que as emissoras apresentam oficialmente os novos rumos, além de novos projetos, continuações e cancelamentos.
É a pessoa responsável pelo andamento da série. O showrunner geralmente está envolvido em praticamente todas as etapas importantes, como a criação, produção, roteiro, direção e seleção de elenco. A indústria do audiovisual considera o profissional importante também para manter a coesão da série.
Spoiler Review
Textos que apresentam análises críticas dos episódios ou temporadas de uma série. Pode ser elaborada por um crítico especializado ou apenas um fã.
Season Finale Season Premiere
Tem origem do verbo spoil, em inglês, que significa “estragar”. O termo é utilizado quando alguém revela um acontecimento importante de uma série, como a morte de uma personagem, para alguém que ainda não tenha visto a cena.
Trata-se do último episódio de uma temporada.
É o episódio que inaugura uma nova temporada de uma série.
Temporada Shipper
O shipper é derivado da palavra em inglês “relationship” e designa um casal muito querido e que tem a torcida dos fãs. Séries juvenis, como “The Vampire Diaries” costumam provocar briga entre os fãs que preferem determinado casal. Nessa série, a disputa dos fãs girou em torno do par da Elena: Damon ou Stefan.
5 Mise-en-série
As séries audiovisuais:
da TV aos serviços de streaming
O vício em séries é uma característica universal que impulsionou o mercado audiovisual e a criação de novos formatos ao longo da história
Um fato importante sobre o mundo atual é o crescente apreço do pú blico por conteúdos audiovisuais, principalmente, no formato de séries. Seja por meio da narrativa ou pela identifica ção com as personagens, este tipo de produção se tornou uma concorrente de peso no embate Cinema x TV. Uma pes quisa realizada pela gigante da comu nicação norte-americana NBCUniversal, intitulada Paixões em Séries, divulgada pelo site Gente Globo, mostrou como o consumo de séries au mentou, principalmen
te, por parte dos brasileiros assinantes de streamings ou de TV por assinatura durante a pandemia de Covid-19.
Segundo a pesquisa, um dos dados mais relevantes é o que aponta as sé ries como a principal forma de entre tenimento durante o isolamento social em 2020. Esse cenário também reflete o crescimento da produção de séries ao redor do mundo. De acordo com uma pesquisa anual realizada pela FX Ne tworks Research, foi comprovado um recorde histórico: aproximadamente 559 séries com script adulto e língua
original em inglês foram exibidas em 2021, veiculadas na TV aberta, a cabo e nas plataformas de streaming. Isso re presenta um aumento de mais de 208% em relação a 2002.
Mas você sabe como a narrativa das séries é construída ou quando a primeira produção deste tipo foi lançada? E qual a diferença entre série e seriado?
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Julia Portilho, Letícia Anacleto, Maria Eduarda Costa e Sheila Lemes
Contexto histórico
Écomum que as definições de série e seriado sejam confundidas pelo público. De acordo com Sílvia Góis Dantas, em sua tese de doutorado em Ciência da Comunicação pela USP, a maior diferença entre os dois formatos está na cronologia das narrativas e nas estratégias para prender a atenção do espectador.
O seriado não exige o acompanhamento em ordem cronológica dos episódios, já que seu arco dramático tem início, meio e fim dentro de um mesmo episódio. Alguns seriados de sucesso também são grandes marcos na cultura popular, como Friends (1994-2004) e Bla-
Tudo começa pela TV
Osurgimento das séries é proporcionado pela televisão, que transmitia os episódios diária ou semanalmente. Uma das pioneiras com este tipo de formato foi “The Television Ghost”, uma série estadunidense de terror dramático lançada em 1931. As histórias de fantasmas apresentadas pelo ator George Kelting, eram transmitidas por meio da estação de televisão experimental W2XAB.
Devido a situação precária do canal, não foi feita gravação de áudio ou vídeo do programa, de forma que, após sua transmissão, todo o material foi perdido. Os únicos documentos que comprovam a existência da série são algumas aparições no jornal da época e algumas fotografias publicitárias de Kelting fantasiado.
Justamente pela não preservação do material de “The Television Ghost”, é mais comum encontrar informações que atribuam a série britânica “Pinwright’s Progress” como uma das primeiras já produzidas. Transmitida pelo canal BBC em 1946, a produção mostrava as desventuras de J. Pinwright, o dono de uma loja, que precisava lidar com as dificuldades impostas por um rival e pelos próprios funcionários.
Nesse primeiro momento, é possível considerar que as produções tinham narrativas mais semelhantes ao formato seriado. Isto porque as histórias não exigiam um acompanhamento constante
ck Mirror (2011-). Dentro desta categoria, ainda existem as animações, como The Simpsons, produção norte-americana consagrada mundialmente. A história da família amarela é o seriado mais longo da história, no ar desde 1989 com 33 temporadas.
Por outro lado, a série tem uma narrativa mais contínua, exigindo que o espectador assista a todos os episódios em ordem para compreender a história. A série utiliza da técnica de deixar ganchos no final dos episódios para incentivar o público a acompanhar a temporada como um todo, estratégia semelhante às telenovelas no Brasil.
A rede britânica de comunicação BBC desenvolveu uma lista com as 100 melhores produções lançadas desde o ano 2001. A pesquisa foi realizada com a ajuda de 206 especialistas de 43 países, que elegeram como Top 3 as séries The Wire (2002-2008), Mad Men (2007-2015) e Breaking Bad (2008-2013), respectivamente. Estes são apenas alguns exemplos da infinidade de séries existentes e apreciadas pelo público. As listas das produções mais marcantes podem ser subjetivas, já que cada pessoa avalia por uma perspectiva e com base em critérios diversos.
do público, já que a transmissão acontecia quase inteiramente pela televisão, sendo o rádio seu concorrente. Assim, as tramas eram mais simples e acessíveis, de forma que pudessem alcançar uma maior quantidade de pessoas.
De acordo com o livro “Telenovela: história e produção”, dos autores Renato Ortiz, Silvia Borelli e José Ramos, a cultura popular de massa está relacionada ao lazer, por fazer parte do divertimento das pessoas. Portanto, é natural que “os produtores culturais que elaboram a ficção televisiva gravitem em torno da ideia de entretenimento, pois o objetivo principal de seus trabalhos é magnetizar amplas faixas de consumidores”.
Seguindo essa lógica, ao longo do desenvolvimento da televisão, diversos formatos de produtos foram sendo criados, aperfeiçoados e lançados como apostas. Dentre eles, as sitcoms, minisséries e seriados. O livro “101 atrações de TV que sintonizaram o Brasil”, de Patrícia Kogut, publicado em 2017, deixa claro como o Brasil encontrou na telinha “uma de suas mais efetivas formas de expressão”.
A partir desse cenário, é possível observar o surgimento e o poder das tele-
novelas dentro da cultura popular, sendo uma das principais e primeiras formas de narrativa seriada no país, com a utilização de ganchos no final dos capítulos, como as séries produzidas nos Estados Unidos. No âmbito nacional, durante as déca das de 1960 e 1980, a TV era vista como “enlatada”. O termo, de acordo com o livro de Kogut, tinha caráter pejorativo, pois fazia uma crítica à falta de pro duções brasileiras. Na época, seriados estrangeiros, como “Chaves”, “Jeannie é um gênio” e “O agente 86”, colaboraram na criação de uma geração de pessoas que acompanhavam e consumiam este tipo de produção.
Com o potencial das produções de fora, o Brasil passou a investir na criação de seus próprios seriados. O “Sítio do
Picapau Amarelo” (1952) e “Carga Pesa da” (1979) são exemplos de importantes produções na história da teledramaturgia nacional. Dessa forma, o público tinha acesso a conteúdos originais, em sua lín gua nativa e com situações de cotidiano identificáveis, por se passarem no mesmo país, logo, na mesma cultura que a sua. Kogut ressalta que, ao assistir “A Grande Família” (2001), por exemplo, “era como estar numa mesa de jantar brasileira, como mais um conviva, conversando so bre os acontecimentos prosaicos do dia”.
Dentro do universo da TV tradicional, seja ela aberta ou a cabo por assinatura, o tipo de serviço ofertado é considerado linear, pois segue um fluxo de programa ção, com grades organizadas vertical (horas do dia) e horizontalmente (dias
Uma nova forma de assistir séries
Em contrapartida ao sistema da televi são, houve o surgimento dos serviços de streaming, que passaram a proporcionar uma nova forma de consumo não-linear. Essa novidade na distribuição digital de conteúdos audiovisuais foi idealizada e teve seu esboço lançado na década
de 1990, mas só se popularizou com as transformações proporcionadas por um serviço de internet mais rápido e aces sível, conhecido como Web 2.0, a partir de 2001.
O streaming em si é definido como uma maneira de distribuir e transmitir
da semana). De acordo com a autora americana Amanda Lotz, no artigo “Por tals: A Treatise on Internet-Distributed Television”, essa linearidade é caracte rizada pela necessidade da adequação do público aos horários de transmissão, tempo de duração e fluxo de conteúdo estabelecidos pela emissora.
Além disso, a televisão também de pende de patrocinadores para manter a grade de programação, razão pela qual tanto programas quanto intervalos comerciais têm horários relativamente rígidos. No caso da TV a cabo, a manu tenção da programação e estrutura do canal advém, em parte, da assinatura dos espectadores.
conteúdos pela internet, sem a necessi dade de ter um suporte físico como uma fita de vídeo, um disco laser ou um DVD, ou de mantê-lo na memória do aparelho. A vantagem deste novo modo de con sumir produtos audiovisuais é que sua disponibilização ocorre simultaneamente
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Os atores Stênio Garcia e Antônio Fagundes na gravação do seriado “Carga Pesada”. Foto: Memória Globo
ao seu lançamento em todas as partes do mundo.
Agora o usuário pode assistir séries quando desejar, com recursos que não estão disponíveis na televisão tradicional, como pausar, pular a abertura e adiantar o conteúdo. Além disso, o streaming não depende de anunciantes, pois o próprio público é quem vai financiar a platafor ma, por meio de uma assinatura mensal ou anual de um valor estipulado pela empresa.
A responsável por popularizar o ter mo “streaming” ao redor do mundo foi a Netflix, que surgiu em 1997 como um serviço de locação de filmes e entrega de DVDs pelos correios e que, hoje, é a maior plataforma do mercado. A partir de 2007, a empresa iniciou o serviço de streaming como o conhecido atualmente, dando início a uma nova onda que reconfigurou
o mercado audiovisual na última década: o chamado “Netflix effect”. As principais inovações deste “fenômeno” são a dis tribuição online, a partir de assinaturas mensais ou anuais, e a disponibilização completa de séries e temporadas inteiras de uma só vez em seu catálogo.
Desde sua criação, a Netflix vem mo dernizando o mercado e o modo de consumo cada vez mais. Hoje, o uso de algoritmos de recomendação de con teúdos adaptados a cada perfil dentro da plataforma e a produção original de conteúdos são marcas da gigante do streaming.
A liderança da Netflix no mercado im pulsionou o surgimento de outras plata formas online, inspiradas pelo sucesso desse novo modo de consumo. Esse ce nário influenciou até mesmo emissoras de televisão a entrarem na onda de dispo
nibilizar conteúdo pela internet, além de investir em produções específicas para o streaming. Globoplay (2015), Starzplay (2018) e HBO Max (2020) são exemplos de streamings que surgiram a partir de suas emissoras, que já produziam séries e novelas para seus canais e resolveram inovar.
