Revista Instantes - ESMTG

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um meio rural onde as pessoas pouco se preocupam com a instrução e a cultura, mas com os trabalhos do campo, não era fácil e normal, sair daquele meio antes de ir cumprir o serviço militar. Eu experimentei bastante cedo essa dureza e por isso, ao terminar a escola primária, quando me colocaram a questão, se queria estudar mais, não hesitei, pois era a maneira de poder fugir àquela vida dura.

Eu e a filosofia

Prof. Lázaro Fernandes Com dez anos, saí da aldeia e fui estudar, para longe da família e dos amigos, coisa que não era tão habitual e normal, como nos dias de hoje; ainda não se tinha dado a democratização do ensino. Eram poucos os que continuavam a estudar depois da escola primária. Eu tive essa sorte e fui para um colégio interno dos Salesianos, onde recebi muita da formação que tenho e que dificilmente teria adquirido se não tivesse passado por esses colégios. Os anos foram passando e os estudos avançando até que um dia achei que aquilo não era o que eu queria fazer e, como tinha completado os dois anos de Filosofia, propedêuticos do curso de Teologia, achei por bem continuar a fazer a licenciatura em Filosofia, para não deitar fora aqueles dois anos. Nos dias de hoje, sou professor de Filosofia, mas confesso que nem sempre tive esse sonho e também não foi um sonho de criança que me trouxe até aqui, como por vezes acontece com certas pessoas. Ao longo dos anos de estudante e depois como professor houve filósofos que me marcaram, nomeadamente Sócrates, o da Grécia antiga. Sócrates foi uma figura carismática, por isso, seguiam-no muitos jovens atenienses, e enigmática, ao mesmo tempo, pois não deixou nada escrito, mas influenciou a filosofia posterior, através das suas conversas na praça pública, onde criticava o amor das riquezas e das honras e o desprezo da virtude. O que me marcou, sobretudo, foi a atitude perante a condenação, que transparece na Apologia de Sócrates e a arte do diálogo. Ele é mestre na arte de filosofar, pois em vez de ensinar coisas, ele próprio parecia querer aprender com o seu interlocutor. Hoje, os alunos habituam-se a aprender e quando iniciam a filosofia também querem aprender filosofia, como se houvesse uma filosofia. Mas isso é impossível, os jovens devem aprender a filosofar e Sócrates pode ser um bom mestre. A pedagogia socrática começa com o colocar de questões. Alegava, humildemente, nada saber. No entanto, no decorrer do diálogo, levava frequentemente os adversários a reconhecer os pontos fracos das suas reflexões. Ao fingir a ignorância, obrigava os seus oponentes a usarem a razão, a retirar qualquer coisa de si. É sobretudo por esta arte do diálogo, a “maiêutica”, por meio da qual levava os discípulos a descobrir as verdades que pretendia incutir-lhes, que sempre o admirei e me parece uma forma excelente de filosofar e aprender a filosofar.

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