É notável como o mercado vem se atualizando e criando uma competição cada vez mais acirrada em busca do pú blico. A tendência é que mais serviços de streaming sejam criados com o passar do tempo e, consequentemente, a produção de um novo catálogo mais diverso de séries e conteúdos audiovisuais no geral. A certeza é: as séries vieram para ficar e as plataformas de serviço mostram a consolidação deste formato de conteúdo dentro da sociedade.
Por dentro dos bastidores da produção: as formas e estratégias de séries audiovisuais
As séries estão presentes no coti diano das pessoas há décadas, contudo, nos últimos anos é per ceptível a mudança ocorrida nas formas e estratégias de produção e distribuição. Um episódio marcante e responsável por determinar e criar um novo viés para es tas produções foi a greve dos roteiristas que aconteceu em 2007 nos Estados Unidos, um dos berços das produções audiovisuais.
A paralisação durou até o ano seguinte e teve como principal motivo a reivindi cação dos roteiristas pelo recebimento de lucros mais elevados sobre vendas em disco (DVD, HD-DVD ou Blu-Ray) e exibição das obras em serviços de stre
amings e downloads pela internet. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, na época os grevistas se reuniram em frente ao prédio do grupo Viacom, que controla a Paramount e a MTV, para exigir o aumento de 2,5% do retorno financeiro das produções.
A manifestação causou grandes im pactos para a produção de algumas séries, que tiveram as gravações sus pendidas. “The Big Bang Theory” (2007), estreou durante a crise e teve apenas 17 episódios, diferente das temporadas seguintes, onde é possível observar nú meros maiores. Mesmo caso aconteceu com “Prison Break” (2005), que também teve temporadas reduzidas, e com “24
horas” (2001), que foi adiada.
Com esse grande impacto causado na produção de séries da época, a indús tria perdeu muito dinheiro, somando um prejuízo de US$ 2,1 bilhões até o final de 2008. A greve acabou contribuindo para a inovação no formato das séries, que passaram a apresentar diversificados modelos, novas narrativas e diferentes formas de linguagem. Com a situação de 2007, os conteúdos audiovisuais ga nharam maior importância na indústria norte-americana. Isso impulsionou os serviços de streaming e as produções autônomas.
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Do financiamento à divulgação, as séries são construídas de forma pensada para fazerem sucesso, e os produtores são a chave fundamental desse processo
Julia Portilho, Leticia Anacleto, Maria Eduarda Costa e Sheila Lemes
Foto: divulgação
“The Big Bang Theory” (2007), estreou durante a crise e teve apenas 17 episódios,
O financiamento audiovisual no Brasil
Silvia Godinho é formada em Jor nalismo e pós-graduada em Di reção e Produção pela “National Film and Television School-NFTS”, da In glaterra. Silvia já participou de diversos projetos e, atualmente, está dirigindo a série independente “Azul Celeste”, em Belo Horizonte. Para propostas como a da série, a diretora conta que, no âmbito nacional, para um projeto sair do papel deve haver um canal de televisão inte ressado em exibir a obra.
A partir disso, a Agência Nacional do Cinema (Ancine), órgão do governo fe deral que regula e impulsiona a atividade, pode aprovar e financiar, direta ou indire tamente, a produção. Com os lucros após o lançamento, o dinheiro deve ser retornado à agência em um período de até sete anos.
Isso vai retroalimentando esse fundo do audiovisual. É um projeto muito inteligente onde o próprio audiovisual se alimenta. Ele cria uma indústria autossustentável.
Diferente das produções de grandes plataformas de streaming, como a Netflix, as obras independentes têm orçamentos menores. Neste caso, como o orçamento é baixo, a história, a equipe e as condições de gravação devem se adequar para terem um custo menor. Entretanto, se comparado a um filme, a série requer muito mais trabalho e organização.
“Se num longa você tem 80 cenas, na série tem 400. A lógica é a mesma, o que muda de fato é o volume de gravação. São 340 horas de gravação editadas, ou seja, o tempo de gravação é muito maior do que isso”, diz Silvia. A cineasta ainda completa que quanto mais cenas são produzidas na série, maior vai ser o elenco e as locações, logo a produção vai ser mais complexa .
Antes de iniciado e mesmo durante todo o processo de construção de uma série, os envol vidos devem pensar nas estratégias de lan çamento, qual vai ser o público alvo, a faixa etária e o tipo de tema a abordar. Antigamen te, com a TV linear, a grade de programação era mais segmentada, com programas divi didos para o público infantil e família. Hoje, com a possibilidade de acesso aos streamings, a própria pessoa esco lhe o que vai assistir e na hora que quiser.
Isso está diretamente relacionado com a mudança na programação após a che gada do streaming. A grade de horários deixa de ser um fator determinante com a possibilidade de maratonar todos os episódios, já que são disponibilizados ao mesmo tempo. Atualmente o lançamento de capítulos esporádicos é utilizado, na maioria das vezes, como uma estratégia para criar expectativa nos espectadores. Contudo, a liberdade de ter todos os
episódios disponíveis é muito valorizada pelos consumidores de séries nos stre amings. Para Silvia, “o streaming veio para revolucionar a forma que as pes soas consomem esse conteúdo. Antes você não tinha que pensar, os canais de televisão distribuem de acordo com a forma que convinha a grade de horário deles”, explica.
As lógicas por trás da produção
Para que as séries saiam do pa pel e se tornem projetos reais é preciso uma peça fundamental neste quebra-cabeças: o produtor. Dentro deste universo, Fred Pequeno se destaca com um currículo repleto de documentá rios, longas-metragens e séries realiza das para canais de televisão brasileiros. Atualmente, ele é produtor executivo da Dromedário Cinema e Vídeo e membro da Comissão de Direito do Audiovisual da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais.
Fred acredita que sua formação em direito contribuiu de forma positiva para entender a complexidade da questão dos direitos autorais e de produção de seus trabalhos. Com relação ao papel
do produtor, ele acredita, assim como Silvia Godinho, que a participação em todas as etapas da produção é de ex trema importância. Ele afirma que, “você consegue pensar criativamente para ter uma coisa que vai caber no seu bolso. Este é o grande lema que a gente vive. Seria incrível ter dinheiro infinito para fazer o que você quisesse, mas, infelizmente, não é a realidade”.
Ter consciência e organização quanto ao orçamento e o futuro de seu investi mento é essencial para garantir o sucesso a longo prazo de seu produto. Fred reflete sobre a desvalorização da produção e consumo de obras brasileiras por parte da própria população e do governo. Para ele, no exterior o investimento em séries
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Silvia Godinho e a atriz Janamô no set da série Azul Celeste. Foto: Reprodução/Redes Sociais
Formas e estratégias de séries audiovisuais
retorna financeiramente e atribui credibi lidade e visibilidade ao país de origem. Por exemplo, Inglaterra e Israel, mesmo tendo menos habitantes que o Brasil, exportam formatos para o mundo inteiro, enquanto continuamos consumindo, em grande maioria, os “enlatados” que vêm de fora.
O produtor destaca como o mundo funciona por meio do incentivo à cultura e como é inútil tentar comparar o setor nacional com o mercado norte-ameriano multimilionário. Fred esclarece a lógica por trás da questão financeira dos pro jetos: “em muitas conversas com produ tores americanos, você vê que o dinheiro não fica. O dinheiro que eles gastam no país não é o dinheiro que eles ganham lá, e sim o que ganham no resto do mundo. É um mercado gigantesco”.
Enquanto isso, ainda estamos em um processo lento para a consolidação desse mercado no país. Apesar da produção independente estar ganhando forma e um pouco mais de espaço, sobretudo por meio dos streamings, o consumo de produções estrangeiras ainda é forte em terras nacionais. A pesquisa Paixões em Séries, realizada pela NBCUniversal e divulgada pela Gente Globo, aponta
que, com o isolamento social, 47% dos entrevistados passaram a consumir mais produções internacionais do que antes.
Fred percebe uma mudança no for mato e distribuição das séries, sobretudo, com a revolução que está acontecendo com a chegada e crescimento dos strea mings. A TV tradicional, ou linear, se base ava na venda de espaço de propagandas na programação para poder produzir e bancar o canal. Uma das alterações mais evidentes é a mudança da regra do tempo de cada episódio. Hoje o que mais importa é a história e sua função para a narrativa e o telespectador.
Com a diminuição da dependência do financiamento externo, por meio de propagandas, o conteúdo é o que dita o tempo de duração de uma série ou quantos episódios ela terá. É comum que isto ocorra em pontos decisivos nas narrativas ou em finais de temporada, como na série “WandaVision” (2021). Isso foi possível devido ao investimento feito pelas próprias plataformas em suas pro duções originais ou parcerias.
Nesse contexto, Fred analisa o cenário como “a primeira quebra que a gente vê com o streaming. A Netflix falando ‘a
gente pode produzir em todas as línguas’ e aí séries do mundo inteiro são vistas pelo mundo inteiro, como Narcos”, finaliza.
Quanto a distribuição, o produtor afir ma que o fator chave para determinar o bom desempenho na produção e divul gação da série é o dinheiro. Uma equipe qualificada de produtores e co-produ tores é essencial para fazer seu produto ficar em evidência na mídia, seja em programas de televisão ou nos jornais. Uma performance lucrativa está rela cionada com o investimento feito nesta etapa para que, assim, a série ou filme esteja presente nos grandes círculos de audiovisual do mundo, como Hollywood.
Com a evolução das redes sociais, elas se tornaram ferramentas fundamentais no processo de divulgação de produções. A lógica mudou e, com ela, o gasto com anúncios diminui à medida em que o produtor pode criar estratégias e falar diretamente com o público de destino do seu produto. É comum que plataformas de streaming, como a Netflix, envolvam influenciadores e famosos como forma de atrair e fazer seus seguidores consu mirem suas séries.
15 Mise-en-série
Populares como memes nas redes sociais, Narcisa, Valesca Popozuda e Inês Brasil foram as estrelas do vídeo de divulgação da 5ª temporada de Orange Is The New Black (Netflix) no Brasil em 2017. Foto: Reprodução/@OITNBBrasil
A memória afetiva como resgate e renovação da indústria
Uma estratégia que tem virado tendência é o ressurgimento e resgate de séries de outras épocas com histórias atualizadas ou com novas versões. As plataformas de streaming e canais de televisão aberta e fechada têm optado por buscar pro duções que tenham um apelo forte para o público. Fred Pequeno afirma que isto está relacionado com a memória afetiva: “você já tem um público formado, então é mais fácil de agradar. Porém, se não gostarem, vão ficar bravos. Existe uma dificuldade de lidar com uma base de fãs forte”.
Esse resgate, proporcionado, principalmente, pela evolução tecno lógica, permite que séries que estariam marcadas e presas no tempo alcancem e formem um novo grupo de espectadores. Como mencionado por Fred, esta é uma boa opção quando os próprios produtores
Glossário
Revival
É quando a série ganha uma nova temporada, contendo parte do elenco original depois do seu término. Um exemplo disso é o seriado “ICarly” (2007–2012), que ganhou seu revi val em 2021. E a série “Gilmore Girls” (2000 – 2007), que em 2016 ganhou uma nova temporada de quatro epi sódios intitulada “Gilmore Girls: A Year in the Life”.
estão sem ideias novas para apresen tar, então buscam produções de outras épocas, e um resgate do público antigo, que poderia não gostar de produções originais.
Para isso, são utilizados alguns métodos que auxiliam neste resgate de histórias: são os prequels, remakes, re boots, spin-offs e revivals. Exemplo disso é “Bel-Air” (2022), série baseada na história de “Um Maluco no Pedaço”, que fez muito sucesso nos anos 90 e permanece agra dando o seu público. Essa técnica utili zada pela produção traz uma referência nostálgica que remete à memória afetiva tanto de quem produz, quanto de quem assiste, ao identificar uma referência a um personagem querido já conhecido.
Os resgates de outras épocas e de séries antigas sempre aconteceram. Um caso recente e que obteve muito êxito é “Stranger Things” (2016), ambientada
nos anos 80. Silvia Godinho relaciona essa estratégia do audiovisual com o imaginário coletivo e afirma que “hoje quem está produzindo são pessoas que na década de oitenta, por exemplo, eram crianças. Isso [Karatê Kid x Cobra Kai] traz um frescor na linguagem, uma nostalgia. Você tem uma referência nostálgica do próprio diretor, quais são as referência na vida das pessoas”, esclarece.
Os remakes permitem a renovação do público. Na perspectiva de Silvia, as histórias são cíclicas, mas atualizadas de acordo com o tempo em que são contadas. Porém, a lógica é de que essas narrativas se repitam, já que é difícil criar um produto 100% original. A produtora afirma que não acredita nessa origina lidade, e sim em pontos de vista que são renovados.
Prequel
É a sequência de um filme ou série que é a continuação do original. Ele se passa no mesmo universo, em que o público já está ambientado, con tando uma história anterior mostrada originalmente. Um exemplo disso, é a série House of the Dragon (2022), que conta a história da família Targaryen antes do que foi mostrado na série “Game of Thrones” (2011 – 2019).
Reboot
O reboot reinicia a franquia descon siderando as produções anteriores. Neste caso, a história tem liberdade de seguir rumos diferentes da original. Bel-Air é um reboot que vai trazer um tom mais dramático a sitcom Um Maluco no Pedaço (1990-1996), sendo um projeto inspirado em um vídeo de fã publicado no Youtube.
Spin-off
É um derivado de um outro produto, seja ele uma série ou filme de sucesso já existente. Normalmente, é uma estratégia utilizada para tentar dar continuidade ao sucesso de um produto. A série The Originals (2013-2018) é um spin-off de The Vampire Diaries (2009-2017), que conseguiu manter a popularidade da sua inspiração e também criar uma nova base de fãs.
Remake
O remake consiste em refazer a obra original, podendo fazer alterações na história. Um exemplo disso, é a série americana “The Office”, que é uma releitura da série homônima inglesa.
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Formas e estratégias de séries audiovisuais
Inclusão e acessibilidade como as séries lidam com essas questões?
As séries são campeãs no entretenimento do mundo moderno e seus diretores devem tomar consciência de seu caráter social e de inclusão
Julia Portilho e Letícia Anacleto
Uma menina senta-se no sofá da sala de casa e liga a televisão. Zapeando pelos canais, ela vê pessoas parecidas consigo mesma, representadas como pobres, bandidas e empregadas domésticas. Ao desligar a tela e voltar ao mundo real, em um colégio particular do Barreiro que também não reflete suas origens e a condição socioeconômica de sua família, a criança se depara com colegas de turma que não se parecem com ela, todos uniformizados. Todos iguais.
Há aqueles que dizem que as séries são o espelho da sociedade. A mesma sociedade que exclui certos sujeitos das histórias retratadas em produções audiovisuais. E é dentro dessa narrativa que Julia Oliveira se viu refletida em grande parte de sua vida. A estudante de fisioterapia, de 22 anos, cresceu sem conseguir se enxergar nas produções e, quando se via, era na pele de uma pessoa sofrida ou marginalizada.
A jovem conta que, na infância, se questionava: “Por que eu sempre vou ter que ser a pobre, a empregada doméstica, enquanto meus coleguinhas de sala vão ser os ricos?”. Esta é a realidade de mais da metade da população brasileira, que é composta por cerca de 56% de pessoas negras, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Representatividade é importante
Se até o final do século passado essa representatividade era escassa, atualmente as produções culturais tentam se adaptar à inclusão, mesmo que ainda não tenham alcançado o ideal. A doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais da Universidade de São Paulo, Juliana Gusman, aponta que, nos últimos anos, tem havido uma preocupação crescente com a questão das representatividades nas telas. “Agora estamos tendo uma virada para outros sujeitos conseguirem ocupar esses lugares e conduzirem a narrativa, cujas ações tem certas implicações no desenvolvimento da narrativa e não estão lá só para compor um cenário ou contexto social”, explica.
Atualmente as mais diversas comunidades reivindicam serem representadas em telas. O estudo Paixão em Séries 2021, promovido pela NBCUniversal e parceiros, aponta as séries como protagonistas no entretenimento da atualidade e concluiu que 79% das pessoas acham que essas produções retratam suas realidades mais do que antes. Por conta disso, produtoras e serviços de streaming estão, cada vez mais, criando conteúdos que celebram a diversidade. Séries como “Brooklyn Nine-Nine” (2013), “Heartstopper” (2022) e “The Sex Lives of College Girls” (2021), são grandes marcos de produções de sucesso que colocam mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+ e de diferentes culturas em posições de poder e destaque.
Assim como Julia, muitos jovens cresceram sem o respaldo e espelho de protagonistas que traduzissem suas histórias. Enzo Neves, estudante de odontologia pela Universidade Federal de Uberlândia, é uma delas. Desde pequeno, o goiano de 21 anos se entendia como gay e tinha interesse por conteúdos que reproduzissem sua realidade. Contudo, relata uma dificuldade em encontrar produções com essas temáticas e, até mesmo, em ter onde assisti-las: “Não podia ser na TV da sala. Então tive que esperar ter o meu primeiro computador, lá para os 15 anos, para ter acesso a esse tipo de conteúdo, o que foi um verdadeiro divisor de águas na minha vida”.
Tendo em vista as dificuldades que as pessoas LGBTQIA+ enfrentam em uma sociedade preconceituosa e uma das mais violentas
mundo
ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata pessoas da
19 Mise-en-série
do
- pelo quarto
“Brooklyn Nine-Nine” conta com dois protagonistas negros em cargos de poder na Polícia de Nova Iorque e com duas mulheres latinas fortes e empoderadas. Foto: Divulgação
comunidade, de acordo com o Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ - a alternativa encontrada por essas pessoas para se defenderem é por meio da união. Nessa lógica, Lorena Paiva estuda para se formar em Serviço Social justamente para ajudar e colaborar com a sociedade. Como mulher trans e conselheira municipal das mulheres de Belo Horizonte, Lorena conta que já prestou serviço social na ala rosa do presídio de São Joaquim das Bicas, na Grande BH. Por essa experiência e sua história pessoal, ela simpatiza com a série “Orange Is The New Black” (2013), que traz à tona questões do encarceramento feminino estadunidense. Principalmente baseada em suas vivências, Lorena acredita que ainda não existe uma série ou personagem que retrate a realidade vivida no cotidiano da comunidade trans. Para ela, é “importante dar visibilidade para essa minoria, pois ainda existe muita gente sem informação nos dias de hoje, além de inspirar outras pessoas a ajudar essa causa ainda tão frágil”.
Acessibilidade
Quando o assunto é a inclusão de pessoas com deficiência (PCD), sabe-se que a situação ainda é precária. Atualmente, as produções audiovisuais têm três ferramentas para proporcionar a essas pessoas uma experiência mais proveitosa: a linguagem de sinais, a legenda e a audiodescrição. Mas será que os serviços de streaming se preocupam com este tipo de acessibilidade?
Para Gabriel Aquino, pedagogo consultor em acessibilidade, a resposta é não. Como um homem cego, ele relata que a audiodescrição em grandes serviços como a Netflix e HBO Max ainda é um serviço escasso. Ele considera injusto pagar o mesmo valor que todo mundo para ter acesso a conteúdos limitados e, por isso, utiliza alguns sites alternativos para assistir a séries.
Neste contexto, a acessibilidade se torna extremamente importante num meio que foi feito para ser entendido por meio da união de duas formas: o áudio e o visual. “A audiodescrição entra para cobrir esse buraco, essa falha da série para o entendimento da pessoa cega ou com baixa visão”, comenta Gabriel.
Apesar disso, o pedagogo acredita que é preciso pensar em formas de implementar esses recursos, como a audiodescrição, com mais qualidade. “Eu acho que antes da gente pensar nessas próprias ferramentas, deve ser pensado na construção: no próprio roteiro, na filmagem, nos sons, no espaço adequado para a construção de frases. Tudo isso pode ser mais inclusivo”, explica.
Por isso, para tratar questões de inclusão e acessibilidade, não basta convidar pessoas com corpos negros, LGBTQIA+, indígenas ou de PCDs para as telas, é necessário que toda a cadeia de produção das séries seja pensada para isso. É o que também acredita Gusman, que aponta o roteiro, as estratégias de direção e outras diversas técnicas que auxiliam nesse processo: “Quando essa representatividade se imprime na narrativa do filme é porque teve um processo muito complexo antes que não está ancorado tão somente nos corpos. Eu acho que tem a ver com toda uma construção de linguagem cinematográfica mesmo”.
Por trás das câmeras
Há aqueles que desejam se ver nas telas e outros que realmente podem ou não ter essa chance. Este é o caso de atores e de profissionais ligados ao making of das produções audiovisuais. Em uma indústria dominada predominantemente por homens brancos heterossexuais, as mulheres estão dentre os grupos minoritários que precisam lutar para conquistar seu espaço. E quando se pertence a duas minorias ao mesmo tempo, a batalha tende a ser mais longa e árdua.
Como observado pela atriz indígena Zahy Guajajara, na maior parte das vezes as minorias, na verdade, são maioria na sociedade. O ato de ocupar lugares e espaços na mídia é uma tentativa de reparar injustiças e desigualdades existentes no Brasil desde a época da colonização. Tendo
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Inclusão e acessibilidade
sido criada em uma reserva e com uma língua nativa que não era o português, a atriz conta que aprendeu a oferecer o que o sistema pede para sobreviver. Em um ambiente que tende a suprimir a cultura e as línguas nativas, Zahy acredita que é preciso estar em constante negociação para tentar manter suas raízes vivas. Para ela, o conteúdo e o protagonismo em produções, principalmente, nos streamings “estão sendo obrigados a mudar”, não pela conscientização de produtores, mas sim, por uma exigência da sociedade a esse tipo de pauta.
“CHEGA DOS OUTROS CONTAREM NOSSAS HISTÓRIAS”
Com produções de sucesso no currículo, como a minissérie da TV Globo, “Dois Irmãos” (2017), e a série brasileira da Netflix, “Cidade Invisível” (2021), Zahy conta que tem conseguido contribuir para um lento progresso dessas represen tações na mídia. A série nacional recebeu duras críticas em sua primeira temporada devido à representação caricata do folclore nacional nas telas, como reflexo de um roteiro escrito por pessoas que não conhecem a fundo os costumes e tradições desses povos.
A atriz afirma que a segunda temporada - em fase de pós-produção - buscou corrigir os erros e trazer atores e uma di retora indígena para tratar da história. Zahy ressalta a importância de haver pessoas pertencentes às minorias por trás das câmeras para passar credibilidade à narrativa: “É importante para não ficar a cara dos colonizadores, porque eles continuam contando nossas histórias”. Assim, ela pôde ajudar na sua personagem e trazer mais veracidade à construção da trama. Dentro dessa ótica, Juliana Gusman, que também tem experiência com a comunicação voltada para a crítica femi nista da mídia e representações de gênero, indica que a pressão que existe atualmente para que haja representações mais justas na mídia é uma questão que vai além do social. Para ela, só assim haverá mudanças: “Teremos uma representativi dade e uma redistribuição econômica e não só uma defesa da representação, mas também um plano bastante concreto da possibilidade de trabalho para outros sujeitos que sempre foram apartados dos meios de produção do discurso”, defende.
A representatividade dentro e fora das telas é de extrema importância porque se trata de passar veracidade e credi bilidade sobre a reprodução da vida de pessoas reais. Como apontado por Julia Oliveira, por mais que roteiristas pesquisem sobre as lutas diárias desses grupos minoritários, nunca vão entender de fato. Por mais que simpatizem com as causas, a estudante de fisioterapia é concisa ao dizer que “nunca vão sentir na pele. No caso de mulheres negras, literalmente não sentem na pele”.
Em um meio escasso de produtos realmente preocupados com a inclusão, é fácil notar o quanto esses conteú dos são desvalorizados e mal divulgados por suas produtoras e streamings. Uma das grandes revoltas de fãs de séries é o constante cancelamento destas produções, o que se torna ainda mais comum quando protagonistas pertencem a grupos minoritários e a temáticas sociais.
“Special” é uma série da Netflix lançada em 2019, que coloca em evidência um jovem gay com paralisia cerebral que decide recomeçar sua vida e conquistar seu espaço no mundo. Com uma premissa comum, mas inovadora por colocar sob
Bastidores da 2ª temporada de “Cidade Invisível”; a produção buscou diversificar e dar credibilidade ao roteiro com uma diretora indígena no comando do novo ano. Foto: Netflix
o holofote um homem PCD que foge à heteronormatividade, a série é considerada nas redes sociais (pelo público limitado que a conhece) uma “pérola’’. Contudo, não consegue resistir ao apagamento constante promovido pelos grandes conglomerados de entretenimento do mundo.
Outras séries cativaram o público e também foram canceladas, como “Julie and The Phantoms” (2020)(Netflix), “The Get Down” (2016)(Netflix) e “One Day At Time” (2017)(Netflix). O grande alvo das críticas e descontentamento dos usuários se volta, em grande maioria, para a gigante do streaming: Netflix.
A insatisfação das pessoas que pertencem às minorias é uma onda em ascensão, isso porque os produtos culturais tentam usar de pautas sociais para se venderem. Na maioria das vezes fazem isso sem se importarem de fato em fazer uma retratação fiel e digna àquelas pessoas. E, quando conseguem, dificilmente passam da primeira temporada, como nas séries citadas acima.
Séries como ferramentas sociais
Cerca de 69% dos respondentes da pesquisa Paixão em Séries consideram que encontrar personagens que passaram pelas mesmas situações que elas nas telas é um fator decisivo na hora de decidir o que assistir. O dado só comprova a força e espaço que esses produtos têm dentro da sociedade e a influência que exercem na vida das pessoas.
Cientistas explicam que o ser humano tem a necessidade de pertencer e construir relações dentro de grupos sociais. Em um artigo publicado na plataforma da Globo, Laila Ropelli, estrategista de comunicação e especialista em neurociência, confirma o caráter social das séries como ferramentas de conexão entre as pessoas. Ao se identificar com um outro alguém que com partilha do mesmo gosto que você, cria-se um laço.
Afinal de contas, as séries têm caráter universal. Despertam a empatia e a sensibilidade do espectador. Permite que ele se enxergue e se espelhe em personagens semelhantes ou como gostariam de ser. Essas produções transcendem o tempo e o espaço, representando pedaços da realidade, momentos e pessoas.
Frente a tantas histórias reais marcadas por narrativas na tela, nota-se o caráter singular e de importância social em dar voz a protagonistas marginalizados e esquecidos pela sociedade. É mais do que retratar um recorte da vida humana, é sobre imaginar um mundo melhor e mais justo onde todas as pessoas tenham vez.
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Além de tratar de temas importantes e marginalizados pela sociedade, Special conta com uma grande diversidade no elenco. Foto: Netflix
Inclusão e acessibilidade
A tradução audiovisual acessível é importante
A especialista em audiodescrição e ex-coor denadora de Comunicação Assistiva em Libras e Braille da PUC Minas, Denise Queiroz, explica como promover uma acessibilidade de qualidade nas séries por meio da audiodescrição.
Como promover a acessibilidade nas séries e qual a importância para quem assiste?
A importância da audiodescrição, por exemplo, para pessoas cegas em relação a séries é dar a ela autonomia. Esse é um ponto da inclusão: em qualquer forma temos que pensar em recursos para que a pessoa seja autônoma. A audiodescrição vem para que a fruição estética não seja perdida, por exemplo: a pessoa coloca um veneno no copo. Isso não é falado e pode ser um elemento chave para a compreensão da história. Por isso o grande desafio é descrever sem adiantar a conclusão e sem emitir opinião.
A audiodescrição em produções audiovisuais é prevista por lei no Brasil?
Sim, já existem aparatos jurídicos para garantir que todo bem cultural tenha a audiodescrição, assim como a legenda para surdos e ensurdecidos. É uma questão que está evoluindo: as novas produções já estão começando a prever em seus orçamentos e estamos vendo uma ampliação desse mercado. A mais recente é a Lei Brasileira da Inclusão (LBI), que vem para fazer um apanhado geral de muitas leis que já haviam sido promulgadas. Uma delas, inclusive, especificamente para os meios de comunicação. A gente sabe que a lei garante política pública e, com isso, a gente tem uma entrada para desenvolver um bom trabalho e produzir acessibilidade. Mas o problema é colocar em prática, porque nenhuma lei é 100%.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, é destinada a assegurar e promover, em igualdade de condições com as demais pessoas, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania.
• Art. 65: garante pleno acesso à pessoa com deficiência a serviços de telecomunicações.
Como promover essa inclusão com qualidade?
Promovendo a formação em nível superior. Existem algumas pessoas que entendem isso como caridade, então não buscam um profissional. Por exemplo, se você pega um vídeo isso exige um trabalho de escolha lexical e de narrativa muito importante. Então precisamos preparar esse profissional para saber o que e quando ele deve falar para fazer a conexão narrativa sem atrapalhar a compreensão. Isso é um trabalho profissional. Então a questão é sempre essa: investir em formação.
Tecnologia
Novas técnologias nas midias audiovisuais
Entender a evolução dos seres humanos é entender a evolução tecnológica. Isso porque eles estão atrelados desde as primeiras invenções, com o fogo ou o tacape, arma de madeira usada por indígenas. Seja na área da educação ou da saúde, há aprimoramento constante de novas técnicas, e na esfera do audiovisual também não seria diferente.
Desde 1895, quando o cinema foi criado, as produções audovisuais vêm reproduzindo o contexto social, político e econômico vivenciado pela sociedade. A tecnologia sempre esteve presente nestas produções, não só como técnica, a exemplo das próprias câmeras de cinema ou de vídeo, mas também como temática de inúmeras séries, como a produção americana “Altered Carbon” (2018). Desde o surgimento das séries, em 1931, as técnicas de produção também inovaram, buscando interagir cada vez mais com os espectadores, através da representação do seu cotidiano.
Com o decorrer do tempo, os métodos de filmagens foram sendo aperfeiçoados. As imagens foram ganhando cores, os cortes das cenas se tornaram menos bruscos, surgiram diferentes tipos de microfone, além de novas técnicas de filmagens que permitiram aos atores mais liberdade para se movimentarem.
Um exemplo da evolução tecnológica pode-se encontrar na série “WandaVision”, do streaming Disney+, produzida pela Marvel Studios. A série, que homenageia sitcoms antigas, conta a história de dois super-heróis, Wanda (Elizabeth Olsen) e Visão (Paul Bettany), que se casam e vivem uma vida tranquila no subúrbio. Entretanto, os personagens na verdade estão presos dentro de uma sitcom que se inicia na década de 50 e transcorre até o início dos anos 2000.
A cada episódio da série é mostrada uma década diferente, com destaque para as tecnologias usadas na sua construção, o que reflete claramente os avanços das técnicas de gravação, produção e atuação. No cenário ou nos efeitos visuais, “WandaVision” traz detalhes e referências destas tecnologias e de antigos seriados a todo instante.
No primeiro episódio, a história se passa na década de 1950. Enquadrada com câmaras fixas, e plateia ao vivo. Os produtores pensaram até mesmo na
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As séries estão retratando e incorporando cada vez mais um mundo cheio de tecnologia nas suas produções
Os atores Elizabeth Olsen e Paul Bettany nos bastidores de WandaVision. O tom de pele vermelho característico do personagem Visão foi alterado para azul, já que a cor original alteraria o equilíbrio do ambiente na versão final em preto e branco. Foto: Disney+.
Maria Eduarda Costa e Sheila Lemes
sensação de antigos telespectadores diante de uma TV analógica e exibiram o episódio no formato de tela “quadrado” (4:3), padrão da época. Além disso, os dois primeiros episódios são apresenta dos em preto e branco. Para retratar os 7 períodos históricos da série foram usadas 47 lentes diferentes e foi necessário usar a tecnologia atual para “melhorar” a tecnologia do passado.
Fiéis à linguagem visual e sonora dos anos 1950 e 1960, os realizadores mantêm o preto e branco utilizado nos anos 1950, embora empreguem também cenas em cores, padrão em vigor a partir da década
Sériés intérativas
Embora pareça algo recente, a tec nologia interativa surgiu com a po pularização da TV. Um dos primeiros programas a utilizá-la de forma diferen ciada foi o programa “Winky Dink and You” no canal americano CBS em 1950. O programa consistia em colocar telas transparentes em cima da TV para as crianças desenharem as soluções dos problemas apresentados.
A televisão brasileira também já apre sentou proposta para o formato intera tivo. A Rede Globo, entre os anos 1992 e 2000, exibiu o programa “Você Decide”, que consistia na apresentação de duas opções de final, previamente gravados.
A conclusão do programa dependia da escolha, entre dois finais, pelos te lespectadores de todo o país através de votações pelo telefone. A trama do episódio contava com a abordagem de assuntos polêmicos. O resultado da vota ção era exibido em um placar eletrônico que mostrava ao vivo a computação das ligações recebidas, o que acirrava a disputa entre os finais oferecidos pela produção. Desde então, a participação do telespectador passou por diversos formatos e fases, incluindo a dos reality shows, com diferentes formas de intera tividade a cada nova edição.
Em 2018 houve um grande salto na área do audiovisual com conteúdos in terativos. A série “Black Mirror”, da Netflix, que mostrou em cada episódio reali dades alternativas que refletem o lado obscuro da tecnologia e da sociedade, inspirou o lançamento do filme “Black
de 1960. O figurino também acompanha o período da narrativa, mas antecipa o estilo da década do episódio seguinte.
Os efeitos especiais típicos das déca das também são exibidos. Alguns exem plos deles incluem a animação em stop motion, com cenas feitas com massi nha de modelar fotografadas e depois animada na ilha de edição; o uso do rewind, que simula o rebobinar de uma fita cassete; a quebra da quarta parede, quando atores “encaram” o público ao olhar diretamente para a lente da câmera e a inserção de cenas pós-créditos, indi cando para o espectador que o episódio
terá continuidade.
Como se tornou comum nas produ ções contemporâneas, foi necessário a ajuda de CGI (Computer Generated Images ou Imagens Geradas por Com putador) para suavizar os cortes e tornar os efeitos mais reais. “WandaVision” in corpora de forma harmônica os avanços da tecnologia, especialmente dos efeitos sonoros e visuais, à narrativa. Mas sa be-se que esses avanços não pararam por aí e que novas tecnologias surgem a todo momento na área do audiovisual.
Mirror: Bandersnatch” (2018). O longa é interativo, permitindo ao telespectador escolher a ação dos personagens e o final da história.
O programador Ricardo Gonçalves, ou Rick Galasio, como é o seu pseudônimo na internet, é um grande fã de séries. Ele afirma que se envolve com as histó rias, principalmente aquelas interativas. O programador assistiu “Unbreakable Kimmy Schmidt” (2015), série interativa da Netflix e jogou a sua última temporada, buscando entender sistematicamente todas as referências que a série trouxe.
Ele também assistiu “Black Mirror: Ban dersnatch”, percorrendo todos os finais possíveis que o filme poderia apresentar para o telespectador. Ricardo ainda foi atrás do jogo presente no longa, que utilizou um computador dos anos 1980 para se tornar o mais próximo possível do jogo desenvolvido pelo personagem. “Era um game real e que foi criado, como parte do material publicitário para este
computador antigo! Eu o joguei em um emulador. Eles realmente desenvolveram um novo jogo, funcional, para um com putador extinto e colocaram num site com aparência retrô”, explica.
Para Ricardo, que ainda se lembra do programa interativo da Globo, “Linha Direta” (1999), a utilização da tecnolo gia interativa nas séries demorou para chegar ao mercado. O programador via com naturalidade o surgimento das sé ries interativas e até esperava por esse aparecimento.
Com isso, o modo que consumimos os produtos audiovisuais se altera. “Você escolhe o desenrolar da história” co menta Ricardo. Ainda completa que, “vai acontecer muito mais imersão. Não só na visão 3D, como no tom da história. Quem nunca viu um filme de monstro e desejou chamar um super herói pra acabar com aquilo? Acho que isso seria incrível!”
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Tecnologia
Famoso jogo dos anos 80, Carmem Sandiego, ganhou versão interativa na Netflix. Foto: Netflix
As técnologias imérsivas
Com o avanço tecnológico, novas estratégias surgem no ambiente digital, impactando a maneira de consumir produtos audiovisu ais, como a realidade virtual e a realidade aumentada. O doutor em Administração e graduado em Comunicação Social , Caio César Giannini, professor da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, conta que essas novas tecnologias de comunicação são capazes de alterar as dinâmicas das relações entre as pessoas.
Para o professor, o que há de mais marcante sobre a realidade virtual, é a possibilidade de construir cenários e am bientes, ou ainda acrescentar elementos que simulem a vida real, como acontece no metaverso. Já a realidade aumentada é capaz de adicionar elementos extras em camadas de informação a aquilo que existe no mundo físico e palpável, como um QR Code e outras estratégias.
Com isso, artifícios de construir um arco transmidiático, que são histórias onde se expandem a narrativa através de diferentes mídias, podem gerar uma
nova forma de interação com o espec tador, fomentando a participação das pessoas. “Isso pode proporcionar uma experiência mais imersiva do telespec tador para envolvê-lo em uma narrativa mais complexa”, explica Caio César.
Os avanços influenciam na criação de sites, páginas, blogs e hashtags nas redes sociais voltadas para comentar o conteúdo de consumo das séries. Giannini acredita que isso gera uma experiência mais interessante e colaborativa para o consumidor. De acordo com o pesqui sador, para “quem se envolve em fóruns de discussão nesses espaços de troca, a experiência fica completamente dife rente, porque você vai consumir como se estivesse participando de um clube do livro”.
O surgimento da realidade aumentada e da realidade virtual no ambiente au diovisual também influencia na maneira como a história é contada. A narrativa do Storytelling, que consiste em contar histórias, se altera para o Story Living, que seria viver as histórias, através de expe
riências imersivas. Assim, o espectador não vai somente assistir e imaginar a experiência, ele se tornará um persona gem vivenciando tudo aquilo que está acontecendo.
A série “Uplod” (2020), original Prime Video, retrata a questão da realidade virtual. A narrativa de comédia dramática conta a história de Nathan (Robbie Amell), que vive no ano de 2033, onde seres humanos possuem a capacidade de se “carregar” para uma vida virtual. Assim, após morrer prematuramente, Nathan chega na sua versão do céu digital.
Entretanto, ele precisa conviver com pessoas que ainda não morreram, mas acabam sendo inseridos nesse ambiente digital da vida pós-morte, como a sua namorada Ingrid (Allegra Edwards). As sim, através da série é possivel perceber a interação da realidade virtual, onde a pessoa, mesmo após a morte, se encontra em um ambiente virtual, podendo ainda interagir com aqueles que permanecem vivos.
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Nora (Andy Allo), no mundo dos vivos e Na than (Robbie Amell), que se encontra na vida virtual, na série “Upload”. Foto: Prime Video.
Para o produtor audiovisual, doutor em informática e professor do departamento de Ciências da Computação na PUC Minas, Marcos Arrais, a tecnologia não é nada mais do que uma extensão das capacidades naturais humanas. Arrais afirma que a constante evolução tecnológica surge a partir de um processo de observação, pesquisa e tentativa. Ele relembra que o mundo passou por quatro grandes revoluções: a das máquinas a vapor, a da energia elétrica, seguida da internet. “E agora temos a quarta grande revolução, que são as máquinas capazes de pensar. Trata-se da revolução do Big Data, da Internet das Coisas (Internet of Things ou IoT)
Mas não é só na parte visual que a tecnologia tem avançado, a área de som também avança com novas descobertas. O professor diz que um exemplo disso são as novas tecnologias de som que utilizam Inteligência Artificial (AI), que são uma inteligência de máquinas para realizar tarefas complexas e autônomas. Essa ferramenta permite que o algoritmo consiga recriar a voz de uma pessoa, esteja ela viva ou não. A inteligência artificial “é a área da ciência da computação que estuda como a gente decodifica, gera sons e interpreta textos”, conta. Assim, músicas de artistas que já faleceram podem ser gravadas por “eles” através da re-sintetização.
Entretanto, a utilização da tecnologia, assim como outras coisas, possui lados positivos e negativos, como o alto valor dos equipamentos, o elevado custo de produção, e o fato de que nem todos os telespectadores possuem aparelhos adequados para essas tecnologias. Tudo isso acrescido das Deep Fakes, que utilizam a Inteligência Artificial para criar um “processamento’’ do rosto de uma pessoa e sintetizar sua voz para criar vídeos falsos. São “vídeos que vão falar alguma coisa que a pessoa nunca disse”, explica o professor Marcos. Assim, neste cenário fica fácil criar e disseminar fake news.
A tecnologia avança para nos servir, nós superamos o uso dela e cada vez mais a capacitamos
Novas técnologias
As novas produções, serviços de streaming e seus impactos na economia
Quais as perspectivas para o futuro das séries e das plataformas no Brasil e no mundo
Ocrescimento no consumo de produtos audiovisuais nos últi mos dois anos, representa uma mudança no aspecto mercadológico das plataformas de streaming. Esse tipo de serviço vem se consolidando com o passar do tempo e pode ser observado no sucesso e na constante criação de outros streaming, pertencentes tanto a empresas específicas do setor quanto a emissoras de televisão.
Pela primeira vez na história, as plata formas ultrapassaram a audiência da TV norte-americana em julho de 2022, de acordo com dados da Nielsen, empresa germânica-americana que analisa au diências. O relatório aponta que 21,6% do público assiste a TV aberta, 34,4% a TV por assinatura, enquanto 34,8% do consumo se dá por meio do streaming. Foram cerca de 191 bilhões de minutos assistidos por semana somente no mês da pesquisa.
Embora o setor registre crescimento, está ocorrendo uma redistribuição de usuários. A Netflix, precursora desse mo vimento, tem sofrido com a perda de assinantes desde o início do ano. Em julho, a plataforma divulgou que perdeu quase
1 milhão de pagantes apenas entre abril e junho. A companhia associa a queda à valorização do dólar fora dos Estados Unidos, à guerra entre Rússia e Ucrânia e ao aumento no preço do serviço.
De acordo com a Exame Invest, apesar do balanço desfavorável do primeiro trimestre, as ações da empresa subiram mais de 7% em julho. O resultado negati vo não afetou a opinião de investidores, que esperavam uma perda de mais de 2 milhões de assinantes, como informado pela própria Netflix.
A estratégia da companhia foi lançar um serviço com uma mensalidade mais baixa por meio da exibição de anúncios. O plano “Básico com anúncios” está dis ponível desde o dia 03 de novembro em 12 países, incluindo o Brasil. O serviço vai custar R$ 18,90 por mês e tem como obje tivo, principalmente, tentar competir com suas concorrentes que têm a mensali dade mais barata, como Amazon Prime Video (R$ 14,90) e Apple TV+ (R$ 9,90).
Apesar disso, segundo a revista Variety, a plataforma continua sendo a campeã no entretenimento e no número de assi naturas pelo mundo, com 220,67 milhões.
Em maio, o lançamento da quarta tem porada de “Stranger Things” (2016), série original e um dos carros-chefe da em presa, pode ter contribuído para manter a companhia como líder dos streamings. Na época do lançamento, foram 18 bilhões de minutos dedicados somente para assistir à série do Mundo Invertido.
Enquanto isso, outros novos serviços seguem em ascensão e concorrem na linha de frente com a gigante. De acor do com a AT&T, companhia estaduni dense de telecomunicações, até março deste ano, a HBO alcançou 76,8 milhões de assinantes pelo mundo. O resultado mostra um aumento de 12 milhões em comparação com o mesmo período do ano passado.
A Disney+ também tem se destacado no mercado este ano. De acordo com uma apresentação feita por Bob Cha pek, CEO da companhia, a plataforma ganhou 14,4 milhões de assinantes até julho, chegando aos 152,1 milhões no total. Se contados também os 22,8 milhões de pagantes da ESPN+ e os 46,2 milhões do Hulu, empresas da Disney, o total é ainda maior: mais de 221 milhões.
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Economia
Julia Portilho e Letícia Anacleto
Evolução dos preços de planos básicos no Brasil*: *dados coletados pela reportagem até o dia 01/11 2018 2019 2020 2021 2022 R$ 19,90 R$ 21,90 R$ 21,90 R$ 21,90 R$ 21,90R$ 9,90 R$ 9,90 R$ 9,90 R$ 14,90R$ 27,90 R$ 27,90 R$ 27,90 R$ 18,90 R$ 21,90 R$ 22,90 R$ 22,90 R$ 24,90 R$ 20,90 R$ 20,90 R$ 20,90 R$ 20,90 R$ 20,90-R$ 19,90 R$ 19,90
A dominação dos streamings em terras brasileiras
No cenário nacional, os streamin gs têm conquistado cada vez mais espaço dentro dos lares brasileiros. Nessa onda, a maior emissora do país, a TV Globo, criou seu próprio streaming para conseguir competir com as empresas estrangeiras e produzir con teúdos nacionais a serem consumidos junto aos produtos importados.
Para Sílvio Ferreira Júnior, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da PUC Minas em Poços de Caldas, no sul do Estado, os serviços de streaming estão atrelados a questões relacionadas à produção em série de bens culturais. Ele defende que dificilmente uma série ou filme cult, ou experimental, vai estar disponível nestes serviços porque não dão lucro.
Um caso interessante é o da série “Sense8” (2015): “era um sucesso, mas foi cancelada. E aí o que se descobriu depois? Que ela não era um sucesso, só no Brasil. Era uma bolha nossa aqui. O brasileiro gostou da série, mas a Netflix cancelou porque ela era deficitária, era uma série que não vendia, que tinha um alto custo de produção e a audiência era baixa no resto do mundo”, afirma o pro fessor. Assim, é perceptível a tendência do mercado em produzir e sustentar apenas aquilo que vai gerar retorno financeiro, mesmo que certos públicos e conteúdos
sejam negligenciados.
Silvio defendeu em sua dissertação de mestrado, “O vídeo sob demanda: o reor denamento da distribuição audiovisual e o espectador da Netflix”, que o cenário atual do audiovisual cria experiências que se sobrepõem: “Por meio das passagens entre o cinema, a televisão, a televisão por assinatura e pelo serviço de VOD (Video on demand) presente nos apa relhos portáteis com acesso à internet”, escreveu o mestre em Comunicação Social. Justamente por isso, todos esses meios de distribuição estão interligados pelos diversos modelos de distribuição disponíveis hoje em dia.
Nesse contexto, o publicitário explica que os sistemas de televisão estão ofe recendo produções originais da TV linear também nos seus streamings. Ele destaca a possibilidade de consumir um produto transmitido ao vivo pela TV e posterior mente disponibilizado na plataforma, pertencente ao grupo da emissora, para streaming. Por isso, os canais nacionais estão, cada vez mais, buscando ampliar e entrar nesse mercado: a Globo, que foi pioneira ao lançar a plataforma Globo play em 2015, a Record com a PlayPlus, em operação desde 2018 e até mesmo a RedeTV!, que recentemente anunciou o lançamento da RedeTV! Go.
A pesquisa Panorama Mobile Time/
Opinion Box 2022, especializada em há bitos de consumo dos brasileiros, revela que 66% das pessoas assinam um ou mais serviços de streaming de filmes e séries. O número representa um aumento de 10% em relação ao ano passado. Os dados coletados pela pesquisa mostram o apreço nacional pelos conteúdos e pelas plataformas de streamings, sendo a Netflix a líder de assinaturas no país, com 81%.
Enquanto os streamings lidam com o amplo mercado, com orçamen tos milionários, as pequenas e médias produtoras sobrevivem por meio das políticas públicas para o setor. Vania Catani, fundadora e produtora da Bana neira Filmes, sediada no Rio de Janeiro, conta que apesar dos conteúdos inde pendentes permitirem grande abertura criativa, os desafios são ainda maiores.
Além do cinema não ser um meio valorizado no Brasil, existe a concorrên cia das pequenas produtoras com as grandes plataformas, que dificulta até mesmo a contratação de funcionários
por essas empresas menores. “O mer cado ficou muito mais difícil de você conseguir pessoas para trabalhar num filme independente com os salários que a gente pode pagar, porque uma Netflix e uma Amazon da vida vão pagar muito mais esse mesmo técnico para trabalhar num projeto deles”, declara.
Com a chegada da pandemia, a si tuação ficou ainda pior: a paralisação das atividades provocou a demissão de profissionais da Bananeira Filmes, com mais de 20 anos no mercado. Vania atribui a incerteza e a instabilidade do cenário audiovisual atual ao governo de
Jair Bolsona ro, que demons trou publicamente o descrédito a cultura nacional.
A produtora relata como tem sido difícil manter um negócio independente como a Bananeira, que possui mais de 25 títulos entre longas e curtas em seu catálogo: “realmente eu reconheço que tem uma filmografia relevante, impor tante e ajudei a alavancar muitas car reiras, produzi muitos primeiros filmes, frequentei muitos festivais, ganhei muitos prêmios, mas não é fácil”, desabafa. Com
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O papel das produtoras audiovisuais no mercado nacional Economia
o constante crescimento dos streamings, manter um empreendimento com este perfil é uma prova de sobrevivência diária.
Apesar das dificuldades enfrentadas para manter uma iniciativa autônoma, as produtoras são responsáveis por gerar renda e incentivar a economia local durante suas filmagens. Vania explica que mesmo o cinema sendo uma atividade de alto custo, também é capaz de gerar renda para diversos setores, pois é “um dinheiro que é distribuído desde a costureira local, que se junta ao filme para ajudar a fazer as roupas, até o marceneiro, o vendedor de cerveja, tem hotel, posto de gasolina, a gente gera muito emprego no lugar que a gente vai filmar”, afirma.
Esta é uma característica universal, que pode ser observada tanto em obras com baixo orçamento quanto em séries de gigantes do streaming. Um caso relevante é o das produções filmadas no sudoeste da Inglaterra, como a série da Netflix, “Bridgerton” (2020). Segundo o jornal britânico The Guardian, a produção gerou mais de US$ 180 milhões para a economia local, garantiu mais de 1.000 empregos na área e a movimentação de 500 empresas na região. Também houve a fomentação do turismo no local: somente no mês de lançamento da segunda temporada da série, as pesquisas por hospedagens no Reino Unido aumentaram 23%, totalizando mais de 8 mil.
O futuro das séries e das plataformas no Brasil e no mundo
Com o mercado cada vez mais em expansão, a tendência é que surjam novas plataformas de streaming. Consequentemente, o público tem que fazer uma escolha: quais serviços assinar ou não?
Segundo dados do site Reviews.org, 25% dos assinantes estadunidenses da Netflix pretendem sair da plataforma em 2023. A previsão de queda se dá, principalmente, pelo aumento da concorrência, que vem fazendo com que a empresa perca força para outros streamings nos Estados Unidos. Contudo, ela se mantém líder no Brasil e continua sendo a plataforma mais consumida no mundo.
A empresa ainda pretende acabar com o compartilhamento de senhas de usuários que não residam na mesma casa no ano que vem. A decisão foi duramente criticada pelo público e segue sendo mais um ponto desfavorável para a imagem e opinião popular sobre a gigante do streaming.
Outra plataforma que pretende apostar em planos mais baratos com anúncios é a Disney+. De acordo com a revista Variety, o Disney Plus Basic vai custar US$ 7,99 por mês e entrará em vigor a partir do dia 8 de dezembro nos Estados Unidos. No Brasil, a novidade ainda está sem previsão de lançamento.
Quanto às séries mais aguardadas de 2023, os holofotes se voltam para a estreia da 3ª temporada de “The Witcher” (Netflix), - agora com um novo protagonista após a saída de Henry Cavill -, a estreia de “The Last Of Us“ (HBO Max), inspirada na franquia de videogame, e a 1ª temporada de “Invasão Secreta” (Disney+), do Universo Cinematográfico da Marvel.
Em terras brasileiras, são esperadas a nova temporada de “Cidade Invisível” (Netflix), ainda sem data de estreia confirmada, e a série documental da rainha dos baixinhos, “Rainha”. A produção da Globoplay vai contar a trajetória de Xuxa Meneghel com a direção de Pedro Bial e Cassia Dian.
Embora incerto, o futuro do mercado audiovisual indica um crescimento cada vez maior. Com a ascensão dos serviços de streaming e a migração das TVs para essas plataformas, essas empresas vão investir cada vez mais em conteúdos e estratégias para conquistar o público. Enquanto isso, ao mercado das produtoras brasileiras, só resta o desejo de que, com o novo governo de Luís Inácio Lula da Silva, as políticas públicas sejam aprimoradas e a produção audiovisual nacional volte a ser mais valorizada.
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Entrevista com José Luiz Villamarim - diretor do núcleo de Teledramaturgia da Rede Globo
Dentro da maior emissora da América Latina e uma das maiores do mundo, o diretor fala sobre alguns números de uma produção audiovisual nos dias de hoje e sobre os planos do grupo para 2023.
Qual o custo aproximado de uma série e como ele se compara ao custo de uma novela?
Uma série vai de R$ 3 a 5 milhões, por episódio. Uma novela feita nos estúdios Globo é completamente diferente. Ninguém consegue fazer tão barato devido a expertise na realização delas, o que gera um custo menor do que aquele com o qual o mercado costuma trabalhar. Um das justificativas é o número de capítulos de uma telenovela, que vai de 160 à 200, muito diferente de uma série que tem em torno de 12 episódios. É bem mais barato que uma série, por causa da longevidade de uma novela: como ela é grande, dilui o custo.
Qual o número médio de empregos gerados em uma série?
A realização de uma novela envolve uma média de 300 pessoas, já a série, cerca de 120, mas é preciso observar que a característica da indústria audiovisual, em termos da geração de postos de trabalho, é que ela se ramifica: se você pensar que um diretor de arte cria um cenário, ele vai precisar chamar um cenógrafo, um marceneiro, um designer e outros profissionais. Ou seja, ela vai crescendo. O audiovisual é uma indústria vertical, que implica em uma cadeia. Não é à toa que é uma indústria rentável, que dá muito dinheiro.
Quais são as expectativas para 2023 em termos de assinantes e de produções próprias e coproduções?
Em 2023 vamos estrear alguns projetos que realizamos em 2022. Temos uma série de produções, incluindo um programa de humor que estreia em novembro chamado “Encantados”. Temos mais dois sendo produzidos, além de seis séries que vão estrear ao longo do ano e cerca de dez novelas que fazemos anualmente. 2023 ainda será um ano em que a economia não deverá estar a pleno vapor, mas acredito que nos próximos anos vamos aumentar o número de produções.
Economia
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Alguns streamings e canais de televisão apostam na ideia de que “qualidade é dinheiro”. Descubra agora
as séries mais caras da história: 2° Stranger Things - 4ª temporada 1° O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder
3° WandaVision 4° A Casa do Dragão 5° The Pacific 6° The Mandalorian 7° See 8° Game of Thrones 9° The Crown 10° Halo
Quanto vai custar essa brincadeira?
quais são
US$ 58 milhões por episódio US$ 20 milhões por episódio US$ 30 milhões por episódio US$ 25 milhões por episódio US$ 20 milhões por episódio US$ 15 milhões por episódio US$ 15 milhões por episódio US$ 10 milhões por episódio US$ 15 milhões por episódio US$ 13 milhões por episódio
Bom Dia, Verônica
uma ficção que retrata a realidade
por Sheila Lemes
Asérie brasileira, original Netflix, é uma adaptação do livro de 2016, dos autores Raphael Montes e Ilana Casoy – publicado sob o pseudônimo de “Andrea Killmore”. Lançada em outubro de 2020, com apenas uma temporada, a produção traz características do gênero de crime e mistério, com uma narrativa surpreendente. Além disso, foi ganhadora do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de Melhor Série de Ficção TV Paga/OTT. Embora se trate de uma história de fic ção, “Bom Dia, Verônica” é uma produção que não deixa de retratar a realidade de diversas mulheres. A série se passa na Delegacia de Homicídios de São Paulo, que é marcada pela grande quantidade de investigação de crimes tenebrosos. Com isso, a adrenalina acaba se tornan do algo rotineiro na vida dos detetives e demais funcionários. E é justamente nesse cenário que a escrivã, Verônica Torres (Tainá Muller), trabalha.
A trajetória de Verônica no ambiente de trabalho muda completamente depois que uma mulher comete suicídio dentro da delegacia e ela presencia a cena. A partir daí, a motivação do fato passa a atormentar a vida da escrivã que inicia uma investigação aprofundada do misté rio. Verônica é casada, mãe de dois filhos e vive em um lar tranquilo, entretanto, o ocorrido a faz enxergar o mundo a partir de um olhar mais sensível e se abrir a discussões relacionadas ao fato.
A narrativa deixa explícita a resistência da escrivã, visto que precisa enfrentar um certo nível hierárquico dentro da profissão para seguir com as investigações. Porém, por apresentar uma personalidade resi liente, de quem não se abate diante de obstáculos, Verônica segue em prol de causas importantes. Em decorrência dos fatos, a profissional passa a especular possíveis crimes, além de outras histórias de mulheres que sofrem diversos tipos
de violência. E com isso, se prontifica a ajudá-las.
Situações como a interferência ne gativa do chefe e também padrinho, delegado Wilson Carvana (Antônio Gras si), e a delegada Anita (Elisa Volpatto), refletem o comportamento da sociedade de negligenciar os fatos e culpar as víti mas de violência. Apesar das inúmeras dificuldades, Verônica consegue apoio de seu colega de trabalho, Nelson (Silvio Guindade), profissional de TI, para dar sequência nas investigações e desvendar os mistérios.
Mesmo com as divergências, ela con segue chegar até o autor do crime, um predador sexual que abordava as vítimas via internet. Mas o que não era de se es perar é que o primeiro caso seria apenas a porta de entrada para a descoberta de um outro crime grave, envolvendo o casal Janete Cruz (Camila Morgado), esposa submissa de Brandão (Eduardo Mosco
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Crítica
Foto: Reprodução/Netflix
vis), um Tenente Coronel de alta patente que a maltrata e leva uma vida dupla.
O ápice da narrativa acontece quan do Verônica, mesmo com pouco apoio, arrisca sua vida e investiga sozinha o caso de um Tenente Coronel da PM, serial killer. Em paralelo à investigação, acaba descobrindo um esquema de corrupção envolvendo a polícia. A rotina da escrivã passa por altos e baixos, com situações envolvendo até mesmo sua vida pessoal e sua família. Mas no fim todo seu esforço e luta para com essa pauta é válido.
Trata-se de uma série que aborda temas necessários como relacionamento abusivo e violência contra a mulher de diversos modos. São 8 episódios intensos que despertam inúmeras sensações e emoções diferentes no espectador. A produção retrata de maneira clara o comportamento do abusador e da so ciedade de muitas vezes tentar silenciar as vítimas e ignorar as circunstâncias.
A narrativa aborda discussões de ex trema importância na sociedade. Afinal, os dados no Brasil são estarrecedores. No
país, a cada 24 horas quatro mulheres são assassinadas e são registrados 631 casos de agressão, segundo pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segu rança Pública, divulgada em julho de 2021. Nesse contexto, produções como “Bom dia, Verônica”, que mostram a realidade nua e crua, são sempre bem-vindas.
A reformulação de uma nostalgia:
porquê Cobra Kai se tornou um fenômeno que ultrapassa gerações
por Julia Portilho
Destaque no universo dos streamin gs, Cobra Kai foi lançada em 2018 originalmente como uma websérie do Youtube Premium. Após o sucesso alcançado em suas duas primeiras tem poradas, a série derivada da franquia dos anos 80, Karate Kid, foi comprada pela Netflix em 2020. Desde então, está entre as produções mais populares e com maior audiência da plataforma.
Segundo a revista Variety, a 4ª tem
porada, que estreou dia 31 de dezembro de 2021, foi vista 120 milhões de minutos ao redor do mundo até o dia 2 de ja neiro de 2022. Os números comprovam o fenômeno de Cobra Kai, que superou outras séries de sua hospedeira, como The Witcher e Emily in Paris, contabilizadas quatro dias a mais. Nem mesmo as festas de final de ano conseguiram interferir no frisson causado no público.
Indicada ao Emmy 2021 como melhor
série de comédia, Cobra Kai pode ser considerada um revival e uma conti nuação direta dos acontecimentos que criaram a rivalidade entre Daniel Larus so (Ralph Macchio) e Johnny Lawrence (William Zabka), quase 30 anos após o primeiro filme que deu origem à série. Toda a trama parte da reabertura do dojo que dá nome a série por um de seus antigos alunos, Johnny, agora um alcoólatra desestabilizado emocional e
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Os rivais de adolescência, Johnny e Daniel, precisam aprender a trabalhar juntos para enfrentar um desafio maior do que suas rixas e servir de exemplo para seus alunos. Foto: Netflix
Em contrapartida, Daniel, um empre sário bem sucedido e inconformado pelo ressurgimento do dojo que lhe rendeu uma adolescência traumática, sobretudo, sob a liderança de seu antigo rival, tam bém abre um dojo próprio: o Miyagi-Do. O grande embate entre os dois protago nistas está justamente na oposição de seus métodos e filosofias de ensino sobre o karatê e na maneira como orientam seus alunos.
Talvez a estratégia mais certeira da produção é ter investido na nostalgia pro porcionada pelo filme de 1984, ao mesmo tempo que buscou criar uma nova base de fãs. A série resgata elementos icônicos da história original, como o próprio dojo Cobra Kai, personagens e cenas icôni cas dos filmes, mas com a proposta de corrigir erros do passado e abrir espaço para uma nova geração.
A narrativa superficial e o pouco de senvolvimento dos personagens nos anos 80 ficaram no passado. Cobra Kai explora e dá profundidade a todos seus protago nistas por igual. O grande diferencial da série é mostrar pessoas reais em circuns tâncias reais, apesar de algumas vezes inverossímeis, como o uso constante da violência como resolução de todos os problemas. A falta de consequências diante da lei e da polícia é quase com pletamente ficcional.
De modo geral, alguns dos temas mais relevantes abordados são o bullying, problemas de autoestima e abando no parental. O interessante é notar a construção da personalidade e caráter dos personagens mediante os aconteci mentos por eles vivenciados. Todos têm defeitos e seus momentos de egoísmo, rancor e vingança, sentimentos comuns a qualquer ser humano.
A série também acerta em humanizar até mesmo aqueles personagens que na trilogia de filmes eram pintados apenas como vilões, sem explicar com motivos plausíveis a justificativa de suas ações. Um dos méritos da série recai sobre o espaço reservado ao elenco feminino, afirmando o papel fundamental das personagens nas tramas. Além de mera figuração, comum em histórias onde o plot tem uma temática considerada mais “masculina”, Samantha Larusso (Mary Mouser) e Tory Nichols (Peyton List) protagonizam alguns dos momentos mais tensos e decisivos da série. Provando mais uma vez a bela construção da narrativa, o ponto alto é identificar o arco dramático
dos personagens, perceber e entender as razões de cada um ser como é.
O karatê na série vai além do mero es porte. Ele está relacionado com o resgate de jovens desajustados e marginalizados. É a chance de se tornarem mais fortes, resilientes e aprenderem a sobreviver. E é a partir deste ponto de vista que Lawrence ressignifica sua vida com um novo propósito: ensinar.
Ao longo dos episódios, acompanha mos a evolução de Johnny, quanto à sua mente fechada, conhecimento de mundo limitado e, em alguns casos, retrógra dos, originários dos ensinamentos que aprendeu quando jovem. O próprio lema do Cobra Kai, “acerte primeiro, acerte forte, sem misericórdia”, reflete a linha extremamente rígida, autoritária e ex tremista aplicada no treinamento dos alunos do dojo.
A consequência não poderia ser outra: Johnny se torna um adulto frustrado e di retamente afetado pelas metodologias e escolhas que fez em sua juventude. Moti vado a impedir que o mesmo aconteça de novo, ele reabre o dojo em uma tentativa de dar suporte e apoio aos jovens que são frequentemente oprimidos na escola.
Com o desenrolar das tramas, perce bemos como as experiências da adoles cência têm o poder de moldar o caráter e influenciar as ações das pessoas. John Kreese (Martin Kove), sensei de Lawrence, é o vilão com V maiúsculo. Ele foi respon sável por fazer uma lavagem cerebral no lutador e em diversos outros alunos. Resgatando a frase do lendário Sr.Miyagi, sensei e mentor de Daniel, um professor ruim pode influenciar seus alunos a to marem más decisões baseadas em fatos distorcidos da realidade.
Na tentativa de parar os métodos abusivos liderados por Kreese, Daniel e Lawrence são obrigados a deixar a
rivalidade de lado e trabalharem juntos. A desconstrução da rivalidade e a gra dativa aproximação e identificação entre os dois é um ponto de virada na narrativa que proporciona ao telespectador teste munhar o surgimento de uma parceria sem precedentes.
A percepção do espectador é a de que, no fundo, o estopim para a rixa que durou três décadas partiu da influência negativa do antigo sensei de Johnny durante sua juventude. A final do torneio na 4° temporada, entre Samantha e Tory, prova que as filosofias entre os dojos Eagle Fang, de Johnny, e Miyagi-Do, de Daniel, se completam e tornam seus alu nos mais fortes e notáveis àqueles que tem apenas uma visão do karatê como verdade absoluta.
A conexão com o karatê e o desejo de ajudar jovens a encontrar seu lugar no mundo é o que une os antigos rivais. Cobra Kai ensina uma lição de amadu recimento e de jornada pessoal. Todos têm defeitos e lutam pelo que acham certo (literalmente).
A questão é: qual lado é certo? Quem tem razão? As pessoas merecem uma segunda chance? Os jovens afetados pelo bullying e pelas ações irresponsáveis de adultos são capazes de se recuperar? São respostas que aguardamos ver na 5ª temporada. Seja o destino do Valley decidido no torneio de karatê ou o da própria narrativa com a partida de um de seus protagonistas, a série consegue sustentar o sucesso dos filmes da fran quia de Karate Kid enquanto deixa sua própria marca no mundo da dramaturgia.
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financeiramente.
Crítica
(Des)encanto
como uma princesa, um elfo e um demônio revolucionaram a forma de narrar contos de fadas na atualidade
por Letícia Anacleto
Assim como “Shrek” (2001) mudou a forma como os contos de fada são narrados, “(Des)encanto” chegou em 2018 utilizando uma estratégia pa recida com a do filme do famoso ogro verde, para revolucionar a forma como este tipo de história é contada na con temporaneidade. A série de animação original da Netflix foi criada pelo norte -americano Matt Groening, que já era bastante conhecido por seu trabalho de criação em “Os Simpsons” e “Futurama”.
Logo em seus primeiros minutos, “(Des) encanto” já quebra qualquer expectativa de uma história de princesa convencio nal, ao mostrar Bean, filha do rei Zog e herdeira do reino de Dreamland (Terra dos Sonhos, em tradução), em um bar popular fazendo apostas ao jogar cartas com um homem. Ao invés de vestido e salto alto, a jovem veste calças e usa botas enquanto bebe cerveja com direito
a arroto no final.
Quem logo se junta à princesa prota gonista tornando-se um de seus melho res amigos, é um jovem elfo chamado Elfo. A animação mostra que Elfo está totalmente descontente vivendo na Flo resta dos Elfos, uma terra isolada em que essas criaturas são extremamente felizes e estão sempre cantando. O pequenino se mostra cansado de estar em um lu gar onde um “código da alegria” deve ser seguido: “Eu só queria ir para um lugar onde as pessoas fossem infelizes”, diz ele no primeiro episódio da primeira temporada.
O terceiro integrante do grupo de ami gos é Luci, um demônio que entra na vida de Bean como uma forma de mal dição, mas que, por incrível que pareça, acaba se tornando um grande amigo e conselheiro. Com a apresentação desta personagem, a série introduz um tipo de
humor bastante irônico ao causar situ ações como a de colocar um demônio dentro de uma igreja enquanto bebe o vinho da comunhão. A criatura que, em sua essência, deveria ser malvada por ser considerada o oposto de Deus, em certo ponto da história vai parar até mesmo no céu.
Mesmo compondo um cenário con siderado comum em histórias de ficção, dentro de uma época medieval e com a presença de criaturas mágicas como ogros e sereias, a série é cativante por apresentar uma narrativa totalmente fora do padrão. Esta característica sa tírica em referência aos contos de fada tradicionais é o ponto chave de humor da animação, o que proporciona momentos de aventura e situações caóticas que efetivamente arrancam muitas risadas de quem assiste.
Outro ponto positivo proporcio
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Foto: Divulgação/Netflix
nado exclusivamente aos brasileiros é a dublagem carregada de referências a frases e memes icônicos. Para o público, isso causa satisfação ao reconhecer uma fala engraçada que viu na internet, agora inserida dentro do contexto da animação. É este o sentimento despertado quando Luci fala “vai sair da jaula o monstro”, em clara referência ao famoso vídeo de
para a realidade dos dias atuais.
Sobretudo, apesar da grande quan tidade de informações, com suas várias personagens, acontecimentos paralelos e cenários, a animação consegue se de senvolver muito bem. A série apresenta um roteiro dinâmico, que lida de maneira inteligente com tantas informações que são oferecidas. Aqui, mais uma vez, a
Além disso, a animação é dividida em quatro partes (temporadas) de 10 epi sódios, com cerca de 30 minutos cada, o que representa uma oferta bem menor se comparada com o seriado da famosa família amarela, que já tem mais de 700 episódios já lançados.
Toda essa dinâmica não prejudica a trama e mostra como “(Des)encanto” foi
Kleber Bambam, ou quando um ogro, prestes a ser abatido, cita o traficante Baiano de “Tropa de Elite” ao dizer: “Na cara não, para não estragar o velório”.
Para além da dublagem criativa, a série aborda situações sociais, como fome e miséria, desigualdade de gênero e divisão de classes. Falar sobre temas tão delicados com o tom certo de graça é um perigo, pois existe uma linha muito tênue entre humor ácido e ultrapassar os limites do bom senso. No entanto, se o risco é grande, “(Des)encanto” acerta em cheio ao entregar um divertimento mis turado com críticas sociais que, apesar de fazerem parte do contexto medieval da trama, servem de reflexão até mesmo
história corre um grande risco, pois po deria causar muita confusão e acabar se perdendo no meio do caminho, mas merece todo o mérito por superar as expectativas e ser tão cativante a ponto de deixar o espectador querendo mais.
Diferente dos outros desenhos de Matt Groening, “(Des)encanto” foi produzida de forma pensada exclusivamente para um serviço de streaming. Enquanto “Os Simpsons” tem episódios mais abertos e que podem ser assistidos aleatoriamente sem comprometer o entendimento da história, a série da Netflix segue uma lógi ca narrativa diferente deixando ganchos sequenciais no final de cada episódio e, principalmente, de cada temporada.
uma aposta ousada, que se concretizou como um dos maiores acertos da Netflix. A série dignifica o formato animação, mostrando que adultos também podem apreciar bons desenhos. Além disso, as falas e referências causam o reconheci mento da dublagem brasileira, que é tão desvalorizada. “(Des)encanto”, de fato, honra o legado de Groening e faz jus ao nome da grande Netflix.
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Crítica
Foto: Reprodução/Redes Sociais
True Beauty o verdadeiro
significado da beleza
por Maria Eduarda Costa
“True Beauty” (Beleza Verdadeira), é um drama sul coreano de comédia ro mântica, baseada no webtoon (quadri nho digital) homônimo da autora Yaon gyi. O drama exibido pela tvN (canal de televisão por assinatura sul coreano) foi ao ar no final de 2020. Dirigido por Kim Sang Hyub, possui uma temporada com 16 episódios. Ele é estrelado por Moon Ga-young, Cha Eun Woo e Hwang In-Yeop.
A série conta a história de uma estu dante do ensino médio Im Joo-Kyung, que possui um sério complexo de inferiorida de, sendo constantemente repreendida por sua família e intimidada na escola devido a sua fisionomia. Logo no início do primeiro episódio, é mostrado o quanto Joo-Kyung sofre bullying por não ter uma beleza convencional, sendo humilhada por seus colegas de escola e até mesmo torturada em diferentes níveis por eles.
A garota desde de criança sabia que não era bonita, sendo sempre compara da à irmã mais velha, que é a beleza da família. Uma das frases mais impactantes do drama ocorre logo no início, quando
Joo-Kyung ainda era uma criança e diz: “Em vez de uma personagem principal de uma história em quadrinhos, eu estava mais para um personagem principal de uma história de terror, com uma máscara amaldiçoada”.
Esse conhecimento a faz se tornar uma pessoa introvertida e viciada em histórias de terror, ao contrário das suas colegas de escola, que sempre que possuem um tempo livre estão na frente de um espelho se maquiando. Depois de tentar demons trar seus sentimentos e ser fortemente rejeitada, desprezada e ter o vídeo da sua humilhação divulgado, Joo-Kyung tenta suicidio. A sequência sugere o quanto as redes sociais impactam no cotidiano dos jovens e como influencia a busca da perfeição.
A beleza se torna um status, onde quem é popular e bem sucedido é o mais bonito, em uma constante bus ca de um padrão de beleza totalmente fora da realidade. A protagonista, ainda determinada a tirar a própria vida, faz uma ligação para a mãe e diz que elas
vão se reencontrar e ainda pede para que na próxima vida, ela nasça bonita. Como se todos os problemas da sua vida sumissem pelo simples fato dela ter uma boa aparência.
E é nesse momento que conhecemos Lee Su-Ho, um rapaz bonito e bom aluno que perdeu seu amigo recentemente para a depressão devido a pressão que sofria nas redes sociais por ser uma figura pública. Ele acaba impedindo Joo-Kyung de pular do prédio e lhe dá uma nova perspectiva de vida.
Agora mais animada, porém ainda inconformada com a sua aparência, Joo -Kyung passa por uma grande transição na aparência e através de tutoriais online ela acabou se tornando uma das garotas mais bonitas da sua nova escola, sendo apelidada de “Deusa”. Para ela, agora que sua aparência é melhor, sua vida também irá melhorar. O que não deixa de ser verdade, visto que agora as pessoas a tratavam melhor e não a ignoravam.
Porém, Joo-Kyung morre de medo de que alguns dos seus novos colegas des
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Foto: Divulgação
cubram a sua verdadeira aparência, o que gera ainda mais problemas para ela. Além disso, para se encaixar em algum lugar, ela acredita ter que mudar não só a aparência, como a personalidade também, ocultando o seu gosto por histórias de terror e músicas de rock e se tornando alguém com um gosto mais “delicado” e “feminino”.
Mesmo se tornando popular, sua beleza ainda é uma máscara que ela usa e se recusa a tirar. “True Beauty” é um drama sobre aceitação e a importância do apoio da família e de amigos. A série aborda temas sensíveis e importantes como amor próprio; a pressão familiar para ser sempre perfeito e a negligência familiar, onde o pai do Su-Ho o deixa viver sozinho e sem nenhuma estrutura ou até mesmo quando a família Im ignora todos os sinais que Joo-Kyung demonstrava que precisava de ajuda.
A família acaba influenciando diretamente o comportamento do adolescente e a pressão que ele coloca em cima de si. Como aconteceu com Han Seo Jun, concorrente amoroso do protagonista, que além de estar preocupado com a escola e o vestibular, tem que cuidar da sua mãe doente e ainda se responsabilizar pela irmã mais nova, Han Go-Woon. Ela também sofre com problemas de aparência, reforçando os diversos problemas que os jovens desenvolvem por conta da pressão social, provocando diversos tipos
Mundo
de distúrbios, sejam eles psicológicos, através do sentimento de inferioridade ou alimentares, como bulimia e anorexia.
True Beauty é uma obra que embora mostre os dramas vivenciados pelos jovens, possui alguns momentos leves, com romance, comédia e personagens cativantes. É notável o amadurecimento dos personagens no decorrer dos episódios, com um ótimo desenvolvimento deles para se tornarem uma versão melhor de si mesmos no final. A série traz evidentemente questões muito problemáticas que se encontram na sociedade coreana,
que por vezes é difícil de encontrar em outras produções.
Por um outro olhar, também é possível observar a influência do capitalismo e da geração de consumo na busca por uma aparência ideal. Afinal, qual é realmente a beleza verdadeira? Aquela que é imposta para agradar ao padrão da sociedade, mesmo que mude quem você realmente é? Ou é aquela onde você se sente confortável para ser você mesma, só que devido a pressão externa não consiga fazê-la?
O que anda bombando
O último episódio da temporada estreante foi lançado em 23 de outubro, mas a série segue gerando muitos comentários e teorias pelos fãs do universo criado por George R. R. Martin
A série é um spin-off da famosa “Game of Thrones” e se passa na época em que os Targaryen estavam em ascensão no trono de ferro. Na trama, a legitimidade do poder de Rhaenyra como herdeira do trono é colocada em xeque quando seu pai, o rei Viserys, tem seu primogênito homem, Aegon.
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Separamos as séries que vêm sendo destaque nas redes sociais e que merecem entrar na sua lista de maratona
Crítica | Mundo
House of the Dragon
Foto: Divulgação
Lançada em 28 de outubro, a sexta temporada traz novas personagens e situações comuns proporcionadas pela puberdade
Já confirmada para uma sétima temporada, a série de animação retrata o processo de mudanças da adolescência de forma engraçada e descontraída. Na trama, Andrew Glouberman, um garoto de 13 anos, é acompanhado pelo seu “monstro dos hormônios”, Maury, que vai guiá-lo por uma jornada de descobertas sobre emoções, sexo e crescimento.
Com estreia marcada para 28 de outubro na plataforma, a série britânica terá seis episódios com o potencial de conquistar o público com seu enredo instigante
Na série de suspense, acompanhamos a história de Lucy, que acorda todos os dias exatamente às 3h33 da madrugada e precisa lidar com uma série de fatos estranhos e brutais: o comportamento apático do filho, a provável casa assombrada em que vive e mistérios envolvendo a mãe. O estopim acontece quando Lucy entra na lista de suspeitos dos assassinatos cometidos na região que vive.
A primeira temporada foi lançada gradativamente, com dois episódios liberados por semana
Baseada no livro-reportagem de Caco Barcellos, a série mostra como a polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo. O repórter resolve escrever uma reportagem sobre a violência da Rota 66, esquadrão de elite da Polícia Militar de São Paulo, e acaba descobrindo que o sistema é ainda pior nas periferias da cidade.
Seja para o bem ou para o mal, a série tem superado recordes de audiência ao apresentar para uma nova geração os crimes bárbaros cometidos pelo canibal americano
A série baseada no serial killer e canibal, Jeffrey Dahmer, foi lançada em setembro e já se consagrou como uma das produções mais assistidas da Netflix. Gerando muitas controvérsias e polêmicas entre crítica e público, é incontestável o impacto que a história causou ao ressurgir com o caso de Dahmer em 2022.
O Senhor dos Anéis: Anéis do Poder
Renovada para uma segunda temporada, a série baseada na obra de J.R.R.Tolkien foi bombardeada com ataques racistas e machistas na internet por incluir pessoas negras e mulheres em posições de destaque
Batendo de frente com House of the Dragon, a produção estreou no início de setembro e também teve episódios lançados semanalmente. A história é focada milhares de anos antes de “A Sociedade do Anel”, primeiro filme da trilogia original, e traz de volta antigos personagens enquanto apresenta a história do surgimento de Sauron, o grande vilão dos filmes.
1899
A nova série dos mesmos criadores de Dark chega com a proposta de virar a cabeça dos espectadores com mais um novo mistério
Recém estreada na plataforma, os oito episódios narram os acontecimentos misteriosos que ocorrem em uma viagem de navio com imigrantes da Europa para os Estados Unidos em 1899. Uma descoberta em alto mar promete transformar a travessia em um pesadelo.
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The Devil’s Hour
Dahmer: Um Canibal
Americano
Rota 66
Big Mouth